Metalinguagem Visual: Uma história da arte pintada

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Ana Luiza Guimarães dos Santos

Metalinguagem Visual: uma história da arte pintada Trabalho de Conclusão de Curso (tcc) apresentado ao Colegiado de Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção de título de Bacharel em Artes Visuais

Habilitação: Pintura Professor da disciplina e Orientador: Mário Azevedo

Belo Horizonte Escola de Belas Artes da ufmg 2012


agradecimentos: A todos os familiares, em especial meus pais, que educaram-me no gosto artístico desde jovem, incentivando minhas escolhas e compreendendo minhas formas de expressão. A todos os professores da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, especialmente os professores de pintura Mário Zavagli e Mário Azevedo e aos professores de fotografia. Ao amigo filósofo Thiago Gomes, pela sua contribuição teórica. A todos os modelos que disponibilizaram suas imagens para a criação destes trabalhos. Em destaque, a Deus, concessor de meus A todos os amigos que apreciam meu trabalho

talentos, saúde e inteligência. A Ele, minha

e, por isso, sempre se dispõem em divulgá-lo.

Ação de Graças.

Meus sinceros agradecimentos.


sumário: Introdução: Misturando as partes Justificativa: Uma experiência, uma vontade Desenvolvimento: Relato dos processos Método: Amplitude técnica Objetivos: Daqui para frente Conclusão: Reflexão possível Referências

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introdução:

misturando as partes urante toda a História da Arte, estilos

D

e movimentos se sobrepõem, negando ou refazendo as ordens anteriores.

No século XX tivemos o maior exemplo disso com uma tempestade de manifestos estilísticos. Até que, fundamentada a Arte Contemporânea, todos os estilos são permitidos, anteriores ou não, concomitantemente. Metalinguagem Visual: uma História da Arte pintada, como trabalho de Conclusão de Curso em Artes Visuais, narra uma história de aprendizado artístico através da prática pictórica. Baseada em uma operação metalinguística, a minha produção pictórica tenta justapor uma multiplicidade de estilos da história da pintura em uma mesma peça. Mesmo tendo utilizado de estudos prévios à execução das pinturas, fui surpreendida no que se refere à expressão, ao poder que os trabalhos adquiriram quando prontos.

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justificativa:

uma experiência, uma vontade inha estadia na cidade de Nova

M

Iorque em 2011 significou muito mais do que, até então,

havia percebido. Ali, tudo me pareceu muito intimista e solitário, apesar da exuberância visual. A felicidade parecia estar apenas dentro de mim e sob o meu controle. Foi uma viagem de poucos registros imagéticos e muitos registros sensitivos e escritos; meu único interesse era a poetização do tempo, não passando de estar ali e simplesmente viver. Portanto, em todos os sentidos, minha vivência durante este período foi imaterializada. As experiências pessoais de contemplação de obras como “Princess de Broglie” de Ingres, “Les Demoiselles

“Princesse de Broglie”, 1851-53. Jean-Auguste-Dominique Ingres, França, 1780-1867. Óleo sobre tela, 121.3x90.8 cm Robert Lehman Collection, 1975, The Metropolitan Museum, Nova Iorque.

d’Avignon” de Picasso, o auto-retrato de Van Gogh, o “Branco sobre branco” de

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Meu único interesse era a poetização do tempo, não passando de estar ali e simplesmente viver.

Malevicth, ou a “Composição viii” de Kandinsky, entre vários outros ícones da história da arte ocidental, marcariam de tal forma meu desejo artístico a ponto de não me conter mais em uma única maneira de pintar. Penso ainda que o meu envolvimento prévio com essas obras de forma intelectual, potencializou a ansiedade e impacto que obtive ao vislumbrá-las ao vivo. Em algumas situações, isso foi como tocar o inalcançável, o impossível, o irreal. As longas histórias lidas nos livros deixaram de ser apenas estudo de uma história ou narrativa, para se tornar uma realidade palpável, e porque não dizer, perfeita.

“Lírios n’água”, 1914–26. Claude Monet, França, 1840–1926. Óleo sobre tela. 199 x 599 cm. The Museum of Modern Art, Nova Iorque.

Detalhe de “Lírios n’água”, Claude Monet.


Quadros Modernos “Pode ser Flores de Monet Mar de girassóis Tudo é tão comum Sem ter você Pode ser Tela de Guignard Sol de Renoir Cores de cristal iluminando o dia Pode ser Filme de Godard Torres de Gaudi Um desenho a giz Vou ser feliz

Pode ser E que seja assim Se é pra sonhar Não seja no fim Pode ser Chuva da manhã Curvas de Rodin Tudo é tão comum Sem ter você Pode ser Sonhos de Dali Traços de Miró Só a sua luz me ilumina a vida Pode ser O Abaporu Portinari azul Tudo é tão igual É tão comum Pode ser o que imaginar Sem você aqui Só resta sonhar”

Toninho Horta1 “Canal de Gravelins à noite”, 1890. Georges-Pierre Seurat, França, 1859–1891. Óleo sobre tela, 65 x 81 cm. 1963, The Museum of Modern Art, Nova Iorque.

