Edição 23 - Ano IV

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Oncologia para todas as especialidades

maio/junho 2014 Ano 4 • n º 23

Entrevista

A disciplina das artes marciais ajuda Antônio Carlos Buzaid, chefe-geral do Centro de Oncologia do Hospital São José, no combate ao câncer

Políticas públicas Rede Hebe Camargo quer agilizar acesso dos pacientes aos hospitais em São Paulo

Metástases ósseas

Os desafios do diagnóstico precoce

A doença do século XXI versus a formação do século XX do bem | mama | campanhas | pulmão


sumário

entrevista

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capa

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Formação de profissionais com foco em prevenção e tratamento de neoplasias ainda fica em segundo plano no currículo das universidades

melanoma

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Tratamento do melanoma (Parte 1): doença localizada Eduard René Brechtbühl

metástases ósseas

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Diagnóstico precoce das metástases ósseas Olavo Pires de Camargo

pulmão

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Controvérsias no emprego de inibidores de tirosina quinase direcionados ao receptor do fator de crescimento epidérmico em adenocarcinomas pulmonares Gilberto de Castro Junior e Carlos Henrique dos Anjos

políticas públicas

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Rede Hebe Camargo quer agilizar acesso dos pacientes aos hospitais públicos no estado de São Paulo

do bem

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Com as facilidades da internet, cada vez mais pacientes com câncer buscam na escrita uma forma de dividir experiências

campanhas

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Fique por dentro das ações sobre câncer que ganharam destaque na mídia e nas redes sociais

curtas

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Novidades sobre pesquisas, parcerias e eventos: um giro pelo mundo da oncologia

mundo virtual

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Aplicativos para tablets e smartphones que ajudam médicos a se manter sempre atualizados para o diagnóstico e tratamento de seus pacientes

acontece

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Fique por dentro dos congressos, simpósios, encontros de atualização e outros tantos eventos da área

calendário

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Programe-se: os eventos e congressos que estão por vir

Organização e disciplina das artes marciais são a chave para Antônio Carlos Buzaid conciliar várias atividades com a missão de chefiar o Hospital São José


Conselho editorial Editor clínico: Sergio D. Simon

I – Cancerologia clínica

II – Cancerologia cirúrgica

IV – Patologia

Oncologia clínica:

Abdômen:

André Moraes (SP) Anelise Coutinho (BA) Artur Katz (SP) Auro Del Giglio (SP) Carlos Sampaio (BA) Clarissa Mathias (BA) Claudio Petrilli (SP) Daniel Herchenhorn (RJ) Fernando Maluf (SP) Fernando Medina (SP) Igor Morbeck (DF) Jacques Tabacof (SP) João Nunes (SP) José Bines (RJ) Karla Emerenciano (RN) Marcelo Aisen (SP) Marcelo Collaço Paulo (SC) Maria de Fátima Dias Gaui (RJ) Mario Luiz Silva Barbosa (SP) Nise Yamaguchi (SP) Oren Smaletz (SP) Paulo Marcelo Gehm Hoff (SP) Roberto Gil (RJ) Sebastião Cabral Filho (MG) Sérgio Azevedo (RS) Sergio Lago (RS)

Ademar Lopes (SP) José Jukemura (SP) Laercio Gomes Lourenço (SP) Marcos Moraes (RJ) Paulo Herman (SP)

Carlos Bacchi (SP) Felipe Geyer (SP) Fernando Soares (SP)

Onco-hematologia: Carlos Chiattone (SP) Carmino de Souza (SP) Daniel Tabak (RJ) Jane Dobbin (RJ) Nelson Spector (RJ) Vânia Hungria (SP)

Transplante de medula: Jairo Sobrinho (SP) Luis Fernando Bouzas (RJ) Nelson Hamerschlak (SP) Yana Novis (SP)

Ginecologia: Jorge Saad Souen (SP) Sérgio Mancini Nicolau (SP) Sophie Derchain (SP)

Mama: Alfredo Barros (SP) Antonio Frasson (SP) Carlos Alberto Ruiz (SP) Maira Caleffi (RS) Ruffo de Freitas (GO)

Neurologia: Manoel Jacobsen Teixeira (SP) Marcos Stavale (SP) Cabeça e pescoço: Luis Paulo Kowalski (SP) Vergilius Araújo (SP) Tecido osteoconjuntivo: Olavo Pires de Camargo (SP) Reynaldo J. Garcia Filho (SP)

Tórax: Angelo Fernandez (SP) Riad Naim Younes (SP)

V – Cuidados paliativos e dor Ana Claudia Arantes (SP) Fabíola Minson (SP) João Marcos Rizzo (RS) Ricardo Caponero (SP)

VI – Pesquisa Carlos Barrios (RS) Conceição Accetturi (SP) Everardo D. Saad (SP) Greyce Lousana (SP) Gustavo Werutzky (RS)

VII – Radiologia e diagnóstico por imagem Jairo Wagner (SP)

VIII – Radioterapia João Victor Salvajoli (SP) Ludmila Siqueira (MG) Paulo Novaes (SP) Robson Ferrigno (SP) Rodrigo Hanriot (SP) Wladimir Nadalin (SP)

IX – Especialidades médicas

Urologia:

Cardiologia:

Antônio Carlos L. Pompeu (SP) Miguel Srougi (SP)

Roberto Kalil Filho (SP)

III – Biologia molecular

Mario Luiz Silva Barbosa (SP)

Ada Alves (RJ) André Vettore (SP) Carlos Gil (RJ) Helenice Gobbi (MG) José Cláudio Casali (RJ) Luísa Lina Villa (SP) Maria Isabel Achatz (SP)

Gastroenterologia:

Clínica médica:

Carlos de Barros Mott (SP)

Geriatria: Wilson Jacob Filho (SP)

Pneumologia: Carlos Roberto de Carvalho (SP)

Ano 4 • número 23 maio/junho 2014 Publisher Simone Simon simone@iasoeditora.com.br Editorial Regiane de Oliveira regiane@iasoeditora.com.br Subeditor Gabriel Ferreira gabriel@iasoeditora.com.br Direção de arte/Prepress Ione Franco ione@iasoeditora.com.br

Impressão: Ipsis Gráfica Tiragem: 10 mil exemplares ISSN: 2179-0930 Jornalista responsável: Regiane de Oliveira (MTb 35.749/SP) Colaboraram nesta edição: Carlos Henrique dos Anjos, Eduard René Brechtbühl, Gilberto de Castro Junior, Jussara Soares, Olavo Pires de Camargo, Simone Rosa

A revista Onco& – Oncologia para todas as especialidades, uma publicação da Iaso Editora, especializada em comunicação médica, traz informações sobre oncologia a profissionais de todas as especialidades médicas. De circulação bimestral, tem distribuição nacional e gratuita por todo o território nacional. A reprodução do conteúdo da revista é permitida desde que citada a fonte. A opinião dos colaboradores não reflete necessariamente a posição da revista.

Consultora médica Cristiane Benvenuto Andrade Revisão Patrícia Villas Bôas Cueva

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Quando a boa formação também é prevenção

N

ESTES QUATRO ANOS DE

ONCO&,

TEMOS FA-

LADO MUITO DA IMPORTÂNCIA DA PREVENÇÃO, AQUELA FEITA PRINCIPALMENTE PELO MÉDICO

não especialista, para ajudar a combater a epidemia de câncer. Acreditamos que a prevenção, aliada aos mais modernos tratamentos, pode sim fazer com que o câncer não seja uma sentença de morte. Mas essa prevenção esbarra em uma variável pouco discutida: a formação do médico. A repórter Simone Rosa conversou com vários especialistas e descobriu que, enquanto o câncer caminha para ser a doença que mais causa mortes no Brasil, a formação de profissionais com foco em prevenção ainda está em segundo plano no currículo das universidades. O Brasil ainda tem uma formação do século XX, voltada, entre outros, para tratar de doenças tropicais, por exemplo, enquanto se espera que enfrente o câncer, a doença do século XXI. Nesta edição também conversamos com Antônio Carlos Buzaid, chefe-geral do Centro de Oncologia Antônio Ermírio de Moraes do Hospital São José, que nos mostra que a luta contra o câncer é um processo quase marcial, que une formação constante, persistência, informação e comprometimento público. Esse último assunto vamos tratar na reportagem sobre a reorganização do sistema de atendimento do estado de São Paulo, onde a Rede Hebe

Camargo promete agilizar o acesso dos pacientes aos hospitais. Temos ainda uma novidade, a seção de Campanhas, onde traremos, a partir desta edição, as ações publicitárias mais criativas e também polêmicas que ganharam destaque na mídia e nas redes sociais. São ações como a do movimento Carequinhas, do GRAACC, que agora ganhou projeção internacional, com cerca de 40 personagens de desenhos animados de vários países raspando a cabeça em apoio à causa. E o ursinho do Hospital Amaral Carvalho que, ao levar mensagens de familiares e amigos para crianças em isolamento, emocionou o país. Ao chamar atenção para o assunto, essas campanhas ajudam também a avançar na questão do diagnóstico precoce. Afinal, na luta contra um inimigo poderoso como o câncer, a união de esforços, que vão da formação do médico à conscientização do leigo, é fundamental. Boa leitura!

Simone Simon Publisher Contato: simone@iasoeditora.com.br

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entrevista

Bom de briga Organização e disciplina das artes marciais são a chave para conciliar várias atividades com a missão de chefiar o Hospital São José

Por Jussara Soares

O

ONCOLOGISTA ANTÔNIO CARLOS BUZAID, DE 55

Murilo Constantino/Onco&

ANOS, CHEFE-GERAL DO CENTRO DE ONCOLOGIA

Antônio Carlos Buzaid * Chefe-geral do Centro de Oncologia Antônio Ermírio de Moraes do Hospital São José, desde março de 2011 Contato: secdrbuzaid@hospitalsjose.org.br

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES (COAEM) DO Hospital São José, ligado à Beneficência Portuguesa, não entra em briga para perder. É assim desde os 14 anos, quando começou a desferir os primeiros golpes no tae kown do. Embora não treine mais regularmente em nenhuma academia, as artes marciais ainda são o hobby do médico. “Ainda dou uns chutes e machuco”, diz. No entanto, desde quando se graduou, em 1982, com o título de melhor aluno da Universidade de São Paulo nas disciplinas básicas, a briga mais árdua do médico tem sido fora do tatame. Pesquisador e professor, Buzaid luta, junto com seus pacientes, contra o câncer, para o aumento da qualidade da oncologia no Brasil e para o avanço nas pesquisas que podem caminhar para a cura da doença. “O princípio do tratamento do câncer é igualzinho ao das artes marciais. É uma luta, é uma briga, onde o inimigo tem seus pontos fracos e fortes. Você tem as armas, a técnica e vai tentar ganhar essa briga sem machucar o ossinho”, compara o oncologista, que não aceita as derrotas facilmente. “Tenho credenciais boas e eu estudo muito. Não erro em geral e não quero que o resultado vá mal.

Sempre tirava 10 na escola, então quero tirar 10 toda hora. Só que no mundo real é diferente. Na escola é fácil tirar 10. Eles fazem a pergunta e você dá a resposta certa. No mundo real, o sucesso é que é a nota 10.” Na vida acadêmica, Buzaid coleciona méritos. Após se formar na USP, realizou um fellowship (especialização) na Universidade do Arizona. Aos 30 anos, se tornou professor assistente e diretor médico do Centro de Melanoma e codiretor do Centro de Câncer de Pulmão da Universidade de Yale, onde ficou por quatro anos. Era mais jovem que muitos de seus alunos. Em seguida, assumiu o cargo de professor associado do Hospital MD Anderson Cancer Center, o maior hospital de tratamento do câncer do mundo, e de diretor médico do Centro Multidisciplinar de Melanoma e Câncer de Pele, onde ficou por cinco anos. Retornou ao Brasil em 1998 e fundou o Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, onde foi diretor até 2011. Para continuar alcançando sucessos, Buzaid dedica dez horas do fim de semana para estudos médicos. Das 5h às 10h. “Faço como religião. A vida inteira”, diz. Durante quatro meses do ano, o médico também compromete os sábados e domingos para editar o Manual de Oncologia do Brasil. Criado


“O princípio do tratamento do câncer é igualzinho ao das artes marciais. É uma luta, é uma briga, onde o inimigo tem seus pontos fracos e fortes. Você tem as armas, a técnica e vai tentar ganhar essa briga sem machucar o ossinho”

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por ele em 2002, o manual já está na décima edição e tem edições em português, inglês e espanhol. Em maio, Buzaid ainda lança, em parceria com os oncologistas Fernando Maluf, chefe da oncologia clínica do Hospital São José, e Dráuzio Varella, o livro e o site “Vencer o Câncer – Manual para Leigos”. A proposta é oferecer um conteúdo claro e confiável aos pacientes oncológicos. O projeto será lançado em maio no Programa da Ana Maria Braga, da Rede Globo. Para conciliar as atividades extras com a missão de chefiar o Hospital São José, Buzaid recorre à organização e à disciplina. Acorda diariamente às 5h para despachar burocracias ainda em casa. Depois vai à academia e às 8h já está pronto para dar início à rotina hospitalar. Em 2011, após 13 anos no Hospital Sírio-Libanês, o oncologista aceitou o desafio de transformar o São José, na época com baixa ocupação, em um hospital totalmente oncológico e com isso melhorar as contas da Beneficência Portuguesa. Atualmente, o Hospital São José, com 67 leitos, se tornou altamente lucrativo e já está em fase de expansão. Uma segunda torre está sendo erguida para abrigar uma unidade ambulatorial, centro de relaxamento, psicoterapia, medicina alternativa e aumentará o número de leitos para 118. A previsão é que a expansão fique pronta em um ano. Buzaid aplica a experiência obtida nos hospitais americanos no Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes. “A nossa missão é a excelência em cuidado médico, ensino e pesquisa”, observa. O hospital, que mantém um time de 20 oncologistas, tem oito residentes, um programa de fellowship e outro de observadores, que vêm de unidades hospitalares, como o Inca e o Hospital de Câncer de Barretos, para observar como funciona a rotina da medicina privada e com mais recursos. Durante a hora do almoço, entre 12h e 14h, são realizadas reuniões em que os médicos discutem os casos mais complexos. A pedido dos residentes, Buzaid também passou a dar aulas às sextas-feiras. O oncologista só se esforça para deixar o hospital às 19h45. Em casa, o casal de filhos, de 7 e 6 anos, o espera para brincar, jantar e ler histórias. Casado com a oncologista Adriana Buzaid, eles se revezam na leitura de livros em inglês e português para as crianças. Quando chega em casa, Buzaid diz

não estar esgotado fisicamente, mas com um cansaço emocional sem tamanho causado pelo cuidado dos pacientes com câncer. E nessas horas, afirma Buzaid, só o amor da família resolve.

Onco& – Como surgiu o seu interesse pela oncologia?

Antônio Carlos Buzaid – Começou nos últimos anos de faculdade, sempre tive interesse em situações complexas e em grandes desafios. E naquele tempo o paciente de oncologia era totalmente negligenciado, era colocado num canto para morrer. Não havia nem matéria formalmente de oncologia na USP. Estava extremamente angustiado porque teria que sair do Brasil para estudar fora e a disciplina aqui não era levada com a seriedade que eu julgava necessária. Comecei a estudar para fazer um programa de fellowship fora do Brasil. Onco& – Quais são os principais desafios da pesquisa no Brasil e no São José?

Antônio Carlos Buzaid – O Brasil tem um dos mais graves problemas do mundo, que é a morosidade do processo regulatório. É um dos mais lentos do mundo. Enquanto nos Estados Unidos, em geral, em três meses um programa de pesquisa está aprovado e andando, no Brasil demora um ano. Então, os programas de pesquisa mais quentes nunca chegam aqui precocemente. Eles submetem ao mesmo tempo nos Estados Unidos e aqui, porque são indústrias internacionais, só que no Brasil demora um ano. Agora o governo está tentando modificar isso, porque existe uma forte pressão tanto da indústria quanto dos médicos. É uma pena que os pacientes não tenham uma voz tão forte, embora alguns na advocacia já estejam se manifestando, porque os nossos pacientes são privados dos melhores remédios em estudo no mundo. Nós esperamos que num futuro próximo isso seja retificado. Hoje, para participar dos protocolos com as drogas mais quentes, que não estão disponíveis no Brasil, os médicos são obrigados a mandar o paciente para fora do país. Obviamente, só aqueles que têm condições de viajar, tanto física quanto financeiramente. Isso é muito ruim. Eu fico profundamente magoado. Desde que eu cheguei ao Brasil em 1998, eu brigo com esse ponto seriamente.


