Onco& Ano V - Ed. 27

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Nacional abril/maio 2015 º !NO s N

Oncologia para todas as especialidades

realização:

Entrevista O especialista Gilberto Amorim aponta a biologia tumoral como a maior conquista da medicina oncológica na última década e chama a atenção para os avanços no tratamento do câncer de mama

Políticas de Saúde Ampliar os hospitais credenciados ao SUS é desafio para o rastreamento do câncer

Oncogenética Avanços no diagnóstico das neoplasias

Tratamento multidisciplinar: novo paradigma em oncologia imuno-histoquímica | especiais ASH e ASCO GU | radioterapia


sumário

entrevista

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capa

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O papel da atuação multidisciplinar no tratamento do paciente oncológico

oncogenética

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Síndromes de predisposição hereditária ao câncer Ana Carolina Leite

diagnóstico

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Imuno-histoquímica em patologia cirúrgica: quando e por quê Alessandra F. Nascimento

radioterapia

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Benefícios da radioterapia estereotática corporal (SBRT) Lilian Faroni e Aluísio Castro

políticas de saúde

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Especialistas sugerem mudanças para que o diagnóstico seja mais acessível à população brasileira e resulte na queda de mortalidade

gestão

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A possibilidade de capital estrangeiro investir no setor é considerada uma excelente notícia para o mercado e para os pacientes

do bem

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Pesquisa divulgada na Science que associa câncer a azar reabre debate sobre o impacto das descobertas científicas no dia a dia do tratamento da doença

especial ASH

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Os destaques do maior evento de hematologia do mundo

campanhas

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Fique por dentro das ações sobre câncer que ganharam destaque na mídia e nas redes sociais

IDOR

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Precision Medicine Initiative e a busca por soluções inovadoras

mundo virtual

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Sites e aplicativos que ajudam médicos a se manter sempre atualizados para o diagnóstico e tratamento de seus pacientes

acontece

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Fique por dentro dos congressos, simpósios, encontros de atualização e outros tantos eventos da área

especial asco GU

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Alguns dos estudos mais importantes apresentados no maior congresso de tumores geniturinários

curtas D’Or

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As últimas notícias sobre o Grupo Oncologia D’Or

curtas

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Novidades sobre pesquisas, parcerias e eventos: um giro pelo mundo da oncologia

calendário

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Programe-se: eventos e congressos que estão por vir

Gilberto Amorim fala sobre a ampliação dos conhecimentos sobre biologia tumoral e a variedade de tumores existentes


Conselho editorial*

I – Cancerologia clínica Oncologia clínica: Aline A. Porto Rocha Lima (SP) Ana Carolina Leite (CE) Antonio Carlos Barcellos Bassani (SP) Antonio Evandro de Araújo Jr. (TO) Bruno Carvalho Oliveira (DF) Bruno de Araújo L. França (RJ) Bruno Pinheiro Costa (RJ) Carlos Eduardo Sampaio dos Santos (RJ) Claudio Calazan do Carmo (RJ) Cristiane Amaral dos Reis (TO) Daniel Herchenhorn (RJ) Davimar M M Borducchi (SP) Duilio Rocha Filho (CE) Eduardo Cronemberger (CE) Eduardo Jorge Medeiros (RJ) Fabiane Kellem O. S. Cesário (SP) Fernando Correia Cruz (RJ) Gilberto Luiz da Silva Amorim (RJ) Glauber Leitão (PE) Leonardo Atem (CE) Markus Gifoni (CE) Henrique Zanoni (SP) Jacques Bines (RJ) Jayme José Gouveia (PE) Jose Eduardo de Almeida Lamarca (RJ) Luiz Alberto Mattos (PE) Maria de Lourdes Lopes de Oliveira (RJ) Martha Tatiane M. dos Santos (DF) Múcio de Alcantara Leister (RJ) Patricia Maira C. A. de Sousa (DF) Rogerio Pastore Bassit (SP) Valeska Marques de Menezes Machado (DF)

*Em reformulação

Editores clínicos nacionais André Moll Anderson Silvestrini Carlos Gil Ferreira Daniel Herchenhorn Juliane Musacchio Paulo Sérgio Perelson Rodrigo Abreu e Lima

Editores clínicos regionais Onco& Brasília Lucianno Henrique P. dos Santos Onco& Rio de Janeiro Andréia Melo Onco& Nordeste Markus Gifoni Onco& São Paulo Caetano da Silva Cardial Carlos Frederico Pinto

Revisão Médica Ana Carolina Nobre de Mello

II - Onco-hematologia: Adriana Alves de Souza Scheliga (RJ) Andrea Farag Lago Martinez (RJ)

Andresa Lima Melo (DF) Gustavo Bettarello (DF) Joana Curi (PE) João Glasberg (SP) José Lucas Pereira Junior (DF) Renata Lyrio Rafael Baptista (RJ) Paulo Henrique A. Soares (DF) Roberto Penello (SP) Vitor César da Silva Sforni (DF)

III – Patologia Alessandra F. Nascimento (RJ)

IV – Cuidados paliativos e dor Lisiana Wachholz Szeneszi (RJ)

V– Radioterapia Aluisio Jose de Castro Neto (RJ) Carlos Manoel M. Araújo (RJ) Celia Maria Paes Viegas (RJ) Denise Magalhães (RJ) Felipe Erlich (RJ) Lilian D'Antonino Faroni (RJ) Maria Feijóo (RJ) Robson Ferrigno (SP)

VI – Qualidade Adriana Crespo (RJ) Edivaldo Bazilio (DF) Stela Maris (SP)

VII – Gestão Carlos Loures (DF) Flavio José Reis (DF) Helio Calabria (RJ) Leonardo Nunes (RJ) Sergio Cortes (RJ)

Ano 5 • número 27 abril/maio 2015 Publisher Simone Simon simone@revistaonco.com.br

Impressão: Ipsis Gráfica Tiragem: 20 mil exemplares (Nacional – 3.000, Rio de Janeiro – 4.000

Editorial Jiane Carvalho jiane@revistaonco.com.br

ISSN: 2179-0930

São Paulo – 7.000, Brasília – 3.000, Nordeste – 3.000)

Subeditor Gabriel Ferreira gabriel@revistaonco.com.br Direção de arte/Prepress Ione Franco ione@revistaonco.com.br

Jornalista responsável: Jiane Carvalho (MTb 23.428/SP) Colaboraram nesta edição: Alessandra F. Nascimento, Aluísio Castro, Ana Carolina Leite, Anderson Arantes Silvestrini, Glauber Leitão, Gilberto Amorim, Juliane Musacchio, Lilian Faroni, Marcelo Reis, Marlene Oliveira, Martha San Juan França, Regiane de Oliveira, Simone Rosa e Viviane Gomes

Comercial Bruno Lima bruno@revistaonco.com.br Revisão Patrícia Villas Bôas Cueva

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abril/maio 2015 Onco&

Acompanhe a Onco& no Facebook e no Twitter

A revista Onco& – Oncologia para todas as especialidades, a partir de 2015 é uma realização da Oncologia D’Or. Traz informações sobre oncologia a profissionais de todas as especialidades médicas. De circulação Trimestral, tem distribuição nacional e gratuita por todo o território nacional. A reprodução do conteúdo da revista é permitida desde que citada a fonte. A opinião dos colaboradores não reflete necessariamente a posição da revista.

www.oncologiador.com.br www.revistaonco.com.br (21) 2126 0150


O paciente sob um olhar multidisciplinar

A

Onco& CHEGA À SUA 27ª EDIÇÃO – A PRIMEIRA SOB A REALIZAÇÃO DA ONCOLOGIA D’OR – CHAMANDO A ATENÇÃO PARA A NECESSIDADE DE UM

acompanhamento multidisciplinar do paciente oncológico. Os novos paradigmas incluem, ao lado das abordagens tradicionais cirúrgicas e farmacológicas, iniciativas como acompanhamento psicológico, nutricional, fisioterapêutico e até procedimentos considerados alternativos, como ioga. E não é apenas nas clínicas particulares – o próprio Sistema Único de Saúde (SUS) tenta equipar melhor os Centros de Alta Complexidade em Oncologia para esse atendimento multidisciplinar. A Onco& traz, na reportagem de capa, um panorama abrangente dessas iniciativas e seus efeitos na qualidade de vida do paciente. No câncer de próstata, por exemplo, 15 minutos diários de exercícios programados, segundo um estudo que apresentamos na reportagem, foram suficientes para reduzir a taxa de mortalidade em pacientes com a doença. Também nesta edição, a Onco& entrevista Gilberto Amorim, coordenador do Grupo de Oncologia Mamária da Oncologia D’Or. O especialista destaca estudos apresentados no Simpósio de San Antonio, nos Estados Unidos, que já alteram a forma de abordagem do câncer de mama. “Os resultados positivos do bloqueio da função ovariana como aliado na terapia hormonal jogaram luz sobre o que pode ser um novo caminho para o tratamento de pacientes com câncer de mama”, chama a atenção Amorim. Outros dois eventos globais têm espaço nesta edição da Onco&. A hematologista Juliane Musacchio apresenta as novidades do 56º Congresso da Sociedade Ameri-

cana de Hematologia ASH, principalmente voltadas para o tratamento dos pacientes portadores de linfoma e mieloma múltiplo. Já o coordenador científico da Oncologia D’Or, Daniel Herchenhorn, apresenta dois estudos relevantes divulgados no maior evento para especialistas em tumores geniturinários, o ASCO GU. Lidar com o arsenal de informação ao qual o paciente tem acesso – muitas vezes sem qualquer filtro crítico – é desafio cada vez mais premente no dia a dia do médico. A seção Do Bem usa como gancho um estudo de especialistas da Johns Hopkins, publicado na revista Science, para discutir o tema. O estudo causou polêmica quando os autores optaram por chamar de “má sorte” (bad luck, no original em inglês) um item considerado fundamental para explicar a maior incidência da doença. Especialistas apontam, sim, a existência de cânceres atribuídos ao acaso, mas são enfáticos ao apontar fatores comportamentais que colaboram com essa bad luck. Nos artigos, espaço para novas opções em radioterapia para pacientes com tumores tanto primários quanto metastáticos, tema apresentado por Lilian Faroni e Aluísio Castro. Os avanços da oncogenética na compreensão das chamadas síndromes de predisposição hereditária ao câncer (SPHC) são o foco do artigo de Ana Carolina Leite, da Clínica Fujiday. Fechamos a edição com o artigo sobre a utilização de estudos imuno-histoquímico em patologia clínica, de autoria de Alessandra F. Nascimento. Boa leitura!

Simone Simon Publisher Contato: simone@iasoeditora.com.br

Onco& setembro/outubro Onco& abril/maio 2012 2015

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entrevista

Resultado de estudo em San Antonio faz especialista mudar prática clínica

Divulgação

Para o coordenador do Grupo de Oncologia Mamária da Oncologia D’Or, a maior conquista da medicina oncológica na última década está no campo da biologia tumoral, com a ampliação do conhecimento sobre a variedade dos tumores existentes

Por Simone Rosa

O

S RESULTADOS POSITIVOS DO BLOQUEIO DA FUN-

ÇÃO OVARIANA COMO ALIADO DA TERAPIA HORMONAL JOGARAM LUZ SOBRE O QUE PODE SER

Gilberto Amorim * Coordenador do Grupo de Oncologia Mamária da Oncologia D’Or; ex-chefe da Oncologia Clínica do HCIII – Inca; editor do Manual de Condutas de Câncer de Mama da SBOC e titular da American Society of Clinical Oncology; membro voluntário do Comitê Científico do Instituto Oncoguia

Contato: gilberto.oncologista@gmail.com

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um novo caminho para o tratamento de pacientes com câncer de mama. Na expectativa de Gilberto Amorim, coordenador do Grupo de Oncologia Mamária da Oncologia D´Or e membro do Comitê Científico do Instituto Oncoguia, tornou possível mudar a prática dos especialistas da área. “Eu mesmo já tenho adotado desde então, em casos selecionados, essa estratégia”, garante. O estudo SOFT, feito com 3.066 pacientes e cujos efeitos foram apresentados no Simpósio de San Antonio, em dezembro de 2014, nos Estados Unidos, mostra que a ação é benéfica para o tratamento, principalmente em mulheres com menos de 35 anos e cuja doença é classificada como de alto risco. Essa pesquisa, diz, somada à apresentada durante o Congresso Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), também no ano pas-

sado, é mais um passo importante, muito embora ainda exista a preocupação sobre os sintomas da privação hormonal pela menopausa química precoce. “Todos os especialistas reconhecem que esses resultados, somados aos apresentados durante a ASCO 2014, vão mudar a prática.” Para Amorim, a maior conquista da medicina oncológica na última década está no campo da biologia tumoral, com a ampliação do conhecimento sobre a variedade dos tumores existentes. A partir daí, explica, a ação da medicina personalizada pode ser o principal ganho, uma vez que o tratamento pode alcançar maior eficácia com menor efeito colateral e aumento das taxas de cura. Um exemplo disso é o uso de anticorpos monoclonais como trastuzumabe, pertuzumabe e o T-DM1 para o caso do câncer de mama HER2 positivo. No campo da prevenção por meio do aconselhamento genético, Amorim afirma que o “efeito Angelina Jolie” – atriz que retirou as glândulas mamárias como prevenção após resultado genético po-


sitivo e seu histórico familiar – fez disparar a procura por testes e consultas em clínicas nos Estados Unidos. No Brasil, a demanda é barrada ainda pela falta de estrutura, como o escasso número de geneticistas e regras bem rígidas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para os convênios darem cobertura a esses procedimentos. “O fato é que em muitos casos o aconselhamento genético é fundamental e pode mudar a história daquela paciente em particular e muitas vezes a de outros membros da família, como as filhas, por exemplo.”

Onco& – No Brasil, o Inca divulga que a mortalidade por câncer da mama pode ser reduzida em um terço entre as mulheres de 50 a 69 anos com programas de rastreamento. No entanto, há pouco tempo, o tema foi alvo de polêmica contestando essa afirmação, principalmente em relação à mamografia. O que o simpósio no fim do ano passado em San Antonio trouxe de novo?

Gilberto Amorim – O congresso, em si, trouxe poucas novidades na questão do rastreamento. A controvérsia segue. De um lado, estudos antigos e com erros metodológicos graves que não conseguiram comprovar o benefício do rastreamento em mulheres entre 40 e 49 anos. Apesar disso, esses estudos são utilizados por epidemiologistas e por formadores de políticas públicas como se fossem a prova definitiva de que a mamografia não funciona nessa faixa etária. De outro lado, sociedades médicas sérias tentando mostrar que sim, o rastreio diminui a mortalidade nessas mulheres. O argumento do overtreatment é fraco. Mesmo que se diga que mais exames e biópsias serão necessários, isso não justifica a não realização do exame. Não temos como saber, ainda, se por trás de microcalcificações pleomórficas BIRADS 4 está um câncer não invasivo (ca in situ), de baixo grau, que talvez nunca se manifeste clinicamente, ou se já não é de fato um diagnóstico precoce de uma patologia potencialmente grave e muitas vezes fatal. A melhor evidência disponível ainda não é definitiva, mas defendemos a mamografia a partir dos

40 anos, pois com diagnósticos mais precoces a mortalidade cai. Não é só sobrevida que conta. Pergunte a uma mulher em que momento ela prefere ser diagnosticada: se cedo, muitas vezes com uma cirurgia conservadora e sem quimioterapia, ou se em estádio mais avançado, mutilada por uma mastectomia e muitas vezes precisando de quimioterapia, ainda que no final também possa ficar curada...

Onco& – Segundo o estudo IBIS-I, o tamoxifeno diminuiu a incidência dos tumores na mama em mulheres de alto risco. Como o senhor avalia esse método de prevenção?

Gilberto Amorim – Avalio que seja uma ótima opção para as pacientes mais jovens, pois o risco de tumor de endométrio é igual ao da população normal e, se a paciente tolerar bem, é possível completar os cinco anos. No entanto, precisamos de mais estratégias de prevenção. Esse estudo recrutou 7.154 mulheres pré e pós-menopausadas com alto risco de câncer de mama e comparou cinco anos de tamoxifeno (TMX) versus placebo. Segundo dados apresentados no congresso, houve redução de risco de 29% mesmo com mais de 16 anos de seguimento. Foram 601 casos de câncer, sendo 251 (7,0%) no braço do tamoxifeno contra 351 (9,8%) no grupo placebo. O número de pacientes que deveriam receber para que um caso de câncer fosse evitado caiu em dez anos de 59 para 22. Poderia ser ainda menor, pois na época do estudo, na década de 90, muitas ainda usavam reposição hormonal durante a seleção inicial. O benefício da quimioprevenção é real, e um número expressivo de mulheres pode ser considerado de alto risco, mas não necessariamente ter mutação para BRCA e, portanto, não seria elegível para uma dupla mastectomia. A opção de usar cinco anos de tamoxifeno está aí, mas no mundo inteiro é pouco usada, muito pelo medo dos efeitos colaterais. O número de casos de câncer de endométrio foi de 29 contra 20 no grupo placebo, os casos ocorreram durante o período de tratamento em mulheres após a menopausa, mas o risco volta ao normal após o tratamento.

Não temos como saber, ainda, se por trás de microcalcificações pleomórficas BIRADS 4 está um câncer não invasivo, de baixo grau, ou se já não é de fato um diagnóstico precoce de uma patologia potencialmente grave e muitas vezes fatal

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Onco& – Qual a sua opinião sobre estudos que indicam a supressão da função ovariana como coadjuvante da terapia hormonal como forma de reduzir o risco de ocorrência de câncer de mama?

Gilberto Amorim – Esse talvez seja “o” estudo de

A decisão da ANS de cobrir os testes com a mutação a partir de 2014 trouxe um avanço, mas os critérios são mais rígidos do que os adotados nos EUA e, na maioria das vezes, dependem da recomendação do geneticista, profissional escasso em todo o nosso país

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todo o ano de 2014. Foi inicialmente apresentado na plenária do Congresso Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) e seguiu com uma nova apresentação em San Antonio com dados complementares fundamentais. Estamos falando de uma estratégia que muda a prática que vem sendo adotada, pois agora temos um novo algoritmo para essas pacientes. O básico do tratamento tem sido tamoxifeno isolado para pacientes pré-menopausa. Mas agora temos dados consistentes sugerindo que a supressão ovariana (OS) associada à hormonioterapia pode beneficiar, e muito, um número significativo de pacientes, especialmente aquelas muito jovens com doença de alto risco.

Onco& – Quais os resultados do estudo? Gilberto Amorim – No congresso, os dados do estudo SOFT, pela relevância, foram imediatamente publicados no New England Journal of Medicine. Nesse estudo, 3.066 pacientes foram randomizadas para receber só tamoxifeno, outros TMX em combinação com a supressão ovariana (OS) e versus exemestane (EXE) + OS. Após um seguimento de 5,6 anos, no geral não houve diferença em sobrevida de doença (DFS, endpoint primário). Porém, em pacientes com até 35 anos, que eram 11,5% das que participaram do estudo, a sobrevida foi de 67%, 78% e 83%, respectivamente. Em outras 1.084 pacientes com 40 anos em média e que continuaram menstruando após a quimioterapia, a DFS foi de 78%, 82% e 85,7%. Para aquelas cerca de 900 pacientes que não receberam quimioterapia e que estão próximas da menopausa, com média de 46 anos, não apareceu ainda uma vantagem com a adição da supressão ovariana. Apesar da preocupação, que considero real, com os sintomas da privação hormonal pela menopausa química precoce, todos os especialistas reconhecem que esses resul-

tados, somados aos apresentados durante a ASCO 2014, vão mudar a prática. Eu mesmo já tenho adotado desde então, em casos selecionados, essa estratégia.

Onco& – O rastreamento genético é uma evolução. Como está sendo a repercussão no Brasil depois que a atriz Angelina Jolie assumiu que tirou parte das glândulas mamárias? Há muita procura por esse tipo de prevenção? Quais as vantagens e desvantagens? Gilberto Amorim – A repercussão continua grande, tanto lá fora, com clínicas nos Estados Unidos que já contabilizam aumento de 100% no número de testes e consultas realizadas após o “efeito Angelina Jolie”, quanto no Brasil. Há por parte das pacientes uma maior demanda nesse sentido, mas, no mundo real, especialmente aqui, existem desafios a serem superados. A decisão da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de cobrir os testes com a mutação a partir de 2014 trouxe um avanço, mas os critérios são mais rígidos do que os adotados nos EUA e, na maioria das vezes, dependem da recomendação do geneticista, profissional escasso em todo o nosso país – há poucos credenciados pelos convênios. Há muitos casos que, mesmo com o endosso do geneticista, a fonte pagadora nega a realização do exame. O fato é que em muitos casos o aconselhamento genético é fundamental e pode mudar a história daquela paciente em particular e muitas vezes a de outros membros da família, como as filhas, por exemplo.

Onco& – Como o senhor avalia a situação do tratamento no país? Como classificaria o Brasil em relação à qualidade especificamente neste setor?

Gilberto Amorim – Temos tido avanços, mas o hiato entre os dois “Brasis” continua enorme. O acesso ao diagnóstico precoce e ao tratamento é muito mais demorado no SUS, pois a incorporação de novas tecnologias é muito demorada na rede pública. Há filas para tudo: exames, biópsias, cirurgias, radioterapia, quimioterapia, reconstrução. A


legislação evoluiu e temos, por exemplo, prazo de até 60 dias para o tratamento, a lei da reconstrução imediata... Mas, na prática, pouco mudou. Precisamos aprovar a lei de 30 dias para o diagnóstico e lutar para que as atuais leis sejam cumpridas. No cenário da saúde suplementar conseguimos realizar muitas vezes tratamentos que não perdem nada aos grandes centros norte-americanos ou europeus. Mas temos tido dificuldade crescente também com o acesso a exames e a tratamentos por muitos convênios, burocracia excessiva para a liberação de cirurgias, exames e tratamentos, intervenções abusivas e, por vezes, antiéticas por parte das operadoras, bloqueando ou retardando o acesso aos melhores tratamentos.

Onco& – Na última década, quais os principais avanços que o senhor pode elencar em relação ao tratamento do câncer de uma maneira geral? E especificamente no de mama?

