Onco& Ano V n. 26

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www.revistaonco.com.br

novembro/dezembro 2014 Ano 5 • n º 26

Oncologia para todas as especialidades

Entrevista

Especialista em mieloma múltiplo, Angelo Maiolino defende a busca por uma solução econômica que garanta o acesso a medicamentos de ponta

Políticas Públicas

Entidades ligadas ao câncer se unem por uma agenda única para pressionar por mudanças

Cuidados Paliativos A eficácia das abordagens precoces

Obesidade, o mal do século também para a oncologia do bem | campanhas | transplante medula óssea


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sumário

entrevista

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capa

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Estudos avançam na conexão entre a obesidade e o risco de câncer

transplante medula óssea

21

A revolução dos procedimentos com doadores 50% compatíveis Jairo J.N. Sobrinho

cuidados paliativos

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Abordagens precoces minimizam sofrimento físico e emocional Sandra Caíres Serrano

políticas públicas

34

Iniciativa inédita no Brasil reúne entidades para montar uma pauta única de reivindicações ao poder público

do bem

39

Apoio psicológico a paciente com câncer para melhorar a adesão ao tratamento e ajudar nos mecanismos de enfrentamento da doença

curtas

42

Novidades sobre pesquisas, parcerias e eventos: um giro pelo mundo da oncologia

curtas esmo

44

Os principais destaques do Congresso da sociedade europeia de oncologia

campanhas

46

Fique por dentro das ações sobre câncer que ganharam destaque na mídia e nas redes sociais

mundo virtual

48

Aplicativos para tablets e smartphones que ajudam médicos a se manter sempre atualizados para o diagnóstico e tratamento de seus pacientes

acontece

49

Fique por dentro dos congressos, simpósios, encontros de atualização e outros tantos eventos da área

calendário

50

Programe-se: eventos e congressos que estão por vir

Angelo Maiolino fala sobre novos fármacos, terapias combinadas e pede mais transparências na avaliação de novas drogas no Brasil


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Conselho editorial Editor clínico: Sergio D. Simon

I – Cancerologia clínica

II – Cancerologia cirúrgica

IV – Patologia

Oncologia clínica:

Abdômen:

André Moraes (SP) Anelise Coutinho (BA) Artur Katz (SP) Auro Del Giglio (SP) Carlos Sampaio (BA) Clarissa Mathias (BA) Claudio Petrilli (SP) Daniel Herchenhorn (RJ) Fernando Maluf (SP) Fernando Medina (SP) Igor Morbeck (DF) Jacques Tabacof (SP) João Nunes (SP) José Bines (RJ) Karla Emerenciano (RN) Marcelo Aisen (SP) Marcelo Collaço Paulo (SC) Maria de Fátima Dias Gaui (RJ) Mario Luiz Silva Barbosa (SP) Nise Yamaguchi (SP) Oren Smaletz (SP) Paulo Marcelo Gehm Hoff (SP) Roberto Gil (RJ) Sebastião Cabral Filho (MG) Sérgio Azevedo (RS) Sergio Lago (RS)

Ademar Lopes (SP) José Jukemura (SP) Laercio Gomes Lourenço (SP) Marcos Moraes (RJ) Paulo Herman (SP)

Carlos Bacchi (SP) Felipe Geyer (SP) Fernando Soares (SP)

Onco-hematologia: Carlos Chiattone (SP) Carmino de Souza (SP) Daniel Tabak (RJ) Jane Dobbin (RJ) Nelson Spector (RJ) Vânia Hungria (SP)

Transplante de medula: Jairo Sobrinho (SP) Luis Fernando Bouzas (RJ) Nelson Hamerschlak (SP) Yana Novis (SP)

Ginecologia: Jorge Saad Souen (SP) Sérgio Mancini Nicolau (SP) Sophie Derchain (SP)

Mama: Alfredo Barros (SP) Antonio Frasson (SP) Carlos Alberto Ruiz (SP) Maira Caleffi (RS) Ruffo de Freitas (GO)

Neurologia: Manoel Jacobsen Teixeira (SP) Marcos Stavale (SP)

V – Cuidados paliativos e dor Ana Claudia Arantes (SP) Fabíola Minson (SP) João Marcos Rizzo (RS) Ricardo Caponero (SP)

VI – Pesquisa Carlos Barrios (RS) Conceição Accetturi (SP) Everardo D. Saad (SP) Greyce Lousana (SP) Gustavo Werutzky (RS)

VII – Radiologia e diagnóstico por imagem Jairo Wagner (SP)

Cabeça e pescoço:

VIII – Radioterapia

Luis Paulo Kowalski (SP) Vergilius Araújo (SP)

João Victor Salvajoli (SP) Ludmila Siqueira (MG) Paulo Novaes (SP) Robson Ferrigno (SP) Rodrigo Hanriot (SP) Wladimir Nadalin (SP)

Tecido osteoconjuntivo: Olavo Pires de Camargo (SP) Reynaldo J. Garcia Filho (SP)

Tórax: Angelo Fernandez (SP) Riad Naim Younes (SP)

IX – Especialidades médicas

Urologia:

Cardiologia:

Antônio Carlos L. Pompeu (SP) Miguel Srougi (SP)

Roberto Kalil Filho (SP)

III – Biologia molecular

Mario Luiz Silva Barbosa (SP)

Ada Alves (RJ) André Vettore (SP) Carlos Gil (RJ) Helenice Gobbi (MG) José Cláudio Casali (RJ) Luísa Lina Villa (SP) Maria Isabel Achatz (SP)

Gastroenterologia:

Clínica médica:

Carlos de Barros Mott (SP)

Geriatria: Wilson Jacob Filho (SP)

Pneumologia: Carlos Roberto de Carvalho (SP)

Ano 5 • número 26 novembro/dezembro 2014 Publisher Simone Simon simone@iasoeditora.com.br Editorial Jiane Carvalho jiane@iasoeditora.com.br Subeditor Gabriel Ferreira gabriel@iasoeditora.com.br Direção de arte/Prepress Ione Franco ione@iasoeditora.com.br Consultora médica Cristiane Benvenuto Andrade Revisão Patrícia Villas Bôas Cueva

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novembro/dezembro 2014 Onco&

Impressão: Ipsis Gráfica Tiragem: 10 mil exemplares ISSN: 2179-0930 Jornalista responsável: Jiane Carvalho (MTb 23.428/SP) Colaboraram nesta edição: Angelo Maiolino, Antonio Carlos Buzaid, Carlos Henrique E. Barrios, Frederico Perego Costa, Jairo J.N. Sobrinho, Lourdes Rodrigues, Regiane de Oliveira, Sandra Caíres Serrano, Viviane Gomes Acompanhe a Onco& no Facebook e no Twitter

A revista Onco& – Oncologia para todas as especialidades, uma publicação da Iaso Editora, especializada em comunicação médica, traz informações sobre oncologia a profissionais de todas as especialidades médicas. De circulação bimestral, tem distribuição nacional e gratuita por todo o território nacional. A reprodução do conteúdo da revista é permitida desde que citada a fonte. A opinião dos colaboradores não reflete necessariamente a posição da revista.

www.iasoeditora.com.br • www.revistaonco.com.br (11) 2478-6985 (redação) – (21) 3798-1437 (comercial)


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Obesidade, preocupação crescente entre os oncologistas

A

ASSOCIAÇÃO ENTRE OBESIDADE E INCIDÊNCIA DE

ALGUNS TIPOS DE CÂNCER VEM GANHANDO ES-

PAÇO NOS FÓRUNS INTERNACIONAIS DE ONCOLOgia com estudos comprovando o maior risco de obesos desenvolverem neoplasias. A Onco& dedica a reportagem de capa desta edição – a última de 2014 – a traçar um panorama geral sobre o tema. A repórter Lourdes Rodrigues apresenta estudos internacionais que revelam evidências amplas de que o excesso de gordura corporal, e o consequente aumento nos níveis de hormônios circulantes, eleva o risco de desenvolvimento de cânceres como fígado, vesícula e útero. Um alerta não só para os oncologistas, mas também para os que não atuam na área, fundamentais na prevenção da obesidade e responsáveis muitas vezes pelo primeiro diagnóstico da doença. Também nesta reportagem, Merula Steagall, presidente da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), conta sobre a tentativa de unir entidades diferentes para que debatam e apresentem, de forma conjunta, os pleitos para melhorar diagnóstico e tratamento do câncer no Brasil. O evento Todos Juntos Contra o Câncer, em que foram discutidas propostas amplas o acesso a novas terapias e a utilização de incentivos fiscais na área de saúde, conseguiu reunir 107 entidades sinalizando o apoio geral à proposta de união de esforços.

Na entrevista desta edição, o especialista em mieloma múltiplo Angelo Maiolino, diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), reclama da falta de transparência nas decisões da Anvisa e propõe a busca por uma solução alternativa que garanta o acesso dos brasileiros aos tratamentos de ponta sem onerar excessivamente o Sistema Único de Saúde (SUS). Sobre a pesquisa clínica no Brasil, Maiolino não economiza palavras: “A situação do Brasil é humilhante”. Com o tema “Medicina personalizada no tratamento de câncer”, a reunião anual da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO), realizada em Madri, foi marcada pela divulgação de uma série de estudos oncológicos com elevado potencial de impacto na forma como os pacientes são tratados. Os pontos mais relevantes de alguns desses estudos, como o CLEOPATRA, voltado para o câncer de mama, você encontra também nesta edição da Onco&. Boa leitura!

Simone Simon Publisher Contato: simone@iasoeditora.com.br

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entrevista

Solução para acesso a remédios de ponta precisa ser debatida O onco-hematologista Angelo Maiolino, apontado com uma das referências em mieloma múltiplo, fala sobre novos fármacos, terapias combinadas e pede mais transparência na avaliação de novas drogas no Brasil Por Jiane Carvalho

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PONTADO COMO UMA DAS PRINCIPAIS REFERÊNCIAS

Divulgação

EM ONCO-HEMATOLOGIA DO PAÍS, O ESPECIALISTA

Angelo Maiolino * Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) Contato: recepcao@cponco.com.br

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EM MIELOMA MÚLTIPLO ANGELO MAIOLINO PAUTA seu discurso pela sobriedade. Otimista em relação aos avanços nas diferentes formas de abordagem da doença, é crítico em relação às tentativas de melhorar a transparência no relacionamento entre a Anvisa e a classe médica. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), Maiolino considera a lentidão da Anvisa como um entrave aos avanços terapêuticos no país, mas reconhece que o escopo de atuação do órgão é excessivamente amplo. “A Anvisa analisa de remédios para tratamento oncológico a xampu para cabelo, o que não é razoável.” Maiolino, que também é coordenador do Programa de Transplante de Medula do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, defende a busca por maior transparência na atuação do órgão e por um modelo que garanta acesso aos novos fármacos, lembrando experiências exitosas no Canadá e na Inglaterra. Com uma carreira totalmente dedicada à oncohematologia, o professor começou na área enquanto ainda fazia residência e participou de um programa voltado para transplante de medula óssea. “Logo me

interessei pelo tema e não parei mais, fiquei um tempo voltado apenas para transplante, quando ajudei a implantar o programa de transplante no Hospital do Fundão, mas depois voltei o foco para o mieloma”, lembra o professor Maiolino. O mieloma múltiplo é um tipo de câncer de sangue que pode ser assintomático, o que retarda em muito o diagnóstico, ou sintomático, marcado por anemia, fraqueza e dor nos ossos. “Temos avançado nesse item, mas ainda considero demorado o diagnóstico”, comenta o professor, lembrando que a doença é o segundo tipo de câncer hematológico mais frequente e acomete cada vez mais pacientes entre 40 e 50 anos. Otimista, Maiolino põe em primeiro plano os avanços terapêuticos para tratamento da doença que vêm elevando a sobrevida dos pacientes, destacando a associação do bortozomibe – fornecido pelos planos de saúde, mas com distribuição irregular pelo SUS – com a lenalidomida – um imunomodulador que não provoca efeitos indesejáveis como neuropatias, ao contrário da talidomida. Disponível em 80 países, a lenalidomida foi reprovada pela Anvisa, decisão muito criticada pelo médico. “Não tem nenhum sentido esta decisão, a falta de transparência é grande nos processos de avaliação”,


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diz o médico, lembrando que há dezenas de pacientes que já usam a lenalidomida com base em decisões judiciais. Nesta entrevista concedida à revista Onco&, Angelo Maiolino traça um panorama dos avanços no tratamento do mieloma múltiplo, reclama da falta de isonomia dentro da própria rede que atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e destaca avanços importantes na farmacologia e no diagnóstico dos diferentes tipos de câncer do sangue.

Onco& – Como o senhor avalia a situação atual

Para o tratamento da leucemia linfoide crônica (LLC) e do mieloma, 90% dos medicamentos citados lá fora como novas referências, e já em estágio fase III de aprovação, não estão nem sendo cogitados ou analisados aqui no país

das doenças onco-hematológicas no Brasil?

Angelo Maiolino – Na parte de diagnóstico a situação chega a ser satisfatória, não é o ideal, mas evoluiu muito nos últimos anos. O Brasil tem conseguido acompanhar os programas de diagnóstico, incluindo os avanços sobre a patologia em termos moleculares. É inegável que há algum atraso, mas ele hoje é pequeno.

Onco& – A queixa da classe médica em relação à lentidão da Anvisa é frequente. Por que isso ocorre? Qual a causa de tanta burocracia? Angelo Maiolino – Antes de mais nada, é preciso reconhecer um fato. O escopo de atuação da Anvisa é muito amplo, eles analisam de remédios para tratamento oncológico a xampu para cabelo, o que não é razoável. Recentemente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aprovou o uso de drogas orais, após muita pressão, o que é um avanço. E todos sabemos que na avaliação dos novos fármacos também entra o custo do medicamento, que terá de ser incorporado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mas para negar a incorporação de um novo remédio, a Anvisa alega de tudo, dificulta o processo de todas as formas. Há uma total ausência de transparência na forma de atuação da Anvisa, eles nunca dizem claramente o porquê das decisões. Onco& – Há espaço para o diálogo entre a classe

Onco& – A informação, pelo que o senhor está descrevendo, chega até a rede de atendimento do país, mas e o acesso aos tratamentos? Angelo Maiolino – O brasileiro portador de alguma neoplasia tem sim acesso às novas terapias que foram surgindo, mas precisamos frisar que no país nada é homogêneo. Nos laboratórios privados, por exemplo, a situação é bem mais avançada. Em alguns casos, quando não se tem conhecimento técnico aqui, o material é enviado ao exterior para análise. Os procedimentos disponíveis são amplos e rápidos, mas não estão igualmente distribuídos pelo país. Se falarmos apenas dos cânceres do sangue, também há acesso aos novos tratamentos, mas eu diria que a situação é um pouco mais desigual.

médica e a Anvisa e ambiente para mudanças que atendam melhor às expectativas? Angelo Maiolino – Eles dizem o tempo todo que vão rever os processos. Mostram-se interessados em dialogar com a classe médica, com as entidades, mas essa disposição não avança, nada acontece na prática. A última sinalização positiva da Anvisa para mudar seus procedimentos ficou só no discurso. Chegaram a dizer que, quando o FDA nos Estados Unidos aprovasse, o trâmite de um remédio aqui seria mais rápido, mas ficou só na retórica. Até mudança de bula, uma simples atualização, é lenta. O laboratório pede a mudança e, enquanto a Anvisa não autoriza, a bula já fica defasada.

Onco& – Quais as consequências dessa demora Onco& – No que a situação é mais desigual? Angelo Maiolino – Por exemplo, na incorporação de fármacos recém-desenvolvidos, que é muito lenta. Não temos a velocidade necessária para acompanhar os padrões terapêuticos. A Anvisa é muito lenta e burocrática, mas o pior de tudo é a falta de transparência no processo de avaliação e de aprovação dos novos fármacos, o que prejudica muito os pacientes que necessitam de determinado remédio.