Onco& – A que se deve essa morosidade? Antônio Carlos Buzaid – Autodeficiência do sistema. O número de funcionários é pequeno para avaliar um fluxograma incorreto. Por exemplo, um protocolo de pesquisa hoje vai para uma entidade chamada Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), como se o Brasil fosse um país de 2 milhões de habitantes. Nos Estados Unidos, ele não vai para uma agência central para avaliar se o protocolo está cientificamente razoável e ético. Ele vai para o comitê de ética e comitê científico do hospital. Esse documento não pode ir para uma agência nacional. Isso é notoriamente ineficiente, não tem sentido intelectual. Não se pode centralizar uma coisa num país de 200 milhões de habitantes. Nos Estados Unidos e na Europa não é assim, porque não é possível centralizar a avaliação de todos os protocolos de pesquisa numa agência governamental.

Onco& – Devido a esse processo o Brasil chega a perder quantas

Onco& – Existe uma luz no fim do túnel para a questão? Antônio Carlos Buzaid – Pela primeira vez houve uma reunião no Congresso para tentar retificar essa situação. É intelectualmente inimaginável o que acontece. Eles não têm um doente na frente com um filho de 2 anos dizendo: “Doutor, o que você pode fazer para me ajudar?”. Eles estão atrás de uma mesa, pensando, criando a roda que já existe. É só observar como outros países civilizados do mundo fazem.

Onco& – Como é possível avançar na detecção precoce do câncer no Brasil? Antônio Carlos Buzaid – Campanhas e o acesso à medicina de nível razoável – há muito a fazer ainda. Não adianta falar para uma pessoa fazer mamografia, por exemplo, e aparecer uma lesão suspeita, se eu não tiver tempo para “biopsiar” (sic). Se eu fizer uma campanha, o

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oportunidades de pesquisa? Como funciona esse trâmite dos protocolos de pesquisa? Antônio Carlos Buzaid – São incontáveis as oportunidades que se perdem. A indústria tem um remédio novo para testar se é melhor que outro. Ela faz um desenho de estudo e esse programa vai abrir em vários hospitais americanos, na Europa e inclui a América Latina. Quando chega ao Brasil, o processo de aprovação demora um ano, enquanto nos Estados Unidos em três meses tudo já está ativo. Quando se consegue a liberação do Brasil, a indústria dirá que não precisará

mais dos pacientes, porque o recrutamento se esgotou para finalizar o estudo. A meu ver, é uma vergonha nacional a não modificação desse fluxo pelo governo. Os hospitais têm suas credenciais para avaliar os protocolos. Cheguei a brigar com o governo. Disse que era lamentável para o nosso paciente, que perde o acesso a drogas quentes importantes e promissoras no mercado. Isso também ajudaria muito o SUS, onde não há remédios novos e caros. E esses remédios caros estariam todos disponíveis nos protocolos de pesquisa, por isso temos que fomentar a pesquisa nos hospitais do SUS, que são os que mais precisam.

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outro lado tem que estar pronto para receber as mamografias suspeitas. Se fizer campanhas para o câncer do colo retal, nós temos entidades públicas para fazer colonoscopia em todos que não têm acesso a plano de saúde? E, se for detectado um câncer, temos cirurgiões suficientes para operar? Saúde, na minha visão, não tem sido uma prioridade dos governos. É uma pena, porque somos um país onde a percentagem de investimento do PIB não é elevada se comparada a outros dos países civilizados do mundo. A população tem que começar a escolher melhor os seus governantes.

Onco& – Qual é o papel das diversas especialidades médicas no diagnóstico e acompanhamento do paciente oncológico?

Antônio Carlos Buzaid – O câncer é uma das doenças mais multidisciplinares. Primeiro porque o câncer acomete qualquer órgão: olho, intestino, ânus, boca, pele. O oncologista vai se relacionar com experts de várias áreas. Além disso, é comum pacientes terem complicações no tratamento. Então, ele se relaciona com cardiologistas e pneumologistas, por exemplo. Nenhum médico interage tanto com outras disciplinas. A oncologia é muito rica em informação. Nenhuma área muda tanto e tem tanto avanço quanto a oncologia. E, quando você está lidando com pacientes desesperados, esse desespero é um estímulo que não sai de dentro de você. É isso que faz você estudar. E eu gosto de estudar, sempre gostei. Então para mim não é um sacrifício, mas o estímulo vem dos pacientes.

Onco& – Como é lidar há tantos anos com uma especialidade em que a vida do paciente é tão frágil e é preciso lutar por ela? Antônio Carlos Buzaid – Isso dá um cansaço emocional que não tem tamanho. O cansaço da oncologia não é físico. Eu volto do hospital e estou ótimo fisicamente, mas estou emocionalmente cansado. Não faço terapia, faço academia todo dia. O ponto é que tenho o amor da família, tudo isso ajuda. Perder uma briga para mim não é uma coisa que aceito fácil. Tenho credenciais boas e eu estudo muito. Não erro em geral e não quero que o resultado vá mal. Sempre tirava 10 na escola, então eu quero tirar 10 toda hora. Só que no mundo real é um pouco diferente. Na escola é fácil tirar 10. Eles fazem a pergunta e você dá a resposta certa. No mundo real, o sucesso é que é a nota 10, e aí é complicado. Eu ponho 100% de esforço se eu tenho 1% de chance de cura. Eu vou para a briga mesmo. Meu hobby são artes marciais. Eu adoro uma boa briga. Fazia tae kwon do. Fiz desde os 14 anos de idade. Não vou mais para a academia, mas ainda dou chute e machuco. O princípio do tratamento de câncer é igualzinho ao das artes marciais. É uma luta, é uma briga, onde o inimigo tem seus pontos fracos e fortes. Você tem as armas, a técnica e você vai tentar ganhar essa briga, sem machucar o ossinho. E isso não é simples. Tudo isso adiciona uma camada extra de complexidade.

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Onco& – Essa disciplina vem das artes marciais? Antônio Carlos Buzaid – Eu sempre fui muito disciplinado. As pessoas me acham muito chato com isso. Raramente me atraso para algo, sou bastante metódico. Disciplina e organização nos ajudam a fazer bastante coisa ao mesmo tempo. Edito o Manual de Oncologia do Brasil, que eu criei em 2002 e já está na décima edição. Tem em inglês, português e espanhol. É o número 1 do Brasil e não há nenhum outro que compita com ele. Tenho compulsão em editar esse manual. Levo quatro meses do ano todos os fins de semana só para editá-lo. Faço isso após o congresso americano. Ele é o manual mais usado no Brasil, mais usado que o manual da Sociedade Brasileira de Oncologia. Ele me consome muito tempo, mas mantém a qualidade da oncologia no Brasil mais alta. Ele foi criado para isso. Eu via uma quantidade de erro muito grande em 2002 e nós achamos que poderíamos fazer um manual para ajudar o oncologista que não tem tanta dedicação aos estudos ou acesso aos congressos como a gente, para subir a barra da oncologia.

Onco& – O senhor também prepara o lançamento de um manual para a população em geral, correto? Antônio Carlos Buzaid – Neste ano, vamos lançar um Manual para Leigos, o Vencer o Câncer, uma parceria minha e dos médicos Fernando Maluf e Dráuzio Varella. Será lançado no programa da Ana Maria Braga no dia 19 de maio. É um livro e um site inteiramente dedicados a todos os pacientes oncológicos, que têm todos os tipos de câncer. Ele tem pequenas aulas, entrevistas com médicos e documentários. O leigo terá acesso a um conteúdo de alta qualidade.

Onco& – Como surgiu a necessidade de explicar o câncer para o leigo?

Antônio Carlos Buzaid – Quando o paciente tem um problema, ele consulta no Google e aparece um bilhão de informações. E aí falta o dispositivo mais importante, que é o filtro. Esse filtro é um médico para dizer: “Isso é bom pra você e isso não é bom pra você”. O paciente não é capaz de discriminar a informação, se atrapalha e interpreta erroneamente. O site é para tentar assistir os pacientes que têm câncer que querem informação de alta eficácia. Vamos atualizar as doenças com pequenos vídeos, remédios novos e funcionamento das medicações.

Onco& – Quais os principais avanços no tratamento do melanoma nos últimos anos?

Antônio Carlos Buzaid – Duas grandes áreas cresceram muito nos últimos anos. Uma é a terapia-alvo, que ataca um ponto específico da célula. E o melanoma. Em 2002, descobriu-se que havia a mutação de um gene que faz com que a célula não pare de proliferar. Em oncologia, é chamado de oncogênese. É um gene pró-câncer, chamado BRAF. Esse


gene está mutado e faz com que a célula se prolifere o tempo todo, pelo menos na metade dos casos. Recentemente, foram desenvolvidas drogas que inibem esse funcionamento do gene, na realidade, a proteína que está alterada, e a célula morre. Isso é um grande avanço. A outra área, que eu julgo a mais promissora de todas, é a imunoterapia. A imunoterapia é a estratégia em que você estimula o sistema imune. Esse estímulo faz com que o sistema imune reconheça o “bandido” (células cancerígenas) e o mate. Hoje temos uma nova droga, a Ipilumumab. Essa é só uma droga nova, mas outras estão vindo muito promissoras. Talvez neste ano sejam aprovadas nos Estados Unidos para o tratamento no melanoma. O importante é que o que se aprende no melanoma está sendo estendido para outros tipos de câncer.

curar. A terapia-alvo não cura ninguém, só segura. A imunoterapia, embora ainda não ajude a maioria dos doentes, tem o potencial curativo. Essa é a real luz no fim do túnel.

Onco& – Medidas tomadas por celebridades como Angelina Jolie, que realizou a mastectomia, podem trazer reflexos mais positivos ou negativos sobre as pacientes? Como lidar com uma pessoa que chega ao consultório inspirada por um caso visto na mídia? Antônio Carlos Buzaid – A Angelina Jolie não é um caso simples. Ela está no raro grupo de pacientes que herdaram um gene anormal que confere um altíssimo risco de câncer de mama. Esse gene se chama BRCA, tem o 1 e o 2. Ela tem o BRCA1. Pacientes como ela apresentam risco de 60% a 70% de ter câncer de mama até os 80 anos. E da ordem de 40% de ter câncer de ovário até os 80 anos. Então, o que a mulher faz? Tira a mama, deixa a auréola, e coloca uma prótese. Não fica tão bonito, mas reduz muito a chance de ter um câncer. No ovário, é preciso retirar os ovários. A retirada deve ser aos 35 anos, porque, a partir dessa idade, para quem tem essa mutação, o risco começa a subir muito rápido. Pedimos exame de sangue específico a todas as mulheres que têm uma história familiar ou tiveram câncer abaixo dos 45 anos. E orientamos as pacientes a passar por um aconselhamento genético, explicando os prós e contras da mastectomia e retirada dos ovários.

Onco& – Que avanços tivemos no tratamento do câncer de mama?

Onco& – De que forma o estudo canadense, que contesta a ne-

E no câncer de mama metastático? Antônio Carlos Buzaid – Há vários tipos de câncer de mama metastático. Naqueles em que há receptores hormonais, uma droga nova chamada Everolimus é mais uma opção no manejo da hormonioterapia. Já no câncer de mama her2 positivo apareceram várias drogas recentemente e, felizmente, todas já foram aprovadas no Brasil. Uma deve estar disponível agora em maio. Uma chama-se Pertuzumab, que tem como nome comercial Perjeta. E a outra é a TDM1, cujo nome comercial é Kadcyla. Essa é a droga mais inteligente que existe. O que as mulheres mais temem é a quimioterapia, pelo mal-estar, pela queda de cabelo, e essa molécula carrega a quimioterapia dentro dela. Ela chega no tumor, entra e libera a quimioterapia só dentro do “bandido” (o tumor). Essa é a primeira molécula que faz isso em câncer.

cessidade de mamografia anual, pode impactar as medidas de prevenção no Brasil? Antônio Carlos Buzaid – Aquele estudo canadense é muito ruim. A meu ver, foi um desserviço e deve ser esquecido. Foi altamente criticado por experts no mundo inteiro, não deve ser comentado. Temos a obrigação de explicar às pacientes que aquele estudo não está a par com o que se faz hoje no Brasil.

Onco& – A imunoterapia é o futuro para o melanoma e outros tipos de câncer?

Antônio Carlos Buzaid – Sim, principalmente com o intento de

Onco& – Como deve ser o manejo da quimioprevenção no câncer de mama?

Antônio Carlos Buzaid – A quimioprevenção deve ser aplicada a pacientes de risco alto. Por exemplo, a biópsia não mostrou câncer, mas uma lesão que aumenta o risco de câncer no futuro. Essas pessoas podem receber remédios. Os mais usados são Tamoxifeno ou Raloxifeno, na prevenção de câncer de mama. Eles reduzem o risco de a paciente desenvolver o câncer em aproximadamente 50%. Não eliminam o risco, mas diminuem. O problema é que esses remédios não são totalmente despojados de efeitos colaterais, como calores, secura vaginal, alteração do sono.

Onco& – A qualidade dos exames de imagem ainda é um desafio para o diagnóstico do câncer de mama no Brasil? Antônio Carlos Buzaid – Está melhorando. Onco& – A inclusão das drogas orais no rol de procedimentos da ANS traz quais desafios ao tratamento? Há drogas importantes no tratamento de câncer de mama e melanoma inseridas no rol de terapias orais? Antônio Carlos Buzaid – Vai ajudar muito os pacientes que frequentemente tinham que processar as seguradoras para obter as drogas, acho que isso veio melhorar o cuidado com o paciente. Drogas para o tratamento de melanoma estão na lista. Já no câncer de mama não tem tantas drogas orais. Em geral, o problema maior é que não sabemos como as seguradoras estão agindo com isso. Algumas compram e dão os remédios aos pacientes; em outras os pacientes compram e elas reembolsam. É tudo caso a caso. Não há uma regra muito clara de como elas devem operar.

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O papel da formação no combate ao câncer Enquanto o câncer caminha para ser a doença que mais causa mortes no Brasil, a formação de profissionais com foco em prevenção e tratamento de neoplasias ainda fica em segundo plano no currículo das universidades Por Simone Rosa

O

CÂNCER CAMINHA A PASSOS LARGOS PARA SER

A PRIMEIRA CAUSA DE MORTE NO

POUCO TEMPO.