Faixa 4 — CD “Quadros Modernos — Toninho Horta, Chiquito Braga e Juarez Moreira ”. Minas Records , Brasil — 2000

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Detalhe da obra “Canal de Gravelins à noite”, Georges-Pierre Seurat.

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Todos esses acontecimentos tiveram como cenário uma cidade submersa em neve, durante um dos invernos mais rigorosos dos últimos tempos (como noticiava o The New York Times); vivi uma realidade também inédita aos meus olhos, que passaram a enxergar perfeitamente sem ajuda de lentes corretivas após uma cirurgia feita dias antes da viagem. Não duvido que, para quem era alto-míope desde a infância, observar beleza ao natural nestas proporções em um ambiente de qualidade surreal para uma brasileira tropical, tenha provocado uma maior sensibilidade perceptiva. A minha história de vida também

“Auto-retrato com um chapéu de palha”, 1887 Vincent Van Gogh (Alemanha, 1853–1890). Óleo sobre tela, 40.6x31.8 cm. The Metropolitan Museum, Nova Iorque.

comporta essa multiplicidade. Cresci em uma tradicional católica família mineira, filha temporona entre dois irmãos homens. A religiosidade e um certo machismo tolheram minha liberdade de expressão, em alguma medida, e penso que sempre me senti moderna possuindo traços de independência e autenticidade. Assim, minhas percepções filosóficas sempre transitaram sobre a linha divisória entre a tradição e contemporaneidade. Acredito que, por isso, estilos renascentistas, clássicos e barrocos, me agradem tanto quanto a subversão pictórica

“A noite estrelada”, 1889. Vincent Van Gogh (Alemanha, 1853–1890). Óleo sobre tela, 73 x 92 cm, 1941. The Museum of Modern Art, Nova Iorque.


“A dança”, 1909. Henri Matisse, França, 1869–1954. Óleo sobre tela, 259 x 390 cm, 1963. The Museum of Modern Art, Nova Iorque.

“Composição 8”, Julho 1923, Kandinsky. Óleo sobre tela, 140x201 cm Guggenheim Museum, Nova Iorque.

“Les Demoiselles d’Avignon”. Pablo Picasso (Espanha, 1881– 1973). Óleo sobre tela 243.9 x 233.7cm. MoMa. Nova Iorque.

“O retrato”, 1935. René Magritte, Bélgica, 1898–1967. Óleo sobre tela, 73,3 x 50,2 cm, 1956. The Museum of Modern Art, Nova Iorque.

Vivi uma realidade também inédita aos meus olhos 12•13


do Cubismo ou do Neo-Expressionismo, além das ironias recentes da Pop Art. Considero esses como alguns dos principais motivos para a realização desde projeto metalinguístico, condizente com a definição de Clement Greemberg para o Modernismo: Detalhe da obra “Marilyn Monroe de ouro”, 1962. Andy Warhol, Estados Unidos, 1928–1987. Serigrafia e acrílica sobre tela. 211 x 144 cm, The Museum of Moder Art, Nova Iorque.

“O modernismo na arte representa o limite antes do qual os pintores dedicaramse a representar o mundo como este se apresentava (...). Com o modernismo, as próprias condições de representação tornaram-se centrais, de modo que a arte de certa forma se tornou o seu próprio assunto”.2

“Planos modulados sobre a face”, 1957. Lygia Clark, Brasil, 1920–1988. Fórmica e pintura industrial sobre madeira, 99 x 99 cm. 2008, The Museum of Modern Art, Nova Iorque.

“Estilo de vida”, 1963. Tom Wesselmann, Estados Unidos, 1931– 2004. Técnica mista, 122 x 167 x 10 cm. 1970. The Museum of Modern Art, Nova Iorque.

DANTO, Arthur DANTO, Arthur C. Após o Fim da Arte: A Arte Contemporânea e os Limites da História / Arthur C. Danto: trad: Saulo Krieger. São Paulo: Odyssseus Editora, 2006. p. 9.

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desenvolvimento: relato dos processos enso que meu trabalho com a

P

pintura iniciou-se aos 12 anos de idade, quando comecei a ter

aulas particulares de pintura. Passei por dois ateliês, sempre executando pinturas figurativas, como paisagens e naturezas-mortas, utilizando a técnica óleo sobre tela, sob a orientação de pintores mais

“Free Willy”. 1998, óleo sobre tela. 70 x 50 cm

experientes.