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na incorporação de novos fármacos para o trabalho do oncologista? Angelo Maiolino – São inúmeras as conseqüências, tanto para os oncologistas, que ficam com menos possibilidades de abordagem da doença, quanto para os seus pacientes, que muitas vezes têm de recorrer à Justiça. Por exemplo, para o tratamento da leucemia linfoide crônica (LLC) e do mieloma, 90% dos medicamentos citados lá fora


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como novas referências, e já em estágio fase III de aprovação, não estão nem sendo cogitados ou analisados aqui no país. De tudo que eu vi de novo no principal congresso mundial de hematologia, o American Society of Hematology (ASH), não temos nada disponível aqui ainda. O efeito disso é a judicialização do tratamento, com inúmeros pacientes tendo de recorrer ao Judiciário para ter acesso às novidades. A discussão sobre o custo dos novos fármacos não é só nossa. Países como Inglaterra e Canadá acharam uma solução intermediária, que passa por regras e procedimentos bastante transparentes.

Onco& – Em termos de fármacos, o que temos de novidade para o tratamento onco-hematológico já disponível no país? Angelo Maiolino – Acho que o mais importante a citar é um fármaco para o linfoma Hodgkin, o Brentuximab Vedotin, que foi aprovado recentemente pela Anvisa. Foi a surpresa positiva em meio a muitas reprovações. Foi um caso raro de surpresa. Hoje, temos mais ou menos 20% dos pacientes com a doença Hodgkin que não respondem à quimioterapia. O remédio é indicado especificamente para esses pacientes que não responderam à quimioterapia.

Onco& – Quais são as doenças onco-hematológicas de maior in-

Onco& – A Anvisa ficou anos analisando a aprovação da lenalidomida e, no final, acabou negando o registro. Como o senhor avalia essa decisão? Angelo Maiolino – Este é de fato o caso mais emblemático recente envolvendo uma negação da Anvisa. Eles consideraram insuficientes os estudos disponíveis sobre a eficácia da droga. Ela já é aprovada nos Estados Unidos e na Europa, em mais de 80 países, mas a Anvisa considera mesmo assim que faltam dados. Sempre se pode pedir reavaliação, mas são mais alguns anos esperando uma decisão.

cidência no Brasil?

Angelo Maiolino – Em linhas gerais, é difícil saber qual a de maior incidência, porque há mais de dez tipos de leucemia, 40 subtipos de linfoma. E o próprio mieloma múltiplo, que não é tão raro quanto muitos pensam, não deixa de ser um tipo de linfoma. O mais importante a frisar é que a incidência dos problemas oncológicos, incluindo os do sangue, está aumentando muito, e vai aumentar mais ainda. Primeiro porque o diagnóstico melhorou e porque o envelhecimento da população é acelerado. O câncer vai ultrapassar as doenças cardiovasculartes como causa de morte em breve. Além disso, o câncer, devido aos tratamentos mais eficientes, em muitos casos está se tornando uma doença crônica. O mieloma, por exemplo, tinha uma sobrevida de três anos, hoje já chega a sete anos e, em breve, conseguiremos prolongar a vida do paciente, na média, para até dez anos. Aí será um novo impasse para o financiamento dos tratamentos.

Onco& – Entre as doenças onco-hematológicas, quais apresentaram mais avanços no tratamento? Angelo Maiolino – Os avanços mais recentes, tanto em diagnóstico quanto em tratamento, foram registrados na leucemia linfoide crônica (LLC) e nos mielomas, com o surgimento de cinco ou seis fármacos que auxiliam no tratamento dos pacientes. Já para a leucemia mieloide aguda (LMA) o tratamento hoje é praticamente o mesmo que fazíamos há 40 anos.

Onco& – Por que, no caso da LMA, os avanços são tão lentos? Angelo Maiolino – É uma característica da própria doença, faltam alvos moleculares específicos para serem estudados e combatidos pelos remédios. Já a leucemia mieloide crônica (LMC) tem um alvo molecular específico, o que torna muito mais fáceis as pesquisas e o desenvolvimento de drogas terapêuticas. Hoje, a LMC é curável. Quando não temos um alvo molecular específico, é necessário utilizar terapias combinadas, normalmente quimioterapia mais transplante autólogo ou de medula.

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Onco& – E qual a solução para os pacientes que precisam da lenalidomida?

Angelo Maiolino – A solução é, de novo, via judicial. Temos hoje 200 pacientes com mieloma tratando com lenalidomida por meio de liminares judiciais. Mas isso não tira o atraso na velocidade com que os pacientes no Brasil têm acesso aos novos fármacos. Nos EUA, por exemplo, já existem outros remédios para mieloma, como o pomalidomide. E não há hoje nem chances de o fármaco vir para o Brasil e ser aprovado.

Onco& – No caso da lenalidomida, quais as vantagens para o paciente?

Angelo Maiolino – A lenalidomida aumenta em muito a sobrevida do paciente. Há vários estudos comprovando isso. O mais interessante é que a solicitação para registro no Brasil nem visava seu uso em primeira linha, para início de tratamento, mas só em segunda linha, quando já houve a recidiva da doença. E mesmo assim foi negado. Nós sabemos que o custo do remédio é maior que outras drogas, mas isso é muito relativo, é uma discussão sem fim.

Onco& – Relativo em que sentido? Angelo Maiolino – Uns vão dizer que a indústria investe, demora anos pesquisando e, portanto, não é tão caro. Outros já veem exagero no valor cobrado pela indústria, mesmo com todo o investimento, risco e tempo para desenvolver a droga. De fato, os testes incluem vá-


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rias moléculas e por longos períodos. O que importa para um oncologista e seu paciente é buscar formas de acesso ao remédio.

Onco& – Que tipo de solução, do ponto de vista econômico, poderia ser encontrada? Angelo Maiolino – Solução existe, sim. É preciso disposição para achar um modelo. Na Inglaterra e no Canadá há diretrizes voltadas para garantir o acesso a medicamentos de ponta inclusive no sistema público. Há um modelo de coparticipação em que o paciente que pode arca com uma parte do custo. No Brasil, nem dentro do próprio SUS tem equidade. Uns hospitais têm determinado medicamento, atendendo pelo SUS, e outros na mesma condição não têm acesso. O nosso hospital (Hospital Universitário Clementino Fraga Filho), como não tem verba direta do Ministério da Saúde, não tem alguns remédios que outros oncocentros do Rio, que dispõem de verbas específicas vindas da pasta, conseguem comprar. São modelos diferentes de financiamento, não há equidade.

Onco& – Quais são hoje os índices de incidência do mieloma por faixa etária? Ainda é uma doença mais comum nos idosos? Angelo Maiolino – No mieloma múltiplo a maior incidência, cerca de 80%, é em pacientes com mais de 60 anos, mas tem muita gente com a doença na faixa de 40 a 50 anos. O motivo é que o diagnóstico está sendo feito mais precocemente. Mas, apesar da melhora, ainda acho tardio o diagnóstico, tem de avançar mais. É o segundo tipo de câncer hematológico mais frequente. Muitos pacientes chegam ao hospital já com a doença avançada. Basicamente tratamos com medicamentos e transplante autólogo de medula. Os fármacos mais comuns são talidomida, distribuída pela estrutura pública, e bortezomib, que é um produto mais novo, mas por enquanto só os convênios fornecem, então não é acessível a todos. É mais um remédio que aguarda a inclusão no SUS.

Onco& – No geral, o que temos disponível no país hoje para tratamento dos pacientes com mieloma é adequado? Angelo Maiolino – Os tratamentos de primeira linha vão bem. Quando a doença volta é que é mais difícil tratar, e nesses casos eu posso dizer que faltam, sim, opções medicamentosas. Nos tratamentos de terceira linha a situação é pior ainda. Nós só fazemos transplante autólogo, que ajuda muito no tratamento, para pacientes em bom estado de saúde e até 70 anos. A técnica para o transplante não mudou muito nos últimos anos, mas a melhora nos resultados se deve ao suporte, que avançou bem, com antibióticos mais eficazes que ajudam no sucesso do transplante autólogo. Hoje, a taxa de insucesso é baixa, de 1% dos pacientes.

Onco& – Em relação às taxas de sobrevida dos pacientes, há avanços? Angelo Maiolino – Não é uma doença simples, mas temos melhorado, sim. A taxa de sobrevida está evoluindo bem, saltou de três para sete anos e pode ir além. Há avanços nos fármacos, no diagnóstico mais precoce, nas terapias combinadas. Enfim, aos poucos a situação dos pacientes vai melhorando. Onco& – Em relação às pesquisas clínicas envolvendo o mieloma múltiplo, como o Brasil se posiciona? Angelo Maiolino – Nós recebemos muitos convites para participar, mas o processo de regulação é longo, a Anvisa é muito morosa e não dá tempo de incluir nossos pacientes. Perdemos um estudo recente sobre mieloma por falta de tempo hábil. Não posso citar qual o estudo, mas simplesmente não conseguimos. É claro que os critérios precisam ser rigorosos, mas com menos burocracia, porque isso prejudica a pesquisa no Brasil e muito. Só falando em mieloma, temos hoje globalmente mais de 300 estudos em andamento. Chego a dizer que essa situação é humilhante para o Brasil.

O câncer, devido aos tratamentos mais eficientes, em muitos casos está se tornando uma doença crônica. O mieloma, por exemplo, tinha uma sobrevida de três anos, hoje já chega a sete anos e, em breve, conseguiremos prolongar a vida do paciente, na média, para até dez anos

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apoio Roche

Webmeeting divulga resultados do estudo Cleópatra Especialistas apresentam novo padrão de tratamento de primeira linha para câncer de mama HER-2 positivo com sobrevida mediana global de 56 meses Por Viviane Gomes

N

A NOITE DE TERÇA-FEIRA,

7 DE OUTUBRO, DOIS

CONCEITUADOS ONCOLOGISTAS BRASILEIROS

Divulgação

MEDIARAM A WEBMEETING COM ONCOLOGISTAS

Murilo Constantino/Onco&

Carlos Henrique E. Barrios

Antonio Carlos Buzaid

clínicos do país para discutir os resultados impactantes de sobrevida global final do estudo Cleópatra, patrocinado pela indústria farmacêutica Roche. Divulgado no final de setembro, no Congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Médica, em Madri, na Espanha, o estudo demonstra expressiva melhora de sobrevida de pacientes com tumor de mama HER-2 positivo metastático tratados em primeira linha com pertuzumabe, trastuzumabe e docetaxel. Carlos Henrique Escosteguy Barrios, diretor do Grupo Latino-Americano de Investigação Clínica em Oncologia (LACOG), abriu a webmeeting destacando as principais conclusões do Cleópatra e seus benefícios à prática clínica. O estudo envolveu 808 pacientes com tumor de mama HER-2 positivo de primeira linha com doença metastática, de 25 países dos cinco continentes. Elas foram randomizadas em dois grupos: o controle (406 mulheres receberam trastuzumabe, docetaxel e placebo) e o experimental (402 mulheres tratadas com pertuzumabe, trastuzumabe e docetaxel). Depois da primeira análise de sobrevida global com benefício significativamente melhor do braço à base de pertuzumabe, para as pacientes do braço controle foi oferecido o crossover para o tratamento com pertuzumabe em julho de 2012. Com seguimento mediano de 50 meses, observou-se aumento de 15,7 meses a mais de sobrevida no braço de pertuzumabe em comparação ao braço controle, o que é uma diferença conservadora, tomando em consideração que houve pacientes no braço controle que se beneficiaram depois do crossover de pertuzumabe também. O resultado da sobrevida global mediana foi de 56,5 meses com o regime à base de pertuzumabe versus 40,8 meses.

Perfil de pacientes Para participar da pesquisa foram exigiu-se:

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câncer de mama HER-2 positivo centralmente confirmado, metastático, localmente recorrente e irressecável. Terapias prévias contra a doença metástatica foi um critério de exclusão, com exceção de terapia hormonal. As pacientes foram tratadas em primeira linha para doença metastática ou localmente avançada irressecável. Terapia hormonal foi permitida para doença metastática antes da randomização, mas proibiu-se quimioterapia prévia para doença metastática. Exigiu-se tempo livre de doença de 12 meses após o tratamento neoadjuvante ou adjuvante e função cardíaca com mais de 50% de fração de ejeção no momento da randomização. Metade das participantes tinha receptor hormonal positivo. Cerca de 78% das mulheres apresentou envolvimento visceral. Do total, cerca de 50% receberam tratamento adjuvante ou neoadjuvante prévio, mas somente 10% das integrantes receberam trastuzumabe adjuvante. O estudo pretendeu responder se o tratamento à base de pertuzumabe e trastuzumabe da via HER-2 era superior ao bloqueio simples (trastuzumabe) combinado com quimioterapia. “Nós melhoramos em 15,7 meses a sobrevida das pacientes ao acrescentar o tratamento à base de pertuzumabe e trastuzumabe em primeira linha de paciente HER-2 positivo com doença metastática. Esse resultado é extremamente significativo”, ressalta Barrios, que também é diretor do Instituto do Câncer do Sistema de Saúde Mãe de Deus, em Porto Alegre. Ele acrescenta que todos os subgrupos (variáveis como região de origem, idade, presença ou ausência de doença visceral e receptores hormonais positivos e outros fatores) se beneficiaram com o tratamento à base de pertuzumabe e trastuzumabe comparado ao bloqueio simples.

Eventos adversos Barrios relembrou análises anteriores do Cleópatra e destacou que os resultados de sobrevida já indicavam vantagens a favor do tratamento à base de


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pertuzumabe e trastuzumabe, embora sem a magnitude evidenciada nesta análise final. “Se observarmos a atualização da sobrevida livre de progressão (desfecho primário de estudo), vemos que os números se mantêm com pequenas diferenças em relação à analise que declarou o estudo como positivo pela primeira vez, há dois anos.” Ele diz que, enquanto o grupo controle apresentou 12 meses de sobrevida livre de progressão, o experimental teve vantagem de mais 6,3 meses, chegando a quase 19 meses de sobrevida livre de progressão em primeira linha. O especialista informa que as mulheres no braço experimental apresentaram mais neuropenia febril e diarreia de grau 3, o que foi consistente com os resultados apresentados nas análises anteriores. Não apareceram toxicidades cumulativas e os 6 ciclos de tratamento a mais no braço de pertuzumabe (17,4 ciclos vs 11,4 ciclos no braço controle) não impactaram os eventos adversos. “Entretanto, as toxidades foram facilmente manejadas”, informa Barrios. Não houve diferença nos eventos cardíacos relacionados à introdução do tratamento à base de pertuzumabe e trastuzumabe com docetaxel.

Pós-progressão Progressão de doença foi a causa da maioria dos óbitos (49% no grupo controle e 36% no experimental). Menos de 2% das mulheres (dos dois grupos) morreram por infecção ou neutropenia febril. Após os 50 meses de acompanhamento, mais de 70% das pacientes (ambos os grupos) receberam tratamento pós-progressão. A maioria delas foi medicada com outras opções de bloqueio de HER2: trastuzumabe (40%), pertuzumabe (1%), lapatinibe (50%) e T-DM1 (10%). “Neste estudo, o tratamento pós-progressão não teve impacto na sobrevida final e o grande benefício observado na sobrevida livre de progressão se reflete na sobrevida global”, ressalta Barrios. O oncologista concluiu que os 56,5 meses de sobrevida mediana global para o grupo experimental são resultado sem precedente prévio para pacientes com câncer de mama metastático HER-2 positivo: “Isso confirma que o regime de tratamento à base de pertuzumabe e trastuzumabe é, na nossa opinião, a terapia de primeira linha, preferencial, a ser administrado sempre que disponível”. Finalizada a apresentação do Cleópatra, Barrios pergunta ao oncologista clínico Antonio Carlos Buzaid, chefe-geral do Centro de Oncologia Antônio Ermírio de Moraes, do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, sua opinião sobre a tolerabilidade e o número impressionante de quase cinco anos de sobrevida para pacientes com doença agressiva e metastática.