BRASIL

EM

ESTIMATIVAS APONTAM QUE, logo ali, em 2020, o número de óbitos em decorrência de tumores malignos será maior do que o registrado em acidente vascular cerebral (AVC) e outras doenças cardiovasculares, na dianteira do ranking. Isso deve ocorrer devido ao envelhecimento da população, ao passo que há cada vez mais pessoas se tratando e obtendo controle de problemas cardíacos. Para 2014 e 2015, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca) prevê que 576 mil novos casos sejam diagnosticados a cada ano – dos quais um terço, em média, levará ao óbito. Mas, ao mesmo tempo em que o volume de pacientes oncológicos aumenta, a preparação dos médicos brasileiros para enfrentar essa realidade ainda deixa muito a desejar. Enquanto o câncer se destaca como a doença do século XXI, profissionais ainda são formados com currículos do século XX. Especialistas consultados pela reportagem são categóricos ao avaliar que a grade curricular nas faculdades de medicina é deficitária quando se trata das bases para o aprendizado da oncologia. Isso

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leva boa parte dos médicos recém-formados a sair das universidades para as consultas sem conhecimento suficiente para diagnosticar precocemente o desordenamento celular com formação tumoral, o que poderia inibir a escalada da doença. São os especialistas muitas vezes os primeiros a ter contato com pacientes em busca de um diagnóstico, pois os médicos pelos quais passaram não tinham clareza para avaliar a possibilidade de um câncer. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), se medidas preventivas não forem largamente aplicadas, a doença seguirá aumentando nos países em desenvolvimento. Muito embora o câncer ainda prevaleça em nações desenvolvidas – onde a expectativa de vida é maior –, é naqueles menos avançados que as pessoas morrem mais, justamente pela dificuldade da identificação precoce. “A formação oncológica aqui é no sentido do tratamento de tumores já instalados”, ressalta Rafael Kaliks Guendelmann, diretor científico do Instituto Oncoguia. “Não há uma orientação dos médicos não especialistas para a prevenção, seja na parte da conscientização, seja na solicitação de exames básicos que poderiam averiguar uma lesão pré-cancerosa.” Talvez por esse motivo, entre 40% e 50% dos


tumores em pacientes brasileiros sejam encontrados em estágio avançado. Um exemplo disso, lembra o diretor, é o mieloma múltiplo. Como há manifestações ósseas e hematológicas como sintomas, pacientes buscam por ortopedistas e hematologistas, mas, geralmente, o diagnóstico dessa doença ocorre apenas quando ela está muito avançada e por um especialista. “O câncer não precisa ser sentença obrigatória de morte, mas, para isso, é preciso focar na prevenção”, completa. Uma das saídas apontadas pelo diretor para reduzir o diagnóstico tardio é a intensificação do contato dos não especialistas com os oncologistas em prol da sua atualização. Para tanto, o Instituto Oncoguia vai realizar, no início de setembro, um curso voltado ao clínico geral. Do programa constam informações básicas, como a prevenção primária do câncer até as novas drogas em oncologia e os efeitos colaterais que levam os pacientes a buscar o pronto-atendimento. De acordo com Hakaru Tadokoro, coordenador de residência médica na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o diagnóstico precoce pode elevar para 90% as chances de cura de um paciente. “Mas hoje o que vemos, infelizmente, são clínicos gerais que querem se livrar logo do paciente em vez de pedir os exames básicos e orientar sobre cuidados e sintomas que podem ajudar na avaliação”, afirma Tadokoro. Nesse sentido, ao menor sinal errado com a saúde do paciente, diz, o clínico o envia a um especialista sem mesmo ter o diagnóstico. “Isso sobrecarrega todo um sistema.”

Fragmentação A baixa capacidade do profissional para identificar a formação inicial de um tumor vem da forma como a graduação está estruturada. Um dos principais problemas apontados é a fragmentação: os estudantes de medicina até têm aulas sobre tumores, mas o conhecimento é passado de forma muito segmentada. Raramente se ensina a patologia com uma visão integral. Prova disso é que, na prática, não existe a disciplina Oncologia. Assim, o aluno vai conhecer alguma coisa sobre câncer de pulmão na aula de pneumologia, sobre o tumor que acomete cólon e reto nas aulas de gastro, e assim por

diante, bem distante do que atualmente se faz nas universidades americanas. E isso se torna um problema, uma vez que existem perto de 200 variações da doença que apenas têm em comum o desarranjo genético da célula. Muitos especialistas afirmam, inclusive, que não existem dois tumores iguais tampouco dois pacientes idênticos. Na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp), por exemplo, os estudantes têm, ao longo dos seis anos de medicina, dez dias úteis apenas em um programa específico para oncologia. Nas duas semanas em que se dedicam integralmente a essa disciplina – no quinto ano do curso e após terem passado por algumas aulas segmentadas –, eles estudam na teoria e na prática ambulatorial casos dos seis tipos de tumor que mais acometem a população brasileira (pulmão, mama, próstata, cólon, colo do útero). Como os tumores podem se formar em qualquer parte do corpo, essa cobertura é ínfima. Carmen Passos Lima, professora de Oncologia Clínica do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, diz que realmente é diminuto o tempo destinado exclusivamente às neoplasias malignas. Talvez, observa, porque a oncologia ainda seja vista como uma segmentação relativamente nova no país. A solução, afirma ela, pode vir com a construção de um Hospital do Câncer em Campinas, onde todos os profissionais trabalhariam de forma integrada e os próprios estudantes entrariam em um ambiente de interação maior. Inclusive, ressalta Carmen, já há discussões entre a reitoria da Unicamp e o Ministério da Saúde nesse sentido. Outro ponto que poderia aprimorar, e muito, a forma de passar o conhecimento sobre o câncer seria a criação de um departamento de oncologia. “Um departamento específico de oncologia nas faculdades seria hoje tão importante quanto um de cardiologia”, afirma Rafael Kaliks Guendelmann. “A oncologia está sempre ligada a outra disciplina, parasitando em outro departamento”, complementa Evanius Garcia Wiermann, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). Isso mostra que ainda não é possível ver ressonando na graduação a importância de uma doença que pode atingir

O Instituto Oncoguia vai realizar, no início de setembro, um curso voltado ao clínico geral, com informações como a prevenção primária do câncer, as novas drogas em oncologia e os efeitos colaterais que levam os pacientes a buscar o pronto-atendimento

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“O câncer não precisa ser sentença obrigatória de morte, mas, para isso, é preciso focar na prevenção” Rafael Kaliks Guendelmann, diretor científico do Instituto Oncoguia

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22 milhões de pessoas no mundo nas próximas duas décadas, segundo estimativas da Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer (Iarc). Wiermann, que também concorda que o ensino voltado à oncologia na graduação é muito pobre, afirma que as disciplinas relacionadas aos tumores ainda são, em sua maioria, tratadas como optativas dentro das grades curriculares. Por isso, a SBOC já está há algum tempo em tratativas com a Comissão Nacional de Residência Médica para um aprimoramento do sistema de ensino nas residências médicas com ênfase na oncologia. Esse grupo é composto pelos ministérios da Educação, da Saúde, da Previdência Social e por entidades médicas. “Mas uma mudança em qualquer sistema não é feita de forma isolada, tem de mover vários departamentos.” Para Luiz Felipe Ribeiro, coordenador de ensino do Inca, nas faculdades brasileiras ainda se leciona à moda antiga: “Há inúmeras horas-aula de parasitologia. Já a oncologia, que trata do câncer – que será em 2020 a primeira causa de morte no Brasil –, fica praticamente relegada ao segundo plano”, diz Ribeiro. Todos os especialistas, sem exceção, criticam a falta de foco dos governos estaduais e federal com relação ao câncer e, consequentemente, a ênfase em políticas públicas que carreguem mais investimentos para essa área. Não é para menos. Se mirarmos para a história dos Estados Unidos – que hoje pode ser considerado um dos países de ponta em pesquisa e prevenção –, veremos que o impulso à oncologia foi dado na década de 1970, quando, já naquela época, o presidente Richard Nixon declarou guerra contra o câncer. Com a assinatura do Ato Nacional do Câncer, colocou bilhões de dólares à disposição da comunidade médica e incentivou as pesquisas. A prova de que o impulso governamental foi fundamental é que, em 1981, no Congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica havia 1,1 mil médicos (mesmo número do Brasil hoje); 20 anos depois, os EUA contam com 32 mil profissionais. Esse avanço muda radicalmente o quadro de pacientes com câncer. “É ridículo o montante de recursos que tanto o governo federal quanto o estadual disponibilizam para pesquisas voltadas ao câncer comparativa-

mente a outras doenças já ultrapassadas. Hoje há mais gente vivendo de doença de Chagas do que morrendo dela”, enfatizou o coordenador do Inca. De fato, as doenças infecciosas e parasitárias (tuberculose, malária, Chagas, diarreia) já corresponderam a quase metade das mortes no Brasil. Mas isso foi na década de 1930. Segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), os óbitos por essas causas são menos de 5% atualmente. Outra questão que se coloca é a expansão, quase desordenada, de faculdades de medicina no país. De acordo com o Conselho Federal de Medicina, entre 2000 e este ano a quantidade dobrou, chegando a 216 escolas. Esse número é superior até ao dos Estados Unidos (149), país cuja população é bem maior que a brasileira – na casa de 317 milhões de habitantes, contra os mais de 200 milhões do Brasil. Esse salto se deu graças à instituição de faculdades privadas, que atualmente representam 60% do total nacional e muitas das quais não possuem sequer hospital-escola. Por todas essas entidades são formados em torno de 19 mil médicos ao ano. Como quantidade não garante, necessariamente, qualidade, a observação dos especialistas ouvidos pela reportagem é de que há, sim, muitos médicos malformados, comprometendo a qualidade do atendimento. Márcia de Araújo, médica ginecologista especializada em cirurgia oncológica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), cita que 60% dos recém-formados foram reprovados na avaliação obrigatória feita pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp). Na amostra que se restringe aos egressos das faculdades particulares, a reprovação chega a 71%. Infelizmente esses médicos recebem seu CRM e podem atuar, pois não é como o exame da OAB, onde quem não passa não tem seu número profissional”, ressalta ela. “Melhor ter cinco clínicos bem formados do que dez com conhecimento inadequado”, complementa Tadokoro, da Unifesp. Preocupado com a formação de base do profissional médico e também de olho no surgimento de novos e bem preparados oncologistas, o Hospital Israelita Albert Einstein deve inaugurar, em 2015, sua faculdade. Segundo Nelson Hamerschlak, coordenador do Centro de Oncologia e Hematologia do


“Mais do que buscar culpados, é necessário haver políticas públicas com campanhas maciças contra a obesidade e o consumo de álcool, tão prejudiciais quanto o fumo” Bernardo Garicochea, coordenador de Ensino e Pesquisa do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês

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hospital, a filosofia a ser adotada na formação será a de visão integrada, multidisciplinar e mais humanizada. Isto é, uma equipe formada em várias especialidades, além do oncologista clínico, como cirurgiões, terapeutas, nutricionistas, enfermeiras, profissionais de imagem. “Há 30 anos, não existia nem o olhar para a oncologia no Brasil. Não atingimos o ideal, mas, hoje, grande parte dos médicos se prepara para ter residência em oncologia clínica. Há uma nova geração visando uma boa formação”, afirma.

Especialistas Assim como na base universitária, a formação de especialistas em oncologia também encontra entraves. No Brasil, há apenas seis programas de pósgraduação voltados ao doutorado nessa área – formando 100 doutores a cada quatro anos. Assim os médicos brasileiros saem muitas vezes para treinamento específico durante uma pós-graduação, mais frequentemente para os Estados Unidos e países da Europa. Para mastologia, por exemplo, o Instituto de Milão é uma das referências; para cirurgia de estômago, o do Japão. Dos médicos que vão para fora fazer a residência, e que acabam prestando as provas de título de especialidade por lá, só uma minoria volta. “Os americanos conseguem atrair e segurar médicos bem treinados, que passam a olhar para o Brasil como uma aventura, que pode ou não dar certo”, diz Guendelmann, do Instituto Oncoguia. Dos programas de pós-graduação brasileiros, apenas o do Inca tem conceito de excelência pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), vinculada ao Ministério da Educação. O programa do Inca é, portanto, o único em todo o país que se equipara aos dos melhores centros internacionais de pesquisa, com produção científica publicada em periódicos conceituados no exterior. Executa ainda projetos de difusão do conhecimento sobre o câncer (como o Curso de Verão em Oncologia Experimental) e de inserção social (como o Inca de Portas Abertas na escola, que leva a prevenção do câncer para os alunos do ensino médio estadual). Na opinião de Wimermann, nos últimos cinco anos os médicos que fazem residência médica já estão suprindo a necessidade do mercado. No entanto, ele chama atenção para outro problema: um

oncologista não tem como trabalhar sozinho. Só existe o tratamento se o paciente for assistido de forma multidisciplinar. “Vai sempre precisar de boa estrutura de pessoal e equipamentos.” Márcia Araújo, do Icesp, atesta: mesmo com toda a estrutura de um hospital de alta complexidade, ainda falta remanejamento de profissionais no sistema de saúde para que possam fazer o acompanhamento dos pacientes que já fizeram o tratamento – cirurgia, químio ou radioterapia – durante o período de cinco anos para monitoramento do risco de reincidência. “Foram seis anos de faculdade, três de residência, três de especialização e mais oito anos como voluntária e hoje só opero uma vez por semana, pois tenho de ficar duas vezes no ambulatório fazendo o acompanhamento de pacientes já tratados, pois, pelo sistema de saúde atual, não tenho para quem ‘devolver’ o paciente que tratei”, relata. Para Márcia, isso ocorre pela baixa otimização do sistema, onde o clínico geral não está ou não se sente apto para acompanhar casos do gênero.

Pirâmide O coordenador de Ensino e Pesquisa do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, Bernardo Garicochea, faz um alerta importante: a um grande número de oncologista em formação para os próximos cinco anos. No entanto, a formação em número de profissionais é completamente inútil se não houver investimento em centros de alta complexidade para o tratamento do câncer. “Se não há um hospital totalmente adequado para o trabalho, o especialista acaba virando um clínico geral”, ressalta, explicando que, para uma doença que tem tantas variações, é fundamental o aparato para o aporte cirúrgico, laboratórios de análise, serviços de enfermagem especializados, fisioterapeutas. Segundo ele, os países desenvolvidos já resolveram a questão da infraestrutura fazendo centros regionais de referência, como na Inglaterra, que tem estruturas de alta complexidade aliadas a institutos de pesquisa. Na Suíça, os especialistas trabalham meio período no centro e, no outro, se dedicam às pesquisas. Já nos Estados Unidos, um país de dimensões continentais como o Brasil, há vários níveis de centro de complexidade. Nas principais cidades, explica, existem os de alta


complexidade e, naquelas com até 50 mil habitantes, os de média, criando subníveis para o tratamento oncológico. “É preciso que o poder público olhe para essa questão urgentemente, pois durante esses cinco anos, enquanto esses novos profissionais se formam, é possível aparelhar e treinar mão de obra para criar esses centros pelo país, até para descentralizar os médicos.”

Márcia Araújo, do Icesp, complementa dizendo que é necessário uma infraestrutura, a que chamou de piramidal: para cada cirurgião oncológico em atividade no país são necessários um anestesista, dois instrumentistas, quatro leitos de hospital, dez enfermeiras, toda uma estrutura laboratorial e, na base, a rede de atendimento de clínicos bem formados para acompanhar o paciente no pós-tratamento.

Oncogenética, a grande lacuna na formação de especialistas A oncogenética ganhou destaque em maio do ano passado, quando a atriz norte-americana Angelina Jolie gerou polêmica ao decidir pela remoção preventiva de suas duas mamas, uma vez que seu exame genético sugeriu 87% de chance de que ela desenvolvesse câncer naquela região. Mais recentemente, Jolie anunciou também a retirada dos ovários. A recomendação para esse tipo de ação já envolve 23 centros de câncer nos Estados Unidos, onde a oncogenética desponta como a mais recente “arma” para aqueles que estão sujeitos ao desenvolvimento de tumores. Muito embora esse avanço já seja realidade para muitos pacientes em potencial nos Estados Unidos e alguns outros países desenvolvidos, o Brasil ainda está muito longe de trilhar esse caminho. “A oncogenética é a grande lacuna na formação dos especialistas no Brasil”, sentencia Rafael Kaliks Guendelmann, diretor científico do Instituto Oncoguia. “É uma tragédia, pois temos pouco menos de uma dúzia de oncogeneticistas no país”, ressalta, explicando que a causa do atraso pode estar relacionada ao menor grau de interesse na formação de pesquisadores, diferentemente do que ocorre em países que estão bem mais avançados nessa área. Aqui no país a formação ainda está voltada para o tratamento de tumores já instalados, e não para a prevenção, como ocorre nos Estados Unidos, onde a residência médica já dá prioridade a ações de prevenção. Há duas décadas,

lembra Guendelmann, nem sequer existia residência na especialidade e a oncologia se resumia à área cirúrgica. Isso é um avanço, mas que não acompanha nem de longe a evolução do número de casos previstos a serem diagnosticados, que sobe a cada ano. O coordenador de Ensino e Pesquisa do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, Bernardo Garicochea, compartilha da opinião de Guendelmann e vai além: “O incentivo à pesquisa é alto. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, os profissionais que trabalham com pesquisa têm um adicional no salário”. Na verdade, diz, muito mais do que responsabilidade do oncologista, a prevenção – a que o diretor do Instituto Oncoguia denominou de primária – tem de ser feita pelo não especialista. É preciso haver uma orientação consciente do clínico geral, do cardiologista ou até do geriatra sobre os riscos e as condutas que podem levar o indivíduo a desenvolver um câncer, como fumo, obesidade, alimentação inadequada, além da orientação sexual para o uso do preservativo – uma das causas de câncer do colo do útero é o HPV contraído em relações sexuais sem proteção. Já a prevenção secundária, explica Guendelmann, está relacionada aos exames específicos que são requeridos por esses médicos não especialistas, como a mamografia, o Papanicolau, a tomografia de baixa dosagem para fumantes mais severos, a colposcopia, por exemplo. Nesse ponto é possível identificar o câncer em estado inicial ou ainda se há uma lesão pré-cancerosa. Só em caso positivo o paciente passaria para os cuidados com o oncologista. Ele indica a necessidade de os oncologistas terem mais contato com colegas não especialistas para que eles se mantenham atualizados. “Mais do que buscar culpados, é necessário haver políticas públicas com campanhas maciças contra a obesidade e o consumo de álcool, tão prejudiciais quanto o fumo.”

