Hist贸rias da Fam铆lia Gibson
GIBSON COAT OF ARMS / FAMILY CREST COUNRTY OF ORIGIN: Scotland Spelling variations of this family name include: Gibson, Gibsone, Gibsons, Gipson, Gibsoun, Gipsone, Gibbson, Gibbsone, Gippson and many more. First found in Galloway in south west Scotland where they were seated from very early times. Some of the first settlers of this family name or some of its variants were: Ann Gibson who settled in New England in 1635; Edward Gibson settled in Virginia in 1637; they also settled in Pennsylvania, New York, and Maryland in the 19th century. George Gibson settled in Fort Cumberland, Nova Scotia in 1774. In Newfoundland, Thomas Gibson settled in Tilton Harbour in 1823. Motto: Recte et fideliter. Motto Translated: Just and faithful. Definition: A patronymic
Histórias da Família Gibson Maria Lúcia Torres Gibson
Ă?ndice 1850 1907 1908 1909 1910 1912 1913 1914 1916 1917 1925 1933 1935 1936 1937 1938 1939 1942 1943
7 11 13 17 19 21 23 27 29 31 35 39 45 47 49 51 53 57 59
1944 1945 1946 1950 1951 1952 1970
61 63 65 67 69 71 73
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1850
Nomeado cônsul do Brasil, um inglês ficou um pouco preocupado, pois naquela época, 1850, nosso país estava ainda muito atrasado, havendo epidemias e sendo completamente sem conforto. Resolveu conversar com a esposa, e seguiria o que ela quisesse. Deu-lhe um tempo para pensar. Dias depois, perguntou-lhe o que achava da conversa; consentindo que trouxesse os parentes que quisesse, a resposta foi afirmativa. O senhor Franck veio antes. Aqui chegando, mandou construir uma linda mansão e, quando ficou pronta, foi buscar a família, que veio muito animada. Arrumaram uma enorme bagagem, pois eram acostumados a uma vida confortável, e aqui não teriam onde comprar nada. Até remédios vieram.
Como o inglês era muito inteligente, descobriu um alto negócio: comprava algodão aqui, lotava um barco, mandava para a Inglaterra, e, quando voltava, trazia tecido. Nesse comércio, ganhou muito dinheiro. Enriqueceu. Animado, comprou muito algodão, gastando tudo o que possuía, e o mandou para a Inglaterra. Quando o barco voltava carregado, houve uma tormenta, perdeu a rota, ficando perdido no oceano. O cônsul ficou arrasado, mas não desanimou. Viu que o comércio era lucrativo. Só três meses depois, a nau voltou. Neste ínterim, o algodão subiu muito de preço, os tecidos ficaram bem mais caros, e ele ficou mais rico ainda, milionário! Franck e Mary, viveram felizes, e, tiveram muitos filhos. Certo dia, dona Mary, grávida, ia descendo uma escadaria, que dava para o quintal, quando avistou um filho pequeno, arteiro, enfiando a mão em uma máquina de cortar capim, decepando três dedos. Tomou muito susto, deu um grito e desmaiou. Rebolou pela escada abaixo. Resultado: a criança nasceu paralítica, e o menino ficou aleijado, para a infelicidade da família. Duas irmãs da Mary, Doroty e Diana vieram para cá, casaram-se, e foram morar no casarão da família. Certa vez, caiu um grampo nas costas da Doroty, ela pediu à criada que visse o que a estava incomodando, desde cedo. A empregada olhou e viu um grampo, e, como não sabia falar direito, pois era muito ignorante, disse: – Dona Doroty, isto é uma grampa. A inglesa começou a gritar, fez um escândalo danado pedindo que pelo amor de deus, tirassem aquele bicho horroroso dali. A coitada custou muito para se acalmar. Porque não acreditava que se tratasse de um grampo de prender cabelo.
Diana tinha uma criança de quase dois anos. Uma tarde, a família, com uns amigos, estavam lanchando na sala, quando escutaram o menino falando no quarto, onde estivera dormindo: – Man, don’t open my mother’s wardrobe. Don’t touch her bag. Don’t remove my mom’s money, man! (Homem, não abra o guarda roupa, não mexa na bolsa, não tire o dinheiro da mamãe!) Escutando isto, perceberam que tinha um ladrão no quarto, foram verificar, e o pegaram, como se diz, com a boca na botija. Prenderamno, chamaram a polícia e na cadeia ele falou: – Não imaginei que a criança estivesse falando alguma coisa, pensei que estava enrolando a língua!
A
Com um ataque de apoplexia, Sr Franck faleceu repentinamente, e sua esposa, não agüentando a saudade do marido, ficou muito enfraquecida, indo para a companhia dele na morada eterna. Os filhos receberam uma enorme herança, e o Franck Júnior, como era bem novo, teve como tutor o irmão mais velho, que, muito desajuizado, batia nele para que assinasse documentos, gastando quase toda a sua fortuna, deixando-o com um terreno e três casas que lhe rendiam pouco dinheiro. A coroa inglesa lhe dava uma boa mesada, e assim ia vivendo, como funcionário do telégrafo inglês. Casou-se com Alexandrina cujo apelido era Sinhá uma brasileira, muito culta e inteligente, que lhe deu sete filhos, e foi uma excelente esposa e mãe. Certa vez, dona Sinhá saiu com os dois filhos menores, Luiz com cinco anos, e Beatriz com quatro.
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Quando chegaram na rua da Aurora, no centro de Recife, Luiz verificou que a irmã estava usando sua meia nova, e muito nervoso falou para tirá-la imediatamente, pois a meia era dele. Como não foi atendido, avançou nela, e depois de muitos sopapos, saiu vitorioso. A mãe quase morreu de vergonha, e, quando chegaram em casa, após um belo carão, colocou os dois de castigo. Dias depois, saíram. Muito arrumados, Luiz e Beatriz, um de cada lado da mãe, assentados em um banco do bonde que ia de Recife a Olinda, olhando a paisagem, muito bem comportados. O menino lembrou-se do bolo de mandioca que a mãe fizera na véspera e a boquinha encheu-se de água. Estava uma delicia! Que vontade de comê-lo de novo! Enfiou a mão no bolso e retirou uma preciosidade. Cutucou a irmã, e mostrou o achado: uma caixinha de fósforo, que tinha dentro, um pedacinho do bolo. Ele ali o colocara, apertando bem para caber mais. Os olhos da menina arregalaram-se e pediu: – Dá-me um pedacinho! Luiz negou com a cabeça. Começou a comer o bolo, tirando pedacinho por pedacinho, estalando a boca. Quando ia pegar o último pedaço, Beatriz pulou sobre a mãe, avançou no irmão, e na luta para pegar a guloseima, trocaram tapas mas... a caixinha caiu no chão bem em baixo do pé de outro passageiro que, sem o saber, pisou-a, acabando com a gula dos dois.
Recife, Pernambuco
1907
Certo dia, estando Luiz sem ter o que fazer, zanzando pela casa, passando pelo quarto do pai, viu um relógio de bolso, de ouro, do qual o progenitor tinha o maior ciúme, e, como o achava muito bonito, teve vontade de pegá-lo para, aproveitando a sua ausência, mexer um pouco e tentar ver a hora. Pegou-o, e, encantado, tanto o virou para um lado e para o outro, que o deixou cair no chão. Tomou o maior susto, quando notou que estava parado. Logo pensou na surra que levaria por ter feito aquela arte! Colocou o relógio no lugar, e, ficou por ali, como quem não quer nada, esperando o que aconteceria quando descobrissem seu erro. Dali a uns minutos o senhor Franck chegou, pegou o relógio, viu que estava parado, balançou-o, pegou um canivete, abriu-o por trás, consertou-o, tornou a escutá-lo, colocou-o no bolso, e saiu assobiando do quarto. Que alívio!