Avanço no tratamento HER2+ na primeira linha “Em 1998, o HER-2 positivo era considerado um fator adverso. No final dos anos 90, a sobrevida mediana global para as pacientes era de 25 meses quando tratadas com trastuzumabe e quimioterapia. Agora, com o regime à base de pertuzumabe, essas pacientes sobrevivem 56,5 meses, o número mais que dobrou. O impacto de primeira linha com adição de terapia à base de pertuzumabe e trastuzumabe é sem precedentes e é o novo padrão para tratar pacientes HER-2 positivos na primeira linha”, reforça Buzaid.

Metastáses no sistema nervoso central Barrios enaltece que, diante da sobrevida maior de pacientes HER-2 positivo, deve-se atentar ao possível aumento de metástase no sistema nervoso central (SNC) no futuro. “Como você vê essa situação e como poderemos enfrentá-la?” “De acordo com dados do próprio estudo Cleópatra, quem recebeu pertuzumabe mais trastuzumabe teve menos comprometimento do SNC provavelmente devido ao melhor controle sistêmico”, observa Buzaid. Ele diz que, no seu consultório, os casos de câncer de mama controlados são seguidos com ressonância nuclear magnética do SNC a cada seis meses para detectar pequenas metástases, tratá-las precocemente e manter a qualidade de vida das pacientes. Barrios também reforça a importância de realizar ressonância magnética ou tomografia computadorizada, mesmo em casos assintomáticos: “Dessa forma, com diagnóstico precoce de metástases no SNC, podemos indicar tratamento cirúrgico ou radiocirurgia, que podem resultar na melhor qualidade de vida”. O último bloco da webmeeting recebeu perguntas de oncologistas clínicos do Brasil sobre o Cleópatra e a abordagem terapêutica em casos específicos de pacientes no consultório. Comentário enviado por uma médica de Minas Gerais, por exemplo, observa que, na maioria dos estudos clínicos randomizados, a sobrevida dos braços controle tem melhorado bastante. Barrios responde que isso ocorre, em parte, porque os pesquisadores hoje selecionam melhor os pacientes, o que resulta em melhor resposta ao tratamento e maiores benefícios em comparação a estudos de dez anos. “Melhoramos os cuidados gerais dessas pacientes, que definitivamente vivem mais tempo. A melhor seleção das pacientes é importante na doença metastática e fundamental na doença adjuvante”, complementa Barrios. O vídeo de 60 minutos da webconferência estará disponível, até o final do mês, no site: www.dialogoroche.com.br.

Referências bibliográficas: Sandra M Swain, Sung-Bae Kim, Javier Cortés, et al. Final overall survival (OS) analysis from the CLEOPATRA study of first-line (1L) pertuzumab (Ptz), trastuzumab (T), and docetaxel (D) in patients with HER2-positive metastatic breast cancer (MBC). Abstract 350O_PR and presentation, ESMO 2014)

Este material obteve suporte e apoio de Produtos Roche Químicos e Farmacêuticos S.A. – NOV/2014 ONC 01130-2014

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Obesidade, o novo tabaco Gordura corporal em excesso aumenta os níveis circulantes de diversos hormônios, como insulina, leptina, estrogênio e fatores de crescimento (IGF-1), criando assim um ambiente favorável ao surgimento de diversos tipos de neoplasias Por Lourdes Rodrigues

U

M AMPLO ESTUDO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A

OBESIDADE E A OCORRÊNCIA DE CÂNCER, DI-

LONDON SCHOOL of Hygiene &Tropical Medicine e pelo Farr Institute of Health Informatics, chamou atenção para uma questão que já preocupava os oncologistas. Mostrou que o excesso de gordura corporal aumenta o risco de desenvolvimento dos dez tipos de câncer mais comuns: útero, vesícula, rim, cólon, mama, tireoide, leucemia, fígado, ovários e mama pós-menopausa. “Há evidências amplas e convincentes de que o excesso de gordura corporal aumenta o risco de desenvolvimento do câncer. Isso ocorre porque a gordura corporal em excesso os níveis circulantes de diversos hormônios, como insulina, leptina, estrogênio e fatores de crescimento (IGF-1), criando assim um ambiente favorável à proliferação celular e desfavorável à apoptose”, explica Maria Eduarda Melo, nutricionista da Área de Alimentação, Nutrição e Câncer do Instituto Nacional de Câncer (Inca). “As células gordurosas podem ter efeito em outras vias de sinalização que afetam a regulação do crescimento de neoplasias, como mTOR e AMPK”, VULGADO EM AGOSTO PELA

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acrescenta Gilberto Lopes, responsável pela área de oncologia do Hospital do Coração de São Paulo e membro do Comitê de Assuntos Internacionais da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO). O excesso de gordura também leva a uma resposta inflamatória crônica. Indivíduos obesos apresentam elevadas concentrações circulantes de citocinas próinflamatórias (fator de necrose tumoral, FNT; interleucina, IL-6) e proteína C reativa. Esse estado inflamatório crônico, que caracteriza o sobrepeso e a obesidade, contribui na iniciação e na progressão de diversos tipos de câncer. “Além disso, a gordura serve como depósito de hormônios, o que também favorece o desenvolvimento do câncer de mama e de próstata”, informa Ricardo Caponero, oncologista da Clinonco – Clínica de Oncologia Médica e coinvestigador de Pesquisas Clínicas Nacionais e Internacionais Multicêntricas. Apesar da relação entre obesidade e câncer, Lopes informa que cada tipo de câncer, incluindo os mais comuns constatados no estudo inglês, pode ter outros fatores de risco. “Por exemplo, início precoce da menstruação, idade mais avançada quando da primeira gravidez e não amamentar aumentam o risco de câncer de mama; exposição à radiação aumenta o risco de câncer de tireoide e leucemia.” Maria Eduarda, nutricionista do Inca, acrescenta que não se pode afirmar que, se o número de


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obesos diminuir, o número de novos casos de câncer também cairá, considerando que o câncer é uma doença multicausal. Mesmo nos tipos de câncer fortemente associados à obesidade, há inúmeros outros fatores aos quais o indivíduo obeso pode estar exposto, como tabaco, bebida alcoólica, sedentarismo, o que leva ao desenvolvimento do câncer. “No entanto, podemos estimar qual a fração que podemos prevenir de câncer no Brasil somente pela gordura corporal adequada, assumindo a não exposição a qualquer forma de tabaco (INCA/WCRF, 2009). Em homens estima-se que, somente pela gordura corporal adequada, cerca de 20%, 25% e 10% dos casos de câncer de esôfago, pâncreas e rim, respectivamente, possam ser prevenidos. Já em mulheres, estima-se que aproximadamente 26%, 14% e 29% dos casos de câncer de esôfago, mama e endométrio possam ser prevenidos (INCA/WCRF, 2009).”

Pesquisas As pesquisas têm avançado rapidamente, segundo os relatórios da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer e do World Cancer Research Fund (WCRF). “Já há evidências convincentes de que a obesidade é uma das causas dos seguintes tipos de câncer: carcinoma de endométrio, esôfago, colón e reto, de mama na pós-menopausa, pâncreas e rim. Evidências prováveis também foram reportadas para o câncer de vesícula biliar e, mais recentemente, para o câncer de ovário. Novos mecanismos também têm sido propostos para explicar a relação entre obesidade e câncer, como a interação entre as células tumorais e os adipócitos circundantes. Essas interações levam a alterações funcionais nas células adiposas, que por sua vez dão suporte ao crescimento do tumor, agressividade e invasão. Além disso, novas evidências têm reportado que a obesidade pode também ser um fator prognóstico em alguns tipos de câncer”, afirma Maria Eduarda. Os principais avanços nas pesquisas que associam a obesidade ao câncer, segundo Mário Kedih Carra, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) e presidente do departamento de obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), “estão relacionados ao crescimento de cer-

tos tipos de câncer como útero, cólon, próstata e outros em menor escala, que parecem estar relacionados ao aumento de produtos celulares tóxicos, os chamados produtos finais da glicação celular”. No Brasil, as pesquisas ainda são muito pobres, de acordo com Caponero. “Não temos dados precisos sobre o assunto. Há um aumento nas taxas de obesidade, como há um crescimento na incidência de câncer e um aumento na expectativa de vida. Como esses fatores se relacionam é o que a ciência está tentando explicar.” Evanius Wiermann, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), diz que fazer um estudo desses no Brasil é muito demorado e caro. É preciso um grande número de participantes, que devem ser acompanhados ao longo de vários anos. No exterior, as pesquisas têm patrocínio de universidades e apoio governamental. Wiermann citou como exemplo um estudo observacional que acompanhou os diferentes hábitos alimentares de 10 mil homens noruegueses durante 40 anos. “Mesmo sendo realizados lá fora, esses estudos também servem para o Brasil, pela diversidade de pessoas que fazem parte deles.”

Novos casos de câncer relacionados à obesidade Segundo dados da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 2013, divulgados pelo Ministério da Saúde em abril de 2014, 17,5% dos brasileiros são obesos e 50,8% estão acima do peso ideal. “Isso corresponde a 10 milhões de pessoas, ou seja, uma cidade de São Paulo de obesos. Sabemos que a obesidade está se tornando um problema sério no Brasil, e isso certamente trará implicações no aumento do número de casos de câncer”, diz Marcelo Cruz, médico do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes, da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Segundo Lopes do HCor, a boa notícia é que pela primeira vez em oito anos esses números pararam de subir. “Um número pequeno, mas crescente, de brasileiros – 19,3% dos homens e 27,3% das mulheres – come as cinco porções por dia de frutas e hortaliças indicadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em relação à frequência de atividade

Em 2007, a estimativa era de que 4% dos tipos de câncer em homens e 7% nas mulheres fossem causados pelo excesso de peso. Com a descoberta de cada vez mais tumores relacionados ao desequilíbrio energético, associado à gordura, esse percentual saltou para algo entre 15% e 20% das mortes secundárias ao câncer relacionadas à obesidade

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De acordo com dados do Inca 2014, alguns tipos de câncer mais incidentes, como próstata (22,8%), cólon e reto (15%) e esôfago (2,6%) em homens, e mama (20,8%), cólon e reto (6,4%) e endométrio (2,2%) em mulheres, estão relacionados ao excesso de gordura corporal

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física em tempo livre também houve um aumento, de 30,3% para 33,8%, nos últimos cinco anos.” A obesidade está sendo chamada de “o novo tabaco”, acrescenta Lopes, porque está relacionada a uma proporção grande de tipos de câncer e é prevenível. “Em 2007 estimava-se que 4% dos tipos de câncer em homens e 7% nas mulheres fossem causados pelo excesso de peso, mas nos últimos anos descobrimos cada vez mais tumores relacionados ao desequilíbrio energético – quando falamos de obesidade, ela não se relaciona somente à gordura, mas ao balanço energético. Hoje, estimamos que 15% a 20% das mortes secundárias ao câncer estão relacionadas à obesidade. Por exemplo, mulheres depois da menopausa, com sobrepeso, têm um risco duas vezes maior de desenvolver câncer de mama”, diz Lopes. Estudos mais recentes mostram que a obesidade não somente pode causar câncer, mas também que pacientes obesos têm maior mortalidade e menores taxas de cura do que pacientes com peso normal. De acordo com as estimativas mundiais do projeto Globocan 2012, da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC, do inglês International Agency for Research on Cancer), aproximadamente 14 milhões de novos casos de câncer foram diagnosticados no mundo em 2012. Entre os tipos mais incidentes destacam-se o de mama (1,7 milhão, 11,9%) e cólon e reto (1,4 milhão, 9,7%), que estão relacionados à obesidade. “As projeções mundiais com base nessas estimativas preveem um aumento substancial para os próximos anos, no qual a carga global de câncer será de 21,4 milhões de novos casos em 2030”, informa Maria Eduarda. Em paralelo, projeções globais reportam aumento da obesidade em vários países, incluindo o Brasil (OMS, 2006), o que torna o cenário preocupante, mesmo que no país hoje já existam dados sugerindo freada no aumento de obesos. Cerca de 20% da carga mundial de câncer é atribuída ao sobrepeso e à obesidade. “No Brasil, o panorama atual não é muito diferente. De acordo com dados do Inca 2014, alguns tipos de câncer mais incidentes, como próstata (68,8 mil casos novos; 22,8%), cólon e reto (15.070 casos novos; 15%) e esôfago (8.010 casos novos; 2,6%) em homens, e mama

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(57.120 casos novos, 20,8%), cólon e reto (17.530 casos novos, 6,4%) e endométrio (5,9 mil casos novos, 2,2%) em mulheres, estão convincentemente relacionados ao excesso de gordura corporal”, informa Maria Eduarda.

Alimentação e o câncer Sabe-se que os alimentos ultraprocessados, como refeições prontas, fast food, refrigerantes, sucos industrializados, salgadinhos e biscoitos, são determinantes para o excesso de gordura corporal tanto em adultos quanto em crianças e são cada vez mais consumidos pela população brasileira. A pesquisa Vigitel 2013 mostrou que aproximadamente 23% da população adulta brasileira consome cinco ou mais vezes por semana refrigerantes e sucos industrializados. “Essas bebidas, por conterem uma quantidade excessiva de açúcar, sal e aditivos químicos, possuem alta densidade energética, e por serem hiperpalatáveis estimulam o consumo excessivo. No entanto, o que de fato esses produtos contêm não é esclarecido à população”, diz Maria Eduarda. Para Cruz, a meta é encontrar o equilíbrio. “De forma geral, a pessoa obesa faz uma dieta muito rica em alimentos gordurosos, frituras, carnes processadas, refrigerantes, doces e carboidratos, em detrimento de fibras, saladas, frutas e grãos integrais. Endocrinologistas e nutricionistas devem fazer parte da equipe multidisciplinar que lida com pacientes oncológicos e obesos.” “Os alimentos que parecem favorecer o desenvolvimento de câncer são as gorduras e os alimentos que, durante seu preparo, apresentam uma superfície como se estivesse queimada, como assados e grelhados com aquela ‘capinha queimada’. O mais importante é a moderação ao se alimentar e evitar o aumento de peso”, acrescenta Carra. De acordo com Caponero, a restrição ao uso de certos grupos de alimentos é específica para cada diagnóstico e cada situação clínica, devendo ser discutida individualmente.

