Onco& ed. 14, ano III

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www.revistaonco.com.br

novembro/dezembro 2012 Ano 3 • n o 14

Oncogenética O câncer e as síndromes hereditárias

Entrevista

Oncologia para todas as especialidades

Capa Avanços e promessas da oncologia personalizada

A médica Nise Yamaguchi e o sentido da humanização na saúde

Do bem Mulheres de Peito e a opção pela vida

hematologia | cardioproteção | colo do útero | esmo


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sumário

A médica Nise Yamaguchi e o sentido da humanização na saúde

entrevista

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capa

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Avanços e promessas da oncologia personalizada

hematologia

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O panorama das leucemias no Brasil Nelson Hamerschlak

oncogenética

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O câncer e as síndromes hereditárias Maria Isabel Achatz

cardioproteção

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A cardiotoxicidade no tratamento oncológico Marcelo Goulart Paiva

colo do útero

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Recomendações para a detecção do câncer de colo do útero Evandro Sobroza de Mello e Fernando Nalesso Aguiar

esmo

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Destaques do principal congresso europeu de oncologia

do bem

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Quem são as “mulheres de peito” que enfrentaram o câncer de mama com otimismo

curtas

46

Notícias da indústria, iniciativas, parcerias: um giro pelo mundo da oncologia

acontece

49

Fique por dentro do que foi destaque no mundo da oncologia

calendário

50

Programe-se: eventos e congressos para anotar na agenda


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Conselho editorial

I – Cancerologia clínica Oncologia clínica: André Moraes (SP) Anelisa Coutinho (BA) Auro Del Giglio (SP) Carlos Sampaio (BA) Claudio Petrilli (SP) Clarissa Mathias (BA) Daniel Herchenhorn (RJ) Fernando Medina (SP) Gothardo Lima (CE) Igor Morbeck (DF) João Nunes (SP) José Bines (RJ) Karla Emerenciano (RN) Marcelo Aisen (SP) Marcelo Collaço Paulo (SC) Maria de Fátima Dias Gaui (RJ) Nise Yamaguchi (SP) Oren Smaletz (SP) Paulo Marcelo Gehm Hoff (SP) Roberto Gil (RJ) Sebastião Cabral Filho (MG) Sérgio Azevedo (RS) Sergio Lago (RS) Onco-hematologia: Carlos Chiattone (SP) Carmino de Souza (SP) Daniel Tabak (RJ) Jane Dobbin (RJ) Nelson Spector (RJ) Vânia Hungria (SP)

Editor clínico: Sergio D. Simon

Transplante de medula: Jairo Sobrinho (SP) Luis Fernando Bouzas (RJ) Nelson Hamerschlak (SP) Yana Novis (SP)

II – Biologia molecular Ada Alves (RJ) André Vettore (SP) Carlos Gil (RJ) Helenice Gobbi (MG) José Cláudio Casali (RJ) Luísa Lina Villa (SP) Maria Isabel Achatz (SP)

III – Cancerologia cirúrgica Neurologia: Manoel Jacobsen Teixeira (SP) Marcos Stavale (SP) Cabeça e pescoço: Luis Paulo Kowalski (SP) Vergilius Araújo (SP) Tórax: Angelo Fernandez (SP) Riad Naim Younes (SP) Abdômen: Ademar Lopes (SP) José Jukemura (SP) Laercio Gomes Lourenço (SP) Marcos Moraes (RJ) Paulo Herman (SP)

Mama: Alfredo Barros (SP) Antonio Frasson (SP) Carlos Alberto Ruiz (SP) Maira Caleffi (RS) Urologia: Antônio Carlos L. Pompeu (SP) Miguel Srougi (SP) Ginecologia: Jorge Saad Souen (SP) Sérgio Mancini Nicolau (SP) Sophie Derchain (SP) Tecido osteoconjuntivo: Olavo Pires de Camargo (SP) Reynaldo J. Garcia Filho (SP)

IV – Radioterapia Ludmila Siqueira (MG) Paulo Novaes (SP) Robson Ferrigno (SP) Rodrigo Hanriot (SP) Wladimir Nadalin (SP)

V – Cuidados paliativos e dor Ana Claudia Arantes (SP) Claudia Naylor Lisboa (RJ) Fabíola Minson (SP) João Marcos Rizzo (RS) Ricardo Caponero (SP)

Ano 3 • número 14 novembro/dezembro 2012

Publisher Simone Simon simone@iasoeditora.com.br

Impressão: Gráfica Eskenazi Tiragem: 11 mil exemplares ISSN: 2179-0930 Jornalista responsável: Valéria Hartt (MTb 24.849)

Editorial Valéria Hartt valeria@iasoeditora.com.br

Colaboraram nesta edição: Evandro Sobroza de Mello, Fernando Nalesso Aguiar, Marcelo Goulart Paiva, Maria Isabel Waddington Achatz, Moura Leite Netto, Nelson Hamerschlak

Reportagem Sergio Azman sergio@iasoeditora.com.br

A revista Onco& – Oncologia para todas as especialidades, uma publicação da Iaso Editora, especializada em comunicação médica, traz informações sobre oncologia a profissionais de todas as especialidades médicas. De circulação bimestral, tem distribuição nacional e gratuita por todo o território nacional. A reprodução do conteúdo da revista é permitida desde que citada a fonte. A opinião dos colaboradores não reflete necessariamente a posição da revista.

Direção de arte/Prepress Ione Franco ione@iasoeditora.com.br Revisão Patrícia Villas Bôas Cueva Acompanhe a Onco& no Twitter

Projeto Gráfico Luciana Cury

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Onco&

www.iasoeditora.com.br • www.revistaonco.com.br (11) 2478-6985 (redação) – (21) 3798-1437 (comercial)


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Seletividade terapêutica: é o futuro?

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onceitos agora traduzidos na linguagem da genética permitem explicar as vulnerabilidades ou a predisposição de certos grupos a determinadas doenças, assim como permitem desenhar tratamentos “personalizados”. Temos avançado na compreensão e na abordagem do câncer, mas é preciso equilibrar o tom do discurso entusiástico da farmacogenômica e suas drogas on demand, sob pena de empobrecer as atividades de prevenção e aprofundar as iniquidades em saúde. Diante desse vasto arsenal de recursos diagnósticos e suas potencialidades reveladas pela genômica, também a prática médica aparece remodelada e está entre as críticas que falam do biopoder e da biomedicalização. É nesse caldeirão de novas e velhas reflexões que a Onco& traz em reportagem de capa os avanços que têm permitido maior seletividade no tratamento do câncer. E por falar em avanços, esta edição aponta caminhos possíveis para a cardioproteção na atenção oncológica, assim como traz um artigo inédito sobre as leucemias no Brasil, que mostra o quanto evoluímos no manejo dessas neoplasias hematológicas. No contraponto de tanta

novidade, vale conferir os desafios e as recomendações para o rastreamento do tumor de colo do útero, ainda o segundo mais frequente entre as mulheres brasileiras. Os números também nos desafiam a monitorar a maior concentração mundial de portadores da síndrome de Li-Fraumeni, que eleva de forma exponencial o risco de desenvolver tumores. A Onco& publica dados do recente estudo feito pelo dr. Fraumeni, em colaboração com a oncogeneticista brasileira Maria Isabel Achatz, que nos brinda com artigo nesta edição. Na entrevista, a sabedoria oriental de Nise Yamaguchi, nome de referência na humanização do tratamento do câncer. E na seção Do Bem, mulheres de muito peito mostram que é possível vencer o câncer de mama, construir um caminho solidário e acreditar na vida. Boa leitura!

Valéria Hartt

* Jornalista especializada na cobertura de saúde, é editora da Onco& – Oncologia para todas as especialidades Contato: valeria@iasoeditora.com.br

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entrevista

Um olhar integral sobre o paciente No consultório ou no atendimento ao paciente do sistema público de saúde, a oncologista Nise Yamaguchi defende a interação médico-paciente como fator indispensável ao tratamento do câncer

Por Valéria Hartt e Sergio Azman

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Sergio Azman

UANDO SE INSCREVEU NA FACULDADE DE MEDI-

CINA, A ONCOLOGISTA NISE YAMAGUCHI LOGO COMEÇOU A FAZER CURSOS PARALELOS, BUS-

Nise Yamaguchi

* Oncologista e imunologista clínica pela Faculdade de Medicina da USP, membro da Sociedade Brasileira de Cancerologia, da ASCO, do International Prevention Research Institute e da ESMO. É médica pesquisadora da Faculdade de Medicina da USP e responsável pelo Instituto Avanços em Medicina. Entre 2007 e 2011 foi representante do gabinete do Ministro da Saúde para o Estado de São Paulo Contato: avancos@uol.com.br

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cando concepções e práticas como homeopatia, acupuntura e medicina antroposófica. Seu interesse era aprender uma medicina diferente daquela que via na faculdade e percorrer para além dos contornos do modelo biomédico. Enquanto médicos e assistentes não compreend iam o motivo de tanta preocupação e envolvimento com os doentes, Nise decidiu que ia, sim, chegar mais perto dos pacientes e de seus dilemas. E o envolvimento foi tanto que ela é hoje uma das figuras mais importantes quando se fala em humanização na saúde. Defensora de um olhar integral sobre o doente de câncer, em suas múltiplas dimensões, a oncologista faz de cada consulta um encontro terapêutico. Não é apenas o momento para a prescrição técnica, mas um espaço acolhedor para uma conversa franca, queixas e perguntas. Afinal, ela sabe que uma escuta atenta e interessada é instrumento valioso no planejamento terapêutico e conta pontos importantes na relação médico-paciente. Essa visão sensível da medicina e a coragem de se doar emocionalmente ajudaram a tornar Nise uma das maiores referências nacionais da oncologia e são ainda hoje características marcantes do

seu trabalho. Mas não são as únicas. Em 1999, criou o Núcleo de Apoio ao Paciente com Câncer (Napacan), um grupo de apoio educacional para atendimento do paciente e de seus familiares. Atua com entidades internacionais para melhorar as condições de tratamento do câncer e de doenças crônicas não transmissíveis em países da América Latina e de outros continentes. Foi representante do gabinete do ministro da Saúde em São Paulo, nas gestões de José Gomes Temporão e Alexandre Padilha, e teve participação central na criação dos CACONs, os centros de alta complexidade para o tratamento oncológico, assim como em defesa da lei antifumo e pelos direitos dos pacientes. Incansável, passava das 22 horas quando ela veio sorridente nos receber para esta entrevista em seu consultório em São Paulo para contar um pouco da sua história e alinhavar temas que vão da medicina humanizada aos desafios da saúde pública, certamente com uma lente ampliada para a questão do câncer no Brasil. “Os principais gargalos são a escuta e o olhar. Cada um acha que o problema não é seu e passa para o próximo. Ninguém se corresponsabiliza e o que acontece é que esse paciente entra no sistema e vira um anônimo.” Se o que falta é saber ouvir e enxergar melhor o paciente, certamente ela tem muito a ensinar.


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Onco& – O que é, afinal, a humanização na área da saúde? Nise Yamaguchi – Acho que tem uma conversa que é transcultural, porque a questão da humanização vem a partir do encontro entre o terapeuta e o paciente. E certamente vem também a partir do imaginário do paciente, do conhecimento que ele tem disponível, da rede de pessoas que está em volta. O que eu aprendi é que essa busca de um encontro verdadeiro entre o doente e os profissionais que estão tomando conta dele, isso independe da classe social. Esse fator humano é essencial, essa comunicação é essencial, porque isso significa compreender melhor qual é o tratamento, quais as opções terapêuticas disponíveis, e essa pessoa certamente vai aderir mais ao tratamento. Existe um trabalho feito no Hospital das Clínicas que mostra que mais de 40% das receitas feitas dentro do HC não são aviadas, mesmo aquelas que envolvem medicamentos disponíveis na própria farmácia do hospital. Por quê? Porque as pessoas não sentiram que o profissional captou exatamente qual era a sua queixa e, portanto, não têm confiança naquele tratamento e em seu possível resultado. Esse paciente sentiu que era apenas mais um, que era parte de um processo automatizado. O que eu quero dizer com isso é que a medicina não precisa ser muito complexa e buscar amparo só em termos de sofisticadas abordagens moleculares. Se você exercitar uma escuta atenta, se parar para ouvir as queixas do paciente e se dispuser a entender a sua fala, certamente terá uma informação muito rica para embasar o tratamento. É importante saber como essa pessoa vive no ambiente social, se mora sozinha, que profissão ou atividade exerce, como ela se posiciona com relação à doença ou aos tratamentos... com essa informação você já tem um arcabouço importantíssimo no planejamento estratégico dessa terapêutica. Mas isso não acontece, e dados muito comuns acabam sendo esquecidos em uma consulta, como os antecedentes mórbidos, que doenças esse paciente já teve, as cirurgias que realizou, se tem ou não diabetes, se tem reações alérgicas a determinadas substâncias. São aspectos tão básicos que fazem parte do planejamento terapêutico, permitindo imaginar que remédio você pode utilizar e em que dose, mas muitas vezes tudo isso fica de lado durante uma consulta e precisa ser resgatado.

Também valorizamos o conhecimento e estamos trabalhando para que as universidades e os grandes serviços se credenciem cada vez mais nas estruturas de estudos moleculares para que possamos verdadeiramente ter uma democratização do conhecimento. Quanto mais estruturarmos os nossos centros de câncer para que eles tenham acesso a informações moleculares ou bioquímicas com relação ao tipo de câncer, maior a nossa efetividade.

Onco& – E o que se pode extrair de todo esse conhecimento para a prática do SUS?

Nise Yamaguchi – Hoje, é possível saber se um indivíduo responde a determinado agente terapêutico ou não. Existem, por exemplo, quimioterápicos da classe das fluoropirimidinas, como o fluorouracil e a capecitabina, que são corriqueiros no tratamento do câncer de intestino, de câncer de cabeça e pescoço, de colo do útero e, muitas vezes, também no câncer de mama. Mas algumas pessoas não têm uma enzima no fígado para metabolizar essa substância e se receberem essa droga podem até morrer. Então, o desconhecimento de que é possível selecionar os pacientes para o tratamento cria um custo muito maior na rede, porque o doente fica gravemente intoxicado, vai parar numa UTI ou, pior ainda, acaba perdendo a vida, e esse é um custo incomensurável. O que podemos ter como norte é que alguns exames para atestar a seletividade de um medicamento poderiam ser feitos pelo SUS, porque esse quadro sai muito mais caro do que um estudo de farmacogenômica e com um custo-benefício que precisamos considerar, porque falamos aqui do valor da vida. Se o K-ras é mutado, por exemplo, não adianta empregar determinada estratégia, porque o tratamento não vai funcionar. Se o EGFR for mutado, é muito melhor você não usar quimioterapia e usar medicação oral, que ainda não está disponível no SUS como um todo, mas em São Paulo já está à disposição, através da APAC (Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade). Significa que o custo-benefício de você saber exatamente que alvo-molecular deve ser utilizado é enorme, assim como o benefício de saber que tratamento você não deve adotar. Temos agora a possibilidade de usar o tratamento certo para a pessoa certa, no momento correto. Isso faz toda a diferença, porque esses me-

“Alguns exames para atestar a seletividade de um medicamento poderiam ser feitos pelo SUS, porque esse quadro sai muito mais caro do que um estudo de farmacogenômica e com um custo-benefício que precisamos considerar, porque falamos aqui do valor da vida”

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dicamentos podem realmente trazer uma resposta importante para o paciente. Outra questão básica é a cirurgia, que é curativa em doenças iniciais. O que sempre se fala, a todo momento, é que o câncer é curável em sua fase inicial, mas o tempo que a pessoa fica no sistema esperando o tratamento faz com que aquela célula cresça e que um tumor pequeno passe a ser grande ou se espalhe para outros locais. Infelizmente, é o que acontece. Então, nós precisamos de um elenco de cirurgiões oncológicos preparados e disponíveis na rede para que o paciente possa ter agilidade no diagnóstico e tratamento precoce. Mas não adianta falar de tratamento precoce no Sistema Único de Saúde se não temos como promover o fluxo adequado dentro dessa rede, onde muitas vezes o paciente vira mais um número e se perde no sistema. Acredito em centrais de encaminhamento, centrais de referência que indiquem ao paciente o local de tratamento, principalmente nas grandes cidades.

“Nãovalesóoquevocê diz,masoquevocê pratica,porquese existir essa dicotomia dificilmente o médico vai conseguir credibilidade junto ao paciente”

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Onco& – Como romper com essa dinâmica e reconstituir esse olhar integral sobre o paciente? O excesso de especialização ajuda a explicar essa fragmentação? Nise Yamaguchi – A especialização é necessária, porque é impossível saber tudo sobre tudo, mas o que precisamos evitar é a fragmentação. É muito importante que haja um oncologista clínico, um cirurgião oncológico, um radioterapeuta. As especialidades são muito importantes e nutritivas para o paciente, mas não a fragmentação, porque o paciente é um todo, único e indivisível. Esse é um grande desafio hoje. Outro problema é a falta de tempo para essa escuta mais atenta, e esse é sem dúvida um problema real. Acredito que esse olhar integral sobre o paciente vem sendo trabalhado no interior das escolas médicas, mas esbarra em um problema anterior, que é a própria formação do indivíduo no ambiente social. Não estão presentes na formação das nossas crianças questões como o aguçar dessa sensibilidade para valorizar a percepção sobre o outro. Não é dessa lógica que falamos hoje. Temos, ao contrário, a competição para entrar no vestibular de uma escola de medicina, numa disputa em que o funil é muito grande e as capacidades mais valorizadas são

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as intelectuais, como memória e raciocínio lógico. O repertório humano não entra nessa equação. Estamos inscritos em um momento e em uma humanidade que está olhando pouco para o outro. Então, na relação médico-paciente não vale só o que você diz, mas o que você pratica, porque se existir essa dicotomia dificilmente o médico vai conseguir credibilidade junto ao paciente. Outra barreira que vem dessa mesma herança é o medo de se relacionar. Doenças graves, como o câncer, às vezes demandam muito emocionalmente e o paciente exige uma mobilização emocional que o profissional pode não estar disponível para dar. Exige muita coragem por parte do profissional esse envolvimento cotidiano com situações extremas e uma capacidade de sentir a dor do outro, sem perder o prumo de sua própria atitude. É um mix de olhar para o outro e olhar para si, não de forma egocêntrica, mas radiográfica: quem sou eu no mundo, quais as minhas próprias dores e fragilidades, onde estão minhas forças? De que maneira posso me colocar nessa relação com meu paciente? Isso é um caminhar, um aprendizado, mas é acima de tudo uma decisão de quanto de mim estou disposto a doar.