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melanoma

Tratamento do melanoma (Parte 1): doença localizada*

E

NTRE AS NEOPLASIAS CUTÂNEAS, O MELANOMA

CUTÂNEO É UMA DAS MAIS TEMIDAS.

DE

INÍCIO

Divulgação

GERALMENTE INSIDIOSO, APRESENTA ÍNDICES DE

Eduardo René Brechtbühl * Cirurgião do Núcleo de Câncer de Pele e Dermatologia do A.C.Camargo Cancer Center Contato: dr.erb@uol.com.br.

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cura elevados quando tratado nessa fase. Porém, nos casos tratados tardiamente, inadequadamente tratados ou naqueles em que se observa rápida progressão da doença, o prognóstico é reservado. Estima-se que em 2014 irão ocorrer 76.100 casos novos de melanoma nos Estados Unidos, com aproximadamente 9.710 óbitos, o que significa mais de uma morte por hora naquele país. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer projeta 5.890 casos novos de melanoma para o mesmo ano. O melanoma é uma neoplasia maligna oriunda da proliferação descontrolada dos melanócitos, que são células dendríticas localizadas na camada basal da epiderme, originadas embriologicamente da crista neural. Modelos de progressão tumoral teorizam que o melanoma se origina de melanócitos que sofreram hiperplasia e posteriomente displasia, evoluindo para neoplasia. Na fase inicial do desenvolvimento dessa neoplasia, as células tendem a crescer horizontalmente na transição dermoepidérmica, não apresentando potencial de metastatização e caracterizando os melanomas in situ. Essa fase é também conhecida como fase radial de crescimento. Posteriormente, essas células invadem a derme subjacente, formando ninhos celulares e caracterizando a fase vertical de crescimento. É nessa fase que as células adquirem capacidade de invasão vascular e linfática, bem como potencial de metastatização. O melanoma cutâneo é classificado em subtipos de acordo com o padrão de crescimento das células neoplásicas. O tipo mais frequente é o disseminativo superficial, que corresponde a 70% de todos os melanomas. Caracteriza-se por uma fase de crescimento radial que dura meses ou anos e

posteriormente evolui para a fase vertical. O segundo subtipo mais frequente é o melanoma nodular, que corresponde de 15% a 30% de todos os casos. Apresenta como característica rápida expansão vertical, sendo mais agressivo. Esse subtipo de melanoma por vezes apresenta pouco ou nenhum pigmento melânico, podendo ser confundido clinicamente com granuloma piogênico, carcinoma baso ou espinocelular ou até com nevo inflamado. O lentigo maligno melanoma corresponde a 5% de todos os casos, mas na região da cabeça e pescoço sua frequência relativa se eleva para cerca de 20%. Possui fase radial de crescimento muito prolongada, acometendo principalmente indivíduos após a sexta década de vida. Dependendo da topografia desse tumor na face, a aplicabilidade das margens cirúrgicas convencionais é impossibilitada, o que pode levar a maiores índices de recidiva local, porém raramente evolui com disseminação sistêmica. O melanoma acrolentiginoso constitui 5% de todos os casos mas é o mais frequente nos não brancos, principalmente nas regiões palmoplantares e peri ou subungueais. Também pode apresentar pouca pigmentação, não sendo infrequente o diagnóstico tardio, pois a lesão é clinicamente semelhante ao mal perfurante plantar, úlceras de pressão, verrugas plantares, onicomicoses ou distrofias ungueais. Os melanomas que acometem as mucosas são raros, e as características clínicas previamente descritas para as lesões cutâneas não se aplicam para esse tipo de melanoma, bem como o tratamento. Existe um tipo peculiar e raro de melanoma chamado de melanoma desmoplásico, que se caracteriza por apresentar células fusiformes e pouco ou nenhum pigmento melânico. Apesar de raro, esse tipo de melanoma tem importância pois apresenta altos índices de recidiva local.


O diagnóstico precoce do melanoma cutâneo é vital para o sucesso do tratamento dessa neoplasia, pois nos estádios precoces (tumores não ulcerados com menos de 1 mm de espessura) a sobrevida em dez anos chega a 90%, enquanto nos casos de tumores ulcerados com mais de 4 mm de espessura a sobrevida no mesmo período é menor que 50%. Portanto, a identificação de fatores de risco – e consequentemente de grupos de risco – para o desenvolvimento dessa neoplasia tem sua importância. Os fatores de risco e consequentemente os grupos de risco para o desenvolvimento do melanoma cutâneo são: a) indivíduos de pele clara b) indivíduos com cabelos claros, loiros ou ruivos c) antecedente pessoal de queimadura solar ou exposição solar intensa ou prolongada d) antecedente pessoal e/ou familiar de melanoma cutâneo e) nevo congênito gigante f) imunossupressão g) presença de múltiplos nevos h) presença de nevos atípicos i) história de nevo com crescimento recente, sangramento, ulceração ou alteração da pigmentação j) bronzeamento artificial, em indivíduos suscetíveis k) síndromes genéticas, p.e. xeroderma pigmentoso

Os indivíduos que apresentarem uma ou mais das características acima citadas devem ser submetidos a exame físico de toda a superfície corporal, incluindo as mucosas. As lesões consideradas clinicamente suspeitas devem ser analisadas pela dermatoscopia. A dermatoscopia é um método diagnóstico não invasivo para avaliação e diferenciação das lesões pigmentadas cutâneas. Com esse exame, as estruturas pigmentadas da junção dermoepidérmica e da derme papilar, bem como seus padrões arquiteturais, tornaram-se visíveis e analisáveis por métodos objetivos ou subjetivos. As lesões são classificadas pela dermatoscopia como benignas, suspeitas ou altamente suspeitas. Na Figura 1, as imagens superiores mostram duas lesões clinicamente semelhantes, mas nas imagens dermatoscópicas abaixo delas pode-se observar que a lesão da esquerda é um nevo composto benigno e a da direita uma lesão altamente suspeita. Excisada, comprovou-se que se tratava de melanoma extensivo superficial. A critério clínico, prossegue-se a investigação diagnóstica por meio de biópsia ou seguimento dermatoscópico com retornos periódicos. Nesses casos, emprega-se a dermatoscopia digital, que consiste no mesmo exame porém utilizando um computador com captação digital dessa imagem dermatoscópica e software de armazenamento das imagens capturadas. No seguimento desses pacientes, as imagens dermatoscópicas dos nevos serão comparadas na tela do computador e, se alterações estruturais ou pigmentares forem detectadas, indica-se a remoção da lesão.

A dermatoscopia é um metodo diagnóstico não invasivo para avaliação e diferenciação das lesões pigmentadas cutâneas

Diagnóstico

Figura 1 Lesão da esquerda é um nevo composto

benigno e a da direita uma lesão altamente suspeita

A biópsia para o diagnóstico do melanoma deve ser excisional, sempre que possível, com margens laterais de 2 a 4 mm e profundamente até o tecido adiposo. Quando não é possível a remoção completa da lesão, pode-se realizar biópsia incisional por punch ou shaving, porém em ambas o microestadiamento pode ser subavaliado, pois não foi analisada a lesão integralmente. É importante salientar que é errada a conduta de ressecção ampla de lesões suspeitas como primeira abordagem. Essa conduta, além de não ser necessária, impossibilita Onco& maio/junho 2014

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a realização da biópsia do linfonodo sentinela. As margens podem ser modificadas para acomodar situações anatômicas individuais ou por considerações estéticas e devem ser preferencialmente orientadas paralelamente em direção da drenagem linfática. Por se tratar de tumor geralmente pigmentado, deve-se evitar utilizar fios cirúrgicos negros (p.e. nylon) na profundidade, pois durante o seguimento oncológico a possível visualização por transparência do fio pode dificultar o diagnóstico diferencial com a recidiva do melanoma. O exame anatomopatológico de melanoma cutâneo primário de pele deve conter uma série de dados que são importantes tanto no microestadiamento quanto na indicação do tratamento e eventual terapia adjuvante. As informações imprescindíveis são espessura tumoral (denominada espessura de Breslow ou simplesmente Breslow), número de mitoses por mm2 na derme, presença ou não de ulceração microscópica, nível de Clark, presença ou não de satelitose microscópica e margens cirúrgicas.

e em biópsias superficiais com margem profunda positiva. Os melanomas com espessura de Breslow <0,75 mm raramente apresentam concomitantemente características histopatológicas adversas, e as taxas de metástase linfonodal nesses casos são baixas; logo, a BLS não deve ser realizada rotineiramente nesse subgrupo de pacientes, sendo sua indicação reservada a casos selecionados. Embora o nível de Clark não tenha se mostrado fator prognóstico estatisticamente relevante, pacientes com Clark IV/V podem ser candidatos à BLS. A regressão não é mais considerada fator indicativo de BLS em melanomas finos. Os melanomas com espessura de Breslow maior que 4 mm também se beneficiam da BLS apesar do alto risco de doença sistêmica. Em pacientes com linfonodos clinicamente positivos deve-se, inicialmente, confirmar a positividade da metástase linfonodal previamente à linfadenectomia por punção ou biópsia do linfonodo, visando evitar linfadenectomias desnecessárias, visto que as linfadenectomias terapêuticas são procedimentos de maior porte e com taxas de morbidade não desprezíveis.

Tratamento O tratamento do melanoma cutâneo consiste na ampliação das margens cirúrgicas e no tratamento da base linfonodal de drenagem. A espessura da lesão primária (Breslow) orienta a extensão da margem cirúrgica lateral que deverá ser empregada, por ser o melhor parâmetro de recorrência local e sobrevida nos tumores localizados. Lateralmente, as margens aplicáveis seguem a tabela abaixo. Profundamente essa ressecção deve atingir a fáscia muscular, sem a necessidade oncológica de excisá-la. Espessura tumoral (mm)

Margens (cm)

In situ

0,5 – 1,0

0–1

1,0

1–2

1,0 – 2,0

2–4

2,0

>4

2,0 ou +

Estadiamento O estadiamento do melanoma cutâneo segue o sistema TNM estabelecido pelo American Joint Committee on Cancer Staging System for Cutaneous Melanoma em 2009. Definições: Tumor

Espessura

T1

≤ 1 mm

T2

1,01-2,00 mm

T3

2,01-4,0 mm

T4

> 4,0 mm

Linfonodos

Ulceração a: sem ulceração e 0 mitose# b: com ulceração e ≥ 1 mitose a: sem ulceração b: com ulceração a: sem ulceração b: com ulceração a: sem ulceração b: com ulceração

Nº de linfonodos

* A margem de 1 cm é apropriada em áreas anatomicamente restritas como a face

Para o tratamento da base linfonodal existem duas situações: pacientes sem e com metástase linfonodal de melanoma. Os pacientes sem metástase linfonodal clinicamente detectável devem ser tratados cirurgicamente por meio de ampliação das margens cirúrgicas associada ou não à biópsia do linfonodo sentinela (BLS). Apesar de não ter demonstrado impacto na sobrevida, a BLS tem sua finalidade no microestadiamento do paciente, identificando pacientes com metástase linfonodal que se beneficiarão com a linfadenectomia. A indicação da BLS é foco de controvérsia na literatura médica. Atualmente, as indicações da BLS são os melanomas com mais de 1 mm de Breslow e para aqueles com espessura entre 0,75 mm e 1 mm quando associada a fatores histopatológicos adversos como ulceração microscópica, presença de mitoses na derme, invasão linfática

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N1

1 linfonodo

Volume de metástase a: micrometástase* b: macrometástase** a: micrometástase* b: macrometástase**

N2

2 – 3 linfonodos

N3

4 ou mais nódulos ou linfonodos coalescentes ou metástases em trânsito ou satelitose com linfonodo regional metastático

c: metástases em trânsito/ satelitose sem linfonodo regional metastático

# quando o número de mitoses não for disponível, pode-se utilizar o nível de Clark para definição de T1a (Clark I-III) ou T1b (Clark IV e V) *Micrometástases são diagnosticadas depois da biópsia do linfonodo sentinela ** Macrometástases são definidas como nódulos clinicamente palpáveis confirmados por anatomia patológica


Metástase

Estádio patológico**

0

Tis

N0

M0

0

Tis

N0

IA

T1a

N0

M0

IA

T1a

N0

M0

T1b

N0

M0

T1b

N0

M0

T2a

N0

M0

T2b

N0

M0

T3a

N0

M0

T3b

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N0

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N > N0

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N0

M0

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N0

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T4b

N0

M0

T1-4a

N1a

M0

T1-4a

N2a

M0

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N1a

M0

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N2a

M0

T1-4a

N1b

M0

T1-4a

N2b

M0

T1-4a

N2c

M0

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N1b

M0

T1-4b

N2b

M0

T1-4b

N2c

M0

QQr. T

N3

M0

QQr. T

QQr. N

M1

*Estadiamento clínico inclui microestadiamento da lesão primária e avaliação clínico/radiológica para metástases. Por convenção, o estadiamento deve ser usado após a excisão completa do tumor primário com avaliação clínica para metástases regionais e a distância. **Estadiamento patológico inclui o microestadiamento da lesão primária e informações patológicas sobre os linfonodos regionais após linfadenectomia completa ou parcial. Estadiamento patológico 0 ou 1A são a exceção, eles não necessitam de estadiamento patológico de seus linfonodos.

Referências bibliográficas: 1. McMasters KM, Noyes RD, Reintgen DS, Goydos JS, Beitsch PD, Davidson BS, Sussman JJ, Gershenwald JE, Ross MI; Sunbelt Melanoma Trial.Lessons learned from the Sunbelt Melanoma Trial.J Surg Oncol. 2004 Jul 1;86(4):212-23. 2. Morton DL, Thompson JF, Cochran AJ, Mozzillo N, Nieweg OE, Roses DF, Hoekstra HJ, Karakousis CP, Puleo CA, Coventry BJ, Kashani-Sabet M, Smithers BM, Paul E, Kraybill WG, McKinnon JG, Wang HJ, Elashoff R, Faries MB; MSLT Group. N Engl J Med. Final trial report of sentinelnode biopsy versus nodal observation in melanoma. 3. 2014 Feb 13;370(7):599-609. doi: 10.1056/NEJMoa1310460. 4. Morton DL, Thompson JF, Cochran AJ, Mozzillo N, Elashoff R, Essner R, Nieweg OE, Roses DF, Hoekstra HJ, Karakousis CP, Reintgen DS, Coventry BJ, Glass EC, Wang HJ; MSLT Group. Sentinel-node biopsy or nodal observation in melanoma. 5. N Engl J Med. 2006 Sep 28;355(13):1307-17. 6. Wong SL, Balch CM, Hurley P, Agarwala SS, Akhurst TJ, Cochran A, Cormier JN, Gorman M, Kim TY, McMasters KM, Noyes RD, Schuchter LM, Valsecchi ME, Weaver DL, Lyman GH; American Society of Clinical Oncology; Society of Surgical Oncology.Sentinel lymph node biopsy for melanoma: American Society of Clinical Oncology and Society of Surgical Oncology joint clinical practice guideline. 7. Ann Surg Oncol. 2012 Oct;19(11):3313-24. doi: 10.1245/s10434-012-2475-3. Epub 2012 Jul 6. 8. NCCN Clinical Practrice Guidelines in Oncology, disponível em http://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/melanoma.pdf, acesso em 30 de março de 2014

*Na próxima edição da revista Onco&, vamos tratar do tema “Tratamento do melanoma: doença avançada”

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metástases ósseas

Diagnóstico precoce das metástases ósseas

A

METÁSTASE ÓSSEA É A FORMA MAIS FREQUENTE

DE NEOPLASIA NO ESQUELETO.