“Natureza morta I”. 1999, óleo sobre tela. 40 x 50 cm

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Pinturas variadas,1998–2003


Todas as peças eram baseadas em fotografias ou cenas de revistas e livros, unicamente com o objetivo mimético. No entanto, esta prática contribuiu consideravelmente para o domínio técnico do óleo sobre tela, para um apuramento cromático e para uma evolução no desenho básico. Pintei vários quadros durante seis anos presenteando familiares e amigos com eles; todos me pareceram apreciar essas peças.

para um apuramento cromático e para uma evolução no desenho básico

“Paisagem bucólica”, 2003, óleo sobre tela. 50 x 70 cm.

“Natureza morta II”. 2003. Óleo sobre tela. 90 x 70 cm

“Entardecer”. 2002. Óleo sobre tela. 90 x 60 cm

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“Ilustração de Al Pacino”. 2005, grafite sobre papel. 42 x 30 cm


Aos 18 anos, planejando a minha inserção em uma escola de arte de nível universitário, estudei desenho a grafite também submetido ao mesmo método de cópia de fotografias e cenas reais. Neste período, considero que evoluí minha percepção de luz e sombra, técnicas específicas de grafite sobre papel e ganhei uma certa velocidade na produção. Outro aspecto importante deste período foi inclusão da representação da figura humana entre as minhas habilidades. Desenvolvi essa técnica de tal maneira que cheguei a comercializar alguns retratos feitos por encomenda. A partir de então, me voltei quase que unicamente à representação da figura humana.

inclusão da representação da figura humana entre as minhas habilidades

“Ilustração de Einstein”, 2006, grafite sobre papel. 30 x 42 cm

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A partir de então, me voltei quase que unicamente à representação da figura humana

A produção especificamente de pintura que desenvolvi até agora na Escola de Belas Artes da ufmg sofreu algumas interrupções desde 2006, quando ingressei no curso. Comecei estudando Fotografia, depois, Artes Gráficas, mas sempre trabalhando com a figura humana. Foi no ciclo básico que tive o primeiro contato com a História da Arte e os grandes mestres da pintura. Antes disso, meus conhecimentos eram apenas como expectadora, pois desde mais jovem tenho o hábito de frequentar espetáculos e exposições artísticas. Este conhecimento teórico muito me envolveu. Era um conteúdo pelo qual eu realmente me interessava, identificava e me dedicava com fervor. Foi também no ciclo básico prático que fiz um primeiro trabalho citacionista. “Almoço sob às árvores” foi um trabalho que dialogou a bidimensional e tridimensionalidade pela sobreposição de placas de mdf coerentes ao zoom aplicado ao recorte da imagem. Em meio a esses frames de aproximação, o trabalho cita Manet, com fragmento da obra “Almoço na relva”, de 1863.

“Almoço na relva”, 1863. Édouard Manet. Óleo sobre tela. 208 x 264,5 cm. Museu de Orsay, Paris


“Almoço sob às árvores”. 2007. Óleo sobre MDF. 80 x 55 cm

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Detalhe da obra “Retrato Documental !�.


Comecei a visualizar um projeto próprio de trabalho em minha prática pictórica na escola, somente após um trabalho com cianótipos e pintura, em 2010: os “Retratos Documentais”, como denomino a série, devido à pose documental dos personagens, como que fotografados em formato 3 x 4. Eles inauguraram uma produção carregada pela estética da Pop Art, cheias de cores vivas e grafismos. Neste trabalho, utilizei fotografias antigas de familiares, valendome da técnica de fotografia artesanal do cianótipo3 e, posteriormente, trabalhando com pintura sobre as mesmas.

Cianótipo. Definição: Processo inventado pelo inglês Sir John Frederick William Herschel (1792-1871) em 1842, empregando sais de ferro como substância fotossensível. Esse processo, que produzia imagens de coloração azulada - razão pela qual também foi conhecido como blue print - era de execução muito simples, tendo sido bastante popular nas duas últimas décadas do século passado. Atualmente, a cianotipia também tem sido bastante utilizada pelos autores que empregam a fotografia com fins de expressão pessoal, como Kenji Ota (1952) em São Paulo e Regina Alvarez no Rio de Janeiro, em virtude da sedutora beleza de suas imagens. (Conforme Enciclopédia Itaú Cultural Artes Visuais – Disponível em: http://www. itaucultural.org.br. Data de atualização: 29/06/2005. Data de acesso: 02/05/2012)

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Detalhe da obra “Retrato Documental !”.


Detalhe da obra “Retrato Documental !�.