Onco& – Há caminhos para avançar na construção de uma nova relação médico-paciente? Nise Yamaguchi – No Memorial Sloan-Kettering, de Nova York, no setor de psicologia e de psiquiatria coordenado por Bill Brietbart, eles montaram laboratórios onde os profissionais de saúde podem ficar em contato com um ator para comunicar diagnósticos difíceis. Isso é filmado, o ator está ali fazendo o papel de paciente e esse é um exercício para os médicos e residentes em treinamento. Existem técnicas, evidentemente, mas o que eu descobri é que esse rapport, que é essa possibilidade de integração, é algo que algumas pessoas trazem de modo inerente, porque são bons comunicólogos. São formas de se aproximar, de olhar, de como se movimentar para uma boa comunicação. E isso é do ser humano, é transcultural. E na comunicação não verbal você não consegue fingir. O paciente sabe se você está ali preocupado com ele como pessoa, de forma autêntica. É o que Rainer Maria Rilke nos diz em Cartas ao Jovem Poeta. O poeta questionava se podia de fato ser poeta ou se sua escrita não era pro-


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funda o suficiente. E a resposta foi clara, indicando que antes de perguntar isso a alguém era preciso questionar a si próprio. E é essa a grande questão: você quer ser médico? Diante dos pré-requisitos da profissão médica, é preciso se indagar se estamos mesmo disponíveis para essa troca. Essa é a verdade que cada um tem que dizer. Nessa luta diária que é a questão do câncer, quero fazer a diferença? Quero estar ali com aquela pessoa? São perguntas internas e que determinam muitas vezes o nosso comportamento na prática cotidiana. É uma relação de confiança muito profunda que se estabelece. Eu me lembro que ficava no final do dia na enfermaria do Hospital das Clínicas para conversar com os pacientes. E me lembro de como isso me nutria, como era importante conversar com os pacientes sobre as questões da vida, sobre os problemas que eles estavam enfrentando, assim como era muito importante para eles poder contar comigo naquela hora. Eu poderia ficar simplesmente no posto de enfermagem conversando amenidades com os outros colegas. Mas reconhecia o papel dessa aproximação com os pacientes. Depois, à noite, eu ia para o laboratório de análises clínicas e pegava a listinha dos exames feitos naquele dia para ver como estavam os resultados e se eu teria que modificar alguma coisa no tratamento daquele paciente, porque o laboratório não era informatizado naquele tempo e demorava de três a quatro dias até que os exames chegassem à minha mão, pela rotina. Também acompanhávamos o ultrassom e, mais tarde, no meu ambulatório, tínhamos uma enfermeira especializada em ir junto com o paciente buscar o exame e me trazer, porque o exame se perdia na rede.

Onco& – Como assim? Nise Yamaguchi – Não era incomum que o paciente tivesse um registro quando entrava pelo pronto-socorro, outro na cardiologia e um terceiro no ambulatório de ginecologia. E esses prontuários não se conversavam nunca. Então, tivemos que criar um filtro para assegurar um registro único, para que o paciente não pudesse fazer um prontuário em cada lugar. E esse cuidado em criar sistemas para melhorar o atendimento sempre foi uma preocupação. Atuamos nas sociedades de câncer, no conselho consultivo do Instituto Nacional de Cân-

cer, na Associação Médica Brasileira e também numa grande força-tarefa para organizar os centros de alta complexidade em oncologia e criar protocolos de atendimento para esses CACONs. Nos últimos anos temos tentado melhorar esse fluxo do paciente no SUS, e isso ainda não conseguimos. Claro que estamos aqui identificando algumas barreiras e que evidentemente existem casos de sucesso, com grandes hospitais de câncer, como o Icesp, ilhas de excelência como Jaú, Barretos, o Pérola Byington, além de hospitais de câncer nas principais capitais brasileiras. Tenho a certeza de que nós vamos gradualmente melhorar a lógica do sistema.

Onco& – Qual é o maior gargalo do paciente de câncer dentro do SUS e como corrigi-lo? Nise Yamaguchi – Falhamos na escuta e falhamos também no olhar, porque não conseguimos ouvir nem enxergar esse doente. Cada um acha que o problema não é seu e passa para o próximo. Ninguém se corresponsabiliza, e o que acontece é que esse paciente entra no sistema e vira um anônimo. E se ele demora três meses para marcar uma consulta ou um exame de ultrassom, quem se importa? Não é problema de ninguém. E se ele tem que fazer uma biópsia, mas não sabe onde fazer, ninguém está ali para monitorar o fluxo e as dificuldades desse paciente na rede. E um Papanicolaou alterado ou uma mamografia BI-RADS 4 ou 5? A paciente precisa ser localizada e trazida imediatamente. Falta integração com a rede primária de atendimento, que é o Programa de Saúde da Família (PSF), e isso ainda precisa ser mais bem amalgamado. A saúde é municipal, estadual e federal, mas ela acaba muitas vezes terceirizada e o paciente fica parado lá na ponta, à espera de um diagnóstico que nunca vem, quando na verdade ele deveria estar num centro de alta complexidade em câncer. Então temos frequentemente um excesso de pedidos de exames sem que haja uma necessária coordenação, e tudo isso dificulta o acesso do paciente oncológico ao tratamento e traz uma demora muito grande para o diagnóstico. Também está claro que precisamos melhorar o conhecimento dos não especialistas. O grupo de mastologia do próprio Icesp foi nas redes básicas orientar os médicos não especialistas sobre quais eram os problemas da mamografia, identificando

“Diante dos pré-requisitos da profissão médica, é preciso se indagar se estamos mesmo disponíveis para essa troca. Essa é a verdade que cada um tem que dizer”

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quais as necessidades das pacientes com patologias mamárias e aquelas que precisam ser encaminhadas mais rapidamente. Iniciativas como essas estão sendo feitas por agentes isolados, promovendo conversas entre os diferentes níveis de atenção do próprio SUS, e isso precisaria ser feito de forma sistêmica. A saúde básica tem muito a ensinar para o especialista e o especialista certamente tem muito a contribuir com a atenção primária à saúde.

Onco& – Voltando à humanização, em que o seu

”A saúde é municipal, estadual e federal, mas ela acaba muitas vezes terceirizada e o paciente fica parado lá na ponta, à espera de um diagnóstico que nunca vem, quando na verdade deveria estar num centro de alta complexidade em câncer” 12

nome é sem dúvida uma referência, é possível dizer que avançamos na área de cuidados paliativos e, em particular, no controle da dor oncológica? Nise Yamaguchi – Há uns 12 anos participamos de outra portaria, liberando drogas para controle da dor oncológica. Isso já está disponível através das APACs (Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade) para remédios de dor, só que os médicos muitas vezes não pedem, porque existe ainda certo preconceito com relação ao uso de opiáceos, ao uso de morfina em pacientes com câncer. Esse é um processo em que você precisa educar melhor o sistema, mas progressivamente isso está sendo quebrado, porque nós temos duas associações bastante ativas no Brasil, a Associação Brasileira de Cuidados Paliativos e a Academia de Cuidados Paliativos, e ambas trabalham intensamente. Fizemos muitos cursos para a rede pública de saúde, para a prefeitura e os postos de saúde, com o objetivo de orientar os profissionais sobre a importância de reconhecer um paciente com dor e como tratá-lo. Essa é uma área que está crescendo bastante, porque está se tornando mais conhecido o mecanismo pelo qual a dor atua, nos diversos níveis. Hoje, você vê grandes setores de atendimento à dor nos hospitais de câncer, mas ainda é preciso difundir conhecimento. Não temos como fugir de um debate que envolve essencialmente duas questões – educação e acesso –, mas é preciso reconhecer que isso é um desafio imenso para um país de dimensões continentais como o Brasil. Em termos de cuidados paliativos, o que temos procurado é disseminar uma outra perspectiva. O nome cuidados paliativos acaba sendo visto como uma ausência de cuidados específicos do câncer. E cada vez mais é preciso trazer a ideia de cuidados paliativos permeando todo o tratamento, desde o

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início. Acho que deveríamos rever esse nome para tratamento de apoio e de suporte ao paciente. Sabe-se que, quanto mais precocemente você introduzir esse tipo de cuidado, melhor para o paciente, que também vive mais e melhor. Faz a diferença em quantidade e, principalmente, em qualidade de vida.

Onco& – Mas quando reconhecer a hora de parar e que lugar se reserva ao desejo do paciente, agora resguardado pela Diretiva Antecipada de Vontade? Nise Yamaguchi – Essa questão de lidar com a morte, que é uma presença na nossa vida, tem a ver com as crenças individuais sobre o significado da vida. Por que eu estou aqui e para onde eu vou? São questões culturais, religiosas, filosóficas. O Brasil é um país com grande concentração de católicos, de cristãos evangélicos e espíritas, e tudo isso influi na nossa visão da morte. Afinal, você é treinado para sobreviver, você luta pela vida sempre. É muito difícil saber o momento de parar, principalmente quando você tem tantas estratégias terapêuticas. A cada momento surge um novo tratamento e alguns agentes são mesmo como um elixir de longa vida, porque trazem respostas fantásticas, mas outros são promessas inalcançáveis. Então, o momento de parar é sempre um grande dilema para o médico, e por isso é tão importante a participação do paciente e da família. Mas em algumas horas também a família quer assumir decisões e a vontade do paciente fica de lado. O importante é que esse paciente esteja sempre no centro desse debate. No Brasil, temos uma visão ainda maternal, que começa a mudar com o reconhecimento de que o paciente precisa ter mais voz, e esse é certamente um caminho de conscientização individual, política e de responsabilidade social. Uma coisa é o cuidado do paciente a qualquer custo e inclusive com sofrimentos desnecessários. Outra é o paciente expressar uma vontade de que isso não ocorra, o que implica a confiança de que a equipe vai saber julgar qual o melhor caminho. Não temos isso ainda no Brasil com muito vigor, mas cada vez mais esse debate vai ser trazido à discussão. São questões muito delicadas envoltas nesse grande enigma que é a morte, que o homem procura compreender desde tempos imemoriais e que ainda hoje se refletem numa busca absolutamente atual.


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A era da oncologia personalizada Informações genéticas e alterações bioquímicas do próprio tumor ajudam a orientar o tratamento e combater a doença de forma mais efetiva

Por Moura Leite Netto

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ONHECER BEM O INIMIGO ANTES DE

ATACÁ-LO.

ESSA É A PREMISSA DA ON-

COLOGIA HOJE, QUANDO A ESPECIALI-

dade se torna cada vez mais complexa diante do reconhecimento de que o câncer não é uma doença única, e sim multifacetada e com variados graus de malignidade. É o que explica que pacientes com tumores aparentemente semelhantes tenham respostas diferentes para as mesmas terapias. Análises das características de cada tumor e a possibilidade de identificar quais são os genes mutados – que através da carcinogênese geram versões distorcidas das células normais – têm propiciado maior conhecimento da biologia do câncer e a identificação de marcadores que levam ao desenvolvimento de drogas para um perfil específico de paciente. E o que agora se confirma realidade já foi considerado inimaginável no trata-

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mento da doença, que tem sua primeira descrição encontrada em um texto egípcio de 2.500 a.C. O oncologista indiano Siddhartha Mukherjee, do Centro Médico da Universidade da Colúmbia e autor do livro O Imperador de Todos os Males: Uma Biografia do Câncer, relata que o antigo escriba descreveu o câncer como um tumor no peito, que ao toque era como uma bola de papel. Um mal sem qualquer possibilidade de tratamento na época. Hoje, a oncologia vive um panorama totalmente distinto. “É possível oferecer tratamento individualizado para alguns grupos, evitando-se efeitos colaterais indesejados e reduzindo custos para o paciente e para o sistema de saúde com terapias mal indicadas”, destaca Helenice Gobbi, patologista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A especialista acrescenta que o mérito da oncologia personalizada


Divulgação

está em tratar cada paciente de forma diferenciada, baseando-se tanto nas características individuais, clínicas e em parâmetros como sexo e idade, quanto em análises laboratoriais, como tipo e grau histológico do tumor e marcadores moleculares expressos em cada subtipo de câncer. O desafio diário dos oncologistas e pesquisadores está em identificar os fatores que levam pacientes aos diferentes níveis de resposta para casos aparentemente semelhantes. Informações genéticas e bioquímicas já são utilizadas para orientar o tratamento do câncer de mama, de cólon e de pulmão, melanoma e glioblastoma. Sem dúvida, vivemos uma nova fronteira no tratamento e na compreensão da doença, de carona nos avanços da genômica e da biologia molecular. Mas esse passo à frente também permite antever um longo caminho até que toda a complexidade do câncer seja de fato conhecida. Os avanços moleculares são mesmo uma revolução no diagnóstico do câncer. “Antes o diagnóstico de praxe, o patológico, só dava o resultado morfológico. O molecular dá uma estratificação dos genes envolvidos na oncopatogenia e, assim, dependendo de qual mutação estamos falando, o oncologista pode personalizar o tratamento”, explica Carlos Gil, oncologista clínico e diretor da Progenética Diagnósticos Moleculares. Humberto Torloni, patologista e pesquisador do Serviço de Arquivamento Médico e Estatístico do Hospital A.C.Camargo, afirma que a ideia da oncologia personalizada só foi possível graças à aproximação das bancadas da patologia com a prática clínica, numa aliança que vem sendo capaz de decifrar o câncer. “Temos hoje a certeza de que o diagnóstico de muitas doenças está correto. Somos capazes de invadir os meandros das células e definir

Amplificação do HER2 pela técnica FISH

características moleculares que antes a morfologia não permitia desvendar. Em linhas gerais, com a morfologia era como se tivéssemos apenas o RG do câncer, e hoje temos o RG, o CPF e o título de eleitor de cada tipo de tumor”, exemplifica Torloni. Dos receptores hormonais à descoberta da amplificação do HER-2, K-ras e de outras terapias antiEGFR (Receptor do Fator de Crescimento Epidérmico), houve uma evolução significativa no papel desses marcadores preditivos em diversos tipos de câncer e hoje eles são essenciais para a seleção adequada e personalizada de pacientes para tratamentos específicos.

Seleção de alvos O tratamento oncológico não é único e tampouco aleatório. As células cancerosas apresentam vulnerabilidades exclusivas e específicas, que as tornam bastante sensíveis a determinadas substâncias químicas, que, por sua vez, podem não afetar as células normais. O segredo está justamente em revelar a biologia de cada célula cancerosa e, com isso, selecionar as armas certas para atingir o alvo com precisão. No livro vencedor do Pulitzer, o oncologista indiano ensina que para atacar uma célula cancerosa é preciso identificar primeiro seu comportamento biológico, sua constituição genética e suas vulnerabilidades únicas. “A busca da bala mágica precisa começar pela compreensão dos alvos mágicos do câncer”, afirma Mukherjee. A primeira bala mágica surgiu na segunda metade da década de 1970, com a descoberta do receptor de estrogênio, em 1960, e o surgimento do tamoxifeno, em 1970. Naquela época, ensaios clínicos mostraram que uma alta proporção de pacientes com receptores de estrogênio positivos respondia ao tratamento com tamoxifeno. “Os pesquisadores foram capazes de observar por meio de imuno-histoquímica que algumas pacientes respondiam ao bloqueio hormonal gerado pelo tamoxifeno, e outras não, abrindo caminho para a personalização da terapia do câncer de mama”, conta Isabela Werneck Cunha, patologista do Hospital A.C.Camargo. Quando negativo, o receptor de estrogênio (RH) é relacionado com baixa diferenciação tumoral, alta taxa de proliferação celular e outras características desfavoráveis ao prognóstico das pacientes com câncer de mama. Pacientes com receptor de es-

A regra agora é a seleção terapêutica, a partir de marcadores que sinalizam subgrupos moleculares sensíveis a novas terapias-alvo

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trogênio positivo tendem a ter uma sobrevida maior que aquelas com RH negativos, registra a literatura. Duas décadas depois, no início dos anos 1990, o novo grande passo da oncologia personalizada também nasceu relacionado com o câncer de mama, assim como está associado ao de estômago. O anticorpo monoclonal trastuzumabe mostrou-se uma droga eficaz para pacientes com superexpressão e/ou amplificação do fator de crescimento epidérmico humano (HER-2). “Pacientes com amplificação desse gene têm tumores com maior potencial para metástase, porém respondem ao tamoxifeno, colocando o HER-2 na condição de biomarcador preditivo e prognóstico”, acrescenta Isabela. O câncer de mama é o mais comum nas mulheres brasileiras, com 52 mil casos em 2012, se-

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Captura da proteína p53 em material citológico

Segunda opinião e acurácia diagnóstica

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OR MAIS QUE A CIÊNCIA CAMINHE A PASSOS LARGOS RUMO A UMA

ACURÁCIA DIAGNÓSTICA CADA VEZ MAIS PLENA E A PATOLOGIA

CONQUISTE

IMPORTÂNCIA

CRESCENTE

COMO

FERRAMENTA

prognóstica e preditiva, é válida a observação de que o patologista é um especialista que faz interpretações daquilo que ele vê e, dessa forma, é um ser falível. A patologia, em linhas gerais, é a especialidade médica que inclui a anatomia patológica, a patologia cirúrgica, a citopatologia, as técnicas de imunopatologia, de biologia molecular, entre outras, e vem experimentando mudanças importantes e extremamente velozes, no esteio dos avanços da genômica e da biologia molecular. Em meio a tamanho turbilhão de novidades, os erros em patologia não são incomuns e podem estar presentes em qualquer fase do ciclo de teste, desde a pré-analítica, passando pela analítica até a pós-analítica. A fase pré-analítica é o período entre a solicitação do clínico e a realização do exame, compreendendo requisição, coleta e preparação do material ou amostra até que seja recebido e acessado pelo patologista. A fase analítica inclui todos os processos desenvolvidos para analisar o espécime e gerar um laudo. Já a etapa pós-analítica é o processo de comunicação do resultado ao médico, com precisão, de tal modo que o tratamento seja planejado com exatidão. Métodos bem estabelecidos e, em muitos casos, automatizados, aliados à expertise do patologista em conferir uma interpretação precisa da amostra analisada, são fatores fundamentais para a

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acurácia diagnóstica e, consequentemente, para a diminuição dos falso-positivos ou falso-negativos (biópsias que apontam para tumores como sendo malignos mas não são, ou vice-versa) e da necessidade de revisão de lâminas ou rebiópsias. No Hospital A.C.Camargo, onde são feitos cerca de 5 mil exames anatomopatológicos por mês, sendo 2 mil biópsias e 3 mil peças cirúrgicas, um em cada seis pacientes que procuram a instituição para fazer o tratamento de câncer trazendo o resultado da biópsia debaixo do braço apresenta diagnóstico errado. Esse dado sugere que em aproximadamente 15% das análises há mudanças na abordagem terapêutica que geram a necessidade de um novo planejamento terapêutico, com aumento de custos e impacto direto na qualidade de vida do paciente. Outro grave problema está em expor um paciente a um tratamento oncológico para um caso que, na verdade, não se configurava como câncer. “Quando recebemos uma amostra vinda de fora e fazemos uma nova análise, costumamos encontrar tumores falso-positivos em 3% dos casos”, destaca o patologista Fernando Augusto Soares, diretor de anatomia patológica do Hospital A. C. Camargo. Segundo Soares, no primeiro instante os pacientes costumam celebrar o fato de não estarem com câncer, mas lamentam terem sido submetidos à cirurgia ou expostos a determinadas doses de quimioterapia e radioterapia e, tudo isso, sem nenhuma necessidade.