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A
O senhor Franck divertia-se muito dando comida às galinhas. O quintal era grande. Ele jogava um milho aqui, o outro bem longe e se distraia vendo-as correrem disputando a iguaria. Certa vez, estava com uma cuia cheia de milho, fazendo como costumava. Veio o Luiz correndo atrás do cachorro, passou por baixo do braço do pai e com a cabeça, sem querer, derrubou o milho todo no chão. As galinhas aproveitaram e comeram tudo. O velho inglês falou: – OU menino! Se antipatia matasse, Eu já tinha te matado há muito tempo!!! Luiz saiu dali rindo baixinho!
Recife, Pernambuco
1908
Luiz aos oito anos, estava na rua soltando papagaio com os colegas. De repente, sentiu uma dor de barriga, e, resolveu voltar depressa para casa. No meio do caminho encontrou-se com um garoto adolescente que, depois de agarrá-lo, segurando- lhe a mão, disse: – Fale assim: benzinho do Siridó aperte a minha mão sem dó! O menino puxou a mão, pediu que o deixasse ir embora, e, não tendo êxito, fez o que o outro mandava. O rapazinho apertou sua mão com toda a força e repetiu: – Fale de novo: benzinho do Siridó, aperte a minha mão sem dó! Luiz, chorando, banhado em lágrimas, obedeceu e ele apertou-lhe a mão com mais força ainda. Tal foi a dor que se descontrolou e sujou-se todo, indo chorando para casa.
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A
A empregada lavando a louça na bacia, como era feito naquela época, quebrou um pratinho de sobremesa muito bonito (de porcelana inglesa). O menino passava na cozinha e perguntou-lhe: – Dá este pratinho para mim? Ele se quebrou no meio Muito contrariada, acenou a cabeça afirmativamente, e disse: – Saia daqui bem depressa para que sua mãe não o veja. Leve-o para brincar na rua! O garoto logo inventou uma brincadeira: arranjou um pedaço de mandioca, foi para a calçada, ajeitou bem o prato, e em cima do quebrado colocou a raiz. Escondeu-se atrás do muro, verificando o que aconteceria. Passavam ali umas pessoas, ou não viam ou não se interessavam. Enquanto isto, os meninos da vizinhança aderiram á brincadeira e ficaram juntos. Passou a tarde e nada! Anoiteceu. Eles já estavam desistindo, quando passou um soldado, e, abaixandose, pegou o achado, porém para sua irritação, veio só um pedaço de prato, e a mandioca caiu no chão. Cheio de raiva, deu um chute no pratinho, que virou mil pedaços. A molecada ficou aborrecida pois era o fim daquela brincadeira, mas... um deles, adolescente, pediu os cacos para si, pois tinha uma idéia genial. Catou os pedaços, saiu, e a molecada foi atrás. Andaram um bocado e bem adiante, chegaram a uma casa muito bonita. Lá estavam dando uma festa. As janelas escancaradas, mostravam um maravilhoso lustre de cristal, aceso. Lá dentro, os casais dançavam ao som de uma música suave. De repente, o adolescente, jogou, com toda a força, os cacos no lustre. Foi um estrondo danado, as lâmpadas apagaram-se. As mulheres começaram a dar ataques e os homens correram para ver o que estava acontecendo.
Os meninos saíram numa desembalada carreira e não viram mais nada. No dia seguinte, um pouco antes do almoço, o pai do Luiz chegou da rua e disse para a mulher: – Está havendo uma revolução na cidade! Imagine que, ontem à noite, havia uma festa na casa do coronel Antônio. Passaram uns soldados, e, deram uma saraivada de tiros dentro da casa!
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Recife, Pernambuco
1909
Luiz era um ótimo menino, porém, muito irrequieto, arteiro, e, assim cresceu. Não parava um só instante. Sua mãe, era uma senhora de idade, pois, quando o teve, tinha quarenta e seis anos. Ficava cansada de repreendê-lo mas... achava graça em tudo o que ele fazia. Por exemplo, pegava os sobrinhos menores, pendurava-os, pelos bracinhos, na bandeirola das janelas, aquelas antigas, fazia cócegas nas axilas deles dizendo: – Quem não cair ganha um vintém. As crianças esforçavam-se para agüentar, riam muito e ele assim se divertia. De outras vezes falava:
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– Quem não se rir ganha dois vinténs. Pegava uma pena de galinha e passava no nariz dos meninos. Brincando tanto, cada hora inventando uma coisa, era adorado pelos sobrinhos. Jogava uma moeda, e ficava morrendo de rir, vendo qual deles iria pegá-la. Um dia, conversando com uma cozinheira, falou que tinha sangue azul, ao que ela retrucou: – Então seu sangue é podre! Engraçando-se com a empregada, perguntou se ela gostava dele, e ela respondeu: – Hê... comê sem sá!
Recife, Pernambuco
1910
O pai de Luiz mal falava o português. Era baixinho e muito calmo. Certa noite todos dormiam. Ele notou que um ladrão estava forçando a porta da cozinha. Esperou. Quando o homem entrou, agarrou-o e disse: – Olha cá sua descraçado! Não se entrar em casa de ninguém pela porta dos fundos! Vou mostrar parra você! arrastou o ladrão pelo corredor e quando chegou na porta da rua, abriu-a e jogou-o lá fora falando: – É por aqui que se entrar! O ladrão cambaleou um pouco, voltou, pôs a cabeça para dentro da casa e gritou: – soocoorro! A família toda acordou assustada.
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Recife, Pernambuco
1912
Luiz, muito buliçoso, encontrou no quintal, o tanque de lavar roupa cheio de água e, ao lado, no chão, um monte de cinza morna, resto da fogueira que a lavadeira fizera para ferver a roupa da família. O garoto passou a mão rapidamente sobre umas moscas que estavam no chão, em cima de um resto de lixo. Pegou uma bem grande, jogou-a na água e foi empurrando com o dedo até que ficasse mole, parecendo que estava morta. Tirou-a do tanque, colocou-a na pedra do mesmo, e cobriu-a com cinza. Ficou prestando atenção. A mosca se mexeu, mexeu, e saiu voando. Ele então pensou na sua inocência: – Oba! Já sei ressuscitar os outros! Aproveitando-se da ausência de pessoas no quintal, pegou um galo, e fazendo um terrível esforço, conseguiu que ele ficasse submerso na
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água. O galo ficou parado. O garoto colocou-o na pedra do tanque, cobriu-o com cinzas mas... que decepção! O galo morrera!!! Sentiu um pavor! A família toda saberia da arte que fizera, e a Mãe? Esta lhe daria umas boas chineladas. Pensou um pouco, colocou o galo dentro da água, tirou as cinzas com uma pá, recolocou-as na fogueira e fugiu dali com o maior medo e drama de consciência, fingindo que não acontecera nada. Mais tarde, a cozinheira chegou ao quintal, e, vendo aquela cena, chamou a mãe do menino, e disse: – Este galo danado subiu no tanque, caiu dentro d’água e morreu afogado! Bem que outro dia eu tive vontade de cortar a asa dele! Dona Sinhá, mãe do Luiz, ficou muito aborrecida, pois era um galo muito bonito, e falou: – E agora, o que faço com ele? A empregada, imediatamente, pediu: – A senhora não quer dá-lo para mim? Hoje à noite, vai ter uma festa na minha igreja, cada crente vai levar uma coisa e eu estou até em dificuldade sem saber com o que contribuirei! A boa senhora aquiesceu. A doméstica não deixou por menos. Toda animada, depenou o galo, temperou-o, assou-o e, à noite, saiu toda feliz para a igreja, portando um assado com farofa muito cheiroso!!