Gilberto Amorim – A maior compreensão da biologia tumoral, com o advento de uma medicina personalizada, talvez seja o principal ganho. A identificação de proteínas ou de mecanismos específicos de crescimento de um determinado tipo de câncer faz com que novos e melhores medicamentos sejam desenvolvidos, com maior eficácia e menores efeitos colaterais. Ainda que sejam de alto custo, eles são usados em um nicho específico de pacientes. Um grande exemplo é o câncer de mama HER2 positivo, e o uso de anticorpos monoclonais específicos como o trastuzumabe, pertuzumabe e o T-DM1. Esses monoclonais são as “estrelas da companhia”, pois aumentam as taxas de cura em doença mais inicial e elevam, de forma brutal, a sobrevida mesmo em cenário de doença avançada. Atualmente estamos ultrapassando 54 meses de sobrevida mediana. Além deles, nos últimos dois anos tivemos a chegada do everolimo para câncer de mama refratário aos inibidores de aromatase, a aprovação da dose correta (e eficaz) do fulvestranto, a chegada em nosso país do quimioterápico eribulina, uma nova indicação para o lapatinibe, que agora é usado com o trastuzumabe para mama metastático receptor negativo. E vem mais por aí.

Neste ano, o palbociclibe foi aprovado nos Estados Unidos, e outras moléculas estão chegando...

Onco& – Como avalia os novos agentes pembrolizumabe e pictilisib?

Gilberto Amorim – A imunoterapia é o futuro, e, neste caso, estamos vendo os primeiros resultados com o imunomodulador pembrolizumabe (anti PD-1). Em San Antonio foi apresentado um estudo de fase I (Keynote 012) em pacientes com doença triplo negativo refratária ou metastática, e observar 18,5% de respostas objetivas e muitas duradouras em um estudo de fase I é incomum. Ao mesmo tempo é promissor e vai na mesma direção de outras patologias oncológicas, mas há muito a ser estudado ainda. Outra molécula promissora é o pictilisib, inibidor de PI3K, importante via na resistência endócrina dos tumores de receptor positivo. Um estudo de fase II (FERGI) em conjunto com fulvetranto na doença metastática mostrou benefício independentemente da presença de mutação, especialmente em pacientes de também progesterona positivo. Livre de progressão da doença, a sobrevida dobra de 3,7 meses para 7,4 meses. Em outro estudo (Opportune), o pictilisib foi usado com anastrazol em caráter pré-operatório e parece reduzir muito a proliferação, especialmente em tumores luminais B. Estamos de olho.

A imunoterapia é o futuro, e, neste caso, estamos vendo os primeiros resultados com o imunomodulador pembrolizumabe (anti PD-1)

Onco& – Recentemente, em artigo, o médico britânico Richard Smith causou polêmica por sua “forma romântica” de ver a morte por câncer. Qual a sua opinião?

Gilberto Amorim – O ex-editor do British Medical Journal publicou em seu blog opinião sobre o seu conceito de morte ideal, e que seria a “morte por câncer”, pois poderíamos ter tempo para planejar, dizer adeus, acertar pendências com familiares e amigos, e que com “morfina, amor e whisky” ficaria tudo bem... Até aí é aceitável, desde que ele não se posicionasse contra governos e indústrias que investem bilhões nesses tratamentos. Ele recomendou parar de investir dinheiro nisso, para, segundo ele, investir nas pesquisas de Onco& abril/maio 2015

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Os dados do estudo FIRST também são práticos, pois o fulvestranto 500 mg em 1ª linha de doença metastática se mostrou superior em sobrevida global ao anastrozol, com 54 meses versus 48 meses

doenças neuropsiquiátricas. É uma atitude que beira a irresponsabilidade, pois confunde a comunidade leiga e frustra milhares de pacientes e seus familiares, pois o câncer é uma doença muito heterogênea e, com os avanços da ciência, estes que o sr. Richard rejeita, temos cada vez mais pacientes vivendo mais e melhor. Sobrevida de mais de cinco anos com qualidade e taxas de cura reais são perfeitamente possíveis hoje em câncer de mama, de intestino e próstata, linfoma, tumores germinativos etc. É um desserviço publicar uma opinião tão simplista. Chega a ser cruel. Toda a sociedade deve refletir sobre a morte, e este seja, talvez, o único mérito do sr. Richard ao trazer essa discussão. O tempo todo faço o exercício sobre o que eu faria se fosse comigo a doença ou com alguém da minha família, e já vivi pessoalmente essa dura experiência várias vezes. Mas daí a negar a possibilidade real de controle e de melhora dos sintomas vai uma distância enorme. O mundo real não é tão romântico, não cabe apenas esperar, tomar morfina e uma bebida, pois o sofrimento é muito grande.

Onco& – Você poderia comparar a utilização dos fármacos ACx4 versus FEC100 adjuvantes e carboplatina versus docetaxel em triplo negativo mutado ou não? Gilberto Amorim – ACx4 é semelhante a FEC100

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em pacientes com axila negativa. O estudo foi recém-apresentado, mas a pergunta é velha, porém, relevante, já que muitos usam esses esquemas. AC é mais barato e menos tóxico, mas eu pessoalmente uso TCx4 (docetaxel com ciclofosfamida), pois é superior inclusive em sobrevida global. Em pacientes triplo-negativo com doença avançada não selecionados para mutação de BRCA, docetaxel é igual ou melhor que carboplatina isolado. Mas, em pacientes mutadas, carboplatina é superior. Acho importante, sempre que possível e para direcionar melhor o tratamento, testar as pacientes.

Onco& – Qual a experiência a que o senhor assistiu em San Antonio que acha possível/viável ser aplicada no Brasil?

Gilberto Amorim – O novo algoritmo de uso para pacientes com câncer de mama na pré-menopausa, como detalhei anteriormente, já é uma realidade. A quimioprevenção com tamoxifeno sempre pode ser lembrada. Os dados do estudo FIRST também são práticos, pois o fulvestranto 500 mg em 1ª linha de doença metastática se mostrou superior em sobrevida global ao anastrozol, com 54 meses versus 48 meses. Ainda que a prescrição de fulvestranto neste cenário no Brasil seja off-label, podemos considerar esta opção. Há alguns poucos anos tínhamos em mente uma sobrevida de 24 meses nesse grupo, e hoje estamos chegando a mais de 50 meses.


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Atuação multidisciplinar no tratamento do paciente oncológico No Brasil, o Ministério da Saúde vem, desde 1998, aperfeiçoando os critérios para as condições estruturais, de funcionamento e de recursos humanos para a implementação dos Centros de Alta Complexidade em Oncologia, que oferecem serviços diagnósticos, cirúrgicos, quimioterápicos, radioterápicos e cuidados paliativos no âmbito do SUS Por Martha San Juan França

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S AVANÇOS NO DIAGNÓSTICO E NO TRATAMENTO

DO CÂNCER E A POSSIBILIDADE DE PROLONGAR

A VIDA DE PACIENTES COM MEDICAMENTOS, RAdiação e procedimentos cirúrgicos vieram consolidar um movimento que já ocorria em consultórios e hospitais desde a década de 1970 e desponta hoje como uma forte tendência na área de oncologia em todo o mundo. Trata-se do movimento que prevê o tratamento multidisciplinar, com a participação de vários outros profissionais da saúde além de médicos, com o objetivo não apenas de curar o doente, mas sobretudo proporcionar melhor qualidade de vida, menor taxa de recidiva e adaptação às sequelas da doença. Em última análise, esse tipo de tratamento, que envolve principalmente reabilitação, contribui para que o paciente retorne à vida social e ao mercado de trabalho, deixando de onerar o Sistema Único de Saúde (SUS) e os planos de saúde com internações repetidas e necessidade crônica de tratamento. No Brasil, o Ministério da Saúde vem, desde 1998, aperfeiçoando os critérios para as condições estruturais, de funcionamento e de recursos humanos para a implementação dos Centros de Alta Complexidade em Oncologia, que oferecem servi-

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Outra iniciativa na mesma direção, ainda incipiente no Brasil, são as clínicas particulares multidisciplinares de oncologia, nas quais o paciente é atendido, às vezes na mesma consulta, por diferentes especialistas, que vão obter informações sobre as várias dimensões do seu problema

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ços diagnósticos, cirúrgicos, quimioterápicos, radioterápicos e cuidados paliativos no âmbito do SUS. A portaria 140 da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), de 27 de fevereiro de 2014, que redefine os critérios para os estabelecimentos de saúde serem habilitados para esse fim, reitera que esses centros devem ter equipe multiprofissional e multidisciplinar em áreas como psicologia, serviço social, nutrição, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, odontologia, cuidados de ostomizados e terapia renal substitutiva. Alguns serviços, como fonoaudiologia e odontologia, poderão ser oferecidos em unidades instaladas fora da estrutura dos estabelecimentos de saúde habilitados pelo SUS, dependendo da especialidade. Na prática, significa que o paciente em tratamento de câncer acometido por uma estomatite, uma alteração funcional ou uma deficiência nutricional será tratado no próprio centro oncológico por um profissional especializado que integra a equipe multidisciplinar responsável por ele. “É o reconhecimento da enorme complexidade no tratamento de alguns pacientes de oncologia e de que eles não podem ser atendidos sem essa retaguarda“, afirma Teresa Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica e oncologista da Santa Casa de Misericórdia em Itabuna (BA). Ela cita também como fator de grande importância, no caso da oncologia pediátrica, a existência de casas de apoio dos pacientes e seus familiares, essenciais em um país onde a estrutura de atendimento se concentra em poucos municípios e as distâncias impossibilitam as idas e vindas no caso de longos períodos de tratamento. Outra iniciativa na mesma direção, ainda incipiente no Brasil, são as clínicas particulares multidisciplinares de oncologia, nas quais o paciente é atendido, às vezes na mesma consulta, por diferentes especialistas, que vão obter informações sobre as várias dimensões do seu problema. “Todos os pacientes que iniciam tratamento clínico no Grupo Acreditar são orientados a passar pelo programa de cuidados com base em suas necessidades e diferentes modos de viver”, explica o enfermeiro Edivaldo Bazilio, diretor assistencial dessa organização de saúde de Brasília. “Hoje, com tantas informações e particularidades no atendimento, é quase impossível um só profissional cuidar dos pacientes”, com-

plementa. “O fator humano é fundamental não só para o doente como para seus familiares, que também fazem parte do processo de enfrentamento do câncer.” “Esse conceito de tratamento integral representa uma mudança de paradigma”, confirma Vicente Odone Filho, coordenador clínico do Itaci – Instituto de Tratamento do Câncer Infantil, hospital ligado ao Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. “Antes se pensava em uma vitória contra a doença simplesmente porque se conseguia manter o paciente vivo – não importando as sequelas e os problemas resultantes. Hoje se avalia que não basta salvar a vida a qualquer preço, é preciso viver com qualidade. Odoni Filho cita como exemplo o câncer de mama, o mais comum entre as mulheres. Além de todas as mudanças que o tratamento acarreta na vida da doente e de seus familiares, o tumor ainda pode interferir na sua autoestima, devido à mutilação ou quando os cabelos caem (alopécia) durante o tratamento quimioterápico, podendo causar depressão e perda de libido. A mulher exerce um papel fundamental no núcleo familiar e no trabalho e, quando fica doente, todas as suas atividades ficam desestruturadas. Por isso, oferecer um tratamento multidisciplinar, que abrange não apenas a parte biológica mas a psicossocial, é um dos grandes avanços na luta contra esse tipo de tumor. A demanda crescente por profissionais com visão abrangente norteou a formação de residências multidisciplinares nos centros de excelência, cujo objetivo é especializar enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos e outros profissionais para atuar na assistência integrada ao paciente oncológico. A formação nesse tipo de residência, englobando promoção de hábitos saudáveis, prevenção de agravos, rastreamento, detecção precoce, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos, pressupõe o trabalho em equipe como fundamental para a saúde do paciente. “É uma mudança de cultura muito grande”, observa Fátima Besinger, fisioterapeuta e supervisora-chefe do Serviço de Integração Humana e Reabilitação do Instituto Nacional de Câncer (Inca). “A área de saúde foi construída no modelo biomédico hegemônico e hoje passamos por uma fase de transição, em que muitos médicos já apren-


deram a trabalhar em equipe e outros ainda apresentam alguma resistência. Nesse ponto a residência tem sido um marco, porque consegue mostrar a diferença positiva do trabalho interdisciplinar.”

Reabilitação funcional Um dos principais objetivos do tratamento multidisciplinar é preservar, manter, desenvolver e restaurar a integridade cinético-funcional de órgãos e sistemas do paciente, assim como prevenir os problemas resultantes da doença e de seu tratamento, seja realizado através de quimioterapia, radioterapia ou cirurgia. A atuação fisioterapêutica, por exemplo, uma das mais requisitadas, é indicada para pacientes com os mais variados tipos de câncer, como mama, sistemas neurológico e musculoesquelético, linfomas e tumores de cabeça e pescoço. “Nossos procedimentos começam antes do tratamento, imediatamente após o diagnóstico, com o objetivo de conhecer as principais alterações preexistentes, identificar os fatores de risco para complicações e preparar o paciente para possíveis sequelas ou complicações”, afirma Almir José Sarri, coordenador do Departamento de Fisioterapia Oncológica do Hospital de Câncer de Barretos (SP). A fisioterapia oncológica tem uma enorme gama de atuação, desde resgatar a mobilidade dos músculos até promover a adaptação de pacientes amputados à prótese, passando pela prevenção de pneumonia e infecção respiratória, principalmente nos portadores de câncer de pulmão. O procedimento também ajuda o difícil processo de adaptação de pessoas ostomizadas, que fazem uso de sondas ou outros dispositivos na região abdominal para a administração de alimentos e medicamentos no sistema gastrintestinal. E as que precisam se submeter à terapia renal substitutiva e se beneficiam de uma melhora da capacidade funcional e da fução cardíaca. Complicações resultantes da cirurgia de extirpação do câncer de mama, como dor, limitação de movimento e perda de sensibilidade, são comuns, e os exercícios são muito importantes para prevenir aderência da cicatriz, que pode limitar a amplitude do movimento do braço, e perda de massa muscular. “Alguns pacientes podem apresentar alterações estéticas, como paralisia facial, edema e cicatrizes, e o objetivo principal da fisioterapia é restabelecer as funções e minimizar essas alterações quando

possível”, explica Celena Freire Friedrich, diretora de fisioterapia do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo. No caso de tumores de mama e cólon, os estudos comprovam que esses exercícios, além de colaborarem no tratamento, diminuem o risco de recidiva. Trabalho publicado no Journal of Clinical Oncology de 2010 comprova que até mesmo no câncer de próstata 15 minutos diários de exercícios programados foram suficientes para reduzir a taxa de mortalidade em pacientes com a doença. Estudos recentes comprovam também que pacientes submetidos à reabilitação apresentam melhora significativa na sensação de fadiga, um dos sintomas mais comuns em pacientes que realizam tratamento com quimioterapia e radioterapia, em razão da melhora da força muscular. A atuação em conjunto da fisioterapia e da fonoaudiologia, esta última uma especialidade ainda nova no tratamento do câncer, é essencial em casos de neoplasias que envolvem a região da cabeça e pescoço e que podem trazer uma série de complicações na voz e na deglutição, e até na audição, em indivíduos submetidos à quimioterapia. O tratamento fonoaudiológico também é indicado para os pacientes de câncer neurológico e de pulmão, além de pessoas traqueostomizadas. Dependendo do local e da extensão do tumor, o paciente pode ter acúmulo de secreções, disfagia, aspiração (quando

A fisioterapia oncológica tem uma enorme gama de atuação, desde resgatar a mobilidade dos músculos até promover a adaptação de pacientes amputados à prótese, passando pela prevenção de pneumonia e infecção respiratória, principalmente nos portadores de câncer de pulmão

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Neoplasias de cabeça e pescoço podem causar dor e disfunção mandibular. É importante, portanto, iniciar o acompanhamento antes do tratamento oncológico, diagnosticando as condições bucais, eliminando processos inflamatórios e infecciosos e orientando sobre os cuidados de higiene

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o alimento vai para o pulmão), redução de paladar, mudanças na quantidade de saliva e mastigação. Em um estudo premiado sobre o tema, a equipe de Elisabeth Carrara de Angelis, diretora de Fonoaudiologia do Hospital A.C. Camargo, demonstrou que a identificação e o tratamento antes da terapia dos fatores de risco (fumo, álcool, alterações pulmonares), associados à disfagia (dificuldade de engolir), podem otimizar os resultados funcionais após a cirurgia. As sequelas na fala e consequentemente na comunicação agravam o quadro de depressão, muito comum nos pacientes de câncer. Faz parte do trabalho interdisciplinar devolver a autoestima e ajudar na recuperação desses pacientes por várias formas. Uma delas, criada em 2011 no Serviço de Fonaudiologia do A.C. Camargo, coordenado por Elisabeth, é o programa Sua Voz, composto por pacientes que, após o diagnóstico de câncer de laringe avançado, retiraram esse órgão – e consequentemente as pregas vocais – por meio de cirurgia. Os integrantes fazem uso de voz esofágica, prótese, laringe eletrônica, ou conseguem articular sons. Experiência semelhante começou há mais de dez anos no Hospital do Câncer de Barretos, onde foi criado o Papo Furado, coral de pacientes na mesma situação. “O mais importante nesse grupo é a possibilidade de integração, de receber ajuda para se comunicar com outras pessoas que passam pelas mesmas experiências”, explica Giselle Giroldo, fonoaudióloga responsável pelo trabalho em Barretos. Ela lembra que essa possibilidade tem um valor significativo para quem enfrenta uma barreira tão grande para se fazer entender. Sem contar que a música ajuda a resgatar sensibilidades e até a devolver um pouco das expressões faciais dos pacientes. O serviço de fonoaudiologia também é essencial para o resgate da fala em crianças pequenas atendidas nos hospitais de oncologia pediátrica, cujo processo de tratamento demanda tempo, é invasivo, doloroso e causa diversos efeitos colaterais. “O trabalho multidisciplinar envolve os efeitos na parte respiratória, na nutrição e na fala, além do atraso no desenvolvimento da linguagem em crianças que precisam passar por longos períodos de internação, nos quais ficam privadas do contato com outras crianças”, afirma Michele Miranda Pereira, fonoaudióloga do Itaci. Muitas vezes, segundo a es-

pecialista, o tratamento quimioterápico e a falta de alimentação sólida prejudicam a sensibilidade da cavidade oral e provocam alterações de deglutição, sendo necessário reeducar o paciente sobre como mastigar e engolir sem causar risco à saúde. O comprometimento da boca e os efeitos colaterais resultantes do tratamento químio e radioterápico devem ser acompanhados de perto pelo dentista. “Todo tratamento que envolve terapias com imunossupressão precisa prever o aparecimento de processos infecciosos locais ou sistêmicos e deficiências das funções bucais”, afirma o estomatologista Fábio de Abreu, do A.C. Camargo. Por serem tratamentos agressivos, químio e radioterapia causam inúmeros comprometimentos, como mucosite, xerostomia, sangramentos gengivais espontâneos, trismo (incapacidade de abrir a boca), candidose. Além disso, neoplasias de cabeça e pescoço, ao invadir as estruturas adjacentes, como a ATM e os músculos da mastigação, podem causar dor e disfunção mandibular. É importante, portanto, iniciar o acompanhamento antes do tratamento oncológico, diagnosticando as condições bucais, eliminando processos inflamatórios e infecciosos e orientando sobre os cuidados de higiene.

Enfoque individualizado O perfil nutricional do doente na hora da internação é essencial para permitir que se estabeleçam o melhor momento e a forma mais apropriada de intervenção. De acordo com o Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar (Ibanutri), a desnutrição calórica e proteica em pacientes internados com câncer no Brasil chega a 66,4%, índice bem mais alto do que de pacientes internados por outras doenças (50%). A consequência é um prognóstico pior, mais efeitos colaterais na quimioterapia, aumento de fadiga e menor qualidade de vida. “A nutrição adequada é fundamental antes, no meio e no final do tratamento”, afirma a especialista Georgia Bentes, do Centro de Oncologia Rede D’Or. De acordo com a nutricionista, o cuidado com os alimentos, além de aumentar a imunidade e favorecer a cicatrização, permite vencer os efeitos colaterais e enfrentar a administração de medicamentos por vezes agressivos e que podem causar náusea, anorexia, mucosite, prisão de ventre e diarreia.


cálculo é conferido pelo farmacêutico. “A interdisciplinaridade envolve tudo isso – não basta simplesmente constatar que um indivíduo tem determinada neoplasia”, afirma o oncologista Ademar Lopes, vice-presidente do A.C. Camargo. “O diagnóstico implica em informações mais refinadas do exame anatomopatológico, que nos fornece dados sobre subtipos de tumor, e as prescrições levam em conta o estado do paciente. É muito diferente do passado, quando o tratamento era padrão.”