“Retrato Documental !”. 2010, cianótipo e guache sobre papel, 30 x 42 cm

“Retrato Documental !II”. 2010, cianótipo e guache sobre papel, 30 x 42 cm

“Retrato Documental !!”. 2010, cianótipo e guache sobre papel, 30 x 42 cm

“Retrato Documental !V”. 2010, cianótipo e guache sobre papel, 30 x 42 cm

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Entretanto, no final do ano de 2010 e início de 2011, vivendo na cidade de Nova Iorque e experimentando uma overdose de história da arte em cada visita a um novo Museu de Arte, quando a visualização maciça de tantas variações de arte e história, fez com que eu me identificasse imediatamente com a produção do ilustrador Saul Steinberg, que personifica os estilos artísticos e os coloca em diálogo numa mesma cena. Ainda assim, recém chegada de viagem, pintei outro cianótipo, desta vez uma paisagem: novaiorquina.

“Paisagem do tempo”. 2011. Cianótipo e guache sobre papel, 30 x 42 cm


Buscando conjugar humor e cor, as obras “Diálogo histórico-pictórico” (óleo e têmpera sobre tela, 133 x 141 cm), “Retrato de várias maneiras” (aquarela sobre papel, 30 x 21 cm), “Coletivo estilístico” (técnica mista sobre osb4, 122 x 110 cm) e “Mistura de etnias” (óleo e têmpera sobre osb. 76 x 182cm) produzidas por mim nos últimos anos de estudo e experiência com a pintura, oficializaram o início da formação de um estilo próprio, montado sobre a exploração de outros estilos. Planejando a primeira grande tela, fiz os “Retratos de minha mãe” como exercício técnico em pintura e experimentação das cores dourada e prateada da tinta à óleo. “Exercício de retrato a óleo”. 2011, óleo sobre tela. 70 x 100 cm

Abreviatura da expressão inglesa Oriented Strand Board, material composto por lascas de madeiras orientadas segundo uma determinada direção e prensadas misturadas à resinas, formando painéis, que podem substituir a madeira em várias utilizações.

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26•27


Em “Diálogo histórico-pictórico”, retratei um grupo de amigas, baseada em uma fotografia com poses inusitadas e espontâneas que tiramos na época. Eu estou na cena e este é o primeiro auto-retrato em pintura. Aos poucos, durante a execução da obra, as pessoas conhecidas por mim deixaram de ser Marina, Marla, Júlia, Isabelle, Thaiana e Ana para se tornarem personagens tais como: a personagem “renascentista”, a “pontilhista”, a “expressionista”, a “impressionista”, a “cubista” e a “pop”. Enfrentei dificuldades: a tela de grande formato, e os muitos anos sem pintar à óleo sobre tela em um alto nível de dificuldade/diversidade com aquela técnica.


28•29

Detalhe da obra “Diálogo histórico-pictórico”.


Detalhe da obra “Diálogo histórico-pictórico”.


30•31 Detalhe da obra “Diálogo histórico-pictórico”.


Detalhe da obra “Diálogo histórico-pictórico”.


“Diálogo histórico-pictórico”. 2010. Óleo e têmpera sobre tela, 133 x 141 cm

32•33


Mas, mesmo assim, o resultado de “Diálogo histórico-pictórico” foi surpreendente para mim: cor, forma e texturas resolvidas e

No final do semestre ainda fotografei oito

equilibradas. O humor natural da cena, aliada

colegas do Ateliê em formato do tipo 3x4,

à “brincadeira” da mistura de estilos trouxe à

montei uma composição com todas as fotos

tona, de maneira diferente à dos cianótipos, a

e pintei cada um deles em um estilo, com a

estética Pop e seu caráter lúdico e irônico ao

técnica de aquarela. Chamei este trabalho de

transmitir um jogo de imagens e citações.

“Retratos de várias maneiras”.

“Retratos de várias maneiras”. 2010. Aquarela sobre papel, 30 x 21 cm


Uma amiga que apreciou este trabalho, encomendou uma aquarela seguindo a mesma proposta partindo de imagens fotográficas dela mesma.

Detalhe da obra “Retratos de várias maneiras”.

34•35


Detalhe da obra “Retratos de várias maneiras”.


“Retratos de várias maneiras”. 2010. Aquarela sobre papel, 30 x 21 cm

36•37


Finalizando o semestre, o trabalho denominado “Mistura de etnias” é baseado em uma fotografia (também de minha autoria) tendo como modelo uma amiga natural de Hannover, Alemanha, filha de mãe brasileira e residente no Brasil. Poliglota e mestiça, a alemã tatuou uma ave brasileira na metade de suas costas, em meio a um cenário florestal.Vesti a sua figura com um jeans americano e utilizei um ornamento de acabamento de castelos alemães na lateral da composição. Sobre estas citações relacionadas às várias etnias, variei os tratamentos e estilos pictóricos: carnação barroca, cabelo expressionista, tatuagem hiper-realista, objeto de assento pontilhista, vestimenta em desenho e barrado tradicional.