NA DISSEMINA-

Divulgação

ÇÃO DO TUMOR PRIMÁRIO, É SUPERADA APENAS

Olavo Pires de Camargo Professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Chefe do Grupo de Oncologia Ortopédica do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da FMUSP Contato: olapcama@uol.com.br

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pela metástase pulmonar e hepática. Mais de 80% dos casos de metástase óssea ocorrem nos tumores de mama, pulmão, rim, tireoide e próstata. As lesões são múltiplas na maioria dos casos (90%), manifestando-se com dor local de intensidade progressiva ou fratura patológica como primeiro sinal em 15% dos casos. As metástases podem ser líticas, blásticas ou mistas (60%). As lesões predominantemente líticas são as metástases de rim, tireoide, pulmão e trato gastrintestinal. As lesões blásticas mais frequentes são relacionadas ao câncer de próstata (em 97% dos casos), bexiga e estômago. A localização mais frequente das metástases é a coluna vertebral, mais ao nível toracolombar, crânio, pelve e terço proximal dos ossos longos, ocorrendo raramente abaixo dos joelhos e cotovelos. A disseminação hematogênica dos carcinomas de mama (50-80%), próstata (35-80%), pulmão (25-45%), rim e tireoide (15-50%) tem o tecido ósseo como sede frequente de metástase. Com o aumento na sobrevida global dos pacientes portadores de carcinomas, o tratamento da metástase óssea passou a ser um fator importante na abordagem do paciente oncológico, sendo que a indicação de uma intervenção cirúrgica não está mais restrita somente às fraturas patológicas. As metástases ósseas sofreram a partir de 1990 uma mudança considerável no que diz respeito à conduta a ser adotada. Até aquela data, os pacientes eram encaminhados aos hospitais de retaguarda

apenas com suporte paliativo e às vezes para radioterapia, evoluindo com escaras e óbito precoce e, o que é pior, longe do contato familiar. O tratamento ortopédico ficava restrito aos casos de fratura patológica, já com a lesão bem avançada e com o paciente já bem comprometido sistemicamente. Com a melhora na sobrevida global, com os novos métodos de imagem, e principalmente com as técnicas de reconstrução cirúrgica e instrumentação, torna-se hoje possível atuarmos precocemente com resultados muito superiores (Figuras 1 e 2). Hoje, o tratamento da metástase óssea envolve uma abordagem multidisciplinar, com discussão individualizada para cada caso1-3 (Figura 3). A indicação de intervenção cirúrgica tem como parâmetros principais: 1. Controle da dor intratável por métodos químio ou radioterápicos. 2. Fratura iminente, com uma lesão lítica com diâmetro maior que 50% no corte transverso do osso acometido. 3. Compressão medular com déficit neurológico progressivo ou deformidade acentuada e progressiva. Sabemos que 50% dos casos de metástase atingem o tecido ósseo. É a terceira em frequência nos carcinomas de mama, próstata, pulmão, rim e tireoide. Em trabalhos recentes, é o fator mais importante na deterioração da qualidade de vida, mais do que a metástase pulmonar e hepática4-5 (Figura 4).


O enfoque atual é atuar tão logo ocorra uma metástase óssea, muitas vezes só detectada pela ressonância magnética.

sintomas que mimetizam uma hérnia discal e podem levar a um retardo ou erro de diagnóstico e de tratamento. Dor radicular ao nível da coluna torácica tem um padrão circunferencial sem extensão para os membros e pode apresentar alteração de sensibilidade no dermátomo correspondente. A dor de uma neoplasia é progressiva, constante e não melhora com o repouso.

Radioterapia Radiografia normal

RM: lesão blástica no calcar Terapia hormonal + Quimioterapia

Bisfosfonatos

Cirurgia T1

T2

Figura 3 Tratamento da metástase óssea. Caráter multidisciplinar

Figuras 1 e 2 Lesão metastática fêmur proximal

A intenção é evitar que ocorra uma fratura patológica, quando a intervenção cirúrgica é de maior morbidade e de resultado nem sempre satisfatório6-9 (Figura 5). Algumas características podem alertar o médico quanto à origem da dor. Dor progressiva, sem períodos de melhora e sem relação com atividades físicas merece uma atenção especial. Dor noturna ou com piora durante o sono, chegando a acordar o paciente durante a noite, também é particularmente preocupante. A dor pode ser localizada e pode ser reproduzida com compressão do segmento doloroso ou ser menos específica e mal caracterizada. Dor radicular, embora menos frequente, pode ser encontrada particularmente na coluna cervical e lombar. As radiculopatias decorrentes de uma neoplasia são

Na radiografia de frente da coluna toracolombar temos um sinal radiográfico clássico quando um dos pedículos não pode ser visto e corresponde ao acometimento neoplásico desse pedículo (“vértebra caolha”). Não é possível ver o pedículo acometido, devido à destruição do córtex desse pedículo, enquanto o pedículo preservado permanece visível. Erosão do corpo, achatamento e colapso também são sinais radiográficos de lesão tumoral. Muitas vezes é difícil diferenciar uma fratura osteoporótica de uma lesão patológica por uma neoplasia. Destruição vertebral por uma infecção piogênica é outro diferencial que deve ser levado em consideração10 (Figura 6). Um achado que pode auxiliar na diferenciação é que o acometimento tumoral poupa o disco que mantém sua altura, diferentemente das lesões infecciosas. No caso das lesões que acometem a coluna vertebral, (60%) constituem uma urgência oncológica sempre que houver déficit neurológico. A evolução para uma paraparesia e até para uma paraplegia é frequente e de instalação rápida em semanas. A conduta clássica de fazer apenas radioterapia não reverte o quadro e dificulta a cirurgia descompres-

A frase clássica de 20 anos atrás, “Não há nada a fazer: está com câncer até nos ossos...”, passou atualmente a ser história da medicina

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No caso das lesões que acometem a coluna vertebral, 60% constituem uma urgência oncológica sempre que houver déficit neurológico

siva em local irradiado. Hoje consegue-se uma estabilização com descompressão neurológica e instrumentação que permitem deambulação no pós-operatório imediato. Quando realizadas precocemente, revertem o quadro neurológico e possibilitam a deambulação sem dor.

Metástase óssea

Terceira em frequência Primeira em sintomatologia

Figura 4 Qualidade de Vida (Qol)

é fundamental, tiram a dor incapacitante. Dependendo do carcinoma, faz-se uma radioterapia que consolida a cirurgia, além, é claro, da quimioterapia ou hormonioterapia. É importante ressaltar que devemos discutir antes com o ortopedista e com o radioterapeuta o planejamento desses pacientes. Existe ainda uma tendência entre os oncologistas clínicos de encaminhar todas as metástases ósseas para radioterapia. Se a lesão evoluir ou se a dor persistir, só então o caso é visto pelo ortopedista em condições bem desfavoráveis para uma abordagem cirúrgica. A radioterapia deve ser feita após a estabilização, esta consolida e evita a recidiva local. Não é raro pacientes com carcinoma metastático de mama serem submetidos a várias cirurgias de estabilização, já que a sua sobrevida tem aumentado para mais de 30% em 5 anos. Igualmente, casos de metástase óssea por CA de pulmão tornouse hoje relativamente frequente, o que era incomum há duas décadas.

Pacientes com neoplasia de próstata e mama têm uma sobrevida bastante razoável, e suas lesões na coluna merecem atenção especial. Em contrapartida, pacientes com neoplasia pulmonar metastática costumam ter um prognóstico muito menos favorável e na maioria das vezes pouco pode ser feito além de tratamento de suporte.

Maior morbidade cirúrgica Risco cirúrgico aumentado Aumento das metástases pulmorares? (trabalho em animais)

Menor sobrevida

Figura 5 Fratura patológica

Igualmente em lesões que acometem o membro inferior, está indicada uma osteossíntese preventiva sempre que estivermos diante de uma fratura iminente11 (Figuras 7). São operações minimamente invasivas, de baixo risco para esse tipo de paciente, e que possibilitam o retorno às atividades, e, o que

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Figura 6 Lesão corpo vertebral com compressão medular

Hoje o desafio do ortopedista oncológico é procurar fazer procedimentos cirúrgicos adequados para cada paciente, procurando uma estabilidade que permita deambulação no pós-operatório imediato e que tenha um resultado permanente, evitando-se revisões cirúrgicas, o que não é aceitável para o paciente12-13 (Figura 8). O constante relacionamento multidisciplinar entre o ortopedista oncológico, o oncologista clínico e o radioterapeuta é desejável para que possamos em conjunto e precocemente decidir qual


é a melhor conduta a ser tomada. Isso certamente trará melhor qualidade de vida e maior sobrevida para o paciente com doença metastática.

Assim, a frase clássica de 20 anos atrás, “Não há nada a fazer: está com câncer até nos ossos...”, passou atualmente a ser história da medicina. A Profilaxia das fraturas patológicas

Pontos Variáveis Localização Dor Padrão radiográfico Tamanho

1

2

Membro

Membro

3 Peritrocanter

superior

inferior

Leve

Moderada

Funcional

Blástico

Misto

Lítico

< 1/3

1/3 a 2/3

> 2/3

Pontuação

Pacientes

Taxa de fratura (%)

3-6

11

0

7

19

5

8

12

33

9

7

57

10 - 12

18

100

A Permitir deambulação o mais precocemente possível A Aumentar a sobrevida? A Elevar ao máximo a qualidade de vida do paciente

Eliminar a dor

Figura 8 Tratamento e objetivos

Figura 7 Sistema de pontuação de Mirels

Referências bibliográficas: 1. Berrettoni BA, Carter JR. Mechanisms of cancer metastasis to bone. J Bone Joint Surg Am. 1986; 68:308-12. 2. Weber KL, Lewis VO, Randall RL, et al. An approach to the management of the patient with metastatic bone disease. Instr Course Lect. 2004; 53:663-76. 3. Camargo OP, Baptista AM. Conduta atual nas lesões ósseas metastáticas. Rev Bras Ortop. 2004;39:273-81. 4. Capanna R, Campanacci DA. The treatment of metastases in the appendicular skeleton. J Bone Joint Surg Br. 2001; 83:471-81. 5. Camargo OP, Baptista AM. Conduta atual nas lesões ósseas metastáticas. Rev Bras Ortop. 2004;39:273-81. 6. Durr HR, Muller PE, Lenz T, Baur A, et al. Surgical treatment of bone metastases in patients with breast cancer. ClinOrthopRelat Res. 2002; 396:191-6. 7. Buggay D, Jaffe K. Metastatic bone tumors of the pelvis and lower extremity. J Surg Orthop Adv. 2003; 12:192-9. 8. Bouma WH, Mulder JH, Hop WC. The influence of intramedullary nailing upon the development of metastases in the treatment of na impeding pathological fracture: an experimental study. Clin Exp Metastasis. 1983; 1:205-12. 9. Bocchi L,Lazzeroni L, Maggi M. The surgical treatment of metastases in long bones. Ital J OrthopTraumatol. 1988;14:167-73. 10. Sekhon LH, Lali H. Posterior cervical lateral mass screw fixation: analysis of 1026 consecutive screws in 143 patients. J. Pinal Dis Tech. 2005;18:297-303. 11. Mirels H. Metastatic disease in long bones: a proposed scoring system for diagnosing impeding pathologic fractures. ClinOrthopRelat Res. 1989; 249:256-64. 12. Cheng EY. Prospective quality of life research in bony metastatic disease. ClinOrthopRelat Res. 2003; 415:289-97. 13. Camargo OP, Baptista AM. Conduta atual nas lesões ósseas metastáticas Rev Bras Ortop. 2004;39:273-81.

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pulmão

Controvérsias no emprego de inibidores de tirosina quinase direcionados ao receptor do fator de crescimento epidérmico em adenocarcinomas pulmonares

O

CÂNCER DE PULMÃO É A PRINCIPAL CAUSA DE

MORTALIDADE POR CÂNCER NO MUNDO E A

Divulgação

MAIOR PARTE DOS PACIENTES É DIAGNOSTICADA

Gilberto de Castro Junior * Médico do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês

Contato: gilberto.cjunior@hsl.org.br

Carlos Henrique dos Anjos Médico do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês

Contato: cacamed90@yahoo.com.br

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em fases avançadas da doença1. No Brasil, mais de 90% dos pacientes são diagnosticados em estádios III-IV e o adenocarcinoma é a histologia encontrada em 60% dos casos de carcinoma pulmonar de células não pequenas (CPCNP)2. Em 2014 comemoramos o aniversário de 10 anos das descrições das mutações ativadoras de EGFR como mecanismo de sensibilidade aos inibidores de tirosina quinase gefitinibe e erlotinibe3,4. Esse marco corresponde à primeira descrição de fator preditivo de resposta com impacto significativo no algoritmo tratamento em CPCNP avançado. É essencial, nos dias de hoje, considerarmos o status do EGFR na seleção do tratamento do adenocarcinoma pulmonar nas diversas linhas. Por exemplo, oito estudos aleatorizados em pacientes portadores de adenocarcinoma de pulmão, sem tratamento prévio, cujos tumores albergavam tais mutações ativadoras em EGFR (ou eram enriquecidos de pacientes com alta probabilidade de apresentarem adenocarcinoma de pulmão com tal alteração molecular), mostraram, de maneira uniforme, ganhos em termos de taxa de resposta, sobrevida livre de progressão e qualidade de vida, todos favorecendo o uso dos EGFR-TKIs em primeira linha, em comparação à quimioterapia citotóxica clássica5-12. A frequência dessas mutações ativadoras, sendo a deleção do exon 19 e a mutação pontual L858R no exon 21 as mais comumente encontradas, chega a mais de 20% no Brasil, em populações sujeitas a

vieses de seleção (por exemplo, enriquecidas em não tabagistas)13. Com o uso corrente dos EGFRTKIs no mundo, tal como aqui no Brasil, algumas controvérsias vêm surgindo na prática diária e cinco delas são o escopo desta revisão.