Olinda, Pernambuco
1913
Festa em Olinda! A praça repleta de gente, Luiz, treze anos, todo animado, no meio de uma turma de rapazolas como ele, resolveu se divertir com tudo o que estivesse ao seu alcance: Primeiro, em um bar, assentaram-se em cadeiras em volta de uma mesa perto da calçada (dali se via melhor o movimento) fazendo pose de ricos para enfeitiçarem as mocinhas que passavam olhando de soslaio e sorrindo à sorrelfa para eles. Elas nem imaginavam que, ali naquela mesa, ninguém tinha dinheiro, pois era uma turma de pé-rapados! Alguns deles, até arranjaram namorada! O bar estava lotado, o garçom não conseguia atender a todos. Enquanto isto, os meninos se divertiam assentados naquele lugar, para eles tão importante!
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Depois de muito vai e vem, o empregado, pressupondo quem eram, avisou: – Cada um tem que pedir ao menos duas coisas! Eles cochicharam entre si e, quando foram atendidos, à pergunta do garçom, responderam ao mesmo tempo: – Queremos um copo de água e um palito de dentes. Mais adiante, havia um pobre com uma viola. Cada pessoa que passava jogava uma moeda na tigela, que o homem tinha ao lado, e ele cantava uma modinha. Eles tiveram uma ótima idéia, para passar o tempo: cada um, por vez, jogaria uma moeda de um vintém, para escutar a música. Um deles jogou a primeira e o pobre cantou: – Deus lhe pague a sua esmola, no reino da santa glória, Deus lhe pague a sua esmola, no reino da santa glória!!! Cada vez que um colocava dinheiro ele cantava de novo. Quando, pela oitava vez jogaram a esmola... ele passou a mão pela tigela, notou que eram vinténs, raciocinou e gritou enfurecido: – Quem está mangando de mim? Isto é dinheiro que se dê para a gente? Vão, para o meio dos inferno, seus canalhas!!! Gritou tanto que começou a juntar gente, e eles saíram correndo, morrendo de rir. Os jovens continuavam as alegrias do passeio. No fim da noite, quando a festa acabava, o povo, cantando, acompanhava a banda, à estação ferroviária, que voltava a Recife. Ali, os esperava uma máquina com um vagão. Assentavam-se nos bancos, o trem ia saindo, eles tocando, e o povo aplaudindo. Assim iam-se embora. No segundo dia da festa, Luiz, com a turma de moleques, foi à estação antes da despedida e desengatou o trem. Na hora certa, o povo chegou, acompanhando os músicos. Eles entraram, assentaram-se, começaram a tocar, o trem apitou, o povo aplaudiu, mas... a máquina saiu só e o vagão ficou. Foi aquela gritaria... Volta! Volta! A máquina voltou, a engataram de novo e eles partiram.
No terceiro dia: os moleques agiram do mesmo modo, desengatando o comboio e foi a mesma confusão. Na quarta e última noite, o povo veio trazê‑los. Eles entraram, assentaram-se. A máquina apitou, o povo aplaudiu, mas... o trem saiu em silêncio, os músicos não tocaram!
A
Aos sessenta e cinco anos, fizeram uma grande festa, onde o senhor Franck batizou-se na igreja católica, e naturalizou-se brasileiro. Com isto, a coroa inglesa suspendeu a gorda mesada que lhe dava. Ficou muito doente. Indo ao médico, recebeu a recomendação de andar todos os dias. Nessa caminhada, o seu filho de treze anos sempre o acompanhava. Certo dia, não queria sair, mas a esposa insistiu, pois era para o seu próprio bem. Quando chegou na porta, em vez de sair, virou-se para dentro de casa, mas, Dona Alexandrina, com todo carinho, virou-o de novo em direção da rua. Quando ele pôs o pé na calçada, caiu morto. Luiz gritou, e, quando acudiram, saiu dando pulos altos pela rua, sem saber porque, estava fazendo aquilo.
A
Com apenas treze anos, Luiz, com a morte do pai, foi obrigado a enfrentar a vida, para ajudar à mãe. Arranjou um emprego como contínuo em uma firma, e lá sofreu muita desigualdade, sendo muito perseguido por todos os funcionários, mesmo os de menor importância. Lá, ele tinha como obrigação: lavar as privadas, varrer, e fazer entrega de documentos, cartas, etc.
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Mandavam-no entregar a correspondência, a pé, uma de cada vez. Às vezes, ia pertinho de um lugar, e pedia para lhe darem tudo para levar, mas isto lhe era negado. Andando o dia inteiro, sob o sol forte de Recife, após um trabalho, pesado para a sua idade, no fim do dia, sentia-se exausto! Mas... não desistia. Continuava o serviço, com muita pena da sua mãe, tão esforçada! Seu dinheiro, só dava para tomar, uma xícara de café com leite, e um pão por dia. Como sentia muita fome, e ia para a aula depois do serviço, combinou com o dono do bar: à tarde, tomava só o café com leite, e na hora da escola, comia o pão. Assim se sentia mais alimentado.
Recife, Pernambuco
1914
Aos quatorze anos, muito infantil ainda, Luiz foi trabalhar na Anglo Mexican do Brasil em Recife. Foi contratado como tradutor, pois, sendo filho de inglês, falava fluentemente a língua inglesa. Trabalhava no escritório, e tudo para ele era uma brincadeira. O chefe, muito magro, alto, usava sempre terno escuro, óculos de aro grosso, colarinho grande e duro, o que não combinava, absolutamente, com a sua figura esguia, e, para completar, tinha orelhas enormes, e um cavanhaque comprido. Por isto, Luiz o apelidou de bode. Quando o mister queria dar uma ordem, falava com o rapazinho, que a transmitia da seguinte forma: – O bode mandou que façam isto, ou aquilo. A turma toda caía na gargalhada e o homem, intrigado, perguntava:
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– Porque eles estão rindo? – É porque acham o senhor muito interessante, e lhe apreciam muito! O gringo, que não era nada bobo, ouviu o garoto falar muitas vezes, a palavra bode, indagou o que significava, e no dia seguinte, Luiz estava no olho da rua.
Recife, Pernambuco
1916
Quase correndo, lá vai o Luiz, consciência doendo, namorada safadinha, e a velha senhora, gritando, correndo, perseguindo o Luiz, namorado da mocinha, sua filha. (Mocinha que nada! Tinha mais de trinta!) – Pare! Chegue aqui! Ao menos me espere! Preciso falar com você! Volte aqui seu atrevido! A velha vinha espumando pelas ventas, parecendo uma vaca enfurecida. Luiz, muito magro, de tão agoniado, encolhido, parecia mais fino ainda. Depois de fingir que não a escutava, resolveu entregar a mão à palmatória. Parou, aguardando, nervoso, as conseqüências de seu namoro atrevido.
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Quando a velha o alcançou, toda afogueada, vermelha, quase sem fôlego falou: – Luiz me paga um bolo! Era isto o que ela queria? Meu Deus, que alívio!
Olinda, Pernambuco
1917
Com 17 anos, Luiz, noivo de uma menina de família, quando saía da casa da noiva, dava uma escapada, para se encontrar com os amigos. Morava na ladeira da Misericórdia, em Olinda, em uma casa enorme, que tinha um corredor muito comprido, o qual começava na porta da rua, e terminava em uma grande sala de jantar. Sua mãe, viúva, super enérgica, pedia que parasse de chegar tarde, mas... ele não obedecia. Certa noite em que demorou de novo, ao chegar, dona Sinhá o esperava atrás da porta, e, quando ele entrou, deu-lhe umas boas vassouradas e foi batendo nele até chegarem à sala. O susto foi grande!