A obesidade e o tratamento do câncer É difícil falar em obesidade sem falar em sedentarismo e hábitos alimentares inadequados, fatores que influenciam nas diversas etapas do tratamento,


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e mesmo desde o diagnóstico. “A realização de exames de imagem como mamografias e ultrassom, por exemplo, para o diagnóstico de câncer de mama é dificultada pelo excesso de tecido adiposo e pode comprometer o diagnóstico correto de um tumor de mama”, esclarece Marcelo Cruz. Além disso, no tratamento oncológico, pacientes obesos apresentam maior risco de complicações pós-operatórias, o que pode gerar atrasos em tratamentos subsequentes. Em mulheres obesas e com diabetes, o benefício da quimioterapia para câncer de mama pode ser menor do que em mulheres com índice de massa corpórea adequado. “Além disso, mulheres obesas com câncer de mama têm taxa de mortalidade 30% maior que mulheres sem excesso de peso”, informa Lopes. “Estudos mostram também que, após o tratamento oncológico, o risco de recorrência do câncer é maior em pacientes obesos do que em pacientes com peso dentro dos índices normais”, diz Cruz. O médico da Beneficência Portuguesa diz que é fundamental que pacientes obesos entendam a importância da perda do peso para o tratamento do câncer e sejam estimulados a adquirir hábitos alimentares e iniciar programas de atividade física, de preferência sob supervisão de profissionais de saúde. “Não se deve esperar o fim do tratamento para iniciar esse programa. Diversos estudos mostram que atividade física durante o período de tratamento contra o câncer reduz os efeitos colaterais e melhora a qualidade de vida dos pacientes.” Segundo a nutricionista do Inca, sabe-se que a obesidade é um fator de risco para a má cicatrização de feridas, infecções pós-operatórias e linfedema, bem como para o desenvolvimento de comorbidades (doenças cardiovasculares, cerebrovasculares, diabetes), o que pode impactar negativamente na sobrevida desses pacientes. “Além disso, indivíduos obesos, em geral, têm uma alimentação habitual inadequada, com elevado consumo de produtos ultraprocessados, ricos em gorduras não saudáveis, açúcar, sal, aditivos químicos, pobres em fibras, e, portanto, esse padrão alimentar pode indiretamente influenciar a resposta ao tratamento.” Outro aliado do tratamento do câncer em obesos, em conjunto com a dieta adequada, é a prática

de exercícios físicos. “Uma dieta com mais grãos e menos gorduras e atividade física pós-diagnóstico diminuem o risco de recidiva, principalmente na pré-menopausa”, informa Wiermann, da SBOC. A nutricionista do Inca acrescenta que, até o momento, as recomendações para controle do excesso de gordura corporal em pacientes com sobrepeso e obesidade não têm focado especificamente pacientes oncológicos. No entanto, recentemente a Sociedade Americana de Oncologia Clínica destacou que, diante das crescentes evidências que sugerem influência da obesidade na resposta ao tratamento oncológico e na mortalidade por câncer, há a necessidade de maior atenção ao manejo do peso corporal de pacientes oncológicos que apresentam obesidade. Maria Eduarda ressalta que a prescrição dietética para pacientes em tratamento, independentemente de apresentarem ou não excesso de gordura corporal, deve ser preferencialmente individualizada e levar em consideração diversos fatores, como o sítio primário do tumor, o estadiamento, o tipo de tratamento, as possíveis intercorrências durante o tratamento, os hábitos alimentares e as preferências, entre outros. “Mesmo com as evidências sobre o impacto da obesidade no tratamento oncológico e os diferentes fatores que influenciam essa resposta, em linhas gerais, promover uma alimentação saudável, rica e variada, com a inclusão predominantemente de alimentos frescos de origem vegetal durante o tratamento, e desestimular o consumo de alimentos ultraprocessados potencialmente podem contribuir na resposta do paciente ao tratamento, ou pelo menos minimizar as possíveis intercorrências decorrentes dele.”

Políticas de controle da obesidade “A difusão da informação é uma responsabilidade de todos os profissionais que atuam na área”, afirma Caponero. Segundo ele, alertas sobre o risco da obesidade, não só para o câncer como também para as doenças cardiovasculares e metabólicas, têm se tornado cada vez mais frequentes. “Já existe regulamentação para a redução da quantidade de açúcar nos refrigerantes, e isso deve se ampliar pela indústria de produção de alimentos.” Kedih Carra

A prescrição dietética para pacientes em tratamento, independentemente de apresentarem ou não excesso de gordura corporal, deve ser individualizada e levar em consideração diversos fatores, como o sítio primário do tumor, o estadiamento, o tipo de tratamento e as possíveis intercorrências durante o tratamento

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acrescenta que as associações ligadas ao estudo da obesidade têm se esforçado na divulgação dos problemas de saúde relativos ao excesso de peso. “A maior responsabilidade, sem dúvida, é dos órgãos públicos responsáveis pela saúde, e da imprensa, desde que falasse e explicasse corretamente que a obesidade é uma doença crônica e de difícil tratamento. Mas as autoridades sanitárias no Brasil insistem em dificultar ou proibir a comercialização de medicamentos para o tratamento da obesidade.” Maria Eduarda, do Inca, por sua vez, diz que as políticas públicas como o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022 e a Política Nacional de Alimentação e Nutrição buscam, entre outros objetivos, enfrentar o sobrepeso e a obesidade por meio de estratégias articuladas, considerando as políticas e os programas setoriais vigentes, mas ainda há um grande gap no reconhecimento social da população a respeito da relação entre a obesidade e o câncer. “Primeiramente, é importante que a população brasileira reconheça que o câncer é uma doença crônica prevenível, como definido na Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (Portaria n.º 874, de 16 de maio de 2013). Nesse contexto, visando o reconhecimento social, entre outras atividades, a Unidade Técnica de Alimentação, Nutrição e Câncer, da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Inca, vem realizando em todo o país as Oficinas de Capacitação de Multiplicadores, para a promoção de práticas alimentares saudáveis e prevenção do câncer, visando capacitar profissionais de saúde a fim de que incluam o tema em suas atividades de rotina profissional e desenvolvam ações específicas no âmbito da atenção básica.” A nutricionista destaca que devemos considerar que, mesmo diante do reconhecimento social, o padrão alimentar e a composição corporal do indivíduo não são uma simples questão de escolha pessoal. “Fatores físico-ambientais, econômicos e

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sociais têm um impacto direto nesses padrões e, consequentemente, no risco de câncer. Isso significa que não só ações de caráter educativo e informativo (como campanhas veiculadas por meios de comunicação de massa), como também medidas legislativas (como controle da propaganda de alimentos não saudáveis, especialmente os dirigidos ao público infantil), tributárias (isentando alimentos saudáveis e onerando os preços dos não saudáveis), são necessárias para uma política consistente de prevenção da obesidade. Para isso, é essencial a atuação sinérgica de organizações da sociedade civil, governo, escolas, mídia, entre outros, no planejamento e na execução de políticas, bem como na disseminação dessas informações.” Segundo Lopes, apesar do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis, pouco se tem discutido sobre a relação entre obesidade e câncer. “Nos Estados Unidos, a Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), a American Cancer Society e outros grupos começaram campanhas de combate à obesidade, com o objetivo de mostrar ao público em geral a relação entre o excesso de peso e o câncer. Esse foi um dos tópicos principais da última reunião anual da ASCO.” Educação e prevenção são e sempre serão o melhor caminho e devem começar na escola. “Em um país subdesenvolvido como o nosso, onde o acesso à escolaridade e à informação de qualidade ainda é escasso e uma parcela importante da população adulta é semianalfabeta e sem níveis educacionais adequados, são as crianças que levarão para dentro de casa as informações que aprenderem na escola. Por isso, acredito que a escola tem papel fundamental nisso. Para os adultos que já enfrentam esse problema, o governo e as sociedades médicas precisam fazer sua parte, disseminando informação e acesso a métodos de prevenção da obesidade e tratamentos adequados”, finaliza Marcelo Cruz.


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transplante medula óssea

A revolução dos procedimentos com doadores 50% compatíveis

O

TRANSPLANTE ALOGÊNICO DE CÉLULAS-TRONCO

HEMATOPOIÉTICAS É UM DOS PROCEDIMENTOS

Divulgação

MAIS UTILIZADOS NO TRATAMENTO DAS DOENÇAS

Jairo J.N. Sobrinho *Hematologista do Centro de Oncologia e Hematologia do Hospital Israelita Albert Einstein Contato: hiae@cponco.com.br

malignas hematológicas e das imunodeficiências e falência medular. A curabilidade do procedimento é baseada em dois mecanismos de ação. O primeiro é o condicionamento mieloablativo ou não mieloablativo que visa induzir citorredução significativa e permitir a enxertia das células hematopoiéticas. Já o segundo mecanismo é a indução da destruição da malignidade pela ação das células efetoras imunológicas, o chamado efeito GVL ou GVT (efeito do enxerto contra a leucemia ou tumor). Essa estratégia de tratamento está atualmente passando por mudanças significativas devido aos recentes desenvolvimentos tecnológicos, como: (a) transplante de células-tronco hematopoiéticas obtidas após a mobilização de fatores de crescimento hematopoiéticos e o transplante de sangue do cordão umbilical; (b) desenvolvimento e aperfeiçoamento dos transplantes haploidênticos e de doadores voluntários; (c) infusão de linfócitos do doador para o controle da doença residual mínima; (d) condicionamento de toxicidade reduzida que visa diminuir a ocorrência de efeitos adversos sem redução na dose de quimioterapia necessária e promover efeito antitumoral; e (e) quimioterapia sequencial seguida pelo transplante alogênico após condicionamento não mieloablativo no caso de doenças hematológicas refratárias ou de mau prognóstico. A grande maioria das neoplasias hematológicas está associada a um prognóstico bastante reservado, apesar do grande avanço em quimioterapia, imunoterapia e utilização de drogas-alvo. O transplante de células-tronco hematopoiéticas e o seu vasto potencial de exploração da terapia celular continuam como uma das melhores opções de tratamento com

intuito curativo dessas doenças. A ação antineoplásica do transplante alogênico é geralmente baseada em dois mecanismos de ação: 1 - A combinação de quimioterapia intensiva com ou sem irradiação corpórea total – essa abordagem manteve-se por anos como base do tratamento com transplante. O racional está em provocar a destruição das células malignas pelo incremento da dose e, consequentemente, do efeito citotóxico da quimioterapia e/ou radiação, até os níveis máximos tolerados pelos órgãos vitais e substituição da medula óssea com a injeção de células alogênicas. 2 - Ação imunológica antitumoral pelas células efetoras imunes, o chamado efeito enxerto-versusleucemia (GVL). A primeira evidência desse efeito foi observada indiretamente: o risco de recaída da leucemia diminui com a existência de sinais de doença do enxerto contra o hospedeiro (GVHD) e aumenta com a redução da incidência de GVHD aguda, enxertos pobres em células T ou transplantes singeneicos. A reinjeção de linfócitos do doador em pacientes em recaída após alogênico tem demonstrado efeito antileucêmico direto. No entanto, a ocorrência de efeito GVL nem sempre correlaciona-se com a ocorrência de GVHD. A disponibilidade de um doador compatível foi um fator limitante à expansão do tratamento com transplante. De modo geral, apenas um terço da população possui um doador HLA compatível. Por outro lado, o aumento no número de doadores voluntários nos bancos de medula óssea possibilitou um aumento significativo na disponibilidade de doadores. De fato, em alguns países da Europa, no Japão e nos Estados Unidos há muito o número de transplantes realizados com doadores não aparentados supera o daqueles realizados com doador familiar. O desenvolvimento de bancos de células-

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“O desenvolvimento de bancos de células-tronco hematopoiéticas provindas do cordão umbilical veio a contribuir em muito com a possibilidade de encontrar um doador”

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tronco hematopoiéticas provindas do cordão umbilical veio a contribuir em muito com a possibilidade de encontrar um doador. Atualmente, a grande inovação no campo tem sido a realização do transplante com doadores familiares com apenas 50% de compatibilidade, os chamados transplantes haploidênticos. Essa técnica é tão revolucionária que, em teoria, todos os pacientes que possuem pai, mãe ou irmãos vivos possuem um potencial doador. Outra limitação à indicação do transplante alogênico tem sido a grande toxicidade iatrogênica associada ao procedimento, representada tanto pelos efeitos adversos da quimioterapia em altas doses quanto pelas complicações decorrentes do GVHD e das infecções oportunistas que invariavelmente acompanham a imunossupressão. Em suma, por causa das dificuldades inerentes ao procedimento e à sua aplicabilidade, nos cabe o papel de escolher bem os pacientes que são candidatos no que se refere à toxicidade e à possibilidade de cura.

Fonte de células As células-tronco hematopoiéticas de doadores devem ser idênticas nos loci HLA A, B, C, DRB1et DQB1. A tipagem de HLA é realizada no paciente e no doador por sorologia ou biologia molecular para HLA de classe I (A, B, C) e obrigatoriamente pelo método molecular para HLA de classe II (DR, DP, DQ). A primeira escolha é, na maioria, das vezes o doador HLA familiar idêntico. Na ausência de um doador familiar, a melhor opção é o doador HLA idêntico10/10 e, algumas vezes, um doador não aparentado em 9/10. A probabilidade de identificação de um doador adequado é estimada entre 30% e 40% (sabendo-se que nem todas as populações não são uniformemente representadas nos registros). O aumento do número de doadores disponíveis em nível internacional (15 milhões de doadores) explica o aumento dramático nos transplantes não aparentados nos últimos anos. As malignidades hematológicas representam 82,2% dos transplantes aparentados e 93% dos transplantes não aparentados (leucemia mieloide aguda: 32,9%; leucemia linfoblástica aguda: 16,3%; mielodisplasias: 7,5%; linfomas malignos: 10,2%; mieloma: 7,3%; e leucemia mielóide crônica: 2,9%). A medula óssea do doador é removida por punções na crista ilíaca (sob anestesia) ou por leucaférese após estímulo com fatores de crescimento de

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colônia granulocítica (G-CSF). Quando nenhum doador HLA 100% compatível é identificado, a escolha pode recair nas células de cordão umbilical. Nesse contexto, examinam-se 6 loci HLA: A, B e DRB1 e são aceitas disparidades em até 2 genes, sendo que, quanto maior a compatibilidade, melhor o resultado esperado. Além disso, foi demonstrada a importância do número de células nucleadas totais e, mais recentemente, de células CD34 + no produto. Como a determinação do número ideal de células a ser utilizado no transplante depende do peso do doador, muitas unidades de células de cordão umbilical são insuficientes para os pacientes adultos. Nesses casos, podem ser utilizadas duas unidades diferentes de cordão umbilical para um único paciente. Uma comparação retrospectiva a partir do registro da EBMT entre os transplantes realizados com uma ou duas unidades de células de cordão umbilical mostrou uma tendência a maior ocorrência de GVHD e melhor sobrevida livre de doença nos transplantes duplos. A escolha de uma ou duas unidades de cordão umbilical depende essencialmente da quantidade de células (CNT, CD34 +) e, naturalmente, está diretamente correlacionada com o peso do recipiente. Por fim, embora vários estudos tenham mostrado resultados semelhantes comparando transplantes utilizando medula óssea de doadores não aparentados e transplantes de sangue do cordão umbilical, este último permanece com uma opção alternativa aos doadores HLA idênticos. Na ausência de um doador compatível e, principalmente, quando se faz urgente a realização do transplante, pode-se optar pelo transplante haploidêntico. A utilização de células progenitoras de doadores com apenas 50% de compatibilidade HLA passou por uma revolução nos últimos anos. Há pouco tempo o processo só era viável quando se utilizava a depleção de células T (por seleção em coluna – método dispendioso e pouco acessível) associada a combinações de imunossupressores. Os resultados eram animadores, mas muitos pacientes padeciam de infecções e rejeição. Ultimamente, pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, nos Estados Unidos, desenvolveram uma técnica extremamente eficaz, de custo baixo e reprodutível para a realização de transplantes haploidênticos: a ciclofosfamida, uma droga antiga e pouco tóxica para as células progenitoras, foi utilizada no terceiro e quarto dias que se seguem à in-


