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Abril/Maio 2011 Ano 1 • nº 5
Oncologia para todas as especialidades
Entrevista Uma conversa com Luiz Antonio Santini, diretor-geral do INCA
Cabeça e pescoço Neoplasia localmente avançada de laringe na era da preservação de órgão
Cuidados paliativos O desafio do controle de sintomas em pacientes oncológicos
Pesquisa clínica Uma radiografia completa dos estudos clínicos no Brasil
emergências oncológicas | ginecologia | curtas | calendário
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sumário
entrevista
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Luiz Antonio Santini, diretor-geral do INCA, fala sobre câncer no Brasil, novo governo e planos para o futuro
capa
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Pesquisa clínica Uma radiografia completa dos estudos clínicos no Brasil
emergências oncológicas
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Manuseio de complicações hemorrágicas adquiridas no tratamento do paciente oncológico Alexandre Mello de Azevedo, Simone Maradei, Isabela Gonçalves Antunes Pereira, Marcia Trindade Schramm, Leonardo Javier Arcuri e Daniel Tabak
cabeça e pescoço
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Neoplasia localmente avançada de laringe na era da preservação de órgão: qual a melhor estratégia terapêutica? Genival Barbosa de Carvalho, Laura Mannarini e Luiz Paulo Kowalski
ginecologia
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Vacinas contra HPV Fabio Laginha
cuidados paliativos
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Controle de sintomas em pacientes oncológicos: eterno desafio Ana Lucia Coradazzi e Juliana dos Santos de Oliveira
do bem
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Redes sociais: Facebook, Twitter e outras ferramentas se tornam aliadas na luta contra o câncer
curtas
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Notícias da indústria, iniciativas, parcerias: um giro pelo mundo da oncologia
calendário
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Programe-se: eventos e congressos para anotar na agenda
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Conselho editorial Editor clínico: Sergio D. Simon
I – Cancerologia clínica Oncologia clínica: André Moraes (SP) Anelisa Coutinho (BA) Auro Del Giglio (SP) Carlos Sampaio (BA) Claudio Petrilli (SP) Clarissa Mathias (BA) Daniel Herchenhorn (RJ) Fernando Medina (SP) Gothardo Lima (CE) Igor Morbeck (DF) João Nunes (SP) José Bines (RJ) Karla Emerenciano (RN) Marcelo Aisen (SP) Marcelo Collaço Paulo (SC) Maria de Fátima Dias Gaui (RJ) Nise Yamaguchi (SP) Oren Smaletz (SP) Paulo Marcelo Gehm Hoff (SP) Roberto Gil (RJ) Sebastião Cabral Filho (MG) Sérgio Azevedo (RS) Sergio Lago (RS) Onco-hematologia: Carlos Chiattone (SP) Carmino de Souza (SP) Daniel Tabak (RJ) Jane Dobbin (RJ) Nelson Spector (RJ) Vânia Hungria (SP)
Transplante de medula: Jairo Sobrinho (SP) Luis Fernando Bouzas (RJ) Nelson Hamerschlak (SP) Yana Novis (SP)
II – Biologia molecular Ada Alves (RJ) André Vettore (SP) Carlos Gil (RJ) Helenice Gobbi (MG) José Cláudio Casali (RJ) Luísa Lina Villa (SP) Maria Isabel Achatz (SP)
III – Cancerologia cirúrgica Neurologia: Manoel Jacobsen Teixeira (SP) Marcos Stavale (SP) Cabeça e pescoço: Luis Paulo Kowalski (SP) Vergilius Araújo (SP) Tórax: Angelo Fernandez (SP) Riad Naim Younes (SP) Abdômen: José Jukemura (SP) Laercio Gomes Lourenço (SP) Marcos Moraes (RJ) Paulo Herman (SP)
Mama: Alfredo Barros (SP) Antonio Frasson (SP) Carlos Alberto Ruiz (SP) Maira Caleffi (RS) Urologia: Ademar Lopes (SP) Antônio Carlos L. Pompeu (SP) Miguel Srougi (SP) Ginecologia: Jorge Saad Souen (SP) Sérgio Mancini Nicolau (SP) Sophie Derchain (SP) Tecido osteoconjuntivo: Olavo Pires de Camargo (SP) Reynaldo J. Garcia Filho (SP)
IV – Radioterapia Ludmila Siqueira (MG) Paulo Novaes (SP) Robson Ferrigno (SP) Rodrigo Hanriot (SP) Wladimir Nadalin (SP)
V – Cuidados paliativos e dor Ana Claudia Arantes (SP) Claudia Naylor Lisboa (RJ) Fabíola Minson (SP) João Marcos Rizzo (RS) Ricardo Caponero (SP)
Ano 1 • número 5 abril/maio 2011
Editorial Lilian Liang lilian@iasoeditora.com.br Comercial Simone Simon simone@iasoeditora.com.br Direção de arte Luciana Cury luciana@iasoeditora.com.br Revisão Patrícia Villas Bôas Cueva
Impressão: Ipsis Gráfica e Editora Tiragem: 10 mil exemplares ISSN: 2179-0930 Jornalista responsável: Lilian Liang (MTb 26.817) Colaboraram nesta edição: Alexandre Mello de Azevedo, Ana Lucia Coradazzi, Bartira Betini, Daniel Tabak, Fabio Laginha, Genival Barbosa de Carvalho, Isabela Gonçalves Antunes Pereira, Juliana dos Santos de Oliveira, Laura Mannarini, Leonardo Javier Arcuri, Luiz Paulo Kowalski, Marcia Trindade Schramm, Sérgio Vieira, Simone Maradei Errata: Na Onco& ed.4, o nome de um dos autores do artigo “Câncer e Trombose” foi grafado de maneira errada. O correto é Luiz Gustavo Torres. Seu e-mail de contato é torres.luizgustavo@gmail.com
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A revista Onco& – Oncologia para todas as especialidades, uma publicação da Iaso Editora, especializada em comunicação médica, traz informações sobre oncologia a profissionais de todas as especialidades médicas. De circulação bimestral, tem distribuição nacional e gratuita por todo o território nacional. A reprodução do conteúdo da revista é permitida desde que citada a fonte.
Rua João Álvares Soares, 1223 Campo Belo – 04609-002 – São Paulo – SP (11) 2478-6985 (redação) (21) 3798-1437 (comercial)
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Potencial e oportunidades
U
m estudo publicado em fevereiro no Journal of the National Cancer Institute revelou que os médicos podem ser a razão por trás da baixa participação de pacientes em estudos clínicos nos EUA. Segundo a autora, Carrie Klabunde, apenas 56,7% dos 1.533 médicos entrevistados relataram ter encaminhado pelo menos um paciente para algum estudo clínico de câncer no ano anterior. Área de atuação, associação a um centro oncológico e falta de informação sobre pesquisas clínicas foram apontados como algumas causas para essas taxas. Mesmo assim, os EUA ocupam o primeiro lugar no ranking de países com maior número de estudos clínicos aprovados no mundo. Segundo dados do National Institutes of Health e da Federación Latinoamericana de la Industria Farmacéutica, há 215.934 ensaios clínicos em andamento no país, o que corresponde a dois terços de todos os estudos realizados mundialmente. O Brasil ocupa uma tímida 17a posição nesse ranking, com apenas 1.928 estudos em andamento. Embora tenha sido observado um impulso na área a partir de 1996, com a aprovação da Lei das Patentes e a definição da regulamentação ética da pesquisa de novos medicamentos em seres humanos, o Brasil ainda se desenvolve a passos lentos em pesquisa clínica. De 2006 a 2009, o gigante sulamericano se manteve com índices estagnados, enquanto países como Coreia do Sul, Índia e China aumentaram sua participação a olhos vistos em estudos clínicos no mundo. Um relatório da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, instituição que congrega as indústrias farmacêuticas no Brasil, resume a situação de maneira precisa: “O Brasil tem enorme potencial, mas perde inúmeras oportunidades”.
A pesquisa clínica é um dos pilares para o desenvolvimento em saúde num país. Novas drogas e tecnologias dependem de um ambiente vibrante, robusto e ágil, com investimentos maciços, centros de pesquisa de ponta, cientistas qualificados, grandes hospitais de referência. E, embora o Brasil conte com todos esses ingredientes, acaba esbarrando na burocracia e no labirinto regulatório. O tempo de aprovação de pesquisas clínicas é um bom indicador da dimensão do problema: enquanto nos EUA, na França e no Canadá essa aprovação não leva mais de quatro meses, no Brasil contemplamos uma espera de 10 a 14 meses. As consequências dessa lentidão se traduzem em números assustadores. Estimativas da Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica destacam que, por causa de oportunidades perdidas, o Brasil deixou de receber investimentos no valor de US$ 200 milhões nos últimos seis meses, embora conte com uma estrutura pronta para ser utilizada, que contabiliza mais de 300 mil médicos ativos e mais de 600 comitês de ética em pesquisa instalados. Nesta edição de Onco& – Oncologia para todas as especialidades, abordamos a questão no âmbito da oncologia. Queremos expor os problemas, pensar em soluções e estimular o debate, porque acreditamos que é através de discussões honestas e éticas que se provocam as mudanças. Ganham o país, a medicina e, principalmente, o paciente de câncer. Boa leitura!
Lilian Liang
* Jornalista especializada na cobertura de saúde, é editora da Onco& – Oncologia para todas as especialidades Contato: lilian@iasoeditora.com.br
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entrevista
De olho no futuro Há 73 anos o INCA acompanha a evolução da doença no Brasil. Conheça um pouco de sua trajetória e veja como ele vem se adaptando à nova realidade da doença Por Lilian Liang
Divulgação
C * Diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer (INCA)
abril/maio 2011 Onco&
LUIZ AN-
SANTINI, DIRETOR-GERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER (INCA) JÁ TINHA UMA certa familiaridade com o câncer, mas nunca havia sonhado se tornar um dia o cabeça da instituição responsável pelo combate à doença no país. Em 2005, no entanto, suas incursões pelos caminhos da gestão de saúde pública culminaram com sua nomeação como diretor-geral do INCA, ocupando a cadeira que antes pertencia a José Gomes Temporão, então recém-eleito ministro da Saúde. Num país que só no ano passado registrou 500 mil casos novos de câncer, estar à frente de uma instituição cuja principal missão é assistir a prevenção e o controle da doença pode ser uma tarefa assustadora. Santini, porém, não se intimidou. Arregaçou as mangas e acrescentou às suas responsabilidades como coordenador de planejamento estratégico, que desempenhava desde 2003, a supervisão de uma estrutura que atende 1,3 mil pacientes e realiza cerca de 700 cirurgias por mês. No ano de sua posse, Santini viu uma nova Política Nacional de Atenção Oncológica tomar corpo. O câncer deixava de ser apenas sinônimo de alta complexidade para ser encarado como um problema de saúde pública. Esse foi o impulso para o desenvolvimento de outras iniciativas, como a Rede de Atenção Oncológica e o programa de Expansão da Assistência Oncológica, cujo objetivo é expandir o modelo da assistência oncológica integral através da criação de Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON). O novo governo já deu sinais de que o câncer está na agenda do dia. No final de março, a presidente Dilma Rousseff lançou em Manaus um plano de ação com o objetivo de fortalecer o Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero TONIO
Luiz Antonio Santini
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IRURGIÃO TORÁCICO DE FORMAÇÃO,
e de Mama. Para implementar as ações, o governo federal investirá R$ 1,25 bilhão. Santini, que vem participando de todas essas mudanças, orgulha-se do presente mas não se detém nele. Pensa no futuro. Pensa no novo prédio do INCA, que ocupará uma área de cerca de 90 mil metros quadrados – três vezes maior do que a do atual prédio-sede – e poderá atender num só local os quase 10 mil pacientes do instituto. Pensa na necessidade de investimento em pesquisas clínicas. Pensa na formação de médicos mais envolvidos com a oncologia. E pensa nos próximos 70 anos, que parecem muito tempo mas que dão a ele a motivação para olhar para a frente e trabalhar. A seguir, trechos da entrevista.
Onco& Hoje o câncer é visto como um problema de saúde pública, tanto por parte da população como dos médicos. Como o INCA está encarando essa mudança? LAS Essa percepção é muito importante, porque é uma mudança de paradigma em relação ao enfrentamento da doença. Uma das atitudes que demonstram que o governo deu visibilidade a essa questão foi justamente a portaria de 2005, que definiu a Política Nacional de Atenção Oncológica e seus mecanismos de implementação. A portaria anterior, a famosa portaria chamada 3535, definia para atenção oncológica apenas as ações de alta complexidade. A nova portaria de 2005 define exatamente que o câncer é um problema de saúde pública e que, portanto, as ações de controle do câncer se desenvolvem na atenção básica, de média e alta complexidade e nas ações de prevenção. Essa mudança de posição do Ministério da Saúde em relação ao problema do câncer, formalizando a questão como um problema de saúde pública global, aconteceu há menos de seis anos. É uma conquista recente.
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Onco& Embora o INCA desenvolva inúmeras ações de prevenção,
LAS Não concordo com isso. Em relação às terapias oncológicas, par-
ainda falta investimento em outras que podem ser até mais eficazes, como a vacina contra HPV no controle do câncer do colo do útero. Isso não é preocupante, se considerarmos que a OMS prevê que o número de casos de câncer em países em desenvolvimento vai dobrar em dez anos? LAS A vacina contra HPV é um grande avanço do ponto de vista científico, mas ainda não é uma estratégia consagrada de saúde pública. Ela cobre apenas dois ou quatro tipos dos vírus prevalentes – embora esses sejam os mais frequentemente associados – e pode induzir erroneamente a expectativa de que, uma vez vacinada, a pessoa pode abandonar as estratégias de prevenção. Além desses aspectos técnicos, essa vacina tem um preço altíssimo. Estamos estudando inclusive a possibilidade de produzi-la, porque hoje, do ponto de vista financeiro, ela é inatingível. Para se ter uma ideia, se incorporássemos a vacina contra HPV aos preços aprovados no mercado brasileiro hoje, o Ministério da Saúde gastaria quatro vezes mais do que gasta com todas as vacinas de que a população brasileira precisa. Isso é impraticável. Então, o que temos de fazer? Primeiro, acompanhar o que está acontecendo no mundo em relação a isso. Vários países têm adotado a vacina da mesma forma que o Brasil – focalmente ou de acordo com as pessoas que conseguem pagar. Pouquíssimos países a têm usado como estratégia populacional, em geral aqueles em que o câncer do colo do útero não é um problema de saúde pública tão grave, que são basicamente os países europeus, principalmente os nórdicos. Para os países em que o câncer do colo do útero é uma realidade, como os da América Latina e da África, ou seja, países pobres, essa vacina é inatingível. Então é necessária uma estratégia combinada, econômica e científica, para que ela seja incorporada. Existe um programa do qual a OMS participa que se chama GAVI (The Global Alliance for Vaccines and Immunization), que viabiliza o financiamento da produção de determinadas vacinas que têm aplicação massiva em países pobres. A vacina contra HPV ainda não está incluída nesse programa, mas precisa ser, para que o custo da pesquisa científica para produzir essa vacina seja absorvido, de forma que os países possam utilizá-la pagando apenas o preço da produção e não o custo do desenvolvimento. Porque um dos grandes problemas de incorporação de tecnologia e novos medicamentos, novas vacinas ou mesmo de meios diagnósticos e kits é exatamente este: o custo de produção nem é tão alto, mas o custo embutido no produto que diz respeito à patente é altíssimo. Isso é um grande dilema na saúde pública no que se refere a novas tecnologias. Não é apenas uma questão de haver uma tecnologia disponível e o Ministério da Saúde não ter dinheiro para utilizar.
ticularmente dessa área de novos medicamentos, quimioterapia, anticorpos monoclonais, temos uma situação muito diferente da situação de drogas novas que entram numa determinada linha de produção/investimento clássica, em que se tem um período de desenvolvimento, teste, aplicação. O tempo entre o início de uma pesquisa e a utilização do produto ocorre, na melhor das hipóteses, em dez anos. O que tem acontecido na área de oncologia é que o tempo entre a saída do produto dos experimentos fase 1 para utilização clínica está muito encurtado – e ele é aceito em oncologia como um período mais curto mesmo, até porque os pacientes não têm tempo de esperar. Isso provoca dois problemas. Um deles se refere ao custo: apesar de o câncer ser a segunda causa de morte no Brasil e a primeira no mundo desenvolvido, percentualmente ele incide numa parcela pequena de pessoas na população. Isso significa que o consumo dessas drogas, em termos populacionais, é baixo, então o custo é muito alto. O segundo é o fator da utilização. Essas drogas, principalmente as drogas-alvo, têm um componente muito interessante do ponto de vista científico, que foi seu foco de desenvolvimento: elas são cada vez mais específicas e, portanto, são recomendadas para o menor número possível de pessoas. Mas com isso se cria um problema que é conceitual do usuário, tanto do paciente quanto do médico, que muitas vezes não se dão conta disso. Muitos querem prescrever ou usar um novo medicamento recém-lançado nos EUA, mas que não é indicado para aquele caso ou que ainda nem foi registrado no Brasil. Nós tivemos há pouco tempo um caso assim: a droga não estava disponível no Brasil nem registrada na Anvisa, e já veio uma ordem judicial para ser utilizada. Portanto, vivemos desde situações em que as drogas existem, já são testadas e ainda não estão disponíveis no SUS, porque passam por um processo de incorporação, até o outro extremo, de drogas que nem sequer são comercializadas no Brasil e já estão sendo receitadas. Trata-se de um espectro amplo de problemas, não de uma decisão cruel do Ministério da Saúde.
Onco& Estamos novamente numa fase de defasagem entre os medicamentos disponíveis fora do Brasil e os medicamentos a que os pacientes brasileiros têm acesso. Vamos voltar a ter a medicina dos mais abastados, que podem importar remédios caros, e a dos menos abastados, que têm de se restringir à cobertura da saúde suplementar ou à disponibilidade do SUS?
Onco& O câncer caminha para se transformar numa doença como a aids, que se tornou crônica e altamente administrável? É esse o caminho? LAS Acredito que sim, pelo menos essa é uma hipótese. Embora o câncer tenha aspectos um pouco diferentes, acredito que a ideia é esta: transformá-lo numa doença crônica e, portanto, controlável. Os cânceres ligados ao sistema linfohematopoiético, por exemplo, que há 15 anos apresentavam apenas 15% de chances de cura, hoje apresentam 85%. A curva foi completamente invertida. Mas até que ponto essa cura é cura ainda não é certo. Tudo está em plena evolução. Alguns outros tipos de câncer, como o do colo do útero, são evitáveis, preveníveis e curáveis. Nesse caso, não se busca a cronificação, busca-se a cura, ou a prevenção completa. Já no câncer de mama, fica cada vez mais claro que não se trata de uma doença só, já que os tumores têm comportamentos e respostas terapêuticas completamente distintas. Onco& abril/maio 2011
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Nós, aqui no INCA, adotamos um modelo de análise da história natural do câncer, que foi até o que deu origem à constituição dessa portaria de atenção oncológica. Isso tem a ver com a história da própria instituição, que foi criada como um hospital para pacientes terminais, porque há 73 anos não havia muito o que se fazer pelo paciente de câncer. À medida que os conhecimentos sobre o câncer avançavam, a própria estrutura do INCA foi sendo modificada.
Onco& A oncologia é cada vez mais uma área multidisciplinar. Estamos preparando as outras áreas médicas para essa realidade?
LAS Esse é um ponto crítico. O conhecimento sobre o câncer está aumentando, as instituições especializadas estão se capacitando para absorver esse conhecimento, mas a prática médica de uma maneira geral não está absorvendo esse conhecimento. As escolas médicas também não. De minha experiência com educação, como diretor da Associação Brasileira de Educação Médica, acredito que a única forma de mudar o perfil da formação do médico é aproximar a escola médica do serviço de saúde. O câncer é uma doença importantíssima, mas as faculdades de medicina, infelizmente, apesar desse esforço, ainda não conseguiram essa aproximação. Hoje existe um espaço muito grande entre quais são de fato os problemas de saúde pública na comunidade e a forma com que a educação médica enfrenta esse problema. O câncer representa um grande desafio para essa situação, mas também uma grande oportunidade, porque sua incidência está aumentando na população. A escola médica, queira ou não, terá de tratar desse assunto. Isso já acontece numa pequena escala, já que grande parte dos serviços prestados pelos hospitais universitários é de atendimento oncológico. O problema é que a visão da escola ainda é a da especialidade para fora e não do problema para dentro.
Onco& Há quem reclame que o INCA atua muito mais regionalmente do que seria esperado para uma instituição nacional. LAS Acho que nós temos uma ação nacional bastante abrangente e diversificada. Podemos fazer mais, claro. Mas tudo depende do modelo. Nós não somos um país cuja política de saúde é centralizada, portanto nossas ações são muito mais de assessoria e acompanhamento do que de ação direta nacional. Os estados têm responsabilidade na gestão de seu âmbito. Ao INCA compete dar assessoria técnica, capacitar, e acho que tudo isso está sendo feito. Essa rede de 268 unidades de atendimento oncológico, por exemplo, é tecnicamente orientada pelo INCA. A expansão dessa rede, a implantação de novas unidades, os protocolos a desenvolver, o acompanhamento da obra, tudo é feito por nós. Nós não temos pretensão nenhuma de ter um INCA em cada lugar. O INCA dá suporte para os estados e municípios terem seus próprios “INCAs”, suas unidades de tratamento, mas muitas vezes é difícil para a população entender isso. Onco& Quais as primeiras ações do INCA com esse novo governo? LAS Uma é um plano de ação do controle do câncer do colo do útero no país: identificação da situação, onde ela é mais problemática, que
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ações são necessárias – especialmente na região Norte do Brasil, onde estão as maiores incidência, mortalidade e dificuldade de organização, pelas distâncias, dispersão da população e falta de infraestrutura. Temos um plano de ampliar a cobertura de atendimento ao câncer do colo do útero, com foco específico na região amazônica. O ministro da Saúde solicitou que apresentássemos essa proposta, que prevê, entre outras ações, o financiamento específico das ações de rastreamento. Ou seja, separar o pagamento do que é exame feito numa consulta do pagamento feito no rastreamento. A diferença é que o rastreamento é um exame em que você chama pessoas supostamente saudáveis para detecção precoce. Ou para fazer, no caso do colo do útero, um exame totalmente preventivo. Não sabemos se essa pessoa tem câncer. Essa é uma ação completamente diferente de uma pessoa que vai ao médico com uma queixa e precisa de um exame. O Brasil tem financiamento para essa ação de cobertura das pessoas que precisam, mas faltava dinheiro para o rastreamento. O que nós propomos é que o rastreamento seja todo pago. Embora hoje sejam realizados 11 milhões de exames papanicolau por ano no país, às vezes esses 11 milhões são sempre os mesmos, porque não existe uma política de rastreamento estruturada. A proposta já existia, mas não estava organizada por falta de definição do modelo de financiamento. A outra proposta que apresentamos ao ministro é um programa de qualidade da mamografia. Hoje são feitos cerca de 2 milhões de mamografias por ano no Brasil. Existe cobertura suficiente para a população, mas a mamografia no Brasil é de baixíssima qualidade, portanto não adianta nada. Gasta-se dinheiro, cria-se um risco para as mulheres – porque a própria mamografia é um risco –, cria-se um falso positivo ou falso negativo, retarda-se o tratamento. Há problemas de equipamentos, pessoal, laudos. Para melhorar isso, montamos um programa de qualidade que trata de todos esses aspectos. Já fizemos um piloto desse programa com cinco cidades nos dois últimos anos. Hoje temos condições de implantar um sistema de qualidade de mamografia no país inteiro. Agora precisamos de dinheiro para implantar.