Apoio psicológico

A detecção precoce de alterações nutricionais dá o alerta para possíveis ocorrências de alterações morfológicas e funcionais dos órgãos do aparelho digestivo e até dos pulmões. Ganha tempo de internação e evita complicações pós-operatórias. “Hoje não há mais aquela percepção de que comida de hospital não tem gosto”, enfatiza a nutricionista Vanessa Oliveira, do Itaci. “A dieta é balanceada, voltada para as necessidades do paciente, mas está longe de ser insípida. A orientação, inclusive, é permitir que o indivíduo com câncer tenha opções, cardápios e preparações diferentes, porque sabemos como é difícil conseguir que ele tenha prazer em se alimentar.” O princípio é: quanto melhor o estado geral do paciente, mais efetivo o tratamento. Dentro dessa filosofia, é fundamental alinhar a comunicação entre todos os profissionais engajados. Para isso, as instituições de saúde que adotam essa linha de atuação recorrem a reuniões periódicas de grupos formados para discutir cada tipo de tumor e conversar sobre os casos em andamento. “Temos o compromisso de atender uma população grande e precisamos otimizar os recursos para que o tratamento seja o melhor possível”, afirma Maria Del Pilar Estevez Diz, coordenadora da oncologia clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), hospital fundado em 2008 já com essa filosofia de trabalho. Maria Del Pilar chama atenção para o papel estratégico da enfermagem no suporte ao paciente e aos familiares e no gerenciamento de todas as fases do tratamento, desde a primeira consulta até a alta: “Um exemplo é o Serviço Alô, Enfermeiro, que esclarece dúvidas por telefone, consultando o prontuário e o médico, quando necessário, com o objetivo de garantir a continuidade do tratamento, mesmo depois que o paciente está fora do hospital”, afirma. Outro profissional igualmente importante é o farmacêutico, cujo papel vai além do preparo do medicamento neoplásico. Na era da medicina individualizada, ele também acompanha o resultado do tratamento, as condições clínicas do paciente e as interações medicamentosas. Há situações em que os quimioterápicos são prescritos por superfície corporal, levando em conta peso e altura do paciente, e o

Receber o diagnóstico de câncer abala a vida da pessoa e repercute em diferentes esferas de suas atividades. Ganha importância, portanto, no contexto da oncologia multidisciplinar e humanizada, o apoio de profissionais mais voltados para a parte emocional do doente e seus familiares. “A gente não foca a doença, mas o ser humano por trás da doença”, conta a coordenadora da Psicologia do Hospital de Câncer de Barretos, Mariana Paschoal. “Atendemos pacientes graves que não têm possibilidade de cura, outros que passam por terríveis mutilações, pessoas que têm de abandonar sua vida anterior e ficar no hospital, pessoas com problemas familiares.” Os serviços do oncopsicologia dos grandes hospitais oferecem grupos de apoio para pacientes de determinados tipos de tumor, como mama, próstata, cabeça e pescoço, além daqueles que se submeteram a transplante de medula, fizeram traqueostomia, tiveram que colocar bolsas de colostomia. “São grupos em que as pessoas manifestam suas dúvidas, recebem informações e orientação sobre a melhor maneira de conviver com essas sequelas”, lembra Maria Tereza Lourenço, psiquiatra do A.C. Camargo. “Esses grupos contam com o apoio de diversas áreas e ajudam o paciente a entender melhor o processo pelo qual estão passando.” Em muitos hospitais, são realizadas palestras específicas e abertas também aos familiares dos pacientes, acompanhantes e até dos departamentos de recursos humanos de empresas. No Instituto de Oncologia do Vale (IOV), no Vale do Paraíba (SP), além de Oficinas de Qualidade de Vida, o grupo interdisciplinar promove ações educacionais e preventivas sobre a doença. “A visão múlti durante o tratamento já é uma realidade. Nosso objetivo é ir além e auxiliar na prevenção através da informação, divulgando programas sobre nutrição, qualidade de vida, combate ao tabagismo e derrubando mitos sobre o câncer”, conta a oncologista Cristiane Bittencourt, coordenadora da equipe multiprofissional do IOV. O serviço psicossocial dos grandes hospitais conta com o apoio das assistentes sociais, que ajudam os pacientes a reorganizar o trabalho e informam sobre os recursos de que eles dispõem ao receber o diagnóstico da doença. “Há muitas questões práticas sobre o câncer que devem ser enfrentadas, e ajudamos a viabilizar a vida dos pacientes e de seus familiares para que eles possam se concentrar no tratamento”, conta Rita Mara da Cruz Monteiro, do Serviço Social do Itaci, hospital que atende crianças e, portanto, tem uma grande demanda das famílias

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Recém-introduzida na Oncologia D'Or, a yoga pretende estimular os pacientes que se interessarem por essa atividade a reagir aos sintomas da doença e buscar um equilíbrio físico, mental e espiritual

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de doentes sobre direitos e deveres. “Fazemos o primeiro contato com a família, registramos a renda per capita, condições de habitação, escolaridade e dispomos essas informações para toda a equipe.” Por se tratar de um hospital público, que atende pacientes do SUS, o Itaci também recebe crianças de municípios e estados distantes de São Paulo, onde se localiza, e precisa viabilizar recursos de transporte e moradia para quem precisa. Crianças submetidas a tratamento oncológico têm uma demanda adicional, porque costumam enfrentar longos períodos de internação. Entra em cena a terapia ocupacional, destinada a trabalhar com as crianças em atividades possíveis dentro do hospital e fazer com que os jovens pacientes entendam melhor a situação pela qual estão passando. “Desde o ambulatório, já planejamos o atendimento visando o desenvolvimento neuropsicomotor e a manutenção de atividades como escovar os dentes, comer e brincar, dentro do ambiente hospitalar, inclusive em pacientes com imunidade baixa”, conta Paula Bullara, terapeuta ocupacional do Itaci. O hospital também providencia escola para que as crianças não percam o ano letivo e não se atrasem em relação a turmas de sua idade.

Enfoque complementar ao tratamento convencional, com o intuito de reduzir a ansiedade e ajudar no controle dos sintomas e na promoção da saúde, muitos pacientes recorrem a práticas alternativas, como meditação, acupuntura e yoga. São técnicas que podem ajudar, desde que integradas aos cuidados médicos. Recém-introduzida na Oncologia D’Or, a yoga pretende estimular os pacientes que se interessarem por essa atividade a reagir aos sintomas da doença e buscar um equilíbrio físico, mental e espiritual. Pesquisas feitas nos Estados Unidos – onde essa prática, bem como a meditação, já é mais difundida – demonstram que a yoga, além de reduzir os níveis de cortisol, melhora o funcionamento do corpo e a capacidade de executar tarefas cotidianas, normalmente difíceis por causa da doença. “Yoga é muito mais do que as contorções que as pessoas fazem. A parte mais profunda é a mudança do estilo de vida, da mente das pessoas, ligada ao autocuidado”, afirma o introdutor da técnica na Oncologia D’Or, Thiago Leão. “A ideia desse movimento não é excluir a medicina convencional, mas promover o bem-estar e mostrar como a pessoa pode contribuir para a cura da própria doença.”


oncogenética

Síndromes de predisposição hereditária ao câncer

N

A MAIORIA DOS CASOS, O CÂNCER SE DESEN-

Divulgação

VOLVE EM UM INDIVÍDUO COMO CONSEQUÊN-

Ana Carolina Leite * Oncologista clinica e oncogeneticista no Fujiday Centro de Oncologia e Hematologia

Contato: ana.carolina.leite@hotmail.com

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CIA DA EXPOSIÇÃO A FATORES DITOS CARCInogênicos, como o tabaco e os raios ultravioleta. No entanto, em 5% a 10% dos diagnósticos de câncer, a causa da doença está em uma alteração genética herdada, que atravessa as gerações da família materna ou paterna. Neste último cenário, estamos diante das denominadas síndromes de predisposição hereditária ao câncer (SPHC). São mais de 100 SPHC descritas; cada uma delas acontece por alteração em genes específicos e se correlaciona a um risco maior de tipos específicos de tumores malignos. A síndrome de câncer de mama e ovário hereditários, por exemplo, está relacionada a mutações nos genes BRCA1 e BRCA2. Essa condição confere, segundo os dados do National Comprehensive Cancer Network (NCCN), um risco vital de câncer de mama de até 84% e de câncer de ovário de até 62%, além de um risco aumentado de câncer de próstata, pâncreas e melanoma. A síndrome de Lynch, também denominada câncer colorretal hereditário não polipoide (HNPCC), por sua vez, está relacionada a mutações nos genes de reparo ao DNA (MLH1, MSH2, MSH6, PMS2) e eleva o risco de câncer de cólon de 5,5% (risco da população geral) para até 82%; de câncer de endométrio de 2,7% (risco da população geral) para até 60%; assim como também eleva os riscos de câncer de estômago, ovário, trato hepatobiliar e urinário. Outra síndrome hereditária de câncer é a síndrome de Li-Fraumeni, relacionada a mutações no gene TP53. Essa síndrome tem uma prevalência elevada especialmente na população brasileira. Um estudo realizado no Sudeste do país revelou uma prevalência de mutações germinativas no gene

TP53 em 0,3% da população (Mai et al. 2012). Portadores dessa síndrome têm risco de 90% de desenvolvimento de câncer ao longo da vida, principalmente sarcomas, carcinoma de córtex adrenal, leucemias e tumores de sistema nervoso central, além de câncer de mama na pré-menopausa. Apesar de algumas das SPHC serem conhecidas há muitos anos – a síndrome de Li-Fraumeni, por exemplo, foi descrita inicialmente em 1969 –, apenas recentemente o assunto ganhou mais notoriedade entre médicos e pacientes. Esse fenômeno se relaciona, em grande parte, ao rápido desenvolvimento da tecnologia genômica. O sequenciamento concomitante de múltiplos genes (next generation sequencing) acelerou a abordagem diagnóstica, reduziu os custos e ampliou o espectro de genes avaliados em casos suspeitos de síndromes familiais de câncer. Paralelamente a esse avanço, o número de pacientes submetidos a investigação também aumentou. O artigo intitulado “My medical choice”, escrito pela atriz Angelina Jolie e publicado no jornal The New York Times em 14 de maio de 2013, levou a oncogenética aos destaques da mídia e despertou nos pacientes oncológicos e em suas famílias o interesse em dimensionar seu risco hereditário de câncer. Um exemplo disso é o estudo apresentado em 2014 no Breast Cancer Symposium em San Francisco, evidenciando que o dobro de mulheres foi testado para mutações em BRCA1 e BRCA2 numa clínica norte-americana nos primeiros seis meses que se seguiram à publicação da atriz (Jacques Raphael, MD, Sunnybrook Odette Cancer Center de Toronto). No Brasil, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determinou a cobertura obrigatória de testes genéticos para diagnóstico molecular de síndromes como Lynch e de câncer


de mama e ovário hereditários a partir de janeiro de 2014. O resultado da combinação de melhor acesso aos melhores métodos diagnósticos é um número previsivelmente crescente de diagnósticos das diversas síndromes hereditárias de câncer. O diagnóstico dessas condições é de grande importância para o paciente e seus familiares, e deve ser feito com muito critério por geneticistas ou oncologistas clínicos treinados para essa função. Um conjunto cada vez mais robusto de dados na literatura demonstra o benefício do aconselhamento genético e de um rastreamento diferenciado para os pacientes portadores de SPHC. O aconselhamento genético é um processo que se inicia com a identificação do indivíduo de risco: pacientes com idade precoce ao diagnóstico, portadores de mais de um tumor primário ou de tumores bilaterais, pacientes com múltiplos casos na família de um mesmo tumor ou de tumores relacionados ou acometimento de múltiplas gerações. Indivíduos com esses critérios devem ser avaliados por uma equipe multidisciplinar que inclui oncologista clínico e cirurgião oncológico, oncogeneticista, suporte de laboratório de patologia e biologia molecular, além de suporte psicológico para gerenciar o impacto psicossocial da informação genética. A avaliação oncogenética tem como ponto central uma detalhada história pessoal e familiar e segue uma rotina normatizada pela Sociedade Americana de Aconselhamento Genético (Riley et al., 2012). São coletadas informações acerca da naturalidade, consanguinidade, etnia, exposições ambientais, além da ocorrência de tumores benignos e malignos nos familiares de até terceiro grau e no paciente-índice. O heredograma é então construído, incluindo informações sobre todos os familiares, afetados com câncer ou não, grau de parentesco para com o caso-índice, tipo de tumor e idade ao diagnóstico. É recomendável que os tumores referidos, benignos ou malignos, sejam comprovados a partir de laudos histopatológicos, relatório médico ou atestado de óbito, para possibilitar um diagnóstico mais acurado. Após o levantamento desses dados, são elaboradas hipóteses clínicas e definidos os testes moleculares necessários para confirmação diagnóstica. Os testes genéticos são realizados em amostras de saliva ou sangue periférico de pacientes que assinarem o termo de consentimento informado. O resultado demora em média de quatro a seis semanas.

Com o resultado do teste genético, o paciente retorna para o aconselhamento genético pós-teste. Nessa ocasião, é desenvolvido um plano individualizado de rastreamento, prevenção e redução de risco de câncer no paciente e em seus familiares. Como exemplo, pacientes com síndrome de câncer de mama e ovário hereditários (relacionada a mutações nos genes BRCA 1 ou BRCA 2) têm sua conduta direcionada para os tumores malignos de mama, ovário, próstata, pâncreas e melanoma. Devem ser submetidos a autoexame e exame clínico das mamas semestralmente, mamografia e ressonância das mamas periodicamente. Além disso, a esses pacientes devem ser oferecidas como opções a mastectomia bilateral redutora de risco, a salpingo-ooforectomia bilateral ou a quimioprofilaxia. A identificação de uma síndrome hereditária também pode ter impacto nas decisões terapêuticas dos pacientes com câncer. Por exemplo, pacientes com síndrome de Li-Fraumeni devem ter o tratamento local preferencialmente baseado em cirurgia e não em radioterapia, pelo risco de segundas neoplasias induzidas por radiação. O diagnóstico de uma SPHC também tem implicações no planejamento familiar dos pacientes. As opções reprodutivas devem ser discutidas cuidadosamente em consulta médica. Outro aspecto importante na abordagem das SPHC é o recrutamento de familiares, mesmo assintomáticos, a quem deve ser oferecido o aconselhamento genético em todas as suas etapas. Pelo exposto, o diagnóstico das SPHC tem múltiplos efeitos para o paciente e para seus familiares, principalmente na prevenção/diagnóstico precoce de tumores malignos, mas também no manejo de tumores e no planejamento de descendentes. A capacidade de reconhecer o perfil de famílias com SPHC é pedra angular na oncogenética, pois ali se inicia toda a dinâmica do aconselhamento genético. A difusão do conhecimento nessa área permite que indivíduos identificados sob risco (por eles mesmos ou por profissionais de outras áreas) sejam direcionados para avaliação. Pela complexidade progressiva na formação de hipóteses diagnósticas, na interpretação dos testes genéticos e no aconselhamento pós-teste, é altamente recomendável que a avaliação oncogenética seja realizada por especialistas. Apenas assim alcançará todo o seu potencial benefício na população.

Referências bibliográficas: 1. Riley BD, Culver JO, Skrzynia C et al. Essential Elements of Genetic Cancer Risk Assessment, Counseling, and Testing: Updated Recommendations of the National Society of Genetic Counselors Genet Counsel (2012) 21:151–161. 2. Mai PL, Malkin D, Garber JE, et al. Li-Fraumeni syndrome: report o a clinical research workshop and creation of a research consortium. Cancer Genet. 2012; 205(10):479-87. 3. Instituto Nacional de Câncer (Inca). Estatísticas do Câncer: Vigilância do Câncer e de Fatores de Risco. Disponível em http://www1.inca.gov.br/vigilancia. 4. National Comprehensive Cancer network (NCCN) Guidelines v.2014. Genetic/Familial High-Risk Assessment: Breast and Ovarian. Disponível em http://www.nccn.org/professionals/physician_gls/f_guidelines.asp#genetics_screening

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diagnóstico

Imuno-histoquímica em patologia cirúrgica: quando e por quê

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ESTUDO IMUNO-HISTOQUÍMICO CONSISTE EM

UM MÉTODO DE DETECÇÃO DE ANTÍGENOS OU

Arquivo pessoal

PROTEÍNAS EM TECIDOS OU CÉLULAS BASEADO

Alessandra F. Nascimento Diretora da Anatomia Patológica e Citopatologia do Hospital Quinta D´Or

Contato: alessandra.nascimento@ oncologiador.com.br

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na identificação desses antígenos ou proteínas por um anticorpo e visualização dessa reação utilizando-se microscopia óptica. Esses antígenos ou proteínas podem ser intrínsecos à célula de origem da neoplasia ou produto de superexpressão de oncogênese e, portanto, aberrantemente expressos em células neoplásicas. Esse método começou a ser usado na área da patologia cirúrgica no início dos anos 90 e, na atualidade, seu uso é bastante difundido, tendo diversas aplicações. Entre elas se destacam: (1) diagnóstico e classificação de tumores, (2) diferenciação entre carcinoma “in situ” e invasivo, (3) determinação de sítio primário em casos de câncer metastático, (4) análise de fatores preditivos terapêuticos em determinadas neoplasias, (5) determinação de fatores prognósticos, (6) identificação de material extracelular e (7) identificação de agentes infecciosos. Os anticorpos utilizados para a confecção das reações de imuno-histoquímica devem passar por rigorosa avaliação quanto a especificidade e sensibilidade, diluição, validade, padrão de coloração (membranosa, citoplasmática, nuclear), intensidade e extensão de coloração. Diversos fatores pré-analíticos e analíticos podem interferir na expressão desses anticorpos: tipo de substância fixadora usada no material cirúrgico, tempo de fixação, uso de substância descalcificante, temperatura da estufa usada no processamento histológico, recuperação gênica, tipo de anticorpo utilizado (monoclonal ou policlonal), tempo e temperatura de incubação etc. A gama de anticorpos disponíveis no mercado para o uso clínico é vasta, porém, isoladamente e/ou usados indiscriminadamente ou fora do contexto clínico-patológico, esses anticorpos são de

pouca valia. A Tabela 1 exemplifica alguns marcadores imuno-histoquímicos mais comumente usados na prática clínica e sua utilidade. Por isso, o conjunto ou o painel de anticorpos a ser usado dependerá diretamente da hipótese diagnóstica inicial. Apesar de ser um teste laboratorial vital para a patologia cirúrgica, em particular para a patologia oncológica, o uso desse valioso armamento diagnóstico deve ser feito de maneira informada e criteriosa para evitar ou minimizar a produção de resultados falso-positivos ou falso-negativos e, consequentemente, potenciais diagnósticos errôneos. Aqui discutiremos as diversas utilizações do estudo imuno-histoquímico na patologia oncológica.

Diagnóstico e classificação de tumores O diagnóstico e a classificação de tumores devem ser baseados inicialmente na avaliação morfológica da neoplasia. A vasta maioria dos tumores pode ser corretamente classificada em grandes grupos de neoplasia quanto a sua histogênese utilizando-se a coloração convencional de hematoxilina e eosina (H&E): tumores epiteliais, mesenquimais, melanocíticos, tumores de células germinativas, mesoteliais, hematolinfóides, etc. Porém, certos marcadores, como antígeno leucocitário comum (LCA), citoqueratinas de amplo espectro (CK), proteína S100, CD34, calretinina, WT-1, entre outros, podem ser utilizados para corroboração dos achados histopatológicos, principalmente em casos de tumores morfologicamente pouco diferenciados (Figuras 1A e 1B). Simplisticamente, carcinomas (ou neoplasias epiteliais malignas) são positivas para CK de amplo espectro, enquanto neoplasias hematolinfoides expressam LCA, melanomas expressam proteína S100 e HMB-45, e mesoteliomas demonstram a presença de WT-1 e calretinina nas células neoplásicas compondo o tumor.


Adicionalmente, outros marcadores também podem ser utilizados para classificar tumores de forma mais específica permitindo terapia adequada, como CD20 e CD3 para determinar se linfomas não-Hodgkin são de linhagem B ou T, respectivamente, ou p63 para definir uma neoplasia como de diferenciação escamosa ou urotelial.

Diferenciação entre carcinoma “in situ” ou invasivo Uma das instâncias em que o uso da imuno-histoquímica se faz mais frequentemente necessário é na determinação de lesões neoplásticas “in situ” ou invasivas da mama, ou se pequenos focos de proliferação acinar na próstata são lesões pré-malignas ou carcinoma invasivo. A presença ou ausência de células mioepiteliais ou basais é crucial para essa diferenciação tanto na mama quanto na próstata: o carcinoma “in situ” é caracterizado pela presença de células mioepiteliais circundando o(s) foco(s) de glândulas neoplásicas, enquanto o carcinoma invasivo, por definição, não contém células mioepiteliais, indicando permeação da lâmina basal epitelial pelo tumor. Porém, essas células podem ser de difícil identificação à microscopia óptica, fazendo-se imprescindível o uso de colorações especiais, isto é, imuno-histoquímica. Células mioepiteliais são, de forma geral, positivas para marcadores como p63 (expressão nuclear), CK de alto peso molecular (expressão citoplasmática) e calponina (expressão citoplasmática). Frequentemente, esses marcadores devem ser usados em combinação para melhor definição da presença ou ausência de células mioepiteliais. Vale ressaltar que algumas condições benignas, como adenose microglandular da mama, não possuem células mioepiteliais, fazendo-se imprescindível a correlação dos resultados de imuno-histoquímica com a coloração de H&E.

Determinação de sítio primário em casos de câncer metastático De 5% a 15% dos pacientes chegam à atenção médica com o diagnóstico de “câncer de sítio primário desconhecido”. Por definição, nesses pacientes, o sítio primário da neoplasia não pode ser determinado apesar de criterioso exame clínico, radiológico ou bioquímico. Carcinomas e melanomas são as duas formas de neoplasia que mais frequentemente se apresentam como tumores metastáticos sem o diagnóstico inicial de sítio primário. Na maioria dos casos, a morfologia da neoplasia no sítio anatômico envolvido pela metástase, em conjunto com informações clínicas e achados radiológicos, é suficiente para determinar a origem do tumor. Porém, quando essas informações não estão disponíveis ou não colaboram para essa determinação, faz-se necessário o uso de estudo imunohistoquímico (Figuras 2A, 2B e 2C). Os marcadores que são mais comumente úteis nesses casos incluem proteína S-100, e citoqueratinas (CK) 7 e 20, que devem ser usadas em conjunto com outros marcadores sítio-específicos como TTF-1 (pulmão e tireoide), CDX-2 (trato gastrointestinal), PSA (próstata), napsina-A (pulmão), GCDFP-15 (mama), RCC (rim), entre outros (Tabela 1).