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fusão com o intuito de destruir os linfócitos T aloreativos presentes no enxerto. Os resultados foram impressionantes. Os pacientes apresentam sobrevida e incidência de GVHD similares às daqueles transplantados com um doador HLA idêntico e superiores às daqueles transplantados com células de cordão umbilical. Atualmente diversos regimes de condicionamento estão disponíveis e podem ser distinguidos pelo poder mielotóxico e imunomodulador: Condicionamento mieloablativo – utilização de altas doses de drogas mielotóxicas com ou sem irradiação corpórea total em doses igualmente altas. Condicionamento não mieloablativo – utilização de doses relativamente menores de quimioterapia e radioterapia com intensa atividade imunossupressora para permitir a enxertia das células do doador, porém em doses não mielotóxicas, o que garante uma toxicidade menor. Condicionamento mieloablativo de toxicidade reduzida – baseiase na utilização de drogas em doses mielotóxicas que, por sua formulação (ex. trosulfano, bussulfano intravenoso) ou pelo monitoramento do nível sérico, não estão associadas a efeitos tóxicos significantes. A escolha do regime de condicionamento é feita com base nas características gerais do paciente, levando-se em consideração a idade, a pontuação comorbidade. Os pacientes idosos e/ou com fragilidade orgânica são preferencialmente tratados com condicionamentos não mieloablativos, enquanto os pacientes mais jovens são naturalmente candidatos ao condicionamento mieloablativo. Ultimamente, com a disponibilidade de formulações intravenosas de busulfano e do efetivo monitoramento dos níveis séricos, pacientes com idade superior a 65 podem ser submetidos a regimes mieloablativos sem que padeçam das complicações comumente causadas pelos regimes mielotóxicos tradicionais. Existem, é claro, algumas complicações dos transplantes que precisamos levar em consideração. Uma delas é a rejeição do enxerto, uma ocorrência muito rara e geralmente associada à disparidade HLA, condicionamentos não mieloablativos, baixo número de células progenitoras no enxerto, exposição a medicamentos mielotóxicos no período da enxertia e a algumas infecções virais intercorrentes. Outra ocorrência é a doença enxerto-contra-hospedeiro GVHD, que pode ocorrer em até 70% a 80% dos pacientes. Comumente inicia-se a profilaxia antes da infusão do enxerto e mantém-se por até 180 dias nos pacientes que não desenvolvem GVHD e pelo tempo necessário para o controle da doença naqueles que a desenvolvem. As drogas utilizadas são os inibidores de calcineurina (ciclosporia e tacrolimus) associados a doses baixas intermitentes de metotrexato ou mofetil micofenolato. É uma das principais complicações do transplante e uma das mais associadas à mortalidade. Caracteriza-se pelo surgimento de erupções maculopapulares na pele, principalmente no rosto, no colo e no tronco, algumas vezes pruriginosas, que diferentemente das reações alérgicas comentem palmas e plantas. Nos casos mais graves (menos que 4%) cursa com eritrodermia generalizada e formação de bolhas. No tubo digestivo os sintomas mais comuns são náuseas e vômitos e diarreia volumosa. Outro órgão potencialmente envolvido é o fígado, cujo acometimento se traduz pela observação de

icterícia (elevação da bilirrubina direta) pela destruição dos canalículos biliares. Alguns fatores estão associados à ocorrência de GVHD. Os mais importantes são a disparidade HLA, a idade do paciente e do doador e doadores do sexo feminino. A maioria dos pacientes apresenta formas leves e tratáveis. O tratamento, baseado na adição de corticosteroides em doses relativamente altas ao esquema imunossupressor nas formas cutâneas, na adição de Psoralen e na radiação ultravioleta, tem se mostrado muito efetivo. Os poucos pacientes que não respondem rapidamente são tratados com imunossupressores alternativos, como etanercept, timoglobulina, infliximabe, fotoférese, anticorpos anti-interleucina-2, entre outros, infelizmente sem os resultados desejáveis. O excesso de imunossupressão associado à GVHD e seu tratamento impactam fortemente na mortalidade por causa da elevada incidência de infecções oportunistas. Há também a ocorrência da GVHD crônica, que surge tardiamente após o transplante por mecanismos imunológicos diferentes dos deflagradores da GVHD aguda. Pode apresentar-se de maneira muito variada, desde complicações orais, cutâneas e oculares localizadas até formas extensas que envolvem pulmões, tecido subcutâneo, fáscias e articulações. Geralmente é tratada com corticosteroides e imunossupressores por tempo prolongado nas formas mais graves. Os pacientes também podem ser acometidos por complicações infecciosas por causa da intensa imunossupressão a que são submetidos, com o surgimento de algumas infecções oportunistas ou não comumente observadas. No período inicial, durante a neutropenia decorrente da toxicidade do condicionamento até a enxertia, as infecções mais frequentes são as da corrente sanguínea originadas da translocação das bactérias gram-negativas intestinais e das bactérias gram-positivas da boca e pele. Com a utilização rápida e agressiva de antimicrobianos de amplo espectro, a mortalidade nesse período é geralmente muito baixa. No período após a enxertia até cerca de 120 dias, as infecções mais frequentes são a reativação do citomegalovírus e a infecção por fungos filamentosos. Alguns pacientes submetidos a condicionamentos mais imunossupressivos estão sujeitos a infecções por adenovírus, poliomavírus e vírus Epstein-baar. O monitoramento da circulação do citomegalovírus por antigenemia ou PCR quantitativo diminuiu muito a mortalidade associada por causa da instituição precoce dos medicamentos antivirais. Em suma, a utilização do transplante de medula como alternativa terapêutica para as doenças hematológicas de alto risco é de grande valor no aumento da sobrevida dos pacientes. As novas técnicas de transplante, como a utilização de doadores haploidênticos, devem expandir em muito o número de pacientes que podem se beneficiar. A melhora constante na profilaxia e no tratamento das infecções intercorrentes contribuiu para os melhores resultados na atualidade, assim como a diminuição na toxicidade dos regimes de condicionamento. Infelizmente a GVHD ainda está associada a uma grande morbimortalidade e o seu tratamento tem evoluído pouco nos últimos anos.

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Características clínicas e diagnósticas do tumor neuroendócrino (TNE) no Brasil Por Frederico Perego Costa, médico do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês

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SSIM COMO EM OUTRAS NEOPLASIAS, A REAL INCIDÊNCIA DOS TUMORES

(TNES) NO BRASIL ESTÁ SUJEITA À SUBNOTIFICAÇÃO. POR SER UMA DOENÇA RARA, OS NÚMEROS DE INCIDÊNCIA MUNdial apontam para 5 casos a cada 100 mil habitantes, e sua real importância na população brasileira é desconhecida. Os TNEs são neoplasias derivadas de células neuroendócrinas existentes em todo o corpo, que têm como precursores embrionários as células formadoras do sistema endócrino e sistema neurológico do corpo. Os TNEs formam uma grande família de tumores com apresentação bastante heterogênea, cujo espectro engloba desde neoplasias de crescimento muito lento e baixo potencial de metástases, como os tumores carcinoides, até neoplasias de crescimento muito rápido e alto potencial metastático (como tumores de pequenas células de pulmão ou de outros órgãos). Outros membros dessa família têm grau variado de agressividade e incluem, entre outros, tumores de ilhota pancreática, carcinomas de Merckel e carcinomas medulares de tireoide. Um fator semelhante, que define as neoplasias neuroendócrinas, é que as células constituidoras do TNE têm o potencial de produzir peptídeos, hormônios ou neurotransmissores, fatores causadores das síndromes funcionantes hormonais. Os TNEs diferem das demais neoplasias, pois apresentam características clínicas diferentes quando produzem quadros funcionantes, isto é, a doença se caracteriza pelo tipo de hormônio que os tumores produzem. Praticamente todos os tipos de tumores neuroendócrinos podem apresentar secreção de polipeptídeos clinicamente ativos. Os peptídeos não específicos mais comuns são o hormônio antidiurético e o peptídeo relacionado ao paratormônio, e mais raramente histamina, serotonina e gastrina. Nos tumores primários do intestino delgado, cerca de 30% dos pacientes apresentam quadros clínicos funcionais, principalmente na presença de metastátase para o fígado, denominada síndrome carcinoide, caracterizada por diarreia, rubor facial (flushing), taquicardia e broncoespasmo secundário a liberação de serotonina. Já nos tumores pancreáticos, os tumores funcionantes correspondem a cerca de 10% das neoplasias pancreáticas2,3. Nesses casos, o quadro clínico é tão característico ao hormônio secretado que o TNE passa a ser designado pelo tipo de síndrome que ele produz, isto é, insulinomas (insulina), glucagonomas (glucagon), vipomas (VIP), gastrinomas (gastrina) etc. O diagnóstico, no caso dos pacientes com tumores funcionantes, é feito geralmente com doença localizada ou com pequeno volume de doença hepática devido à presença de síndrome funcional. Já os pacientes com tumores não funcionantes geralmente são diagnosticados com doença avançada, já que os sintomas relacionados à doença estão assoNEUROENDÓCRINOS

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ciados ao seu efeito de massa. Por essa razão, a maioria desses pacientes encontra-se com dor abdominal, perda de peso e anorexia4-6. Os TNEs também possuem capacidade proliferativa e de metastatizar. Por esse motivo, todos eles são considerados malignos e podem acarretar sintomas decorrentes de seu efeito de massa causados por suas metástases. Os TNEs são classificados, pelo sítio do tumor primário, pela presença ou não de quadro clínico funcionante, pelo grau histológico e seu índice de proliferação (baixo-1, intermediário-2, ou alto-3). Embora cerca de 20% a 30% dos pacientes diagnosticados com TNE de grau 1 e 2 apresentem doença disseminada, a maioria dos pacientes apresenta doença com evolução indolente1. Já os pacientes com TNE de grau 3 apresentam doença bem agressiva. Evidentemente que o estadiamento do TNE (que se caracteriza pelo envolvimento local, locoregional ou metastático) e o grau histológico do TNE são os dois fatores prognósticos mais importantes que atualmente constituem a classificação atual para TNE usada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 2010. Como exemplo de sua relevância prognóstica, nos TNEs pancreáticos cerca de 92% dos pacientes apresentam tumores bem ou moderadamente diferenciados. A sobrevida global em 5 anos está entre 3063% conforme a série reportada e a sobrevida global mediana é de 72 meses, muito superior ao observado nos pacientes com tumores de alto grau (grau 3)2-6. Apenas 8% dos pacientes apresentavam neoplasias de alto grau, caracterizados por carcinomas neuroendócrinos pouco diferenciados de células grandes ou anaplásico3,7. Esses pacientes são tratados de forma agressiva, como os carcinomas ductais do pâncreas, e apresentam prognóstico semelhante. Como em outras neoplasias, pacientes portadores de TNE podem fazer parte de síndromes genéticas, como a síndrome genética autosômica MEN-1, em que cerca de 30% dos pacientes apresentam tumores pancreáticos. Os tumores associados à evolução mais favorável tendem a ser não funcionantes em 55% dos casos, são múltiplos e geralmente localizados no pâncreas. Histologicamente, o diagnóstico de TNE é estabelecido de forma definitiva através do H&E, que demonstra tumores bem ou moderadamente diferenciados, WHO 2010 grau 1 ou 2, com características neuroendócrinas e imuno-histoquímica positiva para cromogranina A e sinaptofisina8,9. A determinação de ki67 ou contagem mitótica é fundamental no diagnóstico dos TNEs. Tumores bem diferenciados com ki67 até 2% (grau 1) apresentam sobrevida livre de progressão significativamente maiores que paciente com ki67 mais elevados10. Entretanto, existe grande discrepância no valor de Ki67 nos pacientes com


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tumores grau 2, seja entre o tumor primário e sítios metastáticos, ou quanto ao valor preditivo de prognóstico. Neste grupo de pacientes o ki67 de 5%, parece ser um melhor valor determinante de prognóstico (até 5% ou > 5% -20%).10 Tumores com Ki67% > 20% são considerados grau 3 e são classificados como tumores de alto grau. Esses pacientes, assim como os pacientes com tumores pouco diferenciados, possuem prognóstico reservado e, portanto, devem ser tratados diferentemente dos pacientes com tumores de grau 1 ou 2. O estadiamento clínico dos TNEs envolve estudos de imagem convencional como a TC e a RNM. Esses exames exploram a característica dos TNEs de ser altamente vascularizados e apresentam, portanto, aumento na intensidade do realce do contraste endovenoso durante a fase arterial precoce e um washout na fase mais tardia. Por essa característica, os estudos de imagem convencionais podem sofrer muita interferência na sua qualidade, conforme a velocidade para a aquisição das imagens e o protocolo usado para sua aquisição. Outro fator limitante é o tamanho mínimo das lesões detectáveis (hoje é de > de 5 mm). Clinicamente, essas limitações são relevantes no momento de localização e identificação de todos os sítios de doença nos pacientes com TNE grau 1 e 2 com indicação cirúrgica com intenção curativa. Os TNEs apresentam uma característica comum que é a expressão de receptores de somatostatina (rSTS) na membrana das células tumorais. O rSTS é um receptor composto por uma proteína G presente na membrana de células dispostas em diferentes órgãos e tecidos como pâncreas, trato gastrointestinal, fígado, glândula pituitária e cérebro11. Os TNEs apresentam uma superexpressão desses receptores, com variações quanto à presença de seus 5 subtipos de receptor existentes12. Essa característica pode ser então explorada através de métodos funcionais de imagem, como o DWI-MR13,14. A marcação de uma molécula análoga de somatostatina chamada octreotide com índio-111 utilizando-se um ligante DTPA é hoje disponível na forma de 111In-DTPA-octreotide (OctreoScan® - Mallinckrodt, Inc.). Esse teste de imagem funcional possibilita a localização de

tumores que expressam rSTS, preferencialmente o subtipo 215,16. Outros ligantes ao octreotide como o 68-Ga-dotatate-octreotide (Galio68-PETCT) já estão disponíveis experimentalmente em nosso meio13,14. Nos pacientes com TNE de baixo grau (grau 1), a sensibilidade de detecção do Octreoscan® e o Galio-68-PETCT são sensivelmente melhores no estadiamento. Já nos pacientes com TNE de grau 2 ou 3, observa-se que a sensibilidade de detecção do Octreoscan® e o Galio68-PETCT são inferiores, especialmente quando comparado aos pacientes com TNE de baixo grau. Os pacientes com TNE de grau 2 e 3 apresentam maior captação com o uso de FDG-PETCT, que geralmente é negativo nos pacientes com TNE de baixo grau (grau 1)14. Seguramente o FDG-PETCT é o estudo funcional de escolha nos TNEs de grau 2 e 3. Em pacientes com TNE pancreático, por exemplo, existe um único estudo disponível avaliando a positividade do FDGPETCT e demonstra que é de apenas 40% nos pacientes com Ki67 inferior a 2%, 70% nos pacientes com Ki67 entre 3 e 15% e 93% nos pacientes com Ki67 > 15%17. Outra forma de estadiamento por imagem é o uso de restrição à difusão de água nos tecidos por RNM. Os TNEs apresentam significante redução na restrição a água quando comparados ao tecido normal. Análise dinâmica de diffusion-weighted image (DWI) tornou-se recentemente disponível em equipamentos de RNM. Sequências de DWI podem ser ajustadas para estudar todo o corpo do paciente, sem a necessidade de injeção de meios contrastados. Nosso grupo está ativamente estudando esse novo recurso de estadiamento em TNE18,19. Cromogranina A (CgA) é o marcador mais frequentemente usado no manejo de pacientes com TNE. CgA é uma glicoproteína presente nos grânulos secretórios das células de TNE e portanto está associada à massa tumoral e atividade secretória do tumor. Em contrapartida, seu uso está associado a várias limitações. Não existe um padrão internacional para o kit de dosagem e, portanto, os resultados da literatura não podem ser interpretados diretamente para nossa prática clínica20.