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A
Luiz, aos oito anos, conheceu uma menina, que tinha apenas seis. Fora com seu pai à sua casa, a viu; achando-a linda, resolveu que dali a uns anos, casar-se-ia com ela. Passava sempre na casa, e procurava vê-la. Depois que ela ficou mocinha, um dia, casualmente, foram a uma festa numa praça em Olinda. Luiz chegou perto de Ycnan (como era o seu nome) e, para a sua maior alegria, ela enamorou-se dele, e, sorrindo, pôs seus lindos olhos em sua pessoa. Dali em diante, consideraram-se namorados. Das janelas das casas deles, que ficavam na mesma rua, uma do lado oposto da outra, namoravam.. Ycnan, querendo ficar mais bonita, passava papel vermelho na face, ou então beliscava o rosto, ficando mais corada, pois nem se falava em rouge. Certo dia, Luiz quis dar um vidro de perfume para a amada, esperou a hora em que o futuro sogro saiu. Chegou a um portão de grades que existia no fundo do quintal, viu uma irmã dela, que tinha cinco anos, chamou-a, pediu que levasse, escondido, aquele presente para sua Ycnan, e a menina, assentindo, entregou a prenda, para a maior satisfação dos dois. Ycnan guardou a sete chaves o perfume, pois ninguém poderia saber de uma coisa tão absurda! O tempo foi passando, os dois cada vez mais apaixonados, assim que puderam, ficaram noivos. O senhor Torres, muito ciumento, deu o consentimento, mas com uma condição: Os dois noivariam em casa, na sala. Todas as noites, de sete às oito, assentavam-se em volta de uma mesa: o noivo, a noiva, a irmã mais velha, (que por sinal era muito implicante), e o pai. Certa vez, precisando de sair um pouco da sala, Sr. Torres deixou os três sozinhos. Aproveitando a ocasião, Luiz pegou na mão de Ycnan,
que estava em cima da mesa, e, quando notou que o velho voltava, largou-a. Quando o futuro sogro entrou de novo na sala, Maria Amália, a futura cunhada, disse bem alto, dirigindo-se ao noivo: – Faça de novo a pouca vergonha que você fez, aproveitandose da ausência do nosso pai!!! O velho, muito vermelho, furioso, espumando pelas ventas, disse: – Faça seu canalha! Seja homem! Repita o que fez, na minha frente! Assustado, nervoso, Luiz disse: – Sr. Torres! O que eu fiz, foi isto! Colocou a mão em cima da mão da noiva. – O que? O que o senhor fez foi isto? – Foi!! – Foi isto mesmo o que ele fez, Maria Amália? – Foi isto mesmo meu pai! Ah! Ah! Ah! E saiu da sala!!!
A
Recém casado, após um trabalho insano, dias e dias varando as madrugadas, Luiz recebeu certa quantia que dava para pagar o aluguel da casa, e sobrar um pouquinho de dinheiro. Muito novo ainda, com pouca noção das coisas, Luiz foi à feira,
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sentindo-se um bom chefe de família. Trouxe uma dúzia de pintinhos, uma ratoeira enorme, três porquinhos, além de frutas e legumes. Chegando em casa a esposa reclamou: – Você comprou estes pintinhos, estes porquinhos e esta ratoeira por quê? Amanhã a dona da casa vem buscar o aluguel e você desfalcou o dinheiro! Ao que o marido retrucou: – Os pintinhos vão crescer, os porquinhos também e eu farei uma grande criação! Vamos ganhar muito dinheiro! E a ratoeira vai acabar com esta quantidade de rato que tem aqui em casa. A mulher falou: – Estes pintos e estes porcos vão morrer logo, porque são muito novos. A ratoeira não vai pegar nem um rato e a dona da casa? Vai fazer um frege aqui em casa. No dia seguinte os pintinhos e os porquinhos amanheceram mortos, mas a ratoeira, cheia de ratinhos. Luiz chamou a esposa: – Venha ver, não falei? Olha lá! Mas... quando pegou a ratoeira, pulou ratinho para todo lado, ela ficou vazia, eles estavam era comendo o queijo. Era para ratos grandes! A proprietária da casa não se fez esperar. Lá estava ela fazendo o maior escândalo por causa do dinheiro do aluguel.
Recife, Pernambuco
1925
Ele era bem novo, mas cheio de compromissos. Tinha três filhos, casara-se cedo (precisara de autorização de sua mãe viúva). Formado em Finanças, muito inteligente, porém, serviço que era bom, quase não existia. Quando Luiz conseguia um, agarrava-o com unhas e dentes, esforçando-se ao máximo para agradar ao patrão que, à hora em que quisesse, o colocaria no olho da rua. Arranjou um emprego em uma loja, para fazer a escrita: ela pertencia a um gringo e situava-se no centro da cidade. O escritório ficava no sótão, lugar abafado, sujo, e todo desarrumado. Luiz resolveu por tudo em ordem. Trabalhar assim era impossível. Após três dias de arrumação, colocou um livro em cima da mesa, a pena e o vidro de tinta. Começou a fazer a escrita, com muito cuidado. Não poderia haver um borrão sequer.
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Quando estava escrevendo, apareceu um menino de mais ou menos sete anos. A criança subiu na escrivaninha, puxou o braço do rapaz; ele se deslocou e rabiscou o papel, que tivera tanto trabalho para não sujar. Irritadíssimo, Luiz pegou o menino, deu uma sacudidela, e ele, correu assustado. Neste meio tempo, apareceu o pai da criança, e perguntou: – Que está a acontecer com a minha filho? Luiz, muito desapontado, temeroso de perder o emprego, falou: – Nada! Ele é muito bonito! Conversou comigo e eu fiz umas cócegas nele! – Ela conversou com a senhor?! O patrão desceu a escada, voltou com as mãos na cabeça e falou: – O que ela conversou com a senhor? – Ele é muito engraçadinho! – Como muito engraçadinha, fala a que? Gaguejante, com medo da reação do gringo, falou: – Perguntou meu nome! – Ah! Como? Ela pergunta sua nome? Esperra, esperra. Sara! Sara! gritou. Apareceu uma mulher gorda, muito branca, cabelos louros, quase brancos, que devia ser judia também. – Que foi? – Esta rapaz diz filha fala com ela! A mulher ficou vermelha, arregalou os olhos e disse: – O que você fala? Menino a perguntar o nome dela? A mulher saiu correndo chamando o filho.
Luiz suava em bicas. Trêmulo, muito pálido, pensava que o menino tinha contado tudo para eles, e que ia ser desmascarado naquela hora. Só pensava no dinheiro que ia perder. Olhou para o relógio, viu com alívio, que estava na hora de sair. Despediu-se e saiu correndo para casa. Perdeu a fome, não jantou nem teve coragem de contar nada para a esposa, que ficou preocupada, pois ele tinha muito apetite. Devia estar doente. O rapaz estava tão nervoso que não conciliou o sono. A insônia foi a sua companheira e, de manhã, tomou um café simples e voltou para a loja, disposto a ter uma conversa franca com o patrão, dizer que não estava querendo maltratar o menino e que aquilo fora um impulso, pedindo desculpas. Entrando na loja resolvido a encarar o senhor, foi direto ao escritório e ao vê-lo falou: – Bom dia! Quero falar com o senhor: por que tanta confusão ontem? Eu não entendi, não houve nada para aquilo! – Como não haver nada! A senhor falar ele perguntar sua nome!, falou o dono da loja. – E que tem isto? – É que a menino é muda!