Anticorpo Calretinina

Tumores Mesotelioma epitelial, tumor adenomatoide, alguns carcinomas epidermoides de pulmão, tumor de células da granulosa, tumor de células de Leydig

CD30

Carcinoma embrionário, linfoma anaplásico de grandes células, linfoma de Hodgkin clássico

CD34

Leucemia aguda, angiossarcoma, sarcoma epitelioide, GIST, dermatofibrosarcoma prutuberans, tumor solitário fibroso

CDX-2

Carcinoma colônico, carcinoma de intestino delgado, carcinoma mucinoso de ovário, adenocarcinoma de bexiga, adenocarcinoma gástrico

Cromogranina A

Feocromocitoma, tumor carcinoide, carcinoma de células pequenas, neuroblastoma, tumor de Brenner, carcinoma de células de Merkel

Desmina EMA

Rabdomiossarcoma, leiomiossarcoma, PEComa Carcinomas, mesoteliomas, sinoviossarcoma, tumor adenomatoide, perineurioma, meningioma, plasmocitoma

HMB-45

Melanoma, sarcoma de células claras, PEComa

AE1/AE3

A maioria dos carcinomas, sinoviossarcoma, mesotelioma, tumor adenomatoide

CK7

Carcinomas de mama, tireoide, ovário, pulmão, mesotelioma, carcinoma adenoide cístico, carcinoma embrionário

CK20

Carcinoma de cólon, carcinoma pancreático, carcinoma mucinoso de ovário, carcinoma urotelial

Miogenina

Rabdomiossarcoma

Napsina A

Adenocarcinoma de pulmão, carcinoma de células renais

OCT 3/4

Seminoma, neoplasia intratubular de células germinativas, carcinoma embrionário

P63

Carcinoma escamoso, carcinoma urotelial, carcinoma adenoide cístico, carcinoma nasofaríngeo

PAX8

Carcinoma de tireoide, carcinoma seroso do trato genital feminino, nefroblastoma, carcinoma de células renais

PSA

Carcinoma prostático acinar usual

S100

Melanoma, sarcoma de células claras, schwannoma, cordoma, mioepitelioma

TTF-1

Carcinoma de tireoide, adenocarcinoma de pulmão, carcinoma de pequenas células, carcinoma hepatocelular

LCA CD117 (c-kit)

Linfoma não Hodgkin GIST, seminoma, melanoma, leucemia mieloide aguda

Análise de fatores preditivos terapêuticos Com o desenvolvimento constante de terapias-alvo para vários tipos tumorais, criou-se a necessidade de determinar a propensão desses tumores a responder a esses tratamentos, dessa forma otimizando a eficácia no uso desses medicamentos e evitando uma toxicidade desnecessária em alguns pacientes. O exemplo mais comumente encontrado no dia a dia clínico é a avaliação de receptores hormonais (receptores de estrogênio e progesterona) e HER2 em carcinoma de mama, que determinará o uso de ablação hormonal e/ou trastuzumabe (ou drogas análogas) no tratamento desse tumor. Em carcinoma de mama, a determinação da positividade do tumor para receptores Onco& abril/maio 2015

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Uma das instâncias em que o uso da imuno-histoquímica se faz mais frequentemente necessário é na determinação de lesões neoplásticas “in situ” ou invasivas da mama, ou se pequenos focos de proliferação acinar na próstata são lesões pré-malignas ou carcinoma invasivo

de estrogênio e progesterona, bem como a intensidade e a extensão de expressão desses marcadores, ditará a terapia e a chance de resposta do tumor aos tratamentos anti-hormonais. Analogamente, a expressão de HER2 por células tumorais indicará suscetibilidade do tumor ao tratamento com trastuzumabe ou drogas análogas. Todavia, tumores de mama que demonstram ausência de expressão de todos os três marcadores (chamados de “tumores triplo negativos”) geralmente têm pior prognóstico e provavelmente não responderão a essas drogas, fazendo-se necessário o uso de outros agentes quimioterápicos convencionais. Vale ressaltar que, por vezes, tumores que inicialmente expressam um ou mais marcadores, por mutações inerentes à neoplasia, podem vir a perder essa expressão, indicando a necessidade de se reavaliar o tratamento.

Determinação de fatores prognósticos Outra utilidade frequente do estudo imunohistoquímico é na determinação do prognóstico em alguns tipos tumorais. No sistema nervoso central, por exemplo, o grau de proliferação celular de gliomas correlaciona-se diretamente com o potencial de crescimento do tumor: tumores com índice proliferativo mais alto tendem a comportar-se de forma mais agressiva. Um dos marcadores de proliferação mais usados é o anticorpo para ki-67. Portanto, é indicado que gliomas sejam sempre co-

Referências bibliográficas: 1. Chu PG, Weiss LM. Keratin expression in human tissues and neoplasms. Histopathol 2002;40:403-439. 2. Hammond ME, Hayes DF, Dowsett M, et al. American Society of Clinical Oncology/College of American Pathologists guideline recommendations for immunohistochemical testing of estrogen and progesterone receptors in breast cancer. Arch Pathol Lab Med 2010;134:48-72. 3. Wolff AC, Hammond ME, Hicks DG, et al. Recommendations for human epidermal growth factors receptor 2 testing in breast cancer: American Society

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abril/maio 2015 Onco&

rados para esse marcador e o índice de proliferação calculado.

Identificação de material extracelular A identificação de material extracelular por imuno-histoquímica, em particular beta-amiloide e beta-2-microglobulina, pode auxiliar no diagnóstico de doenças neoplásicas e outras doenças como Alzheimer. Porém, a aplicação de imuno-histoquímica é bem mais limitada nesse cenário pelo fato de que esses materiais extracelulares também podem ser facilmente identificados combinando-se outras técnicas como colorações especiais e imunofluorescência.

Identificação de agentes infecciosos Agentes infecciosos como Epstein-Barr vírus (EBV), citomegalovírus (CMV), Herpes simplex, entre outros, também podem ser identificados com o auxílio de estudo imuno-histoquímico. Porém, a identificação desses agentes raramente se faz necessária para o diagnóstico final de neoplasias. Em conclusão, a imuno-histoquímica tem aplicação extensa na prática diária da patologia cirúrgica, em particular na oncologia, porém, é necessário controle técnico adequado bem como uso criterioso para evitar resultados equivocados. A escolha dos anticorpos ou painéis de anticorpos deve sempre ser guiada pelos achados morfológicos, bem como a história clínica.

of Clinical Oncology/College of American Pathologists clinical practice guideline update. Arch Pathol Lab Med 2014;138:241-256. 4. Corson JM. Pathology of mesothelioma. Thorc Surg Clin NA 2004;14:447-460. 5. Lester SC, ed. Manual of Surgical Pathology, 3rd ed. Philadelphia: Elsevier; 2010:73-106. 6. Dabbs DJ, ed. Diagnostic Immunohistochemistry. Philadelphia: Elsevier; 2010;1-41. 7. Taylor CR, Cote RJ, eds. Immunomicroscopy. A Diagnostic Tool for the Surgical Pathologist. 3rd ed. Philadelphia: Elsevier; 2006.


radioterapia

Benefícios da radioterapia estereotática corporal (SBRT)

A

RADIOTERAPIA ESTEREOTÁTICA CORPORAL (SBRT),

TAMBÉM CONHECIDA COMO RADIOTERAPIA ESTE-

Divulgação

REOTÁTICA ABLATIVA, REPRESENTA UMA OPÇÃO

Lilian Faroni *Serviço de Radioterapia do Centro de Oncologia D’Or

Divulgação

Contato: lifaroni@gmail.com

Aluísio Castro *Serviço de Radioterapia do Centro de Oncologia D’Or

Contato: aluisio.castro@rededor.com.br

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abril/maio 2015 Onco&

de tratamento local com radiação que vem ganhando destaque como opção de tratamento para muitas formas de tumores primários, doenças metastáticas e recorrentes. É uma técnica radioterápica de alta precisão guiada por imagens (Image Guided Radiotherapy – IGRT) que libera grandes doses de radiação em poucas frações (1 – 5), com mínima exposição dos tecidos sadios em comparação com os regimes tradicionais. O racional do uso dessa técnica é a obtenção de maior controle local do tumor primário através de dose biológica mais efetiva6.

Histórico A estereotaxia foi descrita inicialmente por Horsley e Clarke em 1906. Eles desenvolveram um método de localização usando um sistema de coordenadas tridimensional, baseado em limites craniais. Entretanto, foi o neurocirurgião Lars Leksell, em 1951, que associou a esterotaxia à radioterapia e desenvolveu hoje a técnica que conhecemos como radiocirurgia estereotática craniana. A radioterapia estereotática corporal foi primeiramente descrita em meados da década de 90 por Lax e Blomgren no Instituto Karolinska, na Suécia. Eles desenvolveram um sistema de imobilização (stereotactic body frame) que permitia simultaneamente a reprodutibilidade do posicionamento do paciente e o controle do seu movimento respiratório. Em 1995, Blomgren et al. publicaram o primeiro trabalho em SBRT usando esse sistema de imobilização. Eles trataram 42 tumores no pulmão e fígado em 31 pacientes. A taxa de controle local foi de 80%4,5.

A partir do ano 2000 começaram a ser implementados diferentes sistemas de imagem para guiar a entrega da dose e delimitar a movimentação dos tumores de pulmão e fígado durante o ciclo respiratório, melhorando assim a acurácia dessa técnica. Atualmente, vários estudos prospectivos de SBRT estão em andamento, incluindo multi-institucionais e de grupos colaborativos2.

Racional radiobiológico O racional radiobiológico para SBRT é o mesmo que para a radiocirurgia: alta dose por fração em um número pequeno de frações e um tempo total de tratamento mais curto resultam em maior efeito biológico3. A maioria dos conceitos e modelos de radiobiologia é derivada de estudos com o fracionamento convencional de dose (1,8-2Gy/dia), e a curva de sobrevida celular é descrita pelo modelo linear quadrático. Nele, pequenas frações de radiação resultam em um efeito tumoricida através da morte mitótica das células, permitindo o reparo de danos subletais dos tecidos normais ao mesmo tempo. No caso da alta dose ablativa por fração utilizada em SBRT, o modelo linear quadrático poderia superestimar a morte celular1. Dados emergentes sugerem que, além da ação citotóxica direta, um diferente mecanismo envolvendo dano microvascular começa a ter um efeito substancial na morte celular com dose/fração acima da convencional. Garcia-Barros et al. demonstraram que células de ratos com fibrossarcoma (MCA 120) e melanoma (B16) expostas a dose única de 15-20 Gy eram seguidas por uma rápida onda de apoptose 1-6h após a irradiação, e morte das células tumorais 2-3 dias depois. Eles observaram também que a


apoptose endotelial era mediada pela via da enzima esfingomielinase ácida, a qual está ausente em tecidos tratados com fracionamento convencional de radioterapia1,7. Outro mecanismo que vem sendo estudado em modelo animal é a erradicação do tumor primário ou metástases à distância mediadas pelas células T CD8+ – mecanismo imunomodulador1. Pesquisas adicionais são necessárias para entender melhor a curva de sobrevida celular com alta dose/fração e desenvolver melhores modelos preditivos de resultados em SBRT.

Racional clínico O atrativo da SBRT é que esse tipo de técnica consiste em um procedimento não invasivo, seguro, de curta duração e com resultados de controle local similares a outros tipos de tratamento ablativo. Esses aspectos têm feito da SBRT uma inovadora opção de tratamento, principalmente para pacientes que são considerados inoperáveis devido a comorbidades, para idosos ou aqueles se recusam a se submeter a um procedimento cirúrgico.

a principal causa de morte por câncer em ambos os sexos. O tipo histológico mais comum em ambos os sexos é o adenocarcinoma, ao contrário do ocorrido há 15 anos, quando o espinocelular era o tipo histológico predominante. O principal fator de risco é o tabagismo, estando envolvido na gênese de 90% de todos os casos de câncer de pulmão2. A SBRT é um tratamento seguro e efetivo para pacientes clinicamente inoperáveis em estádio inicial de CPNPC e também está se tornando uma opção viável para os candidatos cirúrgicos que preferem modalidades não invasivas de tratamento. Diversos trabalhos confirmam taxas de controle local e sobrevida livre de doença semelhantes às da cirurgia. A sobrevida global em todos os estudos é favorável à cirurgia. Esse fato se deve provavelmente ao imenso viés na seleção dos pacientes, já que os pacientes não operáveis que acabam sendo submetidos a SBRT têm intrinsicamente mais comorbidades clínicas e idade mais avançada10 que os pacientes operáveis. Os fracionamentos mais utilizados são 50Gy em cinco frações para lesões centrais, e 54Gy em três frações para lesões periféricas, com tempo total de tratamento entre cinco e dez dias.

Indicações A SBRT está sendo investigada como tratamento definitivo para uma seleção de tumores primários, sendo pulmão, fígado e coluna os sítios mais frequentemente indicados para essa técnica. Além dos tumores primários, a SBRT é uma opção de tratamento para pacientes com um número limitado de metástases (oligometástases). A maioria dos investigadores limita o seu critério de eligibilidade para tumores bem circunscritos com um máximo de 5 cm de diâmetro, embora alguns centros tenham reportado resultados para tumores com um diâmetro maior. Na Tabela 1 encontram-se as principais indicações, de acordo com as diretrizes da Associação Canadense de Radioterapia8. Tabela 1. Principais indicações de SBRT segundo as diretrizes da Associação Canadense de Radioterapia

CPNPC T1/T2N0M0 inoperável Pulmão

Metástases pulmonares (1-5 lesões) Tumores < 5 cm

Fígado

Carcinoma hepatocelular < 8 cm Metástases < 6 cm e/ou ≤ 5 lesões Metástases previamente irradiadas ou não*

Coluna

Tumor residual após cirurgia Lesões primárias da coluna

*Não mais que 3 vértebras consecutivas/ lesões bem circunscritas

SBRT em pulmão O câncer de pulmão não pequenas células (CPNPC) continua como

SBRT em fígado Estima-se que 35% dos pacientes mortos por qualquer tipo de neoplasia apresentem metástases hepáticas. Os tipos de câncer que mais causam metástases hepáticas são: pâncreas, colorretal, estômago, mama, esôfago, pulmão e tumores carcinoides2. Nos pacientes com câncer colorretal, até 23% deles já apresentam metástase única hepática ao diagnóstico. O tratamento principal de metástase hepática é cirúrgico, porém em muitas situações o paciente não possui condições clínicas para um procedimento invasivo, tornando a SBRT uma excelente opção terapêutica. Ao contrário da radioablação, indicada em lesões hepáticas de até 2 cm e distantes de vasos, a SBRT é segura para múltiplas lesões, de até 6 cm, e não há distância mínima para vasos. Estudos mostram taxas de controle local de 70% a 90% dependendo do tamanho do tumor, com sobrevida mediana de 24 meses, o que se compara a séries cirúrgicas e terapias ablativas5. Os carcinomas hepatocelulares são relacionados a alcoolismo e cirrose em mais de 50% dos casos. A SBRT vem sendo estudada nesses tumores, com taxas animadoras de resposta em 80% a 100% dos casos5. O fracionamento mais utilizado é 50Gy em cinco frações, com tempo total de dez dias.

SBRT em coluna Em relação à SBRT em coluna, grande parte dos estudos diz respeito a metástases. Baseado em uma análise conjunta da literatura, a taxa de controle local em pacientes não irradiados, pós-cirúrgicos e reirradiados é de 87%, 94% e 96%, respectivamente. Entretanto, a definição de controle local difere entre os estudos e, consequentemente, Onco& abril/maio 2015

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é difícil comparar os resultados. Além disso, a maioria apresenta seguimento curto, tipicamente inferior a 18 meses14. A grande vantagem da SBRT de coluna em relação ao tratamento convencional é o tempo de tratamento: um dia para SBRT versus dez para o convencional. O controle da dor é equivalente. As doses mais utilizadas são entre 14 e 20Gy em dose única.

Execução do tratamento A execução do tratamento pode ser realizada por um número de equipamentos disponíveis comercialmente. O equipamento mais comumente utilizado é o acelerador linear equipado com colimador multilâminas de no máximo 5 mm de largura. O Cyberknife é um tipo particular de acelerador linear montado em um braço mecânico robótico que permite que o feixe seja apontado ao paciente em qualquer direção. Em comum, todos os equipamentos devem ter um sistema de localização do paciente guiado por imagens. A Figura 1 mostra exemplos de equipamentos utilizados para execução de SBRT.

a)

Figura 2. TC de tórax pré-tratamento e pós-tratamento de SBRT, mostrando apenas cicatriz residual, após 18 meses de seguimento

b)

Figura 3: TC de tórax pré-tratamento e pós-tratamento de SBRT, mostrando ausência de doença após 29 meses de seguimento

c)

d)

Figura 1. Exemplos de soluções comerciais para tratamentos com SBRT: a) Elekta Versa HD, b) Varian TrueBeam, c) Brainlab Novalis TX, d) Cyberknife

Caso 3 – Paciente de 48 anos, masculino, CA de cólon operado em 2008, progrediu dois anos após com implante hepático, ressecado (maio/2010). Em dezembro/2013 apresentou nova lesão, de 3,2 cm no maior eixo, considerada irressecável. Realizou SBRT, 5 frações de 10Gy no Centro de Oncologia do Hospital Quinta D’Or. Teve resposta completa da lesão. Após 6 meses do tratamento, evoluiu com nova lesão, que também foi tratada com SBRT, na mesma dose. Atualmente encontra-se sem evidência de doença após 12 meses (Figura 4).

Casos clínicos Caso 1 – Paciente de 68 anos, masculino, com diagnóstico de neoplasia de pulmão, tipo adenocarcinoma, recusou tratamento cirúrgico. A lesão media 2,8 cm, estadiado como IA. PET-TC negativo para linfonodos mediastinais. Tratado com SBRT, 5 frações de 10Gy no Centro de Oncologia do Hospital Quinta D’Or. Até o momento sem evidência da doença (SED), com 18 meses de seguimento (Figura 2). Caso 2 – Paciente de 63 anos, feminino, com diagnóstico de neoplasia de pulmão, tipo adenocarcinoma, submetida a tratamento cirúrgico em 2003, seguido de radioterapia e quimioterapia. Permaneceu em controle até que TC de setembro/2012 mostrava lesão de 1,6 cm, PET-TC com SUV de 20 e negativo para linfonodos e implantes secundários. Tratado com SBRT, 5 frações de 10Gy no Centro de Oncologia do Hospital Quinta D’Or. Até o momento SED (29 meses de seguimento) (Figura 3).

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Figura 4: PET-TC pré-tratamento da primeira lesão, de 3,2 cm, e PET-TC após 6 meses mostrando resposta completa da primeira lesão, e aparecimento de nova lesão contralateral, que foi igualmente tratada


Perspectivas futuras Não há dúvida de que grandes avanços foram realizados em relação à SBRT. Entretanto, algumas questões deverão ser mais bem avaliadas nos próximos anos com o objetivo de aprimorar e consolidar o tratamento com essa técnica. Entre elas podemos citar a comparação de resultados com cirurgia ou outras técnicas ablativas, o uso de quimioterapia associada, a incorporação de métodos moleculares de imagem na identificação do tumor e resposta tumoral, assim como os resultados em longo prazo de tratamento em tumores de próstata, pâncreas e rim.

Considerações finais A radioterapia estereotática corporal (SBRT) proporciona um tratamento ablativo não invasivo para tumores iniciais e oligometástases, com dados na literatura mostrando índices de controle local semelhantes aos da cirurgia. Os principais recursos técnicos para a implementação dessa técnica incluem aceleradores lineares modernos com sistema de IGRT integrado, sofisticados sistemas de imobilização, avançados softwares de planejamento e equipe capacitada. Estudos prospectivos com longo seguimento e que comparem SBRT com outros tratamentos ablativos permitirão uma compreensão melhor do papel dessa técnica em diversos tipos de tumor.

Referências bibliográficas: 1. Lo SS, Fakiris AJ, Chang EL, Timmerman RD et al. Stereotactic body radiation therapy: a novel treatment modality. Nat. Ver. Clin. Oncol. (7):44-54, 2010. 2. ECRI Institute Evidence-based Practice Center. Effective Health Care Program. Stereotactic Body Radiation Therapy. Technical Brief Number 6. Disponível na internet: www.effectivehealthcare.ahrq.gov/reports/final.cfm. (08 out. 2013). 3. The report of AAPM Task Group 101. Stereotactic body radiation therapy. Med. Phys. 37(8):4078-4100, 2010. 4. Martin A, Gayay A. Stereotactic Body Radiotherapy: A Review. ClinicalOncology (22):157172, 2010. 5. The Canadian Association of Radiation Oncology. Scope of Practice Guidelines for Lung, Liver and Spine Stereotactic Body Radiotherapy. ClinicalOncology (24):629-639, 2012. 6. Tree AC, Khoo VS, Eeles RA, et al. Stereotactic Body Radiation Therapy forOligometastasis. Lancet Oncol 14:28-37, 2013. 7. International Atomic Energy Agency. Stereotactic Radiotherapy of Primary Lung Cancer and Other Targets. Int. J. RadiatOncol Biol. Phys. 79(3):660-669, 2011. 8. Lagerwaard FJ, van Sornsen de Koste JR,Nijssen-Visser MR, et al. Multiple ‘slow’ CT scans for incorporating lung tumor mobility in radiotherapy planning Int. J. Radiat. Oncol., Biol., Phys. 51, 932–937, 2001. 9. Papiez L, Timmerman R, DesRosiers C, et al. Extracranial stereotactic radioablation: Physical principles.ActaOncol. 42, 882–894, 2003. 10. Jaffray DA. Emergent technologies for 3-dimensional image-guided radiation delivery.Semin. Radiat. Oncol. 15, 208–216, 2005. 11. Pouliot J, Bani-Hashemi A, Chen J, et al. Low-dose megavoltage cone-beam CT for radiation therapy. Int. J. Radiat. Oncol., Biol., Phys. 61, 552–560, 2005. 12. Jaffray A,Siewerdsen JH, Wong JW, et al. Flatpanel cone-beam computed tomography for image-guided radiation therapy. Int. J. Radiat. Oncol., Biol., Phys. 53, 1337–1349, 2002. 13. Alongi F, Arcangeli S, Filippi AR, et al. Review and Uses of Stereotactic Body Radiation Therapy for Oligometastases. The Oncologist 17:1100-1107, 2012.

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políticas de saúde

Desafios do rastreamento do câncer no SUS Especialistas sugerem mudanças para que o diagnóstico seja mais acessível à população brasileira e resulte na queda de mortalidade

Por Viviane Gomes

O

MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS) INVESTE R$ 3,1

BILHÕES NO FINANCIAMENTO DA MAMOGRAFIA,

MAIS DE R$ 38 milhões são revertidos em equipamentos de diagnóstico e obras em hospitais por meio de convênios e R$ 96,2 milhões no Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (PRONON), entre outras ações. Apesar das cifras bilionárias, especialistas avaliam que ainda existem muitos desafios para melhorar o rastreamento da neoplasia na rede pública.