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Subnotificação é empecilho para diagnóstico precoce de TNE Especialista informa que, em média, metade dos casos é identificada de cinco a oito anos após o início da doença Por Viviane Gomes

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ONFORME SALIENTADO PELO DOUTOR COSTA EM SEU ARTIGO, A FALTA

DE DIAGNÓSTICO REPRESENTA UM EMPECILHO PARA O INÍCIO DO TRA-

TAMENTO DE TNE. DESSA FORMA, AS PRINCIPAIS DIFICULDADES PARA sua detecção precoce são a lenta progressão do tumor e os sintomas genéricos. “É difícil identificá-lo porque o médico não pensa nesse tipo de câncer na hora do diagnóstico. Em média, metade dos casos é diagnosticada de cinco a oito anos após o início da doença. É ruim porque o paciente acha que é um problema corriqueiro”, relata o doutor Costa. Na opinião do doutor Riad Naim Younes, coordenador cirúrgico do Centro Oncológico do Hospital Beneficência Portuguesa e atual presidente da Sociedade Latino-Americana de Tumores Neuroendócrinos (LANETS), a doença ainda é pouco explorada pela comunidade médica, apesar de a neoplasia ser mais frequente que outras mais familiares: “Essa doença é pouco estudada. Infelizmente esse tipo de câncer ainda é considerado raro entre os médicos, apesar de ser mais frequente que linfoma, câncer de esôfago, de pâncreas e outros tumores”1. Doutor Younes esclarece que o TNE é potencialmente tratável e curável e possui tratamento terapêutico bastante eficaz. Ele informa que de 70 a 120 mil pacientes diagnosticados vivem com a doença controlada1.

Falta conhecimento A oncologista Anelisa Coutinho, coordenadora do Departamento de Tumores Gastrointestinais da Clínica de Assistência Multidisciplinar em Oncologia (AMO), na Bahia, também reforça que a falta de conhecimento sobre a doença é um fator limitante e crucial para o tratamento precoce: “A recomendação para médicos especialistas e não especialistas é que se lembrem da existência do TNE diante de alguns sintomas, que podem ser confundidos com outros problemas de saúde”. Para a doutora Anelisa, episódios de diarreia crônica sem causa aparente, acompanhados ou não de vermelhidão na face, por exemplo, deveriam ser considerados sugestivos de um eventual quadro de TNE. Ela também aconselha que azia e sintomas gástricos devem ser avaliados com endoscopia digestiva alta. “São queixas muito frequentes, que podem não ser valorizadas. Ao se lembrar do TNE, poderá chegar ao diagnóstico e encaminhar o caso ao oncologista clínico”, ressalta a doutora Anelisa.

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Visando ao melhor cuidado do paciente, o ideal é que o oncologista clínico atue com equipe multidisciplinar: “O olhar dos médicos especialistas promove múltiplas discussões, o que é muito produtivo, pois amplia o entendimento e favorece a melhor decisão final”, justifica a médica. Outro entrave para o diagnóstico precoce de TNE é a ausência de métodos de rastreamento efetivos, já que a doença é pouco frequente e pode se manifestar em diferentes órgãos. Tal situação não é observada para neoplasias mais clássicas, como próstata e mama, cujos exames específicos permitem o diagnóstico precoce.

Dia Mundial do Tumor Neuroendócrino Para alertar a comunidade médica, em 10 de novembro é celebrado o Dia Mundial do Tumor Neuroendócrino. A base da campanha de conscientização é ressaltar a importância do diagnóstico precoce, com o slogan “se não suspeitar, não irá diagnosticar”. O esclarecimento do tema é uma das missões do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG), fundado em 2010. O GTG integra especialistas em tumores gastrointestinais. Possui cerca de 100 associados de diferentes especialidades, como oncologistas, gastroenterologistas, proctologistas e cirurgiões oncológicos. Entre as ações do grupo, destaque para a realização de conferências pela internet (webmeetings) e a integração de seus membros em consensos médicos e treinamentos internacionais. Para 2015, o grupo objetiva iniciar projetos de pesquisa. Consulte o conteúdo científico do TNE no site www.gtg.org.br. Há quase dois anos também foi criada a LANETS, para manter médicos alinhados sobre os protocolos de diagnóstico e prevenção da doença, assim como sua patogênese. A organização, presidida pelo doutor Younes, atua em sincronia com a equivalente europeia (ENETS) e a norte-americana (NANETS). O principal objetivo da LANETS é desenvolver estudos relacionados à doença e seu tratamento e disseminá-los na América Latina. “Inauguramos centros de referência em TNE no México, Chile e 38 unidades no Brasil. Em 2015, está previsto o primeiro congresso de tumor neuroendócrino da América Latina”, antecipa o doutor Younes. De acordo com as recomendações da LANETS, os centros de referência brasileiros pretendem desenvolver ações que informem médicos e público leigo sobre os principais aspectos dessa doença.


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cuidados paliativos

Abordagens precoces minimizam sofrimento físico e emocional

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OR DEFINIÇÃO, CUIDADOS PALIATIVOS SÃO UMA

ABORDAGEM QUE MELHORA A QUALIDADE DE VIDA

Divulgação

DOS PACIENTES E FAMILIARES QUE ENFRENTAM

Sandra Caíres Serrano *Pediatra, neuropediatra, clínica de dor e cuidados paliativos; médica titular e responsável pelo Serviço de Cuidados Paliativos do Departamento de Dor, Neurocirurgia Funcional e Cuidados Paliativos do Hospital A.C. Camargo Cancer Center; mestre em ciências da saúde, com área de concentração em oncologia – Fundação Antônio Prudente Contato: scserrano@uol.com.br

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problemas associados com doenças ameaçadoras da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento por meio de identificação precoce, avaliação impecável e tratamento da dor e outros problemas físicos, psicossociais e espirituais1. O termo “paliativo” deriva do latim paliare (atenuar) e faz referência ao manto de lã usado pelos pastores e peregrinos como proteção contra as intempéries do ambiente2. Apesar da clara definição dos cuidados paliativos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), sua importância no cuidado global ao paciente ainda é subestimada por profissionais de saúde e pelo público em geral. Muitas pessoas ainda relacionam a filosofia dos cuidados paliativos a cuidados de últimos dias de vida ou como sinônimo de “não fazer nada”. Ao contrário, os cuidados paliativos são cuidados ativos que devem ser iniciados precocemente, assim que diagnosticadas doenças ameaçadoras da vida, como traz sua própria definição. Os cuidados paliativos de qualidade se baseiam em quatro pilares: a boa comunicação, o controle adequado dos sintomas, ações para alívio do sofrimento e apoio à família no processo de morte e posteriormente durante o luto. Os princípios fundamentais1 dos cuidados paliativos são: - Promover o alívio da dor e de outros sintomas angustiantes; - Reafirmar a vida e ver a morte como um processo natural; - Não pretender antecipar ou postergar a morte; - Integrar aspectos psicossociais e espirituais do cuidado; - Oferecer um sistema de apoio para ajudar os pacientes a viver tão ativamente quanto possível até a morte;

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- Oferecer um sistema de apoio e abordagem de equipe para identificar necessidades clínicas e psicossociais da família e do paciente, incluindo suporte ao luto, se indicado; - Melhorar a qualidade de vida e também influenciar positivamente o curso da doença; - Ser aplicável no início do curso da doença, em conjunto com outras terapias que visam prolongar a vida, como quimioterapia ou radioterapia; - Incluir as investigações necessárias para melhor compreender e gerir as complicações clínicas angustiantes. O paciente deve estabelecer seus objetivos e prioridades, e exercer sua autonomia de decisão. Ações efetivas para prevenção do sofrimento, através de medidas preventivas, curativas ou reabilitadoras, incluindo ações intervencionistas (como, por exemplo, para controle de dor ou de dispneia), são essenciais. A fase final de vida é um período importante que exige esforços para alívio do sofrimento físico e psíquico, mas é também um período em que pacientes e familiares podem necessitar de auxílio para suas questões pessoais e existenciais. É importante respeitar o limite que a doença impõe às pessoas. À equipe de saúde cabe uma dupla responsabilidade: zelar pela vida e aliviar o sofrimento, evitando ao máximo a realização de medidas agressivas que tragam sofrimento desnecessário ao paciente. No Brasil, os pacientes têm garantido seu direito de inclusive recusar tratamentos médicos3.

Boa comunicação auxilia na eficácia da abordagem É importante desenvolver uma boa comunicação que permita conhecer o paciente, identificar suas preocupações e conversar (caso seja seu desejo) sobre sua doença, formas para controlar seus sintomas e apoio às necessidades que influenciem


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seu bem-estar. A falta de informação sobre o tratamento e a evolução da doença geram ansiedade para o paciente e seus familiares e criam expectativas que frustram todo o processo do cuidado4. Em algum momento, os pacientes com doenças crônicas e progressivas percebem que têm que aprender a conviver com sua doença e com as limitações decorrentes dela. Esses pacientes e seus familiares precisam de informações sobre a doença, gravidade, sintomas e possibilidades de controle. Dados sobre prognóstico estimado que permita refletir suas escolhas e estabelecer um mínimo planejamento sobre suas vidas são uma necessidade comum que não pode ser negligenciada5. Estudo de Wong e col6 com 144 pacientes com câncer identificou que suas principais preocupações foram obter informações sobre o controle da dor, fraqueza, fadiga e em como ter acesso aos cuidados paliativos. Outro fator relevante é compreender quais são o significado e os efeitos que a dor e outros sintomas causam, e qual seu impacto sobre o paciente e sua estrutura familiar. O desconhecimento da causa do sintoma e a crença de que tal sofrimento não possa ser aliviado ou de que a presença do sintoma é uma ameaça imediata à vida podem aumentar a intensidade do sintoma e levar o paciente ao desespero. Por outro lado, uma parte dos pacientes é capaz de minimizar suas queixas e negar

sua dor por medo de que isso possa significar progressão da doença. A comunicação de más notícias é sempre um desafio dentro do contexto do cuidar, especialmente em situações em que não existe um vínculo de confiança construído. Estudos sobre comunicação mostram que as notícias são mais bem recebidas se apresentadas de forma simples e concisa, e se transmitidas através de contato pessoal que demonstre apoio e cuidado que contraste com a frieza dos fatos.

Profissionais devem desenvolver habilidades específicas A forma de revelar a verdade é sempre uma questão importante. De forma geral, prevalece a estratégia da “verdade lenta e suportável” em se tratando de cuidados paliativos. Revelar a verdade de forma gradual, respondendo apenas o que o paciente pergunta, contribui para que se elaborem estratégias de enfrentamento. É importante que todos os profissionais de saúde envolvidos no cuidado desenvolvam habilidades da boa comunicação, respeitando o desejo do paciente. Compreender que pacientes com doença avançada se esforçam por conservar a esperança diante de uma situação de vida cada vez mais difícil e que nem todos pensam da mesma forma em relação às informações que desejam receber sobre sua doença, tratamento e prognós-


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“Priorizar o que é essencial ao paciente, estabelecer objetivos reais e enfatizar oportunidades para que o paciente exerça sua autonomia de decisão contribuem para o alívio do sofrimento”

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tico faz parte do cuidado e respeito às pessoas7. Muitas vezes, os profissionais de saúde temem falar sobre a morte com seus pacientes, por motivos que variam entre autoproteção, desconforto em conversar sobre a morte ou simplesmente medo da reação do paciente ou de seus familiares8. Estar disponível e preparado para falar sobre a morte é importante em cuidados paliativos, já que muitos pacientes desejam se preparar para o processo de morte, o que inclui decisões e escolhas pessoais que trazem repercussões familiares. Muitos estudos relacionam o bem-estar espiritual com a saúde física e psicológica, e isso adquire especial importância na doença crônica. A espiritualidade traz uma importante contribuição a todo contexto de cuidado e não pode ser negligenciada pela equipe de saúde9,10,11. O sofrimento é uma dimensão fundamental da condição humana e uma presença frequente na doença e em especial na terminalidade. Diversas causas estão relacionadas ao sofrimento, entre as quais destacamos o mau controle de sintomas, situações psicossociais inadequadas (como falta de intimidade, companhia ou solidão indesejada), pensamentos negativos ou estado de ânimo deprimido ou angustiado. O alívio do sofrimento é um imperativo ético, mas não é possível atenuar uma angústia mental sem o alívio de sintomas físicos. O paciente tem várias questões pessoais e familiares para resolver. A doença e o sofrimento passam a ocupar aspectos centrais de sua vida. O tratamento da depressão é importante também porque a doença, ao potencializar a aflição da morte, impede que os pacientes adotem uma abordagem mais ativa e satisfatória no processo de enfrentamento da sua realidade. Priorizar o que é essencial ao paciente, estabelecer objetivos reais e enfatizar oportunidades para que o paciente exerça sua autonomia de decisão contribuem para o alívio do sofrimento. Outro ponto fundamental para a aderência ao tratamento e o melhor controle dos sintomas é estabelecer uma boa relação com pacientes e familiares. O apoio à família é um tema básico em cuidados paliativos, já que paciente e família constituem a unidade do tratamento: o que ocorre a um influencia ambos. O apoio à família inclui que ela participe dos cuidados ao paciente caso isso seja desejado. A participação nos cuidados do doente permite aos familiares expressar afeto e reduzir

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sentimentos de culpa, o que facilita o processo de luto12,13,14. Familiares e cuidadores necessitam de informação de qualidade, apoio psicológico e suporte físico e econômico, motivos pelos quais as figuras do psicólogo e do assistente social assumem grande importância, contribuindo para a melhora da qualidade de vida e aumentando significativamente a satisfação das famílias15.

Critérios para definição de pacientes terminais A doença terminal pode ser definida como a doença avançada, progressiva e incurável, sem aparentes e razoáveis possibilidades de resposta ao tratamento específico, com presença de numerosos problemas ou sintomas intensos, múltiplos, multifatoriais e mutáveis, que traz grande impacto emocional ao paciente, à família e à equipe de cuidado, muito relacionada com a presença, explícita ou não, da morte, e com prognóstico de vida inferior a seis meses. Essas características podem estar presentes no câncer e também, em maior ou menor intensidade, nas fases finais de insuficiências orgânicas específicas (renal, cardíaca, hepática, pulmonar etc.) ou na aids. Sem dúvida, o fator prognóstico é o que gera mais dúvida ao incluir um paciente dentro de uma situação de terminalidade. Nos pacientes não oncológicos, a dificuldade em estabelecer o prognóstico é mais difícil, uma vez que exacerbações clínicas consideradas em princípio situações potencialmente reversíveis ou curáveis nem sempre respondem ao tratamento, podendo levar à morte “não esperada”. Os cuidados de “últimos dias de vida” exigem atenção especial à deterioração progressiva do estado físico e psíquico (fraqueza intensa, diminuição do nível de consciência, presença frequente de síndrome confusional e dificuldade para ingestão de alimentos e medicamentos e para comunicação) e a sintomas físicos, psíquicos, espirituais e emocionais16. Além disso, a necessidade de suporte e acolhimento às necessidades físicas, emocionais, sociais e espirituais dos familiares e amigos envolvidos nesse delicado momento do cuidado não pode ser negligenciada. Em 2012, a International Association for Hospice and Palliative Care (IAHPC) preparou um resumo das evidências disponíveis para apoiar o desenvolvimento de uma lista de medicamentos essenciais em cuidados paliativos, com o objetivo de


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garantir o acesso universal a medicamentos adequados para o tratamento farmacológico dos sintomas mais prevalentes e angustiantes em pacientes adultos com doenças ameaçadoras da vida em todo o mundo17. O grupo de trabalho da IAHPC utilizou como metodologia a identificação das causas mais comuns de morte, a identificação dos sintomas mais comuns e angustiantes em cuidados paliativos e a identificação dos medicamentos recomendados para o controle dos sintomas. Devido à dificuldade na implementação de estudos prospectivos de alta qualidade em controle de sintomas, utilizando instrumentos validados em pacientes em cuidados paliativos, poucos estudos foram identificados com alto nível de qualidade. A maioria das evidências disponíveis de sintomas prevalentes e angustiantes é composta de revisão de casos retrospectivos, opinião de especialistas e relato de casos. Após a análise das evidências disponíveis, 11 sintomas foram identificados como prioridade: anorexia, ansiedade, constipação intestinal, delirium, depressão, diarreia, dispneia, dor, fadiga, náusea e vômitos e secreções do trato respiratório. Assim, 15 medicamentos foram identificados como essenciais para o tratamento desses sintomas. Essas diretrizes, desenvolvidas pela IAHPC e corroboradas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), encontram-se disponíveis para consulta pública no portal da OMS e devem ser conhecidas por todos os profissionais e gestores que atuam na área de saúde18.