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Cururupu / São Luiz, Maranhão
1933
Luiz foi designado para trabalhar em Cururupu, uma llha do Maranhão. Levou a família para a capital, São Luiz, e viajou, na frente, para lá, falando que arranjaria uma casa, e depois buscaria a família. Como Luiz se demorasse muito, a mulher resolveu ir ao seu encontro, com os cinco filhos pequenos: Yêdo com onze anos, Aluizinho com dez, Francis com sete, Guiomar com cinco, e Lúcia, a caçula, com três aninhos. Comprou as passagens e enviou um telegrama avisando ao marido. No dia da viagem, compareceram ao cais com as malas e cocos verdes para tomarem no caminho. Ycnan trouxe um caixote enorme que mandara fazer e colocara nele quase todos os apetrechos da casa, inclusive uma máquina de costura Singer, daquelas antigas pesadonas (O caixote era tão pesado
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que os carregadores fortes, musculosos não conseguiam carregá-lo, precisando de mais de três para ajudarem). Iam em um barco de velas, no porão (antigo navio negreiro). Em cima ficavam os marinheiros. O porão era tão baixo que todos tiveram que entrar engatinhando, arrastando-se. A única que conseguia ficar de pé era a menina de três anos. Lá dentro havia uma grade. De um lado ficavam os homens e do outro as mulheres, todos deitados em colchões no chão. Dos dois lados do barco, empilhados, muitos sacos de uma farinha que se usa no Maranhão. Ela é cheia de caroços duros; os maranhenses a colocam na xícara, põem café em cima, e a comem com uma colher, pois vira uma massa. Iniciaram a viagem. Quando chegaram em alto mar, ficaram encalhados em um tabuleiro de areia. Ondas gigantescas batiam no barco, fazendo com que balançasse terrivelmente. Os passageiros começaram a enjoar chorando e gemendo, quase não conseguiam agüentar aquela situação. No segundo dia, os sacos de farinha, não suportando a força das ondas, romperam-se e, a farinha, jogada ao chão, misturou-se com os passageiros que ficaram completamente ensopados e sujos; muitos com febre alta, e de tanto o fazerem, vomitaram até sangue! O marinheiro vinha de vez em quando, servia as pessoas delicadamente, abria os cocos, trazia café, etc. Além de educado era muito bonito. No terceiro dia, a água, comida e o coco acabaram. Ao abrir o último coco que pertencia a outra criança, Lúcia correu e, de um salto, arrebatou-o. Avidamente, bebeu a água. Ninguém esperava por aquilo! A criança começou a chorar alto e, se não a tirassem de perto, ela receberia um tapa dado pela progenitora da outra menina, porém a pancada ficou no ar. Nesse momento as duas mães brigaram e a situação ficou insustentável! Os marinheiros, lá no alto, cantavam chamando o vento, com as vozes muito tristes e bonitas:
41 Quando eu morrer, vou me enterrar no seu jardim Para virar, para virar um sabiá oh oh oh oh oh oh oh oh Vem vento, vem vento! Escorrega a tábua, escorrega a tábua! Eu não te levo com pena de tua família Porque eu sei que te tem muita amizade!
As pessoas no porão foram ficando nervosíssimas e começaram a brigar entre si. Combinaram que se chegassem vivos a Cururupu , antes de irem para casa, a primeira coisa que fariam seria ir a pé visitar uma gruta de um santo, que ficava a cinco quilômetros de distância. Ycnan falou que não faria a promessa, porque sabia que não conseguiria cumpri-la, pois ela e os filhos estavam desidratados e com febre alta. Com isto os passageiros ficaram com muita raiva e lhe atribuíram o azar da viagem. O barco onde viajavam chamava-se Sineca. De repente, apareceu no horizonte o Barco São Benedito. Foi uma alegria! Um marinheiro, muito sorridente, veio dar à turma a ótima notícia. Quando o São Benedito passou, a tripulação contou que estavam presos, pediu socorro, que levassem os passageiros com eles. A resposta foi negativa (os proprietários dos dois barcos eram inimigos). Disseram: – Que morram todos! Até as crianças! Não temos nada com isto! Isto não nos interessa! Foram-se embora deixando todos chorando.
Os tubarões (o mar era infestado) ficavam em volta do barco esperando talvez que as ondas o arrebentassem para se regalarem. Havia um vidro na lateral do barco e por ele se via os peixes. Quando o barco São Benedito chegou a Cururupu, Luiz, que recebera o telegrama, estava no cais esperando a família, e perguntou ao dono: – Pode me dar notícia do barco Sineca? O homem respondeu: – Ele ainda não saiu de São Luiz. Está atrasado. Se ele contasse a verdade, Luiz pegaria uma lancha e iria ao encontro do Sineca! Estavam todos chorando com medo, fome e sede, desanimados, quando a maré encheu, soprou um forte vento e o barco saiu do tabuleiro de areia. Algumas horas depois, chegaram a Cururupu, doentes, cansados, (principalmente Ycnan que viajou deitada, com três filhos tiritando de febre em cima dela), famintos. Luiz chorou de alegria ao abraçar a mulher e os filhos, e após saber a odisséia por que passaram, levou-os para o novo lar. A casa era enorme, muito boa, apesar de rústica, rodeada árvores. Umas empregadas cuidaram das crianças: deram-lhes banho de cacimba, vestiram-lhes roupas limpas, mas quando foram lhes dar comida, estavam tão sonolentas que não quiseram. Só tomaram água. Deitaram-se em redes (lá só se dormia em redes) e dormiram quase dois dias. Luiz, preocupado, enrolou-os em cobertores, deu goles de leite, a um, a outro... pois estavam esgotados e completamente desnutridos. Ficaram uns meses nesta ilha, onde existia grande fartura de peixes, camarões, frutas etc., tudo baratíssimo! Guiomar ganhou do pai um tostão. Voltou chorando do armazém, dizendo que o homem lhe deu um dinheiro feio, sujo, e furado, e qual não foi a surpresa, quando Luiz verificou tratar-se de um vintém.
O atraso lá era grande! Retornaram a São Luiz do Maranhão, em uma lancha enorme fornecida pelo governo. Tempos depois, o Barco São Benedito caiu em um tabuleiro de areia, em alto mar, as ondas o destruíram e todos morreram, inclusive o dono.
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Serrinha, Bahia
1935
Luiz foi transferido para Serrinha, cidade situada no sertão da Bahia. Lá contou com a amizade do Sr. Carias, que o orientou sobre os costumes do povo, da sua cidade: eram um pouco ariscos. Dona Aidée, sua esposa, deu-se muito bem com Ycnan, e as duas tornaram-se grandes amigas. A água era fornecida por um homem que a trazia no lombo de um burro, em barricas. Certa vez, choveu muito, (foi um terrível temporal com relâmpagos e trovões). Os pingos da chuva eram tão grossos, que até doíam quando caia na gente. Ycnan que tinha pavor de trovão, deitou-se na cama, cobriu-se toda com uma colcha. A cada abalo, dava gritos de pavor, e assim ficou a tempestade inteira. No dia seguinte, o homem da água não veio. Ycnan esperou por ele a
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tarde toda, e, cansada, resolveu perguntar à vizinha se ele tinha ido à casa dela, ao que a ela, mau humorada, retrucou: – A senhora não pegou a água? Pois quando chove ele só vem depois de três dias. Nós a aparamos na chuva. Ycnan ficou apavorada! Com cinco crianças em casa, como se arranjaria? Dona Aidée logo veio em seu socorro, arranjando um pouco da água dela e de suas amigas. Passaram-se uns dias, e outra tempestade caiu sobre a cidade. Ycnan, muito assustada, colocou uma toalha na cabeça, e foi aparar a água para a família. A cada trovão, ela saía correndo pelo corredor, mas quando chegava na porta do quarto, lembrava-se de que tinha que enfrentara chuva, e voltava chorando para cumprir sua sina. Depois disto, nunca mais faltou o precioso líquido em sua casa, a duras penas, é verdade!
