Ébelô

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fragmentos do carnaval de rua de belo horizonte

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fragmentos do carnaval de rua de belo horizonte

– 2014 –


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Blocos Então, Brilha! [sáb] Pena de pavão de krishna [dom] Tico-tico serra copo [dom] Unidos do samba queixinho [dom] Filhos de tcha-tcha [seg] Alcova libertina [seg] Bloco do peixoto [ter] Blocolorido [qua] I wanna love you [qua] Bloco do manjericão [qua]

Fotografias Athos Souza Barbara Dutra Clarissa Lanari Fernanda Figueiredo Flora Rajão João Viegas Luiza Ananias

Textos Bernardo Biagioni Flora Rajão Guto Borges Maíra Gouveia Rafa Barros Roberto Andrés 3


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NOSSA CARNE MAIS VIVA

“E o meu coração/ rendia pólvora”

Uma cidade é – ou pode ser –, como dizem, um território comum. Mas o que quer dizer isso? Muita coisa, mas podemos estar falando de uma história. E a história é o que aconteceu sem que ninguém se desse muito conta quando andávamos juntos, num Gustavito, Samba para BH bando, ou num bloco, em pleno carnaval. Quando reinventávamos o chão que pisamos a cada passo que dávamos, quando fizemos a festa renascer e quando voltamos a cantar a cidade, escrevermos sobre ela e por sobre ela também. E, sim, é preciso escrevê-la. Sobre o dia que finalmente vestimos desavergonhadamente as nossas próprias fantasias e assim, só assim, nos deixamos a mostra. Quando viramos definitivamente as costas pra lógica mesquinha dos que mal viveram por aqui todos esses anos, saudosos de outros lugares que nunca viveram, entristecidos, embrutecidos, que por sobre os prédios mais altos, trafegando em vias congestionadas, condomínios privados, trancados dentro dos gabinetes e escritórios, mal viram a história que passava por debaixo do seus narizes.

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2014: o ano que saímos com alguns dos blocos “mais antigos” tais como o Tico Tico Serra Copo no Aglomerado da Serra, e o Filhos de Tcha Tcha na ocupação Rosa Leão. O ano que ficou um pouco mais claro pra mim a dinâmica dessa festa aqui em BH, afinal o nosso carnaval só fez até hoje alargar essa cidade. Sim, geograficamente, afinal visitamos lugares, margens e fronteiras do plano urbano formal da cidade com a festa, mas também, e principalmente, só fez alargar essa cidade dentro da gente. Enquanto desfilávamos por esses lugares essa espécie de fantasia de cidade nossa se desdobrava em nós, tornando ela enfim uma personagem cada vez mais ampla e vibrante em meio a essa nossa história que se faz no braço, no suor e com a voz. Enquanto os blocos se espremiam, escorregavam pelas ruas de terra, becos e vielas, era a cidade que renascia brilhante em nós, e era um novo território-afetivo que ia sendo delicadamente construído a tantas mãos e de dentro de nós saía de volta para o mundo a plenos pulmões. A cada gesto, por cada poro do corpo. “Um, dois, três, a Serra é vocês” é o que cantavam por lá, como se dissessem: “Olha, essa é a nossa cidade, vocês vivem aqui também. Vivemos juntos”. É que de fato existe uma cidade que é nossa. Uma cidade que inventamos e reinventamos dia a dia, na sola do pé. Uma cidade andarilha, que se carrega “como a parte inferior do maxilar dos seus mortos”. Lugar esse que talvez nunca tenha existido, e que talvez seja a mais pura fantasia-comum, não importa, pois é onde, de fato, moramos, e onde, de fato, uma cidade existe. E enquanto eles estão preocupados em pensar como farão para perpetuar a história infeliz deles por sobre nós, nós respondemos com a festa. Com nosso carnaval, ou seja, a nossa carne mais viva. Com a nossa alegria escancarada nas ruas. E continuaremos assim. Vivos. 8


Ps: É importante dizer que, se hoje até mesmo marcas de bebidas donas dos maiores “carnavais de mercado” vivem ávidas por repetir a ganância de outros carnavais por aqui, quem estava até pouco tempo nas ruas exigindo satisfações sobre “quem deixou fazer festa?” era a polícia. Começamos em 2009: quando não se liberava Blocos de Carnaval em Belo Horizonte. Houve até mesmo a vez que a prefeitura emitiu uma carta aos bares dizendo que caso vendessem – que ironia – bebidas aos foliões, seriam multados. Hoje tentam correr atrás do bloco que já partiu. Se estivessem lá em 2009 conosco talvez hoje não estivessem preocupados fazendo tantas contas em pleno carnaval.