Tratamento com EGFR-TKIs: escolha na primeira linha ou em linhas subsequentes nos pacientes portadores de adenocarcinoma com presença de mutações ativadoras? Como mencionado acima, sete estudos compararam EGFR-TKIs (gefitinibe, erlotinibe ou afatinibe) versus quimioterapia citotóxica clássica baseada em derivados de platina em pacientes cujos tumores apresentavam mutações ativadoras do EGFR (mutEGFR)5-12. Apesar de os ganhos de taxa de resposta, sobrevida livre de progressão e qualidade de vida favorecerem o uso dos EGFR-TKIs, em nenhum desses estudos foi observado um benefício em sobrevida global. Metanálise recente também falhou em comprovar benefício estatisticamente significante de sobrevida global do uso de EGFR-TKIs em primeira linha versus quimioterapia14. Tal fato ocorre pelo cruzamento entre os braços de tratamento, ou seja, a maioria dos pacientes tratados com quimioterapia em primeira linha recebeu EGFR-TKI após progressão, e os tratados com EGFR-TKI receberam quimioterapia após progressão. Na própria série do Spanish Lung Cancer Group foi observada uma sobrevida global mediana de 29 meses nesses pacientes com adenocarcinoma pulmonar mutEGFR, sem diferença entre aqueles


A despeito de não haver dados de comparação de EGFR-TKI versus placebo em linhas subsequentes à platina em pacientes portadores de EGFR selvagem e sem performance para quimioterapia citotóxica, os dados em primeira linha, neste cenário, são negativos

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tratados em primeira ou segunda linha com EGFRTKIs15. Cabe aqui ressaltar o valor prognóstico positivo deste marcador (mutEGFR) em termos de sobrevida global. Na prática clínica diária a genotipagem de EGFR pode demorar até duas semanas, e os pacientes portadores de CPNPC precisam de tratamento por vezes urgente, pela sintomatologia que apresentam. Assim, podemos iniciar com quimioterapia convencional e, caso seja demonstrado adenocarcinoma pulmonar mutEGFR, podemos terminar a quimioterapia e, na progressão, iniciar EGFR-TKI. Há um inconveniente nessa estratégia de opção de tratamento em segunda linha, pois alguns pacientes podem não conseguir ser tratados na segunda linha, por rápida progressão de doença e óbito. Nós e outros autores, neste cenário de impossibilidade de iniciarmos com EGFR-TKI em primeira linha, optamos por iniciar com quimioterapia, e após completarmos quatro ciclos, iniciamos imediatamente com terapia de manutenção com EGFR-TKI na ausência de progressão da doença16. Em outras palavras, a fim de garantir a sobrevida global dos pacientes com adenocarcinoma pulmonar sabidamente mutEGFR, é importante o tratamento com EGFR-TKIs (gefitinibe ou erlotinibe) tão logo possível.

Uso de EGFR-TKIs em segunda linha (ou posteriores) em pacientes com CPCNP sabidamente EGFR selvagem Em 2005 o estudo pivotal BR-21 foi publicado, justificando o uso de erlotinibe em pacientes com CPCNP em segunda linha, pós-progressão à quimioterapia baseada em platinas17. Esse estudo, conduzido em população não testada para mutações ativadoras do EGFR, demonstrou aumento de sobrevida global de 2 meses em relação a placebo (sobrevida mediana de 6,7 versus 4,7 meses). Outro estudo neste cenário, conhecido como INTEREST, incluiu 1.433 pacientes com CPCNP, aleatorizados entre geftinibe ou docetaxel. O estudo atingiu seu desfecho primário confirmando a não inferioridade, em termos de sobrevida global, do uso de geftinibe versus docetaxel, sendo a sobrevida mediana de 7,6 versus 8,0 meses para os pacientes tratados com geftinibe ou docetaxel, respectivamente, com HR 1,0218. Mais recentemente, considerando a importância

preditiva de resposta do mutEGFR, foi publicado o estudo TAILOR, o qual aleatorizou 222 pacientes com CPCNP estádio clínico IIIB ou IV, pósprogressão à quimioterapia baseada em platinas, sendo que todos os pacientes tiveram seus tumores genotipados e confirmados como EGFR selvagem. A randomização ocorreu entre docetaxel e erlotinibe. Os desfechos primários e secundários, sobrevida global e sobrevida livre de progressão, respectivamente, foram favoráveis ao uso de docetaxel: sobrevida global mediana foi 8,2 versus 5,4 meses a favor do uso de docetaxel (HR 0,73; p 0,05), e sobrevida livre de progressão 2,9 versus 2,4 meses (HR 0,71; p 0,02). A taxa de resposta também favoreceu o uso de docetaxel (15% versus 3%)19. Críticas ao estudo TAILOR incluem a presença de alguns desbalanços na randomização, com um número maior de pacientes com variáveis de pior prognóstico para o braço erlotinibe (fumantes e histologia epidermoide) e a resposta não usual ao docetaxel em segunda linha (taxa de resposta de 15%, com 5% de respostas completas). No entanto, outros estudos apontam para a superioridade do uso de quimioterápico para os pacientes portadores de CPCNP EGFR selvagem em segunda linha ou posteriores, sendo duas metanálises14,20 e um estudo aleatorizado japonês (DELTA)21. A metanálise chinesa incluiu 23 estudos e mais de 14.000 pacientes e mostrou HR 1,23, para sobrevida mediana, desfavorável ao uso de EGFR-TKIs na população EGFR selvagem. A despeito de não haver dados de comparação de EGFR-TKI versus placebo em linhas subsequentes à platina em pacientes portadores de EGFR selvagem e sem performance para quimioterapia citotóxica, os dados em primeira linha, neste cenário, são negativos. O estudo TOPICAL22 aleatorizou 770 pacientes com CPNPC, estádio clínico IIIB e IV, previamente não tratados, entre erlotinibe e placebo. Todos os pacientes foram considerados inelegíveis para quimioterapia citotóxica, por performance ruim (ECOG-PS ≥ 2) ou por presença de múltiplas comorbidades. O estudo foi negativo, não demonstrando superioridade em termos de sobrevida global para erlotinibe versus placebo. Dos 770 pacientes, 58% foram testados para presença de mutação ativadora do EGRF. Assim como na população geral, os pacientes com EGFR sabida-


mente selvagem não tiveram benefício do uso do EGFR-TKI. Logo, para pacientes portadores de CPCNP EGFR selvagem, assim como é proscrito o uso de EGFR-TKIs em primeira linha, o acúmulo de evidências demonstra não ser benéfico o uso desta classe em segunda linha ou subsequentes. Para pacientes com performance adequada, o tratamento citotóxico parece ser a melhor opção.

Associação terapêutica de EGFR-TKIs e quimioterapia Pelos dados disponíveis, a administração concomitante de EGFRTKIs e quimioterapia citotóxica não parece ser superior ao uso isolado de EGFR-TKIs na população com adenocarcinoma mutEGFR. No estudo CALGB 30406, nos 66 pacientes portadores de adenocarcinoma mutEGFR, não houve diferença no tratamento de primeira linha com quimioterapia mais erlotinibe, versus erlotinibe isolado, em termos de sobrevida livre de progressão (17,2 e 15,7 meses) ou sobrevida global (39 e 31,3 meses)23. A associação sequencial (ou intercalada) de quimioterapia e EGFRTKI foi investigada em dois estudos. No estudo FASTACT-2, 451 pacientes foram aleatorizados entre gencitabina dias 1,8 e platina dia 1, seguido de erlotinibe dias 15 a 28, ou a mesma quimioterapia mais placebo, seguido de erlotinibe na progressão. O endpoint principal foi sobrevida livre de progressão, maior no braço experimental (7,6 versus 6,0 meses; HR 0,57; p<0,001). Nos pacientes com tumores mutEGFR, houve ganho de sobrevida global a favor do braço experimental (31,4 versus 20,6 meses; HR 0,48; p 0,0092)24. O benefício da estratégia intercalada é restrita aos pacientes com tumores mutEGFR24,25. Eventualmente, num paciente com alta probabilidade de adenocarcinoma mutEGFR, onde há necessidade de elevada resposta em curto intervalo de tempo, pode ser considerada esta estratégia de intercalar quimioterapia e EGFR-TKI.

Como proceder nos pacientes que apresentam mutações raras do EGFR? E no achado de T790M na biópsia inicial? Mutações raras no EGFR, definidas como aquelas encontradas nos exons 18 e 20, são eventualmente encontradas numa frequência de até 10%26. Entre as mutações no exon 20, T790M está relacionada a resistência aos EGFR-TKIs de primeira geração. Quando tais mutações são detectadas em amostras de pacientes não previamente tratados, a seleção de tratamento ainda não está bem estabelecida. Dados disponíveis sugerem o uso de quimioterapia sistêmica nos pacientes com mutações T790M de novo. Elas parecem ocorrer mais frequentemente com L858R e a resposta aos EGFR-TKIs de primeira geração é bastante limitada27. Já para as outras mutações raras, os melhores dados favorecem o uso de afatinibe (ainda não disponível no Brasil), de acordo com os dados do estudo LUX-Lung 311. No caso de se optar de tratar tais pacientes com EGFR-TKIs de primeira geração (erlotinibe ou gefitinibe), sugerimos observação muito próxima.

Estratégias na progressão da doença no paciente com adenocarcinoma mutEGFR A despeito da alta taxa de resposta apresentada pela maior parte dos pacientes portadores de adenocarcinoma mutEGFR, invariavelmente esses indivíduos apresentarão progressão de doença em um intervalo mediano de 12 a 16 meses. Os mecanismos responsáveis pela resistência incluem o desenvolvimento de segunda mutação pontual no exon 20, mutação T790M, a qual explica aproximadamente 50-60% das resistências; amplificação do MET, presente em 5-10% das resistências; e situações mais raras responsáveis por 5% ou menos das resistências como mutações no PI3KCA, mutações em BRAF, transformação de histologia tumoral para tumores de pequenas células, entre outras. Em cerca de 35% dos casos a causa da resistência é desconhecida28,29. A realização de biópsia no momento e sítio de progressão, especialmente em casos de progressão sintomática, nos permite compreender melhor a causa de resistência ao EGFR-TKI e possivelmente, em curto período de tempo, nos permitirá desenhar os tratamentos de segunda linha de maneira mais adequada. Atualmente recomenda-se que na vigência de progressão o paciente seja avaliado quanto à forma de progressão, a qual é dividida em progressão assintomática/indolente; progressão sintomática em múltiplos sítios e progressão em sítio único, no qual se inclui progressão em SNC isolada. Num estudo retrospectivo, 227 pacientes com tumores com mutEGFR e progressão à primeira linha com EGFR-TKIs foram classificados em progressão dramática, progressão gradual e progressão local exclusiva. Foram usados como variáveis para separação das coortes os dados de duração do controle da doença em primeira linha, evolução da carga tumoral medida por imagens seriadas e sintomas clínicos. Dos 42 pacientes classificados como progressão gradual (coorte de maior sobrevida global mediana, 39,4 meses), a manutenção dos EGFR-TKIs foi superior à troca de tratamento para quimioterapia (39,4 versus 17,8 meses) 30. Reforçam a estratégia de manutenção do EGFR-TKIs para progressões assintomáticas os dados de flare tumoral apresentado quando da retirada do EGFR-TKI31, assim como os dados de resposta, ao menos por PET-CT, quando da reexposição a esses agentes em pacientes previamente tratados32. Para pacientes com progressão sintomática em múltiplos sítios, a estratégia de troca de tratamento para agente citotóxico é a recomendada. A adição de algum EGFR-TKI à quimioterapia citotóxica clássica neste cenário pós-progressão está sendo mais bem avaliada no estudo IMPRESS (NCT01544179). Na progressão exclusiva em sítio único, incluindo sistema nervoso central, recomendamos tratamento local para a progressão isolada e manter o EGFR-TKI como tratamento sistêmico. Se a progressão exclusiva ocorrer sob a forma de carcinomatose meníngea, sugere-se o uso de EGFR-TKI em doses elevadas, com o intuito de atingir a biodisponibiliOnco&

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A sobrevida global, aumentada em comparação com os pacientes com tumores EGFR selvagem, é garantida com a administração sequencial com quimioterapia

dade liquórica necessária para o efeito da droga33,34. Estratégias em estudos que parecem ser promissoras para o combate a resistência envolvem o bloqueio combinado vertical de EGFR com TKI e anticorpo monoclonal dirigido ao EGFR; bloqueio combinado do EGFR com EGFR-TKI e do c-MET quando da hiperexpressão deste último; EGFR-TKI de terceira geração (como AZD9291), especificamente desenhados para a mutação T790M. Em conclusão, o advento das terapias direcionadas ao EGFR nos pacientes portadores de adeno-

carcinoma mutEGFR é associado a um enorme benefício terapêutico e deve ser administrado o mais cedo possível, com ganhos em termos de sobrevida livre de progressão, taxa de resposta e qualidade de vida. A sobrevida global, aumentada em comparação com os pacientes com tumores EGFR selvagem, é garantida com a administração sequencial com quimioterapia. Estudos em andamento pretendem esclarecer a melhor tomada de decisão nas mutações raras e como superar a resistência aos EGFRTKIs de primeira geração.

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políticas públicas

São Paulo inova ao integrar unidades de atendimento ao câncer Rede Hebe Camargo quer agilizar acesso dos pacientes aos hospitais no estado

Por Gabriel Ferreira e Regiane de Oliveira

U

71 HOSPITAIS, MAS QUE NÃO AGIA COMO REDE. ESSA FOI A SITUAÇÃO COM QUE OS MEMBROS COMITÊ ESTADUAL DE REFERÊNCIA EM ONCOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO SE DEPARARAM QUANDO

MA REDE COM

DO

RECEBERAM A MISSÃO DE ENCONTRAR MANEIRAS DE MELHORAR O ATENDIMENTO NA ÁREA DE ONCOLOGIA DA

saúde pública de São Paulo. Apesar de o estado ter uma boa quantidade de hospitais públicos ou filantrópicos dedicados ao atendimento de pacientes com câncer, nunca houve uma grande integração entre eles. Resultado: muitas vezes os pacientes se veem obrigados a se deslocar horas para um atendimento que poderia ser feito muito perto de casa. Com esse diagnóstico em mãos, os membros do Comitê – que tem caráter consultivo e reúne dirigentes de grandes instituições, como o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), o Hospital Amaral de Carvalho, de Jaú, e a Fundação Pio XII, de Barretos – passaram a trabalhar na elaboração de um plano que melhorasse o acesso dos pacientes com câncer ao sistema público de saúde. O projeto foi apresentado à Secretaria de Saúde e ao Governo do Estado e, a partir dele, nasceu a Rede Hebe Camargo de Combate ao Câncer, que foi formalmente constituída em 8 de março de 2013. A ideia por trás do projeto é fazer com que os diversos hospitais com atendimento oncológico pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no estado de São Paulo passem a atuar, realmente, como uma rede, ou seja, de forma integrada e padronizada. Em um estado que registra mais de 100 mil novos casos de câncer por ano e que conta com 645 municípios, organizar o atendimento não é tarefa fácil. Mas logo será possível notar uma série de mudanças. A primeira delas é que o número exato de leitos disponíveis em cada um dos serviços de oncologia do estado poderá, finalmente, ser conhecido. “Antes nós sabíamos que em tal lugar havia uma ou duas salas de quimioterapia, mas não tínhamos como saber quantos pacientes essa sala poderia atender. Trabalhamos para chegar nesse nível de detalhamento”, afirma Marisa Madi, diretora executiva do Icesp e responsável pela secretaria executiva da Rede Hebe Camargo. Outra vantagem da rede é que, com o tempo, vão se estabelecer protocolos únicos de tratamento. “O paciente ganha a segurança de que, em qualquer hospital da rede, receberá a melhor opção de tratamento”, diz Marisa. Mas um dos grandes objetivos do estabelecimento da rede é aquele que talvez seja o maior desafio do tratamento do câncer no sistema público de saúde: garantir o acesso do paciente ao sistema, com o início do tratamento em um estágio menos avançado. Hoje, 28% dos pacientes de câncer do sistema público de saúde de São Paulo começam a ser tratados com a doença já em estágio IV. Para melhorar esse quadro, além do esta-

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belecimento dos protocolos de atendimento dos pacientes nos serviços oncológicos e da regulação da rede, Marisa acredita que seja necessário atuar na ponta, nos médicos das unidades básicas de saúde, que, na maioria dos casos, devem ter a primeira suspeita de que o paciente está com câncer. “Isso funciona melhor em algumas regiões do estado e pior em outras”, diz a secretária executiva. “Temos que uniformizar.” O Icesp, por exemplo, procurou fazer treinamento com os médicos das AMAs e UBSs de sua região para que eles saibam atuar melhor no diagnóstico precoce e como encaminhar o paciente para o hospital especializado. “Temos que transformar tudo em protocolo, para que o médico tenha isso na mesa dele e saiba como agir na hora que receber um paciente com suspeita de câncer.” Esse é um trabalho que deve ser expandido para todas as regiões onde ainda haja carência na capacitação dos médicos para o encaminhamento. Outro aspecto importante que deve ser trabalhado na ponta do atendimento é o retorno do paciente após o tratamento oncológico. “Muitas vezes a pessoa continua indo ao hospital de referência, quando poderia fazer o acompanhamento mais perto de casa, nas unidades básicas. É preciso capacitar o médico para que ele consiga realizar esse acompanhamento e saiba identificar se chegar o momento de encaminhar o paciente de volta para a rede.”