38•39 Detalhe da obra “Mistura de etnias”


Detalhe da obra “Mistura de etnias�


“Mistura de etnias”. 2011. Óleo e têmpera sobre OSB. 76 x 182 cm

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Minha passageira vivência na cidade de Nova Iorque, cosmopolita, e minha natureza brasileira, mestiça, foram motivos preponderantes na criação desta obra. Entrar em um vagão de metrô e ouvir pessoas conversando em cinco línguas diferentes, ao mesmo tempo, bem como sentar em uma mesa de bar em Belo Horizonte e testemunhar esta mesma amiga variar quatro, cinco vezes de idioma para se comunicar com outros estrangeiros presentes também foi marcante para mim. Essa mistura, união que gera infinitas combinações diferentes, cheias de cores, sons e cheiros inusitados, é o que me atrai na multiplicidade.


Minha passageira vivência na cidade de Nova Iorque, cosmopolita, e minha natureza brasileira, mestiça, foram motivos preponderantes na criação desta obra. Entrar em um vagão de metrô e ouvir pessoas conversando em cinco línguas diferentes, ao mesmo tempo, bem como sentar em uma mesa de bar em Belo Horizonte e testemunhar esta mesma amiga variar quatro, cinco vezes de idioma para se comunicar com outros estrangeiros presentes também foi marcante para mim. Essa mistura, união que gera infinitas combinações diferentes, cheias de cores, sons e cheiros inusitados, é o que me atrai na multiplicidade. Continuando nesta direção, propus um quadro diverso, “Coletivo de estilos”. Esse foi um projeto sob a minha direção, mas de execução coletiva em que fotografei os alunos pintores do Ateliê da Escola de Belas Artes em pose documental e convidei para cada deles um pintar um outro colega fotografado, em uma tela única. Cada pintor, em seu espaço determinado, teve absoluta liberdade para executar o retrato com seu próprio estilo e palheta cromática. A peça finalizada possui, além da variedade de estilos pictóricos, outras variações de biotipos; e o que mais desperta um interesse nos expectadores pelo trabalho são exatamente as diferenças assim estabelecidas.

42•43 Detalhe da obra “Coletivo estilístico”


Detalhe da obra “Coletivo estilístico”


44•45 Detalhe da obra “Coletivo estilístico”


Detalhe da obra “Coletivo estilístico”


“Coletivo estilístico”, 2011. Técnica mista sobre madeira OSB, 122 x 110 cm. Concepção e direção: Analu Guimarães Execução*: Analu Guimarães, Rosceli Vita, Daniel de Carvalho, Raimundo Brito, Gabriella Sousa, Thaís Lustosa, Cássio Ferreira, Cynthia Martins, Renata Languardia, Lúcia Latorre, Analu Guimarães, Leonardo Oliveira. *Da esquerda para a direita, de cima para baixo.

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Percebo, ao final destas obras, uma relação direta entre a Pop Art americana, intertextual, cheia de colagens e apropriações e o movimento Tropicalista brasileiro, citacionista e mais que antropofágico, popular, ambos esteticamente coloridos e críticos. Sinto que meu lugar está neste paralelo.

Sinto que meu lugar está neste paralelo.


Chiclete com Banana “Só ponho bebop no meu samba Quando o tio Sam pegar no tamborim Quando ele pegar no pandeiro

Bebop, Bebop, Bebop,

e no zabumba

Bebop, Bebop, Bebop,

Quando ele entender que o

Bebop, Bebop, Bebop,

samba não é rumba

É o samba-rock, meu irmão

Aí eu vou misturar Miami com Copacabana Chicletes eu misturo com banana E o meu samba vai ficar assim

Mas em compensação Quero ver o boogie-woogie de pandeiro e violão Quero ver o tio Sam de frigideira

Bebop, Bebop, Bebop

Numa batucada brasileira

Bebop, Bebop, Bebop

Quero ver o tio Sam

Bebop, Bebop, Bebop

de frigideira

Quero ver a grande confusão

Numa batucada brasileira” Jackson do Pandeiro5

5

Faixa não informada, disco LP Jackson do Pandeiro, Columbia. 1959.

48•49


A ideia que agora me guia é a de retomar certas marcas de movimentos da pintura e recolocálas em imagens próprias, a fim de que o espectador experimente algo do sabor visual das pinceladas criadas pelos grandes mestres da pintura, de forma inusitada.