Guto Borges

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CARNAVAL DE HORIZONTES Eu quero te amar, Carnaval de Belo Horizonte! Perceba em ti estes seus traços, braços, e as ruas e os velhos sobrados do Floresta ao União a se entrever em cores – veja as bicicletas descendo a Afonso Pena cruzando as alegorias da vida, e os fantasiados a se fantasiar de uma revolução não-silenciosa que percorre o íntimo destes dias de permissão e libertinagem. Um magistral desacato às imposições do cotidiano, um drible no trânsito, um sossego do vento, nossos encontros a se encontrar em becos e ruelas da Serra – Ei, Tico-Tico – e as montanhas se abrindo em novos caminhos e possibilidades dentro desta Nova Cidade, Bela, refém de uma Gente Maravilhosa que agora ocupa o espaço público com mais amor, e menos desassossego. É como se pudéssemos enfim redesenhar este Horizonte, arrastando em doces e tambores as dores e os dessabores a qual nos acometemos. Compartilhando lágrimas de sorrisos a se tatear em versos carnavalescos apaixonados que ecoam pelas largas avenidas arborizadas, fazendo amigos em abrigos improvisados pelos blocos que festejam as últimas chuvas de verão. 15


Impossível não amar, Belo Horizonte! Caminhando por entre as ocupações e os anseios de aurora, trocando ritmos e abraços com Zilah Spósito, tocando a Índia e os Astros com o Pena de Pavão de Krishna, e terminando o dia dançando com o Peixoto, ali na Brasil, observando os Ficus que ficaram para nos contar a história de uma cidade imaginária. Salve à Lagoinha, aos parques, às praças, à boemia que alimenta a poesia do samba, Bloco do Moreré ensaia no Santa Teresa, e as janelas vão se abrindo e se contaminando com o Manjericão que desfila na quarta-feira. Ainda zumbe nos ouvidos a bateria do Queixinho, os mantras do Pena, o reggae do I Wanna Love You. Bob Marley também está por perto, pode crer. E é pra acreditar nesta Nova Cidade, neste Novo Lugar, com uma Praia da Estação a nos abrir o horizonte para além-mar, cruzando a Andradas os brilhosos do Então Brilha, inaugurando no peito o despeito de acreditar em um Contorno melhor possível, onde todos possamos simplesmente acordar e nos encostar sem zelo, e sem medo. Amor, Carnaval. Pois é este o sentido e o sentimento que rege o compasso destes dias – acalentando as mágoas e as lástimas de outrora, e nos guiando pelos mares de morro que se serpenteiam pela cidade, dobrando a dor em felicidade, e devolvendo a Minas o nome de seu semblante. Belo. E Horizonte.

Bernardo Biagioni

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A REVOLUÇÃO POR MEIO DA FESTA A festa marca de forma contundente as intensidades da vida, individual e coletiva. Ela está intimamente ligada à socialidade brasileira, país cuja cultura é marcadamente festiva. E não existe no Brasil maior experiência festiva do que o carnaval! A festa é momento de encontro, de troca, de celebração e de experiência máxima do tecido urbano. Sua explosão coloca em contato as pessoas, reúne afetos, convida a população a experimentar e a se apropriar do espaço urbano, recuperando a consciência de sua “propriedade coletiva”. Acredito que toda festa é uma revolução e que toda revolução é uma grande festa. Tanto a revolução quanto a festa movimentam um poder perturbador capaz de transformar as relações e as estruturas sociais. Por isso o carnaval é tão assustador ao poder. Ele é avesso à ordem, constituindo um período transitório no qual tudo o que constrange e limita é sublimado nos convidando a experimentar a vida em sua potência máxima. Belo Horizonte passou por um movimento claro de negação à festa. Movimento ancorado em um discurso moral que teve seu braço forte no Estado, que impôs à cidade uma ordem não própria a ela. Contestando essa lógica e retomando outra forma de estar e viver a cidade, um grupo de belorizontinos iniciou, de maneira despretensiosa, no ano de 2009 23