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CITOPATOLÓGICO E OUTROS EXAMES.

“Um dos nossos focos essenciais é a habilitação de novos hospitais para ampliar o acesso ao diagnóstico e tratamento do câncer”, informa a coordenadora-geral de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas do MS, Patrícia Chueiri. Hoje, existem 283 hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) habilitados em oncologia, aptos a receber até 900 novos casos de câncer por ano. Até agosto deste ano, ela informa que todos os estados brasileiros deverão entregar ao MS um Plano de Atenção Oncológica com as ações necessárias para organizar e ampliar a rede e interiorizar os serviços. Ela conta que nos últimos anos começou rastreamento organizado de câncer em estados e municípios do país, o que possibilita atingir maior percentual da população-alvo. O segundo ponto positivo é o financiamento do primeiro programa de qualidade para o exame citopatológico (Qualicito), com recomendação internacional. “Garantir a confirmação do resultado do exame e proporcionar o tratamento e a intervenção efetiva também são pontos importantes”, frisa a especialista.

Prioridades A coordenadora destaca a ampliação do número de mamografias, que subiu de 3 milhões em 2010 para 4,3 milhões em 2013, e a queda da mortalidade por câncer de colo do útero no Brasil em 5,4% nos

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últimos dez anos. Ela diz que o rastreamento dos tumores de mama e de colo do útero é prioritário por serem os mais comuns na população, os que mais matam as mulheres e passíveis de prevenção e tratamento precoce, em especial o câncer do colo do útero. Dados preliminares indicam que em 2014 foram computados 2,4 milhões de exames de mamografia nas mulheres de 50 a 69 anos (faixa etária preconizada para rastreamento), ao custo de R$ 111 milhões. “Acreditamos que, em 2015, continuaremos a ampliar a mamografia nessas idades, pois o MS incentiva esse rastreamento com financiamento diferenciado ao gestor”, informa Patrícia. O MS mantém dez unidades do serviço móvel de mamografia, que vão a regiões de difícil acesso e recebem financiamento maior. Números também preliminares do MS indicam que de 2011 a 2014 foram realizados 41,6 milhões de citopatológicos, ao custo de R$ 281 milhões. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cobertura de no mínimo 80% da população-alvo (25 a 64 anos) garante diagnóstico e tratamento adequados dos casos alterados e possibilita reduzir de 60% a 90% a incidência de câncer invasivo na população.

Meta atingida Em 2013, o MS registrou 10.190.726 citopatológicos entre as brasileiras, 8.026.165 das quais tinham de 25 a 64 anos. Para cobrir 80% dessa população-alvo SUS-dependentes, ela calcula que devem ser realizados 9.474.49 procedimentos. “Se considerarmos que cada exame na faixa etária prioritária foi realizado em uma mulher, pode-se afirmar que, em 2013, 85% da meta da OMS foi atingida”, comemora a coordenadora. “Sabemos que precisamos ampliar o acesso, o tratamento e o diagnóstico em tempo oportuno”, declara. Os 283 hospitais públicos de alta complexidade em oncologia tratam o paciente e são obrigados a apoiar os serviços da rede de saúde na confirmação diagnóstica. Sobre as diferenças regionais de acesso ao rastreamento de câncer no país, ela explica que, como os serviços de oncologia são especializados, as prioridades são volume de pacientes e atendimento de especialistas num único local. Para ela, o necessário é que quase todas as regiões do Brasil tenham um serviço especializado e transportem os pacientes

que necessitam de atendimento oncológico em outra localidade. Um dos princípios da Política Nacional de Oncologia, informa Patrícia, é o cuidado integral para garantir, após o rastreamento, a confirmação diagnóstica e o tratamento do paciente: “Não é ético realizarmos campanha de rastreamento sem garantir o restante ao paciente. Rastreamento em geral não é prevenção de câncer, é classificado como uma ação de detecção precoce. Ações de prevenção oncológica visam, por exemplo, alimentação saudável, prática de atividade física e controle do tabagismo, temas em que o Brasil é exemplo mundial”.

Evidências científicas Patrícia diz que o MS estuda e quer estruturar, nos próximos anos, novas formas para ampliar o acesso aos exames de confirmação de diagnósticos, acelerar o início do tratamento e qualificar o cuidado na oncologia, por exemplo, com ampliação dos cuidados paliativos. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), mulheres de 50 a 69 anos devem realizar mamografia a cada dois anos e o exame clínico das mamas uma vez por ano. O Inca explica que essa é a rotina na maioria dos países com rastreamento do câncer de mama e baseia-se em evidências científicas para redução da mortalidade nesse grupo. Para as mulheres de 40 a 49 anos, o Inca recomenda exame clínico anual e a mamografia (se houver alteração do exame clínico). A OMS informa que a inclusão dessa faixa etária no rastreamento mamográfico tem limitada evidência de redução da mortalidade. Mulher com risco elevado de câncer de mama (como histórico familiar) deve iniciar o rastreamento aos 35 anos, com exame clínico das mamas e mamografia anuais. Na opinião da psicóloga Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, em São Paulo, a faixa etária prioritária para rastrear câncer de mama não é consenso entre especialistas, associações de defesa de pacientes e sociedades médicas: “Ainda acreditamos que o ideal seria oferecer a mamografia a partir dos 40 anos, afinal, nota-se evidente aumento do câncer de mama em mulheres mais novas, com menos de 50 anos. Sem sintomas, elas não conseguirão fazer a mamografia no SUS e correm o sério risco de detectarem o câncer em estágios avançados”.

O Inca informa que o segundo câncer mais letal entre os homens brasileiros é o de próstata (pulmão é o primeiro). Por existirem evidências científicas de que esse rastreamento produz mais danos do que benefícios, o Inca solicita às unidades de saúde que não promovam programas de rastreamento para o câncer de próstata

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Elogio à vacina

A sugestão do oncologista Evanius Garcia Wiermann, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), é regionalizar e intensificar o rastreamento e as ações de prevenção nas áreas mais deficitárias do país

Para ela, outro obstáculo é o exame clínico inadequado nas unidades básicas de saúde, o que torna ainda mais inadequado aceitar a indicação de mamografia só após os 50 anos. Ela elogia o acesso imediato e irrestrito à mamografia àquelas com fator de risco elevado para câncer de mama, mas frisa que essas mulheres devem saber quais são esses fatores de risco e ser proativas. Para a prevenção do tumor do colo do útero, Luciana aprova a criação do programa de qualidade para o citopatológico e a vacina contra o HPV, criada em 2014 para meninas de 11 a 13 anos, que fará diferença na saúde delas no futuro. “Mas alguns levantamos mostram que pode haver negligência em relação ao papanicolau. Existem problemas na qualidade desse exame, disponibilidade e adesão da mulher.” O Inca informa que o segundo câncer mais letal entre os homens brasileiros é o de próstata (pulmão é o primeiro). Por existirem evidências científicas de que esse rastreamento produz mais danos do que benefícios, o Inca solicita às unidades de saúde que não promovam programas de rastreamento para o câncer de próstata. “Entendemos a importância dos estudos, mas não podemos deixar o homem desinformado, sem saber os sinais e sintomas do câncer de próstata e os exames que deve fazer. Afinal, continuamos com muitos casos em estágios avançados”, opina a psicóloga.

Avaliar custos Segundo estimativa mundial de 2012, divulgada pelo Inca, o câncer colorretal é o terceiro tipo mais comum em homens e o segundo em mulheres. “Numa audiência pública realizada no Senado no fim do ano passado, o MS relatou que a recomendação oficial para prevenir o câncer colorretal nesse momento é a educação das pessoas para a adoção de hábitos de vida saudáveis”, conta a representante do Oncoguia. Na audiência, Luciana informa que o governo federal estava aberto à discussão do tema e solicitou dados de custo-efetividade para avaliar mudanças. O Oncoguia e especialistas preparam sugestão de projetos ao MS.

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Na opinião da oncologista Christina Oppermann, do Instituto do Câncer do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, o principal entrave para rastrear o câncer no SUS são a dificuldade de acesso da população aos especialistas e a realização de exames de rotina: “Em geral, os pacientes da rede pública só chegam ao oncologista para o diagnóstico e tratamento quando a doença já está estabelecida”.

Índia é exemplo A especialista sugere a criação de rotinas de atendimento e de exames disponíveis aos pacientes, como citopatológico de colo uterino a partir dos 18 anos uma vez por ano, mamografia a partir dos 40 anos, colonoscopia para homem e mulher a partir dos 50 anos (sem história familiar de câncer de cólon) e PSA e toque retal para homem a partir dos 50 anos. Christina sustenta que essas medidas ajudariam a prevenir neoplasias prevalentes (câncer de colo uterino, mama, cólon e próstata), aumentando o diagnóstico precoce e a cura desses pacientes. A sugestão do oncologista Evanius Garcia Wiermann, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), é regionalizar e intensificar o rastreamento e as ações de prevenção nas áreas mais deficitárias do país. “Em alguns estados do Norte e do Nordeste, por exemplo, a mortalidade por câncer de colo do útero é superior à por câncer de mama. O programa de diagnóstico peca nesses locais, já que o câncer de colo do útero é 100% prevenível e rastreável com citopatológico.” Wiermann cita estudo inovador de Mumbai, na Índia, que registrou queda de 31% na mortalidade por câncer de colo do útero. Equipe de enfermagem foi capacitada para aplicar uma solução específica de ácido acético (componente do vinagre) no colo do útero e observar que mudança de cor na área analisada indica tumor maligno. “A pesquisa mostra que uma solução barata pode reduzir a mortalidade. Mesmo com dificuldades financeiras, a capacitação e a disposição oferecem grandes benefícios à sociedade”, avalia o dirigente. Ele frisa que essa técnica não se compara às vantagens do citopatológico, disponível no Brasil.


gestão

Novos tempos para a saúde A possibilidade de capital estrangeiro investir no setor é considerada uma excelente notícia para o mercado e para os pacientes

Por Gabriel Ferreira

O

MERCADO DE SAÚDE BRASILEIRO ESTÁ ENTRAN-

DO EM UMA NOVA FASE, QUE PODE REPRESENTAR UM GRANDE AVANÇO EM DIVERSOS ASPEC-

Istockphotos

tos para o setor. Em janeiro deste ano, a presidência da República sancionou a lei 13.097, que altera as regras sobre a participação de capital estrangeiro no mercado de saúde no Brasil. Antes restritos a inves-

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timentos em planos de saúde, agora investidores de outros países poderão comprar e controlar hospitais e clínicas médicas por aqui. Ainda é cedo para dizer quais serão os efeitos dessa mudança no dia a dia do setor no Brasil, mas a tendência é que o resultado seja positivo. “A entrada de novos investidores no mercado possibilitará para o cliente final uma melhoria na qualidade dos serviços prestados”, afirma Rodrigo Abreu e Lima, presidente da D’Or Oncologia. A participação de estrangeiros no segmento já era uma reivindicação antiga dos grandes players do setor, que acreditam que a concretização dessa mudança terá a capacidade de trazer um grande ganho de qualidade e eficiência às empresas do setor. Segundo quem acompanha o mercado de perto, já há interesse de alguns grandes grupos americanos em investir no Brasil. “Algumas conversas já vinham evoluindo desde antes da aprovação da lei, porque era algo que todo mundo sabia que mais cedo ou mais tarde ia acabar se concretizando”, diz Marcos Boscolo, sócio da consultoria KPMG e especialista no setor de saúde. “Isso deve fazer com que o setor sinta os efeitos das novas regras muito em breve.” Recentemente, a consultoria promoveu um debate sobre os rumos da saúde privada no país e contou com a participação não apenas de executivos de grupos nacionais como também de gente


de fora do país, interessada em conhecer melhor a dinâmica do mercado aqui e se aproximar de possíveis alvos de investimento. A expectativa é que, com mais dinheiro disponível, os hospitais brasileiros tenham maior possibilidade de investir em equipamentos, processos e profissionais, garantindo uma melhor qualidade de atendimento aos pacientes. “A maior preocupação de todos os envolvidos neste processo é que o dinheiro seja aplicado de maneira adequada, resultando em melhorias para a saúde da população”, afirma Abreu e Lima. O novo formato do mercado deve ser também um estímulo à concorrência, uma vez que mesmo os hospitais que não recebam apoio de fundos ou empresas estrangeiras terão interesse de melhorar suas práticas, para que possam disputar a preferência dos pacientes – além de vislumbrarem um aporte ou fusão no futuro.

Consolidação A mudança na legislação chega ao mercado justamente em um momento em que o segmento vive um intenso processo de consolidação. Nos últimos anos, os negócios envolvendo fusões e aquisições de hospitais e clínicas especializadas cresceram, o que já tem levado o Brasil a um novo patamar em serviços de saúde. Foi nesse processo, por exemplo, que nasceu a Rede D’Or Oncologia, que conta atualmente com 32 clínicas espalhadas pelo país, boa parte delas resultado de aquisições. Mas o fato de já termos empresas desse porte não significa que não haja mais como avançar. “No caso específico da oncologia há alguns pontos que ainda podem ser trabalhados, como a questão da radioterapia e da alta tecnologia nos tratamentos”, diz o executivo. “Com essa liberação, há grandes chances de que finalmente o Brasil consiga dar esses passos.” Com o aumento do capital disponível no mercado, a partir da liberação dos investimentos estrangeiros, espera-se que o setor viva uma situação semelhante à enfrentada pelas empresas do setor de educação nos últimos anos. Desde que o segmento passou a receber dinheiro de grupos de fora do país, o crescimento do setor foi enorme, levando à constituição de grandes grupos, inclusive com ações negociadas na Bolsa de Valores. “Por todo o potencial que ainda pode ser explorado na área de saúde no Brasil, é difícil imaginar que os resultados

sejam muito diferentes disso”, conclui Boscolo. Basta agora ao setor aguardar e colher os resultados dessa mudança há tanto almejada.

Apoio às mudanças Pesquisa realizada pela consultoria KPMG mostrou que executivos do setor estão animados com a possibilidade de entrada de capital estrangeiro no Brasil 1) Na sua visão, a alteração da Lei 8.080/90, promovida pela Lei 13.097/15, que permitiu a participação direta ou indireta, inclusive controle, de empresas ou de capital estrangeiro na assistência à saúde, era:

54%

Necessária

2%

Desnecessária

38%

Fundamental

6%

Indiferente

2) Na sua visão, a alteração da Lei 8.080/90, promovida pela Lei 13.097/15, que permitiu a participação direta ou indireta, inclusive controle, de empresas ou de capital estrangeiro na assistência à saúde, vai:

50%

39%

6%

5%

A mudança na legislação chega ao mercado justamente em um momento em que o segmento vive um intenso processo de consolidação. Nos últimos anos, os negócios envolvendo fusões e aquisições de hospitais e clínicas especializadas cresceram, o que já tem levado o Brasil a um novo patamar em serviços de saúde

Ajudar no crescimento do setor de saúde Trazer novas tecnologias e ampliar o acesso à saúde Prejudicar a qualidade dos serviços em função da entrada de novos grupos interessados apenas na rentabilidade dos negócios Manter a saúde como está, pois essa mudança não foi suficiente para trazer grandes alterações para o setor

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do bem

Podem os mitos nascer do conhecimento científico? Pesquisa divulgada na Science que associa câncer a azar reabre debate sobre o impacto das descobertas científicas no dia a dia do tratamento da doença Por Regiane de Oliveira

À

PRIMEIRA VISTA, O TÍTULO DO ESTUDO DOS PES-

CRISTIAN TOMASETTI E BERT VOGELSTEIN, DA JOHNS HOPKINS, “VARIAÇÃO NO risco de câncer entre os tecidos podem ser explicados pelo número de divisões de células-tronco”, publicado na revista Science, parece inofensivo. A pesquisa, cujo objetivo é explicar por que alguns tecidos dão origem ao câncer em seres humanos 1 milhão de vezes mais frequentemente do que outros, sugere que apenas um terço na variação no risco de câncer entre os tecidos é atribuível a fatores ambientais ou hereditários. O que até aqui não é nenhuma novidade para a comunidade médica. A polêmica começa quando o estudo afirma que, na maioria das vezes, um componente que os autores optaram por chamar de “má sorte” (“bad luck”, no original em inglês) tem papel fundamental para explicar a maior incidência da doença. Na prática, trata-se de erros aleatórios que ocorrem durante a replicação do DNA em célulastronco normais e que são um fator importante para o desenvolvimento do câncer. Porém, a opção por utilizar a palavra “azar” como justificativa causou controvérsia. Se por um lado a estratégia colocou o estudo no radar da imprensa internacional, de outro ajudou a alimentar mitos e dúvidas em relação ao câncer, o que afeta diretamente o dia a dia dos médicos. “Esse é o tipo de notícia que tem muito impacto no paciente, pois a maneira como a informação foi passada para a população leiga dá a impressão de que não é preciso se cuidar. Dizer que câncer é questão de azar coloca todo mundo na mesma QUISADORES

Campanhas públicas são uma forma de orientar e evitar os mitos. O tabagismo como fator de risco do câncer é um dos exemplos mais bem-sucedidos

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moeda, como se tivéssemos todos o mesmo risco, e não é assim. É o mesmo que dizer que uma pessoa que não se cuida, não faz atividade física, que fuma e é obesa tem mil vezes mais azar. O termo usado foi infeliz”, afirma Evanius Garcia Wiermann, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). Wiermann explica que, na prática, o estudo só confirma o que já se sabia: boa parte dos tumores é devido ao acaso. O que significa que, para ter câncer, basta estar vivo. O problema é a linha tênue que separa a informação da propagação de novos mitos, um desafio em meio ao universo de cerca de 100 mil pesquisas publicadas anualmente sobre o câncer. De acordo com Wiermann, nos últimos cinco anos a oncologia foi a especialidade médica que mais produziu informação no mundo. A questão é que nem todas têm impacto imediato no cotidiano do tratamento, pois ainda estão em fase inicial. “Não é o caso de falar que esta pesquisa não é interessante, mas no consultório o impacto dela foi negativo”, afirma Wiermann. “O cliente se questiona dizendo se é azar mesmo, se nada do que ele fez para a sua saúde valeu a pena. E, apesar de sabermos que mesmo para outras doenças, diabetes ou pressão alta, por exemplo, também basta estarmos vivos, isso não atinge todo mundo igualmente. Estudos mostram que não fumar e não se expor ao sol, assim como usar a vacina contra o HPV, minimizam o impacto ambiental no que chamaram de azar”. Daniel Herchenhorn, coordenador científico do grupo Oncologia D’Or, lembra que em oncologia e


Imagem baseada em C. Tomasetti, B. Vogelstein e ilustração de Elizabeth Cook, Johns Hopkins

em medicina em geral a grande maioria dos dados é conflitante. “Às vezes um estudo diz uma coisa e outro diz outra completamente diferente. O número de estudos ligados a câncer, desde a epidemiologia, biologia, tratamento até técnicas de tratamento, é muito grande e muitos desses estudos são difíceis de interpretar. Mas o fato de um estudo ter mostrado um dado mais aleatório não quer dizer que seja um paradigma que tem que ser seguido como verdade absoluta. Temos ou-

tras pesquisas para utilizar como base”, afirma. Um bom exemplo é o estudo publicado no ano passado na revista The Lancet, relacionando o índice de massa corpórea (IMC) elevado ao desenvolvimento de dez tipos comuns de câncer. O estudo aponta que mais de 12 mil casos de câncer de alta incidência, como de útero, de cólon, de mama, de tireoide e leucemia, podem ser atribuídos ao excesso de peso e à obesidade. “Um estudo não exclui outro”, afirma Herchenhorn.

Tumores causados pelo azar

Tumores causados pelo azar mais questões ambientais

osteossarcoma em cabeça glioblastoma meduloblastoma cabeça e pescoço

carcinoma basocelular carcinoma medular de tireoide

pulmão (não-fumantes)

tireoide folicular

esofágico

osteossarcoma em membros superiores

vesícula biliar duodeno intestino delgado sarcoma em pelve tumor germinativo de testículo

osteossarcoma osteossarcoma em membros inferiores

HPV-16 cabeça e pescoço

pulmão (fumantes) hepatocelular pancreático ductal

hepatocarcinoma

ilhotas pancreáticas tumor germinativo de ovário melanoma leucemia linfocítica crônica leucemia linfoblástica aguda

Virando o jogo Transformar o impacto negativo de descobertas em algo positivo não é fácil, mas é possível. Wiermann afirma que, se bem trabalhado, o polêmico estudo dos pesquisadores da Johns Hopkins pode ser um aliado na prevenção. “Exatamente por não sabermos o que pode acontecer é que o rastreamento é importante. Isso até reforça alguns protocolos da medicina. Fazer uma mamografia, por exemplo. Se eu soubesse quem vai desenvolver câncer de mama, não seria preciso o rastreamento. Mas justamente por não sabermos é que faz sentido, a fim de detectarmos precocemente em casos de pessoas que não têm outras questões genéticas.” Anderson Arantes Silvestrini, oncologista clínico e diretor técnico do Grupo Acreditar, concorda. “O ser humano tende a procurar respostas para tudo, e às vezes não as temos. Por exemplo, é muito comum ouvirmos: “Nunca fumei, como explicar esse câncer de pulmão?”. Muitos pacientes se cobram ou mesmo se punem por não terem feito tudo que podiam para evitar a doença, ou mesmo

adenocarcinoma colorretal colorretal de Lynch adenomatose polipose familiar colorretal

ficam preocupados com seus familiares, o que causa grandes problemas psicológicos.” Explicar claramente à população as regras do jogo, mesmo quando elas não parecem justas, é um passo para um bom tratamento. “Sabendo que existem tumores onde os fatores ambientais estão também associados a aumento de risco como tabagismo e câncer de pulmão, cabeça e pescoço entre outros, podemos nos cuidar sem carregar um sentimento e culpa”, explica Silvestrini. Além disso, ele ressalta que o aumento de informação sobre a influência da hereditariedade no desenvolvimento de tumores também é significativo, apesar de as pesquisas atuais mostrarem que ela não é tão grande quanto se pensa. “Cerca de 5% a 10 % das neoplasias de adulto têm alguma relação com hereditariedade, de acordo com nosso conhecimento atual. Ou seja, de 90% a 95% dos casos, não. É claro que existem relações bem estabelecidas, como as alterações de BRCA1 e 2 e câncer de mama, síndrome de Linch, que não devem ser menosprezadas.”