A ideia que agora me guia é a de retomar certas marcas de movimentos da pintura e recolocá-las em imagens próprias, a fim de que o espectador experimente algo do sabor visual das pinceladas criadas pelos grandes mestres da pintura, de forma inusitada. Esta é uma prática pertinente neste tempo que inicia o século xxi, ainda conforme Arthur Danto: “A meu ver, a principal contribuição artística da década (1970) foi o surgimento da imagem apropriada – apropriação de imagens com sentido e identidade estabelecidos, conferindo-lhes um sentido e uma identidade novos.” O trabalho que assim desenvolvi pretende, pelo uso de estereótipos de alguns dos principais movimentos pictóricos paradigmáticos, comentar sobre a pintura da contemporaneidade como o resultado da experienciação de vários estilos reconhecidos como movimentos significativos até hoje. Da mesma forma que o ‘moderno’ veio denotar um estilo e mesmo um período, e não apenas recente, ‘contemporâneo’ passou a designar algo mais do que simplesmente a arte do momento presente. Em meu ponto de vista, além do mais, designa menos um período do que o que acontece depois que não há mais períodos em alguma narrativa mestra da arte, e menos um estilo de fazer arte do que um estilo de usar estilos.6

DANTO, Arthur C. Após o Fim da Arte: A Arte Contemporânea e os Limites da História / Arthur C. Danto: trad: Saulo Krieger. São Paulo: Odyssseus Editora, 2006. P.18-19

6


Este trabalho funciona como um dispositivo metalinguístico tocando em conceitos como o Citacionismo e o Apropriacionismo. O Citacionismo pode ser definido como: Termo (que) se refere a um procedimento nas artes plásticas, principalmente nas artes moderna e contemporânea, em que o artista faz uso de imagens já consagradas na história da arte, como referência na composição de seu próprio trabalho. Essa citação, que pode ser implícita ou explícita, acaba por evocar um diálogo entre artistas e obras, de diferentes períodos e estilos, criando novos contextos para uma mesma imagem.7

Este trabalho funciona como um dispositivo metalinguístico tocando em conceitos como o Citacionismo e o Apropriacionismo. DANTO, Arthur C. Após o Fim da Arte: A Arte Contemporânea e os Limites da História / Arthur C. Danto: trad: Saulo Krieger. São Paulo: Odyssseus Editora, 2006. p.13

7

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método:

amplitude técnica tilizo alguns dos padrões do

U

Renascentismo, do Pontilhismo, do Expressionismo, do Cubismo,

do Impressionismo e do Hiper-Realismo; sobretudo estilos da arte moderna dominam a maioria desses trabalhos. Em uma mesma cena, figurativa ou abstrata, as técnicas pictóricas são aplicadas sobre a composição de uma maneira que considero harmônica e equilibrada. Em “Indagações sobre a Pintura Contemporânea”, Marco Giannotti questiona se a “pintura contemporânea surge como contraponto em relação à arte moderna ou como resíduo de uma continuidade?”. Este trabalho acrescenta à sentença outra possibilidade: ele seria não somente a continuidade, mas um resultado da mistura de todos eles.

53


A filosofia de Arthur Danto define o momento atual (que ele não denomina como contemporâneo, mas como pós-histórico) como época pertinente ao Apropriacionismo “que na verdade é a marca das artes visuais desde o final do modernismo, que como período se define pela falta de uma unidade estilística (...)8 e ainda que “(...) um sinal do fim da arte seria deixar de existir uma estrutura objetiva, com um estilo definidor (...)”9.

A Arte Contemporânea em contrapartida, nada tem contra a arte do passado, nenhum sentimento de que o passado seja algo de que é preciso se libertar e mesmo nenhum sentimento de que tudo seja completamente diferente, como em geral a arte da arte moderna. (...) É parte do que define a arte contemporânea que a arte do passado esteja disponível para qualquer uso que os artistas queiram lhe dar. O que não lhes está disponível é o espírito em que a arte foi realizada. (...) Os artistas de hoje não veem os museus como repletos de arte morta, mas como opções artísticas vivas. (...) De alguma forma, o museu é causa, efeito e materialização das atitudes e práticas que definem o momento póshisórico da arte.10

Em plena era da popularização da informática, no provável ápice da globalização, o pluralismo estético é cada vez mais comum. Sem restrições, hoje, tudo é permitido: criar novos resultados com ferramentas e tecnologia de ponta ou retomar estilos e tecnologias anteriores. São os chamados neo-estilos que resultam em produções contemporâneas baseadas em uma época anterior. Sendo assim, hoje, a releitura pictórica de forma múltipla se faz muito pertinente, perfeitamente imersa em nossa

Renascentismo, Pontilhismo, Expressionismo, Cubismo, Impressionismo e Hiper-Realismo

vida cultural.