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gundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Dados da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) indicam que entre 20% e 25% das pacientes apresentam HER-2 positivo, sendo candidatas à terapia com trastuzumabe, recém-incorporada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O gene também aparece amplificado ou superexpresso em cerca de 4% dos tumores de estômago. Outro importante caminho seguido pela oncologia personalizada está relacionado à leucemia mieloide crônica (LMC), um tipo de câncer da medula óssea originado de uma translocação entre os cromossomos 9 e 22, conhecida como cromossomo Philadelphia. Nessa doença, há uma enzima anormal denominada tirosino-quinase. A chave para o sucesso do tratamento está nas drogas capazes de inibir essa enzima. É esse o mecanismo de ação do mesilato de imatinibe, o primeiro medicamento adotado para tratar a LMC. Estudos indicam que pacientes em tratamento com esse agente apresentam 80% de possibilidade de alcançar remissão completa, sendo seu uso indicado por pelo

Como corrigir o problema? Na visão dos especialistas, a falta de capacitação dos profissionais e a falta de familiaridade com o câncer podem levar aos falsos diagnósticos, o que reforça a importância da segunda opinião. A patologista Helenice Gobbi, da UFMG, é uma das incentivadoras do modelo. “A segunda opinião é um direito do paciente e em patologia é semelhante ao que ocorre na clínica. Alguns guias internacionais sugerem que a revisão do caso ou busca de segunda opinião é aconselhável em patologia quando há discrepância entre o diagnóstico clínico e de imagem e o resultado patológico. Falhas no diagnóstico costumam implicar em mutilações que seriam desnecessárias”, explica. A especialista também adverte sobre a importância da reanálise, principalmente nas lesões borderline ou limítrofes, que exigem treinamento específico na área e implicam tratamentos diferentes. Tais lesões ocorrem em diversos sítios anatômicos, como nevo melanocítico atípico, que pode ser confundido com melanoma; hiperplasia atípica de endométrio, que se assemelha ao adenocarcinoma de baixo grau; hiperplasia ductal atípica em comparação com carcinoma ductal in situ da mama; tumores borderline de ovário, entre outros. No contexto global, Helenice Gobbi analisa que a patologia brasileira está bem desenvolvida e conta com grandes quadros de profissionais muito bem treinados. “Temos muitos serviços de referência e especializados que podem fornecer diagnóstico confiável, assim como novos testes moleculares que nos colocam em nível semelhante ao praticado nos melhores centros de tratamento de câncer do mundo. Evidentemente, temos variações regionais, mas

menos cinco anos. No entanto, há evidências de que cerca de 10% dos pacientes perdem a resposta ao imatinibe e efetivamente progridem para a fase acelerada ou blástica da doença. São doentes que apresentam recidiva (retorno de PCR positivo para BCR-ABL) na fase crônica e requerem nova abordagem terapêutica. “Isso significa que o imatinibe não está funcionando para esse grupo e que esses pacientes poderiam se beneficiar de algum outro inibidor da tirosino-quinase, como as drogas da segunda geração, efetivas em lidar com a maioria das mutações que causam resistência ao imatinibe, entre elas a T3151”, esclarece o onco-hematologista Celso Massumotto, doutor pela Faculdade de Medicina da USP. Também no âmbito da oncologia personalizada estão os testes que buscam mutações específicas em genes capazes de indicar possibilidade evolutiva – risco de desenvolvimento de tumores – em membros da mesma família. É o caso dos supressores tumorais BRCA 1 e 2 e do p53. “A manifestação nesses casos geralmente é precoce e, dessa forma, pacientes se colocam no perfil de síndromes hereditárias de câncer e

no geral estamos muito bem posicionados”, diz. Mas, no campo da citopatologia, a realidade brasileira preocupa. A área estuda as doenças a partir da observação ao microscópio de células obtidas por esfregaços, aspirações, raspados, centrifugação de líquidos e outros métodos, entre eles as aspirações por agulha fina e o exame de Papanicolaou, fundamental para o diagnóstico de câncer no colo uterino. O Ministério da Saúde instituiu em julho um grupo de trabalho que nasce com a missão de formular e estruturar o Programa Nacional de Qualidade em Citopatologia. A iniciativa vem em resposta à ação do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), que vistoriou 1.472 laboratórios no segundo semestre do ano passado para mapear a situação e propor recomendações técnicas. Segundo a auditoria, 1.356 laboratórios (92%) atendem pacientes do SUS. Os serviços foram avaliados quanto ao monitoramento interno e externo da qualidade, equipamentos, instalação e laudos, recursos humanos, manual de procedimentos, entre outros quesitos. O levantamento do Denasus revelou que a maioria dos laboratórios é privada, variando de 63,7% no Norte até 91,7% no Sul, com média nacional de 76,3%. A auditoria realizada pelo Denasus também criticou a baixa produtividade das unidades e identificou que quase a metade dos estabelecimentos avaliados não foi capaz de comprovar o monitoramento interno de qualidade, indispensável às boas práticas e exigido por portaria federal publicada em 2001.

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lignos de pulmão e colorretais. Ele acrescenta que também é possível realizar o teste para a mutação V600E no oncogene BRAF, que ocorre em 4% dos tumores colorretais. “A presença dessa mutação é preditiva de resposta desfavorável às terapias anti-EGFR”, afirma o especialista. Segundo Anamaria Camargo, do Sírio-Libanês, o campo de pesquisa é muito amplo, pois a resposta depende do tipo tumoral e do sítio anatômico, abrindo muitas variáveis para novos achados. “Para câncer de mama, por exemplo, mutações nos genes HER-2 e p53 indicam prognóstico adverso, enquanto para alguns tumores de pulmão mutações no EGFR também indicam prognóstico ruim”, destaca a geneticista.

Uma ideia jogada no lixo

Presença de HPV–16 em citologia cervico-vaginal (ASCUS)

devem ser submetidos ao aconselhamento genético e a um programa de rastreamento rigoroso para a detecção precoce”, destaca a geneticista Anamaria Camargo, coordenadora do Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês. Outros genes de predisposição genética representativos são CDH11 (melanoma familial), MSH2 e MLH1 (síndrome de Lynch, relacionada com tumores colorretais), RB (retinoblastoma), RET (carcinoma medular de tireoide) e VHL (síndrome de Von Hippel-Lindau, relacionada com tumores hereditários de pâncreas, sistema nervoso central, hemangioblastoma e tumores de rim).

Antecipando respostas São muitos os testes que estão despontando como marcadores preditivos de resposta para drogas de última geração, identificando os pacientes que terão resposta positiva ao tratamento. Depois do FISH (fluorescent in situ hybridization), ganha destaque o teste de mutação do gene K-ras. Ao contrário do que ocorre no FISH (o HER-2 positivo aponta para o êxito do trastuzumabe), os pacientes com câncer colorretal que apresentam a mutação no gene K-ras não responderão ao tratamento com cetuximabe, pois o K-ras, em sua condição mutada, bloqueia a ação das drogas anti-EGFR. Outro teste avalia a amplificação do gene EGFR para definir pacientes com câncer de pulmão ou do sistema nervoso central que se beneficiarão da seleção do tratamento, com a inibição desse gene amplificado. “Se houver a alteração, os pacientes responderão muito bem à terapia com erlotinibe”, exemplifica Marisa D’ Innocenzo, Gerente de Unidade de Negócios da Roche Molecular Diagnostics. As mutações de K-ras são identificadas em 15% a 30% dos tumores ma-

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Em 2000, quando foram publicados os primeiros rascunhos do sequenciamento do genoma humano, chegou-se à observação de aproximadamente 21 mil genes. Nada de mais, quando se considera que o tomate, por exemplo, tem 35 mil genes. Para muitos, demonstra o quanto é possível se descobrir sobre a biologia humana; para outros, é a prova de que a maioria das letras que compõem o genoma humano não tem mesmo qualquer função. De carona nessa ideia, a genética abriu espaço para a expressão “DNA-lixo”, cunhada pela corrente que desdenhava dos componentes não codificantes. Agora, é o termo pejorativo que vai para a lata do lixo. A comunidade científica reagiu, com mais de 30 trabalhos publicados em setembro último, simultaneamente em quatro revistas científicas de peso, entre elas a Science e a Nature. Para satisfação das frentes em defesa do sequenciamento em larga escala, os resultados indicam que mais de 80% do genoma humano têm algum tipo de função bioquímica operacional. Os dados compõem o projeto Enciclopédia de Elementos de DNA (Encode, na abreviatura em inglês, que significa “codificar”). Os genes que antes estavam fadados ao fracasso por não codificarem proteínas têm funcionalidades das mais variadas e podem atuar diretamente no funcionamento dos genes, agindo como interruptores, ligando-os ou desligando-os. “Eles podem servir também como um botão de volume, aumentando ou diminuindo a intensidade com que alguns genes se expressam em determinadas células”, explica Mayana Zatz, geneticista e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP). Mayana acrescenta que há muita diversidade genética a ser identificada para explicar a complexidade do ser humano. “Ele continuará a ser estudado por muito tempo. O projeto Encode abre novas perspectivas de tratamento, apontando para novos alvos genéticos fora das regiões codificadoras e melhorando o entendimento de como o genoma funciona de uma forma geral, propiciando novas fronteiras para a medicina personalizada”, finaliza.


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hematologia

As leucemias no Brasil

C

OMO SE SABE, O TERMO LEUCEMIA REFERE-SE A UM

GRUPO DE DOENÇAS COMPLEXAS E DIFERENTES ENTRE SI QUE AFETAM A PRODUÇÃO DOS GLÓBULOS

Arquivo pessoal

brancos. Os principais tipos são a leucemia mieloide crônica, a leucemia linfoide crônica, a leucemia mieloide aguda e a leucemia linfoide aguda. Foram estimados cerca de 351 mil casos novos e 257 mil óbitos por leucemia no mundo para o ano de 2008. Segundo a publicação Estimativas do Câncer 2012, do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), são esperados no Brasil 8.510 novos casos de leucemia, sendo 4.570 casos novos em homens e 3.940 em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 5 casos novos a cada 100 mil homens e 4 a cada 100 mil mulheres. Sem considerar os tumores da pele não melanoma, a leucemia em homens é a quinta neoplasia mais frequente no Norte (3/100 mil) do Brasil. No Nordeste (4/100 mil), ocupa a oitava posição, no Centro-Oeste (5/100 mil), a décima, e nas regiões Sul (6/100 mil) e Sudeste (5/100 mil), a 11a. Para as mulheres, é a sétima mais frequente no Norte (3/100 mil) e a décima nas regiões Centro-Oeste (4/100 mil) e Nordeste (3/100 mil), enquanto no Sudeste (4/100 mil) e no Sul (5/100 mil), é a 12a e a 13a mais incidente, respectivamente.

Nelson Hamerschlak * Especialista em hematologiahemoterapia com atuação em transplantes de medula óssea. Doutor pela Universidade de São Paulo. Coordenador médico do Instituto Einstein de Oncologia e Hematologia. Presidente da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (gestão 1990). Contato: hamer@einstein.br

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Leucemia mieloide crônica (LMC) A leucemia mieloide crônica (LMC) é caracterizada por uma anormalidade genética adquirida, que foi chamada de cromossomo Philadelphia (por ter sido descoberta na Universidade da Pensilvânia, em 1960); foi a primeira doença neoplásica em que se caracterizou uma alteração cromossômica. Até o ano 2000, sua principal forma de tratamento era o transplante de medula óssea, e dados de instituições brasileiras mostram que a sobrevida global em cinco anos era de 59% dos pacientes. A partir do ano 2000, o mesilato de imatinibe se tornou disponível no Brasil, inicialmente para pacientes refratários ou intolerantes ao interferon e mais tarde

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como medicamento de primeira linha. Vários centros de tratamento no Brasil participaram de estudo com acesso expandido ao imatinibe mesmo antes de sua utilização comercial no Brasil. Hoje, a droga é utilizada em primeira linha e disponível a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). O estudo IRIS demonstrou que, após mais de dez anos, os resultados são surpreendentes, o que levou especialistas como o dr. Kantarjian, do MD Anderson, a usar a expressão “cura funcional”. Dados do Brasil mostram mais de 90% de sobrevida global. São disponíveis também as medicações dasatinibe (Sprycell) e nilotinibe (Tasigna) para segunda linha. Publicação da Latin America Leukemia Net (LALNET), com ampla participação de centros brasileiros de tratamento, mostrou que mais de 90% dos médicos tiveram acesso ao imatinibe como primeira linha e que 42% tiveram acesso às drogas de segunda linha, em 2010. Essas medicações necessitam de educação adequada dos pacientes para que mantenham a aderência ao tratamento e realizem exames hematológicos, citogenéticos e moleculares periódicos, de acordo com cronograma estabelecido. Dados da Associação Brasileira de Linfomas e Leucemias (ABRALE), enviados para publicação, mostram que a introdução dos inibidores de tirosino-quinase melhorou a qualidade de vida dos pacientes brasileiros, que ainda necessitam ser mais bem informados e, de uma forma geral, mais bem controlados com exames laboratoriais, principalmente citogenéticos e moleculares. Laboratórios de referência são disponíveis aos pacientes e aos médicos.

Leucemia linfoide crônica (LLC) Na leucemia linfoide crônica (LLC), as alterações em nível de DNA também produzem crescimento descontrolado das células linfocitárias na medula óssea, levando a um número aumentado de linfócitos no sangue. Esse aumento de células na medula óssea não impede a produção de células normais, como ocorre na leucemia linfoide aguda,


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explicando o curso insidioso da doença e a sua descoberta, geralmente, em pacientes submetidos a exames médicos e laboratoriais rotineiros. Essa é uma doença de predominância acima dos 50 anos, aumentando sua incidência com o passar dos anos. Observa-se maior prevalência familiar. Sabe-se que o risco de aparecimento da doença é três vezes mais frequente entre parentes de primeiro grau do que entre pessoas não relacionadas entre si. O tratamento atual da LLC depende do estado físico (status performance) do paciente. De modo geral, aos pacientes com condições físicas adequadas, a primeira linha de tratamento recomendada é o FCR (fludarabina, ciclofosfamida e rituximabe), enquanto para aqueles com comprometimento do estado clínico ou idade avançada, o clorambucil, uma droga com mais de 50 anos, com ou sem rituximabe, tem sido utilizada. Infelizmente, os pagamentos no sistema público de saúde não contabilizam o rituximabe no tratamento desses pacientes. Através de estudos clínicos disponíveis no Brasil, encontramos pacientes em tratamento com lenalidomida, ofatumumabe e várias composições com rituximabe, permitindo que uma parcela significativa se beneficie de tratamentos modernos. O campath também está aprovado para segunda linha em nosso país. Na LLC, os estádios de Rai e Binet são ainda usados como prognósticos, e o grupo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) já em 2000 comparou resultados de uma série de pacientes a partir desses dois sistemas, concluindo que o índice de Binet foi superior no grupo de pacientes brasileiros. No entanto, hoje temos carência em serviços privados e públicos na realização de testes prognósticos, como o ZAP 70, estado mutante de cadeia de imunoglobulina, e testes de FISH específicos para alterações cromossômicas. Destes, destacamos o FISH para alterações do cromossomo 17, que tem implicações não somente prognósticas, mas também terapêuticas. A agência nacional da saúde ainda não incluiu esses testes no seu rol de procedimentos. Uma excelente iniciativa de se criar um registro desse tipo de leucemia no Brasil não contou com adesão dos diversos serviços, por uma série de dificuldades.

Leucemia mieloide aguda (LMA) A leucemia mieloide aguda (LMA) caracterizase pelo crescimento descontrolado e exagerado das células indiferenciadas chamadas “blastos”. Além

disso, existe um bloqueio na fabricação das células normais, havendo uma deficiência de glóbulos vermelhos (anemia), plaquetas (plaquetopenia) e glóbulos brancos (neutropenia). Ocorre na infância, adolescência, entre adultos e idosos. O diagnóstico da LMA é feito através da análise do aspecto das células em microscópio e da identificação dos chamados “blastos”. O material obtido no sangue e/ou medula óssea deve também ser submetido à técnica de imunofenotipagem e à análise do número e do aspecto dos cromossomos (citogenética). A análise cromossômica e testes moleculares são particularmente úteis na indicação do tipo de tratamento e na análise do prognóstico de cada caso. No Brasil, assim como na maioria dos países do mundo, as drogas utilizadas na fase de indução são a citarabina ou aracytin por sete dias e a idarrubicina ou daunorrubicina por três dias (esquema chamado 3 + 7). Geralmente, dois cursos de tratamento nessa fase são utilizados. O tratamento pósremissão depende da idade do paciente, das condições clínicas e, principalmente, dos resultados da citogenética e de fatores moleculares (FLT3, NPM1, CEBPA, c-kit), podendo variar desde a intensificação da quimioterapia com altas doses de Aracytin em um ou mais ciclos até o uso das diversas modalidades de transplantes de medula óssea (autólogo ou alogênico). O Consenso Brasileiro de Transplantes de Medula Óssea, publicado em 2009, revisto e em fase de publicação em 2012, estabelece: 1. O autotransplante é procedimento aceito no tratamento de consolidação das LMA após dois ciclos de indução e pelo menos um de consolidação em pacientes sem doadores e com prognóstico bom ou intermediário; 2. Em casos de mau prognóstico (citogenética desfavorável), o transplante alogênico é superior e deve ser indicado sempre que possível. Parece também superior em casos de prognóstico intermediário. É aceito em casos de leucemia refratária; 3. O autotransplante é procedimento aceito no tratamento de consolidação das LMA após dois ciclos de indução e pelo menos um de consolidação. A experiência brasileira sugere que o autotransplante é superior à consolidação apenas com quimioterapia; 4. Na LMA M3, o autotransplante é aceito em segunda remissão completa molecular; 5. Não há benefício de quimioterapia adicional pós-remissão completa antes do transplante alogênico, que deve ser realizado logo que possível.