Onco& O senhor pode destacar um momento memorável da sua trajetória no INCA?
LAS Em 2007, nós comemoramos 70 anos do INCA, e foi um ano especial. Dois anos antes havíamos elaborado a nova portaria de atenção oncológica, naquele ano nós havíamos organizado um congresso internacional de controle de câncer aqui no Brasil, em comemoração aos 70 anos do INCA. Quando terminou o congresso, reuni o pessoal e fiz a seguinte pergunta: e os próximos 70 anos? É nisso que nós temos de pensar. Os próximos 70 anos é pensar nisto aqui (mostra a foto do modelo do novo complexo do INCA), é pensar em qual modelo técnico-científico o INCA tem de desenvolver para dar conta dos desafios que virão pela frente. Queremos ser uma unidade de referência para o desenvolvimento do conhecimento. Precisamos avançar nisso. É bom poder pensar nessas coisas. Olhar para a frente, com estímulo para trabalhar.
LINFOMAS
N達o Hodgkin Apoio
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Não Hodgkin
Diagnóstico A maioria dos pacientes diagnosticados com LNH é avaliada
Embora uma biópsia excisional seja o procedimento ideal, o material
inicialmente devido a sinais ou sintomas relacionados à presença
obtido através de uma “core biopsy” pode ser suficiente para o
de linfadenomegalias. O aumento dos linfonodos é geralmente
diagnóstico. Por vezes, este é o procedimento recomendado quando
assintomático. O diagnóstico diferencial inclui diversas patologias
os linfonodos mais acessíveis encontram-se em localizações mais
infecciosas, processos inflamatórios benignos não tumorais e
profundas, como no retroperitônio ou no mediastino. A biópsia por
outras neoplasias. Portanto, o diagnóstico definitivo depende
agulha pode estabelecer o diagnóstico e evitar procedimentos mais
sempre
da avaliação do tecido obtido por uma biópsia. Uma
invasivos, como uma laparotomia. O uso associado da citometria
biópsia excisional é frequentemente necessária, pois o diagnóstico
de fluxo e de estudos genéticos moleculares pode facilitar o
de linfoma depende de uma avaliação cuidadosa da arquitetura do
diagnóstico com o tecido obtido através de uma biópsia por agulha.
linfonodo e não apenas do infiltrado celular linfomatoso.
Entretanto, a quantidade de tecido obtido pode não ser suficiente para todos estes estudos. A utilização da imunofenotipagem
A biópsia por aspiração por uma agulha fina não é suficiente para
através da citometria de fluxo pode auxiliar na definição dos
estabelecer o diagnóstico. A sua acurácia e utilidade no diagnóstico
diversos tipos de LNH, uma vez que fenótipos característicos são
dos linfomas representa uma questão controvertida, pois ela
identificados em diversas doenças linfoproliferativas. Existem,
pode variar de 12% a 82% em diversos estudos, mesmo com a
entretanto, diversas exceções. O aspirado por agulha traz ainda
utilização concomitante da citometria de fluxo. Este procedimento,
outra limitação: a impossibilidade de manter o material arquivado
extremamente útil e simples, estabelece com facilidade o
para testes adicionais à medida que novos marcadores biológicos
diagnóstico dos carcinomas metastáticos, porém é inadequado
ficarem disponíveis.
para a definição histológica dos linfomas. Também a chamada “core-biopsy” apresenta um papel limitado no diagnóstico dos LNH,
Desta forma, sempre que possível e que o diagnóstico de linfoma for
devido à quantidade limitada de tecido obtido. Como mencionado,
a suspeita mais provável, uma biópsia excisional deve ser realizada.
uma biópsia excisional - e bem processada na hematoxilina e eosina - representa o caminho ideal para o diagnóstico patológico.
Processamento da Amostra
A biópsia por agulha fina apresenta uma taxa elevada de resultados falsos-negativos e é incapaz de distinguir entre os subtipos
O processamento adequado da biópsia linfonodal é crítico para
histológicos nodulares ou difusos, reconhecer a presença ou não
o diagnóstico de linfoma. O material deve ser enviado fresco,
de fibrose e definir os casos nos quais o envolvimento do linfonodo
intacto e não seccionado para o laboratório. Os cortes, quando
é apenas parcial. Este problema é particularmente importante no
realizados, devem ser feitos a intervalos de 2mm para garantir a
diagnóstico dos linfomas não Hodgkin do tipo T e na Doença de
fixação adequada. Cortes perpendiculares ao longo do maior eixo
Hodgkin quando as populações celulares críticas representam
são preferíveis para a melhor avaliação da arquitetura. A fixação em
uma pequena porção do tecido e podem ser mascaradas pela
formol é habitualmente utilizada e permite não apenas os estudos
heterogeneidade celular. Desta forma, a quantidade de tecido é
convencionais, mas também a análise imuno-histoquímica e os
fundamental para a distinção e a graduação dos diversos linfomas
estudos moleculares. Já a análise citogenética requer o envio de
do centro germinativo nos quais a arquitetura é fundamental.
material fresco para o laboratório.
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Classificação dos Linfomas Não Hodgkin Tabela 1
Classificação dos Linfomas Não Hodgkin (WHO 2008 modificada)
Tabela 2
Neoplasias de Células B
Estádio I
1. Neoplasias de Células B Primitivas • Leucemia Linfoblástica Aguda de células B precursoras • Linfoma-Leucemia de Burkitt 2. Neoplasias de Células B Maduras • Leucemia Linfocítica Crônica de Células B-Linfoma Linfocítico de Pequenas Células • Leucemia Prolinfocítica de Células B • Linfoma Linfoplasmacítico • Linfoma Esplênico da Zona Marginal (com ou sem linfócitos vilosos) • Tricoleucemia • Mieloma Múltiplo/Plasmocitoma • Linfoma Extranodal da Zona Marginal (Linfoma de zona marginal B associado a tecido linfoide de mucosa-Linfoma MALT) • Linfoma Nodal da Zona Marginal • Linfoma Folicular • Linfoma da Zona do Manto • Linfoma difuso de Grandes Células B • Linfoma B de Grandes Células Mediastinal
Estadiamento Ann Arbor
Envolvimento de uma região linfonodal(I) ou envolvimento de um único sítio ou órgão extralinfático (IE).
Estádio II Envolvimento de duas ou mais regiões linfonodais no mesmo lado do diafragma (II) ou envolvimento localizado de uma única região extralinfática e os linfonodos regionais com ou sem o comprometimento de outras regiões do mesmo lado do diafragma (IIE).
Estádio III Envolvimento de regiões linfonodais de ambos os lados do diafragma (III), com ou sem envolvimento extralinfático associado (IIIE), envolvimento esplênico (IIIS), ou ambos (IIIE-S).
Estádio IV Envolvimento disseminado (multifocal) de um ou mais órgãos extralinfáticos com ou sem envolvimento linfonodal associado.
Ausência de sintomas: A Presença de sintomas: B
• Linfoma Primário Efusional 3. Neoplasias de Precursores de Células T e Células NK • Neoplasias de Células T Primitivas • Leucemia Linfoblástica Aguda de Células T
A heterogeneidade dos LNH sempre representou um desafio para os patologistas e para os clínicos envolvidos no manuseio destes pacientes. Em 1982, o Instituto Nacional de Câncer nos EUA estabeleceu a chamada “Working Formulation” para facilitar
4. Neoplasias de Células T Maduras • Leucemia Prolinfocítica T • Leucemia Linfocítica de Células Granulares • Leucemia de Células NK • Leucemia Linfoma de Células T do Adulto (HTLV1+) • Linfoma Nasal de Células T/NK • Linfoma Enteropático de Células T • Linfoma Hepato-Esplênico Gama-Delta • Linfoma de Células T tipo paniculite subcutânea • Micose fungoide/ Síndrome de Sézary • Linfoma Anaplásico de Grandes Células T/Null tipo cutâneo • Linfoma Anaplásico de Grandes Células T/Null tipo sistêmico • Linfoma de Células T periférico não especificado • Linfoma de Células T Angioimunoblástico
a comunicação entre os investigadores, embora na Europa a classificação de Kiel ainda fosse amplamente utilizada. Em 1994, a Classificação REAL (Revised European American Lymphoma Classification) passou a ser utilizada para distinguir os LNH utilizando características morfológicas, imunofenotípicas e clínicas. A Organização Mundial da Saúde (World Health Organization-WHO) revisou estes critérios em 1999 e os atualizou em 2008. Embora a classificação hoje reconhecida como WHO 2008 (tabela 1) seja universalmente adotada, algumas questões permanecem ainda sem uma resolução definitiva, como, por exemplo, o papel que certas alterações genéticas e moleculares apresentam na definição de tumores específicos. Algumas doenças ainda não possuem critérios bem definidos para ser reconhecidas como entidades independentes e estes critérios estão sendo revisados.
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Não Hodgkin Cerca de 90% dos LNHs nos países ocidentais são oriundos de células B maduras, sendo o linfoma difuso de grandes células e o linfoma folicular os subtipos mais comuns. Em crianças, o linfoma de Hodgkin é mais predominante e os linfomas não Hodgkin muito agressivos, como o linfoma de Burkitt, o linfoma linfoblástico e o linfoma difuso de grandes células B, são os mais prevalentes. Nas populações asiáticas, os linfomas T são mais frequentes. Os chamados linfomas indolentes são geralmente incuráveis com os tratamentos convencionais hoje disponíveis. O seu curso típico é caracterizado por um processo crônico associado a recidivas após os diversos tratamentos introduzidos. Muitos pacientes podem, entretanto, apresentar doença estável e permanecer livres de progressão sem tratamento específico por longos períodos. A sobrevida mediana é de cerca de 8 a 10 anos, porém pode exceder 15 a 20 anos. Já os linfomas agressivos são, na sua maioria, potencialmente curáveis com tratamentos quimioterápicos intensivos. Os subtipos mais agressivos geralmente se apresentam com sintomas B (febre, sudorese e perda ponderal superior a 10% do peso).
Estadiamento e Fatores Prognósticos O estadiamento dos LNHs consiste na realização de diversos procedimentos para a definição da extensão anatômica da doença e se inicia com um exame físico rigoroso para a identificação de adenomegalias e organomegalias. Todos os pacientes devem ser submetidos a tomografia computadorizada do pescoço, tórax, abdômen e pelvis e uma biópsia de medula óssea. A análise do fluido cerebroespinhal é sempre recomendada em portadores de linfoma de Burkitt e linfoma linfoblástico devido à incidência mais elevada de comprometimento do sistema nervoso central nesses pacientes. Embora a análise do liquor também seja recomendada em pacientes portadores de linfomas com histologia agressiva e que apresentem envolvimento da medula óssea, dos seios nasais ou linfoma testicular, estudos recentes questionam a real necessidade dessa avaliação. O sistema de estadiamento Ann Arbor para os linfomas não Hodgkin foi incialmente concebido para classificar pacientes portadores de Doença de Hodgkin com doença localizada - estádio I ou doença extensiva - estádio IV. A ausência (A) ou presença (B) de sintomas nos 6 meses que antecedem o diagnóstico estratifica os estádios (tabela 2). O sistema apresenta limitações, pois, ao contrário do linfoma de Hodgkin, o padrão de disseminação é hematogênico e o comprometimento linfonodal não segue um padrão de contiguidade. A classificação de Ann Arbor também não reflete a história natural dos diversos subtipos de linfoma e o comprometimento de certos sítios extranodais. Importantes fatores que refletem a massa tumoral, como desidrogenase lática (DHL), número de
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sítios extranodais comprometidos, volume das massas linfonodais e a reserva fisiológica do paciente (idade e performance status), também não são considerados no estadiamento convencional. Para os linfomas mais frequentes - linfoma difuso de grandes células do tipo B - e para os linfomas foliculares foram desenvolvidos dois modelos prognósticos cuja utilidade foi comprovada em diversos estudos clínicos. O Índice Prognóstico Internacional (IPI) foi estabelecido a partir de informações obtidas a partir de instituições de todo o mundo utilizando os critérios definidos pelas classificações de Kiel e da Working Formulation para o diagnóstico de linfoma difuso de grandes células B. Dados referentes ao diagnóstico por imunofenotipagem não foram utilizados. O objetivo do grupo era identificar variáveis pré-tratamento capazes de predizer a sobrevida livre de progressão e a sobrevida global em pacientes portadores de linfoma difuso de grandes células B tratados com regimes quimioterápicos que incluíam a doxorrubicina. Cinco fatores independentes foram identificados e associados à evolução clínica daqueles pacientes: 1) idade > 60 anos; 2) performance status; 3) DHL elevada; 4) Número de sítios extranodais comprometidos; 5) estádio III ou IV. O IPI é derivado como um escore variável de 1 a 5 fatores agrupados em 4 categorias. A categoria de baixo risco inclui 0 ou 1 fator e está associada a uma sobrevida global (SG) em cinco anos de 73%; para a categoria de risco intermediário baixo com dois fatores associados a SG, é de 51%. A presença de 3 fatores caracteriza o risco intermediário alto e a SG cai para 43% em 5 anos. Na categoria de alto risco, com 4 ou 5 fatores associados a sobrevida global em 5 anos é reduzida para 26%. Embora estes estudos tenham sido realizados na era pré-rituximabe, estudos recentes demonstram a validade destes fatores na era da imunoquimioterapia, responsável, entretanto, por uma melhora significativa nos resultados apresentados. Para pacientes com idade superior a 60 anos, um escore ajustado foi desenvolvido, no qual o estádio, o estado clínico e o nível sérico de DHL, mas não a presença de doença extranodal, apresentavam correlação com a evolução clínica. Estudos recentes demonstram que a análise do perfil genético permitirá no futuro uma avaliação mais detalhada do prognóstico destes pacientes. O IPI também é capaz de predizer a sobrevida em linfomas indolentes. A maioria dos pacientes é incluída nas categorias de baixo risco ou intermediário baixo risco. Um novo índice reconhecido por FLIPI (Follicular Lymphoma International Prognostic Index) foi desenvolvido para avaliar especificamente a sobrevida naqueles pacientes.
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Cinco fatores clínicos foram incluídos para a estratificação dos pacientes: 1) Cinco ou mais sítios de comprometimento linfonodal; 2) DHL elevada; 3) Idade > 60 anos; 4) Estádio II ou IV; 5) Hemoglobina < 10g/l. Quando comparado ao IPI, o FLIPI fornece uma melhor distibuição de pacientes nas categorias de baixo risco (0 ou 1 fator), risco intermediário (2 fatores) e alto risco (> 3 fatores). A sobrevida global em 5 e 10 anos foi respectivamente de 90% e 70% para os pacientes de baixo risco, caindo para 53% e 36% para os pacientes de alto risco. Embora o IPI forneça informações relevantes, não existe evidência definitiva de que a utilização de tratamentos mais agressivos em pacientes incluídos nas categorias de alto risco modifique a sua evolução. A sua principal utilidade consiste em uniformizar o estadiamento, permitindo a comparação de diferentes estudos e a avaliação de novos marcadores biológicos com significância prognóstica. A tomografia computadorizada por pósitrons (PET-CT) foi introduzida recentemente no estadiamento e avaliação de resposta dos pacientes. Nos linfomas curáveis, como a Doença de Hodgkin e o Linfoma difuso de grandes células, a avaliação é recomendável, pois ela permite uma avaliação de resposta principalmente quando a comparação com a avaliação pré-tratamento está disponível. A avaliação pelo PET não deve ser considerada, todavia, uma necessidade absoluta, posto que não está disponível universalmente. Entretanto, uma das suas principais utilidades consiste na avaliação de anormalidades residuais detectadas em tomografias de controle pós-tratamento. Previamente, muitos desses pacientes eram rotulados como em remissão parcial após o tratamento quimioterápico. Atualmente, é possível, com a introdução do PET-CT, reconhecer que a maioria destes pacientes encontra-se em remissão completa e que o tecido visualizado representa apenas fibrose e não linfoma residual.
SEGUIMENTO dos Pacientes O acompanhamento de pacientes submetidos a tratamento de linfomas deve considerar os efeitos tardios dos quimioterápicos utilizados, os efeitos locais da radioterapia e a possibilidade de recidivas. Quando administrado na região cervical, o tratamento radioterápico pode determinar redução da salivação e uma incidência elevada de cáries dentárias. Caso a tireoide tenha sido incluída no campo de irradiação, pacientes podem desenvolver hipotireoidismo e os níveis de TSH deverão ser acompanhados. Em mulheres submetidas a irradiação mediastinal, o risco de carcinoma de mama é elevado e mamografias deverão ser obtidas a partir dos 40 anos. A utilização de agentes alquilantes está associada ao risco de neoplasias secundárias, e pacientes jovens podem desenvolver insuficiência gonadal. A maioria das recidivas nos linfomas agressivos ocorre nos primeiros dois anos após o diagnóstico, embora recidivas após 5 anos de seguimento sejam identificadas ocasionalmente. Em portadores de linfomas indolentes, o risco de recorrência permanece ao longo de toda a vida e os pacientes devem ser reavaliados continuamente. Embora a maioria das recidivas seja detectada pelos próprios pacientes ou pelos clínicos, a tomografia computadorizada deve ser realizada periodicamente, principalmente em pacientes jovens, portadores de linfomas curáveis de alto risco. Não existem dados atuais que justifiquem a realização periódica do PET-CT no seguimento de pacientes que completaram o tratamento.
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3) Good, DJ and Gascoyne, RD Diagnosis: Diagnostic Procedures, Histopathologic Problems, Immunophenotyping
Alguns estudos procuraram validar em pacientes portadores de linfoma difuso de grandes células B o valor preditivo de um PET negativo após 2 a 4 ciclos de tratamento. A avaliação inicial indicava uma evolução mais favorável em pacientes que atingiam a remissão mais precocemente. Entretanto, estes achados não puderam ser comprovados em estudos mais recentes e a avaliação precoce pelo PET-CT não deve ser considerada uma estratégia-padrão e não deve orientar a conduta terapêutica em pacientes portadores de linfomas agressivos em estádios avançados e permanece como uma estratégia investigacional. Também é preciso lembrar que a especificidade do PET não é absoluta e a captação do contraste radioativo pode ser identificada em processos inflamatórios e deverá sempre ser confirmada através de uma biópsia quando uma mudança da orientação terapêutica estiver sendo considerada.
by
University Press, Cambridge, pp 228-256, 2011. and
Apllied
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“Este é o segundo de uma série de três fascículos sobre Linfoma não Hodgkin escrito pelo Dr. Daniel Tabak exclusivamente para a revista “Onco& - oncologia para todas as especialidades”, em que serão abordados vários temas sobre essa doença e a importância do diagnóstico precoce feito por não hematologistas. O Dr. Daniel Tabak, CRM 335773, RJ, é médico do Centro de Tratamento Oncológico (Cetron) e Coordenador do Programa de Terapia Celular da Clínica São Vicente.
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Tudo para dar certo O Brasil tem todos os atrativos necessários para ser um grande polo de estudos clínicos. A possibilidade de avanço, no entanto, esbarra no labirinto burocrático para que as pesquisas sejam aprovadas. Confira a seguir os principais problemas e as possíveis soluções Por Sérgio Vieira
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ANOS DE LUTA, O ENTÃO VICE-PRESIDENTE DA
“Estamos perdendo nossa força de trabalho. É uma perda de gente talentosa, perda de divisas para o país e perda de acesso de pacientes a novas drogas que poderiam estar sendo estudadas no Brasil.” 14
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REPÚBLICA, JOSÉ ALENCAR, SEGUE PARA HOUSton, nos EUA, para uma minitemporada de tratamento por causa de seu câncer no abdômen. A ida do segundo nome mais importante do país para participar de um grupo de estudos clínicos trouxe à luz um importante questionamento sobre algo relacionado diretamente à classe médica e científica brasileira: por qual razão Alencar teve de buscar um teste no exterior? O Brasil não tem condições de oferecer pesquisas clínicas a pacientes que buscam alternativas para resolver o problema? Além disso, como os médicos, independentemente de sua especialidade, se portam quando cruzam com um paciente que apresenta uma doença com poucas chances de cura ou ainda sem drogas disponíveis para tratamento? José Alencar não conseguiu vencer a batalha contra a doença, mesmo assistido pelos melhores profissionais da área de saúde. Ainda assim, fica a dúvida sobre até que ponto o país está avançando para possibilitar que pacientes realizem todo o tratamento de saúde sem precisar cruzar fronteiras. O fato é que, quando se fala em estudos clínicos, logo vem à mente a necessidade de tirar o passaporte da gaveta e enfrentar um longo período de tratamento em algum país da América do Norte ou da Europa. Não é segredo para ninguém, muito menos para a classe médica, que o Brasil ainda está a anosluz dos chamados países de primeiro mundo quando o assunto é pesquisa científica. Ainda há muito o que se avançar, principalmente no quesito quantidade de estudos – isso levando-se em conta que o país tem inúmeros centros de excelência das mais diferentes
áreas médicas, que, ironicamente, servem de apoio e aprendizado para muitos médicos estrangeiros. O segredo talvez esteja nessa equação: como transformar o Brasil em referência em estudos clínicos – em especial na área de oncologia – quando já há expertise para isso? Profissionais existem, cases envolvendo pacientes aptos para tais experimentos também, mas há um hiato que faz com que o país caminhe apenas na primeira marcha nesse segmento. Podemos dizer que crescemos – quando analisamos um longo espaço de tempo. Mas, com olhares mais próximos, chegamos à conclusão de que nossos avanços são ínfimos. E, em determinadas fatias analisadas, ainda encolhemos. O motor para que a máquina desse desenvolvimento avance não é bom.