De acordo com Marisa, toda a estruturação da Rede Hebe Camargo e os novos projetos que vêm sendo tocados já estão adequados ao Decreto 7508 de 2011, que regulamentou o SUS com base na criação dos Contratos Organizativos da Ação Pública da Saúde (Coap), que estabelecem as relações entre União, estados e municípios quanto à administração do SUS e das Regiões de Saúde. “Já estabelecemos a rede de olho em todas as regulamentações existentes.” Para Tiago Farina Matos, diretor jurídico do Instituto Oncoguia, a ideia da criação dos Coap é montar uma rede inteligente, onde todas as suas regiões sejam autossustentáveis e resolutivas. “Não se trata de proibir o paciente de ser atendido fora de sua região, mas sim de dar condições para que ele seja atendido o mais próximo de seu município e que não precise viajar horas para ir até São Paulo. Regionalização é um princípio constitucional e um direito do cidadão”, explica. Mas, para que funcione, é preciso que as regiões tenham centros com o mesmo nível de qualidade. “E isso ainda é utopia.” Poucos estados e municípios vêm conseguindo avançar na assinatura dos Coap. Ceará e Mato Grosso saíram na frente para buscar acordos nesse sentido, e Bahia e Santa Catarina também estão avançando. “O contrato esbarra em questões políticas porque ele tem que ter consenso para ser implementado”, afirma Matos.

Expansão e fortalecimento da rede oncológica

Lei dos 60 dias Regulação oncológica do estado de São Paulo Etapas de implantação

Etapa 3 Etapa 2

1ª etapa: RRAS 1 a 27 29 hospitais Etapa 4

Etapa 1

2ª etapa: RRAS 8 a 12 16 hospitais 3ª etapa: RRAS 13 a 15 19 hospitais 4ª etapa: RRAS 16 a 16 7 hospitais

Vazios na rede O estabelecimento da Rede Hebe Camargo foi importante para descobrir as regiões do estado em que há maior oferta e aquelas que estão carentes de serviços oncológicos. “Existem grandes vazios”, diz Marisa. De olho nesse quadro, o Comitê tem orientado o governo do estado sobre as áreas que têm maior necessidade de receber investimentos. Atualmente, existem em andamento nove projetos para a ampliação da rede, como a inauguração dos serviços oncológicos nos hospitais Sagrado Coração de Jesus, em Araçatuba, e Santa Casa de Misericórdia de Itapeva. Esses projetos já estão alinhados com alguns outros diagnósticos feitos pelo Comitê, como a carência de equipamentos de radioterapia em alguns locais. “Esse era um grande desafio, ainda mais que o tempo entre a compra e a instalação dos equipamentos chega a um ano, mas incluímos essa questão como uma prioridade no planejamento”, afirma.

Com a rede em funcionamento há um ano, ainda há muito a ser feito. Não existe ainda, por exemplo, uma estatística global sobre o cumprimento da Lei 12.732 de 2012, que determina que pacientes oncológicos tenham o tratamento iniciado em no máximo 60 dias no sistema público de saúde. Com a regulação funcionando totalmente, vai ser possível fazer um melhor diagnóstico da situação e realizar os ajustes necessários para que a determinação seja plenamente cumprida. “O ano passado foi o ano da implementação da rede. Agora é o ano de fazer as coisas começarem a acontecer de fato”, conclui Marisa. Matos alerta, no entanto, que a lei dos 60 dias tem problemas ainda a serem resolvidos. “Para começo de conversa, queremos 60 dias? No Canadá e no Reino Unidos, são 28 dias para iniciar o tratamento. Lembrando que, inicialmente, a lei preconizava 30 dias. Falar em 60 dias é muito tempo. Por outro lado, se consideramos que o TCU mostra que a radioterapia chega a demorar 113 dias, é um avanço falar em 60 dias. Mas ela tem de ser cumprida. Só lei não faz mágica.” Falta de estrutura, de centrais de atendimento ativas, de profissionais qualificados e de capacitação médica está entre os entraves apontados por Matos para que a lei não atinja seu potencial. O problema da interpretação da lei também é um desafio. Na teoria, os 60 dias valem a partir do diagnóstico assinado pelo patologista. “Mas para o Ministério da Saúde o início do prazo é o registro do diagnóstico no prontuário, conforme foi feita a regulamentação da lei”, afirma. Isso significa que o paciente precisa pegar o exame e conseguir marcar a consulta para que, assim, seja feito o registro. “E isso pode demorar meses, por isso essa regulamentação está sendo questionada legalmente”. Onco& maio/junho 2014

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do bem

Narradores da esperança Cada vez mais pacientes com câncer buscam na escrita uma forma de dividir experiências Por Gabriel Ferreira e Regiane de Oliveira

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UANDO RECEBEU O DIAGNÓSTICO DE LINFOMA

DE HODGKIN, EM 2011, A ARQUITETA GAÚCHA

FLÁVIA MAOLI, DE 27 ANOS, PEDIU A SEUS médicos dicas sobre como encarar alguns dos desafios que mais mexem com a autoestima de quem está com câncer, como o enfraquecimento das unhas e a queda de cabelos. Eles não sabiam responder. Buscar informações sobre o assunto na internet também não trouxe grandes resultados. “A maioria dos blogs sobre câncer ou eram diários muito pessoais ou conteúdos muito técnicos, que acho que os pacientes até devem evitar ler para não se assustarem”, diz ela. O jeito foi ir juntando informações de enfermeiras e amigas que também enfrentavam o desafio de lutar com o câncer. Em meados de 2012, Flávia ajudou a clínica em que se tratava a organizar um material informativo para o dia a dia das mulheres. “Foi aí que me toquei que tinha muito conteúdo guardado e que podia compartilhar isso com outras pessoas”, lembra.

Dessa experiência nasceu o Além do Cabelo, um blog que, mais do que falar sobre a doença, procura ser um site de comportamento voltado ao paciente com câncer. Os textos que aparecem na página são muito ligados àquelas dicas que Flávia tanto sentiu falta no começo do tratamento, como formas diferentes de amarrar lenços e esconder de um jeito fashion a queda de cabelo e conselhos para driblar alguns dos efeitos colaterais da quimioterapia. “Quero mostrar que o câncer não é uma sentença de morte e que a pessoa não precisa parar a vida por estar doente. Quem recebe esse diagnóstico não tem de esperar a cura para se sentir bem consigo mesmo”, diz. Com o crescimento do blog, que hoje conta com mil acessos por dia e faz parte do portal R7, Flávia vê sua responsabilidade crescendo. Ela já se acostumou, por exemplo, a ver as pessoas interessadas na evolução de seu tratamento e preocupadas com sua saúde. As postagens em que fala especifi-

Projeto Cicatrizar

quinta-feira, 27 de março de 2014 Careca sim: e daí?

http://projetocicatrizar.blogspot.com.br

Você já pôde sentir gotas de chuva na sua cabeça? Mas eu falo na cabeça mesmo, e não nos cabelos! Vou contar para vocês que é sensacional! Estar careca tem um quê de rebeldia e aceitação, condição momentânea provocada por alguns quimioterápicos. Todavia, assumir a careca ainda é um tabu para muitas mulheres e homens que enfrentam o câncer... Não é mesmo?! Pois desta vez eu assumi a minha careca. No primeiro tratamento mandei fazer uma peruquinha do meu próprio cabelo, no segundo usei e abusei de lenços... Tenho, sim, uma coleção deles! Adoro lenços, mas no pescoço, e não na cabeça! Usar perucas e lenços é sensacional se isso te faz ficar confiante e tranquila para atravessar essa fase difícil, mas eu sempre me senti incomodada com qualquer coisa na minha cabeça... Parece que me falta até o ar! Principalmente agora depois dessa estrada toda, parece que vamos perdendo o receio e aceitando com mais naturalidade o que se passa dentro de nossa casa física e mental! Então, a conclusão foi uma só: se eu usar peruca, vão me olhar, se eu usar lenço, sim... vão me olhar... então vamos assumir a careca logo, porque me sinto mais confortável e agora me olham muito mais. rs...

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camente sobre sua condição são as que atingem maior audiência. “No fundo, isso é bom para mim. Me obriga a me manter positiva e determinada, porque sei que minhas ações se refletem na forma como outras pessoas encaram a doença.” O pensamento positivo está claro no slogan do blog. No topo da página, junto com uma imagem da Monalisa, de Leonardo da Vinci, careca está escrito: “Câncer não é escolha. Bom humor é”. Mostrar que a doença não precisa ser encarada como o fim do mundo foi o objetivo da jornalista moçambicana Vânia Castanheira, de 32 anos, quando ela lançou o blog Minha Vida Comigo. Ela tinha sido diagnosticada com câncer de mama cinco meses antes e queria compartilhar uma série de informações que vinha descobrindo em sua experiência com a doença. “Senti que tinha a obrigação de informar que ter um câncer aos 31 anos e passar por todo o protocolo não era o fim do mundo e que a quimioterapia, afinal, não era um bicho de sete cabeças”, diz ela. Hoje, o blog de Vânia, que mora no Brasil há nove anos, recebe uma média de 100 mil acessos por mês e sua história foi retratada no minidocumentário #seguindoemfrente, sobre mulheres que utilizam a internet como forma de superação. “A importância desse tipo de iniciativa é fazer com que as pessoas deixem de ter medo e consigam enfrentar o tratamento de cabeça erguida”, afirma Vânia. Foi pela preocupação de informar os amigos sobre sua saúde que Thiago Paiva, 27 anos, começou a escrever. “Tive uma convulsão e foi tudo repentino. No dia da consulta em que vimos que tinha algo estranho com meu cérebro, já fui internado para operar e o diagnóstico foi um astrocitoma grau III.” Para avisar os amigos, mandou mensagens de texto no celular e chegou a usar o Facebook, mas não era suficiente. Thiago já tinha uma página na internet com seu portfólio. Ele é analista de sistemas, além de “fotógrafo, seminarista batista licenciado, amor da Aline e um eterno curioso pra tudo”, como se autodefine no blog Doze. “Me aproximei de pessoas que tinham problemas parecidos com o meu por causa do blog, que acaba virando uma rede de auxílio.

Mas deixo uma reflexão: por que minha careca te incomoda tanto, pessoas mortais que não compreendem que a gente não está morta, e sim mais viva que nunca?! A partir do momento em que se decide fazer o tratamento oncológico, significa que estamos querendo vencer essa batalha e seguir com a vida... em plenitude! E conseguimos perceber no olhar das pessoas o preconceito, o medo da aproximação, a estranheza, os comentários... E tudo isso nada mais é que uma projeção dos medos, das angústias de cada um, pois, no momento em que veem que é câncer, parece que o pensamento é um só... Tadinha... Será que ela vai morrer? E se fosse comigo? Quero nem pensar! Então que minha careca sirva para que aqueles que cruzarem meu caminho saibam que o câncer nos dá oportunidade de crescer, de melhorar enquanto pessoa e que nos ajuda a entender melhor até você, que tem preconceito e morre de medo de ‘pegar’ essa doença.

E escrever foi algo que me ajudou muito. Apesar de eu trabalhar com programação, ser de exatas, sempre gostei de escrever… Na época do tratamento, era um momento de fazer o que eu gostava.” Agora o foco de Thiago é contar histórias de pessoas que passaram pelas mesmas dificuldades.

Ajudando a cicatrizar Ludmilla Almeida começou a escrever o blog Projeto Cicatrizar em 2012. Em meio a sua luta contra o câncer – ela retirou as duas mamas e trata um câncer na área entre os seios –, ela encontrou tempo para dividir informações e ajudar outras pessoas, especialmente da região onde mora, em Goiás. “Aqui não tem muitos blogs e, nas clínicas, acabam indicando meu site como referência para outros pacientes” Recentemente, Ludmilla foi abordada num shopping por uma mãe que queria agradecê-la por um post no qual ela falava sobre assumir a careca, pois sua filha pequena não gostava de usar nada na cabeça e ela sentia que estava deixando a criança exposta. “No meu primeiro câncer usei uma peruca que fiz com meu próprio cabelo. No segundo, usei mais lenços. Agora, decidi ficar careca mesmo, é mais confortável. Imagine para uma criança!” Questionadora, Ludmilla sabe que quando se está em frente ao médico há uma barreira. “O jaleco causa um distanciamento. É muita informação para absorver de uma vez. É bom ter um lugar para dividir experiências.” Apesar do lado terapêutico da escrita, Ludmilla admite que há uma exposição grande em ter um blog. “Uma coisa é falar com as pessoas que estão na mesma situação e compreendem o que eu vivo, o que estou enfrentando. Outra é enfrentar o tabu, os olhares de “coitada, ela está com câncer.” Ludmilla está à frente da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Goiás contra o Câncer, que desenvolve projetos como o OncoDúvida, um encontro mensal de pacientes, que acontece há um ano.

Eu estou muito bem, obrigada, teimando em ficar no planetinha azul e, como vi uma menina dizer no Facebook, dias atrás, ‘um Picasso não deixa de ser Picasso por não estar em uma moldura’. Sensacional, não é?! Pois então, aquelas que têm vontade, aproveitem o momento para usar um visual diferente e que fica muito bem para várias mulheres... Crie um estilo, pois ficar careca exige que nos produzamos bem, já que é pra chamar atenção, façamos direito! Mas não abandone a peruca ou os lenços, pois em noites frias uma boina ou um lenço ajudam e dão um charme! Mas se aceite como você está, se ame e se sinta linda, com acessórios ou sem eles! E quem quiser... Me mande fotos e vamos montar um grupo de mulheres superpoderosas carecas! Até breve! Ludmilla

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campanhas

Fique por dentro das ações sobre câncer que ganharam destaque na mídia e nas redes sociais

Movimento Carequinhas ganha projeção internacional Depois do sucesso do Movimento Carequinhas no Brasil, lançado em novembro de 2013, a Ogilvy Brasil e o GRAACC aproveitaram abril, mês internacional de combate ao câncer, para transformar a campanha em movimento global. Para isso, cerca de 40 personagens de desenhos animados de vários países rasparam a cabeça em apoio à causa. O objetivo desse movimento é afastar o preconceito que ronda a doença e mostrar que criança com câncer pode e deve ser vista como qualquer outra criança. Somam-se à campanha Popeye e Olivia Palito, Snoopy, Hello Kitty, Equestria Girls, The Phanton, Senhor Cabeça de Batata, Rio 2 e Garfield, entre outros. Materiais sobre o movimento, como filmes, vinhetas e tirinhas, podem ser encontrados no site www.baldcartoons.com. Veja o vídeo: http://youtu.be/cEZ4Ob1RLo8

O ursinho do Hospital Amaral Carvalho que emocionou o país Uma iniciativa do Hospital Amaral Carvalho (HAC), localizado em Jaú (SP), se tornou uma febre na internet e emocionou o país. Trata-se de Elo, um ursinho feito pela instituição em parceria com a indústria FOM, que, por meio de mensagens de familiares e amigos, ajuda a diminuir a solidão de crianças isoladas no hospital para tratamento do câncer. O ursinho conta com um dispositivo com tecnologia semelhante a um aparelho celular, que recebe as mensagens, além de caixas de som desenhadas para funcionar no interior do brinquedo. Um mecanismo liga a mão dos “Elos” ao dispositivo, liberando mensagens armazenadas. As mensagens podem ser atualizadas a todo momento e ficam à disposição da criança para a próxima vez que decidir apertar a mão do seu ursinho para ouvi-las. Veja o vídeo: http://youtu.be/cEZ4Ob1RLo8