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Campanhas públicas são uma forma de orientar e evitar os mitos. O tabagismo como fator de risco do câncer é um dos exemplos mais bem-sucedidos. Não é possível dizer que todas as pessoas que fumam vão desenvolver um câncer no futuro, mas, como lembra Silvestrini, as estatísticas mostram que o tabagismo é hoje o principal fator de risco para o câncer. “O tabagismo é responsável diretamente por cerca de 30% das mortes por câncer. Se eu fumo estou assumindo o risco de desenvolver uma neoplasia em decorrência de uma substância sabidamente cancerígena, então não posso me lamentar se desenvolvi alguma doença, pois sabia e assumi esse risco”, afirma.

O papel da imprensa A busca pela cura do câncer está entre os maiores disseminadores de mitos, e a imprensa é seu mais potente aliado. Herchenhorn lembra que foi convidado a comentar uma pesquisa sobre estudos com uma esponja marinha chamada Rhabdastrella globostellata, encontrada nas águas da Ilha Fiji, no Pacífico, que teria substâncias com potencial para tratar câncer de ovário e sangue. Era um estudo preliminar, que ainda não havia sido testado em animais, mas que despertou o interesse dos veículos de comunicação sob o título “Cura do câncer está no fundo do mar”. “A imprensa usa dados de estudos que nem sempre estão maduros, mas que trazem informações de impacto, mesmo sem aplicabilidade”, lembra Herchenhorn. Essas informações, a serem publicadas de ma-

A analogia ajuda ou atrapalha Após a divulgação do estudo, Cristian Tomasetti e Bert Vogelstein, pesquisadores da Johns Hopkins, fizeram um esforço para explicar e tornar o estudo palatável, mas o resultado também foi questionável. Eles comparam o desenvolvimento de um câncer com a possibilidade de se envolver em um acidente de trânsito. Os resultados do estudo seriam o equivalente a uma pesquisa que mostrasse uma alta correlação entre o tempo de viagem e um acidente de carro. As condições da estrada poderiam ser comparadas aos fatores ambientais no caso de um câncer. Em estradas ruins há mais risco de acidentes. O estado mecânico do carro é uma metáfora para os fatores genéticos herdados. Com cada defeito mecânico, o risco de um acidente aumenta. Da mesma forma, a quantidade de mutações genéticas herdadas está entre os fatores que contribuem para o risco de câncer. A distância da viagem é comparada às divisões de células-tronco e mutações aleatórias. “Mesmo com más condições da estrada e a condução de um carro em mau estado, a duração da viagem desempenha um papel significativo. Uma viagem extremamente curta tem um risco de acidente perto de zero. Independentemente das condições da estrada

Referências bibliográficas: 1. Estudo: http://www.sciencemag.org/content/347/6217/78.full#aff-1

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neira casual, acabam impactando no tratamento. “O estudo publicado na Science colocou as alterações genéticas aleatórias como uma espécie de roleta que diz ‘você foi o premiado’”, afirma. Isso não ajuda no momento em que o paciente busca uma resposta: “Tem pacientes que sabem que contribuíram para o desenvolvimento da doença a partir de seu estilo de vida. Mas infelizmente, para a grande maioria, não há resposta sobre o que causou a doença, o que deixa para o médico uma grande sensação de impotência. Essa ausência de resposta dá uma sensação de vulnerabilidade que dificulta um tratamento mais adequado”. Outra dificuldade é a generalização dos estudos na mídia de massa. A pesquisa publicada na Science, por exemplo, excluiu duas neoplasias com grande incidência, próstata e mama, o que por si só mostra uma grande limitação do estudo. Silvestrini explica que, por serem tumores nos quais múltiplos fatores estão envolvidos, é difícil definir fatores de risco. “Mas temos que lembrar sempre que o câncer é uma doença do envelhecimento e que a maior incidência será em pessoas acima de 60 anos, e este ainda será o principal fator de risco.” De qualquer forma, manter um canal de diálogo com a imprensa é um caminho para minimizar os danos de uma informação polêmica. “O ideal seria termos uma maneira melhor de filtrar os problemas antes da publicação de informações técnicas. Por isso, a interação de médicos com a imprensa é importante para traduzir essas informações antes que elas cheguem aos pacientes”, afirma Wiermann. e do carro, a probabilidade de um acidente aumenta de acordo com a distância percorrida. Usando essa analogia, poderíamos estimar que dois terços do risco de ter um acidente se devem à duração da viagem. O restante do risco vem de carros ruins, estradas ruins e outros fatores”, afirmam os autores do estudo. Isso significa que, em termos de câncer, dois terços da variação podem ser atribuídos a mutações aleatórias que ocorrem nas divisões de células-tronco ao longo da vida de uma pessoa, enquanto o risco remanescente está associado a fatores ambientais e mutações genéticas hereditárias. Para Daniel Herchenhorn, coordenador científico do grupo Oncologia D’Or, o que os autores tentam explicar é que a gente não pode acreditar que todos os tumores são causados por hábitos de vida, nem acreditar que todos os cânceres são causados por fatores hereditários. “A grande maioria dos tumores tem aspectos multifatoriais, que são mais ou menos relevantes em diferentes neoplasias. O cigarro é um forte fator de risco para o câncer de pulmão, por exemplo. Mas isso não significa que quem não fuma não terá câncer de pulmão. É como se as células precisassem levar vários empurrões para desenvolver determinada doença. A diferença é que algumas precisam de mais empurrões do que outras”, afirma Herchenhorn.


apoio Lado a Lado

Saúde, Câncer e Vida! Por Marlene Oliveira

Instituto Lado a Lado

D

ESDE SEMPRE O CÂNCER MEXEU COM A CABEÇA DAS PESSOAS.

AFINAL, ELE ENVOLVE O ESTA DOENÇA nos convida a pensar nos enigmas e desafios da vida. Muitas vezes, ela é vista como o oposto de viver. Mas é importante lembrar que a doença está no curso de existir, ou seja, faz parte da VIDA do paciente. Esse ponto é fundamental para começarmos a pensar e agir de outra maneira. No câncer, o paciente se depara com uma condição em que as emoções e o corpo assumem o primeiro plano. As certezas diminuem e a existência fica mais frágil. Em princípio, a confiança na vida pode ficar abalada, mas, vale ressaltar: o câncer não é culpa do doente! Então, por que encará-lo como “castigo” e “maldição”? A pergunta “Por que eu?”, que tantos se fazem, não ajuda muito. Somos, por princípio, frágeis e vulneráveis, e temos que encontrar em cada um de nós meios para lidar com isso. O enfrentamento do câncer demanda do paciente o compromisso com o tratamento e, portanto, a inserção em um processo contínuo, que pode vir acompanhado de transformações no corpo e na própria imagem. Por isso, a doença não deve ser encarada como invencível. Vista dessa forma, o pavor diante dela aumenta, assim como a disposição para encará-la de frente. Nesses momentos, é bem-vindo romper o isolamento e contar com os entes queridos, pois é a partir dos outros que nos nutrimos e renovamos as esperanças. E esse é o papel do Instituto Lado a Lado pela Vida: auxiliar o paciente a se sentir protagonista do seu processo de superação da doença, levando informação, apoio e inclusão social, assim como quebra de pré-conceitos. Além disso, temos o papel de gerar informação de qualidade para a população, que promova reflexão, quebra de paradigmas e, consequentemente, uma melhor atenção à saúde e ao bem-estar. O trajeto de superação da doença requer uma atitude persistente, que não deve ser confundida com ter que estar forte todo o tempo. A ditadura da “fortaleza” só traz mais pressão e inquietude. Na experiência do câncer, o sentimento de que “falta o chão” é esperado; é comum sentir medo, chorar e se entristecer. Vale lembrar que o câncer é um período da vida, e não a vida como um todo. Assim como outras experiências significativas, pode permitir um reposicionamento diante do cotidiano. Como disse o filósofo Nietzsche: “Pensar sobre a doença – Tranquilizar a imaginação do doente, para que ao menos ele não tenha de sofrer, como tem acontecido até agora, mais com o pensar sobre a doença do que com a doença em si’. CORPO E AS EMOÇÕES DO PACIENTE, DOS AMIGOS E DOS FAMILIARES.

Marlene Oliveira – Presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida

O Instituto Lado a Lado pela Vida Com a missão de humanizar a saúde de norte a sul do Brasil através do diálogo, do acolhimento e da promoção do bem-estar físico e emocional, percorremos o país para propagar o discurso da prevenção, do autocuidado e da autoestima, plantando a semente em homens, mulheres e crianças de que a saúde é o nosso bem mais valioso e merece atenção especial. Saiba mais sobre o nosso trabalho e faça parte desta nobre missão: www.ladoaladopelavida.org.br

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especial ASH

Por Juliane Musacchio – julianemusacchio@hotmail.com

O 56º Congresso da Sociedade Americana de Hematologia (American Society of Hematology – ASH) ocorreu entre 6 e 9 de dezembro de 2014, em São Francisco, e contou com a participação de mais de 20 mil médicos de todo o mundo. Foram apresentados, aproximadamente, cerca de 5 mil trabalhos científicos, entre os quais separamos os mais importantes do ponto de vista clínico. O avanço no tratamento dos pacientes portadores de linfoma e mieloma múltiplo foi o tema de muitas palestras. Nos estudos apresentados, tem-se buscado melhorar a evolução daqueles com doença refratária ou em recidiva. Para os pacientes com diagnóstico de linfoma que apresentam recidiva ou não respondem ao tratamento inicial, o transplante autólogo de medula óssea é uma opção com potencial de cura. No entanto, esse procedimento tem uma taxa de sucesso de cerca de 50% nos pacientes com linfoma de Hodgkin. Um estudo foi realizado com o objetivo de melhorar a sobrevida pós-transplante nesses pacientes, com a adição de um anticorpo monoclonal anti-CD30 (brentuximabe vedotina) ao esquema padrão de tratamento: • Brentuximab Vedotin Prolongs Post-Transplant Survival in Hard-to-Treat Lymphoma Patients in Phase III Study The AETHERA Trial: Results of a Randomized, Double-Blind, PlaceboControlled Phase 3 Study of Brentuximab Vedotin in the Treatment of Patients at Risk of Progression Following Autologous Stem Cell Transplant for Hodgkin Lymphoma

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Nesse estudo de fase III, randomizado e multicêntrico, foi comparado o brentuximabe vedotina (BV) com o placebo em 327 pacientes com linfoma da Hodgkin após o transplante. Todos os participantes tinham alcançado remissão ou possuíam doença estável, sem progressão no momento do transplante. Entre 30 e 45 dias após o transplante, os pacientes foram randomizados para receber BV ou placebo por até um ano. Após uma mediana de dois anos de acompanhamento, os pesquisadores observaram que os pacientes que receberam BV tiveram uma melhora de 20%, sem progressão da doença, em comparação aos pacientes que receberam placebo (taxa de sobrevida livre de progressão de 65% vs. 45%). Os eventos adversos mais comuns associados ao uso do BV foram neuropatia periférica sensorial, infecção do trato respiratório superior e neutropenia. É importante salientar que esse foi o primeiro estudo em pacientes com linfoma em que se demonstrou que a adição de uma medicação de manutenção, após o transplante, pode melhorar significativamente o resultado dos pacientes. Tendo-se em conta esses resultados extremamente positivos, é provável que

o brentuximabe, em breve, se torne o tratamento padrão para os pacientes com linfoma de Hodgkin que se submeterem ao transplante autólogo de células-tronco. Em outro estudo, foram instituídas a eficácia e a segurança do transplante autólogo de medula óssea em pacientes com linfoma quimiossensível, refratário ou em recidiva, associado ao HIV: • Stem Cell Transplantation Safe for Patients with HIV-Associated Lymphoma Autologous Hematopoietic Stem Cell Transplantation (AHCT) in Patients with Chemotherapy-Sensitive, Relapsed/Refractory (CSRR) Human Immunodeficiency Virus (HIV)-Associated Lymphoma (HAL): Results from the Blood and Marrow Transplant Clinical Trials Network (BMT CTN 0803)/AIDS Malignancy Consortium (AMC-071) Trial Historicamente, o prognóstico é ruim para os pacientes com diagnóstico de linfoma associado ao HIV. No entanto, com a terapia antirretroviral altamente ativa (HAART), aumentou-se a capacidade desses pacientes em tolerar o tratamento padrão, com resulta-


dos significativamente melhores. Entretanto, pela imunossupressão, esses pacientes foram considerados inelegíveis para o transplante autólogo de medula óssea por muito tempo, o que levava a uma desvantagem significativa no tratamento. Para avaliar se o transplante poderia ser uma abordagem segura e eficaz para os pacientes com linfoma associado ao HIV, os pesquisadores realizaram um grande estudo multicêntrico com 40 pacientes com HIV e linfoma de Hodgkin ou linfoma não-Hodgkin agressivo persistente ou recorrente. No D+100 pós-transplante, 36 pacientes (92,3%) tinham conseguido resposta completa, 1 (2,6%) alcançou remissão parcial e 2 (5,1%) tiveram recaída de doença. Após mediana de dois anos de acompanhamento, a sobrevida global em um ano, entre os pacientes transplantados, foi de 86,6%. A incidência acumulativa de mortalidade relacionada ao transplante foi de 5,2%. Esses dados de sobrevida são impressionantes e demonstram que o transplante autólogo de células-tronco pode ser altamente eficaz, tolerado e excessivamente não tóxico para os pacientes com linfoma associado ao HIV. Em última análise, esses resultados fornecem um argumento convincente de que a presença do HIV ou da aids não deve ser uma barreira para a realização do transplante autólogo de células-tronco. Em outros três estudos, pesquisadores apresentaram novos avanços no tratamento dos pacientes com mieloma múltiplo, com o uso de novos medicamentos que incluem um inibidor de proteassoma (carfilzomibe) e dois anticorpos anti-CD38 (daratumumabe e SAR650984), com resultados encorajadores quando combinados com o tratamento padrão em pacientes com doença resistente ou em recidiva.

• Carfilzomib Represents Potent, Effective Addition to Standard Multiple Myeloma Therapy in Phase III Study Carfilzomib, Lenalidomide, and Dexamethasone vs. Lenalidomide and Dexamethasone in Patients (Pts) with Relapsed Multiple Myeloma: Interim Results from ASPIRE, a Randomized, OpenLabel, Multicenter Phase III Study A fim de avaliar se o carfilzomibe combinado com o tratamento padrão pode melhorar ou não a resposta do tratamento em pacientes com mieloma múltiplo recidivado ou resistente ao tratamento, os pesquisadores incluíram 792 pacientes de 20 países em um ensaio clínico de fase III, randomizando-os para receber lenalidomida e dexametasona (Rd) ou Rd associado ao carfilzomibe. Foi verificado que o grupo tratado com carfilzomibe apresentou uma duração maior de resposta, sem progressão de doença (26,3 meses), quando comparado ao grupo tratado com Rd (17,6 meses). A diferença na taxa de resposta global, nos dois grupos de tratamento, também foi significativa: 87,4% no grupo Rd + carfilzomibe, em comparação com 66,9% no grupo Rd. É importante notar que, apesar da adição de um fármaco no regime de tratamento, não se observou qualquer aumento significativo em toxicidade nos pacientes do grupo que utilizou o carfilzomibe. Além disso, os pacientes do grupo tratado com Rd + carfilzomibe consistentemente relataram maiores escores de qualidade de vida que aqueles que receberam Rd. Sendo assim, ao adicionar carfilzomibe ao tratamento padrão-ouro de pacientes com mieloma múltiplo, estamos observando um período sem precedentes de remissão sem toxicidade adicional, um resultado promissor em pacientes que recaíram e foram muito pré-

tratados. Dessa forma, esperamos que os resultados desse estudo levem à aprovação dessa combinação de tratamento em pacientes com recidiva de mieloma múltiplo em todo o mundo. O daratumumabe, um dos três anticorpos anti-CD38 sob investigação para mieloma múltiplo, foi identificado, em testes preliminares, como eficaz e relativamente seguro como agente único no tratamento de pacientes com doença reincidente ou resistente. Tendo-se em conta esses resultados positivos, os pesquisadores aventaram a hipótese de que eles poderiam melhorar as taxas de resposta nos pacientes com mieloma múltiplo, acrescentando-se o daratumumabe aos já comprovados regimes de tratamento. • Daratumumab Plus Standard Treatment Improves Outcomes in Relapsed, Hard-to-Treat Multiple Myeloma in Phase I Study An OpenLabel, Multicenter, Phase 1b Study of Daratumumab in Combination with Backbone Regimens in Patients with Multiple Myeloma Para avaliar a segurança, a tolerabilidade e o regime de dosagem apropriado do daratumumabe em combinação com o tratamento padrão, os pesquisadores recrutaram pacientes com diagnóstico recente de mieloma múltiplo em recidiva ou resistente ao tratamento em um estudo multicêntrico no qual eles receberam daratumumabe com um dos quatro esquemas-padrão. Os quatro regimes-padrão foram bortezomibe + dexametasona (VD), bortezomibe + talidomida + dexametasona (VTD), bortezomibe + melfalano + prednisona (VMP) e pomalidomida + dexametasona (POM-D). Após duração mediana de tratamento de 44 dias, a avaliação da tolerabilidade nos 17 pacientes com mieloma múltiplo recém-diagnosticado

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que receberam um regime à base de bortezomibe (VD, VTD ou VMP) indicou que os pacientes não experimentaram nenhuma toxicidade adicional. Quatro pacientes tiveram reações relacionadas à infusão do daratumumabe, porém não houve necessidade de interrupção do tratamento. Todos os outros eventos adversos foram consistentes com aqueles dos esquemas padronizados. Os dados preliminares demonstraram uma elevada taxa de resposta do paciente a essa nova e promissora abordagem terapêutica. • Investigational Antibody Demonstrates Efficacy, Safety for Patients with Aggressive Multiple Myeloma in Phase I Study A Phase Ib Dose Escalation Trial of SAR650984 (AntiCD-38 mAb) in Combination with Lenalidomide and Dexamethasone in Relapsed/ Refractory Multiple Myeloma O SAR650984 (SAR) é outro anticorpo anti-CD38, que mostrou atividade como agente único em estudos de fase I com pacientes com mieloma múltiplo pré-tratados. Nesse ensaio de fase Ib, os pesquisadores acrescentaram doses crescentes de SAR a um regime padrão de lenalidomida e dexametasona em pacientes com mieloma múltiplo recorrente ou resistente ao tratamento. Os objetivos desse estudo foram identificar a dose máxima tolerada de SAR em combinação com lenalidomida e dexametasona, e avaliar a eficácia preliminar do regime. Trinta e um pacientes com mieloma múltiplo em recidiva ou resistente ao tratamento foram incluídos, sendo que 13 receberam doses crescentes de SAR650984 e 18 receberam uma dose mais alta. Após um seguimento mediano de nove meses, 58% dos pacientes responderam ao tratamento.