o processo de retomada do carnaval de rua, restrito, até então, a poucos grupos tradicionais. Isso ocorreu por meio da colaboração entre foliões que mantiveram a autonomia organizacional e, sobretudo, total independência de qualquer agência reguladora ou fonte incentivadora. O carnaval de rua vem da ordem coletiva, das trocas entre amigos, de um movimento de dispêndio que não solicita remuneração, patrocínio ou projeção. Em questão está experimentar a alegria! Potencializando seu apelo político a celebração momesca do Curral Del Rei se apropriou de um importante princípio carnavalesco: a crônica, a sátira, a chacota. No carnaval, todo poder estabelecido, incluindo a 24

política e os políticos, são levados ao ridículo. Trata-se de um momento em que a crítica ganha forte apelo popular. Sinto que ainda estamos no momento de gestação desta festa. Sua projeção talvez esteja na descentralização, em seu espraiamento pelos bairros, criando blocos e levando outros tantos para cantos desconhecidos. Somando sua potência a outras tantas potências dispersas nas bordas da cidade. Guiados por esse ímpeto caminhamos, esse ano, rumo ao norte, na fronteira entre a capital mineira e a histórica cidade de Santa Luzia, onde outros limites se desenham. O bloco Filhos de Tcha Tcha partiu ao encontro da cidade informal, construída e vivida por famílias sem


teto, cujo sonho pela moradia se torna o alimento do dia a dia. Quatro grandes ocupações urbanas protagonizam, ali, a luta por uma política habitacional e social efetivas: Zilah Spósito Helena Greco, Rosa Leão, Esperança e Vitória. As famílias que constituem essa grande frente denunciam a falta de diálogo do poder público municipal, evidenciam o grave déficit habitacional existente na cidade e reclamam a inoperância da prefeitura e do estado na efetivação de programas de habitação social. Foi nas ruas de terra, construídas à mão e com a força coletiva, que o bloco desfilou alegria, cantando a legítima luta dessas pessoas que vêm, sistematicamente, tendo seus direitos ignorados. Num

belo percurso, margeando fazendas que ainda resistem à lógica urbana, pulando cursos d’água que brotam em pequenos vales e atravessando o Conjunto Ubirajara, um dos primeiros conjuntos de habitação social conquistados pelos movimentos organizados de Belo Horizonte, festejamos a resistência política e o poder dos encontros e dos deslocamentos. O carnaval de rua de Belo Horizonte foi, é e, esperamos, continuará sendo, um movimento independente e motivado pelo desejo de pertencimento máximo à cidade.

Rafa Barros 25


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CARNAVALIZANDO… A cada passo dado, a cada letra de música cantada, a cada dança, compasso e cansaço, se deslumbra uma nova possibilidade de viver BH no carnaval. Não posso usar uma palavra menor do que deslumbrante para descrever o que é a experiência de descobrir novas cidades dentro da paisagem. O estandarte do Estrela continha no centro um buraco no qual todos colocavam suas caras para serem fotografadas, e, com isso, o ícone do carnaval e do bloco passava a ser o próprio indivíduo, que o construía a cada passo e a cada dança. No bloco que mais Brilha, a multidão escorria devagar, redescobrindo as ruas velhas do velho centro da cidade planejada, abrindo alas numa manhã quente para o carnaval de BH passar; carnaval que, apesar de terem tentado com tantas canetadas conter, resiste, se engrandece e se alarga pela cidade afora... Provamos que em BH há praia e ela possui seu próprio bloco, do qual saímos absolutamente encharcados de pipa, de chuva, de frio, mas, principalmente, de plenitude, por mostrarmos nossa cara e podermos dizer que o que tem se tentado fazer com essa cidade “é uma merda”, mas que não ficaremos apáticos; que se a prefeitura nos condena a tanto cinza, a condenaremos à nossa alegria, à felicidade, ao amor e à resistência.

“Ébelô, afoxé, todo mundo andando a pé” Rafael Fares, Aflorou – PPK

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Dentro do PPK, os rostos pintaram-se de azul numa tentativa de também se tornar entidade, uma massa de faces azuis quase irreconhecíveis individualmente destacava-se sobre as vielas marrons sem asfalto. Deuses e deusas indianas adornados inundavam com a cadência brasileira lugares inusitados desta velha cidade. Bahia, BH, Índia e o Mundo tornavam-se um único lugar. No Filhos de TchaTcha a imagem da Grécia, estampada em estandarte, vem visitar as ocupações belorizontinas. As crianças, manifestações mais belas do carnaval,integram-se ao bloco, tocam, gritam, cantam, nos ajudam a achar os caminhos, nos molham, nos olham e, acima de tudo, com olhares e toques tão sutis e profundos, nos mu(n)dam e nos preenchem de uma força recém-descoberta. No Tico Tico Serra Copo, as vistas mais lindas desse horizonte tão desgastado pela exploração desenhavam-se para nós, enquanto buscávamos espaço entre ruas tão estreitas e casas pequenas que se abriam, às vezes felizes, às vezes temerosas, quando batíamos em busca de água. Encerramos a noite nos integrando e entregando a um incrível Baile Funk, fazendo com que a ponte que estávamos construindo pudesse ser percorrida nos dois sentidos. No Blocolorido, queríamos ser, ainda estávamos de apetite aberto para tragar o que restara de desconhecido e novo na cidade, manchados de cor, pó e suor, contando com a exaustão de experiência tão catártica: uma euforia e histeria explicadas apenas pela intensidade de cada uma das vivências percorridas durante a semana. 32