Caminho tortuoso Talvez a palavra que melhor descreva o ritmo das pesquisas brasileiras seja burocracia. Há consenso entre os líderes da área de estudos clínicos no Brasil de que um dos mais significativos entraves para o crescimento desse segmento é justamente a morosidade da engrenagem no país. Estima-se que, em média, a aprovação de uma pesquisa clínica nos EUA e em países europeus leve em torno de seis meses, quando muito. No Brasil, os mais otimistas falam em pelo menos o dobro – tudo por causa da lentidão do governo federal e, portanto, das agências reguladoras, em liberar o estudo. O caminho para que um estudo tenha o ok para ser iniciado é tortuoso. Um estudo patrocinado por empresas nacionais precisa da aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), vinculado a uma universidade ou centro de pesquisa envolvido na pesquisa, e pela Agência Nacional de
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Vigilância Sanitária (Anvisa), que confere a aprovação sanitária e avalia aspectos de segurança e metodologia da pesquisa. Caso seja um estudo de cooperação internacional, o processo se torna ainda mais longo, já que há a necessidade, criticada por parcela significativa da classe médica, da aprovação do CEP, da Anvisa e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), órgão ligado ao Conselho Nacional de Saúde que congrega todos os CEPs. É unânime entre os pesquisadores que um dos grandes problemas está nessa centralização das análises, em rota de colisão com o pouco número de servidores para fazer as análises em tempo hábil. Assim, quando um estudo no Brasil está dando os primeiros passos, no exterior, na maioria das vezes, já se chegou a alguma conclusão, mesmo que tenham partido do zero no mesmo momento. Por causa disso, na maioria dos casos o Brasil é selecionado para engrossar as fileiras da fase III dos estudos (veja descrição das fases no quadro), por não haver tanto problema em relação ao tempo do estudo. Para Carlos Barrios, professor e coordenador do centro de pesquisas clínicas da Faculdade de Medicina da PUC de Porto Alegre, a única forma de o Brasil ser mais protagonista nesse sentido é promover uma discussão entre todos os atores envolvidos para prestar mais agilidade aos processos burocráticos. “A burocracia, de fato, é um complicador para esse avanço. É uma dificuldade que temos de enfrentar e superar. Muitos estudos de fase I e II acabam não vindo para o Brasil por causa desses entraves. O que ocorre é que, quando chegam aqui, o período de regulamentação em outros países já terminou. Essa é uma realidade enfrentada pelos pesquisadores há bastante tempo. É importante que as autoridades ligadas aos comitês de ética de pesquisa tentem encontrar uma solução para isso”, analisa Barrios. Esse ritmo cadenciado pode ainda fazer com que o Brasil perca cada vez mais participação no mercado de novos medicamentos, que chega à casa de US$ 65 bilhões anuais, segundo dados da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). A questão comercial tem um peso importante nesse segmento, já que se acredita que mais de 90% dos estudos clínicos realizados no país sejam patrocinados por grandes laboratórios farmacêuticos, ainda de acordo com a Interfarma. Ainda é sutil, mas já há os que notam que
muitas indústrias acabam optando por desenvolver seus estudos fora do país, onde a burocracia atrapalha um pouco menos os trabalhos. Essa realidade pode facilmente ser entendida quando levamos em conta o número de pacientes de câncer que correm contra o tempo para ver alguma alternativa a seus casos. Sabe-se que quatro em cada dez pacientes da área oncológica morrem porque não há medicamentos disponíveis para suas enfermidades.
Mais credibilidade, menos competitividade Apesar de todos os entraves, não se pode deixar de lembrar que, com tudo isso, o número de pesquisas clínicas no Brasil vem aumentando ao longo dos anos. Em 1996, quando foi definida a regulamentação ética da pesquisa de novos medicamentos em seres humanos, havia apenas 30 pedidos de autorização de testes de drogas no Ministério da Saúde. Com a criação da Lei das Patentes no mesmo ano, a legislação garantiu a proteção intelectual e os direitos autorais das drogas pesquisadas, levando laboratórios a investir mais – com tranquilidade jurídica – no Brasil, já que ela assegura proteção à descoberta por 20 anos. Segundo a Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisas Clínicas (Abracro), cerca de 100 mil pacientes do Brasil participaram de algum tipo de estudo clínico na área médica nos últimos dez anos. Ainda segundo o órgão, são cerca de mil pesquisas em atividade atualmente no país, a maior parte voltada para novos medicamentos. Há também de se considerar o número significativo de pesquisas observacionais, realizadas para obter dados sobre algum tipo de enfermidade ou tratamento nela aplicado. Esses dados dão uma ideia do potencial brasileiro para esse segmento, ainda pressionado pelos gargalos burocráticos. Dados da Abracro revelam que o Brasil tem cerca de 300 mil médicos ativos e perto de 600 comitês de ética de pesquisas clínicas instalados, mas continua atrás de outros países sulamericanos, como Argentina e Chile. Estudo do órgão mostra que, nos últimos seis anos, o país deixou escorrer pelo ralo cerca de US$ 200 milhões, exatamente pela demora na aprovação de estudos para a criação de medicamentos. Para Luis Lopez Martinez, gerente de novos negó-
Etapas de um estudo clínico Fase I: São selecionados de 20 a 80 voluntários sadios, nos quais são estudadas drogas inéditas em seres humanos e são determinadas a segurança e a dosagem da medicação. No caso do Brasil, não há pagamento para o paciente que aceite fazer parte dos testes, e ele pode deixar de fazer parte dos estudos a qualquer momento. Fase II: Envolve até 300 pacientes. São determinadas as doses, a eficácia e a segurança do medicamento no tratamento da doença. Fase III: Trabalha com 700 a 15 mil pacientes para confirmar o resultado da droga, o período de uso e sua segurança. Fase IV: Realizada após o lançamento do medicamento no mercado, principalmente para estudar as diferenças das drogas dessa mesma classe.
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“É obrigação do médico, independentemente de sua especialidade, oferecer a seu paciente todo e qualquer tipo de perspectiva para o tratamento da doença. Médico tem de buscar isso.”
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cios da Eurotrials, organização de pesquisa contratada que atua na área de consultoria, em espécie de parceria com responsáveis pelos estudos, a demora na aprovação tem um fator positivo, mas, no geral, os prejuízos acabam sendo maiores. “Toda essa regulação acaba dando credibilidade ao Brasil, mas deixa o país menos competitivo. É necessário que haja mais agilidade nesse processo. Acredito que o atual governo federal veja com bons olhos mudanças nesse sistema de avaliação. A tendência é que, a médio prazo, haja mais flexibilidade nessa questão”, diz. Ainda segundo Martinez, o Brasil é bem classificado em cinco dos seis critérios utilizados pelos patrocinadores para selecionar os países participantes dos estudos: disponibilidade de captação de sujeitos de pesquisa (onde o país tem a seu favor a miscigenação de sua população); adesão aos princípios de validação e dados reprodutíveis; qualidade dos pesquisadores; qualidade do sistema de revisão ética; flexibilidade do sistema regulatório local (onde o Brasil vai mal e perde espaço para outras nações); e potencial do mercado local para comercialização do medicamento.
Saídas possíveis Os avanços já conquistados, porém, ainda não equilibram a situação de desvantagem em que o Brasil se encontra em pesquisa clínica. Segundo Gustavo Kesselring, diretor executivo do ViS Research Institute, instituição sediada em São Paulo
com filiais em Bombai, na Índia, e Nova York, nos EUA, para estudar a infraestrutura e a globalização das pesquisas realizadas no mundo, nos últimos quatro anos o Brasil perdeu 4% de toda a sua capacidade de realizar estudos clínicos devido ao atraso dos órgãos regulatórios brasileiros. O grande nó, nesse caso, é justamente a desorganização da regulação brasileira. O Brasil conta com apenas 1,5% de todos os estudos clínicos realizados no mundo – número incompatível com a importância e o tamanho do território brasileiro. No meio acadêmico, acredita-se que se poderia alcançar no mínimo duas a três vezes mais esse número, sob pena de continuarmos deixando que os recursos fiquem distantes do país. “Estamos perdendo nossa força de trabalho. É uma perda de gente talentosa, perda de divisas para o país e perda de acesso de pacientes a novas drogas que poderiam estar sendo estudadas no Brasil. O nosso país fica de fora de muitos estudos em oncologia simplesmente porque demoramos muito para aprová-los. A classe médica também sente isso, já que acaba ficando desatualizada”, analisa Kesselring, que é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica e ex-diretor do centro de pesquisas do Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo. Em sua opinião, uma saída para começar a desburocratizar o processo é retirar a CONEP do Conselho Nacional de Saúde e dar a ela somente caráter consultivo. “Estamos numa corrida a uma veloci-
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dade de 10 km/h. A continuar nesse ritmo, jamais ganharemos, porque há pilotos que estão a mais de 90 km/h. O normal é que o outro sempre chegue na frente. Não podemos nos acostumar com isso. Alemanha, EUA, Austrália, Chile, Peru e Coreia do Sul têm políticas claras de autorização de estudos clínicos. E nós caminhamos a passos muito lentos”, exemplifica o diretor do ViS. Carlos Barrios, que também é membro do Grupo Latino-Americano de Investigações Oncológicas (Glico), faz um paralelo curioso entre a relação de pesquisas realizadas no Brasil e nos EUA. “Somando todos os tipos de pesquisas, temos cerca de 2 mil em andamento. Temos uma população de cerca de 190 milhões de habitantes. Já os EUA têm 300 milhões de moradores e cerca de 50 mil estudos em atividade. O que mostra que estamos realmente muito longe daquilo que poderíamos alcançar”, explica. Incentivo e rapidez maiores na liberação dos estudos também podem, na análise dos próprios profissionais da área, colaborar para o aumento do número de centros de pesquisa no Brasil. “A densidade do número de centros de pesquisa clínica nos EUA é de 82 por milhão de habitantes. No Brasil, o número é de 2 por milhão de habitantes. Se fôssemos estender o índice norte-americano para toda a América Latina, estaríamos falando da criação de 120 mil novos postos de trabalho em toda a cadeia do setor”, assegura Barrios, que também integra o Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM). É importante que se saiba que o pesquisador brasileiro ainda está longe da classe internacional também no quesito honorários. Difícil haver incentivo para que o pesquisador brasileiro continue nos estudos por muitos anos. O que se aventa é que um profissional sênior, com muitos anos de atuação, ainda não receba mais do que US$ 10 mil por ano. Sem esse reconhecimento, o fato é que muita gente para no meio do caminho. Barrios, da PUC de Porto Alegre, acredita que, em média, a cada US$ 100 pagos a um estudioso nos EUA, por exemplo, o brasileiro receba no máximo US$ 80. Ainda assim, cada pesquisa tem uma valorização diferente, às vezes independentemente do país. Para Barrios, o futuro é de otimismo em relação à posição brasileira no cenário internacional: “Vejo como promissor o papel do país nos próximos anos. Tenho dados que sugerem que pacientes com câncer de pulmão que fazem parte de testes clínicos
podem viver bem mais. Isso significa que tratamentos disponíveis são eficazes. Mas para isso mais profissionais precisam ser treinados. Tenho certeza de que vamos subir degraus e temos capacidade para pelo menos dobrar nossa atuação nos próximos dez anos. Além disso, precisamos estimular a participação da sociedade nesse processo”. Kesselring opta por adotar um discurso mais pé no chão. “Prefiro enxergar o cenário com indefinição. Enquanto o governo não desburocratizar e deixar claro que queremos fazer parte do cenário internacional de pesquisas clínicas, não sairemos do lugar. O Brasil até agora não tomou essa decisão. Não disse nem que sim nem que não. Já passou da hora dessa resposta”, completa.
Bem comum da sociedade É óbvio que a questão não esbarra apenas em obstáculos conjunturais. Ela também passa pela disposição e pelo interesse do profissional em informar os pacientes sobre tratamentos experimentais. Nesse cenário, como estimular um médico a colocar seu paciente na seleta lista dos voluntários de estudos clínicos, sejam eles no Brasil ou no exterior? “É obrigação do médico, independentemente de sua especialidade, oferecer a seu paciente todo e qualquer tipo de perspectiva para o tratamento da doença. Médico tem de buscar isso. Precisa conhecer o que está sendo estudado e até entrar nesses grupos de discussões”, explica Barrios. Kesselring entende que falta, sim, interesse de boa parte da classe médica no conhecimento e encaminhamento dos estudos clínicos. “Entendo que há esse problema, sim. Falta o médico dizer que isso faz parte do bem comum da sociedade. Precisa haver a consciência, tanto do profissional quanto do paciente, que remédio novo só surge por meio de pesquisas. Há muitos médicos mal informados. Mas esse tipo de política de divulgação deveria ser uma cadeira da graduação, tamanha a importância disso para a comunidade acadêmica”, comenta.
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emergências oncológicas
Manuseio de complicações hemorrágicas adquiridas no tratamento do paciente oncológico
Divulgação
Introdução
Alexandre Mello de Azevedo * Médico hematologista do Centro de Tratamento Oncológico (CENTRON) Contato: ale.mello@gmail.com
Simone Maradei Isabela Gonçalves A. Pereira Marcia Trindade Schramm Leonardo Javier Arcuri * Médicos hematologistas do Centro de Tratamento Oncológico (CENTRON)
Daniel Tabak * Hematologista-Oncologista; diretor médico do Centro de Tratamento Oncológico (CENTRON); membro titular da Academia Nacional de Medicina Contato: dantabak@terra.com.br
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O sangramento é uma complicação frequente e potencialmente letal em pacientes com câncer. Pode estar diretamente relacionado à doença, ao tratamento antineoplásico ou, ainda, a fatores não relacionados à neoplasia em si. O termo hemostasia refere-se ao processo pelo qual o sangramento é controlado no local da lesão endotelial. É um mecanismo dinâmico, que inclui a ação do subendotélio, endotélio, plaquetas e proteínas plasmáticas. Didaticamente, é dividido em três fases: vascular, plaquetária e plasmática. Defeitos na hemostasia primária (plaquetas e fator de von Willebrand [FvW]) tipicamente resultam em sangramento mucocutâneo. Por outro lado, a sintomatologia de defeitos na cascata de coagulação (hemostasia secundária) é bem variável, podendo haver acometimento de tecidos profundos, levando a hematomas, sangramento retroperitoenal ou até no sistema nervoso central (SNC). Não importa quão grave seja a situação, devese sempre tentar obter uma história completa, que inclua sintomas associados, tempo de evolução e tratamentos/medicações recentemente realizados. Abordaremos neste texto o diagnóstico e o manejo de sangramentos em pacientes com câncer. Eventualmente, deparamo-nos com alterações em testes laboratorias de coagulação sem repercussões clínicas, e esse tema também será abordado. Avaliação laboratorial O sucesso da terapia baseia-se no diagnóstico correto. O primeiro passo na avaliação é obter um hemograma com contagem de plaquetas, tempo de protrombina (TP e INR), tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) e fibrinogênio. A trombocitopenia isolada e grave (< 20.000/µl) normalmente é secundária a púrpura trombocitopênica idiopática (PTI), trombocitopenia induzida
por drogas (TID), microangiopatia trombótica ou púrpura transfusional. Deve-se lembrar que a trombocitopenia deve ser sempre confirmada por hematoscopia, uma vez que o satelitismo (aderência a leucócitos) e agregados plaquetários podem causar trombocitopenia espúria, sem qualquer repercussão clínica. É importante notar que a trombocitose intensa (> 1.000.000/µl) também pode causar sangramento, principalmente por consumo de FvW pelo número aumentado de plaquetas. O TP e o TTPa avaliam a via extrínseca e a via intrínseca da coagulação, respectivamente. Essa divisão é de importância apenas diagnóstica e laboratorial. Alterações do fibrinogênio, protrombina, fatores V e X causam aumento tanto do TP quanto do TTPa. Alterações do fator VII aumentam apenas o TP, enquanto alterações do FvW, VIII, IX, XI e XII causam aumento do TTPa. As alterações dos fatores de coagulação identificadas pelos testes TP e TTPa podem ser causadas por consumo ou diminuição de produção, ou por produção de autoanticorpos (inibidores). Diferenciam-se esses dois grupos pelo “teste da mistura”, misturando-se plasma normal com o do paciente em iguais proporções (1:1). Quando a mistura não corrige o TP ou o TTPa, isso indica a presença de algum inibidor. Quando a mistura corrige o defeito, o mais provável é que haja deficiência quantitativa ou qualitativa de algum fator. Há, portanto, três padrões de alteração do TP e do TTPa, que indicam como deve prosseguir a investigação. Esses três padrões estão sumarizados na Tabela 1. Ensaios de TP e TTPa mais modernos não são alterados por anticoagulante lúpico. Se houver suspeita de anticorpo inibidor (o mais comum é contra o FVIII), a atividade de cada fator suspeito deverá ser testada separadamente. O padrão do anticorpo inibidor do FVIII, por exemplo, é uma
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baixa atividade do FVIII que não se corrige pela mistura 1:1 com plasma normal. Uma vez identificado, o anticorpo inibidor deve ser quantificado em sua atividade. A dosagem de fibrinogênio tem mais importância terapêutica do que diagnóstica. Níveis de fibrinogênio < 100 mg/dl devem ser tratados. O plasma fresco congelado (PFC) tem pouco fibrinogênio, e a reposição deve ser feita com crioprecipitado, transfundindo-se 1 U a cada 10 kg do paciente. Transfusão maciça O sangramento agudo em pacientes com câncer pode levar à transfusão de grandes quantidades de sangue em pouco tempo. A transfusão maciça leva à diluição de fatores de coagulação e plaquetas. O diagnóstico é feito pela história, associada a TP e TTPa aumentados. A transfusão de mais de 10 U de hemácias é um fator de risco para coagulopatia por transfusão. Deve-se repor PFC (15 ml/kg). Se houver CID associada, deve-se manter as plaquetas > 50.000/µl. Se o fibrinogênio for < 100 mg/dl, deve-se repor crioprecipitado (1 U/10 kg de peso). Os testes de coagulação devem ser repetidos após a reposição para guiar a terapia adicional. O objetivo é manter INR < 2, TTPa < 1,5 (relação paciente/ controle) e fibrinogênio > 100 mg/dl. Complicações da transfusão maciça A complicação mais comum é a hipotermia, que prejudica a função plaquetária e a eficiência das reações de coagulação, além de aumentar a fibrinólise. Alterações eletrolíticas são raras, e não se deve atribuir a acidose à transfusão maciça. Não se deve repor empiricamente cálcio (o citrato presente na bolsa de sangue é rapidamente metabolizado) nem bicarbonato.
Sangramentos por problemas em fatores da coagulação Doença de von Willebrand adquirida A doença de von Willebrand (DvW) adquirida pode ocorrer nos linfomas, nas síndromes mieloproliferativas, no mieloma múltiplo (MM) e em outras gamopatias monoclonais. A fisiopatologia pode envolver um de vários mecanismos possíveis: anticorpos contra o FvW, proteólise do FvW, ligação anormal do FvW a células tumorais ou diminuição da síntese do FvW. Mais comumente, manifesta-se por sangramento difuso em feridas cirúrgicas, epistaxe ou sangramento do tubo digestivo em um paciente sem história pessoal ou familiar de sangramento. Os pacientes com DvW adquirida podem apresentar fenótipos diferentes, incluindo o tipo 1 (distúrbio quantitativo) ou o tipo 2 (distúrbio qualitativo). A resposta ao tratamento nos pacientes com DvW adquirida é variável. A desmopressina (DDAVP) é efetiva em muitos pacientes com DvW adquirida dos tipos 1 e 2; no entanto, uma vez que o mecanismo de destruição da molécula é mediado por anticorpos, a magnitude e a duração do efeito são frequentemente menores que o esperado.