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O câncer de mama não é uma fita rosa A campanha de sensibilização The Scar Project – Câncer de Mama não é uma Fita Rosa traz imagens de mulheres que sobreviveram ao câncer de mama, fotografadas por David Jay, especialista em moda e beleza. Dedicado às mais de 10 mil mulheres com idade inferior a 40 anos que serão diagnosticadas somente neste ano, o projeto é um exercício de consciência, esperança, reflexão e cura. Embora a campanha tenha começado com o foco em chamar atenção para a doença, o projeto quer ajudar as mulheres a redescobrir sua beleza e feminilidade, além de angariar fundos para programas de pesquisa e prevenção. Mais informações: http://www.thescarproject.org

“Pênis na meia” alerta sobre o câncer de testículo Uma campanha divertida e polêmica ganhou espaço nas redes sociais. Liderada pelo britânico James Brown, a Cock in a Sock (“pênis na meia”) convida homens para publicarem fotos suas nus, apenas com uma meia no pênis. O objetivo é alertar o público masculino para o câncer de testículo. A campanha se espalhou rapidamente e ajudou o Cancer Research UK a arrecadar 8 milhões de libras em doações. James está em um processo de registrar a ONG Get Your Sock Out, que terá como objetivo levantar fundos para ajudar no tratamento e prevenção de câncer de testículo e próstata. Mais informações: http://www.getyoursockout.co.ukgarit

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curtas

Diagnóstico mais eficaz no SUS Ganhou destaque na página da presidente Dilma Rousseff no Facebook a incorporação pelo Sistema Único de Saúde (SUS) do exame PET Scan, também conhecido como PET CT, uma das tecnologias mais modernas para acompanhar a existência e a progressão de diversos tipos de câncer. O exame é indicado para diagnosticar a presença e a exata dimensão de 20 doenças, predominantemente câncer. Apesar disso, o SUS só cobre o exame nos casos de câncer de pulmão, colorretal, linfoma de Hodgkin e linfoma não Hodgkin, doenças que, somadas, têm previsão de pelo menos 69.790 mil novos registros neste ano. Paralelamente, o rol de procedimentos obrigatórios para os planos de saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar traz oito indicações para o exame. Por meio desse exame, é possível decidir o procedimento a ser usado pelo médico no paciente, como cirurgia, quimioterapia, biópsia ou até mesmo se não há mais como tratar a doença. Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear, Celso Dario Ramos, o exame é usado no Brasil há pouco mais de dez anos. Ele esclarece que, com esse exame, é possível evitar uma cirurgia desnecessária ou detectar precocemente o crescimento de um tumor. (Com Agência Brasil)

Pfizer divulga resultados da fase 2 do PALOMA-1 A Pfizer divulgou em abril resultados animadores do estudo de fase 2 do PALOMA-1, referente ao medicamento Palbociclib para o tratamento de mulheres na pós-menopausa com câncer de mama avançado. Os dados, apresentados no Congresso Americano de Câncer (AACR), mostraram um aumento significativo na sobrevida livre de progressão da doença. Para as mulheres tratadas com a combinação de Palbociclib e Letrozol, a sobrevida livre de progressão foi de 20,2 meses, uma melhora bastante significativa em comparação com os 10,2 meses em mulheres que receberam Letrozol sozinho. “Estes dados demonstram o potencial do Palbociclib para ser um grande avanço no tratamento de mulheres com este tipo de câncer de mama avançado”, afirmou Mace Rothenberg, vice-presidente sênior de desenvolvimento clínico e assuntos médicos e diretor médico da Pfizer Oncology, em comunicado da empresa. O Palbociclib recebeu designação de Breakthrough Therapy (algo como terapia inovadora, em português) do Food and Drug Administration (FDA) em abril de 2013, para o tratamento inicial de mulheres com câncer avançado ou metastático. O câncer de mama em mulheres na pós-menopausa representa cerca de 60% do número total de casos da doença. Apesar dos tratamentos atualmente disponíveis, as taxas de sobrevivência das pacientes permanecem baixas. Entre todos os tipos de câncer, o de mama é o mais comum entre as mulheres e a principal causa de morte por câncer entre elas em todo o mundo. No Brasil são mais de 12 mil mortes por ano, segundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer (Inca).

Pesquisadores desenvolvem novo teste para o câncer de mama Pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, desenvolveram um novo exame de sangue capaz de detectar com acurácia de cerca de 95% a recidiva de um câncer de mama ou a propagação da doença, além de auxiliar a monitorar a resposta do paciente ao tratamento. Segundo os pesquisadores, o novo teste significa um grande avanço na área, uma vez que, atualmente, não existe nenhuma forma de teste eficiente para descobrir se há recorrência do câncer de mama em pacientes assintomáticas. Os exames atualmente disponíveis no mercado são recomendados apenas quando as pacientes têm queixas de dor ou outros problemas indicativos de metástases. Eles podem gerar resultados falso positivos se realizados em pacientes assintomáticos. De acordo com os pesquisadores, a ideia é que o novo teste possa ser realizado rotineiramente, ajudando médicos e pacientes a se manterem alertas sobre a potencial recidiva do câncer e também para o monitoramento precoce da resposta ao tratamento (identificando pacientes que não estão se beneficiando da quimioterapia em uso já na segunda semana de tratamento). Para o desenvolvimento do estudo, os cientistas identificaram dez genes que são alterados em caso de câncer de mama. O teste realiza reações com um ou mais desses genes, que, quando hipermetilados, indicam o retorno ou a propagação do tumor. Da mesma forma, a redução da metilação do DNA indica uma boa resposta ao tratamento ou a estabilização da doença. Há indicativos de que o mesmo teste possa ser efetivo para outros tipos de tumor, como pulmão e colorretal. As descobertas relativas ao novo teste, batizado de cMethDNA, foram publicadas na edição de 15 de abril do Cancer Research.

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ASCO lança novos guidelines para manejo de sintomas A Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO, na sigla em inglês) anunciou em abril três novos guidelines para prevenção e manejo de sintomas que afetam muitos pacientes com câncer – neuropatias, fadiga, ansiedade e depressão. Os guidelines são os três primeiros de uma série. As recomendações reforçam a necessidade de atenção tanto às necessidades físicas como às psicológicas dos pacientes com câncer. Veja os destaques:

Neuropatia periférica O guideline “Prevention and Management of Chemotherapy-induced Peripheral Neuropathy in Survivors of Adult Cancers: American Society of Clinical Oncology Clinical Practice Guideline” apresenta algumas recomendações baseadas em evidências para a prevenção e o tratamento da neuropatia periférica induzida pela quimioterapia, um efeito colateral debilitante de alguns esquemas de quimioterapia. Estima-se que entre 30% e 40% dos pacientes com câncer tratados com quimioterapia devam apresentar esse problema. O novo guideline, publicado no Journal of Clinical Ongology (JCO), identifica diversas drogas que podem ser úteis no combate aos sintomas da neuropatia periférica. Não há, porém, nenhuma recomendação para preveni-la. “Não existe uma panaceia para a neuropatia”, afirmou Gary Lyman, um dos líderes do grupo que revisa os guidelines da ASCO. “Algumas drogas utilizadas na prevenção e tratamento das neuropatias podem causar efeitos colaterais ou interferir em outros medicamentos. É importante deixar claro que, se não houver nenhuma evidência de benefício dessas drogas, é melhor não prescrevê-las.”

Fadiga O guideline “Screening, Assessment and Management of Fatigue in Adult Survivors of Cancer: an American Society of Clinical Oncology Clinical Practice Guideline Adaptation” fornece recomendações para diagnóstico, avaliação e tratamento para pacientes adultos de câncer que estejam apresentando quadros de fadiga. É recomendado que todos os pacientes sejam avaliados quanto a seus sintomas de fadiga após a conclusão do tratamento primário e que seja oferecido a eles estratégias para administração desse sintoma. “Fadiga é um sintoma muito comum nas pessoas com câncer”, afirma Smita Bhatia, uma das líderes do grupo de revisão de guidelines da ASCO. A maioria dos pacientes apresenta algum nível de fadiga durante o tratamento do câncer e aproximadamente um terço deles sofre com o problema durante anos após a conclusão do tratamento.

Ansiedade e depressão O guideline “Screening, Assessment and Care of Anxiety and Depressive Symptoms in Adults with Cancer: an American Society of Clinical Oncology Clinical Practice Guideline Adaptation” enfatiza que os profissionais da área da saúde têm um papel vital em evitar os efeitos colaterais emocionais e comportamentais do tratamento do câncer. “Aflição é algo muito comum entre pessoas com câncer, mas os tipos e as causas de aflição variam. A depressão tende a permanecer sem diagnóstico, a menos que ela seja especificamente buscada e avaliada”, afirma Smita Bhatia. O guideline da ASCO recomenda que todos os pacientes tratados para câncer sejam avaliados sobre sintomas de depressão e ansiedade. Grupos de apoio podem ser recomendados para todos, e aqueles que apresentarem sintomas entre moderados e graves devem ser encaminhados para tratamento adequado. “Algumas vezes os médicos não dão muita atenção a esses sintomas, porque eles pensam que é normal que seus pacientes apresentem um pouco de ansiedade e depressão em relação a suas doenças”, diz Gary Lyman. “Mas é importante ficar de olho nos sintomas e intervir quando eles passarem a interferir na qualidade de vida dos pacientes.”

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mundo virtual

Onco& recomenda Sites e aplicativos sobre oncologia voltados tanto para médicos, com novidades e informações sobre a área, como para pacientes, com dicas de prevenção e assistência ao doente.

Apoio na palma da mão Aplicativos para tablets e smartphones que ajudam médicos a se manter sempre atualizados e no melhor caminho para o diagnóstico e tratamento de seus pacientes Medicina: Diagnóstico e Tratamento

Guia dos Antibióticos

O aplicativo Current/Medicina: Diagnóstico e Tratamento é a versão digital do livro que traz informações sobre mais de mil doenças e distúrbios. Com dados sobre sinais, sintomas, epidemiologia e tratamento, o aplicativo permite consulta de textos, criação de notas e envio de informações por e-mail. Assim, é possível consultar dados úteis às práticas clínica e hospitalar em qualquer hora e qualquer lugar. O aplicativo está disponível para a plataforma iOS por US$ 79,99, enquanto a versão em papel é encontrada nas livrarias por cerca de R$ 300.

Este guia conta com uma completa base de dados sobre os antibióticos utilizados no Brasil. O aplicativo traz apresentações, nomes comerciais, doenças e patógenos das principais infecções no Brasil. O conteúdo é organizado em tópicos para facilitar a localização. Em cada substância, é possível fazer buscas para encontrar a informação mais importante rapidamente. Também é possível marcar alguns tópicos como favoritos, para acessá-los mais rapidamente nas próximas vezes. O aplicativo pode ser encontrado na AppStore por US$ 6,99.

Cancer Care & Research News

Conselho Federal de Medicina

Desenvolvido pelo Dana-Farber Cancer Institute, este aplicativo é uma publicação com notícias sobre o tratamento do câncer e histórias inspiradoras de pacientes. Indicado tanto para médicos como para pacientes, o aplicativo conta com reportagens e entrevistas em texto e vídeo – sempre em inglês. A diagramação e as fotos trabalhadas são um atrativo a mais para que o paciente tome maior contato com o assunto e se sinta motivado. O aplicativo pode ser baixado gratuitamente nas lojas virtuais da Apple e do Google.

Este aplicativo reúne as mais diversas publicações do Conselho Federal de Medicina, como o Jornal Medicina e a Revista Bioética, além de uma série de manuais, cartilhas e protocolos que podem ajudar no dia a dia da prática médica e ser utilizados como referência na preparação de trabalhos acadêmicos. Ao todo, os textos estão separados em nove grupos temáticos. O programinha está disponível para sistemas iOS e Android e pode ser baixado gratuitamente nas lojas virtuais dos tablets e smartphones.

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acontece

Fique por dentro dos congressos, simpósios, encontros de atualização e outros tantos eventos do mundo da oncologia. Confira aqui os principais eventos de oncologia nos próximos meses.

III Congresso Internacional de Neuro-Oncologia

Ganepão 2014

Nos dias 23 e 24 de maio será realizado o III Congresso Internacional de Neuro-Oncologia. O evento é presidido pelo doutor Fernando Cotait Maluf e contará com a presença de diversos nomes nacionais e internacionais, como o americano Ian E. McCutcheon, do MD Anderson Cancer Center. Estão programados aulas e debates sobre temas como as controvérsias no manejo de glicoma baixo grau e no manejo da doença metastática em coluna. Mais informações podem ser obtidas na página do evento: http://rvmais.com.br/congresso-neuro-oncologia/.

A edição 2014 do Ganepão, maior evento de nutrição clínica do país, contará com a participação de importantes nomes nacionais e internacionais da área. O evento acontece em São Paulo entre 14 e 17 de maio. A relação entre a nutrição e o câncer receberá atenção especial dos congressistas, uma vez que o Ganepão ocorre conjuntamente com o VI Congresso Brasileiro de Nutrição em Câncer e com o IV International Conference of Nutritional Oncology. O tema principal do evento será “Do catabolismo ao anabolismo”. O site www.ganepao2014.com.br apresenta os detalhes e a programação do congresso.

12ª Jornada de Atualização em Transplante de CélulasTronco Hematopoéticas Realizada pelo Centro de Transplante de Medula Óssea (CEMO) do Instituto Nacional de Câncer (Inca), a 12ª Jornada de Atualização em Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas será realizada no Rio de Janeiro, nos dias 21 e 22 de maio. Nessa edição do evento, serão debatidos temas fundamentais relacionados à área de transplantes de medula, como a seleção dos doadores e as vantagens e desvantagens do uso do sangue de cordão umbilical. Entre os debatedores haverá especialistas e representantes de órgãos públicos, como o Sistema Nacional de Transplantes. As inscrições devem ser realizadas na área de eventos do site do Inca (www.inca.gov.br/ie_eventos/).

50th ASCO Annual Meeting O principal evento de oncologia clínica chega este ano à sua quinquagésima edição. Realizado em Chicago entre 30 de maio e 3 de junho, a reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) terá, como de costume, a apresentação de diversos estudos que devem impactar os tratamentos nas mais diversas especialidades da oncologia. A expectativa da organização do evento é que a edição deste ano reúna mais de 25 mil médicos oncologistas, que aproveitarão o espaço para discutir os avanços e desafios da área. Os detalhes sobre a próxima edição da ASCO e as informações sobre inscrição devem ser obtidos no site: http://am.asco.org/.

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calendário 2014

Evento

Data

Local

Informações

XVI Congresso da Sociedade Brasileira de Radioterapia

30 de abril a 3 de maio

São Paulo, SP

www.sbrt2014.com.br

III Jornada Odontológica do Inca

9 de maio

Rio de Janeiro, RJ

http://www.inca.gov.br/ie_eventos/

Ganepão 2014

14 e 15 de maio

São Paulo, SP

http://www.ganepao.com.br/

Goiania Breast Cancer Symposium 2014

15 a 17 de maio

Goiânia, GO

www.gbcs.net.br

I Simpósio Gastrointestinal Oncologia D'Or

17 de maio

Rio de Janeiro, RJ

http://rvmais.com.br/simposiogastrointestinal/

I Simpósio de Interdisciplinaridade em Oncologia da Santa Casa-SP/ SBPO-SP

17 de maio

São Paulo, SP

simposiosbpo.2014@yahoo.com.br

12ª Jornada de Atualização em Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas

21 e 22 de maio

Rio de Janeiro, RJ

http://www.inca.gov.br/ie_eventos/

VIII Board Review – Curso de Revisão em Hematologia e Hemoterapia e II Simpósio de Neoplasia Nielóides

21 a 24 de maio

São Paulo, SP

http://www.einstein.br/eventos

III Congresso Internacional de Neuro-Oncologia

23 e 24 de maio

São Paulo, SP

http://rvmais.com.br/congresso-neurooncologia/

Congresso Paulista de Coloproctologia

30 e 31 de maio

São Paulo, SP

http://colosp2014.com.br/

50 ASCO Annual Meeting

30 de maio a 3 de junho

Chicago, EUA

http://am.asco.org

Worldwide Innovative Networking in personalized cancer medicine.

23 a 24 de junho

Paris, França

http://www.winsymposium.org/

Calendário de eventos de 2014 completo e atualizado:

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