Diversos blocos, uma missão: “chutar a tradicional família mineira”! Provar que a cidade é nossa, lutar nossas lutas, lutar outras lutas, inundar a rua de voz humana, de canto humano. Inundar de cores e corpos humanos esse território que tivemos de apropriar, apesar de sempre ter nos pertencido. Nas mais diversas paisagens e nos mais diversos pontos da cidade o carnaval de belo horizonte se desenrola, cresce e cria raízes como uma árvore. Hoje cooptado pelo poder como uma festa que pretende entrar no calendário da cidade e que se propõe a virar programa turístico, essa festa carnavalesca tem um tronco muito firme nos movimentos que estão contra o sistema de poder político vigente. Se por um lado suas folhas e flores crescem dando a parecer que é somente mais uma festa no circuito carnavalesco do país, suas raízes mostram que há muito pouco tempo atrás o carnaval foi coibido e rechaçado pelas grandes estruturas que dominam a cidade e sua economia. E que se ele se manteve vivo e cresce é porque essas raízes consomem de dentro da terra o sumo de desejo de mudança.

Maíra Gouveia 33


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CARNAVAL:

o grande ritual de pequenas revoluções!

Pensar sobre o carnaval de rua de Belo Horizonte é ultrapassar a fronteira da folia e adentrar num grande ritual de pequenas revoluções. A folia acaba na chorosa, ainda que festiva, – o(u) último grito –, quarta-feira de cinzas. É. O grande ritual tem data marcada no calendário, desde não sei quando, com início, meio e fim. Já as pequenas revoluções se estendem ao longo dos dias. Para os mais fortes: se estendem ao longo de cada segundo de instante que percorre o ano. Assim, vamos tentando embutir toda magia nos respiros que seguem (mesmo que os respiros sejam suspiros de saudades do carnaval que passou), até que o esperado momento de re-viver o sonho da fantasia chegue novamente. As pequenas revoluções que o carnaval incita, só são pequenas porque eu as amo e gosto de chamá-las assim, num adjetivo diminutivo carinhoso, por pura paixão: como o amante que chama a amada de “pequena”, mesmo sendo ela muito mais alta que ele. 39


Carnaval é uma filosofia de vida poética, sim. É o onírico derramado sobre a rotina cinza da cidade. Carnaval também é política, é reivindicação. Carnaval é a liberdade de percorrer as ruas, sendo o que queremos ser. Carnaval é o rito compartilhado de colocar uma máscara, para tirar todas as outras. Sem medo, sem culpa. Passeamos com nossos estandartes, que sobrevoam o asfalto, para mostrar que o simbolismo de fincar bandeira pra marcar território está ultrapassado. No coletivo, preferimos o voo itinerante de tudo aquilo que nos representa. Nossas bandeiras são muitas, coloridas, cheias de brilho, lantejoulas e purpurina! A maior pequena revolução que vivemos com nosso carnaval de rua, também é fruto da praia: a Praia da Estação, que só ganhou o status marinho, porque assim fizemos ser. Nossa maior pequena revolução é justamente esta: o fazer acontecer! Belo Horizonte aumentou seu número de blocos de carnaval para a centena, não foi por causa de incentivos do governo ou de qualquer patrocínio financeiro. Muito pelo contrário. Ganhar as ruas exigiu uma série de enfrentamentos. Tivemos que buscar e vestir aquele protagonismo que existe no interior de cada um. É esse empenho individual que dá o tom horizontal de todo o movimento. O carnaval de rua de BH é o estímulo festivo que provoca a retomada das ruas como lugar do encontro e do enriquecimento da experiência do indivíduo, por colocá-lo de frente ao outro, no palco mais democrático que se pode haver. Carnaval é o grito mascarado, que tira todas as máscaras e clama por uma política urbana mais humana, por ruas que não sejam pensadas apenas para os carros, por cidades que sejam feitas pra receber histórias de gente que se olha de frente, que se quer bem e que não se julga.