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A sobrevida livre de progressão foi de 6,2 meses. A taxa de resposta foi um pouco maior nos pacientes que receberam uma dose maior de SAR. As respostas foram observadas nos pacientes que já haviam recidivado ou demonstrado resistência à lenalidomida ou a medicamentos similares (imunomoduladores). Embora nenhum aumento da toxicidade tenha sido observado, os eventos adversos mais comumente relatados foram fadiga leve, náuseas, diarreia, mielossupressão e infecção do trato respiratório superior. Dois pacientes interromperam o tratamento devido às reações associadas à perfusão. Foi visto, portanto, que a adição desse anticorpo teve uma diferença significativa nos resultados desses pacientes, mesmo naqueles com doença anteriormente reincidente ou que não responderam ao tratamento inicial com as medicações imunomoduladoras. Por outro lado, as terapias concebidas para atingir o sistema imune e direcionar os próprios mecanismos de combate às doenças do corpo tornam-se cada vez mais promissoras na medicina e, em particular, nas doenças onco-hematológicas. Enquanto o sistema imunológico pode reconhecer facilmente os vírus e outros invasores estrangeiros, as células cancerosas podem, por vezes, escapar à detecção por serem semelhantes às células do próprio corpo. As novas abordagens de tratamento de imunoterapia têm por objetivo permitir às defesas naturais do organismo reconhecer as células tumorais de forma mais eficiente e, então, destruí-las. Os mais novos tipos dessas terapias são de uma nova classe de medicamentos, chamados inibidores do ponto de verificação, que visam despertar as células T que mediam a imunidade anticâncer. Em dois estudos, novos me-

dicamentos tiveram por alvo uma molécula de sinalização, que desliga um importante ponto de verificação imune e atenua a resposta imunológica ao linfoma de Hodgkin. • Checkpoint Inhibitors Show Safety, Efficacy in Hodgkin Lymphoma Nivolumab in Patients with Relapsed or Refractory Hodgkin Lymphoma – Preliminary Safety, Efficacy and Biomarker Results of a Phase I Study) O linfoma de Hodgkin clássico (LHC) é caracterizado por uma alteração genética que leva ao desenvolvimento do câncer através de um caminho imunológico chamada via PD1. Essa alteração resulta em maior envolvimento do DP-1, um receptor na superfície de células imunológicas, que mediam a resposta imune das células cancerosas. Os pesquisadores avaliaram essa interação, considerando-se a hipótese de que o bloqueio do sinal de PD-1, ao atingir as células do sistema imunológico, pode restaurar o seu poder de combate ao câncer. Para determinar se o bloqueio da atividade de PD-1 poderia ser uma maneira segura e eficaz para tratar LHC, os pesquisadores realizaram um estudo de fase I com o nivolumabe, um inibidor de PD-1, em 23 pacientes com LHC em recidiva ou resistente, sendo que 87% dos pacientes não tinham mais que três regimes de tratamento anteriores, incluindo-se o transplante de células-tronco e brentuximabe vedotina. Os pacientes receberam uma infusão intravenosa de nivolumabe a cada duas semanas até progressão do tumor ou toxicidade excessiva. Após um seguimento mediano de 40 semanas, 20 dos 23 pacientes (87%) que receberam o nivolumabe tinham experimentado resposta completa (4 pacientes, 17%) ou resposta parcial (16 pacientes, 70%). Com


base nesses resultados, o Food and Drug Administration (FDA) concedeu ao nivolumabe a designação de terapia avançada na recaída do LHC, e um estudo grande, multicêntrico, de fase II está em andamento. • PD-1 Blockade with the Monoclonal Antibody Pembrolizumab (MK-3475 in Patients with Classical Hodgkin Lymphoma after Brentuximab Vedotin Failure: Preliminary Results from a Phase 1b Study (KEYNOTE-013) O pembrolizumabe é um inibidor PD-1, da família de drogas inibidoras do ponto de verificação, já aprovado para o tratamento de pacientes com melanoma e, agora, em fase de desenvolvimento para melhorar o sistema imunológico no combate ao linfoma de Hodgkin clássico (LHC). Nesse estudo de fase I, foi avaliado o pembrolizumabe em 29 pacientes com LHC prétratados. Nenhum paciente teve tratamento prévio com brentuximabe vedotina, e 69% dos pacientes tiveram uma recaída após o transplante de células-tronco. Os pacientes receberam pembrolizumabe por via intravenosa a cada duas semanas até a progressão da doença, toxicidade excessiva ou conclusão de dois anos de terapia. No momento da análise, 66% dos pacientes responderam à medicação, com 6 pacientes (21%) tendo alcançado remissão completa e 13 pacientes (45%) remissão parcial. O pembrolizumabe parece ter sido bem tolerado, tornando-se uma opção nesses casos. • BLAST: A Confirmatory, Single-Arm, Phase 2 Study of Blinatumomab, a Bispecific T-Cell Engager (BiTE) Antibody Construct, in Patients with Minimal Residual Disease B-Precursor Acute Lymphoblastic Leukemia (ALL)

Os pacientes com leucemia linfoblástica aguda (LLA) que estão em remissão podem ter doença residual mínima (DRM) na medula óssea, o que aumenta o risco de recaída. Nesse estudo, foi avaliado um novo anticorpo que recruta as células T para atacar as células remanescentes da doença. O blinatumomabe é uma medicação experimental conhecida como uma célula T biespecífico Engager (BiTE©) e que foi concebida para se ligar a uma proteína na superfície de todas as células (CD19), bem como a uma proteína na superfície das células T (CD3), unindo as células e fazendo o carregamento da célula T para atacar a célula cancerosa. Para avaliar a eficácia e a segurança do blinatumomabe em pacientes com DRM detectável, os investigadores incluíram 116 adultos com LLA em um ensaio de fase II. Os pacientes receberam infusão contínua do medicamento durante quatro semanas, seguida por um período sem tratamento de duas semanas. Os respondedores poderiam receber até quatro ciclos de tratamento ou serem submetidos ao transplante de célulastronco, após o primeiro ciclo. Dos 113 pacientes incluídos no estudo e avaliáveis para DRM, 88 (78%) tiveram uma resposta completa (sem DRM detectada). Quase todas as respostas completas (98%) ocorreram no primeiro ciclo de tratamento. A toxicidade relacionada com o tratamento (por exemplo, cefaleia, febre e fadiga) foi relacionada com a liberação de citocinas, que ocorre como um resultado da ativação das células T e a sua expansão bem-sucedida. Esse foi um dos primeiros estudos em que se avaliou uma nova medicação nos pacientes com vestígios de doença residual mínima e quando não há uma recaída completa. Os resultados alcançados com o blinatumomabe demonstraram uma atividade clínica signifi-

cativa nos pacientes com LLA. Em dois estudos, foi sugerido que a combinação de novos agentes combinados à quimioterapia padrão pode ser eficaz no tratamento de pacientes jovens ou idosos recémdiagnosticados com leucemias agudas. Já há evidência de que os adolescentes e adultos jovens podem responder melhor a um regime de quimioterapia, pioneiro em pacientes pediátricos, em vez dos regimes normalmente utilizados em adultos: • Favorable Outcomes for Older Adolescents and Young Adults (AYA) with Acute Lymphoblastic Leukemia (ALL): Early Results of U.S. Intergroup Trial C10403 As crianças e os adultos jovens com LLA normalmente têm melhores resultados no tratamento que os adultos, em parte devido às diferenças na doença, mas também pela maior intensidade dos protocolos de tratamento pediátrico. Enquanto a pesquisa indica que os regimes pediátricos, que são mais intensivos, podem ser mais eficazes, os pacientes caracterizados como “adolescentes” ou “adultos jovens” (pacientes com idade entre 16 e 39), na maioria das vezes, recebem esquemas para adultos. Para determinar se os adolescentes e os adultos jovens teriam melhores resultados com regimes pediátricos, 296 adolescentes e adultos jovens com LLA participaram de um ensaio clínico prospectivo, no qual receberam o protocolo de tratamento padrão pediátrico, que incluiu quatro cursos intensivos de quimioterapia. Após dois anos de acompanhamento, a sobrevida global foi de 78% e a sobrevida livre de eventos (SLE) foi de 66%. Os fatores de mau prognóstico incluíram contagem alta

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de leucócitos ao diagnóstico e presença de doença residual mínima após a conclusão do primeiro mês de tratamento. Trinta por cento dos pacientes incluídos no estudo apresentaram a expressão do gene Ph-like, indicando doença agressiva, com resultados significativamente piores (52% de SLE em dois anos vs. 81% de SLE entre aqueles sem a alteração genética). Cinco pacientes faleceram devido a razões relacionadas com o tratamento. É importante notar que esses resultados refletem uma melhora significativa a partir de estudos históricos de controle, em que a SLE foi de apenas 39%. • Sorafenib Versus Placebo in Addition to Standard Therapy in Younger Patients with Newly Diagnosed Acute Myeloid Leukemia: Results from 267 Patients Treated in the Randomized Placebo-Controlled SAL-Soraml Trial O surgimento de terapias-alvo conhecidas como inibidores da tirosina quinase (TKI) melhorou o prognóstico para determinados pacientes com leucemia. Apesar do sucesso do TKIs em algumas formas da doença, como a leucemia mieloide crônica e um pequeno subconjunto de pacientes com leucemia linfoblástica aguda, até agora um TKI ainda tinha que demonstrar claramente a melhora nos resultados em leucemia mieloide aguda (LMA). Devido à variedade de mutações que ocorre na LMA, os investigadores começaram a estudar o sorafenibe, um inibidor oral da tirosina quinase, atualmente aprovado para o câncer de rim e de fígado, que bloqueia a atividade de várias enzimas mutadas que podem levar ao desenvolvimento da LMA. Para melhor determinar a segurança e a eficácia de sorafenibe em combinação com a quimioterapia padrão, os investigadores in-

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cluíram 267 pacientes com LMA, com idade entre 18 e 60 anos, em um estudo de fase II. Os pacientes foram randomizados para receber sorafenibe (134 pacientes) ou placebo (133 pacientes), além do protocolo padrão. Após três anos de acompanhamento, os pacientes tratados com sorafenibe tiveram uma sobrevida livre de eventos (SLE) mediana de 20,5 meses e uma taxa de sobrevida livre de recidiva (SLR) em três anos de 56%. Em comparação, os pacientes que receberam placebo tiveram uma SLE mediana de 9,2 meses e uma taxa de SLR em três anos de 38%. A combinação do tratamento foi geralmente bem tolerada. No entanto, os pacientes tratados com sorafenibe experimentaram taxas mais elevadas de certos eventos, como febre e sangramento. O sorafenibe não conduziu a uma melhora na sobrevida global no grupo de tratamento, quando comparado com os pacientes que receberam placebo. A resposta positiva e duradoura observada nos pacientes com LMA que receberam sorafenibe representa a primeira evidência de benefício clínico de um inibidor da tirosina quinase nesse tipo de leucemia. É necessário validar esses resultados promissores em um estudo maior, que será útil para avaliar ainda mais os marcadores genéticos que podem predispor alguns pacientes a uma resposta melhor que outros com esse tipo de tratamento.

nuam a melhorar, o prognóstico permanece reservado naqueles com um subtipo da doença presente em quase um terço dos adultos com leucemia linfoblástica aguda (LLA): a LLA Philadelphia positivo (LLA Ph+). Nesse estudo de fase II, foi avaliada a eficácia do inibidor de tirosina quinase, nilotinibe, em combinação com um regime de quimioterapia de baixa intensidade no tratamento de pacientes acima de 55 anos com LLA Ph+ recém-diagnosticada. Os pacientes receberam 400 mg de nilotinibe duas vezes por dia com a quimioterapia inicial e, em seguida, de forma contínua por até dois anos. Dos 36 pacientes avaliados, 35 (97%) apresentaram resposta completa. Quatro pacientes tiveram recidiva após um seguimento mediano de 211 dias. A remissão molecular completa foi alcançada em 30% dos pacientes após o tratamento inicial, e em 42% durante a fase de consolidação. Nenhum paciente morreu durante o tratamento inicial, embora houvesse 34 notificações de eventos adversos graves, que incluíram infecção e neutropenia febril.

• Nilotinib (Tasigna®) and Chemotherapy for First-Line Treatment in Elderly Patients with De Novo Philadelphia Chromosome/ BCRABL1 Positive Acute Lymphoblastic Leukemia (ALL): A Trial of the European Working Group for Adult ALL (EWALL-PH-02)

Aproximadamente 15% das leucemias mieloides agudas (LMA) abrigam uma mutação do gene IDH2, uma anormalidade genética que leva ao aumento da produção de um oncometábolito conhecido como 2-hidroxiglutarato (2-HG), que impede que as células sanguíneas brancas imaturas se desenvolvam em adultos saudáveis para o combate a infecção.

Enquanto as taxas de remissão nos pacientes idosos com leucemia aguda conti-

• AG-221, an Oral, Selective, First-in-Class, Potent Inhibitor of the IDH2 Mutant Metabolic Enzyme, Induces Durable Remissions in a Phase I Study in Patients with IDH2 Mutation Positive Advanced Hematologic Malignancies


Isso permite que os glóbulos brancos imaturos se acumulem, com o desenvolvimento de LMA. Ao inibir essa enzima IDH2 mutado, o AG-221 tem demonstrado uma eficácia no tratamento de pacientes com LMA e síndromes mielodisplásicas que são IDH2 positivo. Em um estudo de fase I para avaliar a dose máxima tolerada de segurança do inibidor IDH2 AG-221, 45 pacientes com LMA ou pré-leucemia IDH2 positivo (incluindo-se síndromes mielodisplásicas, leucemia mielomonocítica crônica e neoplasias mieloproliferativas) receberam o agente por uma vez ou duas vezes por dia em doses crescentes até 150 mg e 200 mg, respectivamente. As respostas foram observadas em 25 pacientes (56%), incluindo-se remissão completa em 15 pacientes e remissão parcial em 10 pacientes adicionais. Além disso, as respostas foram duráveis. Como os participantes tiveram remissão completa, com duração de até oito ciclos de tratamento, muitos pacientes continuaram a ser tratados com AG-221. No geral, esse agente foi mais bem tolerado que a quimioterapia convencional para a recidiva da leucemia. Esses primeiros resultados nessa população de difícil tratamento demonstraram que, quando há a inibição do IDH2, podemos transformar células da leucemia em glóbulos brancos normais e erradicar a doença sem o uso da quimioterapia tradicional. Essa abordagem para o tratamento da leucemia é revolucionária e representa o futuro do tratamento das doenças hematológicas. Assim, o objetivo desse estudo foi tratar os pacientes com uma terapia voltada para o genótipo específico da doença, com aumento da eficácia, estendendo-se a expectativa de vida dos pacientes e minimizando a toxicidade.

• Compound Improves Survival in Aggressive AML with Manageable Added Toxicity in Phase III Trial Improved Survival in Patients with First Relapsed or Refractory Acute Myeloid Leukemia (AML) Treated with Vosaroxin Plus Cytarabine Versus Placebo Plus Cytarabine: Results of a Phase 3 Double-Blind Randomized Controlled Multinational Study (VALOR) Tratamentos eficazes e seguros são urgentemente necessários para os pacientes com leucemia mieloide aguda (LMA) recorrente ou resistente ao tratamento, uma doença para a qual não há atualmente nenhum padrão de cuidados ou de tratamento aprovados. O agente quimioterápico citarabina tem sido utilizado desde a década de 1960, quer isoladamente, quer em combinação com outros agentes, para o tratamento dos pacientes com LMA agressiva. No entanto, essas abordagens de tratamento à base de citarabina estão associadas a eventos adversos significativos e não são eficazes para muitos pacientes. Ao combinar citarabina com novos agentes, os pesquisadores esperam desenvolver um tratamento eficaz para a LMA que não cause uma toxicidade adicional significativa. Um novo agente é a vosaroxina, um medicamento que induz à apoptose por causar danos específicos no DNA. Os pesquisadores investigaram a vosaroxina em um estudo randomizado de fase III para avaliar a sua capacidade em superar as limitações dos tratamentos atuais, sem a cardiotoxicidade comumente observada. Nesse estudo, foram incluídos 711 pacientes adultos com LMA de 124 centros em todo o mundo, com LMA em recidiva ou re-

fratária a outros tratamentos. Os pacientes foram então randomizados para receber citarabina associada à vosaroxina ou ao placebo. Os pacientes tratados com vosaroxina alcançaram uma sobrevida global maior quando comparados com os tratados com placebo (7,5 meses vs. 6,1 meses), mas essa diferença não atingiu significância estatística (p=0,06). Quando censurados para o transplante, no entanto, o benefício de sobrevida global foi estatisticamente significativo (p=0,02). Os pacientes que receberam vosaroxina também foram mais propensos a alcançar resposta completa (RC) para o tratamento (30,1% de RC no braço do vosaroxina vs. 16,3% de RC no grupo placebo). Os pacientes com 60 anos ou mais e aqueles com recidiva precoce experimentaram o maior benefício de sobrevida global do tratamento. Entretanto, a mortalidade precoce foi semelhante nos dois braços, e os eventos adversos mais comuns em ambos os grupos foram neutropenia, sepse, infecção e mucosite. Nesse estudo, que foi um dos maiores realizados com pacientes com LMA recidivada ou refratária, a combinação de vosaroxina e citarabina demonstrou maior sobrevida global e quase dobro das taxas de resposta completa em comparação ao uso isolado da citarabina. O benefício foi particularmente visível nos pacientes mais idosos, que apresentaram uma toxicidade administrável. Embora esteja claro que ainda temos um longo caminho a percorrer para melhorar os resultados, esses dados demonstram que a combinação vosaroxina e citarabina é a abordagem mais eficaz até o momento para o tratamento de pacientes mais idosos com essa condição desafiadora.

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campanhas

Fique por dentro das ações sobre câncer que ganharam destaque na mídia e nas redes sociais

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Festa por uma boa causa Momentos de alegria também podem representar a hora certa de ajudar ao próximo. É essa a ideia por trás do projeto Festa pela Vida, desenvolvido pela Fundação do Câncer. O objetivo da ação é incentivar as pessoas a utilizar suas festas de aniversário, casamento, bodas ou qualquer outra celebração como forma de praticar uma boa ação. Para participar, o dono da festa tem que orientar seus convidados a trocar o presente que dariam por uma doação à Fundação. Ele pode anexar um boleto com valor livre ao convite da festa, com um aviso de que não há necessidade de envio de presente. Para conhecer mais detalhes sobre a ação, basta entrar em contato com a Fundação do Câncer pelo telefone 4002-2508 (ligação local) ou pelo email doador@cancer.org.br.

Para marcar o Dia da Mulher, o Hospital Estadual Pérola Byington, de São Paulo, especializado em saúde de mulheres, pediu ajuda da vizinhança. O hospital fica na mesma rua que o Centro de Referência em Saúde do Homem, também admi-nistrado pela Secretaria Estadual de Saúde, e solicitou que os pacientes com câncer daquela instituição gravassem vídeos para homenagear e incentivar as pacientes do Pérola Byington. Nas mensagens, nove pacientes incentivam que as mulheres não tenham medo de enfrentar a doença. A ideia surgiu por causa dos impactos íntimos parecidos causados pelos tumores urológicos e ginecológicos em homens e mulheres, respectivamente. Além disso, o objetivo é reverter um pouco o papel de incentivador no tratamento, que muitas vezes que cabe à mulher. “A maioria dos homens só vai ao médico porque a mulher insiste. Os vídeos são uma justa homenagem”, diz Claudio Murta, coordenador do Centro de Referência em Saúde do Homem. Os hospitais vizinhos são referência nacional em saúde masculina e feminina. Mensalmente no ambulatório, os dois serviços atendem, somados, 3,5 mil pacientes com câncer. Somente no Hospital Pérola Byington, todos os meses são cerca de 150 casos novos de mulheres com câncer. No Centro de Referência em Saúde do Homem os diagnósticos de câncer urológico representam aproximadamente 20% do total de atendimentos.

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Hospitais se unem para homenagear mulheres


IDOR

Precision Medicine Initiative e a busca por soluções inovadoras

C

erca de 15 anos atrás, o paciente P., 52 anos, não fumante, apresentando sintomas respiratórios, procurou seu médico, que solicitou radiografia de tórax que mostrou uma lesão no pulmão. A análise histopatológica diagnosticou um adenocarcionoma. O médico apresentou alternativas de tratamento e informou que elas estavam associadas à resposta significativa em uma pequena fração dos pacientes e, para a maioria, estavam associadas apenas a um baixíssimo aumento da sobrevida. Alertou também sobre os efeitos colaterais severos. Informou ainda que, com os exames disponíveis, não seria possível prever a resposta de seu tumor. Se esse mesmo paciente tivesse sido atendido em 2015, além da biópsia, o médico provavelmente solicitaria uma análise molecular do tumor a fim de detectar a existência de alterações que pudessem indicar uma escolha terapêutica mais específica, com resultados mais previsíveis e com efeitos colaterais menos severos. Medicina de precisão já está entre nós faz algum tempo. E os resultados têm sido bem promissores, especialmente no câncer. E é justamente estimulado por esses bons resultados que o presidente Obama lançou recentemente o programa Precision Medicine Initiative. Com investimento inicial que passa de US$ 200 milhões, a iniciativa pretende acelerar o desenvolvimento já observado no câncer e estendê-lo às outras áreas da saúde. Baseado em iniciativas esparsas, o uso de novas tecnologias – genômica, transcriptômica, proteômica, etc. – vem gerando uma quantidade enorme de dados que, gradualmente, modificam a maneira como doenças são prevenidas, diagnosticadas ou tratadas. O programa Precision Medicine pretende centralizar e incrementar esses esforços. Uma das metas de longo prazo é gerar uma base de dados em saúde de mais de 1 milhão de americanos, na qual informações clínicas, genéticas, sociodemográficas e de hábitos pessoais estarão integradas. As comunidades médica e científica terão acesso a esses dados. Um dos objetivos é estimular todos os agentes dos setores público e privado, envolvidos na pesquisa, assistência e apoio aos pacientes a utilizar esses dados para desenvolver soluções inovadoras em saúde. Esse novo modelo implicará em mudanças na maneira como pesquisamos e tratamos doenças. Acompanhar essas mudanças dependerá enormemente de readequação da formação e atuação dos profissionais de saúde. Marcelo Reis é médico e atua no Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino como pesquisador nas áreas de genética molecular e genômica translacional de câncer.

Refências bibliográficas: 1. Collins FS, Varmus H. A new initiative on precision medicine. N Engl J Med. 2015 Feb 26;372(9):793-5. 2. The White House. The Precision Medicine Initiative: Data-Driven Treatments as Unique as Your Own Body. https://www.whitehouse.gov/blog/2015/01/30/precision-medicine-initiative-data-driven-treatmentsunique-your-own-body. 3. National Institutes of Health (NIH). Precision Medicine Initiative. http://www.nih.gov/precisionmedicine/.

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mundo virtual

Onco& recomenda Sites e aplicativos sobre oncologia voltados tanto para médicos, com novidades e informações sobre a área, como para pacientes, com dicas de prevenção e assistência ao doente

Apoio na palma da mão Aplicativos para tablets e smartphones que ajudam médicos a se manter sempre atualizados e no melhor caminho para o diagnóstico e tratamento de seus pacientes Apple ResearchKit A fabricante de equipamentos eletrônicos Apple resolveu aumentar seu potencial de apoio às pesquisas da área de saúde com o lançamento de ferramentas voltadas exclusivamente para essa finalidade. São os chamados Apple ResearchKit, anunciados no início deste ano pela companhia do Vale do Silício. A ideia da ferramenta é facilitar o desenvolvimento de aplicativos especializados por médicos e pesquisadores. Com o apoio de importantes centros de pesquisa, como

Oxford, Stanford e o Dana-Farber Cancer Institute, a empresa já lançou aplicações voltadas para ajudar na identificação de sintomas de doenças como mal de Parkinson, diabetes e câncer de mama. Esses programas permitem a coleta de dados que podem ser utilizados em pesquisas científicas. Os primeiros cinco aplicativos da nova plataforma já estão disponíveis gratuitamente na loja da Apple, a App Store. O aplicativo para pacientes com câncer de mama se chama Share the Journey. Por ser uma plataforma aberta, que permite colaboração de desenvolvedores de qualquer parte do mundo, espera-se que muitas novidades relacionadas ao ResearchKit surjam ao longo dos próximos meses.

BabelMeSH

Acubens

Este aplicativo foi criado para auxiliar médicos não fluentes em inglês a acessar os conteúdos do Medline/PubMed. Com ele, é possível fazer pesquisas em 13 diferentes línguas, inclusive português. Disponível em versões tanto para iPhone como para aparelhos que rodam o sistema Android, esta aplicação é gratuita e foi desenvolvida pela National Library of Medicine, um centro de informações médicas fundado em 1836, no estado americano de Maryland. Além das pesquisas, é possível recuperar artigos divulgados em diversas publicações científicas, além de salvar os textos em um histórico para ser consultado posteriormente.