“A introdução dos inibidores de tirosino-quinase melhorou a qualidade de vida dos pacientes brasileiros, que podem ser mais bem controlados, principalmente com exames citogenéticos e moleculares”

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Tabela 1. Transplantes de células-tronco hematopoiéticas em pacientes acima de 55 anos de idade

Sobrevida

geral

Sobrevida livre de

leucemia

Remissão completa 1 Remissão completa 2 Doença ativa Remissão completa 1 Remissão completa 2 Doença ativa Doença do enxerto vs. hospedeiro aguda Doença do enxerto vs. hospedeiro crônica

Portanto, alo-TCTH logo após a RC; auto-TMO após pelo menos uma consolidação; 6. Em pacientes com doença avançada, o sangue periférico parece ser melhor. No sentido de ampliar as indicações dos transplantes para pacientes mais idosos, o consenso 2012 analisou duas séries de pacientes: uma do CIBMTR, levantamento retrospectivo multicêntrico da modalidade não mieloablativa, e outra que envolveu pacientes do MD Anderson Cancer Center e do Hospital Israelita Albert Einstein, com transplantes mieloablativos de toxicidade reduzida. Os resultados podem ser analisados na Tabela 1. Ambos os estudos recomendaram a indicação da SBHH de transplantes em pacientes com bom estado clínico com mais de 60 anos de idade. No sentido de tornar possível a utilização da citogenética e testes moleculares para a maioria dos centros brasileiros de tratamento, cabe destacar duas iniciativas, uma do Hemocentro da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, com auxílio da American Society of Hematology e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e outra do Hospital Israelita Albert Einstein, com recursos do PROADI (Ministério da Saúde). De particular interesse é a leucemia pró-mielocítica (LPA), que é tratada segundo protocolo brasileiro estimulado pela American Society of Hematology. A taxa de remissão completa foi de 83%, enquanto a sobrevida geral e a sobrevida livre de doença foram, respectivamente, de 80% e 90%. A mortalidade precoce, ao contrário do observado em dados anteriores, foi baixa, 7,5%.

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Mieloablativo de toxicidade reduzida (Alatrash et al.) n = 79 71% 44% 32% 68% 42% 30%

Não mieloablativo (Farag et al.)

37%

39%

34%

39%

n = 94 37%

32%

Leucemia linfocítica aguda (LLA) A leucemia linfocítica aguda (LLA) resulta na produção descontrolada de blastos de características linfoides e no bloqueio da produção normal de glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas. Na verdade, o tratamento completo da LLA deve considerar a idade do paciente, a imunofenotipagem, a citogenética, a contagem inicial de glóbulos, as condições clínicas e o envolvimento ou não do sistema nervoso, testículos e gânglios, e é realizado com quimioterapia. Os pacientes necessitam ser tratados assim que o diagnóstico é confirmado, e o objetivo inicial, também aqui, é a remissão com restauração da produção normal de glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas. No Brasil, o tratamento da leucemia linfoide aguda também se dá com a combinação de várias drogas. É importante a escolha adequada do melhor esquema de tratamento e sua sequência para garantir as melhores chances de cura aos pacientes. Hoje, mais de 70% das crianças com esse tipo de doença são curadas, assim como cerca de 50% dos adultos jovens. No entanto, para melhores resultados, deve-se escolher adequadamente o esquema quimioterápico com base na idade, quadro clínico, resultados laboratoriais e resposta ao tratamento inicial. A presença de fatores prognósticos desfavoráveis ou recidiva da doença deve dirigir a abordagem do paciente para tratamentos mais agressivos, considerando-se aqui o transplante de medula óssea nas suas diversas modalidades. Uma das causas de prognóstico desfavorável e que ocorre em 5% das LLA da infância e 25% das LLA do adulto é a presença do cromossomo Philadelphia. Nesses casos, o uso de inibidores da tirosinoquinase, junto com a quimioterapia e transplantes, pode ser útil, uma vez que seu uso isolado mostrou resultados pobres. A fase inicial de


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tratamento é chamada de indução e deve incluir o tratamento ou prevenção da doença no sistema nervoso central, que inclui a quimioterapia no líquido da espinha (intratecal). Uma vez obtida a remissão, os pacientes são submetidos a ciclos de quimioterapia pós-remissão e, posteriormente, passam a usar medicamentos quimioterápicos por aproximadamente dois anos, geralmente via oral, como manutenção. No Brasil, para pacientes adultos, os principais protocolos utilizados são BFM, CALGB e Hyper C VAD. Estudo de Maria Aparecida Zanichelli mostrou que ainda faltam dados de citogenética entre pacientes brasileiros. Isso é particularmente grave, pois impede a associação de inibidores de tirosino-quinase na presença da t 9:22. Os linfomas correspondem ao terceiro tipo de câncer mais comum em países desenvolvidos. Já nos países em desenvolvimento, correspondem ao segundo lugar, ficando atrás apenas das leucemias. Desde 1980, o grupo brasileiro de tratamento da leucemia na infância dedica-se a realizar e controlar protocolos para tratamento de crianças com LLA. Os resultados brasileiros são excelentes nas diversas versões desse protocolo, utilizado pela maioria dos centros de tratamento nacionais. Já nos protocolos iniciais, a sobrevida livre de eventos era de 70%, com resultados acima de 50% para casos de alto risco. Os resultados atuais são ainda melhores. Segundo o consenso brasileiro de transplantes, em LLA, o transplante alogênico está indicado em pacientes de prognóstico desfavorável, não somente nos pacientes Philadelphia-positivos, mas também em outros grupos de doentes, como aqueles com resposta inadequada ao tratamento de indução, com presença de alterações cromossômicas 11q23 e os portadores de doença residual mínima. O transplante autólogo não representa indicação nessa doença.

Transplante de medula óssea O Brasil realiza transplantes de medula óssea desde 1979. O centro de tratamento pioneiro foi o de Curitiba, localizado no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, e o primeiro transplante

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foi liderado pelos professores Ricardo Pasquini e Eurípides Ferreira. Hoje, são 70 centros para transplantes de medula óssea e diversas unidades para transplantes com doadores não aparentados: Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco, Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ), Instituto Nacional de Câncer (INCA), Hospital das Clínicas Porto Alegre, Casa de Saúde Santa Marcelina, Centro Infantil Boldrini, Grupo e Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (GRAAC), Hospital São Paulo, da Unifesp, Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), Hospital A.C.Camargo, Fundação E. J. Zerbini, Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Hospital Amaral Carvalho, Hospital Israelita Albert Einstein e Hospital Sírio-Libanês. Contamos com uma sociedade de especialistas com ampla produção. Fundada em 1996, realiza um congresso por ano e já promoveu dois consensos da especialidade. Mais de mil transplantes são realizados por ano no Brasil, principalmente para leucemias agudas, e notase um crescimento enorme nos transplantes não aparentados. Para dar suporte a eles, o número de doadores voluntários tem aumentado expressivamente nos últimos anos. Em 2000, existiam apenas 12 mil inscritos. Naquele ano, dos transplantes de medula realizados, apenas 10% dos doadores eram brasileiros localizados no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome). Agora há 2 milhões de doadores inscritos e o percentual subiu para 70%. O Brasil tornou-se o terceiro maior banco de dados do gênero no mundo, ficando atrás apenas dos registros dos Estados Unidos (com 5 milhões de doadores) e da Alemanha (3 milhões de doadores). A evolução deveu-se aos investimentos e às campanhas de sensibilização da população, promovidas pelo Ministério da Saúde e órgãos vinculados, como o INCA, que resultaram em um crescimento incrível das atividades dos registros de doadores (Redome) e do Nacional de Receptores de Medula Óssea (Rereme). vamos? (editorial) [Bone marrow transplantation for acute leukemias in Brazil: where are we going?: (editorial)]. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010;32(2):97. 7. Rego EM, Kim HT, Ruiz-Argüelles GJ, Uriarte Mdel R, Jacomo RH, Gutiérrez-Aguirre H, et al. The impact of medical education and networking on the outcome of leukemia treatment in developing countries. The experience of International Consortium on Acute Promyelocytic Leukemia (IC-APL). Hematology. 2012;17 Suppl 1:S36-8. 8. Santos FP, O'Brien S. Small lymphocytic lymphoma and chronic lymphocytic leukemia: are they the same disease? Cancer J. 2012;18(5):396-403. 9. Silla LMR, Dulley F, Saboya R, Paton E, Kerbauy F, Arantes AM, et al. Transplante de células-tronco hematopoéticas e leucemia mieloide aguda: diretrizes brasileiras [Hematopoietic stem cells transplantation and acute myeloid leukemia: Brazilian guidelines]. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010;32 (supl. 1):61-5. 10. Zanichelli MA, Colturato VR, Sobrinho J. Indicações em transplantes de células-tronco hematopoéticas em pacientes adultos com leucemia linfoide aguda [Indications for hematopoietic stem cell transplantation in adults in acute lymphoblastic leukemia]. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010;32(supl. 1):54-60

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oncogenética

A oncogenética e o desafio da identificação das famílias de alto risco

N

AS DUAS ÚLTIMAS DÉCADAS, AVANÇOS NA

GENÉTICA DO CÂNCER PERMITIRAM A IDENTI-

Arquivo pessoal

FICAÇÃO E A CARACTERIZAÇÃO DAS SÍNDROMES

Maria Isabel Waddington Achatz * Diretora do Departamento de Oncogenética do Hospital A.C.Camargo; médica geneticista – mestre e doutora em oncologia pela FMUSP

Contato: miachatz@cipe.accamargo.org.br

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de predisposição hereditária ao câncer (SPHC). Atualmente sabe-se que essas síndromes estão diretamente relacionadas à ocorrência de 5% a 10% de todos os cânceres humanos. Nos Estados Unidos, estima-se que, a cada ano, 50 mil tumores estejam relacionados a uma mutação patogênica herdada (Instituto Nacional do Câncer – NCI/NIH). No Brasil, não existem estatísticas oficiais, mas, diante da estimativa de 385 mil casos novos de câncer no ano de 2012 no país (Instituto Nacional de Câncer – INCA), acredita-se que até 38,5 mil casos novos de tumores possam ser hereditários. A identificação de indivíduos que herdaram uma mutação genética que confere suscetibilidade a cânceres específicos pode permitir que os esforços direcionados ao monitoramento, ao diagnóstico precoce e à prevenção do câncer sejam realizados.

Identificação do paciente em risco O primeiro desafio do médico é a identificação do paciente portador de uma síndrome de alto risco para o desenvolvimento do câncer. Antes consideradas como raras ou como diagnósticos de exclusão, as SPHC hoje fazem parte do dia a dia da oncologia clínica. Mais de 70 síndromes de predisposição hereditária ao câncer foram identificadas até o momento, e as mais frequentes estão detalhadas na Tabela 1. Em certos casos, as evidências

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clínicas são claras. No entanto, a maior parte dos pacientes não tem características tão evidentes ou informações suficientes sobre o histórico de seus familiares. Nesses casos, o diagnóstico da SPHC pode passar despercebido. Algumas características comuns são indicativas da ocorrência de hereditariedade: (1) tumores em idades atípicas; (2) vários casos de câncer em familiares de 1o e 2o grau; (3) multifocalidade, bilateralidade ou múltiplos tumores primários no mesmo indivíduo.

Aconselhamento genético oncológico O aconselhamento genético oncológico deve ser iniciado pela verificação dos critérios clínicos e comprovação diagnóstica dos tumores referidos, etapas essenciais para a elaboração do diagnóstico clínico de uma síndrome de alto risco para o desenvolvimento do câncer. O aconselhamento genético é entendido como um processo que ajuda os pacientes a entender e a se adaptar às implicações médicas, psicossociais e familiares de uma doença hereditária. As informações devem ser confirmadas e os pacientes são estimulados a buscar documentos que comprovem os tumores ocorridos nos familiares, como laudos anatomopatológicos, atestados médicos e atestados de óbito. A história familial de câncer deve ser atualizada anualmente e o aconselhamento genético é um processo contínuo. Por esse motivo, os pacientes devem realizar retornos anuais para atualização de dados, adequação do rastreamento e da percepção do risco.


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Uma função importante do aconselhamento genético oncológico é a aplicação de modelos de predição e estimativa de riscos. Modelos matemáticos específicos vão avaliar: (1) a probabilidade de um indivíduo apresentar uma mutação patogênica em genes de suscetibilidade ao câncer ou (2) o risco de um indivíduo desenvolver câncer ao longo da vida. Vários modelos de estimativas de risco estão disponíveis, porém é necessário aplicá-los com cautela. Nenhum modelo é perfeito e cada um tem suas próprias forças e limitações. Além disso, é necessário prudência na interpretação de tais resultados fornecidos e no modo como as informações serão transmitidas ao paciente.

Teste genético O teste genético deve ser oferecido como confirmação do diagnóstico clínico. No aconselhamento genético pré-teste, o paciente vai ser informado sobre a história natural da doença, a disponibilidade de testes moleculares que possam auxiliar no diagnóstico, com ênfase nas limitações, nas implicações, nos riscos e nos benefícios. Essas informações devem ser transmitidas de modo compreensível, sempre com a preocupação de verificar qual a percepção do paciente sobre os riscos informados, pois, muitas vezes, o risco percebido é diferente daquele informado. É fundamental que o atendimento tenha uma abordagem multidisciplinar para o paciente e sua família, contando com o envolvimento do oncologista, do cirurgião, do geneticista e, muitas vezes, de enfermeiros e psicólogos. O resultado do teste genético deve ser sempre entregue acompanhado do aconselhamento pós-teste. A ansiedade e o medo associados a testes como esses são muito grandes, e esse será um momento determinante na compreensão dos próximos passos necessários. Na consulta de aconselhamento genético pósteste, o resultado do teste genético deve ser entregue pelo médico pessoalmente ao paciente, assim como seu significado, e todas as suas implicações

devem ser discutidas minuciosamente. Uma vez identificada a mutação patogênica no teste genético, estratégias de prevenção e de rastreamento são propostas, esclarecendo que o paciente deverá ser acompanhado com uma abordagem integrada. Outro fator fundamental a ser ressaltado ao paciente é a possibilidade da identificação de familiares que possam ter alto risco para o desenvolvimento de câncer. Nesses casos, o teste preditivo permitirá que a mesma mutação encontrada no indivíduo seja testada em familiares potencialmente em risco. Caso a mutação não seja detectada pelos métodos utilizados, o resultado não irá afastar todas as causas de hereditariedade. O paciente deve estar ciente de que outros fatores não identificados por técnicas como metilação, deleção ou mutações em outros genes da via podem ocasionar a síndrome e que, mesmo sem o diagnóstico molecular, a família deve continuar o rastreamento clínico. Nos laudos dos testes genéticos, as variantes de significância incerta (variant of unknown significance – VUS) constituem um grande desafio no aconselhamento genético. Esse resultado indicará que a alteração encontrada ainda não teve sua patogenicidade confirmada e o resultado é considerado como indeterminado. Nesses casos os pacientes devem ser acompanhados, pois há possibilidade de reclassificação do resultado. As VUS podem ser reclassificadas como patogênicas e o paciente e seus familiares deverão ser aconselhados adequadamente. É importante ressaltar que os testes genéticos são indicados para adultos. A sua indicação para crianças e adolescentes ocorrerá somente se houver benefícios concretos que possam advir do resultado. Testes genéticos para identificação de mutações patogênicas para as principais SPHC são feitos em poucos centros de excelência no país, pelo método de sequenciamento direto do DNA. No entanto, o acesso ainda é restrito devido ao alto custo e à dificuldade de cobertura pelos planos de saúde e pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

“Mais de 70 síndromes de predisposição hereditária ao câncer foram identificadas até o momento”

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Mutações fundadoras e a alta ocorrência da síndrome de Li-Fraumeni no Brasil A alta ocorrência das SPHC já foi descrita em algumas populações específicas devido à presença de mutações fundadoras. Um exemplo característico é o da maior prevalência de três mutações fundadoras nos genes BRCA1 e BRCA2 na população judia Ashkenazi, relacionadas à síndrome do câncer de mama e ovário hereditário, que acomete até 2,5% dos indivíduos dessa população. Mutações fundadoras

nos genes de reparo MLH1, MSH2 e MSH6, relacionadas à síndrome do câncer colorretal hereditário não polipose (HNPCC), foram relatadas em diferentes populações, como a dinamarquesa, a espanhola e a norte-americana. Na população Mahori a ocorrência de uma mutação fundadora no gene XPC, responsável pela síndrome do xeroderma pigmentoso, foi observada e estima-se que essa mutação esteja presente em 1 de cada 5 mil habitantes das Ilhas Comores, contrastando com a ocorrência mundial (incluindo dados dos Estados Unidos

Tabela 1. Principais síndromes de predisposição hereditária ao câncer Síndrome Retinoblastoma hereditário

Neoplasias associadas Retinoblastoma, osteossarcoma

Gene

Posição

Incidência estimada

RB

13q14

1/13.500

Síndromes hereditárias de predisposição ao câncer de mama Câncer de mama e ovário hereditários

Câncer de mama, câncer de ovário, câncer de próstata, câncer de pâncreas

BRCA1 BRCA2

7q21 13q12-13

<1/400

Li-Fraumeni

Sarcoma de partes moles, sarcoma ósseo, mama, sistema nervoso central, adrenocortical

TP53

17q13

<1/5.000-10.000

Cowden

Câncer de mama, tireoide, endométrio, renal

PTEN

10q23.3.

<1/200.000

Síndromes hereditárias de predisposição aos tumores gastrointestinais Câncer colorretal hereditário não polipose (HNPCC) ou Lynch

Câncer colorretal, câncer de endométrio, câncer de ovário, câncer de pelve renal e ureter, câncer gástrico e de intestino delgado

MLH1, MSH2, MSH6, PMS2

3p21.3, 2p22-p21, 2p16, 7p22

<1/300-3.000

Polipose adenomatosa familial (FAP)

Câncer colorretal, câncer gástrico, tumores desmoides

APC

5q21-q22

<1/10 000-30.000

Peutz - Jeghers

Câncer colorretal, câncer de intestino delgado, câncer de mama e câncer de ovário

STK11

19p13.3

<1/280.000

Câncer gástrico familial

Estômago, mama

CDH1

16q22.1

1/10.000

Síndromes hereditárias de predisposição aos tumores endócrinos Neoplasia endócrina múltipla Tipo 1

Tumores de ilhotas pancreáticas, adenomas de hipófise e paratireoide

MEN1

11q13

1/30.000

Neoplasia endócrina múltipla Tipo 2

Carcinoma medular de tireoide, feocromocitoma, hiperplasia de tireoide

RET

10q11.2

1/30.000

Genodermatoses com predisposição ao câncer Melanoma familiar

Melanoma, pâncreas

CDKN2A

9p21

0,2% dos melanomas

Gorlin

Carcinoma basocelular e tumores queratocísticos de mandíbula

PTCH

9q22.3-q31

1/57.000

Neurofibromatose 1

Neurofibromas, neurofibrossarcomas, gliomas ópticos, feocromocitomas

NF1

17q11.2

1/4.000

Cowden

Vide acima

Xeroderma pigmentoso

Carcinomas basocelular e espinocelular, melanoma

XPA ERCC3 XPC ERCC2 9q22.3 DDB2 (p48) 2q21 DDB1 (p127) 3p25 ERCC4 ERCC5 POLH

1/1.000.000

VHL

1/40.000

Síndromes hereditárias de predisposição aos tumores geniturinários Doença de Von Hippel-Lindau

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Hemangioblastomas de retina e sistema nervoso central, renal, feocromocitoma

3p25-26


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e da Europa), que é de 1 para cada milhão. No Brasil, foi verificada a alta ocorrência da síndrome de Li-Fraumeni (LFS). A prevalência de uma mutação fundadora no gene TP53 (p.R337H) foi detectada em 0,3% da população das regiões Sul e Sudeste do país. Esses pacientes apresentam alto risco ao longo da vida para o desenvolvimento de câncer. O amplo espectro tumoral inclui o câncer de mama nas mulheres pré-menopausadas, tumores do sistema nervoso central, sarcomas de partes moles e ósseos em adolescentes e adultos jovens e tumores adrenocorticais na infância. Estudos populacionais conduzidos em mais de 150 mil nativivos confirmam a ocorrência do mutante p.R337H em 1/300 crianças avaliadas no estado do Paraná. Outro agravante é que a área de distribuição do p.R337H é a de maior densidade populacional do Brasil, com mais de 108 milhões de pessoas. Significa que esse alelo está possivelmente presente em cerca de 300 mil indivíduos, o que o torna um dos alelos mais frequentes de predisposição de câncer conhecidos. Assim, a ocorrência dessa mutação deve ser considerada como uma situação primordial de saúde no país e é fundamental que se possa conhecer e determinar as características desse mutante para o desenvolvimento de estratégias efetivas de rastreamento às famílias portadoras.