Em pacientes que apresentam sangramento ativo, indicam-se idealmente doses altas de concentrado de FvW, nem sempre disponíveis. Na indisponibilidade do produto purificado, pode-se recorrer à transfusão de crioprecipitado (80 a 100 U de FVIII por bolsa). O fator VIIa (FVIIa) pode ser indicado em pacientes com sangramentos graves (risco de vida ou lesões irreversíveis) e/ou portadores de inibidores fortes, nos quais os concentrados de FvW podem não ser eficazes. Inibidores adquiridos do fator VIII Em pacientes idosos com câncer, a deficiência de FVIII causada por autoanticorpos é a mais frequente complicação por deficiência adquirida de um fator da coagulação. As neoplasias linfoproliferativas são as mais frequentemente associadas. Diferentemente da hemofilia clássica, esses pacientes costumam apresentar equimoses extensas, além de possíveis hematomas em grupos musculares e tecidos moles. O diagnóstico é feito pelo prolongamento do TTPa, pelo teste positivo para a presença de um inibidor (teste da mistura) e pela dosagem subnormal de FVIII. O concentrado de FVIIa recombinante é o tratamento de escolha para pacientes com sangramentos graves e risco de vida. A dose é de 90 µg/kg, repetida a cada 2 ou 3 horas até a cessação do sangramento. Na indisponibilidade do FVIIa, pode-se recorrer a altas doses do
Tabela 1: Diagnósticos diferenciais das alterações em TP e/ou TTPa TP aumentado 1. Deficiência de vitamina K 2. Terapia com warfarina 3. Doença hepática 4. Deficiência/Inibidor de fator VII TTPa aumentado 1. Heparina 2. Deficiência/Inibidor de FvW, VIII ou IX (risco alto de sangramento) 3. Deficiência/Inibidor de FXI ou XII (risco baixo ou ausente de sangramento) 4. Anticoagulante lúpico (risco de sangramento ausente) TP e TTPa aumentados 1. Heparina ou warfarina em altas doses 2. Coagulopatia por transfusão maciça (sem reposição adequada de plasma) 3. Deficiência de vitamina K 4. Doença hepática grave 5. Deficiência/Inibidor de FII (anticoagulante lúpico), V (estreptomicina) ou X (amiloidose) 6. Coagulação intravascular disseminada (CID) 7. Hipofibrinogenemia 8. Paraproteinemia 9. Leucemia promielocítica aguda
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próprio FVIII recombinante e/ou ao tratamento imunossupressor, visando à redução da produção do inibidor. Coagulação intravascular disseminada (CID) A CID é a manifestação clínica da ativação descontrolada da trombina. A ativação da trombina leva a: (1) conversão de fibrinogênio em fibrina, (2) ativação e consumo de plaquetas, (3) ativação do FV e do FVIII, (4) ativação da proteína C (e a consequente degradação dos fatores Va e VIIIa), (5) ativação do endotélio vascular, e (6) fibrinólise. Descrevem-se quatro padrões clínicos na CID: 1. Forma assintomática ou “CID crônica” Pode haver evidência laboratorial de CID, mas sem sangramentos ou tromboses significativas. É uma situação em geral transitória, frequentemente encontrada em pacientes com tumores sólidos (ex: adenocarcinomas) ou hematológicos (ex: leucemias mielocíticas). Geralmente, caracteriza-se por um estado protrombótico compensado. A progressão da doença de base pode, no entanto, sobrepujar os mecanismos anticoagulantes naturais e precipitar os sintomas característicos. 2. Forma predominantemente hemorrágica Os sangramentos costumam ter causa multifatorial: depleção de fatores procoagulantes, disfunção plaquetária, trombocitopenia e fibrinólise excessiva. Os sangramentos são geralmente difusos, em sítios múltiplos. 3. Forma predominantemente trombótica Apesar da ativação generalizada dos processos da coagulação, a trombose em vasos grandes é pouco frequente em pacientes com CID aguda, sendo observada principalmente na microcirculação, onde determina isquemia e pode precipitar a síndrome de disfunção de múltiplos órgãos (ex: fígado, rins). Nos pacientes com câncer, a trombose pode ser o principal fator complicador. A trombose é mais frequentemente venosa, mas há relatos de tromboses arteriais e de endocardite trombótica não bacteriana. 4. Purpura fulminans (PF) É a associação entre CID e equimoses e necrose simétrica da pele das extremidades. Dois modos de apresentação são descritos: A PF primária ocorre caracteristicamente após infecções virais (ex: varicela) em hospedeiros imunodeficientes. Nesses casos, a PF começa com eritema e dor em uma extremidade, progredindo rapidamente para necrose isquêmica e escurecimento da pele. A PF secundária é mais frequentemente associada à meningococcemia, mas pode ocorrer em qualquer tipo de infecção grave. Pode ocorrer em pacientes com câncer ou esplenectomizados com síndrome séptica. Em geral, o quadro clínico é de sépsis, e as lesões cutâneas frequentemente envolvem as extremidades, podendo levar à gangrena e à amputação. O tratamento deve ser primariamente dirigido à causa subjacente,
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o que nem sempre é possível. Inicialmente, medidas de ressuscitação e reposição volêmica devem ser observadas, uma vez que a má perfusão do fígado é um dos principais obstáculos à correção das anormalidades hemostáticas da CID. A reposição de plaquetas e fatores da coagulação (ex: fibrinogênio) através da transfusão de produtos como o crioprecipitado, o PFC e os concentrados de plaquetas não deve ser feita com o único objetivo de corrigir as anormalidades laboratoriais encontradas, mas sim para o controle de sangramentos clinicamente relevantes ou o preparo do paciente para a realização de procedimentos invasivos. O uso de heparina permanece polêmico, e deve se restringir aos pacientes que demonstram sinais claros de oclusão circulatória por deposição excessiva de fibrina (ex: insuficiência renal, isquemia de extremidades) sem evidência de hemorragia significativa concomitante, situação esta que é mais comum na CID crônica. É bom lembrar que a heparina exerce seu efeito pela potencialização da ação da antitrombina III (ATIII), e que esta última pode estar diminuída. Já existem concentrados de ATIII recombinante para reposição. A monitorização da anticoagulação pelo TTPa é pouco confiável na CID descontrolada, sendo mais indicados os níveis séricos de heparina. Em alguns pacientes sépticos com CID, a reposição com concentrado de proteína-C ativada recombinante tem mostrado bons resultados preliminares. Os antifibrinolíticos, como o ácido aminocaproico ou tranexâmico, podem ser utilizados nos casos que não respondem às medidas iniciais mas que trazem o risco de complicações trombóticas.
Problemas de função e número de plaquetas Púrpura trombocitopênica idiopática (PTI) A PTI afeta 1:20.000 indivíduos, sendo mais comum em mulheres jovens. Pode estar associada a neoplasias, principalmente hematológicas, como a leucemia linfoide aguda (LLA) e linfomas. A fisiopatologia consiste na formação de autoanticorpos dirigidos contra glicoproteínas da membrana plaquetária, principalmente contra os complexos GPIIb-IIIa e GPIb-IX. A PTI tem chances de ocorrer em qualquer momento do curso de uma neoplasia, inclusive antecedendo o diagnóstico de uma eventual recidiva do câncer em pacientes que se encontram em remissão. De um modo geral, os pacientes são assintomáticos e a trombocitopenia pode ser um achado laboratorial. Os pacientes toleram bem contagens plaquetárias baixas, existindo um risco maior de sangramento com plaquetas abaixo de 5.000/µl. Não existe um teste laboratorial específico; é um diagnóstico de exclusão. O tratamento inicial consiste em pulsoterapia com dexametasona 40 mg/d durante 4 dias. Nos pacientes com trombocitopenia severa (< 10.000/µl) ou sangramento ativo, um ou mais tratamentos devem ser instituídos na tentativa de induzir uma resposta mais rápida. Tanto a imunoglobulina intravenosa (IgIV) na dose de 2 g/kg divididos em dois dias quanto o anticorpo anti-D na dose de 75 µg/kg em dose única podem induzir resposta em mais de 80% dos casos em 24 a 48 horas.
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Trombocitopenia induzida por droga (TID) Os pacientes com TID apresentam trombocitopenia de 1 a 3 semanas após o uso da medicação causadora. Vários medicamentos estão implicados no desenvolvimento da TID (Tabela 2). A terapia inicial consiste em suspender a medicação suspeita. Na presença de múltiplas medicações, deve-se suspender a que apresentar maior associação.
O tratamento consiste em IgIV em altas doses (0,4 g/kg/d) durante 5 dias. O número de plaquetas costuma aumentar em 3 a 5 dias. Outra opção é a plasmaférese, porém com resultados inferiores. A transfusão de plaquetas, por ser pouco eficaz, deve ser reservada apenas para as situações de sangramento grave e potencialmente fatal. Devem ser usadas plaquetas negativas para o antígeno HPA-1a.
Púrpura pós-transfusional (PPT) É uma condição clínica grave que se caracteriza pela queda repentina do número de plaquetas, geralmente até níveis < 10.000/µl, e púrpura, 7 a 14 dias (em média, 9 dias) após a transfusão de componentes sanguíneos contendo plaquetas. Acomete principalmente mulheres multíparas, porém também é descrita em outras populações, como pacientes politransfundidos. É causada por aloanticorpos do receptor contra antígenos plaquetários do doador, ausentes no receptor. Essa destruição plaquetária ocorre, na maioria das vezes, pela presença de anticorpos contra o antígeno plaquetário HPA-1a, que está presente em 98% dos indivíduos, ocasionando uma destruição tanto das plaquetas infundidas quanto das plaquetas do próprio paciente. O quadro clínico é autolimitado e se resolve geralmente em três semanas. Porém, de 10% a 15% dos pacientes evoluem para óbito por sangramento no SNC.
Refratariedade às plaquetas A refratariedade à transfusão de plaquetas caracterizase por um incremento plaquetário inadequado após a transfusão de concentrado de plaquetas. Esse mau aproveitamento se deve a inúmeras causas não imunes, como febre, infecção e grande esplenomegalia, bem como a fatores imunes, como a aloimunização contra antígenos do sistema HLA de classe I. Outras causas imunes importantes são: aloimunização contra antígenos plaquetários específicos e o uso de plaquetas ABO-incompatíveis. O diagnóstico é simples e consiste na ausência de incremento da contagem de plaquetas após três transfusões no período de duas semanas. O cálculo do incremento corrigido da contagem (ICC) após transfusão pode ser feito com o emprego de fórmula específica: ICC = IP x SC/dose (x 1011), no qual IP = incremento plaquetário desejado; SC = superfície corporal (m2). Se o ICC for menor que 7,5 a 10 x 109 em uma amostra colhida de 10 minutos a 1 hora após a transfusão, ou se o ICC for menor que 4,5 a 5 x 109 em uma amostra colhida 24 horas após a transfusão, pode-se definir como refratariedade à transfusão. Deve-se realizar, sempre que possível, a contagem plaquetária pré e pós-transfusional em pacientes politransfundidos. Uma vez constatada a refratariedade, devem ser utilizadas preferencialmente plaquetas ABO-idênticas. Em pacientes que estejam recebendo concomitantemente anfotericina B, deve-se fazer um intervalo de 2 horas entre a infusão do medicamento e a transfusão das plaquetas. Caso essas medidas não sejam eficazes, deve-se optar por transfundir apenas em caso de sangramento.
Tabela 2: Drogas que comumente induzem trombocitopenia Drogas antiarrítmicas Procainamida, quinidina Agentes anti-GPIIb/IIIa Abciximab, eptifibatide, tirofiban Agentes antimicrobianos Anfotericina B, rifampicina, vancomicina, trimetoprim-sulfametoxazol Bloqueadores H2 Cimetidina, ranitidina Outras Acetaminofeno, amrinona, sais de ouro, heparina, quinine, efalizumab, carbamazepina, hidroclorotiazida, anti-inflamatórios não esteroides
“O sangramento é uma complicação frequente e potencialmente letal em pacientes com câncer. Pode estar diretamente relacionado à doença, ao tratamento antineoplásico ou, ainda, a fatores não relacionados à neoplasia em si.”
Trombocitopenia induzida por heparina (TIH) A TIH é uma síndrome imuno-hematológica mediada por um anticorpo que ocasiona ativação plaquetária na presença de heparina, induzindo à Onco& abril/maio 2011
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agregação plaquetária e, consequentemente, a eventos trombóticos. A frequência de TIH em pacientes que recebem heparina não fracionada é maior quando comparada aos pacientes que recebem heparina de baixo peso molecular (HBPM). Os pacientes que apresentam uma queda de 30% a 50% na contagem de plaquetas durante o tratamento com heparina, mesmo que não apresentem trombocitopenia, também têm um risco aumentado de desenvolver eventos trombóticos. Há dois tipos distintos de TIH: tipo I e tipo II. O tipo I é a forma menos severa e mais frequente. Caracteriza-se por trombocitopenia leve, quase sempre > 100.000/µl, que se inicia precocemente após o uso da heparina. Entretanto, a TIH tipo II caracteriza-se por trombocitopenia mais severa, que geralmente surge de 4 a 14 dias após o início da administração da heparina. O diagnóstico clínico deve ser confirmado através de testes laboratoriais capazes de detectar anticorpos heparina-dependentes ou antígenos heparina-fator 4 plaquetário. Entre as medidas terapêuticas, a mais importante é a suspensão da droga envolvida. Devido à participação da trombina na patogênese da TIH, o tratamento primário deve incluir uma droga que reduza a geração de trombina, ou seja, inibidores de trombina. O argatroban é um inibidor sintético da trombina, de metabolização hepática. Sua atividade farmacológica faz com que ele atinja uma rápida eficácia terapêutica antitrombótica, com mínimo risco de sangramento e rápida restauração da hemostasia ao normal no momento da suspensão. A hirudina, mais potente, liga-se à trombina e forma um complexo não covalente irreversível, e com isso inibe todas as funções proteolíticas da trombina. Entretanto, a metabolização é renal, devendo a dose ser corrigida nos pacientes com função renal comprometida. Púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) A PTT é uma microangiopatia trombótica caracterizada pela oclusão difusa de arteríolas terminais e de capilares por trombos ricos em plaquetas e em FvW. Na PTT adquirida, muitos pacientes não apresentam os cinco sinais e sintomas clássicos da doença, que são: trombocitopenia, anemia hemolítica microangiopática (AHMA), alterações neurológicas, comprometimento renal e febre. Porém, estão sempre presentes a AHMA, a trombocitopenia e as alterações neurológicas. Os níveis de lactato desidrogenase (LDH) estão sempre aumentados, constituindo um importante fator prognóstico na PTT. A mortalidade entre os pacientes não tratados é alta, em torno de 95% a 100%. Atualmente, a plasmaférese constitui a base do tratamento, podendo reduzir a mortalidade para menos de 20%. Por isso, é importante realizá-la o mais precocemente possível, tão logo se estabeleça o diagnóstico. Ela deve ser realizada diariamente, com trocas de 1 a 1,5 vez o volume de plasma do paciente, utilizando PFC como fluido de reposição. Não se sabe ao certo o número ideal de sessões, porém ela deve ser mantida até que se estabeleça uma remissão estável, que consiste na normalização do quadro neurológico, da contagem de plaque-
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tas e do nível de LDH, e no aumento da hemoglobina por pelo menos dois dias consecutivos. Síndrome hemolítico-urêmica (SHU) A SHU é uma microangiopatia trombótica caracterizada por anemia hemolítica e trombocitopenia, mas com predomínio de envolvimento da microcirculação renal. Ela pode estar associada ao uso de medicações imunossupressoras como a ciclosporina e o tacrolimo, bem como a agentes antineoplásicos como a mitomicina-C, a carboplatina e a gemcitabina. Além disso, a SHU pode ser uma complicação clínica secundária ao transplante alogeneico de medula óssea, com uma incidência em torno de 15%, podendo ocorrer também no contexto do transplante autólogo (5%). Em transplantados, as infecções pelo citomegalovírus também podem causar a SHU. O tratamento é incerto. Deve-se tratar ou remover, se possível, o fator desencadeante. Nesses casos, a plasmaférese não parece eficaz e o prognóstico é sombrio.
Distúrbios hemorrágicos adquiridos associados a neoplasias hematológicas Leucemia promielocítica aguda (LPA) A LPA caracteriza-se pela presença em número aumentado de promielócitos anormais. Pode cursar com grave coagulopatia e deve ser encarada como uma emergência médica, requerendo uma série de medidas de suporte que devem ser iniciadas rapidamente e de forma simultânea. Uma fração significativa desses pacientes desenvolve hemorragia fatal durante a avaliação diagnóstica, antes ou durante os primeiros dias do tratamento de indução. A fisiopatologia dessa coagulopatia é complexa, e os defeitos hemostáticos são múltiplos. O mecanismo patogênico mais convincente aponta para propriedades da célula leucêmica, que por meio da liberação de uma série de mediadores ativa a coagulação através de três mecanismos principais: CID, fibrinólise e liberação de enzimas procoagulantes. Esse processo é intensificado pela trombocitopenia e rápida liberação celular de produtos tumorais induzidos pela quimioterapia. A terapêutica apropriada para a LPA consiste no tratamento simultâneo da coagulopatia e da leucemia. O tratamento de escolha atualmente consiste no uso do ácido transretinoico (ATRA) em combinação com quimioterapia à base de antracíclicos. O ATRA atua beneficamente sobre a coagulopatia de forma precoce, e deve ser iniciado nos casos suspeitos, mesmo antes da comprovação citogenética e/ou molecular da LPA. O tratamento de suporte consiste em transfusão vigorosa de PFC, fibrinogênio e/ou crioprecipitado e plaquetas. Deve-se almejar um fibrinogênio > 100 a 150 mg/dl e plaquetas > 30 a 50 x 109/L. A terapia de reposição deve continuar até o desaparecimento total de sinais clínicos ou laboratoriais de coagulopatia, e deve ser intensificada em pacientes que têm fatores de risco adicionais (idade avançada,
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hiperleucocitose, creatinina sérica aumentada, sangramento ativo). A melhora nos níveis de fibrinogênio é um bom marcador de resposta ao tratamento. O papel do FVIIa recombinante ou do complexo protrombínico para o tratamento de hemorragias graves na LPA permanece incerto, e recomenda-se que o uso de agentes procoagulantes nesse contexto deva se restringir ainda a estudos clínicos, tendo em vista o risco de complicações trombóticas. Deve-se ainda evitar cateterização de acesso venoso central, punção lombar ou outros procedimentos invasivos antes e durante a terapia de indução, enquanto a coagulopatia estiver presente, clinica e/ou laboratorialmente. Outras leucemias e síndrome mielodisplásica (SMD) A trombocitopenia é a causa mais comum de sangramento relacionado a essas condições. Entretanto, nos pacientes com contagens de plaquetas normais ou elevadas, complicações hemorrágicas podem estar associadas a disfunção plaquetária adquirida ou até mesmo a morfologia alterada dos megacariócitos. Defeitos adquiridos de plaquetas relacionados a manifestações hemorrágicas são mais comuns nas leucemias mieloides agudas (LMA), mas têm sido descritos, também, em leucemias linfoblásticas e mielomonoblásticas, tricoleucemia e síndromes mielodisplásicas (SMD). Outros fatores de risco, como hipertensão, anormalidades intravasculares, sépsis, CID, alterações dos fatores de coagulação e hiperleucocitose podem contribuir para hemorragias. A infiltração hepática por células leucêmicas pode comprometer a produção de fatores de coagulação. A coagulopatia mais comumente encontrada em LLA está relacionada ao uso da L-asparaginase, que diminui a síntese hepática de certas proteínas, alterando a produção de fatores da coagulação. Felizmente, apesar dos baixos níveis de fibrinogênio nesses casos, o sangramento é raro. Os sintomas dependem da gravidade da tendência hemorrágica e de sua localização, e consistem em epistaxe, hematúria, sangramento gastrintestinal, petéquias e até mesmo sangramento intracraniano, cursando, por exemplo, com cefaleia e turvação visual. A correção da causa subjacente, quando possível, é o melhor tratamento. Transfusão profilática de plaquetas tem sido universalmente aplicada como terapia de suporte em pacientes portadores
de leucemias agudas e está indicada nos pacientes com plaquetas < 10.000/µl, sistematicamente, ou naqueles com > 10.000/µl e sangramento ativo. O tratamento para a coagulopatia consiste na infusão de PFC, complexo protrombínico, ATIII e concentrado de fibrinogênio, quando indicados. O ácido tranexâmico e similares podem ser considerados em estados hiperfibrinolíticos, sendo contraindicados em sangramentos de trato urinário. Medidas locais como a infiltração de vasoconstritores, a embolização arterial ou até mesmo a intervenção cirúrgica podem ser consideradas. Radioterapia pode ser usada com efeito hemostático em alguns casos de sangramento genital ou pulmonar. Na SMD, múltiplos defeitos funcionais são encontrados nas plaquetas. Isso inclui redução na agregação plaquetária e diminuição dos estoques de plaquetas, do FvW e do fibrinogênio. Nesses pacientes, as hemorragias podem acontecer mesmo na vigência de plaquetas > 50.000/µl e suporte transfusional. Síndromes mieloproliferativas (SMP) Tendência a sangramento e defeitos qualitativos de plaquetas são comumente encontrados nas SMP. Essas anormalidades refletem características do clone leucêmico, assim como alterações adquiridas nas plaquetas circulantes. Descrevem-se a diminuição do receptor alfa-2 adrenérgico plaquetário e da produção de tromboxano-A2 e anormalidades da expressão dos complexos GPIIb-IIIa, GPIb e GPIa-IIa. Anormalidades adquiridas do FvW plasmático têm sido documentadas em pacientes com SMP e elevadas contagens plaquetárias, e estão relacionadas a hemorragias. O FvW plasmático (particularmente os grandes multímeros) está diminuído, tendendo a se normalizar após o tratamento citorredutor.
“Não importa quão grave seja a situação, deve-se sempre tentar obter uma história completa, que inclua sintomas associados, tempo de evolução e tratamentos/medicações recentemente realizados.”
Disproteinemias A disproteinemia consiste na produção anormal de imunoglobulinas, que podem interferir nas várias fases da coagulação e acarretar hemorragias. Interações fisiopatológicas entre paraproteínas e fatores de coagulação, plaquetas e vasos sanguíneos podem produzir anormalidades hemostáticas. Coagulopatias têm sido descritas em pacientes com amiloidose primária (AL), macroglobulinemia de Waldenström (MW), mieloma múltiplo (MM) e gamopatia monoclonal de significado indeterminado (GMSI). Piora Onco& abril/maio 2011
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na função plaquetária, demonstrada por aumento do tempo de sangramento ou alterações da curva de agregação plaquetária, tem sido associada a hemorragias clinicamente significativas relacionadas a altos níveis de imunoglobulina, principalmente de IgM. O mecanismo fisiopatológico seria a infiltração das plaquetas por paraproteínas. A correção dessas alterações pela plasmaférese sugere que também a hiperviscosidade esteja relacionada. A DvW adquirida pode complicar o curso de neoplasias, particularmente os linfomas. A deficiência do FX, isolada ou não, é a coagulopatia mais comumente descrita na amiloidose, e o grau de deficiência do FX não se correlaciona com a gravidade do sangramento. A reposição do FX com PFC ou complexo protrombínico corrige essa deficiência adquirida. Opções adicionais incluem esplenectomia e FVIIa. A resposta à quimioterapia é geralmente insatisfatória.