A
Morávamos em Serrinha, cidade do sertão da Bahia. Yêdo, o filho mais velho de Luiz, com onze anos, resolveu pegar o burro do homem que trazia a água para a cidade, em barricas, para dar uma voltinha. Aproveitou-se da hora em que o dono do burro entrou na sua casa, para pegar dinheiro, montou no burro, deu-lhe uma chicotada, e o animal saiu, tranqüilamente. Dirigiu-se à primeira casa onde o homem era fornecedor do líquido, parou, ficou um tempo, depois saiu, foi até à casa de outro freguês, e assim, foi parando de casa em casa, esperando em cada uma, o tempo em que estava acostumado a parar, não adiantando dar chicotadas nele. Foi até um córrego, parou, esperou um tempo, depois voltou com o meu irmão até a casa da Ycnan. O dono do burro ficou uma fera!
Bahia
1936
Luiz viajava constantemente, ia para lugares longínquos e ficava até meses sem encontrar-se com ninguém, nenhum conhecido. Sentia saudade das farras com os amigos, da esposa, dos filhos. Passava horas viajando e repassando pela memória aquelas pessoas queridas que enfeitavam a sua vida. Como é bom ter uma família! Certo dia, sem ter o que fazer, resolveu dar uma chegada à estação de trem, tão sem movimento pois a cidade era pequenina... Subiu as escadas que levavam àporta principal. Logo na entrada dormia tranquilamente um cachorro vira-latas, muito grande e sarnento, abanando, de vez em quando o rabo, para afugentar as moscas que voavam, voltando imediatamente para ele. Na plataforma, encontrou um trem parado com quatro vagões lotados.
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No primeiro banco avistou um amigo e muito alegre gritou: – Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! E qual não foi sua surpresa quando o trem todo respondeu: – Para sempre seja louvado!!!!!!!!!!!!!!!!!! Abismado, notou que se tratava de um trem em que excursionavam uns seminaristas!
A Luiz, como de costume, deitou-se um pouco depois do almoço, e adormeceu. Como gostava muito que lhe coçassem a cabeça, sua filha foi fazê-lo, e, sem falar nada, encheu-o de papelotes, com dificuldade, porque seus cabelos eram pequenos. Enquanto dormia, apareceu um contribuinte para fazer uma consulta. Luiz levantou-se depressa, e foi atender ao homem que, quando o viu, começou a rir. O fiscal desconfiado, passou a mão pelo cabelo, e assustado, falou: – Mas, o que é isto? Notando serem papelotes, pediu desculpas ao homem, explicando que tinha uma filha pequena, e naturalmente fora ela quem fizera aquilo Como tinha um gênio ótimo, achou muita graça na filha.
Salvador, Bahia
1937
Luiz resolveu ser um ótimo pai de família e em vez de ir farrear sozinho com os amigos, levar a mulher e os quatro filhos para o vesperal. Saíram, rodaram pela cidade, tomaram picolés, cantaram as marchinhas de carnaval e, às dezoito horas, combinou com a mulher de irem para casa, dar um alimento para os filhos. Ao chegarem ao lar, ele abriu a porta que dava para um corredor comprido. A mulher e os filhos entraram e Luiz saiu correndo pela rua afora. Os filhos gritaram: – Mamãe, o Papai está fugindo!!! Quando a esposa chegou à porta e olhou para a rua, só viu a sola do sapato dele dobrando a esquina.
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Salvador, Bahia
1938
Luiz pegou o dinheiro que recebera do ordenado e enfiou no bico do sapato. Foi tomar banho e Ycnan, mulher muito caprichosa, resolveu limpar o calçado dele. Quando foi fazê-lo, enfiou a mão dentro, sentiu algo estranho, puxou, e, surpresa, viu o dinheiro. Calada, o retirou e colocou na própria bolsa. Não falou nada. O marido saiu do banheiro, arranjou uma briga, ficou zangado, arrumou-se todo e ao sair falou com a mulher: – Olhe! Não estou agüentando mais esta situação! Estou muito aborrecido. Vou sair e não sei em que dia voltarei. A mulher ficou rindo em casa, pensando como ele pularia no carnaval, durante três dias, sem ter dinheiro! Dali a uma hora mais ou menos, Luiz voltou todo sem graça, não falou nada, e... passou os três dias, de pijama, em casa. Na quinta-feira, Ycnan foi a uma boa loja e comprou toalhas, lençóis e fronhas para a família inteira e ainda ficou com o troco.
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Cachoeira, Bahia
1939
Luiz foi trabalhar em Cachoeira, Bahia, às margens do Rio Paraguaçu. A cidade ficava em uma colina. Tinha um morro onde se situava uma bela igreja e as casas mais novas. A sua ficava lá em cima, de onde avistava-se São Felix, outra bela cidade. Os filhos do Luiz estudavam internos em Salvador, visitando a família de vez em quando. Vinham em um barco muito grande e bom, demorando a viagem mais ou menos quatro horas. Após uma tempestade, o rio encheu, Cachoeira ficou com uma parte submersa. Era época de férias. Ycnan aconselhou aos filhos não comerem nada na rua, porque, devido à enchente, a cidade foi acometida por doenças infecciosas. Yêdo não obedeceu, ignorando as palavras da mãe.
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Iniciando-se as aulas, voltaram todos para o colégio. Dias depois, Ycnan recebeu um telegrama, avisando que o Yêdo estava muito doente. Os pais foram ver o filho, encontrando-o muito mal. Levaram-no para um hospital, onde ficou entre a vida e a morte. Neste ínterim, Luiz foi designado inspetor fiscal de Alagoas, e, tendo que assumir o cargo, deixou a esposa, muito nervosa, sozinha com o filho. O médico ia diariamente ao hospital, onde o rapaz, de vez em quando, agonizava. Assim, se passaram dois meses, naquela agonia. Faziam vários exames, a pedido do médico, mas não se descobria nada. Certa vez, uma freira chamou Ycnan para conversarem no corredor, dizendo que não podia se calar! Tinha se confessado, e o padre a aconselhara a contar sua suspeitas. Falou o seguinte: – Estou trabalhando neste hospital há muitos anos, não sou médica, mas tenho muita prática. Este clínico não está sendo correto! A senhora já notou que não pediu um exame de fezes? Enquanto não acabar de construir a casa que está fazendo, com vocês financiando, não irá fazêlo! Seu filho deve estar com coli-bacilose! Diga a este irresponsável que o seu dinheiro acabou, e veja qual será a reação dele. Peço que guarde segredo desta nossa conversa porque, se souberem, serei expulsa da ordem, pois não tenho o direito de me intrometer entre os pacientes e seus responsáveis. No mesmo dia, quando o clínico chegou, Ycnan disse que ia para Maceió, atrás do marido, pois estava sem dinheiro. Muito assustado, ele falou: – Mas é uma viagem de três dias! A senhora vai jogar o seu filho no mar. É isto o que as pessoa são obrigadas a fazer, quando morre alguém a bordo. Ela respondeu: – Paciência doutor. Não posso agir de outro modo, pois não tenho mais um tostão!
E ele, muito sem graça: – Será que pode pagar só mais um exame? Faça um exame de fezes. No dia seguinte, Yêdo saiu do hospital, com o diagnóstico: coli‑bacilose e, tomando os remédios indicados, depois de uma semana, viajou de navio, e fez uma ótima viagem!