Para reflexão Os esforços da OMS foram e ainda hoje são cruciais para o desenvolvimento e a disponibilidade dos cuidados paliativos no mundo. Ter acesso a cuidados paliativos adequados é direito de toda pessoa. A equipe de saúde que assiste o paciente deve conhecer e respeitar a

Referências bibliográficas: 1. WHO. National cancer control programs, policies and managerial guidelines. 2nd ed. Geneva: World Health Organization; 2002. 2. Santos FS. Cuidados paliativos: diretrizes, humanização e alívio de sintomas. São Paulo: Atheneu; 2011. O desenvolvimento histórico dos cuidados paliativos e a filosofia hospice; p.4-5. 3. Brasil. Resolução CFM Nº 1931/2009. Código de Ética Médica. Diário Oficial da União, Brasília, 13 de outubro de 2009, Seção I, p.173. 4. Arranz P. La comunicación em Cuidados Paliativos. Med. Pal, 2001, 8:1, 26-31. 5. Correia FR, De Carlo MMRP. Avaliação de qualidade de vida no contexto dos cuidados paliativos: revisão integrativa de literatura. Rev Latino-Am Enfermagem 2012; 20:401-10. 6. Wong RK, Franssen E, Szumacher E, Connolly R, Evans M, Page B, Chow E, Hayter C, Harth T, Andersson L, Pope J, Danjoux C. What do patients living with advanced cancer and their care want to know. A needs assessment. Support Care Cancer 2002; 10:408-15. 7. Querido AI, Dixe MA. A Esperança e qualidade de vida dos doentes em cuidados paliativos [periódico on line]. Int J Dev Educational Psychol 2010; 613-22. Disponível em: <URL: https://iconline.ipleiria.pt/bitstream/10400.8/417/1/A%20esperan%c3%a7a%20 qualidade%20de%20vida%20dos%20doentes%20em%20cuidados%20paliativos.pdf> [2013 jun 20]. 8. Otani H, Morita T, Esaki T, Ariyama H, Tsukasa K, Oshima A, Shiraisi K. Burden on oncologists when communicating the discontinuation of anticancer treatment. Jpn J Clin Oncol. 2011 Aug;41(8):999-1006. doi: 10.1093/jjco/ hyr092. Epub 2011 Jul 15. 9. Steinhauser KE, Voils CI, Clipp EC, Bosworth HB, Christakis NA, Tulsky JA. “Are you at peace?”:one item to probe spiritual concerns at the end of life. Arch Intern Med 2006; 166:101-5. 10. Pessini L. Distanásia: algumas reflexões bioéticas a partir da realidade brasileira. Bioética 2004a; 12:39-60.

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autonomia de decisão do paciente, além de suas prioridades e desejos em relação às intervenções terapêuticas presentes e futuras. Os cuidados paliativos devem ser oferecidos em conjunto com os cuidados curativos como complemento do tratamento integral à pessoa, agregando qualidade de vida, conforto e segurança ao paciente e à sua família, e deixar de ser vistos como concorrentes do cuidado: ou curativo ou paliativo. Essa exclusão não existe nem na definição dos cuidados paliativos nem em sua abrangência, mas se perpetua no pensamento [imaginário] de muitas pessoas, leigas ou não, como fruto do desconhecimento. Infelizmente, a formação mínima em cuidados paliativos é ainda uma rara exceção na graduação das áreas de saúde, apesar de representar a mais remota tradição e filosofia do cuidar. Muitos profissionais de saúde não são (e não foram) formalmente treinados para lidar com o manejo de sintomas, incluindo estratégias não farmacológicas, comunicação, tanatologia, luto e bioética, e se sentem perdidos ao se defrontar com essa realidade. Uma abordagem global, pensando no paciente como um ser biográfico, complexo em seus desejos e pretensões, no atendimento personalizado para alívio do sofrimento de qualquer natureza e no acolhimento familiar, garante qualidade de vida e re-significa a vida e até a morte, assim fazendo valer a filosofia dos cuidados paliativos19,20. Ao contrário do que muitos pensam, cuidados paliativos não são sinônimo de cuidados de fim de vida. Os cuidados paliativos devem ser instituídos o mais precocemente possível, evitando sofrimento desnecessário aos pacientes e familiares. Um exemplo disso é a importância crescente que os cuidados paliativos perinatais vêm assumindo dentro dos cuidados paliativos pediátricos.

11. Pessini L. A filosofia dos cuidados paliativos: uma resposta diante da obstinação terapêutica. Mundo Saúde 2004b; 27:15-32. 12. Levin DN, Cleeland CS, Dar R. Public attitudes toward cancer pain. Cancer 1985; 56:2337-9. 13. House JS, Landes KR, Umberson D. Social relationship and health. Science 1998, 241:840-45. 14. Steinhauser KE, Clipp EC, McNeilly M, Christakis NA, McIntyre LM, Tulsky JA. In search of a good death: observations of patients, family and providers. Ann Intern Med 2000; 132:825-32. 15. Bayes R, Limonero JT, Barreto P, Comas MD. Protocolo de una investigación multicéntrica sobre aspectos emocionales em enfermos em situación terminal. Med. Pal. 2001,8:2, 71-8. 16. Astudillo W, Mendinueta C, Orbegozo A. Nuevos criterios para la actuación sanitaria en la terminalidad. In: Astudillo W, Morales A, Clave E, Cabarcos A, Urdaneta E, editors. Avances recientes em cuidados paliativos. San Sebastián: Sociedad Vasca de Cuidados Paliativos; 2002. p. 47-87. 17. International Association for Hospice and palliative Care. IAHPC List of Essential Practices in Palliative Care. Houston: IAHPC Press, 2012. Avaliable from: <URL:http:// www.hospicecare.com> [2013 jun 20]. 18. World Health Organization. Essential Medicines in Palliative Care. Available from: <URL: http://www.hospicecare.com > [2013 jun 20]. 19. Serrano SC. Controle de sintomas e qualidade de morte em pacientes portadores de carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço: análise retrospectiva dos potenciais indicadores de cuidados nas últimas quatro semanas de vida de pacientes falecidos em um hospital oncológico terciário. São Paulo, 2012. 20. Lotz JD, Jox RJ, Borasio GD, Führer M. Pediatric advance care planning: a systematic review. Pediatrics. 2013 Mar;131(3):e873-80. doi: 10.1542/ peds.2012-2394. Epub 2013 Feb 11.


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políticas públicas

União de esforços

Iniciativa inédita no Brasil reúne entidades para montar uma pauta única de reivindicações ao poder público

Por Gabriel Ferreira

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UEM ESTÁ ACOSTUMADO A LIDAR COM O TRATA-

MENTO DO CÂNCER SABE BEM O TAMANHO DOS

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DESAFIOS ENFRENTADOS NO BRASIL. DE UM lado, o governo, que, preocupado com os custos e com as dificuldades de gestão inerentes a um país com dimensões continentais, não consegue dar conta de necessidades básicas dos pacientes, como um atendimento mais veloz e infraestrutura para o tratamento. De outro lado, médicos, pacientes, familiares e todos os demais envolvidos no dia a dia da doença lutam por melhores condições de combate ao câncer.

Abertura do evento Todos Juntos Contra o Câncer com palestra de Merula Steagal

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Ao longo da história, esse último grupo se organizou em uma série de associações buscando assumir um papel importante no debate das políticas públicas. Apesar de terem muitos interesses em comum, as associações e ONGs criadas para defender os interesses dos pacientes de câncer quase nunca adotaram medidas conjuntas. Na prática, elas se uniam apenas em algumas batalhas específicas e continuavam levando aos governos de plantão suas demandas de forma separada, difusa, o que reduzia em muito a eficácia da pressão exercida. A partir de agora, porém, esse quadro deve começar a mudar. No fim de setembro foi realizado, em São Paulo, o primeiro congresso do Todos Juntos Contra o Câncer, uma iniciativa que, como o próprio nome diz, pretende se firmar como um espaço de união entre todos os atores que desempenham algum papel no combate aos mais diversos tipos de câncer. A expectativa é que, com essa união de esforços, o assunto entre finalmente para o centro do debate público e passe a receber dos governos a atenção necessária, com a inclusão da prevenção, do diagnóstico e do tratamento do câncer entre as reais prioridades da saúde pública no Brasil. “Hoje não temos nenhum sinal claro de que o paciente com câncer receba a atenção que merece por parte dos órgãos públicos”, diz Maira Caleffi, mastologista e presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), uma das entidades que apoiaram a realização do evento.


Maira Caleffi

A ideia do Todos Juntos Contra o Câncer surgiu de conversas que Merula Steagall, presidente da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), teve com alguns representantes da sociedade civil para entender por que os projetos voltados à educação recebiam muito mais atenção e recursos das empresas do que aqueles voltados à saúde. “Achei que era hora de fazermos alguma coisa para colocar em evidência todas as associações e ONGs que atuam nessa área”, afirma Merula. O projeto inicial se restringia à criação de um site que serviria como uma espécie de vitrine para o trabalho das mais diversas entidades de apoio aos pacientes com câncer. “Era para ser um ‘cardápio de projetos’, para quem estivesse interessado em apoiar alguma organização da área.” Nas conversas que teve para viabilizar a criação da página virtual, porém, Merula foi apresentada ao projeto Todos Pela Educação, uma iniciativa que reúne associações, educadores e grandes empresários, como Jorge Gerdau, da Gerdau, Luis Norberto Pascoal, da D Paschoal, e Milú Villela, do Itaú, em torno do debate pela melhora da qualidade do ensino. Lançado em 2006, o Todos Juntos Pela Educação já conseguiu vitórias importantes para a área, como a aprovação do Plano Nacional de Educação, que estabelece um conjunto de 20 metas a serem cumpridas pelos três níveis do poder público. “Vi que o modelo desenhado por eles era muito pare-

cido com o que já fazíamos na Abrale, então o que precisávamos era apenas ampliar”, diz Merula. A partir dessa ideia, a equipe da Abrale iniciou um movimento de articulação para reunir o maior número possível de entidades em torno do projeto do Todos Juntos Contra o Câncer. “Apresentamos a ideia de união ao Ministério da Saúde, que achou muito boa a possibilidade de ter alguém que unificasse a pauta, ao invés de ter que buscar a interlocução com inúmeras entidades”, afirma Merula. O primeiro resultado dessa união pôde ser visto no congresso ocorrido em São Paulo. “Por causa da disponibilidade de espaço, tivemos muito pouco tempo para organizar tudo, mas mesmo assim excedemos a quantidade de apoio que esperávamos.” O objetivo inicial era reunir 50 organizações em torno do evento, fosse se responsabilizando por algum dos painéis, expondo suas iniciativas em estandes ou dando apoio institucional. Ao final, participaram do congresso 107 entidades, que se aglutinaram em torno da ideia ao longo dos cinco meses que se passaram entre a primeira reunião sobre o projeto e a realização do evento. Divulgação

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A rede social Amar a Vida foi criada para ser uma plataforma de troca de experiências e informações entre médicos, pacientes, familiares e demais profissionais de saúde que atuem na área de oncologia

Merula Steagall

Tamanha mobilização possibilitou que o primeiro congresso do Todos Juntos Contra o Câncer

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Próximos passos A partir das discussões realizadas nas 25 plenárias do congresso, a organização do Todos Juntos Contra o Câncer irá preparar um documento com uma série de reivindicações e pedidos a serem apresentados ao poder público. “Com esse documento em mãos, teremos que buscar apoio de parceiros importantes, como parlamentares, o Ministério Público e as Defensorias Públicas, para cobrar a execução dessas medidas”, diz a doutora Maira Caleffi. “Temos que aproveitar que tivemos uma oportunidade única de ver o assunto por diversos ângulos, ao conseguir reunir pacientes, médicos, indústria e vários outros atores. Isso resultará em um documento bastante amplo.” Para Merula, é justamente essa pluralidade que garantirá o sucesso dos próximos passos do Todos Juntos Contra o Câncer. “As instituições envolvidas têm poucos recursos para entrar nessa luta sozinhas, então temos que aproveitar o que cada uma delas tem de melhor e potencializar os resultados.” Assim que ficar pronto, o documento deve ser levado à próxima reunião do Conselho Nacional de Saúde com o pedido de que o Ministério da Saúde se posicione sobre as demandas e contribuições resultantes dos debates realizados no congresso. “É muito importante quando instituições descobrem formas de se posicionar em debates tão importantes como esse”, afirma o cientista político Leandro Machado, sócio da Cause Agência de Advocacy, consultoria especializada no apoio a organizações que atuam na defesa de alguma causa. Uma versão resumida do documento também será disponibilizada a todos os inscritos no congresso, que contou com a participação de centenas de pessoas de todas as regiões do Brasil. A continuidade das discussões iniciadas ao longo do evento também pode ser acompanhada pela rede social Amar a Vida, criada para ser uma plataforma de troca de experiências e informações entre médicos, pacientes, familiares e demais profissionais de saúde que atuem na área de oncologia. O endereço é www.amaravida.com.br.

O que é advocacy? Iniciativas como o Todos Juntos Contra o Câncer são conhecidas como ações de advocacy. Mas o que isso significa na prática? Mais conhecido nos Estados Unidos e em partes da Europa, o advocacy é uma prática política organizada para pressionar o poder público na formulação de políticas e na divisão de recursos de forma mais adequada aos interesses daquele grupo. As ações de advocacy normalmente envolvem uma série de ferramentas, que vão desde a abordagem direta de políticos e técnicos do governo até a realização de campanhas públicas e ações na mídia. “É preciso que essas ações sejam muito bem estruturadas, com metas e objetivos claros, para que seja seguido o caminho mais eficiente para a obtenção dos resultados desejados”, afirma Leandro Machado, sócio da Cause Agência de Advocacy. Apesar de ser um nome ainda pouco difundido no país, a prática do advocacy não é uma novidade no Brasil, principalmente na área de saúde. Entre as conquistas já realizadas por meio desse tipo de ação estão a Lei dos 60 Dias e a inclusão das quimioterapias orais no rol de medicamentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

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Foto: Marcos Suguio

trouxesse ao debate uma série de assuntos fundamentais para que o combate a essa doença, enfim, evolua no Brasil. “Ainda temos muitos gargalos a enfrentar, desde o diagnóstico até o tratamento”, afirma a doutora Maira Caleffi, da Femama. Durante o evento, a Femama foi responsável pela organização de uma mesa sobre o papel das ONGs no controle social e na qualificação de informações ao Legislativo. O painel trouxe exemplos de experiências bem-sucedidas de projetos aprovados a partir de pressões realizadas por entidades da sociedade civil, como a Lei dos 60 Dias, que garantiu aos pacientes com câncer o direito de ter seu tratamento iniciado no máximo dois meses após a realização do diagnóstico. “É fundamental não só a pressão para que se aprovem essas leis, como a vigilância constante, para garantir que a legislação seja aplicada de forma correta”, diz Maira, lembrando que a regulamentação inicial da lei trouxe um retrocesso, ao dizer que o prazo dos 60 dias só começaria a contar após a inclusão do diagnóstico no Sistema de Informações do Câncer (Siscan), cuja implementação ainda enfrenta uma série de dificuldades. “Ficamos atentos e conseguimos reestabelecer o texto original da lei.” Outras discussões realizadas ao longo dos dois dias de congresso trouxeram ao centro do debate assuntos como os caminhos para o acesso a novas terapias, a utilização de incentivos fiscais na área de saúde, os mitos e verdades relacionados à pesquisa clínica no país e os desafios gerados pelo grande aumento de demandas judiciais na área de saúde. Os diversos painéis contaram com a participação de médicos, pacientes, profissionais de saúde de áreas diversas, advogados, membros do Judiciário e jornalistas, que apresentaram suas visões sobre os assuntos e os possíveis encaminhamentos para que se avance na prevenção, diagnóstico e tratamento das neoplasias e das doenças onco-hematológicas. “Nos preocupamos que todas as salas apresentassem um histórico da situação até o momento atual e depois abrissem o debate para discutir os caminhos que devem ser tomados a partir de agora”, afirma Merula Steagall.