Rastreamento Nas últimas duas décadas, em 1996 e 2003, a Sociedade Americana de Oncologia Clínica iniciou um programa de educação aos médicos quanto às SPHC e publicou guidelines para o acompanhamento de indivíduos portadores. Anualmente o National Comprehensive Cancer Network (NCCN) propõe atualizações nos critérios diagnósticos das

principais síndromes e exames de rastreamento a serem realizados por pacientes portadores de mutações germinativas nos genes de predisposição. Algumas medidas já foram confirmadas como eficazes na redução de risco. No entanto, algumas estratégias propostas não têm sua eficácia comprovada. Tumores ocorridos em portadores de mutações germinativas podem ter evolução rápida e silenciosa, desenvolvendo-se no período de intervalo entre os exames de rastreamento propostos. Pesquisas adicionais são necessárias para definir as estratégias mais abrangentes de redução de risco de câncer em diferentes populações de pacientes. O rastreamento em indivíduos que já tiveram câncer deverá ser feito pelo oncologista. É importante ressaltar que para indivíduos portadores assintomáticos de mutações o rastreamento deverá ser multidisciplinar, com foco nos tumores ocorridos na família e de acordo com os critérios propostos pelo NCCN. Caso haja necessidade de cirurgias redutoras de risco, elas devem ser oferecidas e seus benefícios esclarecidos. Potenciais riscos e complicações inerentes a qualquer cirurgia devem ser amplamente discutidos com o paciente.

Conclusão

“No Brasil, foi verificada alta ocorrência da síndrome de Li-Fraumeni e estima-se a mutação em mais de 300 mil indivíduos no Sul e no Sudeste, chegando a 1/300 nativivos no estado do Paraná”

Os desafios apresentados na identificação de indivíduos de alto risco para o desenvolvimento de câncer são múltiplos. A identificação dos pacientes e seu acompanhamento por profissionais especializados permitirão a adoção de estratégias visando o diagnóstico precoce e, em alguns casos, a prevenção do câncer. A inclusão dos testes genéticos no rol de exames cobertos pelos planos de saúde e no SUS é uma medida fundamental por ser benéfica ao paciente e seus familiares.

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cardioproteção

Cardioproteção no tratamento oncológico

Arquivo pessoal

A

Marcelo Goulart Paiva * Doutor em cardiologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp); cardiologista do Centro de Combate ao Câncer e do Hospital 9 de Julho; coordenador do serviço de ecocardiografia do ICESP Contato: mgpaiva@cardiol.br

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GENTES CITOTÓXICOS COMO AS ANTRACICLINAS SÃO QUIMIOTERÁPICOS FREQUENTEMENTE UTILIZADOS NO TRATAMENTO DE NEOPLASIAS EM

crianças e adultos. Desde a sua introdução nos protocolos, observamos melhoras nas taxas de sucesso terapêutico, atingindo 75% a 80% de cura. Estimase que dois terços dos pacientes tratados com antracíclicos venham a apresentar eventos adversos tardios, sendo a cardiotoxicidade o mais temido nesses casos, podendo surgir anos depois do término da quimioterapia1. Reduzir a morbidade e a mortalidade associada à cardiotoxicidade sem, no entanto, perder o potencial terapêutico das antraciclinas faz com que se busquem formas de prevenir o surgimento dessa temida complicação. O reconhecimento dos fatores de risco para cardiotoxicidade (sexo feminino, extremo das idades, presença de outras cardiopatias, dose acumulada utilizada e associação com outras drogas cardiotóxicas) e a monitorização cardiológica durante e após o término da quimioterapia são os primeiros passos. Na prática, as variações na suscetibilidade individual e a ausência de um esquema de monitorização sensível para identificar o comprometimento subclínico nos levam ainda a depender de outras formas de cardioproteção1-3. Três formas de prevenir a injúria miocárdica foram testadas4-7: 1- Redução da concentração celular das antraciclinas ou de seus metabólitos, quer por limitação da dose acumulada, quer através do aumento do tempo de infusão; 2- Utilização de drogas ou formulações menos cardiotóxicas, modificadas estruturalmente (epirrubicina, idarrubicina, antraciclina lipossomal); 3- Administração de drogas consideradas cardioprotetoras. Vários critérios são considerados para o diagnóstico dos efeitos cardíacos do tratamento oncológico com antracíclicos e não é possível indicar a partir de qual dose o risco de cardiotoxicidade aumenta. Na década de 1970, a utilização de doses superiores a 400 mg/m2 foi relacionada à elevada

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incidência de insuficiência cardíaca. Posteriormente, já na década de 1990, os resultados do Dana-Farber Cancer Institute demonstraram uma redução da incidência de disfunção ventricular esquerda em pacientes tratados com doses inferiores a 300 mg/m2. Entretanto, as recentes descrições de elevação de troponina após o primeiro ciclo com doxorrubicina, comprometimento da função sistólica identificada por métodos mais sensíveis que o cálculo da fração de ejeção e sinais de cardiotoxicidade subclínica ao estudo pela ressonância nuclear magnética e ecocardiografia com speckle tracking derrubaram o conceito de dose segura de antraciclina. Ao compararmos a infusão em bolus de doxorrubicina versus a infusão contínua em 48 horas teremos, por um lado, a redução no pico sérico da antraciclina, porém, por outro, uma exposição mais prolongada dos cardiomiócitos ao quimioterápico8. Entre os análogos à doxorrubicina, tais como epirrubicina e idarrubicina, a apresentação de doxorrubicina lipossomal é a que oferece resultados mais favoráveis. Apesar do número limitado de estudos, pesquisas in vitro e in vivo já comprovaram um perfil de segurança maior dessas drogas em relação à doxorrubicina. É importante lembrar que as doses terapêuticas são diferentes, logo por exemplo com a epirrubicina, apesar do risco de cardiotoxicidade ocorrer em doses mais elevadas, também necessitamos empregar doses maiores no tratamento oncológico9. Outras formas de cardioproteção demonstradas em estudos na população adulta, tais como o uso profilático do carvedilol, que levou a uma menor disfunção ventricular esquerda assintomática, e o enalapril, que, além de prevenir a queda da fração de ejeção em um ano, no acompanhamento a longo prazo resultou em menor número de eventos cardiovasculares graves5. Da mesma forma, citações quanto ao emprego de agentes considerados cardioprotetores (N-acetilcisteína, fenetilaminas, coenzima Q10, vitamina E e C, L-carnitina e amifostina) também não apresentaram evidências suficientes em ambas as populações.


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Das diversas drogas testadas para cardioproteção quando associadas ao tratamento com antracíclicos, apenas o dexrazoxane se mostrou eficaz em estudos randomizados e com comprovada relação custo-efetividade. Esse quelante de ferro inibe a formação do complexo ferro-antraciclina intracelular responsável pela geração dos radicais superóxidos envolvidos na lesão por estresse oxidativo. Achados consistentes do efeito cardioprotetor foram identificados em pacientes com neoplasia de mama, doença de Hodgkin e sarcomas, com redução na incidência de cardiotoxicidade clínica e subclínica (disfunção ventricular assintomática) de 78% no grupo tratado com dexrazoxane9. Marty em 2006 demonstrou que, em pacientes com neoplasia de mama metastática, randomizadas para receber dexrazoxane associado ou não com doxorrubicina na proporção de 10:1, 30 minutos antes da quimioterapia, no grupo tratado com o quelante de ferro houve uma redução significativa no risco de cardiotoxicidade (39% vs. 13%, p < 0,01) e no risco de cardiotoxicidade grave, ICC tipo funcional 3 ou 4, (11% vs. 1%)10. A hipótese de interferência no resultado do tratamento oncológico, assim como o aumento na incidência de segunda neoplasia, restringe o uso mais frequente do dexrazoxane. Entretanto, em nenhum estudo realizado na população pediátrica foi demonstrada interferência na resposta tumoral quando associado tratamento com dexrazoxane, e em apenas um estudo, com desenho reconhecidamente rebatido pelas evidências de grandes centros, foi aventado aumento na incidência de segunda neoplasia em pacientes com doença de Hodgkin. Em outros estudos, tal achado não foi reproduzido, sendo

que no acompanhamento de mais de oito anos de pacientes com Leucemia Linfocítica Aguda (LLA) a sobrevida livre de eventos foi semelhante entre os grupos com e sem dexrazoxane e sem aumento do risco de segunda neoplasia11-14. Em recente revisão15, dez reconhecidos estudos randomizados foram citados empregando o dexrazoxane versus placebo, além de trabalhos retrospectivos utilizando a ecocardiografia convencional e sob stress farmacológico como métodos de identificação de disfunção ventricular16. Tais estudos demonstraram benefícios estatisticamente favoráveis quanto ao emprego desse cardioprotetor no que se refere à prevenção de insuficiência cardíaca, nenhuma evidência em termos de interferência na resposta terapêutica oncológica, sobrevida dos pacientes ou ocorrência de segunda neoplasia, quando comparados aos grupos controle17. Assim, sugerimos, com base nas recomendações da Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia, restringir a dose acumulada de doxorrubicina ao máximo de 300 mg/m2, sempre que possível. Caso haja necessidade de prosseguir com o uso de antraciclina em doses superiores independentemente do estágio terapêutico (grau de recomendação I), a associação do dexrazoxane deverá ser considerada, na proporção de 10:1 (bula do Cardioxane), 30 minutos antes da infusão do antracíclico. Em doses menores de antracíclicos, seu uso deverá ser avaliado individualmente, levando em consideração os fatores de risco pregressos ou sinais de cardiotoxicidade precoce (grau de recomendação II).

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colo uterino

Rastreamento do câncer de colo uterino: desafios e recomendações

O

CÂNCER DE COLO UTERINO É O SEGUNDO TU-

MOR MAIS FREQUENTE ENTRE AS MULHERES,

Arquivo pessoal

SENDO A QUARTA CAUSA DE MORTE POR CÂNCER

Evandro Sobroza de Mello * Médico patologista, coordenador do Laboratório de Anatomia Patológica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) Contato: esobroza@gmail.com

Fernando Nalesso Aguiar * Médico patologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) Contato: fnaguiar@yahoo.com.br

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entre a população feminina no Brasil. Assim como em todos os carcinomas, a redução da mortalidade acontece quando há descoberta em estádios precoces e também quando há detecção de lesões préinvasoras. O colo uterino tem o melhor método custo/benefício de detecção precoce do câncer: o exame de Papanicolaou. Em 1928, George Papanicolaou identificou células malignas em esfregaços citológicos vaginais, mas apenas no final dos anos 1940 esse teste passou a ser aceito e teve a coleta aperfeiçoada. Sua utilização tornou-se mundial e, apesar de não avaliada em estudos prospectivos, a redução nas taxas de mortalidade chegava a 70%, sendo sempre proporcional à intensidade do rastreamento. O teste de Papanicolaou (citologia oncótica) é um exame citológico em que, após a coleta do material no colo uterino, é realizado o esfregaço das células em uma lâmina. Esta recebe então a coloração de Papanicolaou e é analisada em um microscópio óptico, atentando-se para alterações citológicas. Um aperfeiçoamento desse método que tem sido usado em muitos laboratórios é a citologia em base líquida, que difere do esfregaço clássico porque, após a coleta com uma escova, esta é transferida para um frasco contendo líquido fixador. A citologia em base líquida é processada em laboratório, resultando num preparado de células em camada única. A interpretação por esse método é mais rápida e resulta em menos exames insatisfatórios pelo melhor aproveitamento do material, além de permitir que o material remanescente no frasco possa ser usado para pesquisa e subtipagem de papilomavírus humano, sem necessidade de uma nova coleta. Vale lembrar que a citologia líquida, apesar de mais cara, apresenta a mesma sensibilidade e especificidade do esfregaço cito-

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lógico convencional, quando este é bem executado. O papilomavírus humano (HPV) é o vírus causador do câncer de colo uterino e é sexualmente transmitido. Sabe-se que existem inúmeros subtipos conhecidos desse vírus. Porém, também se sabe que 90% das infecções pelo HPV são transitórias, desaparecendo em dois anos. Os principais subtipos virais relacionados ao carcinoma de colo uterino são o HPV–16 e o HPV–18, responsáveis por cerca de 70% dos casos. As mulheres que apresentam infecção persistente por HPV–16 têm risco de 5% em três anos de desenvolver neoplasia intraepitelial cervical 3 (NIC 3) ou alguma lesão mais grave. Em dez anos o risco passa para 20%. Já para os outros tipos de HPV, o risco é reduzido pela metade. A NIC 1 não é uma lesão considerada precursora, já que apresenta alta probabilidade de regressão. Essas evidências levaram ao desenvolvimento de técnicas de detecção de DNA-HPV que oferecem a possibilidade da genotipagem viral. São técnicas com maior sensibilidade quando comparadas ao exame citopatológico, mas mostram menor especificidade. Uma estratégia para diminuir a perda na especificidade seria a triagem citológica para aquelas pacientes com positividade para DNA-HPV oncogênico. Significa que as pacientes realizariam o teste e, se positivo, fariam a citologia oncótica. Outro potencial campo de utilização seria em pacientes resistentes à coleta realizada por um profissional da saúde ou naquelas com dificuldades geográficas para sua realização, já que as próprias pacientes poderiam coletar o material e enviá-lo para análise. Na rotina atual, para uma implementação com custo-efetividade favorável, o teste teria de ser aplicado com intervalo maior do que o estabelecido hoje para os exames de citologia oncótica e exigiria um excelente controle, tanto das pacientes selecionadas para os exames quanto dos resultados. Infelizmente, isso ainda não é possível em larga escala no Brasil.


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Um rastreamento ótimo deve estar apto a identificar lesões precursoras para carcinoma invasivo, evitando a detecção e o tratamento desnecessário de alterações provocadas por infecções transitórias do HPV. Deve também ser realizado de maneira sistemática e universal. A abordagem sistemática é buscada com a criação de programas e diretrizes. Apesar do reconhecimento da necessidade de uma abordagem universal, o Brasil não dispõe ainda de um sistema de informação de base populacional, o que resulta na disparidade entre um contingente de mulheres super-rastreadas e outras em falta com os controles de rastreamento. O programa de controle do câncer de colo uterino no Brasil teve início oficialmente na década de 1970, apesar de já nos anos 40 alguns profissionais utilizarem os métodos citológicos e colposcópicos. O programa expandiu-se na década de 1990, sendo atualmente realizados cerca de 12 milhões de exames citopatológicos anuais no Sistema Único de Saúde (SUS). A última revisão foi realizada em 2011 e teve como princípios ser baseada em evidências, com objetivo de ser aceita, factível e utilizada pelos profissionais da saúde. Devemos ter em mente que a decisão de quando e como realizar o rastreamento leva em conta três importantes aspectos: as vantagens, as desvantagens e o custo. Vale sempre lembrar que o teste é realizado em pacientes assintomáticas e que um resultado positivo pode gerar grande ansiedade e levar a outros procedimentos. Em relação às diretrizes brasileiras para rastreamento de câncer de colo uterino, cabe considerar: A - Periodicidade

Estudos mostram que a redução da incidência cumulativa de câncer em pacientes abaixo dos 25 anos submetidas ao rastreamento é de apenas 1%. Também há evidências de que o rastreamento é menos efetivo nessa idade, além de o tratamento de lesões precursoras do câncer de colo em adolescentes e mulheres jovens estar associado a aumento na morbidade obstétrica e neonatal. Para idades mais avançadas não há evidências objetivas. As recomendações para a realização do exame citopatológico são: – Intervalo de três anos após dois exames negativos com intervalo anual. – Início da coleta: mulheres com 25 anos e que já tiveram atividade sexual. – Interromper após os 64 anos quando a mulher tiver dois exames negativos nos últimos cinco anos. – Mulheres com mais de 64 anos que nunca realizaram o exame devem realizar dois exames com intervalo de três anos; casos negativos estão dispensados de exames adicionais, exceto em mulheres com história prévia de câncer de colo, lesões precursoras ou em outras situações especiais.

– Gestantes: seguir as recomendações de acordo com a faixa etária para as demais mulheres. Aproveitar a procura do serviço de saúde para o pré-natal para iniciar o rastreamento. – Mulheres menopausadas: seguir as recomendações de acordo com a faixa etária para as demais pacientes. Atenção para a necessidade de estrogenização pela atrofia secundária ao hipoestrogenismo. – Mulheres histerectomizadas: pacientes sem história prévia de lesão cervical de alto grau e submetidas à histerectomia por lesões benignas podem ser excluídas do rastreamento desde que apresentem exames anteriores normais. – Mulheres sem história de atividade sexual: não há indicação de rastreamento nesse grupo. – Mulheres imunossuprimidas: o rastreamento deve ser realizado após o início da atividade sexual, com intervalos semestrais no primeiro ano e seguimento anual, se normais, enquanto se mantiver o fator de imunossupressão. B - Nomenclatura utilizada nos resultados de exames citopatológicos no Brasil Quadro 1. Diferentes sistemas de classificação cito-histológica usados ao longo da história do exame citopatológico do colo uterino - adaptado de “Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero” - Ministério da Saúde e INCA, 2011 Papanicolaou (1941)

Bethesda (1988, revisada em 1991 e 2001) / Brasileira

OMS (1952)

Richart (1967)

Classe I

Classe II

Alterações benignas

Atipias de significado indeterminado, possivelmente não neoplásicas (ASC-US) OU não se pode afastar lesão intraepitelial de alto grau (ASC-H)

Classe III

Displasia leve

NIC 1

Lesão intraepitelial escamosa de baixo grau

Displasia moderada

NIC 2

Lesão intraepitelial

Displasia acentuada

NIC 3

Classe IV

Carcinoma in situ

NIC 3

Classe V

Carcinoma invasor

Carcinoma invasor

escamosa de alto grau Lesão intraepitelial escamosa de alto grau –

1. Resultado normal

Nos casos dentro dos limites da normalidade, seguir rotina de rastreamento, lembrando que o diagnóstico é relacionado à amostra submetida ao exame. Onco& novembro/dezembro 2012

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Alterações celulares benignas devem seguir a rotina de rastreamento citológico. Englobam inflamação sem identificação do agente, metaplasia escamosa imatura, reparação, atrofia com reparação, radiação. Em pacientes dentro de situações especiais, a conduta deve ser a mesma.