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Bahia
1942
Luiz foi fazer uma inspeção fiscal em várias cidades do interior. Resolveu ir à que ficava mais longe e depois vir voltando fazendo o seu trabalho. Na ida, no meio do caminho, sentiu fome e resolveu comer em uma pensão. Enquanto esperava a comida, assentou-se em uma cadeira, na sala de visitas. Ele, que não era ligado em arrumação de casa, ficou encantado com tanto asseio: na parede tinha um espelho de cristal que, de tão limpo, até reluzia. Os móveis eram poucos, porém muito bonitos, (daqueles antigos) eram: um sofá, duas poltronas e uma mesinha de centro, em cima da qual colocaram um álbum de retratos. Curioso, resolveu folhear o álbum e, no meio, encontrou uma figura muito engraçada: um homem com uma roupa alinhada, colarinho duro,
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bem largo, dobrado nas pontinhas, super engomado, ostentando um gravatão de seda. Até ai, tudo bem; mas... ele usava umas costeletas e um bigodão tão grandes que quase escondiam o nariz, e nem se via direito a boca. O bigode, enrolado nas pontas, fazia uma curva e subia pelo rosto a cima. O homem era moreno trigueiro. Luiz quase morreu de rir com aquele retrato e pensou: vou levá-lo para mostrá-lo aos amigos. Retirou-o com cuidado, colocou-o no bolso do paletó. Almoçou, pagou a conta, despediu-se e foi embora. Quatro dias depois, tendo feito o trabalho, voltou à cidade e procurou novamente a pensão para se alimentar, pois gostara da comida. Quando entrou na casa, notou que a dona do pequeno hotel tinha os olhos inchados de tanto chorar. Perguntou-lhe o motivo de tantas lágrimas, e ela, com um lenço na mão falou: – Aconteceu uma desgraça! Perdi o retrato do meu querido pai, e era o único que eu tinha! Já o procurei em todos os cantos e não o achei! Luiz, um bom rapaz, não imaginou as conseqüências da sua brincadeira. Muito penalizado, com um pouco de remorso, falou: – Não chore mais, minha senhora! Eu sei onde ele está! – Como? – Está aqui no meu bolso! – O senhor o tirou para quê? Muito inteligente e sábio, deu-lhe um motivo desculpável: – É que eu achei seu pai muito bonito, e levei o retrato de lembrança para mim. A dona da pensão pegou avidamente a preciosidade que Luiz lhe estendeu. Agradeceu muito, abraçando-o e lhe dando um beijinho!!!
Salvador, Bahia
1943
Luiz e Ycnan saíram para as compras de fim de ano. Luiz, fiscal federal, em um terno de linho branco S120, sapato de cromo alemão marrom e chapéu de palhinha, nos “trincks” e Ycnan com um vestido azul marinho de seda, muito bonito e sapatos de saltos bem altos. Ela queria comprar também uns aviamentos de costura, para acabar os vestidos das filhas, que estava confeccionando com todo o capricho para o natal. Chegaram na porta da loja, que era comprida parecendo um beco, e constataram que estava cheia de freguesas. Luiz, como sempre, muito brincalhão, deu um empurrão em Ycnan, que foi caindo por cima de todas as freguesas, mais parecendo um furacão, que falavam: – Que é isto? Que mulher sem educação! Etc. etc.
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Ycnan chegou, no embalo, lá no balcão, após pisar em muitas pessoas. Voltou revoltada, muito vermelha, chorando, muito zangada e, quando chegou ao lado do marido, falou: – Isto é coisa que se faça? Em que você estava pensando para fazer isto? – Eu só estava brincando, falou ele. Por que você não aproveitou que estava lá na frente e pediu ao balconista as rendas que estava querendo? O passeio acabou. Ycnan voltou para casa muito aborrecida mas... logo desculpou o marido após uns deliciosos carinhos.
Bahia
1944
Luiz foi fiscalizar várias cidades do interior; entre uma e outra sentiu muito sono e, combinando com o colega que trabalhava com ele, pararam em um lugarejo para dormirem. O motorista, que já conhecia a cidade, disse que ali só existia a pensão da dona Senhorinha. Dirigiram-se para lá e ao chegarem à casa, os colegas notaram que estava tudo apagado e que ela só poderia estar dormindo. Bateram à porta e um chamou delicadamente: – Dona Senhorinha, ou dona Senhorinha! O chofer, vendo que ela não acordava, falou: – Mas... esta voz mole e delicada não acorda ninguém. Eu dou um jeito, querem ver? Deu três fortes murros na porta e gritou: Dona Senhorinha!!! Dona Senhorinha!!! Dona Senhorinha!!!
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A dona da pensão acordou assustada e perguntou nervosa: – Mas que barulho é este? Querem me matar de susto? Ao que o chofer explicou: – Também a senhora não acordava! A gente chamou três vezes delicadamente! E a velha: – Ah! Meus filhos! Vocês me chamavam com uma voz tão doce! Parecia cantiga de ninar! E foi para a cozinha preparar um cafezinho para eles.
Juiz de Fora, Minas Gerais
1945
Luiz estava morando em Juiz de Fora, e apesar de não ter jeito para dirigir e nem entender nada de mecânica, resolveu comprar um carro usado. Todos os dias, remexia no motor do Opel, sendo ajudado por seu filho Francis, também curioso, mas um rapazola super serviçal. Certo dia, puseram o automóvel em um macaco e resolveram lubrificá‑lo. Francis colocou graxa embaixo dele todo, e muito admirado falou: – Papai! Aqui tem um lugar que parece nunca levou um lubrificante! Quanto relaxamento do ex-dono! Posso fazê-lo? – Mas é claro, meu filho! Respondeu o pai. – Então me arranje mais graxa, porque esta aqui está pouca!
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E assim, trabalharam a tarde toda, consertando ora uma coisa, ora outra. No dia seguinte, Luiz, de manhã cedo, resolveu dar uma volta de carro. Tirou-o da garagem, e quando desceu a ladeira, ele disparou pela rua afora. Não adiantando freiá-lo, passou por várias ruas super perigosas, e, por coincidência, parou bem na porta de uma oficina mecânica. O mecânico, solicitado, foi ver o que acontecera, e, após examinar cuidadosamente, falou para Luiz: – O senhor tem algum inimigo? Cuidado! Com esta profissão de fiscal federal, tem que ficar alerta! Alguém está querendo matar o senhor! – Como, porque? Perguntou Luiz. Imagine que encheram a lona de freio do seu carro de graxa! Mas tanta graxa, que vai ser até difícil tirar!
A Depois do carro limpo pelo mecânico, Luiz foi passear no seu Opel. Deu umas voltinhas pela cidade, aproveitando a estiagem, pois choveu durante três dia seguidos. Indo pela avenida Rio Branco, avistou uma grande poça d’água, na rua e umas mulheres gordas fazendo uma algazarra danada. Resolveu fazer uma brincadeira, acabando com aquela folia: Entrou com o carro no meio da poça, jogando água para todos os lados, mas qual não foi o seu susto, quando ele começou a pular e fazer um enorme barulho! Ali era uma linha de bondes que estavam consertando, tiraram os trilhos e deixaram só os dormentes. Luiz, muito assustado, custou, mas conseguiu parar. Saiu no meio da água, molhou-se todo, e, muito aborrecido, ligou para uma oficina, que mandou um guincho buscar o automóvel e levá-lo para ser consertado. Depois do carro pronto, Luiz quase caiu de costas, quando veio uma conta enorme!
Juiz de Fora, Minas Gerais
1946
Luiz chegou em um botequim para comprar umas frutas. Na direção da parede lateral havia uma prateleira em cuja ponta estava um mamão enorme, logo após um menor, depois um menor e outro menor ainda, bem pequeno. Luiz perguntou ao dono: – Quanto custa este mamão? E apontou para o maior. O dono respondeu: – Pode ser seis. Luiz levou aquela fruta para casa. No dia seguinte, foi comprar outras, pois achou as frutas muito saborosas. Chegando lá encontrou a mesma arrumação. Apontou para a segunda fruta e perguntou:
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– Quanto é? O homem respondeu: – Pode ser seis. Luiz levou aquele mamão para casa e no dia seguinte voltou ao botequim e perguntou quanto era o terceiro, e escutou a mesma resposta: – Pode ser seis. Levou-o e nos outros dias consecutivos ia lá, escutava a mesma resposta até que finalmente apontou para o mamão pequeno, perguntou e obteve a resposta costumeira: – Pode ser seis. Rindo muito, levou a fruta para casa e ao ser indagado falou: – Sabe? Eu fiquei com pena do pobre homem!