Complicações do tratamento antitrombótico nas neoplasias A principal complicação do tratamento antitrombótico são as hemorragias e, menos frequentemente (< 1%), a necrose de pele ou de tecidos. Os sinais, os sintomas e o grau de severidade variam de acordo com a localização, o grau e a extensão do sangramento. Além disso, reações de hipersensibilidade também podem ocorrer. O risco de hemorragia está relacionado com a intensidade e a duração da terapia e pode resultar em morte ou deficiência permanente. A necrose está associada a trombose local, e usualmente surge cinco dias após o início do tratamento. A amputação do órgão acometido e o debridamento fazem parte do tratamento. O tratamento antitrombótico também pode levar à liberação de placas ateromatosas e desencadear a “síndrome dos dedos roxos”. Outros fatores, como viagens, mudanças na dieta, fatores ambientais e físicos, doenças associadas e uso concomitante de medicações, podem influenciar na resposta ao tratamento e aumentar os riscos de complicações. Antagonistas da vitamina K Os antagonistas da vitamina K (warfarina, coumadin) inibem os fatores de coagulação dependentes da vitamina K (II, VII, IX e X) e as proteínas C e S, anticoagulantes naturais. Eles não têm efeito direto em um trombo já estabelecido e também não revertem o dano tecidual isquêmico. Entretanto, uma vez que o trombo tenha se instalado, o objetivo é prevenir a sua extensão e as complicações tromboembólicas secundárias que podem resultar em sequelas fatais. Os principais determinantes do risco de sangramento são a intensidade do efeito anticoagulante, as características do paciente (idosos e comorbidades associadas), o uso concomitante de drogas que interferem na hemostasia (aspirina, acetaminofeno e anti-inflamatórios não esteroidais) e a duração do tratamento. A intensidade do efeito anticoagulante é o fator de risco mais importante para a hemorragia intracraniana, independentemente da indicação. O risco dobra a cada 1,0 ponto a mais no INR. A medicação deve ser descontinuada e a vi-
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tamina K oral ou intravenosa administrada, dependendo da intensidade do sangramento, pois oferece vantagens sobre a vitamina K subcutânea e sobre o plasma. O INR começa a diminuir somente de 12 a 36 horas após a suspensão do anticoagulante. Para os pacientes sem sangramentos e com INR alto mas < 5, a vitamina K pode ser omitida ou administrada com dose reduzida. Para os pacientes com INR entre 5 e 10, deve-se administrar de 1 a 2,5 mg de vitamina K por via oral ou, dependendo da urgência, por via intravenosa, juntamente com o plasma. Quando o INR for maior que 10, a dose deve ser de 2,5 a 5 mg. Nos pacientes com risco de hemorragia intracraniana, deve-se administrar 10 mg de vitamina K intravenosa, e também considerar o plasma e o complexo protrombínico para uma correção mais rápida. Agentes antiagregantes plaquetários O ácido acetilsalicílico (AAS) inibe a via da ciclo-oxigenase através da acetilação de aminoácidos. As principais complicações decorrentes do seu uso incluem sangramentos, reações alérgicas (broncoespasmo), úlceras gástricas, constipação e insuficiência renal. O risco de acidente vascular cerebral hemorrágico (AVCh) é de aproximadamente 1 em 2.500 pacientes/ano. As complicações podem ser resolvidas ou diminuídas com a redução ou suspensão da dose, a associação de protetores gástricos, a troca por outro agente antitrombótico ou até mesmo com a transfusão de plaquetas ou com a desmopressina, em casos emergenciais. Há pouca informação sobre o manuseio das complicações hemorrágicas que envolvem outros agentes, como ticlopidina, clopidogrel, dipiridamol, prasugrel ou abciximab. No entanto, a transfusão de plaquetas também está indicada nesses casos. Alguns estudos in vitro sugerem que a adição de crioprecipitado pode ajudar a restaurar a função plaquetária em pacientes que usam o tirofiban, o eptifibatide ou outros agentes antiagregantes que inibem os receptores plaquetários para o fibrinogênio. Heparina A heparina é utilizada para a profilaxia ou o tratamento da trombose. Ela aumenta a velocidade da ligação entre antitrombina e trombina e age como catalisador na reação de inativação da trombina. Inibe a coagulação através de alterações na função plaquetária e na permeabilidade capilar e tem o potencial de causar sangramento em menos de 3% dos pacientes, que pode ser revertido com o uso de sulfato de protamina (na maioria das situações, desnecessário, pois a heparina padrão tem meia-vida curta, de 30 a 60 minutos). A HBPM tem meia-vida mais longa e requer o uso de protamina. A dose varia de 0,5 a 1 mg para cada 100 U de heparina administrada. Ela não reverte completamente o efeito da HBPM, mas pode neutralizar o efeito antitrombótico. A heparina também pode induzir trombocitopenia, mas raramente é uma causa importante de sangramento. Ocorre em 1% a 3% dos pacientes com trombose venosa profunda que recebem heparina não fracionada e em menos de 1% com HBPM. A trombocitopenia aparece de 5 a 10 dias após o início da terapia, mas também pode ocorrer mais
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cedo em pacientes que fizeram tratamento recente com heparina. É mais comum em pacientes com câncer e apresenta taxas altas de complicações trombóticas. É uma condição pró-trombótica associada a um aumento da trombina, evidenciada pela presença de níveis elevados de complexos trombina-antitrombina. É considerada uma síndrome de hipercoagulabilidade adquirida importante. O diagnóstico é clínico e laboratorial (teste de agregação com heparina e ELISA para a detecção de anticorpos antiplaquetários). A frequência da síndrome em pacientes tratados com heparina é altamente variável e influenciada pela preparação da heparina (heparina fracionada bovina > heparina fracionada porcina > HBPM) e pelo perfil dos pacientes que recebem o tratamento (cirurgias, gravidez). Ocorre queda inexplicada e repentina das plaquetas, em mais de 50%, já nas primeiras 24 horas e até 4 dias após o início da aplicação. Raramente podem surgir lesões cutâneas ou reações sistêmicas agudas após a administração intravenosa. A heparina deve ser suspensa e recomenda-se a substituição por anticoagulantes como a lepirudina e o argatroban, a bivalirudina ou danaparoide, ou por inibidores diretos da trombina, como a hirudina ou o ximelagatran. Usualmente eles são bem tolerados e apresentam risco mínimo de sangramentos. 1. Estreptoquinase (SK) É obtida a partir de culturas de estreptococos-hemolíticos e, por ser um antígeno, pode causar reações alérgicas. Raramente, anafilaxia (0,5%), mas tremores, rash cutâneo ou febre podem ocorrer em até 10% dos pa-
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cientes tratados. A eficácia da estreptoquinase não é reduzida pela reação alérgica, mas deve ser evitada a sua reutilização por um período de um a dois anos. A hipotensão pode ocorrer durante administração rápida da solução (acima de 500 U/kg/min), mas geralmente responde a líquidos, dopamina, diminuição da velocidade de infusão, e raramente é necessária a interrupção. O pequeno sangramento é a complicação mais comum, ocorrendo em 3% a 4% dos pacientes, geralmente nos locais de punção. Os grandes sangramentos, por definição os que necessitam de transfusão de sangue, são menos comuns. O risco de AVCh é menor que 1% em todos os pacientes e, em pacientes acima dos 70 anos, é de 1,6%. 2. Ativador tecidual do plasminogênio (t-PA) A principal complicação do tratamento com t-PA é o sangramento. A incidência de AVCh em pacientes com mais de 70 anos é 1% maior do que nos tratados com estreptoquinase. Esse risco pode aumentar em pacientes com peso < 70 kg, pressão arterial > 170/95 mmHg e uma heparinização agressiva. 3. Anistreplase (APSAC) As complicações são semelhantes às da estreptoquinase. Por ser um antígeno, deve-se evitar reutilizá-la pelo período de um ano. 4. Uroquinase É frequentemente utilizado para trombólise nas salas de hemodinâmica e para tratamento da embolia pulmonar grave.
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cabeça e pescoço
Neoplasia localmente avançada de laringe na era da preservação de órgão: qual a melhor estratégia terapêutica?
Genival B. de Carvalho * Médico cirurgião de cabeça e pescoço do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital A. C. Camargo – São Paulo
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Contato: genibarbo@gmail.com
Laura Mannarini * Médica otorrinolaringologista, doutoranda em oncologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
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Contato: lauramannarini@hotmail.com
Luiz Paulo Kowalski * Diretor do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital A. C. Camargo – São Paulo; professor livre-docente em oncologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Contato: Lp_kowalski@uol.com.br
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Introdução O câncer de laringe é uma das neoplasias mais comuns das vias aéreas superiores, observando-se a incidência mundial ajustada de 5,1 por 100 mil homens, com mortalidade de 2,9 por 100 mil. Nas mulheres, a estimativa mundial de incidência é de 0,6 por 100 mil, e a de mortalidade, 0,4 por 100 mil. No Brasil, a incidência ajustada é de 8,5 por 100 mil homens, com mortalidade de 4,6 por 100 mil. Nas mulheres, esses números são de 0,7 por 100 mil mulheres e 0,6 por 100 mil, respectivamente (GLOBOCAN 2002). Segundo o Registro de Câncer de Base Populacional de São Paulo e o Instituto Nacional de Câncer (INCA), no estado de São Paulo a incidência ajustada de câncer de laringe é maior em relação ao valor nacional (14,9 por 100 mil homens e de 1,5 por 100 mil mulheres, com mortalidade de 6,2 por 100 mil homens e 0,6 por 100 mil mulheres) (INCA, 2002). O Registro Hospitalar de Câncer do Estado de São Paulo aponta que, entre janeiro de 2000 e setembro de 2009, foram registrados 6.370 casos novos de tumores de laringe, 62,7% dos quais se apresentaram em estádio clínico avançado (EC III e IV) (Fundação Oncocentro do Estado de São Paulo, 2009). Até meados dos anos 1980, a terapia multidisciplinar no câncer avançado de laringe – estádios III e IV – consistia em cirurgia e radioterapia pósoperatória. Num estudo multicêntrico retrospectivo realizado entre 1980 e 1985, 116 pacientes portadores de carcinoma espinocelular de laringe estádios clínicos III e IV foram tratados com cirurgia curativa e radioterapia pós-operatória e a sobrevida geral foi de 68,3% em cinco anos (Nguyen et al., 1996). Em outro estudo retrospectivo, de um total de 817 pacientes portadores de carcinomas espinocelulares de laringe supraglótica, 36,2% eram estádios III e IV e foram tratados com laringectomia
supraglótica alargada. A taxa de controle locorregional foi de 82,15% no estádio III e de 66,15% no estádio IV. A sobrevida em cinco anos foi de 78,3% para estádio clínico III e 55,3% para estádio clínico IV. A deglutição foi avaliada como boa em 97,6% dos pacientes (Vega et al., 1996).
Preservação da laringe Nos últimos 20 anos foi demonstrada a eficácia dos protocolos de radioterapia e quimioterapia no tratamento dos carcinomas localmente avançados da laringe, cujos objetivos são o controle locorregional da doença e a preservação de órgão. O primeiro ensaio clínico randomizado foi o Veterans Trial, publicado em 1991, que comparava o percentual de sobrevivência e de preservação de órgão em pacientes tratados com laringectomia total e radioterapia adjuvante com aqueles pacientes submetidos a quimioterapia de indução com cisplatina e 5-fluorouracil, seguida de radioterapia nos casos de resposta clínica, e laringectomia total em caso de ausência de resposta. Esse estudo evidenciou que a quimioterapia de indução tinha permitido preservar quase dois terços das laringes sem comprometer a sobrevida global, tornando-se a base para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas para a preservação da laringe com menos efeitos adversos na sobrevida. Uma das opções mais utilizadas foi a quimioterapia de indução seguida de radioterapia nos respondedores (Carew et al., 1998). Em um estudo com 80 pacientes portadores de carcinomas de laringe estádio clínico III e IV submetidos a tratamento com radioterapia isolada ou quimioterapia neoadjuvante, seguida de radioterapia, a sobrevida em cinco anos foi similar nos dois grupos (24% para radioterapia isolada e 31% para terapia combinada). A taxa de preservação da laringe também foi similar (62% para o primeiro grupo e 63% para o segundo grupo), sendo observado que a
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radioterapia isolada pode ser um tratamento factível para esses pacientes (Keum et al. 1999). Num estudo retrospectivo com 181 pacientes portadores de carcinomas espinocelulares de laringe supraglótica estádios III e IV, comparando os tratamentos de radioterapia isolada, radioquimioterapia e cirurgia seguida de radioterapia, foi evidenciado que os pacientes tratados com cirurgia seguida de radioterapia e radioquimioterapia apresentaram sobrevida global e intervalo livre de doença semelhantes. Os pacientes tratados com radioterapia exclusiva apresentaram uma evolução pior que os outros dois grupos (Ganly et al. 2009). Em 2003, Forastiere et al. publicaram os resultados do estudo randomizado RTOG 91-11, com 547 pacientes com câncer de laringe localmente avançado. Os três grupos de tratamento foram: quimioterapia de indução (cisplatina e fluorouracil) seguida por radioterapia; radioterapia concomitante a quimioterapia (cisplatina); e radioterapia isolada. Tal tratamento previa a dose de 70 Gy em 35 frações de 2 Gy cada uma, administrada cinco dias por semana. O critério de inclusão previa carcinoma espinocelular da laringe nos estádios III e IV, para o qual o tratamento cirúrgico do tumor é a laringectomia total. Observou-se que em 84% dos pacientes tratados por radioterapia concomitante a quimioterapia houve preservação de laringe. A porcentagem foi mais alta em relação aos outros dois grupos [70% dos pacientes tratados por radioterapia exclusiva (P < ,001) e 74% dos pacientes tratados por quimioterapia de indução e radioterapia com (P = ,005)]. Esse estudo mostrou que a associação terapêutica de radioterapia e quimioterapia promove sobrevida semelhante à laringectomia total seguida de radioterapia, com altas taxas de preservação da laringe (cerca de 84%) e bons resultados funcionais para tumores T3 e alguns tumores T4 (pacientes com tumores T4 volumosos, que apresentavam invasão de cartilagem ou invasão de base de língua maior que 1 cm não foram incluídos nesse estudo). A quimioterapia concomitante com cisplatina 100 mg/m2 nos dias 1, 22 e 43 tornou-se, em diversos países, o tratamento padrão dos tumores avançados da laringe (Forastiere et al., 2003). Em 2004, entretanto, o mesmo grupo de pesquisadores publicou uma correção a esse artigo,
sublinhando a possibilidade de preservação de órgão também como modalidade cirúrgica, procedimentos não mencionados no artigo anterior (Forastiere et al., 2004). Alguns protocolos mais recentes têm utilizado a quimioterapia de indução para selecionar pacientes. Em 2009, Lefebvre et al. compararam o tratamento sequencial com o tratamento alternado. Foram incluídos 450 pacientes (câncer de laringe ou hipofaringe, estádio T3-T4) randomizados entre dois braços. Aqueles que apresentaram resposta menor que 50% foram tratados com cirurgia, enquanto os demais receberam associação de radioterapia. A comparação entre essas duas abordagens demonstrou nos pacientes respondedores à quimioterapia de indução que o tratamento com quimiorradioterapia não compromete o controle da doença nem a sobrevida e permite a preservação da laringe em 40% a 60% desses pacientes (Lefebvre et al., 2009).
Preservação da laringe: o papel da cirurgia A preservação de órgão cirúrgica foi desenvolvida principalmente nos últimos 50 anos. O controle do tumor primário é obtido pela ressecção parcial da laringe, mantendo as funções de respiração (a traqueostomia, quando realizada, é temporária), fonação e deglutição. O tratamento pode ser realizado por cirurgia aberta (laringectomia parcial vertical, laringectomia horizontal supraglótica, laringectomia supracricoidea) ou por cirurgia endoscópica a laser (Chawla et al., 2009). As cirurgias parciais da laringe no tratamento do câncer mostram melhores resultados em qualidade de vida para os pacientes se comparadas a tratamento com cirurgia não conservadora e/ou quimiorradioterapia (Weinstein, 2001). Em 2001, Ambrosch et al. trataram o câncer laríngeo supraglótico com cirurgia endoscópica a laser e obtiveram resultados parecidos na sobrevida. Dos 50 pacientes com carcinoma supraglótico T3 estádio III e IV, o estadiamento T avançado em 41% dos casos era devido ao comprometimento do espaço préepiglótico, com fixação das pregas vocais em 18% desses pacientes. A invasão do espaço paraglótico esteve presente em 26% dos casos. O controle local em cinco anos foi de 86% dos pacientes tratados com cirurgia a laser (Ambrosch et al., 2001). Mais estudos
“O câncer de laringe é uma das neoplasias mais comuns das vias aéreas superiores, observando-se a incidência mundial ajustada de 5,1 por 100 mil homens, com mortalidade de 2,9 por 100 mil.”
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enfatizaram também o melhor resultado funcional da laringectomia supraglótica endoscópica a laser, com menor tempo de hospitalização e menor morbidade (Peretti et al., 2006). A principal razão para o sucesso do tratamento com preservação de órgão cirúrgica é a manutenção da funcionalidade laríngea associada a um efetivo controle tumoral. Por essa razão é necessária uma cuidadosa avaliação da extensão do tumor, tridimensionalmente e não só na extensão superficial. Nos tumores que envolvem a glote, particularmente a comissura anterior, pode haver subestadiamento, como mostrado pelo grupo de Barbosa et al., 2005. Nesse estudo, 52 pacientes (câncer glótico ou supraglótico, estádio T1-4) foram avaliados préoperatoriamente por exame endoscópico e TC (com cortes de 1 mm). Foi analisada depois a relação com o estádio obtido pela avaliação da peça operatória. Somente em 40,38% dos casos o estadiamento endoscópico pré-operatório estava correto (40% para T1; 29,41% para T2; 46,43% para T3; e 50% para T4). Por outro lado, o estadiamento préoperatório com TC era correto na maioria dos casos (75%), em particular para o estádio avançado T3 (73,91%) e T4 (88,24%) (Barbosa et al., 2005). Outro componente importante do sucesso terapêutico se refere à atenção sobre a mobilidade das pregas vocais e das aritenoides, sendo a unidade cricoaritenóidea a unidade funcional básica do órgão (Tufano et al., 2002). Somente a seleção adequada dos casos com critérios rígidos permite o controle local da doença (Laccourreye et al., 1997) com boa qualidade de vida (Braz et al., 2005). Nos últimos anos o uso de cirurgia de preservação (cirurgia aberta, endoscópica, robótica) vem sendo abandonado nos EUA. A habilidade do cirurgião parece ser uma variável prognóstica. Olsen et al. referem que essa tendência se deve a uma menor habilidade cirúrgica por parte de residentes e especialistas recém-formados na cirurgia conservadora de tumores de cabeça e pescoço. Por exemplo, no Hospital Johns Hopkins, entre dezembro de 2000 e março de 2006 foram realizados somente 24 laringectomias supracricoideas (SCL) (Farrag et al., 2007), e no Hospital MD Anderson Cancer Center entre 1997 e 2005 foram realizados 27 SCL (Lewin et al., 2008).
Revisão do conceito Analisando os dados do programa de Vigilância, Epidemiologia e Resultados Finais (SEER) norteamericano entre 1973 e 1999, Carvalho et al. 2005 evidenciaram que o prognóstico dos tumores de laringe em estádios avançados entre 1974 e 1997 melhorou de 22,2% para 38,3%, com p=0,013. Por outro lado, o prognóstico dos tumores iniciais de laringe piorou entre os anos 1983 e 1997 de 82,3% para 74,3%, com p=0,002. Em 2006, Hoffmann et al. avaliaram 158.426 pacientes do National Cancer Data Base (NCDB) portadores de carcinoma espinocelular de laringe (qualquer localização) tratados entre 1985 e 2001, e o estudo retrospectivo mostrou uma piora na sobrevida global. Os dados incluíram principalmente casos diagnosticados em estádio avançado do câncer glótico e estádio inicial e avançado do câncer supraglótico. A observação específica sobre o grupo de pacientes com câncer de laringe estádio T3N0M0 (qualquer localização) mostrou uma sobrevida menor em cinco anos no grupo tratado com quimiorradioterapia (59,2%) e no grupo tratado com radioterapia isolada (42,7%) se comparado com o grupo tratado com cirurgia e radioterapia adjuvante (65,2%) ou sem radioterapia adjuvante (63,3%). Em contraste, um subgrupo do estádio T3N0M0, os tumores com localização glótica apresentam melhor sobrevida (65,6%) com tratamento cirúrgico e também com quimiorradioterapia concomitante. O tratamento cirúrgico incluiu laringectomia total, laringectomia subtotal/parcial e ressecção, sem diferenças nos resultados. A sugestão geral que se extrapola é a menor eficácia terapêutica dos tratamentos não cirúrgicos (Hoffman et al., 2006). Os resultados menos satisfatórios do tratamento não cirúrgico e seus gastos elevados sugerem que a laringectomia total ainda deve ser considerada entre as opções terapêuticas iniciais no tratamento do câncer avançado de laringe para pacientes com prognóstico mais comprometido ou com condições clínicas que não favorecem tratamentos mais demorados e com exigência de seguimento muito rigoroso. Em 2007, Chen Ay e Halpern M. avaliaram 10.590 pacientes do National Based Cancer Registry data, dos quais 7.019 foram incluídos no estudo. Os pacientes portadores de câncer avançado de laringe
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(estádio III vs IV com qualquer T) foram tratados com laringectomia total ou quimio-radio ou radioterapia isolada. Os pacientes com câncer de laringe estádio III mostraram resultados similares se tratados com cirurgia (laringectomia total) ou quimiorradioterapia, em contraste com câncer estádio IV, que mostra melhor sobrevida com tratamento cirúrgico. Os autores reservam ainda observação específica sobre o grupo de pacientes com câncer de laringe T3, que, se submetidos a tratamento de preservação de órgão não cirúrgica (quimiorradioterapia ou radioterapia), mostram aumentado risco de morte se comparado com laringectomia total. No artigo, destacam-se também alguns fatores associados a pior prognóstico: sexo masculino, raça negra e o tipo de seguro-saúde que pode não agilizar o acesso ao tratamento (Chen et al, 2007).