“Mulheres que apresentam infecção persistente por HPV–16 têm risco de 5% em três anos de desenvolver neoplasia intraepitelial cervical 3 (NIC 3) ou alguma lesão mais grave. Em dez anos o risco passa para 20%”

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2. Atipias de significado indeterminado em celúlas escamosas

Categoria dividida em células escamosas atípicas de significado indeterminado, possivelmente não neoplásicas (ASC-US), e células escamosas atípicas não podendo se excluir lesão de alto grau (ASC-H).

Células escamosas atípicas de significado indeterminado, possivelmente não neoplásicas (ASC-US) Prevalência de 1,2% no Brasil no ano de 2009, correspondendo a 46% dos exames alterados. Estudos mostram prevalência de cerca de 10% de lesão intraepitelial escamosa de alto grau e de câncer de colo em pacientes com diagnóstico de ASC-US. A reprodutibilidade do diagnóstico não é adequada, sendo de 35% a 45% segundo a Sociedade Americana de Citopatologia (American Society of Cytopathology). Recomenda-se conduta conservadora nesses casos, pesando fatores como idade e diagnósticos citológicos prévios nessa decisão. A maioria das diretrizes por todo o mundo recomenda repetição da citologia entre 6 e 12 meses, com encaminhamento para a colposcopia em caso de resultado mantido. A justificativa se baseia no fato de o clareamento da infecção pelo HPV ocorrer entre 6 e 18 meses. Alguns países recomendam a utilização do teste de identificação do HPV oncogênico e, em caso positivo, encaminhamento para a colposcopia. Já comentamos as dificuldades de implementação dessa conduta no Brasil. Por isso, a recomendação é de repetição citológica em 6 meses nas pacientes com 30 anos ou mais e em 12 meses nas pacientes com menos de 30 anos. Se dois resultados negativos subsequentes ocorrerem, a paciente volta para o rastreamento trienal (Fluxograma 1).

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Nas situações especiais, apenas as mulheres imunossuprimidas devem ser encaminhadas para a colposcopia já no primeiro diagnóstico. As demais seguem as recomendações citadas.

Células escamosas atípicas não podendo se excluir lesão de alto grau (ASC-H) Prevalência de 0,2% entre todos os exames e de 7% entre os alterados no Brasil em 2009. Estudos mostram prevalência entre 12,2% e 68% de lesão de alto grau e de 3% de câncer de colo nessas pacientes. Na maioria dos países esse resultado leva à recomendação de colposcopia e há sugestão de que o teste de HPV oncogênico pode ajudar nos casos de colposcopia insatisfatória, sem alterações ou com achados menores. No Brasil também é recomendada a colposcopia e, se essa for normal, deve-se realizar nova citologia em 6 meses, retornando ao rastreamento normal em caso de duas negativas consecutivas. Nas gestantes e imunossuprimidas as recomendações são semelhantes. 3. Atipias de significado indeterminado em células glandulares

Esta categoria correspondeu a 0,13% entre todos os diagnósticos em 2009 e a 4,6% dos exames alterados. É dividida em “possivelmente não neoplásicas” e “não se pode excluir lesão intraepitelial de alto grau”. Essas duas subcategorias são análogas às células glandulares atípicas sem outras especificações e favorecendo neoplasia, respectivamente, segundo nomenclatura da classificação de Bethesda. Há maior associação de atipias em células glandulares com NIC até os 40 anos e com neoplasias invasoras após os 40 anos. Outra possível associação é com patologias endometriais, mesmo benignas. Por enquanto, não há evidências para condutas diferentes em relação à idade, status de HPV (teste oncogênico) ou mesmo entre as duas subcategorias diagnósticas. As recomendações são encaminhamento para a colposcopia com coleta de material para citologia do canal endocervical ou com biópsia, se houver alguma alteração na colposcopia. Também é recomendada avaliação endometrial


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Fluxograma 1. Abordagem de pacientes com diagnóstico de células escamosas atípicas de significado indeterminado, possivelmente não neoplásicas (ASCUS-US) Células escamosas atípicas de significado indeterminado. Possivelmente não neoplásicas (ASCUS-US) Mais de 30 anos de idade

Menos de 30 anos de idade

Repetir citologia em 6 meses

Repetir citologia em 12 meses

Novo resultado normal? Não

Sim

COLPOSCOPIA

Repetir exame em 6/12 meses de acordo com a idade

Segunda citologia ASCUS-US?

Dois exames consecutivos normais? Não

Não

Conduta diante do novo resultado

Sim

Sim

Alteração colposcópica presente?

Rastreio trienal

Sim

Não

BIÓPSIA

Não

Lesão Intraepitelial ou câncer?

Sim Conduta específica diante do resultado

(ultrassom ou exame anatomopatológico) em pacientes com mais de 35 anos. As recomendações são as mesmas para pacientes até 20 anos e para imunossuprimidas, sendo excluída a indicação de avaliação endometrial. Há indicação de biópsia na colposcopia apenas na suspeita de invasão em pacientes gestantes.

Se a biópsia vier normal ou com NIC 1, deve-se realizar nova citologia em três meses e, após duas negativas, retorno ao rastreamento. Pacientes com até 20 anos e pacientes imunossuprimidas seguem as mesmas recomendações, enquanto gestantes não devem investigar endométrio e região anexial, além de apenas realizar biópsia quando a colposcopia for sugestiva de lesão invasiva.

4. Atipias de origem indefinida

Categoria subdividida em “possivelmente não neoplásica” e “não se pode excluir lesão de alto grau”. Deve ser utilizada apenas quando não há uma definição clara da origem das células atípicas. Corresponderam a 0,015% do total de exames em 2009 e a 0,5% dos exames alterados. Há poucos trabalhos lidando especificamente com esta categoria. Mostram que uma cuidadosa revisão pode definir melhor a origem celular em muitos casos. Por isso, há uma sugestão para questionamento da persistência desse termo nas futuras revisões de nomenclatura. As pacientes devem ser encaminhadas para a colposcopia com citologia se exame normal e biópsia se alterado, associada a exame de imagem de endométrio e anexos em pacientes com mais de 35 anos. Se a citologia tiver o mesmo diagnóstico prévio, repetir em três meses.

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5. Lesão Intraepitelial de baixo grau

Prevalência de 0,8% em todos os exames e de 31% entre os exames citológicos alterados em 2009, sendo o segundo diagnóstico mais frequente entre os alterados. A reprodutibilidade desse diagnóstico é moderada, estimando-se que haja subestimação de NIC 2 ou 3 em 11,8% a 23,3% dos casos. Por todo o mundo, a conduta varia entre encaminhamento imediato para a colposcopia e repetição da citologia, pesando na decisão o risco de subestimação diante da chance de regressão. Estudos mostraram 47,4% de chance de regressão após 24 meses e 0,2% de progressão para carcinoma invasivo. Esse panorama, associado aos riscos psicológicos e colaterais dos tratamentos, tem favorecido condutas mais conservadoras.


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A recomendação é repetir a citologia em seis meses, sendo que dois resultados negativos consecutivos retornam a paciente ao rastreamento, enquanto um novo resultado positivo indica a paciente para a colposcopia. Nesta, deve ser realizada biópsia (se alterada) ou citologia semestral (se normal), novamente com duas citologias negativas retornando a paciente para o rastreamento. Se em algum momento houver diagnóstico mais grave, a conduta deve seguir o fluxo e o tratamento adequados. As pacientes gestantes seguem as mesmas recomendações. Nas mulheres com até 20 anos, deve-se repetir o exame a cada 12 meses e realizar colposcopia apenas se houver persistência por 24 meses. As pacientes imunossuprimidas devem ser encaminhadas para a colposcopia já no primeiro diagnóstico. Em pacientes pós-menopausa, devese ter atenção à atrofia, pois ela prejudica a qualidade do exame e, se necessário, deve ser tratada antes de uma segunda coleta.

Recomendações da Sociedade Americana de Câncer (American Cancer Society – ACS) Nos Estados Unidos, a recomendação de início do rastreamento é aos 21 anos, independentemente da atividade sexual ou de outros fatores de risco. Há reconhecimento de que o câncer de colo nessa faixa etária é raro e pode não ser prevenido pelo rastreamento, já que não diminuiu nas últimas quatro décadas. A Sociedade Americana também reconhece o risco de tratamentos desnecessários e reforça o foco na prevenção em adolescentes, através da vacinação. Entre 21 e 29 anos, os Estados Unidos recomendam exame citológico a cada três anos, mesmo com dois resultados negativos consecutivos. Não recomendam o teste para HPV oncogênico, nem isoladamente nem em conjunto com a citologia, principalmente devido à alta prevalência do HPV nessa faixa etária, sendo a maioria infecção transitória, a fim de evitar danos desnecessários com o tratamento. Dos 30 aos 65 anos, há recomendação de teste citológico trienal ou citologia com teste de HPV oncogênico concomitante a cada cinco anos. Neste último caso, abrem-se duas possibilidades se algum dos testes estiver alterado: – teste oncogênico positivo e citologia negativa: deve-se repetir o coteste ou realizar a pesquisa imediata de HPV–16 e HPV–18. Se positivo na repetição ou pesquisa, encaminhar para a colposcopia ou retornar ao rastreamento habitual se negativo.

Leitura recomendada 1. Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero. Ministério da Saúde e Instituto Nacional de Câncer (INCA), 2011. 2. Saslow D, Solomon D, Lawson HW, Killackey M, Kulasingam SL, Cain J, Garcia FA, Moriarty AT, Waxman AG, Wilbur DC, Wentzensen N, Downs LS

– teste oncogênico negativo e ASC-US na citologia: seguir a rotina do rastreamento. Pela Sociedade Americana, pacientes acima dos 65 anos não devem realizar mais o rastreamento se tiverem três citologias ou dois testes oncogênicos negativos nos últimos dez anos, desde que não tenham história de lesão intraepitelial de alto grau nos últimos 20 anos. Nas pacientes com história de lesão intraepitelial de alto grau ou adenocarcinoma in situ, o rastreamento deve ser mantido até 20 anos depois do diagnóstico. Pacientes histerectomizadas sem história de lesão intraepitelial escamosa de alto grau não devem ser mantidas no rastreamento, devido à raridade do carcinoma vaginal. Os americanos não recomendam qualquer alteração na rotina de rastreamento em caso de vacinação prévia, já que 30% dos carcinomas cervicais não são causados pelos HPV–16 ou 18, que são os subtipos cobertos pela vacinação. No tópico recomendações futuras são abordadas algumas questões importantes. A Sociedade Americana estabelece como prioridade encontrar maneiras de aumentar o rastreamento na população que não realiza o rastreamento ou que o realiza de maneira inadequada. Também reconhece a necessidade de estudos para melhor orientar pacientes com teste oncogênico para HPV positivo e citologia negativa, avaliando a possibilidade de um intervalo maior no caso de utilização exclusiva do teste oncogênico para HPV. As recomendações apontam a necessidade de estudos prospectivos, pois, como a incidência de novas infecções pelo HPV diminui rapidamente com o aumento da idade, suspeita-se da possibilidade de interromper o rastreamento em pacientes com menos de 65 anos que tenham teste oncogênico para HPV negativo. Qualquer mudança futura no intervalo entre os testes de rastreamento envolverá uma necessária mudança de pensamento tanto nas pacientes como nos médicos que as acompanham.

Conclusão Por fim, sabe-se que o câncer de colo uterino está relacionado às disparidades socioeconômicas, geográficas e sociais. Deve-se ter consciência de que novas tecnologias não terão impacto se não atingirem essa população.

Jr, Spitzer M, Moscicki AB, Franco EL, Stoler MH, Schiffman M, Castle PE, Myers ER; American Cancer Society; American Society for Colposcopy and Cervical Pathology; American Society for Clinical Pathology. American Cancer Society, American Society for Colposcopy and Cervical Pathology, and American Society for Clinical Pathology screening guidelines for the prevention and early detection of cervical cancer. Am J Clin Pathol. 2012 Apr;137(4):516-42.

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Novo estudo sobre pazopanibe e temsirolimus traz importantes implicações aos pacientes Durante o Congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO), em Viena, três importantes ensaios clínicos de fase III na área de carcinoma de células renais avançado foram apresentados. Estudo COMPARZ: Pazopanibe e sunitinibe igualmente eficazes no tratamento de primeira linha do carcinoma de células renais metastático Resultados do estudo COMPARZ, ensaio de fase III randomizado, aberto, mostram que a nova droga pazopanibe tem eficácia similar ao sunitinibe no controle do carcinoma de células renais metastático. Sunitinibe e pazopanibe são drogas-alvo disponíveis para tratamento de primeira linha do carcinoma de células renais metastático. O sunitinibe tem sido considerado como tratamento standard, apesar de testes não randomizados terem sugerido eficácia similar com pazopanibe e menor incidência de efeitos colaterais indesejáveis. Robert Motzer e colegas, do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, de Nova York (EUA), compararam eficácia, segurança e qualidade de vida para pazopanibe e sunitinibe em um estudo de fase III global com 1.100 pacientes. O estudo mostrou que pazopanibe teve eficácia semelhante, com performance de não inferioridade em relação ao sunitinibe como tratamento de primeira linha do carcinoma de células renais metastático. Para as duas drogas, a sobrevida média livre de progressão foi pouco mais de dez meses. Os pesquisadores descobriram que as duas drogas tiveram efeitos colaterais e trouxeram alguns incômodos para os pacientes, como fadiga e úlceras da pele, que ocorreram com menos frequência com pazopanibe do que com sunitinibe. Estudo INTORSECT: Temsirolimus não demonstra superioridade na comparação com sorafenibe como tratamento de segunda linha Os resultados de um ensaio clínico de fase III comparando dois fármacos comumente utilizados no tratamento de segunda linha do carcinoma renal sugerem que o temsirolimus não melhora a sobrevida em comparação com o sorafenibe no tratamento de segunda linha. As duas drogas inibem diferentes moléculas associadas ao câncer: o temsirolimus afeta a via mTOR, que regula o crescimento e a proliferação celular, enquanto o sorafenibe inibe várias tirosina-quinases, incluindo os receptores de VEGF. Esse é o primeiro estudo fase III comparando um inibidor de VEGF com um inibidor de mTOR em carcinoma de células renais. Temsirolimus tinha demonstrado um benefício de sobrevida global em comparação com interferon alfa em doentes não tratados previamente com carcinoma de células renais avançado e pobres fatores

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prognósticos, mas a eficácia da droga após o tratamento com um inibidor de VEGF não era conhecida. O estudo INTORSECT incluiu 511 pacientes de carcinoma de células renais de 112 centros diferentes, cuja doença progrediu após tratamento de primeira linha com sunitinibe e que tiveram uma performance status ECOG de 0 ou 1. A sobrevida livre de progressão mediana com temsirolimus foi de 4,28 meses, em comparação a 3,91 meses com sorafenibe. A sobrevida global mediana para o grupo temsirolimus foi de 12,27 meses, em comparação com 16,64 meses para aqueles que receberam o sorafenibe. Com base nesses resultados, os pesquisadores descobriram que o temsirolimus não mostrou superioridade ao sorafenibe no objetivo primário, sobrevida livre de progressão, ou no objetivo secundário, de sobrevida global. O estudo mostra que drogas que inibem a via VEGF podem ser uma opção melhor do que inibidores de mTOR para pacientes que progridem em tratamento com sunitinibe. Além disso, inibidores de mTOR podem ser apropriados para uso em primeira linha para um seleto grupo de pacientes de carcinoma renal não células claras e/ou aqueles com fraca resposta à terapêutica inicial. Estudo INTORACT: Combinação de bevacizumabe mais temsirolimus não oferece vantagem sobre bevacizumabe e interferon O estudo global de fase III INTORACT, randomizado, aberto, multicêntrico, não conseguiu confirmar os primeiros resultados clínicos com a combinação de bevacizumabe e temsirolimus no carcinoma de células renais. As duas drogas-alvo separam vias moleculares envolvidas no carcinoma de células renais, e os primeiros resultados pareciam promissores. O estudo comparou temsirolimus mais bevacizumabe com interferon e bevacizumabe como tratamento de primeira linha em 791 pacientes com predominância de carcinoma renal metastático de células claras. No coorte de dados para análise, 489 pacientes foram avaliados quanto à sobrevida livre de progressão. A sobrevida livre de progressão mediana, com a combinação temsirolimus, foi de 9,1 meses, em comparação com 9,3 meses no grupo interferon. A sobrevida global mediana foi de 25,8 meses no grupo temsirolimus e de 25,5 meses no grupo interferon. Não foi encontrada nenhuma vantagem na combinação de bevacizumabe e temsirolimus sobre a combinação de bevacizumabe e interferon.


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Estudo fase III mostra crizotinibe superior a um único agente de quimioterapia em câncer de pulmão avançado Os resultados de um novo ensaio de fase III mostram que crizotinibe é mais eficaz do que o tratamento de quimioterapia padrão para pacientes com câncer de pulmão não pequenas células ALK-positivo que tinham sido previamente tratados em primeira linha com quimioterapia baseada em platina. Esse é o primeiro estudo comparativo de crizotinibe com a quimioterapia padrão. Rearranjos do gene da quinase do linfoma anaplásico (ALK) são encontrados em cerca de 5% de todos os casos de câncer de pulmão não pequenas células (NSCLC). Em estudos anteriores, crizotinibe tinha demonstrado induzir respostas clínicas significativas em pacientes com tumor avançado ALK-positivo NSCLC, mas esse é o primeiro estudo de fase III com essa configuração. De acordo com a autora, Alice Shaw, do Massachusetts General Hospital Cancer Center, em Boston

(EUA), “esses resultados estabelecem crizotinibe como o padrão de atendimento para pacientes com câncer de pulmão não pequenas células ALK-positivos previamente tratados”.

com as duas drogas.

O atual estudo global randomizado de fase III comparou a eficácia e a segurança do crizotinibe com a quimioterapia padrão com pemetrexede ou docetaxel, em 347 pacientes com ALK-positivos, estágio IIIB/IV NSCLC que já haviam sido tratados com quimioterapia.

náuseas, fadiga, neutropenia, diminuição do

O estudo mostrou que crizotinibe prolongou a sobrevida livre de progressão a uma mediana de 7,7 meses em comparação com 3 meses entre os pacientes que receberam quimioterapia (HR 0,49, 95% CI 0,37-0,64, p <0,0001). A taxa de resposta global foi também significativamente mais elevada nos doentes tratados com crizotinibe (65% vs. 20%, p <0,0001). Ainda não é possível concluir a análise da taxa de sobrevida total

Os eventos adversos mais comuns relacionados ao tratamento com crizotinibe foram relatados por 59% dos pacientes e incluíram apetite e alopecia. Diarreia, vômitos e transaminases elevadas também foram identificados entre os pacientes que receberam pemetrexede ou docetaxel. Após a aplicação em nível mundial da terapia-alvo em pacientes com câncer de pulmão definidos pela mutação do EGFR, esse é o segundo grupo de pacientes com câncer de pulmão não pequenas células a se beneficiar claramente de uma terapia que ataque diretamente uma alteração molecular. Os resultados desse estudo representam um passo significativo para um tratamento mais individualizado em pacientes com câncer de pulmão.