Ribeirão Preto, São Paulo
1950
Luiz saiu para trabalhar, estacionou o carro no centro, e foi fiscalizar uma firma. O empresário, era um homem alto forte, e, ao indagar o nome, se identificou como Miguel Sonino. Achou muito interessante, pois notou que o Sr. Sonino tinha uma incrível cara de sono, custava até a pronunciar as palavras, como se estivesse com muita vontade de dormir. Dali foi para outra firma, e o outro empresário, chamava-se, Tarjala Chinele, outro nome interessante! Quando foi pegar o carro, a chave não entrava na fechadura, ficou impaciente, resolveu chamar um chaveiro e quando estavam tentando abri-lo, chegou o legítimo dono! Aquele não era o seu carro, e sim outro igual! Pediu mil desculpas, mas o proprietário era muito gentil e ficou tudo resolvido. Procurou, procurou, e, depois de perder a esperança de achar o seu veículo, chamou a polícia pedindo para localizá-lo. Ele estava em outra rua paralela.
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Daí por diante, quando chegava em casa, falava para os netos: – Tarjala Chinele, e os meninos corriam e traziam o seu chinelo.
A
Certa noite, jantamos bastante, pois a comida estava muito gostosa, e depois saímos, papai e eu, para darmos um volta, ir ao cinema. No meio do caminho, tivemos a idéia de passar em casa do Sr. Pedrinho (apelidado, não sei por que, de Pedrinho pó de arroz). Era professor de piano. Chegamos. Não o encontramos, mas sua velha mãe, uma senhora de uns setenta anos, nos recebeu muito bem, e assim que nos assentamos na sala de visitas, foi buscar um agrado para nós. Trouxe, em cada uma das mãos, um prato de biscoitos de polvilho enormes e o outro com bananas caturra. Agradecemos, pois tínhamos acabado de jantar, mas ela insistiu muito, e, por educação, resolvemos aceitar. Papai trocou um olhar comigo e, muito sem jeito, pegou uma banana caturra e eu um biscoito de polvilho. Quando olhei a cara desconsolada dele, não agüentei, e comecei a rir. Assim que pudemos, fomos embora, dirigindo-nos para o cinema. Papai, muito carinhoso comigo, resolveu comprar uns biscoitos de polvilho, para comermos em casa, quando voltássemos. Fiquei esperando do lado de fora, e ele entrou na padaria. Dali a alguns instantes, voltou com dois embrulhos enormes: tinha comprado dois quilos de biscoito de polvilho. Como iríamos ao cinema portando embrulhos tão grandes? Rimo-nos muito, e voltamos para casa.
São Paulo, capital
1951
Luiz estava morando em São Paulo. Todos os sábados, aprontava-se todo, vestia um terno engomado, vindo da lavanderia, colocava um sapato de cromo alemão, novo, camisa de seda pura, perfume francês para homem, etc., e saía, não se sabe para onde. Passava a tarde fora de casa, só voltando à noite. Em um destes dias, arrumou-se impecavelmente, e, antes de sair, sentiu sede. Foi até à copa tomar água. Quando abriu a torneira notou que ela acabara. Pegou uma cadeira, subiu e abriu o registro. Neste meio tempo, a empregada, que estava passando pano no chão, veio com o balde, e, impensadamente, colocou-o bem embaixo da cadeira onde ele havia subido. Luiz desceu olhando para cima, e enfiou o pé dentro daquela água suja. Tomou um grande susto, e ao verificar o que acontecera, com muita raiva, retirou o pé que estava dentro do balde, e enfiou o outro que estava enxuto. Foi para o quarto, vestiu um pijama. E passou o resto da tarde em casa.
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Sào Paulo, capital
1952
Morávamos em São Paulo. Quase todas as noites, papai e eu íamos ao cinema, a pé. Saíamos conversando, distraídos, e, ao passarmos em uma determinada casa, um cachorro latia muito alto, avançava na grade, e tomávamos o maior susto. Às vezes, pulávamos no meio da rua. Todos os dias era a mesma antipatia. Como meu pai tinha um gênio ótimo, e era muito brincalhão, teve uma ideia, e combinou comigo: – Vamos dar um susto neste animal? Hoje, iremos pé ante pé, e ao chegarmos em frente à casa, latiremos para ele. Assim fizemos. O cachorro tomou um grande susto, virou a cabeça, e
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nos olhou com uma cara de censura, como se fosse muito ajuizado. Achamos muita graça naquilo, e colocamos nele o apelido de cachorro ajuizado. No outro dia, ao passarmos pela casa, não o vimos mais. Papai foi então lá, tocou a campainha, uma senhora atendeu e ele perguntou-lhe: – Cadê aquele cachorro tão simpático que tinha aqui? Ela respondeu: – O senhor gostava dele? Como? – É que eu passava aqui todas as noites, e o via! – Ah meu senhor, eu esqueci o portão aberto, ele fugiu, e um carro o atropelou! – Mas que pena, minha senhora! Nós, eu e minha filha, gostávamos muito dele!
Belo Horizonte, Minas Gerais
1970
Luiz saiu de carro com sua filha Lúcia, foram fazer uma compras. Ao voltarem, passaram pela rua Pouso Alegre, que além de muito estreita, tinha postes elétricos no meio. Luiz morava em São Paulo, e era acostumado com vias mais largas. Na volta, Lúcia avistou uma amiga, e gritou: – Hei! Como vai, está boa? Na mesma hora, seu pai falou: – Boa, que boa?, onde está a boa? Neste momento, meteu o carro em um poste, e custou a conseguir tirá-lo.
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Muito irritado, disse: – E agora? Amassei o carro todo! O que vou contar para a Ycnan quando chegar em casa, quando perguntar como amassei esta porcaria? Vou dizer que fui olhar quem era a boa? Também você, minha filha, é culpada! Tinha que perguntar se ela estava boa? Uma mulher horrorosa daquela!! Lúcia falou: – Mas... como eu haveria de dizer? Ele respondeu: – Você deveria dizer: Hei! como vai? Isto era o suficiente!
A Luiz ia saindo de casa, quando sua filha, pegando um lenço de papel, que havia sido lançado naqueles dias, colocou-o em seu bolso, dizendo: – Adivinhe de que é feito? – De pano. Respondeu ele. – Pois não é. É de papel! Muito admirado, Luiz saiu. Trabalhou, e depois foi cortar o cabelo. Ao sair, perguntou ao barbeiro: – Sabe de que material é este lenço? Ele examinou-o e disse: – É de linho, e de um linho muito bom!
– Pois não é, ele é de papel! Despediu-se e foi embora. Chegou em casa, ouviu as últimas notícias no rádio, almoçou. Chegou um contribuinte com um documento para que o assinasse. Luiz, quando foi rubricar o papel, verificou que aquela não era a sua caneta. Voltou ao guarda roupa, pegou o paletó, constatando que no bolso haviam outros documentos que não eram os dele. Muito assustado compreendeu que, ao sair do salão, vestira o paletó de outra pessoa. Pegou o carro, imediatamente, foi procurar o barbeiro, que lhe disse: – O freguês está furioso com o senhor. Disse que atrapalhou o dia dele. Luiz pegou o seu paletó, e voltou para casa.
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Neste livro, foi utilizada a fonte Mrs Eaves (Zuzana Licko, Emigre) em corpo 12. Como fonte auxiliar, foi utilizada a Bickham Script Pro. A capa foi impressa em papel telado 250g e, o miolo, em papel sulfite 90g. Livro originalmente diagramado em Outubro de 2009, como projeto final da Oficina de Diagramação, do curso de Comunicação Social da UFMG. A segunda edição data de Janeiro de 2012. Projeto gráfico e diagramação: Renata Gibson