Fatores prognósticos e melhor seleção terapêutica Entre as probabilidades de estudo dos fatores que possam influir no prognóstico, o conhecimento de que o câncer é uma doença genética resultante de mutações acumuladas no genoma focaliza também a atenção sobre a biologia celular. Nas duas últimas décadas houve um crescimento na quantidade de dados genômicos e proteômicos publicados, que têm ampliado as perspectivas de aplicações desse conhecimento na detecção, no diagnóstico e no planejamento terapêutico. Essas informações serão possivelmente cada vez mais usadas para individualizar o tratamento, levando-se em conta o perfil molecular individual (Ginzburg e McCarthy, 2001; Jain, 2002; Barreto, 2008). A identificação de assinaturas moleculares, que incluem grupos de genes, transcritos de RNAm, proteínas, lipídios, carboidratos e metabólitos, permite a correlação entre o estado alterado de expressão de tais marcadores e o comportamento biológico do tumor (Liotta e Petricoin, 2000; Petricoin et al., 2002; Negm et al., 2002; Barreto, 2005; Ludwig e Weinstein, 2005; Nilsson et al., 2009). A disponibilidade e a aplicação de novos biomarcadores de predição da resposta terapêutica, bem como o emprego de novas terapias com alvos moleculares, são promissoras (Allison, 2008). Os biomarcadores têm sido classificados em marcadores de prognóstico (predição
do curso natural de um câncer individual), marcadores preditivos (predição do possível benefício individual ao tipo de tratamento) ou marcadores de resposta clínica (medida do efeito do tratamento a curto prazo) (Phan et al., 2009). No estudo de Barreto et al. 2005 foram identificados classificadores moleculares que distinguiram pacientes respondedores (R) de não respondedores (NR) a tratamento de preservação de órgão não cirúrgica (amostra de 35 pacientes com câncer localmente avançado de laringe e hipofaringe tratados com protocolo de quimiorradioterapia combinada). Através da metodologia de cDNA microarray, 100 genes foram combinados, identificando-se 4 trios e 27 quadras de genes que predizem, com 100% de sensibilidade e especificidade, os pacientes classificados como respondedores ou não respondedores. Como objetivo secundário da pesquisa, a autora focalizou a atenção no estudo das vias metabólicas potencialmente relacionadas ao mecanismo de ação de quimiorradioterapia – a expressão das proteínas envolvidas foi correlacionada com a assinatura gênica dos pacientes, para identificar alterações possivelmente envolvidas na resistência ao tratamento clínico. Foram selecionadas três vias para estudo: a via Ras-Raf-Map-Kinase (Alroy 1997, Lewis et al., 1998), a via P14K e AKT (Chan et al., 1999; Blumejensen, 2001; Vivanco, 2002) e a via Kinase C e Jak/Stat (Yarden, 2001). Através do estudo dessas vias metabólicas foram identificados seis genes candidatos: o receptor da interleucina 4 (IL4R), o receptor neutrófico da tirosina quinase tipo 2 (NTRK2) ou TRKB, a proteína ligante nucleotídeo guanina alpha 12 (GNA12), o receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR), o proto-oncogene Met (CMET) e o fator do crescimento transformante alpha (TGFalpha). Esses genes mostraram-se mais diferencialmente expressos entre as comparações R/NR no grupo das 35 amostras, a partir dos dados obtidos por microarray. Após levantamento bibliográfico, foram sucessivamente escolhidos os melhores anticorpos para a realização de ensaios de imuno-histoquímica. Até aquele momento não existia anticorpo disponível no mercado para imunohistoquímica para a proteína do gene humano GNA12. Os dois anticorpos existentes para o gene TRKB foram empregados: um que reconhece a proteína fosforilada e outro que reconhece a proteína Onco& abril/maio 2011
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não fosforilada. Finalmente, a análise de array apresentou TGFA superexpresso em pacientes NR, seguido de validação imuno-histoquímica. Esse gene pode ser relacionado com a resistência dos tumores ao tratamento (Barreto, 2009). Na literatura há vários outros estudos imunohistoquímicos que avaliaram como a hiperexpressão de algumas proteínas poderia estar associada ao pior prognóstico. Destaca-se a expressão de proteínas responsáveis pelo controle do ciclo celular, como o receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) já mencionado no estudo de Barreto. Esse fator é envolvido no processo de crescimento das células neoplásicas e em sua capacidade de reparar os danos causados pelos quimioterápicos (Putti, 2002). Secades et al. mostraram que a hiperexpressão da proteína do fator induzido pela hipóxia (HIF1alpha) era associada com um aumento no número das cópias do gene HIF-1alpha e nível aumentado de HIF-1alpha mRNA (Array CGH analysis of HIF1). O mecanismo de hiperexpressão parece baseado na ativação do EGFR, justificando a presença de hiperexpressão também em condições de normohipóxia. Assim, a célula poderia se preparar para uma maior atividade funcional em ambiente hipóxico (Secades, 2009). A agressividade biológica intrínseca de um tumor hipóxico é explicada em parte pelo aumento dos números de genes induzidos por hipóxia por meio do HIF-1. Cerca de 50 genes são induzidos pela hipóxia, via fator induzível pela hipóxia-1 (HIF-1). A proteína HIF-1 é estabilizada em tais condições e se une às proteínas envolvidas na resposta à hipóxia como o fator de crescimento vascular endotelial (VGFR) (Kyzas, 2005), a proteína transportadora de glicose 1 (GLUT-1) (Kunkel, 2003; Mineta, 2002) e a anidrase carbônica (AC IX) (Koukoraski, 2001; Potter, 2004). O gene CA IX é um dos mais induzíveis e mais uniformemente induzidos e, devido a sua estabilidade e localização na membrana celular, é considerado um bom marcador de hipóxia. A sua expressão se correlaciona com pobre resposta a quimioterapia e radioterapia. Ele alcaliniza o meio intracelular e acidifica o meio extracelular do tumor, o que facilita a invasividade tumoral e a migração celular (metástases), além de provocar resistência aos quimioterápicos. A inibição da expressão do
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CA IX faz o tumor ser sensível novamente tantos aos quimioterápicos como à radioterapia (Thiry, 2006; Pastorekova, 2006). A ativação do EGFR e da GLUT1 permite a indução de angiogenese e glicólise (Loncaster et al., 2001). Entre os fatores que podem influir no prognóstico, destacam-se ainda a expressão das metaloproteinases (MMPs) 2 e 9, enzimas envolvidas no processo de degradação da membrana basal da matriz extracelular. A atividade proteolítica é relacionada à capacidade de invasão e metástase (Rosenthal, 2006).
O problema dos tumores T4 Nos pacientes portadores de câncer de laringe que não apresentam destruição importante do arcabouço laríngeo, as estratégias de preservação de órgão não cirúrgicas permanecem como opções terapêuticas. Por outro lado, os pacientes portadores de carcinomas espinocelulares T4 de laringe historicamente não são candidatos a preservação de órgão, porque a invasão de cartilagem e a extensão extralaríngea são comumente consideradas contraindicação à preservação. Em pacientes com tumores com extenso acometimento do espaço pré-epiglótico e paraglótico, destruição maciça da cartilagem ou extensa invasão subglótica ou com importante extensão para partes moles, alguns autores recomendam que a preservação de órgãos seja evitada, pois a curabilidade pode ser limitada e os pacientes em que foi possível a preservação da laringe apresentam sérios problemas para deglutição e fonação. Por isso, nesses casos deve ser considerada a laringectomia total com radioterapia adjuvante como melhor tratamento (Jalisi et al., 2005). Contrariamente aos resultados antes citados, num estudo publicado em 2008 com 376 pacientes portadores de carcinoma espinocelular de laringe tratados com quimiorradioterapia, foram analisados 32 portadores de tumores T4 de laringe (29 supraglóticos). Destes, 23 foram classificados como T4 volumosos (20 por destruição da cartilagem tireóidea e 3 por extensão para base de língua maior que 1 cm). O controle locorregional nesses pacientes foi semelhante, fosse o T4 considerado volumoso ou não (71% x 70%). A sobrevida em quatro anos foi de 56% nos casos considerados como T4 volumosos, com taxa de preservação de laringe de 81%. A qualidade vocal foi avaliada em 20 pacientes, dos
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quais 30% afirmavam qualidade vocal normal e 60% disfonia leve a moderada. Em relação à deglutição, 12 dos 20 pacientes necessitaram de gastrostomia durante o tratamento, mas somente três continuaram seu uso após o término. Em 13 dos 20 pacientes foi necessária a realização de traqueostomia durante a quimiorradioterapia e 5 ainda permaneciam traqueostomizados após o término do tratamento. Os autores desse estudo concluíram que mesmo pacientes portadores de tumores T4 volumosos podem ser submetidos a tratamento quimiorradioterápico com altas taxas de preservação e funcionamento laríngeo (Knab et al., 2008). Em um estudo com 40 pacientes portadores de carcinomas espinocelulares de laringe estádios III e IV, sendo 11 pacientes tratados com quimiorradioterapia e 29 tratados com laringectomia total e radioterapia adjuvante, foi aplicado o questionário The Functional Assessment of Cancer Therapy–Head and Neck (FACT–H&N). Todos os pacientes estavam havia pelo menos um ano livres de doença. Os pacientes que foram submetidos ao tratamento cirúrgico apresentavam maior dificuldade para comunicação, e os pacientes tratados com quimiorradioterapia apresentavam maiores queixas em relação à xerostomia, mas não houve diferença significativa entre os grupos em relação ao bem-estar físico, social, emocional e funcional (Trivedi et al., 2008). Outros autores demonstraram scores melhores em relação ao bem-estar físico, social e funcional para o grupo tratado com quimiorradioterapia (Boscolo-Rizzo et al., 2008). Alguns protocolos têm utilizado quimioterapia de indução para selecionar os pacientes. Aqueles que apresentam resposta menor que 50% são tratados com cirurgia, e os demais com associação de radioterapia e quimioterapia. Resultados desses estudos comparando essas duas abordagens demonstraram nos pacientes respondedores à quimioterapia de indução que o tratamento com quimiorradioterapia não compromete o controle da doença nem a sobrevida e permite a preservação da laringe em 40%-60% desses pacientes (Lefebvre et al., 2009). Em 2009, um estudo avaliou 32 pacientes, sendo 11 portadores de tumores EC T4 de laringe que foram submetidos a quimioterapia de indução com cisplatina ou carboplatina associado a 5-Fluorouracil (5-FU), um ciclo, seguido de endoscopia. Destes, quatro apresentaram resposta clínica e histológica
completa e foram tratados com quimioterapia exclusiva, 24 pacientes apresentaram resposta clínica parcial e foram tratados com radioquimioterapia e outros quatro pacientes não apresentaram resposta à quimioterapia de indução e foram tratados com laringectomia, salvo um que não aceitou a cirurgia e prosseguiu o tratamento com radioquimioterapia. Nenhum dos quatro pacientes com resposta completa à quimioterapia de indução e que foram tratados com quimioterapia exclusiva tiveram resposta duradoura – três persistiram com doença cervical e um apresentou progressão local e cervical. Todos foram tratados com cirurgia de resgate. Dos pacientes que apresentaram resposta parcial à quimioterapia de indução e que foram tratados com quimiorradioterapia, seis dos 24 pacientes apresentaram falha locorregional. O tempo de seguimento médio foi de 45,1 meses e a sobrevida global estimada em três anos foi de 67,6%. A taxa de preservação da laringe foi de 78%. Dos quatro pacientes que apresentaram resposta clínica completa após a quimioterapia de indução, um estava vivo no terceiro ano de seguimento e três foram a óbito – um após a cirurgia de resgate, um por metástase a distância e outro por recorrência locorregional. Foi evidenciado que os pacientes que apresentaram resposta completa no tumor primário tiveram recorrência regional, sugerindo que a quimiossensibilidade do tumor primário pode diferir das metástases. Esses resultados demonstram que a efetividade do tratamento regional deve incluir outra modalidade terapêutica, provavelmente o esvaziamento cervical ou a radioterapia. A resposta a um único ciclo de quimioterapia de indução pode identificar pacientes candidatos a preservação de órgão com altas taxas de sobrevida de preservação laríngea, mas a quimioterapia não deve consistir em terapia exclusiva (Divi et al., 2010).
“A principal razão para o sucesso do tratamento com preservação de órgão cirúrgica é a manutenção da funcionalidade laríngea associada a um efetivo controle tumoral.”
Conclusões Nos tumores avançados que são irressecáveis, o tratamento padrão é a associação de quimioterapia com radioterapia. Já nos casos ressecáveis persiste a controvérsia, sendo utilizadas no tratamento desses pacientes: quimioterapia de indução seguida da associação de quimiorradioterapia ou quimiorradioterapia concomitantes apenas ou cirurgia seguida de radioterapia ou radioquimioterapia. Onco& abril/maio 2011
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ginecologia
Vacinas contra HPV
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ACINAS SEMPRE FORAM UM PONTO DE DISCUSSÃO
ENTRE A CLASSE MÉDICA, OS PACIENTES, A POPU-
Divulgação
LAÇÃO E OS GESTORES DE SAÚDE PÚBLICA.
Fabio Laginha * Médico do Hospital Pérola Byington; responsável pelo Setor de Ginecologia do Hospital 9 de Julho Contato: laginhaf@uol.com.br
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NÓS estamos habituados a vacinações para a prevenção de doenças infectocontagiosas da infância com história natural mais curta e com resultados populacionais mais rápidos. A imunização é a maneira mais eficaz para o controle das doenças infectocontagiosas sem necessidade de mudanças de estilo de vida. Calcula-se que seu uso evite por volta de 2 a 3 milhões de mortes no mundo. O uso de vacinas é de longe uma intervenção com o melhor custo-benefício quando falamos em investimento em saúde1,2. Alguns tipos de câncer são induzidos por infecções, como herpes-vírus humano tipo 8 (HHV8) (sarcoma de Kaposi3), Epstein-Barr vírus (linfoma de Burkitt, doença de Hodgkin, linfoma B), Helicobacter pylori (câncer de estômago) e as hepatites B e C (câncer de fígado). A vacina contra o vírus da hepatite B é a primeira vacina que previne o câncer. Foi também observado que as imunizações contra esses agentes diminuem a ocorrência de câncer no período da infância4. A correlação da infecção do vírus do papiloma humano (HPV) com o câncer do colo uterino foi feita a partir dos anos 1970 e é uma condição necessária para seu desenvolvimento5. O HPV é um DNA vírus estável com mais de 100 tipos, sendo cerca de 40 deles responsáveis pelas infecções anogenitais. O alvo da infecção são as células da camada basal da pele e mucosa (epiteliotrópico). Não causam viremia, o que dificulta seu reconhecimento pelo sistema imunológico e a consequente formação de anticorpos. A epidemiologia das infecções e das doenças causadas pelo HPV é dinâmica, com maior frequência no início das exposições às atividades sexuais. É a doença sexualmente transmissível (DST) mais comum: a estimativa de risco de exposição é de 15% a 25% por parceiro e leva a novas contaminações com outros tipos de HPV. Calcula-se que mais de 80% da população sexualmente ativa teve ou tem infecção por algum tipo
de HPV. Um acompanhamento de universitárias que iniciaram a vida sexual nos EUA mostrou que, após quatro anos de seguimento, mais de 50% delas tiveram contaminação por HPV6,7. Cerca de 70% das infecções clareiam em um ano e 91% em dois anos.
Tipos de HPV A história natural do câncer do colo uterino é longa: inicia-se no final da adolescência, com as infecções, evoluindo para lesões pré-cancerosas ao redor dos 30 anos; a partir dos 35 anos já é observado o câncer (Figura 1). Existe também um aumento da incidência de infecção a partir dos 60 anos, com causas ainda incertas, provavelmente por reinfecção ou senescência do sistema imunológico. Uma metanálise com mais de 10 mil casos de câncer do colo uterino de diferentes partes do mundo confirma, em ordem decrescente, os tipos oncogênicos 16, 18, 45, 31, 33, 52, 58 e 35 como os encontrados em 90% dos casos8. Os tipos 16 e 18 causam infecções mais persistentes e, por isso, são responsáveis por cerca de 70% dos cânceres cervicais, além de câncer de ânus, pênis e cabeça e pescoço. É necessário salientar que as lesões precursoras de baixo e alto grau não obedecem essa mesma proporção e distribuição de infecção pelos tipos oncogênicos 16 e 18, portanto não se deve esperar a diminuição desses diagnósticos na mesma magnitude nas pacientes vacinadas (Figura 2). Os HPVs de baixo risco – 6 e 11 – são responsáveis por 90% das verrugas genitais e papilomatose laríngea recorrente, evento pouco comum (4,3/100 mil), com alta morbidade e que requer uma média de três a seis cauterizações9. Apesar dos cuidados disseminados a partir dos anos 1980 devido à infecção por HIV, observamos ainda hoje um aumento da incidência das verrugas genitais10. As lesões condilomatosas, embora “benignas”, têm alto impacto econômico, psicológico e social, com um índice de recidiva em torno de 30%, independentemente do tipo de tratamento. É necessário considerar a imunização contra o HPV por vários motivos:
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- Hoje existe apenas prevenção secundária; - O vírus é responsável por câncer e lesões precursoras do colo uterino, como também da vagina, vulva, ânus e cabeça e pescoço; - O custo do rastreamento e da prevenção é alto e depende de estruturas políticas em saúde pública não totalmente eficazes; - O resultado é condicionado a uma cadeia de atuação, desde a abrangência populacional, a periodicidade, a qualidade dos exames e o tratamento adequado até o acompanhamento das doenças pré-invasivas; - As características socioeconômicas, geográficas e culturais de cada país e grupo étnico no mundo são impeditivos para uma prevenção adequada. Segundo o crescimento populacional previsto para 2020, espera-se um aumento de 40% nos casos de câncer do colo uterino no mundo, sendo 6% nos países desenvolvidos e 55% nos países em desenvolvimento11. Nesse cenário, a vacina contra o HPV destaca-se como uma grande aliada contra a doença, considerando-se que nem todos os tratamentos são eficazes, além de envolverem altos custos e possíveis sequelas.
Tipos de vacinas e resultados Existem atualmente duas vacinas profiláticas disponíveis, ambas dentro das normas em relação a imunogenicidade, segurança e eficácia: a bivalente (16 e 18) e a quadrivalente (6,11,16 e 18), produzidas por tecnologia recombinante para formar partículas análogas às virais (VLPs), que compõem o capsídeo viral sem material genético e com alta capacidade imunogênica. Os adjuvantes à base de alumínio usados são diferentes e têm capacidade de aumentar a resposta imunológica. O ASO4 (GlaxoSmithKline) usado pela bivalente confere uma resposta imunológica maior em relação ao Alum (Merck) da quadrivalente. A imunogenicidade das VLPs é mediada por resposta humoral do tipo Th2, formando anticorpos neutralizantes. As duas vacinas mostram alto índice de soroconversão (100% nos estudos)12, sendo a bivalente a que apresenta títulos de anticorpos mais altos. Ambas apresentam resposta anamnéstica (memória imunológica), inclusive em pacientes previamente infectadas13. Já foram descritas proteções cruzadas com ou-
tros sorotipos de HPVs em pacientes com infecção natural e a discreta proteção contra o câncer. As infecções simultâneas ou anteriores parecem ajudar a clarear a infecção pelo HPV 1614. Nas pacientes vacinadas, isso também ocorre por similaridade de alguns tipos de HPV oncogênicos da mesma família. Apesar de não ser o objetivo inicial dos ensaios clínicos, foi observado que nas duas vacinas encontram-se títulos menores de anticorpos neutralizantes “cruzados” com HPV 45 e 31, com eficácia comprovada contra lesões de alto grau induzidas por eles, embora não em 100% dos casos. Teoricamente, o HPV 45 é responsável por 6,7% dos cânceres do colo uterino, e o HPV 31, por 2,9%. Somados, seriam 10% adicionais de ganho com essa proteção cruzada15,16. As vacinas apresentam todos os critérios de segurança, sendo os eventos adversos locais dor e sinais inflamatórios os mais observados17. Elas são contraindicadas na gestação e consideradas categoria B. Os resultados de eficácia dependem da população estudada, mas nas mulheres vacinadas sem contato prévio com os HPVs das vacinas a prevenção foi de 100%. A vacinação, portanto, será mais efetiva e terá maior ganho se usada antes do início da atividade sexual. Os desenhos dos ensaios clínicos das duas vacinas foram diferentes, desde o recrutamento até o acompanhamento. O desfecho final – prevenção das
Figura 1 – História natural do câncer do colo uterino
Clifford G et al. Vaccine 24S3;2006 S3/26-S3/34
Figura 2 – Previsão de impacto com vacina contendo HPV 16 e 18
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“As pesquisas e os trabalhos na área são convincentes, apoiando a indicação da vacinação. Entretanto, [...] o custo da vacinação ainda é proibitivo para as populações mais necessitadas nos países em desenvolvimento e nos subdesenvolvidos."