Este site funciona como um museu virtual sobre o câncer. A ideia é abordar o assunto de forma lúdica e diferenciada. Para isso, a plataforma utiliza estratégias interativas, como jogos e vídeos. O objetivo é apresentar para públicos das mais diversas idades quais são os principais fatores de risco associados à doença, incentivando, assim, que as pessoas adotem um estilo de vida mais saudável e se previnam contra o surgimento de tumores. O museu virtual foi desenvolvido pelo Núcleo de Divulgação de Oncobiologia do Programa Interinstitucional de Ensino, Pesquisa e Extensão na Biologia do Câncer (Programa de Oncobiologia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pode ser acessado pelo site: http://www.acubens.com.br/.

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acontece

Fique por dentro dos congressos, simpósios, encontros de atualização e outros tantos eventos do mundo da oncologia. Confira aqui os principais eventos dos próximos meses

Reunião Anual da ASCO A edição de 2015 do principal evento de oncologia clínica do mundo vai ser realizada entre 29 de maio e 2 de junho, na cidade americana de Chicago. A reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) terá, como de costume, a apresentação de diversos estudos que devem impactar os tratamentos nas mais diversas especialidades da oncologia. A expectativa da organização do evento é que a edição deste ano reúna mais de 30 mil médicos oncologistas de diversos países. O mote escolhido para a edição deste ano é “Illumination and Innovation: Transforming Data into Learning”. No evento, os especialistas aprovarão o espaço para discutir os avanços e desafios da área e o que há de mais moderno em termos de medicamentos e tratamentos. Os detalhes sobre a próxima edição da ASCO e as informações sobre a inscrição devem ser obtidos no site http://am.asco.org/.

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Ganepão 2015

WIN 2015

Neste ano o Ganepão, o maior evento de nutrição clínica do país, contará com a participação de importantes nomes nacionais e internacionais da área. O evento acontece em São Paulo entre 16 e 20 de junho. Como de costume, a relação entre a nutrição e o câncer será um dos principais assuntos debatidos, com diversas mesas dedicadas ao estudo. O tema principal do evento será “Alimentos e Nutrientes: Estruturais ou Funcionais?”. O evento é voltado a nutricionistas, médicos, enfermeiros e farmacêuticos, incentivando o tratamento multidisciplinar. O site www.ganepao.com.br apresenta os detalhes e a programação do congresso.

Pelo quarto ano, o Worldwide Inovative Networking in personalized cancer medicine (WIN) reúne especialistas do mundo todo para discutir os caminhos em direção a uma medicina cada vez mais personalizada. O evento acontecerá em Paris nos dias 29 e 30 de junho e é pensado para atender às necessidades de oncologistas, hematologistas, imunologistas e demais profissionais da área médica dedicados ao atendimento de pacientes com câncer. As palestras serão comandadas por médicos de diversos países, como Estados Unidos, Coreia do Sul e Israel. Mais informações sobre a programação e as inscrições podem ser acessadas pelo site www.winsymposium.org.

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especial ASCO GU

Por Daniel Herchenhorn – herchenhorn@hotmail.com

Entre 26 e 28 de fevereiro aconteceu em Orlando, nos Estados Unidos, um dos mais importantes eventos multidisciplinares para especialistas em tumores geniturinários, o ASCO GU. O congresso contou com a participação de quase 3 mil médicos de diversas partes do mundo e foi palco para a apresentação de importantes estudos. Selecionamos dois dos estudos que devem ter o maior impacto na prática médica ao longo dos próximos anos. AR-V7 pode ser importante marcador para definir tratamento Um estudo conduzido pelo pesquisador Emmanuel Antonarakis, da Universidade Johns Hopkins, apontou que o receptor de androgênio mutado AR-V7 pode ser um importante biomarcador para ajudar a determinar a melhor conduta para pacientes com câncer de próstata resistente à castração. Pesquisas anteriores já tinham ligado a expressão sérica de AR-V7 à resistência a dois novos e importantes medicamentos antiandrogênicos – a enzalutamtida e a abiraterona. A equipe que conduziu o estudo resolveu, então, analisar se o receptor de androgênio também afetava o uso de taxanos. Os pacientes foram divididos em dois braços de acordo com a expressão do marcador – um com pacientes positivos para AR-V7 e outro com AR-V7negativo. A diferença entre os índices de resposta do PSA (65% e 41%, respectivamente) não foi significativa entre os dois braços. Entre os pacientes AR-V7-positivos tratados com enzalutamida ou abiraterona, confirmouse baixa resposta de PSA, porém melhor resposta a terapia baseada em quimioterapia com taxanes. Para os pacientes negativos para AR-V7 não houve diferença significativa nos tratamentos com taxanos e antiandrogênicos, porém manteve-se alta taxa de resposta as te-

rapias hormonais. Para o doutor Antonarakis, por mais que os resultados sejam bastante significativos, ainda é necessário conduzir novos estudos, desta vez randômizados, para validar estes dados, porém, nesta segunda publicação a cerca da importância do AR-V7 como biomarcador, sugere-se que pacientes AR-V7-positivos sejam melhor tratados com terapia a base de taxanes em detrimento de terapias hormonais com abiraterona ou enzalutamida.

Variações genéticas do SLCO2B1 e importância na sensilidade a terapia de bloqueio androgênico Uma pesquisa do Dana-Farber Cancer Institute apontou que os polimorfismos genéticos do SLCO2B1 estão relacionados à alterações na taxa de progressão e de sobrevida em pacientes em terapia de deprivação de andrógeno (ADT, na sigla em inglês). Segundo o doutor Philip W. Kantoff, líder do estudo, tal fato está relacionado à eficiência com que as variações genéticas desta enzima transportam o sulfato de desidroepiandrosterona (DHEAS) para as células tumorais da próstata. O estudo envolveu dois grupos distintos – sendo um deles de validação, com 616 pacientes, e o outro a coorte original, com 548 pacientes – que foram tratados com ADT de

1993 até hoje. A análise dos dados mostrou que o rs12422149, um polimorfismo de nucleotídeo simples (SNP, na sigla em inglês) do SLCO2B1, estava associado ao tempo de progressão em pacientes com ADT, tempo de progressão de PSA e tempo de sobrevida global. Os autores do estudo analisaram os efeitos de uma possível interação entre estatinas e o afluxo de DHEAS para as células do câncer de próstata, uma vez que os dois se utilizam a enzima SLCO2B1 para transporte transmembrana e assim poderiam competir pela mesma enzima, com estudos prévios indicando que a estatina reduz a absorração celular do DHEAS, prejudicando o crescimento de células induzidas por este andrógeno. Segundo o estudo, os pacientes tratados com estatina apresentaram um aumento médio de dez meses no tempo de progressão com ADT em comparação com quem não foi tratado com estatinas. O resultado foi positivo tanto para pacientes com metástase como para os que não apresentavam esse quadro no início da ADT. Ainda serão necessários mais estudos para entender completamente tais interações. De todo modo, Philip Kantoff aponta que os resultados são positivos, uma vez que é necessário haver maior foco nas complexas interações que drogas não relacionadas à oncologia podem ter nos tratamentos de câncer.

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curtas D’Or

Grupo Acreditar recebe certificação da Joint Commission International O Grupo Acreditar, rede que representa o Oncologia D’Or no Distrito Federal, é o primeiro serviço de cuidados ambulatoriais em oncologia e hematologia a conquistar o selo da Joint Commission International (JCI), um selo internacional de acreditação. O certificado atesta a qualidade da assistência com base no princípio de que as instituições de saúde devem ser locais seguros para a prática profissional e para o cuidado com os pacientes. “O processo de acreditação realizado pela JCI nos credencia com relação às boas práticas relacionadas aos processos, em que se observam a qualidade e a segurança em sua execução”, diz Edvaldo Bazilio, diretor assistencial do Acreditar. Ele ressalta que questões como biossegurança no gerenciamento do paciente, desde o agendamento até o manejo do paciente na infusão dos medicamentos, a multidisciplinaridade no seu atendimento e a efetiva aplicação das metas internacionais de segurança foram importantes para o recebimento do selo.

Livro da jornalista Vânia Castanheira está disponível nas unidades do Grupo A experiência da jornalista Vânia Castanheira ao se tratar de um câncer de mama virou o livro Minha Vida Comigo, da editora Ofício das Palavras. No texto, a jornalista conta sua experiência com a doença e como o diagnóstico afetou a forma como ela encarava a vida. “Ter recebido o diagnóstico nessa fase da vida não me tornou menos feliz. Tornou-me mais viva e mostrou-me que essas vicissitudes, que não me mataram, fizeram-me mais forte”, afirma. “Passei a ver o câncer não como uma doença, mas como uma cura; não como um problema, mas como uma oportunidade de mudar.” O tratamento de Vânia foi realizado no Instituto de Oncologia do Vale (IOV), do Grupo Oncologia D’Or, em São José dos Campos (SP). A força da mensagem do livro e a ligação da autora com o Grupo fizeram com que nascesse uma parceria. O Oncologia D’Or patrocinou a publicação e tem distribuído o livro aos pacientes de todas as suas unidades. Além da experiência pessoal de Vânia, o livro traz dicas de saúde, alimentação, beleza e exercícios para quem enfrenta um tratamento oncológico.

Time do Oncologia D’Or ganha reforços de peso A equipe de especialistas do Grupo Oncologia D’Or foi fortalecida com a chegada de mais dois importantes nomes da oncologia nacional. Carlos Gil, especialista em tumores de tórax, e Juliane Musacchio, médica hematologista, passam a integrar o chamado dream team no qual o grupo tem investido. Gil é uma referência internacional em tumores torácicos, e possui ph.D. em câncer de pulmão e desenvolvimento de novas drogas antineoplásicas pela Vrije Universiteit de Amsterdã. Além disso, ele é membro efetivo de importantes entidades internacionais, como ASCO, IASLC e AACR, e chefe do Serviço de Pesquisa Clínica do Inca desde 2002. Segundo o especialista, a força do time montado pelo Grupo e a possibilidade de fortalecer o desenvolvimento de suas pesquisas com apoio do IDOR foram determinantes. “Poder fazer parte deste time e ainda contar com o apoio de um instituto do porte do IDOR para o desenvolvimento de minhas pesquisas foi o que me atraiu a participar deste projeto”, afirma. Juliane é mestre e ph.D. em hematologia Universidade Federal do Rio de Janeiro, com MBA Executivo pela Coppead/UFRJ. Por seu amplo conhecimento dos mais recentes medicamentos e em transplantes de medula óssea, a doutora Juliane chega à rede como Coordenadora Nacional da Hematologia do Grupo.Ela é membro efetivo de entidades internacionais como ASH e ASCO, da ABHH e da Câmara Técnica de Hematologia e Hemoterapia do CREMERJ. Gil e Juliane se juntam a um time de especialistas estrelado, que conta também com nomes como Daniel Herchenhorn, Gilberto Amorim, Maria de Lourdes Oliveira, Anderson Silvestrini, Markus Gifone e Glauber Leitão.

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Anvisa aprova uso da enzalutamida A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deu sinal verde para o uso da enzalutamida no tratamento de pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração. O pedido foi feito pela Astellas, que comercializará o medicamento sob o nome comercial Xtandi. O uso do produto já havia sido aprovado por órgãos reguladores internacionais. Nos Estados Unidos a liberação ocorreu em 2012. No ano seguinte, ele também estava liberado na Europa. A enzalutamida é um inibidor da via de sinalização do receptor de andrógeno indicado para o tratamento de pacientes com metástases de câncer de próstata resistente à castração, que já receberam o docetaxel. A eficácia e a segurança da nova droga foram avaliadas em estudo de fase III, controlado por placebo e multicêntrico, conhecido como AFFIRM, que avaliou 1.199 pacientes. Os pacientes tratados com enzalutamida tiveram um aumento estatisticamente significativo da sobrevida global mediana em comparação com o grupo do placebo: 18,4 meses no grupo com o medicamento contra 13,6 meses no grupo com placebo. No resultado geral, foi constatado que no tratamento com a enzalutamida houve uma redução de 37% no risco de morte em comparação com placebo.

FDA libera novas abordagens O Food and Drug Administration (FDA), órgão de vigilância sanitária dos Estados Unidos, aprovou recentemente importantes avanços para o tratamento de pacientes oncológicos. Exemplo disso é a liberação do primeiro tratamento imunológico para câncer de pulmão. A droga aprovada é o Opdivo (nivolumabe), do laboratório Bristol-Myers Squibb, que já era indicado para o tratamento de casos avançados de melanoma. O sinal verde da agência foi bastante comemorado por oncologistas americanos, uma vez que o câncer de pulmão está entre as principais causas de morte no país, com 160 mil óbitos por ano. Ainda não há expectativa da aprovação dessa droga para tratamentos no Brasil. Outro movimento do FDA bastante comemorado foi a aprovação da primeira droga biológica de baixo custo dos Estados Unidos. A questão dos custos desse tipo de medicamento vinha sendo bastante debatida, uma vez que seus preços elevados podem comprometer a possibilidade de muitos tratamentos. O FDA deu o aval para uma versão criada pela Novartis para o Neupogen, medicamento utilizado no tratamento de neutropenia, uma disfunção no número de neutrófilos circulantes comumente apresentada por pacientes de câncer. O órgão aprovou o uso do medicamento por diversos tipos de pacientes, inclusive aqueles submetidos a transplantes de medula ou que recebem algum tipo de quimioterapia. Estimase que o novo medicamento pode representar uma economia de US$ 5,7 bilhões ao sistema de saúde americano durante a próxima década.

Estudo aponta vantagens da químio adjuvante para câncer de bexiga Pacientes que receberam quimioterapia depois uma cirurgia para retirada de tumor na bexiga apresentaram aproximadamente 30% menos risco de morte do que aqueles que tiveram indicação apenas do procedimento cirúrgico. A conclusão é de um estudo conduzido por pesquisadores do Hospital Mount Sinai, de Nova York, e apresentado na edição deste ano do Genitourinary Cancers Symposium, principal evento do mundo sobre tumores geniturinários. Até hoje, a maioria dos estudos apontava para a importância da quimioterapia antes da realização da cirurgia em pacientes com câncer de bexiga, e os dados dos estudos que buscavam descobrir os efeitos da quimioterapia adjuvante eram de difícil interpretação. O levantamento da equipe do Mount Sinai levou em consideração uma grande base de dados de pacientes americanos. Segundo Matthew Galsky, líder da equipe que conduziu a pesquisa, os dados apontaram para uma maior sobrevida global dos pacientes submetidos à quimioterapia adjuvante após a cirurgia em comparação aos que ficaram apenas em observação pós-cirúrgica. Foram analisadas informações sobre 5.653 pacientes, dos quais 1.293 receberam químio adjuvante. O restante foi submetido apenas à cirurgia. “Quimioterapia antes da cirurgia se mantém como a melhor abordagem para pacientes com câncer de bexiga, baseado nas evidências de que dispomos. Porém, essa pesquisa pode ajudar a orientar melhor o tratamento de pacientes com câncer de bexiga que não tenham recebido quimioterapia antes da operação”, afirma o doutor Galsky.

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Decisões conjuntas melhoram percepção sobre tratamento Pacientes com câncer que não participam das tomadas de decisão referentes a seu tratamento tendem a ter uma avaliação menos positiva sobre a qualidade dos cuidados do que aqueles que acompanham mais de perto as escolhas da equipe médica. É o que indica um estudo conduzido pelo Dr. Kenneth Kehl, do MD Anderson Cancer Center. “Descobrimos que pacientes com tumores de pulmão ou colorretal que se sentiam mais envolvidos nas tomadas de decisão sobre o tratamento tinham uma melhor percepção sobre a qualidade do cuidado recebido e da comunicação com seus médicos”, afirma Kehl. Apesar de acreditar que o resultado evidencia a importância de se compartilhar as decisões com os pacientes, os pesquisadores dizem não ter reunido evidências se as decisões conjuntas afetam de alguma forma a qualidade do tratamento. Segundo o levantamento, mesmo pacientes que afirmam ter preferências por médicos que controlem sozinhos todas as decisões clínicas demonstram, ao final do tratamento, maior satisfação com as decisões compartilhadas. A pesquisa foi publicada no JAMA Oncology e resultou de uma coleta de dados com mais de 5,3 mil pacientes com câncer de pulmão ou de cólon. Esses pacientes relataram seu papel em mais de 11 mil decisões sobre o tratamento, comentando tanto sobre sua percepção da qualidade do cuidado como o quão efetiva foi a comunicação com os médicos. A maioria, 58%, apontou preferir uma decisão compartilhada, enquanto 6% disseram não querer se envolver na escolha das condutas. O restante, 36%, preferiria um cenário em que apenas a opinião do paciente contasse. Na prática, 44% das decisões foram compartilhadas, 39% couberam aos pacientes (sobretudo sobre cirurgias) e 17% foram tomadas pelos médicos sozinhos.

Pacientes que tiveram AVC tem maior chance de desenvolver câncer Pessoas que sofreram derrame têm maiores riscos de terem câncer no futuro do que aquelas que não enfrentaram esse problema. A conclusão é de um estudo apresentado na Conferência Internacional sobre AVC deste ano, organizada pela American Stroke Association. “Nós já sabíamos que pacientes com câncer tinham mais chance de ter um derrame. Mas nos perguntamos o que descobriríamos se olhássemos para os índices de câncer entre os sobreviventes de AVCs isquêmicos”, afirma Malik Adil, chefe da equipe que comandou o estudo. O time analisou dados de 3.247 pacientes com mais de 35 anos que sofreram AVCs entre 1997 e 2001. No levantamento, os pesquisadores descobriram que os índices anuais de incidência de câncer são maiores neste grupo do que na população em geral. O risco é 1,2 vezes maior no primeiro ano e 1,4 vezes maior em dois anos. Segundo Adil, uma das possíveis causas é que como o derrame reduz a quantidade de oxigênio circulante, devido ao bloqueio das veias, isso pode destruir tecidos e dar início a uma série de eventos que alteram a fisiologia das células e podem levar ao câncer. Os tipos de tumores desenvolvidos pelos pacientes analisados são bastante variados, incluindo pele, próstata, mama, pulmão e bexiga. “O estudo indica que pessoas que sofreram AVC devem discutir com seus médicos a necessidade de antecipar exames de rastreamento”, diz o médico que conduziu a pesquisa.

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Mais uma pesquisa reforça ligação entre obesidade e câncer Mulheres obesas têm cerca de 40% mais chance de desenvolver alguns tipos de câncer do que as pacientes com pesos considerados saudáveis. As conclusões, que reforçam as teorias que relacionam excesso de peso e o surgimento de tumores, foram divulgadas pelo Cancer Research UK. Segundo os pesquisadores, são sete os tipos de câncer que têm seus riscos aumentados por conta da obesidade. Entre eles estão os tumores de intestino, de mama, de vesícula, de útero, de rim, de pâncreas e esôfago. A cada 1.000 mulheres obesas, 274 devem ser diagnosticadas com um desses tipos de câncer. Entre as pacientes com peso considerado saudável o índice cai para 194 diagnósticos a cada 1.000.


Medicamento para LLC é liberado no Brasil A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso do medicamento obinutuzumabe para o tratamento de pacientes diagnosticados com leucemia linfocítica crônica (LLC). O pedido de registro foi realizado pela Roche, que comercializará o medicamento sob o nome Gazyva. O medicamento é um anticorpo monoclonal modificado por glicoengenharia, que atua em conjunto com o sistema imunológico e ataca as células que possuem certos marcadores na superfície. Associado às células de defesa do organismo, essa molécula potencializa a capacidade de provocar a morte das células cancerosas. Esta é primeira droga aprovada no país pertencente a uma classe de biológicos indicada para o tratamento de LLC em pacientes não tratados previamente, com comorbidades e inelegíveis a fludarabina. Os estudos que basearam a aprovação do medicamento apontaram para um aumento de 13,8 meses na sobrevida livre de progressão de doença em comparação com rituximabe e de 18,8 meses em comparação com o clorambucil. A pesquisa contou com a participação de 780 pacientes, de diversos países.

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calendário 2015 Evento

Data

Local

Informações

VII COMLAT – Congresso Latino-Americano de Geriatria e Gerontologia

9 de abril

Belém – PA

http://comlat2015.com.br/

9 a 11 de abril

Rio de Janeiro – RJ

www.galppe-eventos.com.br/Agenda.asp

2015 Highlights of ASH na América Latina

23 e 24 de abril

Colômbia

www.hematology.org/Highlights/ Latin-America.aspx

VII Congresso da ANERJ

14 a 16 de maio

Rio de Janeiro – RJ

http://migre.me/pb9eP

XXXVIII Congresso de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro

14 a 17 de maio

Rio de Janeiro - RJ

www.sgorj.org.br/agenda

AUA Annual Meeting 2015

15 a 19 de maio

New Orleans – EUA

www.aua2015.org/]

XIX Congresso da Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica

27 a 29 de maio

Fortaleza – CE

http://torax2015.com.br/

ASCO 2015

29 de maio a 2 de junho

Chicago – EUA

http://am.asco.org

Seminário Regional Sobrafo 2015 - Curitiba

30 de maio

Curitiba – PR

www.sobrafo.org.br/

XVIII Congresso Brasileiro de Mastologia

3 a 6 de junho

Curitiba – PR

http://cancerdemama2015.com.br/

11º IGCC – Congresso Internacional de Câncer Gástrico

4 a 6 de junho

São Paulo – SP

www.11igcc.com.br

VI Congresso Brasileiro de Nutrição Integrada (CBNI) Ganepão 2015 e II Congresso Brasileiro de Pre, Pro e Simbiótico (PreProSim)

16 a 20 de junho

São Paulo – SP

www.ganepao.com.br

XVII Congresso da Sociedade Brasileira de Radioterapia

17 a 20 de junho

Foz de Iguaçu -PR

http://rvmais.com.br/eventos/

6º INSIGHT – Internacional Society for Gastrointestinal Hereditary Tumours

18 a 20 de junho

São Paulo – SP

www.2015insight.com/

WIN Symposium

29 a 30 de junho

Paris – França

www.winsymposium.org/

XXV Jornada da Gastroenterologia do Rio de Janeiro

Calendário de eventos de 2015 completo e atualizado:

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