DANTO, Arthur C. Após o Fim da Arte: A Arte Contemporânea e os Limites da História / Arthur C. Danto: trad: Saulo Krieger. São Paulo: Odyssseus Editora, 2006. p.15)2006, p.48.

8

DANTO, Arthur C. Após o Fim da Arte: A Arte Contemporânea e os Limites da História / Arthur C. Danto: trad: Saulo Krieger. São Paulo: Odyssseus Editora, 2006. p.15

9

DANTO, Arthur C. Após o Fim da Arte: A Arte Contemporânea e os Limites da História / Arthur C. Danto: trad: Saulo Krieger. São Paulo: Odyssseus Editora, 2006. p.7 10


Meu Projeto Pessoal: Este projeto me exigiu amplo domínio

deveriam ficar próximas umas das outras na

técnico de pintura e o reconhecimento das

composição, ou causariam certa confusão

estratégias cromático-formais adotadas pelos

visual. Tratamentos lisos e planos como

pintores selecionados, para citar os estilos

fotográfico, ou o renascentista, o barroco ou

que escolhi. O trabalho é composto por

o hiper-realistas deveriam separar tais áreas.

técnicas mistas usando a aquarela, a tinta acrílica, o desenho em grafite, o nanquim e

Meu processo de trabalho sempre foi muito

a tinta a óleo, entre outras, que se tornaram

projetual e planejado. Por isso, trabalhar o

necessárias.

fundo das pinturas nunca foi simples. Sempre exigiu de mim alguma espontaneidade e

Para aplicar esses estilos de pintura de uma

criatividade imediata, ao acaso; esse desafio

maneira coerente, ou seja, sem que um

me travou diversas vezes durante os trabalhos,

estilo fique desmerecido ou exagerado na

sobretudo em uma cena com personagens já

composição junto de outro tão diferente,

tão carregados de conceitos e informações.

considerei em primeira instância o aspecto

Mas as exigências não me privaram de

matérico daquele jeito de pintar. Percebi

trabalhar. Empenho-me, em todos esses

que o Pontilhismo possui peso visual

ciclos, em transpor tais dificuldades e realizar

proporcional ao Impressionismo, e que

os projetos de acordo com minha intenção.

por isso, formas com esses tratamentos não

54•55



objetivos:

daqui para frente produção “Metalinguagem Visual:

A

uma História da Arte pintada”, tem como objetivo provocar

uma espécie de reflexão metalinguística: uma pintura que comenta o lugar do próprio ofício pictórico, no século xxi. Depois de sobreviver ao Conceitualismo e a outros movimentos de vanguarda que eram contra o objeto de arte manufaturado, a pintura está atravessando agora o início de uma era das artes digitais. No entanto, o questionamento sobre o que é a pintura de hoje ainda se faz necessário. Só por isso, já se justifica o uso de diversos estilos reunidos em uma mesma obra ou coleção de obras. Para a atual concretização do projeto, outras três propostas foram concebidas: “Instalação

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de estilos”, um ambiente como uma sala ou quarto, no qual todas as paredes, chão e teto são pintados, cada um com uma técnica diferente, inserindo o expectador dentro da pintura e tornando-a um ambiente pictórico; “Ecletismo sonoro”, uma série de retratos dos grandes ícones da música trabalhados de diferentes maneiras visuais; e “Abstração histórica”, telas de média proporção com composições abstratas e geométricas trabalhadas com variações de pinceladas. A dificuldade de representar a exuberância do trabalho em um projeto visual (sem o tratamento à mão propriamente dito) é um dos objetos do meu exercício atual de trabalho. Para o primeiro, será necessária a criação de um projeto descritivo e arquitetônico para apresentação às possíveis instituições à locação do espaço, entre centros culturais, imóveis abandonados ou circuitos artísticos. Para o segundo, esboços em aquarela servirão de estudo prévio para a montagem e adequação dos personagens e seus tratamentos para em seguida, serem produzidos em telas de maior proporção com tinta à óleo ou acrílica. Já o terceiro trabalho, exige apenas um estudo formal em caderno de artista como preparação, pois a


A produção “Metalinguagem Visual: uma História da Arte pintada”, tem como objetivo provocar uma espécie de reflexão metalinguística: uma pintura que comenta o lugar do próprio ofício pictórico, no século XXI. substância principal deste está na produção da própria peça em si, incorporando os obstáculos técnicos e as imprevisíveis soluções dadas ao material pictórico na sua montagem final. Tanto o segundo quanto o terceiro projeto foram executados este semestre, conforme as reproduções a seguir:

58•59 Detalhe da obra “Ecletismo sonoro”


Detalhe da obra “Ecletismo sonoro�


60•61 Detalhe da obra “Ecletismo sonoro”


Detalhe da obra “Ecletismo sonoro�


62•63 Detalhe da obra “Ecletismo sonoro”


Detalhe da obra “Ecletismo sonoro�


“Ecletismo sonoro”, 2012. Acrílica sobre tela. 120 x 110 cm

64•65


A novidade deste trabalho sobre os músicos foi a utilização de tinta acrílica sobre tela, que me permitiu efeitos aquarelados e aperfeiçoamento da pintura em p&b, pela não mistura destas cores e pela manutenção dos contrastes. Em “Abstração Histórica” também utilizei a tinta acrílica sobre tela e experimentei pela primeira vez, o método de douramento com folhas metálicas. Também inaugurei o uso do aerógrafo, instrumento para a obtenção de degradês perfeccionistas feitos com tinta acrílica. Gostei muito do resultado. Esta peça marca meu acesso a um novo espaço, abstrato e bem mais livre. Como dito,

“Abstração histórica”, 2012. Acrílica e folha de ouro sobre tela. 200 x 80 cm


“Abstração histórica”, 2012. Acrílica e folha de ouro sobre tela. 200 x 80 cm

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ela não obteve extensos estudos prévios. Os problemas apareciam e eram resolvidos ali mesmo na tela e as exigências composicionais eram iniciadas, percebidas e finalizadas ao longo do processo. A abstração me permitiu maior liberdade e intimidade com os elementos da pintura propriamente ditos. Mudei de técnica devido à alergia respiratória dos solventes da tinta a óleo, mas novas possibilidades se abriram tais como refazer camadas quantas vezes fosse preciso com a ajuda das propriedades de secagem rápida da tinta acrílica. O conceito do projeto “Metalinguagem Visual: uma História da Arte pintada” é amplamente aplicável, em diferentes expressões, técnicas e contextos, conforme já exemplificados: seja em um ambiente ou sobre telas e papéis, de forma figurativa ou abstrata. No entanto, exige pesquisa e estudo prévio para sua execução. Por isso, julgo que a concretização completa dos três projetos exija cerca de um ano de dedicação.


conclusão:

reflexões possíveis osso dizer que concluí a

P

narração da gênese do meu processo criativo, que despertou

conhecimento das produções de outros artistas como de David Salle, Julião Sarmento e Jorge Duarte, que também jogam com a intertextualidade, cada um deles à sua maneira. Outro fato conclusivo de grande valia é relacionado à expressão. Sempre planejando previamente meus trabalhos de forma racional e projetual, acreditava que os trabalhos pudessem ser isentos de poesia ou qualquer carga emocional ou conceitual não prevista. No entanto, em “Mistura de Etnias” não consegui prever os motivos pelos quais fui levada a “projetar” e pintar aquela

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peça, somente percebidos depois de muito tempo. Isso abriu meus olhos para a força involuntária da expressão, a qual pode revelar involuntariamente vários dos itens que compõem o meu repertório experimental, cultural e intelectual. Na verdade, meu repertório de vida. Pois o mesmo aconteceu com os cianótipos, feitos em uma época em que enfrentava demasiada melancolia em minha vida pessoal. O azul fechado e frio, bem como as figuras sérias, acentuaram essa conotação e deram força ao trabalho. Assim, as obras se tornaram provas físicas de minha própria expressão, evidências de que nem eu mesma me conheço em minha total profundidade humana. Por isso, o fazer artístico é infinito e o aprendizado segue os mesmo passos. E assim deixo de ser aprendiz da Escola de Belas Artes da ufmg para me tornar agora, aprendiz da vida artística, assumindo meu mundo aos outros em um novo nível de experimentação.

Assim, as obras se tornaram provas físicas de minha própria expressão, evidências de que nem eu mesma me conheço em minha total profundidade humana. Por isso, o fazer artístico é infinito e o aprendizado segue os mesmo passos.


referências: argan, Giulio Carlo Argan. Arte Moderna: Do iluminismo aos movimentos contemporâneos.Tradução: Denise Bottmann e Federico Carotti; São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 709p cauquelin, Anne. Arte contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 168p. danto, Arthur C. Após o Fim da Arte: A Arte Contemporânea e os Limites da História / Arthur C. Danto: trad: Saulo Krieger. São Paulo: Odyssseus Editora, 2006. Enciclopédia Itaú Cultural Artes Visuais – Disponível em: http://www. itaucultural.org.br. Data de atualização: 29/06/2005. Data de acesso: 02/05/2012 gombrich, e. h. (Ernst Hans). A história da arte. 15. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993. 543 p.

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