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lesões de alto grau e das verrugas genitais, no caso da vacina quadrivalente – cumpriu as exigências das principais agências regulatórias mundiais. Como não é possível definir o título mínimo de anticorpos que protegem contra a infecção (correlato de proteção), sua real importância ainda não foi determinada, principalmente porque, embora os títulos tendam a cair com o tempo, a proteção pode se manter, como ocorre com os vacinados contra hepatite B. Para esclarecer esse ponto, existe uma coorte sentinela de quase 5,5 mil mulheres desde 2003, que usaram a vacina quadrivalente nos países escandinavos, onde o rastreamento é eficaz. Como o lançamento da vacina se deu 3,5 anos depois do início do estudo, será possível identificar uma eventual perda dessa eficácia em longo prazo e a prevenção do câncer. Para obtenção de uma efetividade adequada da vacina, é necessário pesar variáveis que podem alterar seus resultados, como idade da vacinação, abrangência da população e tempo de duração da eficácia. Não existe população-alvo em relação à infecção por HPV, portanto vacinar apenas determinados grupos não deve produzir o resultado populacional esperado, como ocorreu com o início da vacinação contra a hepatite B. Na década de 1980 foram vacinados apenas os grupos de risco e, após dez anos, não houve mudança em números significativa e o impacto efetivo só ocorreu com a vacinação universal das crianças adolescentes18. A vacinação da população masculina contra o HPV pode ajudar a formar uma rede de proteção contra a infecção (proteção de rebanho) e ser uma estratégia de controle do vírus, uma vez que os homens são os vetores – usando como analogia a experiência inglesa de vacinação das mulheres contra rubéola para a prevenção da doença congênita, que mostrou um declínio inicial mas levou a uma epidemia em 1996 nos homens adultos suscetíveis não vacinados e não expostos anteriormente à doença. Os resultados pouco satisfatórios da vacinação contra rubéola exclusiva em mulheres para prevenção de doença congênita mostram que vacinar os homens pode ser uma forma mais eficaz de controle do vírus19. O primeiro resultado populacional da vacina contra o HPV foi na Austrália, com verrugas genitais que correspondiam a 10,6% dos atendimentos num centro de atendimento de DST. Em 2007, as mulheres
abaixo de 27 anos receberam a vacina quadrivalente. A partir de 2008 já ocorreu uma queda de 25% a cada trimestre de lesões em mulheres e 5% nos homens que fazem sexo com mulheres (HSM) pelo efeito rebanho. Essa queda não aconteceu em homens que se relacionam sexualmente com homens (HSH)20. Esse resultado rápido é decorrente da história natural mais curta das verrugas genitais. As novas tecnologias biomoleculares para a detecção do HPV somadas às vacinas devem modificar os modelos existentes de rastreamento do câncer do colo uterino. Por ora, como as vacinas não abrangem todos os tipos de HPV oncogênicos e não atingem a população de maior risco, é recomendável manter o rastreamento de rotina. As pesquisas e os trabalhos na área são convincentes, apoiando a indicação da vacinação. Entretanto, embora muitos modelos mostrem um custo-benefício em favor dela para os países desenvolvidos, o custo da vacinação ainda é proibitivo para as populações mais necessitadas nos países em desenvolvimento e nos subdesenvolvidos. Calculase que, em países cuja renda per capita anual é menor que mil dólares, o preço das vacinas não possa ultrapassar 2 dólares. Algumas estratégias populacionais idealizadas para o Brasil mesclam vacinação ao custo de 15 dólares e três rastreamentos e podem chegar a quase 70% de prevenção21. Ainda não temos as vacinas contra HPV em nosso calendário vacinal e raros municípios fizeram campanha por iniciativa própria. Até o momento, o comitê multi-institucional que estuda as vacinas decidiu pela sua não incorporação no SUS. Apesar de ser o segundo câncer nas mulheres em número de óbitos, a perda de anos de vida por câncer do colo uterino nos países em desenvolvimento ainda é maior se comparado ao câncer de mama. Os custos das infecções pelo HPV vão muito além dos rastreamentos: eles devem incluir os tratamentos das lesões precursoras e suas morbidades, o tratamento global do câncer do colo uterino com quimioterapia, radioterapia, cuidados paliativos, podendo chegar até, por exemplo, os recém-nascidos de baixo peso por partos prematuros após conizações do colo uterino.
Conflito de Interesse: PI – Vacina Quadrivalente – FUTURE II Merck
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cuidados paliativos
Controle de sintomas em pacientes oncológicos: eterno desafio
O
ALÍVIO DOS SINTOMAS CAUSADOS PELAS MAIS
DIVERSAS DOENÇAS TEM SIDO O PRINCIPAL OB-
Divulgação
JETIVO DOS MÉDICOS DESDE OS PRIMÓRDIOS DA
Ana Lucia Coradazzi * Médica oncologista clínica do Hospital Amaral Carvalho, Jaú, SP; coordenadora da Unidade de Controle da Dor e Cuidados Paliativos do Hospital Amaral Carvalho, Jaú, SP Contato: ana.coradazzi@terra.com.br
Juliana dos Santos de Oliveira *Médica oncologista clínica do Hospital Amaral Carvalho, Jaú, SP; médica assistente da Unidade de Controle da Dor e Cuidados Paliativos do Hospital Amaral Carvalho, Jaú, SP
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ciência médica. Para os mesopotâmios, 5,5 mil anos atrás, o paciente era um campo de batalha, onde forças do Mal o faziam sofrer e forças do Bem tentavam curá-lo, com a ajuda de qualquer um que acreditasse ser médico. Um conselho, um ritual, uma infusão de ervas ou mesmo uma mão estendida eram considerados tratamentos aceitáveis, desde que ajudassem a minimizar o sofrimento. Na Grécia Antiga, Asclepius, deus da medicina, preconizava que o papel essencial dos médicos era o alívio da solidão dos pacientes, que precisavam ser reconduzidos ao convívio humano. O uso da razão na medicina, preconizado por Hipócrates, mudou os rumos da própria medicina e a relação entre médicos e seus pacientes. Novos métodos diagnósticos e modernas abordagens terapêuticas trouxeram melhores resultados e mais chances de cura, e têm sido usados como substitutos para as antigas longas e detalhadas consultas médicas. No entanto, há algumas áreas e situações na medicina em que somos capazes de experimentar as mesmas angústias que nos foram descritas pelos mesopotâmios. A oncologia clínica é uma dessas áreas. Apesar dos nossos esforços e dos avanços das estratégias contra o câncer, infelizmente a morte ainda é o desfecho final em grande parte dos casos e, o que é ainda pior, está frequentemente atrelada a grande sofrimento físico, psicológico e espiritual. O impulso de ajudar quem sofre é tão humano quanto o amor e o ódio e tão antigo quanto a própria humanidade. A medicina paliativa como a conhecemos hoje é apenas um método bem organizado e cientificamente embasado que dá forma a tal sentimento. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cuidado paliativo (CP) é a abordagem que promove qualidade de vida de pacientes e seus familiares diante de doenças que ameaçam a continuidade da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento. A OMS ressalta ainda a necessidade da identificação precoce, avaliação e tratamento im-
pecável da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual. O alívio de sintomas físicos, psicológicos e espirituais pode ser alcançado em até 90% dos pacientes com câncer avançado através da abordagem paliativa multiprofissional. A base multidisciplinar que caracteriza a medicina paliativa justifica-se pela grande complexidade dos sintomas abordados, além do reconhecimento da influência que os aspectos não físicos exercem sobre a intensidade do quadro clínico. Os sintomas mais frequentemente relatados por pacientes com câncer avançado são dor (64%), anorexia (34%), constipação intestinal (32%), fadiga (32%) e dispneia (31%). Vale ressaltar, no entanto, que temos poucos dados nacionais a esse respeito. É possível que tais dados estejam subestimados, e que sintomas como confusão mental, obstrução intestinal maligna, depressão e até mesmo disfunção familiar sejam bem mais comuns do que se estima. Embora a dor seja o sintoma mais frequente, não será abordada neste momento, pois seu manejo já foi tema de artigo publicado neste periódico em edição anterior. Assim, foram selecionados quatro dos sintomas mais prevalentes em pacientes oncológicos, cujo impacto na qualidade de vida é intenso e cujo tratamento é frequente desafiador para o médico não especialista.
Dispneia O primeiro passo diante do paciente que se queixa de dispneia é a identificação de suas prováveis causas. As causas mais frequentes do sintoma no paciente oncológico são o comprometimento da função pulmonar pela própria neoplasia, derrame pleural, infecção, anemia, caquexia e comorbidades, como insuficiência cardíaca e enfisema pulmonar. A etiologia é comumente multifatorial, e portanto o tratamento adequado pode envolver a combinação de estratégias. A correção das causas identificadas deve ser priorizada, sempre que possível. Medidas como toracocentese, hemotransfusão, antibioticoterapia e radioterapia podem ser de grande valia para o controle do quadro.
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Independentemente da etiologia, medidas gerais podem ser instituídas imediatamente, visando o alívio rápido do sintoma. As ações de maior impacto estão descritas no Quadro 1. O impacto da dispneia sobre cada paciente é extremamente variável. Pacientes com doenças pulmonares obstrutivas crônicas, que têm a capacidade pulmonar já limitada, podem ser menos afetados que pacientes cuja função pulmonar anterior era normal. É de grande importância o esclarecimento das dúvidas e preocupações do paciente e dos familiares sobre as possíveis causas e evolução provável do quadro. Essa medida é capaz de reduzir significativamente o componente de ansiedade da dispneia, além de promover a colaboração da família no controle do quadro. Ações não medicamentosas também podem ter benefício importante, como técnicas de relaxamento, manter as janelas abertas, uso de ventiladores, redução da atividade física, entre outras. Em pacientes cujo sintoma não pode ser controlado adequadamente com medidas clínicas e cujo prognóstico é reservado, deve-se considerar a indicação de sedação terminal.
que resultam em perda tanto de tecido adiposo quanto de musculatura esquelética. O quadro clínico resultante inclui redução da atividade física, disfunções psicológicas e sociais no paciente e na família e sintomas físicos como náuseas, saciedade precoce e intensa fadiga. O primeiro passo na abordagem da SAC é o esclarecimento para o paciente e seus familiares de que o quadro não é consequência da vontade do paciente, e sim da atividade da doença, e que sua reversão é improvável. Tal entendimento facilita o processo de tomada de decisões, evita procedimentos invasivos desnecessários e permite um planejamento terapêutico realista. A identificação de causas possivelmente reversíveis deve ser criteriosa, corrigindo-se as que forem possíveis, entre elas: xerostomia, mucosite, constipação intestinal, depressão, dor mal controlada, náuseas/vômitos, disfunção tireoidiana, hipercalcemia. As estratégias clínicas de tratamento da SAC envolvem medicamentos, intervenções nutricionais e acompanhamento psicológico. O número de estudos clínicos prospectivos confiáveis é restrito e, embora existam vários protocolos de pesquisa em andamento, as opções medicamentosas consideradas eficazes ainda são poucas (Quadro 2).
Síndrome Anorexia-Caquexia (SAC) Grande parte dos pacientes com neoplasias avançadas apresenta perda involuntária de peso (caquexia) e redução do apetite (anorexia). O diagnóstico da SAC deve ser considerado quando há perda de peso > 5% em 6 meses, perda significativa do apetite (≥ 3 numa escala visual de 1 a 10) e redução ≥ 75% da ingesta nutricional. A SAC é causada por alterações metabólicas induzidas pelo tumor, causando lipólise e proteólise severas,
A indicação de nutrição enteral ou parenteral deve ser restrita a casos selecionados, como neoplasias obstrutivas do trato gastrintestinal, por exemplo, ou nos quais há expectativa real de controle da neoplasia através do tratamento oncológico, com expectativa de vida de pelo menos algumas semanas. Em pacientes em fase muito avançada da doença, sem possibilidades terapêuticas específicas, o suporte
Quadro 1: Medidas clínicas para o manejo da dispneia Opioides de curta duração em baixas doses
Diminuem a sensação de dispneia. Iniciar com sulfato de morfina 5 mg via oral ou 2 mg via endovenosa a cada 4 horas.
Nebulização com solução salina
Embora sem efeito na função pulmonar, inalações com solução salina 0,9% 5 ml podem aliviar a sensação de falta de ar.
Ansiolíticos
Podem auxiliar quando há componente significativo de ansiedade exacerbando o quadro clínico. Iniciar diazepam 2,5-5 mg via oral a cada 8 horas ou lorazepam 0,5-1 mg via oral a cada 12 horas.
Broncodilatadores inalatórios
Podem auxiliar se houver broncoespasmo associado. Iniciar salbutamol 2,5-5 mg até a cada 2 horas.
Corticosteroides
Úteis nos casos em que há linfangite ou broncoespasmos. Iniciar dexametasona 8 mg via oral ou endovenosa pela manhã. Se a medida for eficaz, reduzir lentamente a dose na semana subsequente até atingir a dose mínima eficaz (em geral 2-6 mg/dia). Considerar o uso de protetor gástrico profilático.
Oxigenoterapia
Tem papel limitado na dispneia associada ao câncer de pulmão avançado, mas, se houver hipoxemia importante à oximetria de pulso, a manutenção de oxigênio entre 2 e 4 litros/minuto pode trazer benefício.
Diuréticos
Podem ser utilizados quando há componente de edema pulmonar. Iniciar furosemida 20 mg via endovenosa a cada 15-30 minutos até a melhora dos sintomas.
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nutricional artificial não é capaz de reverter a SAC ou aumentar a sobrevida, estando inclusive associado a complicações como sobrecarga hídrica, infecções e até mesmo aumento da mortalidade.
terapêuticas adequadas para a sua correção. Simultaneamente, no entanto, podem-se adotar medi-das gerais que têm grande utilidade a todos os pacientes com transtornos confusionais, descritas nos quadros 3 e 4.
Confusão mental ou delirium
O “toque mágico humano”, na verdade, resume-se ao esmero com que o médico avalia e se comunica com seu paciente, pois esse é o ponto de partida para identificar suas necessidades e proporcionar a ele as condições para supri-las."
Delirium ou estado confusional agudo é definido como síndrome cerebral orgânica transitória caracterizada por instalação aguda de distúrbio de atenção e cognição, acompanhada de alterações do comportamento psicomotor. Acomete cerca de 40% dos pacientes com diagnóstico de câncer em fase avançada da doença, sendo ainda mais frequente nos dias e nas horas que antecedem o óbito. Suas manifestações clínicas incluem: déficit de concentração, diminuição da memória para fatos recentes, desorientação, ideias paranoides, alucinações (linguagem incoerente), inquietude (sonolência e/ou aumento da atividade motora) e comportamento agressivo. O uso de testes cognitivos, como o minimental, pode contribuir para o diagnóstico clínico, embora sua aplicação não seja imprescindível. A etiologia do delirium é quase sempre multifatorial, e sintomas como dor, constipação e retenção urinária podem agravar o quadro. Na abordagem inicial do paciente com delirium devemos sempre identificar causas reversíveis, tais como anemia, desidratação, infecção, hipercalcemia, hipo ou hipernatremia, insuficiências renal ou hepática, intoxicação por opioides, hipoxemia, uso de corticosteroides, síndrome de abstinência (álcool e nicotina são as mais frequentes), depressão/ansiedade, metástases cerebrais, entre outras. Os exames complementares devem ser solicitados conforme a suspeita clínica do paciente. Uma vez identificada uma causa orgânica específica, deve-se proceder às medidas
É importante reavaliar o paciente a cada 2448 horas, preferencialmente através dos testes cognitivos e/ou exames pertinentes, até que o quadro confusional se resolva ou estabilize. Vale ressaltar que alguns quadros de delirium estão associados às horas finais de vida, sendo portanto irreversíveis. Nesses casos, pode ser necessária a instituição de sedação terminal.
Obstrução intestinal maligna A obstrução intestinal em pacientes oncológicos frequentemente representa progressão da neoplasia, sendo considerada um indício de incurabilidade. Esse fato deve ser levado em conta durante a tomada de decisões terapêuticas, sendo o manejo do quadro distinto das obstruções intestinais em pacientes previamente hígidos. Ocorre em cerca de 3% dos tumores avançados. Em neoplasias ovarianas e colorretais, no entanto, a incidência pode chegar a 42% e 28%, respectivamente. A obstrução pode ser parcial ou completa, única ou múltipla, transitória ou persistente. Em geral há vários mecanismos envolvidos em sua fisiopatologia, desde obstrução mecânica pela própria neoplasia, aderências pós-cirúrgicas ou actínicas, impactação fecal, distúrbios eletrolíticos ou mesmo causas não relacionadas ao câncer, como drogas (opioides) e doença inflamatória intestinal. Em pacientes oncológicos, raramente o quadro é de instalação aguda, sendo frequente história de constipação intermitente
Quadro 2: Terapia Farmacológica da Síndrome Anorexia-Caquexia
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Acetato de megestrol
É capaz de promover aumento do apetite e da ingesta calórica, embora por mecanismos pouco claros. Iniciar com 160 mg via oral/dia e aumentar até um máximo de 1.280 mg, a depender da resposta clínica e da toxicidade (especialmente eventos tromboembólicos). A dose eficaz média é de 800 mg/dia.
Corticosteroides
Podem reduzir a inapetência e promover sensação de bem-estar, mas apenas por curtos períodos de tempo (de uma a quatro semanas). O uso a longo prazo pode piorar a caquexia devido a perda muscular e resistência a insulina. Considerar dexametasona 4-16 mg/dia por duas semanas para pacientes aos quais se deseja aumento rápido do apetite e melhora da qualidade de vida por poucas semanas.
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ou quadros obstrutivos prévios. A história médica é a ferramenta diagnóstica mais importante, uma vez que identifica facilmente as causas mais prováveis de obstrução (uso de medicamentos, cirurgias/radioterapia prévias em abdome, hábito intestinal, sinais de infecção etc.). Associada ao exame físico, é capaz de definir o diagnóstico etiológico na grande maioria dos casos. Quando necessário, podem ser solicitados radiografia simples do abdome, perfil bioquímico e tomografia computadorizada (especialmente quando a conduta cirúrgica é uma opção). A obstrução intestinal maligna associa-se a altas taxas de morbidade e mortalidade, independentemente de sua etiologia, sendo essencial a avaliação criteriosa do prognóstico essencial para o processo decisório, do qual devem participar o paciente e a família. A mortalidade cirúrgica (dentro de 30 dias) chega a 40% em pacientes com câncer avançado, e o índice de complicações cirúrgicas chega a 90%. Além disso, não há diferenças em termos de sobrevida após alta hospitalar se compararmos pacientes submetidos a cirurgia com pacientes tratados clinicamente. Existem indicadores prognósticos de baixa probabilidade de benefício
clínico com a cirurgia, sendo os mais importantes disfunção da motilidade intestinal por carcinomatose peritoneal difusa, ascite com paracenteses de repetição, massas abdominais palpáveis difusas ou envolvimento hepático, laparotomia recente sem sucesso e envolvimento gástrico proximal. Os índices de mortalidade cirúrgica também aumentam significativamente em pacientes acima de 70 anos e em portadores de neoplasias ginecológicas e pancreatobiliares. O manejo clínico multidisciplinar é uma alternativa viável ao clássico “jejum, hidratação endovenosa, sonda nasogástrica e RX seriados”. A hidratação parenteral, embora diminua a toxicidade a drogas e evite quadros de desidratação com confusão mental, não aumenta a sobrevida e pode promover o aumento das secreções e retenção hídrica. Assim, sua indicação deve ser discutida criteriosamente. Em quadros de vômitos irreversíveis em pacientes terminais, manter o paciente hipohidratado pode contribuir significativamente para a melhora do quadro. Pequenas ações podem contribuir para o conforto do paciente obstruído, como hidratação da boca (limpeza oral, cubos de gelo, pequenos goles de água a intervalos regulares) e o estímulo à ingesta de
Quadro 3: Medidas clínicas gerais para o manejo do delirium Não prescrever as medidas apenas “se necessário”. É importante manter as medicações a intervalos regulares até a estabilização das causas de base. Nunca restringir o paciente ao leito com amarras ou outros procedimentos, que podem feri-lo e aumentam o estresse familiar. Excluídas outras causas de insônia, como medo, barulho, ambiente pouco familiar, dor mal controlada, nictúria e uso de psicoestimulantes e corticosteroides, prescrever sedação noturna. Esclarecer a família sobre as causas do quadro, o seu caráter frequentemente temporário e as chances de resolução. Tornar o ambiente mais familiar ao paciente, com objetos de uso pessoal que ele reconheça facilmente, relógios, calendários, programas de televisão a que esteja habituado etc. Restringir a equipe de enfermagem ao menor número possível.
Quadro 4: Medidas medicamentosas para o manejo do delirium Confusão mental leve a moderada, sem necessidade de sedação
Antipsicóticos não sedativos, como haloperidol 1,5-3 mg VO ou SC, uma a duas vezes ao dia, ou risperidona 0,5-1 mg VO a cada 12h. Obs.: em idosos, iniciar haloperidol 0,5-1 mg VO ou SC de uma a duas vezes ao dia.
Confusão mental associada a agitação leve a moderada, com necessidade de sedação
Antipsicóticos sedativos, como levomepromazina 25 a 50 mg SC ou VO ao dia. Obs.: em idosos, iniciar levomepromazina 12,5-25 mg VO ou SC ao dia.
Agitação severa, comportamento agressivo, com riscos para o paciente e outros
Haloperidol 5 mg SC ou IM, associado ou não a lorazepam 1-2 mg VO, a cada 20 a 30 minutos. Obs.: em idosos, iniciar com metade das doses.
Abstinência alcoólica ou por nicotina, ou quadros confusionais associados a ansiedade severa
Iniciar benzodiazepínicos, como diazepam 5 mg VO 8/8 horas ou lorazepam 2 mg VO 12/12 h.
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pequenas porções de alimentos, visando a reintegração social do paciente. A nutrição parenteral pode ser indicada em casos nos quais há possibilidade real de melhora da qualidade de vida, com expectativa de vida de meses a anos. Sua indicação para pacientes nas últimas semanas de vida não aumenta a sobrevida e associa-se a complicações como infecções, pneumonias aspirativas, lesões nasais e esofágicas e confusão mental. O tratamento medicamentoso deve ser administrado preferencialmente por via subcutânea, mas as vias retal, sublingual e transdérmica são também desejáveis. A via endovenosa deve ser evitada devido à dificuldade de acesso venoso na fase terminal, na qual os pacientes são frequentemente caquéticos, estão hipohidratados e os trajetos venosos são frágeis. O controle da dor abdominal é alcançado na quase totalidade dos casos. As náuseas e os vômitos podem ser significativamente minimizados, e sua ocorrência esporádica nessa situação é aceitável. As abordagens medicamentosas preconizadas estão descritas no Quadro 5.
Para saber * Watson M, Lucas C, Hoy A, Back I (eds). Oxford Handbook of Palliative Care, 1a ed. Oxford: Oxford University Press. * Ripamonti C. Supportive Care in Cancer 1999, 7, 4:233-43. * Lund B et al. Surg Gynecol Obstet 1989;169:213.