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Enquanto a banda toca, outra sutil gigante revolução acontece: o olhar nos olhos de quem se ama, amando; o olhar nos olhos de quem nunca se viu, se permitindo amar. Não quero soar piegas ao falar de amor, nestes tempos em que esta palavra está sendo tão dita e pouco sentida. Mas não posso falar do carnaval de rua de BH, sem falar de amor. Um amor que vai muito além dos adesivos de coração, colados nos rostos dos foliões. Um amor que brota na construção conjunta, em se perceber parte de um todo convergente, que pode ser real. Que deve ser! Um amor que brinda a contemporaneidade sincrônica, o fato de estarmos vivos no mesmo espaço-tempo. Esse derramamento vem do estar presente, sem pressa e sem preocupação, tentando fazer o agora carnavalesco se transmutar no eterno sempre. Não sei dizer se todo o romantismo que sinto pelo carnaval vem de uma vontade antiga de reviver a tropicália dentro de mim. Apenas sinto que posso dizer, cantando: “Que bom, que bom, que bom, que bom!”

Flora Rajão

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CORTEJAR É PRECISO Sempre senti um certo descompasso entre o discurso das canções populares, textos de sociologia e antropologia, e a experiência concreta do carnaval no Brasil. Entre a promessa de uma festividade rica e plural e a realidade de quem veio ao mundo já nos anos 80, no florescer da cultura de massas, da violência generalizada, da urbanização desumanizadora, que levam ao abandono ou comercialização dos rituais urbanos. Para mim, a retomada do carnaval de BH tem a ver com isso: amantes da folia em busca do que ela poderia ser, mirando o passado para encontrar o possível. Afinal, se “a gente trabalha o ano inteiro pra tudo se acabar na quarta-feira”, tinha que haver carnaval para além do trio elétrico, da música repetitiva, da multidão amorfa, das abordagens machistas e grosseiras, do colete alaranjado, da relação predatória com o território – a área vip, o lixo, a sujeira, o cheiro de urina. Enfim, era preciso haver carnaval para além do que ele tinha se tornado como produto a ser consumido por massas anônimas. Que fique claro que esta não é uma reivindicação elitista. Cultura de massas é diferente de cultura popular. Na minha experiência da festa momesca, foram nos blocos menores que as trocas mais bonitas entre pessoas de grupos sociais diferentes se deu. 49


Junto com o carnaval, retoma-se as ruas, junto a um movimento global de ocupação de espaços urbanos que foram entregues aos automóveis e ao medo. O primeiro passo para tarefa tão urgente é sair da bolha blindada, “olhar nos olhos do outro”, como colocou a psicanalista Maria Rita Kehl. E quem pisa na rua logo vê que a violência é fruto do medo, cujo principal ingrediente é a imaginação. Foi no carnaval que muita gente, eu inclusive, aprendeu a conviver com o outro, o outro mesmo, o diferente, sem medo – olhar nos olhos. O expediente do carnaval é o fluxo vaguejante do cortejo, que cheguei a vivenciar em minha infância no interior. Enterros e procissões atravessavam as cidades de um lado a outro, compartilhando ritos, tristezas e alegrias. A dinâmica das grandes cidades marginalizou essas práticas urbanas caminhantes, tanto a do enterro quanto a da procissão religiosa, restringindo o direito ao cortejo para os engarrafamentos de carros. Cortejar é preciso, deveria estar escrito em um cartaz de manifestação – esse modelo de cortejo que ocupou as cidades brasileiras em 2013.

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Não sei o que vem por aí, mas acho que o carnaval de BH chegou a um nó interessante. Por um lado, participou de um movimento de retomada das ruas e das festividades urbanas compartilhadas. Por outro, encontra em seu próprio crescimento, em seu devir majoritário, alguns dos elementos que se buscava superar. Escapar da cooptação eleitoreira e anestesiante do poder público ou de se tornar mais uma festa comercial parecem ser os desafios. Mas há uma suspeita de que, quando uma instituição é criada, e o carnaval de BH é uma, fica em seu DNA algo daquela minoria, daquilo que se buscava para além do modelo hegemônico. Onde isso vai parar eu não sei, mas receio que “não pare nunca”,como me disse certa vez um amigo, aos pulos e abraços, no meio da avenida, sob chuva torrencial e ao som do bumbo.