PROFILE 1007 Primary Endpoint: PFS by Independent Radiologic Review

PFS events, n (%) Median, months HR (95% CI) P

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Crizotinib (n=173)

PEM/DOC (n=174)

100 (58) 7.7 0.49

127 (73) 3.0 (0.37 to 0.64) <0.001


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Estudos mostram regimes eficazes para o melanoma Dados promissores sobre combinações de medicamentos para tratar melanoma metastático foram apresentados na ESMO 2012. Os estudos de fase I e II se concentram na combinação de medicamentos para retardar o desenvolvimento de resistência às drogas que inibem o BRAF, um gene mutado em cerca de metade dos melanomas. Estudos anteriores com drogas que alvejam BRAF geraram entusiasmo pela sua capacidade de diminuir rapidamente os tumores de melanoma em pacientes elegíveis. Mas para muitos pacientes os benefícios foram de curta duração, com as células cancerosas desenvolvendo resistência aos fármacos.

meses para 9,4 meses, o que representa uma melhoria de 60%. Entre os doentes que receberam ambas as drogas na dose mais elevada, 41% não tinham progredido 12 meses após o início do tratamento, em comparação com 9% no grupo de monoterapia do estudo. Vale ressaltar que a combinação também diminuiu a taxa da toxicidade cutânea em comparação com a monoterapia, particularmente a toxicidade cutânea oncogênica do carcinoma de células escamosas.

Fase II do inibidor de BRAF dabrafenibe sozinho versus combinação com MEK1/2 inibidor trametinibe

Um estudo de fase I mostra que a combinação do inibidor de MEK GDC-0973 e vemurafenibe pode ser segura. A inibição do BRAF resultou em altas taxas de resposta e uma melhor sobrevida em pacientes com melanoma com mutação BRAF. Um dos vários mecanismos de resistência tem sido a reativação da via MAPK. Modelos pré-clínicos mostram que a inibição combinada de BRAF e MEK pode atrasar a resistência em comparação com a monoterapia com inibidores BRAF. A inibição das vias do BRAF com o inibidor de MEK GDC-0973 poderia, teoricamente, superar ou atrasar esse mecanismo de resistência e melhorar os resultados. Embora os dados iniciais em um pequeno número de pacientes tenham mostrado redução do tumor, mais pesquisas são necessárias para confirmar a eficácia.

Pesquisadores do Westmead Hospital e do Melanoma Institute Australia relataram que a combinação dos novos medicamentos dabrafenibe e trametinibe proporcionou uma melhora clinicamente significativa na sobrevida livre de progressão, taxa de resposta e duração de resposta em 162 pacientes de melanoma com mutações BRAF V600. Os pacientes do estudo receberam 150 mg de dabrafenibe duas vezes ao dia; ou dabrafenibe duas vezes ao dia mais 1 mg de trametinibe uma vez ao dia; ou dabrafenibe duas vezes ao dia mais 2 mg de trametinibe uma vez ao dia. A combinação prolongou a sobrevida livre de progressão em comparação com a terapia de droga única (dabrafenibe) de 5,8

Estudo de fase IB do vemurafenibe em combinação com o inibidor de MEK GDC-0973

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Novos dados mostram sobrevida em quatro e cinco anos em pacientes com melanoma avançado Dados atualizados de estudo mostram aumento de sobrevida aos quatro e cinco anos de seguimento em pacientes com melanoma avançado tratados com Yervoy (ipilimumabe). O medicamento age estimulando o sistema imunológico para que o próprio organismo do paciente crie mecanismos contra a doença. No estudo clínico 024, com 502 pacientes que não haviam recebido tratamento prévio para o melanoma avançado, a combinação de DTIC (dacarbazina) e ipilimumabe levou à maior sobrevida em quatro anos, em comparação com o uso de dacarbazina isoladamente. Os resultados evidenciaram que a taxa de sobrevida aos quatro anos foi de 19% para os pacientes que receberam a combinação de dacarbazina e ipilimumabe; nos pacientes que só utilizaram dacarbazina, essa taxa foi de apenas 9,6%. Além disso, a sobrevida com o tratamento combinado foi relativamente estável entre três (21,2%) e quatro anos (19%). Outros três grupos diferentes de pacientes foram acompanhados por até cinco anos no estudo 025. Cada grupo recebeu respectivamente doses de ipilimumabe de 0,3 mg/kg (115 pacientes), 3,0 mg/kg (155 pacientes) ou 10 mg/kg (217 pacientes). Entre os pacientes que não haviam recebido tratamento prévio, as taxas de sobrevida em cinco anos foram estimadas entre 38% e 49% – o que também não se alterou, desde o acompanhamento aos quatro anos. Entre os pacientes previamente tratados, as taxas de sobrevida em cinco anos foram estimadas entre 12% e 28%, relativamente estáveis desde o acompanhamento aos quatro anos de tratamento, que foram de 14% a 28%. Em relação à segurança do medicamento, poucos eventos adversos relacionados ao sistema imunológico ocorreram após dois anos de tratamento.

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Um ano é o período ideal para tratamento adjuvante com trastuzumabe Dois estudos diferentes descobriram que nem seis meses nem dois anos de trastuzumabe oferecem um benefício maior que o obtido em um ano da terapia para as mulheres diagnosticadas com câncer de mama precoce HER2-positivo. Os resultados com o acompanhamento em períodos de quatro a oito anos incluíram sobrevida livre de doença, sobrevida global e recorrência do câncer. Em um estudo, seis meses de tratamento com trastuzumabe não mostraram inferioridade em relação a um ano, padrão atual de tratamento. Depois de cerca de quatro anos de acompanhamento no PHARE (Protocolo para Herceptin como terapia adjuvante com menor exposição), a recidiva ocorreu em 219 pacientes tratadas por seis meses e em 176 pacientes tratadas por um ano (P = 0,29). No estudo PHARE, iniciado pelo Instituto Nacional do Câncer Francês e relatado por Xavier Pivot, do Hospital Universitário de Besançon (FR), pesquisadores envolveram mulheres com câncer de mama precoce HER2-positivo que haviam recebido pelo menos quatro ciclos de quimioterapia neoadjuvante. Entre 2006 e 2010, eles randomizaram 3.382 pacientes por seis ou 12 meses de trastuzumabe. Essas pacientes tinham em média 55 anos, tamanho médio do tumor de 20 mm e cerca de 45% delas tinham envolvimento ganglionar. A média de acompanhamento foi de 47,2 meses desde o início do tratamento com trastuzumabe.

No segundo estudo, os resultados de longo prazo do estudo randomizado, multicêntrico de fase III HERA (Adjuvante Herceptin) demonstraram que o tratamento com trastuzumabe durante dois anos não proporciona qualquer benefício adicional quando comparado ao tratamento por um ano. Após oito anos de seguimento houve 367 eventos em ambos os braços do estudo (P = 0,86). O HERA também demonstrou que o tratamento com trastuzumabe não levantou quaisquer preocupações cardíacas, e que o risco de recorrência da doença (P <0,0001) e de morte (P = 0,0005) foi reduzido em cerca de 24% das mulheres que tomam trastuzumabe em comparação com a observação. O HERA envolveu 5.102 mulheres com câncer de mama HER2-positivo em estágio inicial. As pacientes foram aleatoriamente designadas para trastuzumabe a cada três semanas por um ano ou a cada três semanas por dois anos, após a sua conclusão principal – cirurgia, quimioterapia e/ou radioterapia, como indicado. A taxa de risco não ajustada para um evento nos dois anos contra o grupo de um ano foi de 0,99 (P = 0,8588). A take home message desses ensaios é que um ano de trastuzumabe permanece o padrão de tratamento, como parte de uma terapia adjuvante para pacientes com câncer de mama precoce HER2-positivo. No entanto, esses dados e conclusões devem ser considerados preliminares até serem publicados em um jornal peer-reviewed.­

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Elas escolheram viver (bem) Documentário Mulheres de Peito mostra que o câncer não é uma sentença de morte. Ao contrário, dependendo da forma como é encarada, a doença pode contribuir para dar um novo colorido à vida Por Sergio Azman

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UANDO RECEBEU O DIAGNÓSTICO DE CÂNCER DE MAMA, AOS

ANOS,

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ALINE PENSOU NA MORTE. DAVA COMO CERTO O DESFECHO

DA DOENÇA, A MESMA QUE HAVIA VITIMADO A MÃE E, MAIS TARDE,

o irmão, aos 19 anos, com câncer de estômago. Como ela, milhares de mulheres brasileiras enfrentam anualmente a dura experiência de receber o diagnóstico de câncer de mama, se confrontam com a ideia da morte, sempre tão presente, e são feridas na sua feminilidade diante da possibilidade concreta da mutilação da mama. Mas a história de Aline teve final feliz, bem diferente desse sombrio pesadelo inicial. Da experiência, ela deixa uma lição preciosa, demonstrando que com atitude – e muito peito – é possível enfrentar a doença, ressignificar a vida e a própria visão da feminilidade. São histórias como essa, de coragem e superação, que compõem o roteiro de Mulheres de Peito, um documentário que mostra que é possível falar abertamente sobre o câncer de mama, em grande estilo. A inspiração veio com boas doses de humor, a partir do livro Força na Peruca – Tragédias e Comédias de um Câncer, escrito pela publicitária Mirela Janotti, uma das cinco mulheres que protagonizam o documentário. Mirela contou sua história a uma colega de trabalho, Maria Taccari, que teve a ideia de traduzir essa intensa experiência em um audiovisual. Desde então, o projeto somou as histórias de Patrícia Resende, Márcia da Silva Barros, Graciela Alves Reyes e a nossa Aline Mourão Baptista Bertaco, mulheres de muito peito, que enfrentaram o câncer de mama e dão corpo e alma a esse documentário que é, acima de tudo, uma grande lição de vida.

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O filme mergulha no sensível universo que envolve a doença, apontada entre os grandes problemas de saúde pública brasileira. Cercado de muito estigma e desinformação, o câncer de mama é um dos mais presentes na população feminina e seu diagnóstico ainda é recebido por muitas mulheres como uma verdadeira sentença de morte, evidenciando que combater mitos e preconceitos é um passo importante para vencer a doença. “A informação é uma arma poderosa”, lembra Cláudia Vasconcelos, executiva de operações do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM), um dos grandes parceiros da iniciativa. A produtora Cinema Animadores / Conteúdos Diversos e a empresa Roche também apostaram no projeto. Foram três anos entre a concepção e realização do promocional até a gravação definitiva. Com a proposta de contribuir para desmistificar o olhar sobre o câncer de mama, o filme mostra que existe vida na doença e ainda deixa um recado sonoro sobre a importância da detecção precoce. “Acredito que, com informação mais acessível, as mulheres consigam entender que o diagnóstico precoce traz chances de cura maiores. Por que ficar fugindo de assuntos assim?”, questiona a diretora do vídeo, Paula Galacini. E ao lado da informação médica, prestada por nomes de fôlego da mastologia brasileira, como o oncologista Sergio D. Simon e o mastologista Antonio Frasson, Mulheres de Peito esbanja sensibilidade ao privilegiar esse universo emocional, desde o momento do diagnóstico até a delicada rotina de tratamento.


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O projeto hoje tem proposta para exposição interativa em espaços públicos, revista customizada, agenda 2013, corrida/caminhada e até uma peça de teatro que está em fase de captação de recursos. O documentário estreou na GNT/Globosat em outubro, onde deve ser transmitido 12 vezes durante o ano, e prevê ainda exibição fechada em cinema com a presença de algumas das mulheres que participaram do documentário.

Mudança de postura

Divulgação

Quando Graciela Alves Reyes soube que estava com câncer, ficou perdida. Ninguém em sua família tinha tido a doença, não sabia com quem conversar. Resolveu contar para a irmã e para a sobrinha, que moram com ela. Dias depois, a mãe de uma amiga da sobrinha ligou dizendo que ela tinha comentado na escola que a tia estava com câncer. Ela tinha uma amiga na mesma situação e perguntou se Graciela não gostaria de conversar. Ela topou, mas quando ligou não conseguiu falar. “Fiquei muda, minha voz não saía. Só consegui dizer: aconteceu comigo.” Elas marcaram um almoço. “Estava lá esperando quando de repente chegou uma moça toda arrumada, pintada. Eu pensei: essa moça linda está com câncer? Foi aí que eu me modifiquei”, conta. A moça linda era Mirela Janotti, 45 anos. Ela havia descoberto um nódulo benigno três anos antes, fez acompanhamento por mais três anos e em 2006 teve a surpresa. “O nódulo virou maligno e já estava acompanhado de outros maus elementos, mais dois nódulos malignos. Já era uma gangue”, brinca. O momento não poderia ser pior: uma separação, a perda de um emprego e o falecimento da avó, tudo no mesmo ano. E agora, o câncer. Como é redatora publicitária e estava desempregada, começou a escrever. “Pensei em deixar uns escritos para minha filha. Depois veio a ideia de fazer um livro otimista, mas sem hipocrisia, para incentivar outras mulheres”, diz.

Mas, antes de incentivar várias mulheres, Mirela inspirou Graciela. Ver a postura de luta da escritora fez com que ela mudasse seu olhar sobre si mesma. A partir daí foi guerra. “Não me achar uma coitadinha foi primordial, porque encarar a doença só contribui. Você não tem outra opção, não pode ficar com pena de si mesma”, diz Graciela. Essa postura combativa que teve diante do câncer refletiu em outros aspectos da sua vida. Ela, que antes era extremamente contida, se diz diferente. “Eu não gastava dinheiro com diversão, por exemplo. Hoje vou aos restaurantes que eu quero, viajo, não me poupo prazeres.” Mirela defende que quem choraminga o tempo todo será digno de pena. Por outro lado, aqueles que levantam a cabeça e assumem uma atitude positiva têm a admiração das pessoas. E isso traz uma energia muito boa para o tratamento. “Precisamos nos abrir a novas possibilidades. O cabelo caiu? Lenços lindos, perucas e chapéus charmosos. Maquiagem e muito perfume! Acordou triste? Convide uma amiga para assistir a uma comédia ou fazer uma caminhada ao ar livre e ver o sol brilhar? O universo conspira a nosso favor. Eu sou prova disso.”

“O nódulo virou maligno e já estava acompanhado de outros maus elementos, mais dois nódulos malignos. Já era uma gangue”

Informação que ajuda Aline também apostou na receita. Em meio a tantos sentimentos difíceis e, por vezes, contraditórios, que acompanham a doença, decidiu extrair dessa experiência uma lição de otimismo. Ela queria quebrar o ciclo familiar de sofrimento e decidiu ser feliz, a qualquer custo. “Eu tinha de lutar até o fim, independentemente do fim. Você pode escolher ficar com pena de si mesma ou pode levantar a cabeça e ir à luta! E quem luta tem muito mais chance de vencer”, diz. Apesar dos antecedentes familiares, o exame FISH comprovou que o tumor de Aline não era hereditário, o que fez com que o tratamento fosse mais tranquilo, com poucas sessões de quimioterapia. Para ela, falar abertamente sobre o câncer de mama é fundamental. Esse foi um dos motivos que a levaram a participar do documentário. “Eu vi uma oportunidade de ajudar outras mulheres e distribuir a informação. Quando minha mãe morreu, não existiam acesso e conhecimento coletivo sobre a doença. Eu senti como meu dever levantar essa bandeira para conscientizar as mulheres. Existe vida Onco& novembro/dezembro 2012

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após o câncer de mama e eu sou feliz em poder aproveitá-la”, comemora. Patrícia Resende, outra “mulher de peito”, descobriu o câncer em 2008, com 46 anos, e também resolveu contar sua história para alertar as pessoas sobre prevenção e sobre a forma de encarar a doença. “Sentia uma necessidade muito grande de ajudar e falar da doença sem medo, sem limites.” Ela diz que, apesar da grande quantidade de casos de câncer, não encontrava quase ninguém falando sobre a doença de forma esclarecedora. Todos queriam se calar, ninguém dividia. “Acho esta carga muito pesada, e, se não pudermos contar com a

ajuda de quem amamos, fica ainda mais difícil.” Por isso, apesar de ter ficado mais preocupada com os filhos do que consigo mesma, ela resolveu contar. “Eles já haviam perdido parentes para a doença. Mesmo assim eu contei a todos sobre meu estado de saúde e deixei claro que estava disposta a lutar muito.” Desde o começo, ela procurou mudar sua visão diante de tudo: cortou o cabelo curto para não assustar os filhos, entrou na faculdade para ocupar o tempo e não ficar pensando na doença, namorou, saiu com amigas. “Eu não sabia que era tão querida. Minha casa parecia uma romaria, estava sempre rodeada de gente querida me dando paz e boas energias. Fiquei até mal-acostumada com tanto carinho”, confessa. Claro que não existe um modelo único ou receita pronta para enfrentar o câncer, mas a psicooncologista Ivete Yavo, que também participa do audiovisual, lembra que esse apoio de familiares e amigos costuma ser muito bem-vindo. “Nesse momento, os laços familiares e de amizade devem ser reforçados”, sugere.

Aline, Mirela e Patrícia

Quase por acaso

A

lém dos depoimentos das protagonistas, seus familiares, amigos e de especialistas da área da saúde, o documentário também mostra alguns profissionais que trabalham com produtos e serviços de apoio às mulheres que passam por um câncer de mama. São histórias de pessoas que, apesar de nunca terem imaginado trabalhar com câncer, hoje fazem parte de uma “rede do bem” que ajuda na tarefa de superar um momento tão difícil. O tatuador Sergio Led’s, por exemplo, desenvolve um trabalho que consiste em pigmentação de cicatrizes de cirurgias e reconstituição da auréola. A auréola é pigmentada na cor natural de cada caso, simulando um mamilo. “Quando existem cicatrizes ocasionadas pelo enxerto, também pigmentamos para clarear sombras ou manchas aparentes.” Ele conta que foi procurado por uma cliente há cerca de dez anos, e começou a desenvolver uma técnica de aplicação e coloração para proporcionar um resultado cada vez mais natural. Também se aprimorou em pigmentação de cicatrizes de abdominoplastia, cicatrizes por colocação de prótese mamária, de redução (t invertido) e todo tipo de cicatrizes cirúrgicas. “Ajudo a levantar a autoestima dessas mulheres que passaram por um momento tão delicado e difícil em suas vidas. Minha felicidade não tem preço. Como digo no documentário, sou um Tatuador de Peito.” O chapeleiro Du começou a fazer chapéus há oito anos. Assim como Led’s, nunca imaginou trabalhar em uma área que, para ele, era reservada apenas a médicos e terapeutas. Com seu trabalho, passou a conhecer e criar chapéus para pessoas que estão enfrentando o câncer. “Faço questão de desenhar os modelos mais adequados para cada uma, com estilo próprio e uma dose megaextra de amor”, diz. Seu trabalho se espalhou e hoje ele atende muitos clientes que fizeram ou estão fazendo tratamento com quimioterapia. “Acabamos nos tornando amigos.