A reavaliação contínua dos sintomas é fundamental, com reavaliação do nível de conforto do paciente e dos familiares, checagem das medidas administradas, prevenção de novas intercorrências e, se necessário, sedação terminal.
* National Council for Hospice and Specialist Palliative Care Services. Definitions of Supportive and Palliative Care 2002, London:NCHSPCS (Briefing Bulletin 11). * NCCN guidelines, disponível em www.nccn.org/professionals/physician.
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Em pacientes oncológicos, os sintomas são frequentemente resultantes da interação dos aspectos físicos, espirituais e emocionais humanos. É com essas diversas facetas dos sintomas que as equipes multidisciplinares trabalham. Não é infrequente observarmos, por exemplo, a redução progressiva das doses de opioides em um paciente encaminhado à equipe com dor insuportável, após algumas semanas de acompanhamento psicológico, abordagem da terapia ocupacional e/ou atuação do fisioterapeuta. O “toque mágico humano”, na verdade, resumese ao esmero com que o médico avalia e se comunica com seu paciente, pois esse é o ponto de partida para identificar suas necessidades e proporcionar a ele as condições para supri-las. O controle adequado dos sintomas e a melhora da qualidade de vida surgem apenas como consequência desse primeiro ato. Em grande parte das situações, tudo o que o paciente deseja é ser devolvido ao convívio humano de forma digna, pelo tempo que lhe for possível. Satisfazer a esse desejo aparentemente simples envolve manterse atento ao que o paciente diz, com suas palavras ou com seus atos, identificando suas expectativas, seus medos, suas mágoas, sua dor. Nesses momentos, não há grandes diferenças entre nós e os gregos antigos, em que tudo o que temos a oferecer é a velha mão estendida. Muitas vezes, a mão basta.
Quadro 5: Manejo medicamentoso da obstrução intestinal maligna Controle da dor
Opioides são a primeira opção, desde que a obstrução não seja reversível e não seja secundária a íleo induzido por opioides. Iniciar com sulfato de morfina 2-5 mg SC 4/4h e aumentar 20% da dose diária a cada 24h. Antiespasmódicos como escopolamina 40-100 mg SC em 24h podem trazer benefícios.
Tentativa de vencer a obstrução
Redução do edema de parede intestinal: dexametasona 8-16 mg SC ou EV em 24h – se não houver benefícios em 3-5 dias, suspender. Estimular a motilidade intestinal: metoclopramida 30-120 mg SC em 24h (apenas se obstruções parciais, e na ausência de cólicas).
Controle dos sintomas
Náuseas: metoclopramida 60-240 mg SC em 24h; haloperidol 5-15 mg SC ao dia; dimenidrinato 50-100 mg SC s/n.
Constipação intestinal
Atuar apenas se for reversível e estiver contribuindo para o quadro; docusato VR pode ajudar; evitar enemas e laxativos estimulantes.
Obstrução persistente apesar das medidas anteriores, com sintomas importantes
Butilbrometo de escopolamina 40-100 MG SC infusão contínua em 24h. Octreotida 300-600 mcg SC infusão contínua SC em 24h. Sonda nasogástrica aberta (em último caso, para vômitos intoleráveis ou fecaloides).
* Larson JE et al. Gynecol Oncol 1989:35:61. * Ripamonti C et al. Int J Gynecol Cancer 2002;12:135.
Considerações finais
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As redes sociais Com velocidade e magnitude impressionantes, as redes sociais se tornam aliadas na prevenção e conscientização sobre o câncer
Por Bartira Betini e Lilian Liang
A
S REDES SOCIAIS SÃO HOJE UM CANAL DE COMUNICAÇÃO IMPORTANTE E INOVADOR.
É
ATRAVÉS DELAS QUE O CONHECIMENTO É
COMPARTILHADO, CAMPANHAS TOMAM CORPO, PESSOAS ENTRAM EM contato com assuntos pouco familiares e grupos se formam ao redor de interesses comuns. Essa dinâmica impensável há menos de uma década vale também para o câncer – pacientes, familiares, médicos, pesquisadores, indústria farmacêutica e ativistas contam hoje com as redes sociais, como Orkut, Facebook, Twitter e outras ferramentas, como grandes aliadas para conscientizar sobre a doença, divulgar campanhas, levantar fundos para pesquisas, fazer perguntas, conseguir respostas e sensibilizar o maior número de interessados no assunto numa grande sala de estar virtual. “É um canal que possibilita, com maior facilidade e rapidez, disseminar informações e envolver pessoas em temas relacionados a saúde e doenças – enfim, assuntos relacionados à vida”, diz Wilma Madeira, pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da USP. Segundo a especialista, as redes sociais sempre foram importantes canais de comunicação e envolvimento da sociedade. O homem é um ser social: todas as suas ações ocorrem, de forma direta ou indireta, quando ele está em relação com o outro. As redes sociais on-line começaram a apresentar sua dinâmica atual a partir da criação de espaços próprios, como o Orkut, criado em janeiro de 2004 e que se tornou uma febre no Brasil. “Há a chance de ampliar, pela sociedade, as informações, os meios, as formas, os direitos e as lutas por direitos que representem valores humanistas, humanitários e éticos”, explica. Essa nova dinâmica das redes sociais aumenta esse potencial de comunicação e construção de soluções para problemas vivenciados pelos que participam do grupo, ao possibilitar a relação sem a interferência de barreiras como tempo, espaço, idade e nível socioeconômico. “Independentemente do horário ou do local em que as pessoas estejam, elas podem consultar, participar e colaborar com essa construção coletiva”, completa Wilma.
A realidade das redes sociais vale para fãs de Chico Buarque, amantes de fotografia submarina e, sim, para gente que, de uma forma ou de outra, vivencia o câncer. Para Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, um portal com informações e notícias sobre câncer voltado para o paciente, a beleza das redes sociais é a sensação que a pessoa tem de estar numa comunidade na qual os outros entendem o que se passa com ela.
Onde você coloca sua bolsa? Com o poder das redes sociais em mente, pacientes e familiares, médicos e organizações têm encontrado formas criativas de usá-las para aumentar a conscientização sobre o câncer. Há, por exemplo, as iniciativas pessoais, de indivíduos que usam as mídias sociais para dividir experiências e conhecimento. No Canadá, os artistas Jennifer Miller e Ron Añejo, ambos pais de crianças com retinoblastoma, tumor ocular originário nas células da retina, descobriram no Flickr uma forma de alertar outros pais sobre a doença: postaram no site de compartilhamento de fotos as imagens de seus filhos. Nas imagens, os sinais de retinoblastoma são muito claros. Na legenda, eles alertam: “Se você vir branco nas pupilas, especialmente como esse da foto, contate um oftalmologista o mais rápido possível. Para mais informações, acesse o site da Sociedade Canadense de Retinoblastoma”. Segundo Rubens Belfort Neto, oftalmologista especialista em oncologia ocular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a estratégia não poderia ser mais adequada. Na mesma linha, ele relata a iniciativa de um colega. “Na nossa missão de educar pediatras e pais, um colega no Canadá fez um acordo com o Flickr para fazer propaganda sobre a importância da leucocoria no site – uma ideia simples, mas brilhante, porque ele conseguiu com isso atingir todas as mães que têm filhos, tiram fotos e sobem a foto para a internet”, conta. Público-alvo e linguagem corretas. Bingo. Há também as iniciativas que primam pela criatividade e chamam
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Etapas da dinâmica das redes sociais: • Compartilhar interesses • Explicitar necessidades e ideias • Identificar diferenças • Reconhecer o conflito • Formatar negociação • Organizar coletivamente • Produzir
a atenção pelo inusitado, como as campanhas virais que desde 2009 invadem o Facebook em outubro, mês oficial de conscientização do câncer de mama. Criada nos EUA, a campanha invadiu o status de usuárias do Facebook no mundo com cores. Amigos curiosos perguntavam do que se tratava. A cor era uma resposta à pergunta “Qual a cor de seu sutiã hoje?” e a ideia era chamar a atenção para o câncer de mama. Em outubro de 2010, os status das mulheres do Facebook traziam frases sugestivas, como “Eu gosto no chão”, “Eu gosto na cama”, “Eu gosto na mesa de jantar”. Eram respostas à pergunta “Onde você deixa sua bolsa quando chega em casa?” e mais uma forma de colocar o câncer de mama nas rodas de conversa do mundo todo. As campanhas parecem ter resultado – o site da organização Susan G. Komen for the Cure, por exemplo, registrou um aumento no seu tráfego. “Acreditamos que isso planta uma semente, especialmente nos mais jovens, para se envolver e se educar. Nós sabemos que essas campanhas geram um certo agito, especialmente na mídia, portanto elas podem ser eficientes em atingir outras audiências”, disse Andrea Rader, porta-voz da instituição, à rede americana de televisão MSNBC. No Brasil, instituições como a Fundação do Câncer investem nas mídias sociais como plataformas para a divulgação de campanhas. A mais recente delas é a Declaração Mundial do Direito da Pessoa com Câncer, que trata, entre outros temas, de redução do tabagismo, obesidade e consumo de bebidas alcoólicas e será apresentada na Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro de 2011. Para estimular a adesão de pessoas, a Fundação começou uma já bem-sucedida campanha: em fevereiro, 1.086 pessoas já haviam aderido à causa no Facebook, além de um aumento no número de
Nos encontramos na rede!
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Comunidade virtual É inegável que uma das maiores conquistas da internet foi dar ao paciente de câncer uma autonomia antes inexistente. Hoje, ele chega aos consultórios médicos munido de informações reunidas através do (dr.) Google, conversas e salas de batepapo. Trata-se de uma visível e bem-vinda mudança na relação médico-paciente, que, se bem conduzida, pode ajudar na boa compreensão e no gerenciamento adequado da doença. O que muda com as redes sociais são a magnitude e a velocidade com que isso ocorre. Se há tempos os usuários eram em sua maioria passivos, apenas consultando as informações postadas, hoje as redes permitem uma maior participação, interação e a quase instantânea formação de grupos que se identificam ao redor de um interesse ou causa. “A composição de um grupo que possua tais par-
Fórum!
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seguidores no Twitter e de “retuítes”. E há também aqueles que fazem uso profissional das redes sociais. A empresa norte-americana Acurian, baseada na Pensilvânia, é um bom exemplo disso. Especializada em encontrar pacientes para estudos clínicos para a indústria farmacêutica, inclusive para câncer, ela descobriu que o Facebook é um instrumento muito mais eficiente que o Google para colocar anúncios. O que eles fazem é comprar espaço nos perfis que se encaixam nos requisitos dos estudos (que costumam ser atualizados pelo próprio membro e, portanto, são geralmente precisos) – por coincidência, curiosidade ou necessidade, o usuário acaba clicando no anúncio e preenchendo o formulário para qualificação. Em 2010, 20% dos pacientes recrutados para estudos pela Acurian vieram das redes sociais. Ganham paciente e empresa.
Fórum?
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ticipações, incentivando os integrantes a um envolvimento maior, dinamiza o grupo e potencializa a conscientização, o envolvimento e a busca por soluções”, explica Wilma. Em sua pesquisa, ela lista uma série de etapas por que passa o usuário até fazer parte de uma comunidade virtual da qual se considere membro (veja quadro). “Ao final do processo, esses integrantes se reconhecem como pertencentes a um coletivo, com interesses comuns ou próximos, e se utilizam de meios e instrumentos pactuados para alcançar objetivos comuns. É aí que se formam as conquistas de divulgações de ideias, projetos e atitudes”, diz. Foi assim que surgiu o Meu Oncoguia, a primeira rede social brasileira totalmente voltada ao intercâmbio de informações entre pacientes com câncer e seus familiares, lançada em dezembro de 2009 pelo Instituto Oncoguia. Segundo Luciana, essa rede “surgiu para atender a um pedido constante dos visitantes do portal, de criar um espaço em que pacientes e familiares pudessem compartilhar suas histórias, experiências, reações e sentimentos diante da doença”. O Meu Oncoguia conta hoje com 1,5 mil pessoas conectadas, graças à revolução da informação causada pela internet e pela revolução em relacionamentos causadas pelas redes sociais. “Com o avanço da tecnologia, novas ferramentas de comunicação são criadas, que é o caso das redes sociais. Sabemos que um paciente mais informado é mais seguro, menos ansioso, adere muito melhor ao tratamento, possui expectativas reais e vai melhorando consequentemente sua qualidade de vida”, diz. Wilma afirma em sua pesquisa que, mais do que proporcionar um espaço para que pacientes e familiares encontrem informações acerca da doença, de medicamentos, tratamentos e prog-
nósticos, as redes sociais vão além – elas abrem espaço para o debate público e de realidades maiores, que abordem o câncer sob o ângulo de direitos e saúde pública, muitas vezes dando origem a novas lideranças na área. A Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale) usa o Twitter para divulgar não apenas os eventos que promove, mas também sobre legislação em saúde e direitos do paciente. “Governo muda regra e pacientes que tratavam linfoma ficam sem remédio” foi o tweet de 14 de março deste ano, que fornecia também o link para uma notícia do jornal O Estado de S. Paulo reproduzida no site da organização. A Abrale também conta com o Twitter para divulgar pedidos de pacientes que necessitam de doações de sangue e medula óssea – estratégia que tem funcionado, dados os números de tweets de agradecimentos postados. Hoje a Abrale conta com 935 seguidores. Luciana, do Oncoguia, conta como as redes sociais fizeram a diferença num evento de discussão de políticas públicas. “Estávamos ao vivo na internet e todos os pacientes puderam assistir ao evento. Tivemos mais de mil pessoas participando via internet e fazendo comentários no Twitter e/ou Facebook”, comemora. Mas, mesmo com toda essa revolução, talvez o grande trunfo das redes sociais no combate ao câncer seja bem mais simples e básico: um lugar onde o paciente pode encontrar companheirismo, solidariedade e esperança, sem barreiras ou obstáculos. “Percebemos que a troca ‘com quem está passando pelo mesmo que eu’ faz toda a diferença e possibilita que os pacientes não se sintam sozinhos e, com isso, se fortaleçam diante do câncer”, completa Luciana.
“Percebemos que a troca ‘com quem está passando pelo mesmo que eu’ faz toda a diferença e possibilita que os pacientes não se sintam sozinhos e, com isso, se fortaleçam diante do câncer.”
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Nova opção de quimioterapia oral no Brasil O laboratório Pierre Fabre acaba de lançar no Brasil o Navelbine Oral (tartarato de vinorelbina), indicado em casos de câncer de mama metastático e câncer de pulmão de células não-pequenas. No câncer de mama metastático, a droga é recomendada para o tratamento de recidiva de câncer de mama em estágios avançados após falha de regime terapêutico com antraciclinas. No câncer de pulmão de células não-pequenas, ela é indicada para tratamento como agente único, ou em combinação com cisplatina para tratamento de primeira linha em pacientes com CPCNP não ressecável.
1o Prêmio Roche em Câncer de Mama O 1o Prêmio Roche em Câncer de Mama é resultado de uma iniciativa da Roche em parceria com o Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM). O objetivo do concurso é divulgar e promover a troca de informações sobre os temas científicos de interesse para o câncer de mama. O prazo para a entrega dos trabalhos é 22 de julho de 2011, nas categorias: tratamento adjuvante do câncer de mama HER2 positivo; tratamento do câncer de mama metastático HER2 negativo nos subgrupos de especial interesse: pacientes jovens/idosas, doença agressiva, doença indolente; tratamento de grupos especiais de pacientes portadores de câncer de mama metastático HER2 positivo – idosas, cardiopatas, metástase cerebral, múltiplas linhas de tratamento; trabalhos epidemiológicos em câncer de mama. Serão selecionados 25 finalistas, que participarão da cerimônia de premiação, prevista para setembro de 2011. O primeiro e o segundo colocados receberão patrocínio para o Simpósio Anual de Câncer de Mama San Antonio 2011. O terceiro, o quarto e o quinto lugares receberão patrocínio para a conferência da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) 2012. Para saber mais sobre o Prêmio Roche em Câncer de Mama, conhecer o regulamento e obter a ficha de inscrição, escreva para premioroche@premioroche.com.br.
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Campanha pela autoestima leva prêmio A campanha Encontro com a Autoestima, que incentiva a autoconfiança das pacientes com câncer de mama através de palestras, discussões e sessões fotográficas, foi vencedora em duas categorias do prêmio Caio, um dos mais importantes do país na área de eventos e marketing promocional. Iniciativa do laboratório AstraZeneca, a campanha levou o ouro nas categorias Evento de Responsabilidade Social e Comunicação Visual na 11a edição do prêmio, que ocorreu em fevereiro.
Lançamento em câncer de mama Acaba de chegar às pratelei-ras o livro Doenças da mama guia prático baseado em evidências, de autoria de Antonio Frasson, Eduardo Millen, Guilherme Novita e colaboradores. A obra, lançada pela Editora Atheneu, abrange os principais problemas mamários do cotidiano do consultório médico. Os tópicos abordados são: diagnóstico (radiologia e patologia), genética, doenças benignas, paciente de alto risco para câncer de mama, lesões precursoras, técnica cirúrgica (incluindo oncoplástica), tratamento cirúrgico do câncer de mama, situações especiais do câncer de mama, oncologia clínica, radioterapia, fisioterapia e cuidados paliativos.
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Nova edição de livro de receitas para pacientes de câncer
O laboratório farmacêutico sanofi-aventis lançou a segunda edição do livro Comida que cuida – Mais cor no prato e na vida durante o tratamento de câncer. A nova edição, com visual repaginado e capítulos adicionais sobre crianças e mulheres, traz 103 receitas – de entradas a sobremesas, passando pelos lanches – saborosas, simples e baratas de fazer. O objetivo? Driblar o mal-estar causado pela medicação e auxiliar quem está com dificuldades para se alimentar durante a quimioterapia ou a radioterapia. A obra é disponibilizada gratuitamente para instituições de saúde com programas para pacientes de câncer. Basta acessar o site www.sanofi-aventis.com.br.
ANVISA aprova medicamento oral para carcinoma de células renais Poucos meses após a divulgação de estudo fase III no Journal of Clinical Oncology, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a comercialização do pazopanibe (Votrient®), da GlaxoSmithKline (GSK), no Brasil. O medicamento é indicado para pacientes com carcinoma de células renais (CCR) avançado e/ou metastático, o mais frequente nos rins – nove entre dez casos identificados. Nos EUA, o pazopanibe foi aprovado pelo FDA em outubro de 2009.
Boehringer Ingelheim promove prêmio em oncologia A Divisão de Oncologia do Laboratório Boehringer Ingelheim promoverá neste ano a primeira edição do Prêmio Boehringer Ingelheim de Pesquisa em Oncologia, para reconhecer a pesquisa no Brasil e estimular jovens pequisadores. Serão aceitos trabalhos de pesquisa básica e clínica nas áreas de câncer de pulmão, mama, ovário ou cabeça e pescoço, que deverão estar publicados num veículo de pesquisa internacional indexado pela National Library of Medicine EUA de janeiro de 2009 até a data limite de submissão, em 29 de junho de 2011. O prêmio será realizado em três regiões diferentes: Brasil; Argentina, Chile, Colômbia, Peru, Venezuela, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Equador; México, América Central e Caribe. Haverá uma premiação inicial para o melhor trabalho de cada uma das regiões. O prêmio regional, previsto para ser divulgado no mês de agosto de 2011, será de 12 mil euros. Os três finalistas concorrerão ainda ao Grand Prize América Latina, que será de 15 mil euros. Para mais informações, acesse: http://bi-oncologyaward.org.
Tratamento para câncer do ovário aumenta tempo sem progressão da doença A Roche divulgou resultados do estudo clínico de fase 3 OCEAN, que avalia a eficácia do tratamento com Avastin® (bevacizumabe) em combinação com quimioterapia (carboplatina e gemcitabina) para câncer de ovário. O estudo mostrou que as mulheres tratadas com esquema combinado de bevacizumabe e quimioterapia, seguido do uso continuado de bevacizumabe sozinho, viveram mais tempo sem agravamento da doença (sobrevida sem progressão ou PFS) quando comparadas às mulheres que receberam apenas a quimioterapia. Não houve novos problemas de segurança e os eventos adversos foram consistentes com os observados nos estudos conduzidos para registro da droga. Os dados completos serão divulgados nos próximos meses.
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Local
Informações
II Simpósio de Classes Hospitalares no INCA: Saúde e Educação Construindo Parcerias
14 de abril
Rio de Janeiro, RJ
www.inca.gov.br/eventos
VI Simpósio de PET/CT em Oncologia e III Simpósio de SPECT/CT em Oncologia
26 e 27 de abril
São Paulo, SP
www.hospitalsiriolibanes.org.br/iep
Simpósio Sul-Americano de Terapia Gênica
28 e 29 de abril
Rio de Janeiro, RJ
www.inca.gov.br
II Simpósio Internacional de Tratamento de Câncer Gastrointestinal
28 a 30 de abril
São Paulo, SP
(11) 3758-4428 ou www.wintereventos.com.br
Highlights of ASH – Latin America
29 e 30 de abril
Punta del Este, Uruguai
www.hematology.org
I Simpósio Sul-Americano de Cancerologia
5 a 7 de maio
Vitória, ES
www.sulamericanodecancerologia.com.br
12 a 14 de maio
São Paulo, SP
(11) 3758-3821 ou swinter@terra.com.br
Oncoplástica – Vale dos Vinhedos
27 e 28 de maio
Bento Gonçalves, RS
http://forumsaudemulher.com.br/ oncoplastica
2011 ASCO Annual Meeting
3 a 7 de junho
Chicago, IL, EUA
www.asco.org
1o Fórum de Oncologia Pediátrica do Rio de Janeiro
14 de junho
Rio de Janeiro, RJ
www.inca.gov.br
Uro-Onco 2011
17 de junho
Ribeirão Preto, SP
www.vsfutura.com.br
XIII Congresso da Sociedade Brasileira de Radioterapia
21 de junho
Rio de Janeiro, RJ
www.congressosdasbrt.com.br
Breast Cancer Conference
30 de junho e 1o de julho
São Paulo, SP
www.hybrida.com.br
I Bienal Internacional dos Ex-Residentes do Hospital A.C. Camargo e I Congresso da Regional São Paulo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica
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