Roberto Andrés


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Ébelô – território comum

Fragmentos do carnaval de rua de Belo Horizonte

Organização

Concentração de Carnaval

Coordenação geral Rayane Matta

Produção executiva e pesquisa

Henrique Chaves, Lailah Gouvêa

Projeto gráfico, diagramação e produção gráfica Renata Gibson

Produtoras

Bruna Bizzotto, Clarisse Marinho

Assistente de produção e pesquisa Leandro Lança

Curadoria fotográfica e pesquisa Barbara Dutra

Fotografias

Athos Souza, Barbara Dutra, Clarissa Lanari, Fernanda Figueireido, Flora Rajão, João Viegas, Luiza Ananias

Curadoria literária Leandro Lança

Textos

Bernardo Biagioni, Flora Rajão, Guto Borges, Maíra Gouveia, Rafa Barros, Roberto Andrés.

Revisão

Código Plus

Tiragem 1000

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Créditos das fotografias 1ª e 2ª capas:

Barbara Dutra / iwannaloveyou + blocolorido + manjericão

3ª e 4ª capas:

Barbara Dutra / iwannaloveyou + blocolorido + manjericão

Páginas: 2e3

16 e 17

4e5

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João Viegas / então, brilha! Athos Souza / ppk

6, 7 e 8

Barbara Dutra / então, brilha!

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Barbara Dutra / iwannaloveyou + blocolorido + manjericão

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Flora Rajão / filhos de tcha-tcha

Flora Rajão / filhos de tcha-tcha

10 e 11

João Viegas / queixinho

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Flora Rajão / bloco do peixoto Barbara Dutra / então, brilha!

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22 e 23

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24 e 25

Barbara Dutra / então, brilha! João Viegas / então, brilha! João Viegas / queixinho João Viegas / então, brilha! João Viegas / queixinho Barbara Dutra / iwannaloveyou + blocolorido + manjericão João Viegas / queixinho João Viegas / então, brilha! João Viegas / queixinho

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Fernanda Figueiredo / blocolorido

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João Viegas / queixinho

Flora Rajão / filhos de tcha-tcha Barbara Dutra / então, brilha!

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João Viegas / queixinho

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Athos Souza / ppk

28 (esquerda > direita)

Barbara Dutra / então, brilha! Barbara Dutra / então, brilha! Barbara Dutra / então, brilha! Barbara Dutra / então, brilha!


Luiza Ananias / ppk Barbara Dutra / então, brilha! Barbara Dutra / então, brilha! Barbara Dutra / então, brilha! Barbara Dutra / então, brilha!

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João Viegas / então, brilha!

30 e 31

Athos Souza / ppk

32 e 33

Flora Rajão / filhos de tcha-tcha

34 e 35

Athos Souza / ppk

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Luiza Ananias / ppk

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Luiza Ananias / ppk Luiza Ananias / ppk Clarissa Lanari / bloco do peixoto

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Athos Souza / tico-tico

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Luiza Ananias / tic0-tico

42 e 43

João Viegas / então, brilha!

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Barbara Dutra / então, brilha! Barbara Dutra / iwannaloveyou + blocolorido + manjericão Barbara Dutra / iwannaloveyou + blocolorido + manjericão Barbara Dutra / iwannaloveyou + blocolorido + manjericão

Barbara Dutra / iwannaloveyou + blocolorido + manjericão Barbara Dutra / então, brilha! Barbara Dutra / então, brilha! Barbara Dutra / iwannaloveyou + blocolorido + manjericão Barbara Dutra / iwannaloveyou + blocolorido + manjericão

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Barbara Dutra / então, brilha!

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João Viegas / queixinho

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Luiza Ananias / tico-tico

48 e 49

Barbara Dutra / iwannaloveyou + blocolorido + manjericão

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Luiza Ananias / ppk

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Flora Rajão / bloco do peixoto

52, 53 e 54

Flora Rajão / filhos de tcha-tcha

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Fernanda Figueiredo / manjericão

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Barbara Dutra / iwannaloveyou + blocolorido + manjericão

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Este livro foi composto nas fontes Nexus Sans, Nexus Mix e Nexus Serif. O miolo foi impresso em papel Couché fosco 150g e capa foi impressa em papel Supremo Duo Design 350g pela gráfica Formato, em Belo Horizonte, no mês de janeiro de 2015.



CA: 0890/001/2013

INCENTIVO


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