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Câncer na gestação Se ao descobrir um câncer a primeira preocupação da maioria das mulheres são os filhos, que podem sofrer ou até perder a mãe, o que fazer quando se descobre o câncer com a criança ainda na barriga? Foi o que aconteceu com a pedagoga Márcia da Silva Barros. Ela tinha 36 anos e estava planejando sua segunda gravidez. Nunca tinha tido problemas de saúde, não tomava medicamentos nem tinha casos de câncer na família. “Minha saúde estava perfeita e a médica falou que eu poderia engravidar quando quisesse.” Passados três meses, estava novamente grávida. Com seis semanas de gestação, percebeu seu seio endurecido, meio inchado. “Como eu estava grávida, fui parar nas mãos de um médico referência em tratar tumor na gestação, que abraçou minha causa e disse que eu poderia tratar o câncer e seguir com a gestação, mas teria de ser forte.” Ela realizou a mastectomia radical direita com esvaziamento axilar com 12 semanas de gestação. “Quando terminou a cirurgia, a primeira coisa que eu perguntei era se meu filho estava bem”, diz.

Du e-holic chapeleiro

A quimioterapia foi iniciada com 16 semanas de gestação. “Toda vez que eu ficava com aquela química correndo pelas minhas veias, chorava com receio de que o medicamento prejudicasse meu filho. Mas eu tinha muita fé, acreditei cada dia, cada minuto, que tudo daria certo.” Hoje seu filho, Waldemir, nome dado para homenagear seu médico, está com 4 anos e é uma criança inteligente e saudável. A família está completa, mas Márcia continua na luta contra uma metástase hepática. Ainda assim, não perde a fé e a disposição em ajudar. Por isso, resolveu contar sua história, para que muitas mulheres tenham informações e força para enfrentar a doença. “Eu me sinto na obrigação. Recebi muito amor, apoio, e seria egoísmo guardar tudo isso só para mim. Por isso, enquanto mulher e cidadã, gosto de servir de exemplo e lutar por políticas públicas que proporcionem o que as mulheres necessitam. Faltam médicos capacitados, mamógrafos, e sobram filas nas unidades básicas de saúde e nos hospitais. Mesmo depois do diagnóstico, o tratamento é demorado devido à grande demanda.”

Márcia e Graciela

Não se trata de um remédio, é um carinho em forma de chapéu. Elevar a autoestima é um santo remédio.” Miriam Sanches também começou a trabalhar com produtos destinados a pacientes com câncer por conta do acaso. Ou quase. Em 1985, uma prima foi mastectomizada e ela resolveu procurar produtos que pudessem substituir a mama retirada na cirurgia. Pesquisou, foi a diversas casas ortopédicas, seguiu orientações de médicos e enfermeiros, mas não encontrou lugares com produtos específicos para mastectomizadas. Foi aí que surgiu a ideia de montar a Mama Amiga, uma loja para atender mulheres na mesma situação. “Fomos pioneiros, e ainda hoje desconheço estabelecimentos similares”, afirma. A loja comercializa próteses mamárias para serem encaixadas dentro de sutiãs já com o forro para colocação. Além das próteses, vários modelos de sutiãs, camisetas forradas, maiôs, tops e uma série de produtos direcionados a mulheres que sofreram mastectomia. “Quando chegam à loja, elas entram cabisbaixas, escondendo a cirurgia com o braço ou a bolsa. Mas, quando percebem que podem colocar uma prótese adequada, um sutiã bonito, colorido, com renda, elas se sentem valorizadas, incentivadas a continuar usando seu guarda-roupa sem limitação. Vão embora com uma postura física e psicológica diferente. De peito para frente”, brinca. www.mulheresdepeito.com.br

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Cetuximabe beneficia pacientes com câncer de cabeça e pescoço independente do status de HPV do tumor Foram divulgados durante o Congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Clínica (ESMO) novos dados do Estudo EXTREME, de fase III, randomizado, que se refere ao uso do cetuximabe em câncer de células escamosas de cabeça e pescoço recidivante e/ou metastático (CCECP R/M). O Estudo EXTREME envolveu 442 pacientes com CCECP R/M não tratados previamente, que aderiram à terapia-alvo cetuximabe mais quimioterapia à base de platina (quimioterapia; cisplatina ou carboplatina mais infusão de 5-fluorouracil) ou quimioterapia à base de platina isoladamente. O estudo atingiu o desfecho primário de sobrevida global significativamente maior – houve melhora de 2,7 meses (p=0,04) para os pacientes tratados com cetuximabe mais quimioterapia à base de platina em comparação à quimioterapia isoladamente. A sobrevida global mediana dos pacientes no grupo que recebeu cetuximabe mais quimioterapia à base de platina foi de 10,1 meses e de 7,4 meses para os tratados com quimioterapia à base de platina isoladamente. Esse tempo de sobrevida está entre os mais longos já relatados em um estudo de fase III nessa população de pacientes. Os resultados de uma análise retrospectiva mostraram que o tratamento com cetuximabe em combinação com a quimioterapia com cisplatina/carboplatina adicionando 5-FU parece ser independente do status do papilomavírus humano (HPV) do tumor. A comparação se baseou no tratamento com quimioterapia isolada nos pacientes com câncer de células escamosas de cabeça e pescoço recidivante e/ou metastático, e mostrou que pacientes que possuem tumor HPV positivo ou negativo são igualmente beneficiados com o tratamento. A análise incluiu sobrevida global, sobrevida livre de progressão e taxa de resposta global. A infecção por HPV está relacionada a uma incidência global cada vez maior do câncer de cabeça e pescoço, o que torna esses resultados particularmente importantes. Acredita-se que o status HPV-positivo seja responsável pela incidência cada vez mais elevada de CCECP orofaríngeo nos últimos anos. Quando detectado precocemente, a perspectiva geralmente é boa. No entanto, a grande maioria é diagnosticada quando a doença já está em estádio avançado. Segundo Jean-Louis Lefebvre, presidente da Sociedade Europeia de Cabeça e Pescoço (EHNS), o câncer de cabeça e pescoço costuma ser tratado em estádio avançado devido ao atraso na apresentação, no diagnóstico e no encaminhamento. “Estamos trabalhando em conjunto com outras sociedades para melhorar os resultados dos pacientes, aumentando a conscientização sobre sintomas e sinais do câncer de cabeça e pescoço particularmente entre pacientes e médicos, como os médicos de família e os dentistas”, afirmou.

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FDA analisa uso do regorafenibe no tratamento de GIST A Bayer HealthCare e a Onyx Pharmaceuticals anunciaram nos Estados Unidos a decisão da agência americana FDA (Food and Drug Administration) de conceder revisão prioritária para o Stivarga® (regorafenibe) no tratamento de pacientes com tumor estromal gastrointestinal (GIST) metastático e/ou em casos irressecáveis que progrediram ao tratamento com outros inibidores de tirosino-quinase. A FDA pretende concluir sua revisão dentro de seis meses, prazo inferior ao ciclo de revisão padrão de dez meses, o que significa que a incorporação do novo agente no tratamento de GIST pode ocorrer já a partir do primeiro quadrimestre de 2013. A avaliação de prioridade segue a recente aprovação pela FDA do regorafenibe para o tratamento de pacientes com câncer colorretal metastático (mCRC) previamente tratados com as terapias padrão. GIST é a forma mais comum de sarcoma, um tipo de câncer que se desenvolve a partir de certos tecidos, como ossos ou músculos, envolvendo o trato gastrointestinal. Nos Estados Unidos, estima-se que existam cerca de 4 mil a 5 mil novos casos de GIST diagnosticados a cada ano, dos quais cerca de 1,5 mil já com metástase no momento do diagnóstico. O GIST pode não causar qualquer sintoma e ser encontrado por acaso em exames de rotina. O regorafenibe é um inibidor oral de múltiplas quinases capaz de atuar em diferentes mecanismos envolvidos no crescimento e progressão tumoral. No câncer colorretal, o novo agente melhorou estatisticamente a sobrevida global e a sobrevida livre de progressão da doença em pacientes previamente tratados com as terapias padronizadas.


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Tratamento do mieloma múltiplo no Brasil é prejudicado por falta de sensibilidade da Anvisa, afirma especialista O tratamento de mieloma múltiplo no Brasil está cada vez mais distante do oferecido na Europa e na América Latina, o que vem impedindo milhares de pacientes de ter maior e melhor qualidade de vida. Essa foi a constatação do hematologista e diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), Ângelo Maiolino, durante a 11ª reunião da Italian-Brazilian Association of Hematology (AIBE), encontro que reuniu os maiores especialistas dos dois países em doenças onco-hematológicas. Atualmente, os pacientes de mieloma são tratados em mais de 80 países com uma combinação de vários medicamentos, incluindo os que pertencem a uma categoria conhecida como imunomoduladores. Pacientes que apresentam recaída ou piora das condições de saúde precisam ser tratados com a lenalidomida. No Brasil, a demora no registro do medicamento pela agência reguladora brasileira impede o ganho em qualidade de vida dos pacientes portadores da doença. “Para os pacientes que estão se preparando ou passaram por transplante de medula óssea, o uso desse imunomodulador é fundamental”, disse o médico Ignazio Majolino, do hospital São Camilo de Roma. O medicamento é menos tóxico que a talidomida e possui menor efeito colateral. “Na Europa e nos Estados Unidos, a lenalidomida, além de ser amplamente usada para tratamento do mieloma múltiplo, reúne vários estudos publicados sobre seus benefícios também para linfomas e leucemias. No Brasil, entidades de pacientes e de médicos reivindicam a aprovação. A solicitação é apenas para pacientes com recaída, como segunda opção; no entanto, nem diante desse quadro a Anvisa se mostra sensível aos apelos da comunidade científica”, concluiu Maiolino.

Mozobil® ajuda no transplante autólogo de medula óssea Linfoma não-Hodgkin (LNH) e mieloma múltiplo (MM) são dois dos muitos tipos de câncer de células do sangue. Altas doses de quimioterapia podem ser necessárias para a cura ou sobrevivência desses pacientes. Essa necessidade ocorre pois as células tumorais se tornam resistentes à quimioterapia em dose habitual. Como a quimioterapia destrói não somente as células tumorais, ao receber altas doses os pacientes podem ter destruídas também as chamadas células-tronco hematológicas que dão origem aos glóbulos vermelhos, aos glóbulos brancos e às plaquetas. A única forma de viabilizar o uso de altas doses de quimioterapia é através do transplante de medula óssea, que pode ser de um doador compatível (transplante alogênico) ou do próprio paciente (transplante autólogo). O transplante autólogo é feito com células-tronco da própria pessoa que são estimuladas (mobilizadas) para sair da medula óssea para o sangue. No sangue, essas células-tronco são separadas das demais numa máquina de aférese (que faz lembrar uma máquina de hemodiálise) e depois são congeladas. Quando é feita a quimioterapia em altas doses, morrem as células tumorais e as células-tronco do paciente. Logo depois, através de uma transfusão, são devolvidas as células-tronco que estavam congeladas e guardadas. No entanto, o número necessário de células-tronco sempre é atingido com as medicações disponíveis, e cerca de 15% a 20% dos pacientes não conseguem o número mínimo de 2 milhões de células-tronco para poder realizar o transplante e acabam morrendo com a progressão do câncer. Para suprir essa necessidade médica não atendida, o medicamento Mozobil (plerixafor) foi desenvolvido para resgatar esses pacientes e ajudá-los a realizar mais rapidamente o transplante, na maioria das vezes com apenas uma única dose subcutânea. O medicamento é indicado em terapêutica combinada com G-CSF para potenciar a mobilização de células estaminais hematopoiéticas para o sangue periférico, para colheita e subsequente transplante autólogo em doentes com linfoma ou mieloma múltiplo em que a mobilização de células seja difícil. A célula-tronco fica presa na medula óssea, como um navio ancorado, e mozobil é uma pequena molécula que, ao se ligar a essa âncora (chamada CXCR4), libera a célula-tronco para navegar pelo sangue.

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mundo virtual

Onco& recomenda A seção Mundo Virtual ajuda a selecionar o que é ou não relevante e confiável na internet. A cada edição, sites importantes de oncologia voltados tanto para médicos, com novidades e informações sobre a área, como para pacientes, com dicas de prevenção e assistência ao doente.

Suporte técnico-científico aos patologistas brasileiros

Informação e educação em patologia

www.sbp.org.br

www.uscap.org

A página da Sociedade Brasileira de Patologia reúne, além de muita informação própria, como manuais, boletins, pareceres e livros publicados pela SBP, casos clínicos para discussão de diagnóstico, eventos da área, notícias e periódicos de interesse da classe. A página também possui uma boa área de links, classificados em categorias como órgãos de governo, sociedades de especialidades, associações de patologia, entre outras, além de biblioteca virtual e uma eficiente busca de artigos. Para o estudante de medicina que deseja trabalhar na área, o site também oferece informações sobre residência médica, com links para escolas médicas e grandes complexos hospitalares.

Se há mais de 100 anos o United States & Canadian Academy of Pathology (USCAP/IAP) é um dos principais responsáveis na transmissão de conhecimento na área da patologia, seu site segue à risca a vocação para informar e educar. A quantidade de materiais informativos e educacionais disponíveis – de graça – é enorme. São aproximadamente 70 mil páginas com estudos, abstracts e posters de congressos dos últimos sete anos, além de mais de 70 minicursos. Todos os materiais educacionais são pesquisados por meio de um índice organizado por subespecialidades da patologia, e os resumos científicos apresentados nos últimos três anos (cerca de 5 mil) podem ser pesquisados por assunto, autor, tecnologia ou doença.

Também conhece sites interessantes sobre oncologia? Mande sua sugestão para contato@revistaonco.com.br

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acontece

Fique por dentro dos congressos, simpósios, encontros de atualização e outros tantos eventos do mundo da oncologia. Confira aqui o que foi destaque:

Simone Simon

Com o tema “O Brasil, o Câncer e o Câncer no Brasil”, aconteceu entre os dias 24 e 27 de outubro em Fortaleza, Ceará, o maior congresso de oncologia do ano no Brasil, o CONCAN 2012. Entre os destaques, o simpósio de atualização em câncer de mama, além de eventos paralelos que abordaram o tratamento multidisciplinar, com simpósios de farmácia em oncologia, nutrição, enfermagem, fisioterapia e psicologia, entre outras especialidades que buscam trazer mais qualidade de vida ao paciente oncológico e estimular o processo de cura. O evento também evidenciou a importância do diagnóstico precoce, com um curso de oncologia básica para profissionais da saúde e do Programa Saúde da Família (PSF) com o tema “Rastreamento, prevenção e detecção precoce do câncer”. Ao lado da qualidade da programação científica, os organizadores deste XIX CONCAN, Pedro Wilson Leitão Lima e Roberto Porto Fonseca (na foto, com Anderson Silvestrini, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica – SBOC), fizeram questão de trazer ao encontro grandes nomes da oncologia brasileira. Entre os homenageados desta edição estão personalidades como Luiz Antonio Santini, diretor-geral do INCA.

Carla Ornelas/Secom

XIX Congresso Brasileiro de Cancerologia

17o Congresso Mundial de Mastologia da SIS – Sociedade Mundial de Mastologia Considerado o mais importante evento da especialidade, o 17o Congresso Mundial de Mastologia foi realizado entre os dias 10 e 13 de outubro em Salvador, Bahia, reunindo mais de 120 palestrantes estrangeiros, além de aproximadamente 150 palestrantes do Brasil, para discutir questões relacionadas a prevenção, diagnóstico e novas tecnologias para o tratamento do câncer de mama. O encontro também reservou espaço à realização do I Fórum de Reconstrução Mamária Mentor, com mais de mil participantes. Promovido pela Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e pela Sociedade Mundial da especialidade, o evento contou com a presença do governador da Bahia, Jaques Wagner, do secretário da Saúde, Jorge Solla, e da primeira-dama do Estado e presidente das Voluntárias Sociais da Bahia (VSBA), Fátima Mendonça. A escolha do Brasil como sede do encontro mundial não foi ao acaso, mas resultado do reconhecimento do elevado nível da especialidade no país, acredita o presidente do Congresso Mundial de Mastologia e da Sociedade Mundial de Mastologia, Ézio Novais Dias (na foto, ao lado de Maurício Magalhães Costa, presidente da Federação Latino-Americana de Mastologia, com as autoridades locais).

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calendário 2012

Evento

Data

Local

Informações

II Jornada de Nutrição e Câncer do ICESP

8 de novembro

São Paulo, SP

www.icesp.org.br/calendario

HEMO 2012

8 a 11 de novembro

Rio de Janeiro, RJ

www.hemo2012.org.br

1o Simpósio Carioca de Tumores Gastrointestinais

9 de novembro

Rio de Janeiro, RJ

Tel. (21) 3385-2084

II Curso de Atualização em Câncer do Aparelho Digestivo Alto

9 e 10 de novembro

São Paulo, SP

www.accamargo.org.br/eventos/

IV Congresso Internacional de Ginecologia Oncológica

9 e 10 de novembro

São Paulo, SP

www.rvmais.com.br/ginecologia-oncologica

II Simpósio Internacional de Oncogeriatria

9 e 10 de novembro

São Paulo, SP

www.einstein.br/ensino/eventos

VIII Jornada de Dor do INCA

10 de novembro

Rio de Janeiro, RJ

www1.inca.gov.br/ie_eventos/

VIII Jornada de Enfermagem do INCA / II Encontro de Educação Continuada em Enfermagem do INCA

12 e 13 de novembro

Rio de Janeiro, RJ

www1.inca.gov.br/ie_eventos/

I Simpósio Internacional de Cuidados Intensivos no Paciente com Câncer – ICESP

23 e 24 de novembro

São Paulo, SP

Tel. (11) 3893-3267/3271

Congresso de Oncologia Clínica

23 e 24 de novembro

Ribeirão Preto, SP

www.sboc.org.br/downloads/Programa.pdf

1o Congresso de Cirurgia Oncológica – Regional Brasília

29 e 30 de novembro

Brasília, DF

www.cirurgiaoncologicabsb.com.br/

Simpósio Up to Date

30 de novembro e 1 de dezembro

Brasília, DF

www.eventosuptodate.com.br/brasilia/

Simpósio Up to Date Uro-Oncologia

7 e 8 de dezembro

Belo Horizonte, MG

www.eventosuptodate.com.br/belo_horizonte

I Simpósio Internacional de Atenção Primária em Saúde

7 e 8 de dezembro

São Paulo, SP

www.einstein.br/Ensino/eventos/Paginas/ simposio-de-atencao-primaria-em-saude.aspx

1o Simpósio de Enfermagem

17 de dezembro

São Paulo, SP

www.icesp.org.br/calendario

Calendário de eventos de 2012 completo e atualizado:

50

novembro/dezembro 2012 Onco&


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