Leandro Machado


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Apoio psicológico como suporte do tratamento clínico Atendimento a paciente com câncer nos principais centros de referência do país busca melhorar a adesão ao tratamento e ajudar nos mecanismos de enfrentamento da doença Por Regiane de Oliveira

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DESCOBERTA DE UM DIAGNÓSTICO DE CÂNCER MUDA COMPLETAMENTE

A ROTINA DE UMA PESSOA. MEDOS, INCERTEZAS QUANTO A PROJETOS de VIDA, ANGÚSTIAS, TRANSFORMAÇÃO DA IMAGEM QUE SE TEM DE si mesmo são apenas algumas das reações possíveis. Afinal, assim como se sabe que não existe um câncer igual a outro, a vivência da doença é também algo muito singular. E o apoio psicológico se tornou um grande aliado no tratamento multidisciplinar humanizado para aliviar o sofrimento de doentes e familiares. “Nós nos aproximamos do paciente em um momento de muita vulnerabilidade e trabalhamos em um tempo diferente do tempo do hospital”, conta Mônica Marchese, psicóloga do Instituto Nacional de Câncer (Inca), que há 16 anos trabalha com saúde pública. Enquanto o tratamento do câncer é feito de protocolos, horários regrados, consultas, exames, o atendimento psicológico atua com o tempo do paciente. “É o que chamamos de urgência subjetiva. Temos que estar disponíveis para escutar e estar presentes diante do sofrimento.” Unir o tempo do paciente ao do hospital é um desafio tremendo para as instituições de saúde que atuam no tratamento do câncer. O Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) resolveu essa questão de uma forma inovadora, com suporte psicológico 24 horas. “Trabalhamos com um modelo de ligação, com 30 psicólogos de referência atuando em todas as unidades do hospital – UTI, internação, químio, rádio, ambulatório, pronto-socorro –, sempre em uma relação estreita com a equipe multidisciplinar. Sabemos que o paciente tem demanda 24 horas, ele não descompensa só durante o dia”, afirma Lórgio Henrique Diaz Rodriguez, psicólogo do Icesp. No Inca, cada unidade de atendimento conta com um psicólogo de referência. O processo de aproximação desses pacientes segue um padrão já comum aos hospitais públicos e privados. No momento da internação ou atendimento ambulatorial, o paciente é informado sobre o atendimento multidisciplinar, que inclui o apoio psicológico. Os próprios pacientes e/ou familiares podem solicitar a visita do psicólogo, mas geralmente são os médicos que identificam a necessidade e acabam pedindo o apoio de um psicólogo.

Ainda há muitos mitos em relação ao papel desse profissional no tratamento do câncer. “Muitos acreditam que estamos ali para fazer alguém parar de chorar, por exemplo. Mas não é nossa função tirar a emoção, deixar alguém feliz em um momento triste. Estamos ali para ajudar os pacientes a encontrar ferramentas para usar nos momentos de tristeza, como a fé, por exemplo”, conta Mônica. Ana Merzel Kernkraut, coordenadora do Serviço de Psicologia do Hospital Israelita Albert Einstein, afirma que o psicólogo trabalha com um momento único na vida da pessoa, que é a descoberta de um câncer. “Ainda temos bastante medo, preconceito contra a doença, e saber que você terá que lidar com um tratamento agressivo, que chega sem hora e data marcada, exige uma reorganização tanto do ponto de vista das questões práticas – trabalho, filhos, rotina – quanto das questões emocionais – como se posicionar diante desse novo mundo, como lidar com a situação, consigo mesmo, com familiares, amigos. São muitos os questionamentos.” Elena Lerner, psicanalista da Oncologistas Associados, clínica do Grupo Oncologia D’Or, concorda. Segundo ela, o trabalho do psicólogo é acolher no momento de fragilidade, e não rotular a tristeza de depressão. “Ajudamos os pacientes a fazer os lutos necessários pelo adoecimento e pelas perdas dele advindas. Não raro acompanhamos importantes ganhos a partir dos balanços de vida que se fazem e do sentimento de urgência que a ameaça do câncer desperta.” Há 23 anos atuando na área oncológica, Elena afirma que no começo foi muito duro atuar com pacientes com câncer. “Ficava muito abalada pela gravidade da doença e pela dramaticidade frequentemente presente no cotidiano dos atendimentos. Mas o campo de trabalho é muito rico, diversificado e gratificante”, lembra. Ela ressalta que o psicólogo não recebe os pacientes com um roteiro de perguntas ou com etapas preestabelecidas a serem cumpridas, mais comuns no atendimento médico. “Oferecemos uma escuta em que privilegiamos a singularidade. Trabalha-se o que provoca sofrimento, o que está sendo difícil para cada um”, explica. Elena conta que, inicialmente, é frequente os pacientes falarem do Onco& novembro/dezembro 2014

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Mônica Marchese

Sabemos que falta recurso. A gente sempre acha que está aquém da demanda, mas hoje é uma prerrogativa na saúde pública ter um atendimento integral e multidisciplinar. Estamos sempre correndo atrás do prejuízo

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impacto do diagnóstico, do medo dos tratamentos, de suas ideias e fantasias em relação à origem do câncer, das incertezas quanto à cura. Também se questiona o estigma do câncer como doença terminal e se aposta na potência do desejo de viver, estimulando-se a articipação ativa no tratamento. Na Oncologistas Associados do Grupo D’Or são oferecidas oito sessões (que em alguns casos se estendem a 12) para pacientes e/ou familiares. “Já tivemos grupos semanais, que não vêm sendo oferecidos por falta de demanda”, afirma Elena. Há também o Conte Conosco, um grupo de compartilhamento de experiências, que tem um encontro mensal. São oferecidos cerca de 90 atendimentos/mês. Mas é engano pensar que o atendimento psicológico acaba sendo compulsório. “Não há nenhum tipo de protocolo do tipo ‘todos os pacientes têm que passar pela psicóloga’”, afirma Elena. “O profissional de psicologia integra a equipe por acreditarmos que é parte importante do tratamento dar chance ao paciente de falar. Consideramos este um recurso poderoso, na contramão das cobranças de que ‘tem que pensar positivo senão morre’. Mas é fundamental que seja uma escolha do paciente.” Christina Haas Tarabay, psicóloga oncologista do Departamento de Psicologia/Psiquiatria do A.C.Camargo Cancer Center, lembra, inclusive, que não são todos os pacientes que precisam de apoio psicológico, mas o diferencial de quem recebe o suporte é poder entender o significado da doença na vida dele. “O diagnóstico modifica a vida do paciente, da família, é preciso alguém para conversar, para ver além dos aspectos físicos e buscar estratégias de enfrentamento para uma cirurgia mutiladora ou um tratamento de quimioterapia em que sua imagem é alterada, por exemplo”, afirma. A resistência ao atendimento psicológico ainda é uma barreira, mas essa realidade vem mudando, garante Christina. “No passado, era só falar em apoio psicológico para ouvir que a pessoa não era louca. A aceitação hoje é boa. As pessoas se dão conta de que o câncer pode trazer uma sobrecarga psíquica importante e que poder dividir e se sentir mais fortalecido é relevante para o tratamento.” De acordo com Ana Kernkraut, do Einstein, quando o apoio psicológico é bem indicado pelos médicos, familiares ou demais profissionais, a recepção do paciente é muito boa. “Mas mesmo

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assim, há quem sinta que naquele momento não há necessidade, e temos que respeitar o limite.” É o paciente que vai escolher se quer falar ou não. Afinal, como concordam os profissionais da área, o atendimento psicológico não é para 100% dos pacientes, pois não é todo mundo que demanda um trabalho terapêutico. Mas a demanda maior fez com que o Einstein reforçasse a equipe nos últimos quatro anos. “Dobramos o número de profissionais. Hoje somos quatro psicólogos atendendo os pacientes.” No caso de transplantes de medula óssea, o protocolo de atendimento pede que a avaliação do paciente seja feita desde o começo. “Temos que saber quais instrumentos de enfrentamento o paciente tem”, explica Ana. De acordo com Yana Novis, diretora de Hematologia e Transplante de Medula Óssea do Hospital Sírio-Libanês, hoje em dia não é possível dissociar a psicologia do tratamento multidisciplinar. “O apoio psicológico está bem definido e estruturado em vários países, especialmente na Europa e nos Estados Unidos. É praticamente uma rotina. E é imprescindível tanto para os familiares quanto para os pacientes, pois estamos falando de um momento de muito estresse, conflitos, angústias e medos”, afirma. No Sírio, a primeira avaliação é feita sempre pelo médico, que pode chamar ou não o psicólogo para uma visita. “Mas a aceitação depende do paciente”, lembra Yana. Para os casos de transplante de medula óssea, além do apoio aos pacientes, as famílias podem contar com uma reunião semanal com o psicólogo na sala de acompanhantes.

Foco na equipe No Hospital do Câncer de Barretos (HCB), em São Paulo, além do apoio psicológico aos pacientes e familiares, a instituição foca no atendimento aos colaboradores. “A área de saúde é muito estressante, por lidar diariamente com a questão da morte. O que oferecemos aos colaboradores não é psicoterapia, é amparo”, afirma Joel Carlos Morais Junior, psicólogo no HCB, que há 11 anos atua na área oncológica. Toda sexta-feira, a equipe de psicólogos atende, por agendamento, os profissionais da instituição. O programa faz sucesso. Segundo Joel, a agenda está sempre lotada. “A próxima vaga é para daqui a um mês”, lembra. O Icesp também contratou um psicanalista que trabalha só com os colaboradores, em sessões em


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grupo ou individuais. E a equipe de psicólogos está sempre a postos realizando acolhimento dos colaboradores que ficam fragilizados com a situação dos pacientes. “Não entramos em problemas pessoais, só aspectos inerentes ao que acontece no dia a dia do trabalho”, explica Lórgio Rodriguez, do Icesp. O HCB conta com 11 profissionais atendendo em suas três unidades. O encaminhamento para o atendimento psicológico pode ser feito por qualquer membro da equipe ou mesmo por solicitação do paciente. Joel Carlos acredita que, além de contribuir para o bem-estar do paciente, a melhora na adesão do tratamento é grande nos pacientes que contam com apoio psicológico. “Fazemos também um papel de intermediário, porque às vezes, na frente do médico, o paciente tem dificuldade em entender tudo o que está acontecendo e nos traz as dúvidas.” Infelizmente, Joel Carlos afirma que não é possível atender a todas as solicitações, pois a demanda é grande e a equipe é reduzida. E essa realidade é comum em todos os hospitais. No Inca, Monica Marchese explica que trabalhar com a rede de atenção básica tem sido uma saída para atender a um maior número de pessoas. “Recebemos pacientes de várias cidades e locais do país. Muitos moram longe do Inca para poder comparecer com frequência para o atendimento psicológico.” Os profissionais entram em contato com a rede básica e fazem o agendamento para o local mais próximo do paciente. Se isso dá certo todas as vezes? Mônica diz que não é 100% garantido. “Sabemos que falta recurso. A gente sempre acha que está aquém da demanda, mas hoje é uma prerrogativa na saúde pública ter um atendimento integral e multidisciplinar. Estamos sempre correndo atrás do prejuízo. Mas o que escuto dos pacientes do Inca é que aqui o atendimento é de Primeiro Mundo.”

Iniciativas O Icesp tem a estrutura mais semelhante com a que defende Cristina Volker, presidente da Sbrapo. O instituto conta com uma série de iniciativas para melhor acolher os pacientes. São ações como a do Grupo Acolhida, que recebe pacientes e acompanhantes antes da primeira consulta médica. Lórgio Rodriguez, psicólogo do Icesp, explica que o objetivo é minimizar o impacto psicológico da chegada e o início do tratamento, bem como fornecer orientações sobre os profissionais, serviços e os tratamentos, esclarecendo possíveis dúvidas, ansiedades, fantasias e temores diante da situação vivenciada. “Hoje não conseguimos atender todo mundo, afinal são 900 mil pacientes por mês, mas temos projetos de ampliar o grupo.” Atualmente, o Icesp conta com 30 profissionais na área de psicologia hospitalar. Até setembro deste ano, a equipe da psicologia atendeu, na internação, 21,3 mil pacientes e 39,7 mil acompanhantes. No ambulatório, foram 9,7 mil pacientes e 4,4 mil acompanhantes. A área de psicologia hospitalar do Icesp é responsável por uma série de programas que visam ajudar a minimizar a dor de pacientes e acompanhantes, como o Programa Visita Humanizada na UTI, que faz a preparação psicológica e o acompanhamento dos familiares ao leito do paciente na UTI, e o Programa Cuidados Especiais ao Óbito, que tem apoio de toda a equipe multidisciplinar, para oferecer os cuidados necessários aos pacientes e seus acompanhantes em pré e pós-óbito. “O foco é oferecer suporte emocional, afetivo e psíquico em situação de crise/caos com o fechamento do ciclo da doença, momento em que a família sofre o maior impacto emocional de todo o processo do adoecer do ente querido”, afirma Lórgio.

Os novos caminhos da psico-oncologia O aumento na incidência do câncer tem feito com que mais estudantes passem a se interessar pela psico-oncologia. Mas os cursos de graduação precisam se atualizar. Segundo Christina Haas Tarabay, psicóloga oncologista do Departamento de Psicologia/Psiquiatria do A.C.Camargo Cancer Center, os estudantes chegam com muitas interrogações. “Eles têm uma ideia do que é a psicologia hospitalar, que lida com diversos tipos de pacientes e patologias, mas não sabem nada sobre psico-oncologia, que lida o tempo todo com câncer.” Lórgio Henrique Diaz Rodriguez, psicólogo do Icesp, concorda que a experiência do hospital é bastante diferente da prática a que os alunos de graduação estão acostumados. “A graduação do psicólogo ainda é focada no formato de consultório. Aqui no Icesp, atendemos nos corredores, ao ar livre, na UTI. A ‘sessão’ pode ser de 5 minutos no ambulatório, como pode ser de 3 horas. O paciente faz o tempo da terapia”, explica. Christina explica que é importante que os profissionais de psicologia tenham um forte suporte teórico e entendam sobre os diversos tipos de tumor e tratamento, pois o paciente chega bem informado. O psico-oncologista tem que saber o que uma químio pode causar, por exemplo, para entender o que paciente está falando, pois é isso que cria uma confiança maior.” A formação em psico-oncologia foi o tema da IV Jornada Franco-Brasileira de Psicologia Oncológica, que aconteceu em outubro no Rio de Janeiro, dentro do VII Congresso Franco-Brasileiro de Oncologia. De acordo com Cristina Volker, presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Oncológica (Sbrapo), há uma preocupação com a qualificação e a deficiência no número de psicólogos dentro de instituições. “Há um reconhecimento maior do papel do psicólogo na equipe multidisciplinar de atendimento ao paciente com câncer, especialmente porque está se desmistificando a ideia de câncer como sinônimo de morte. Temos, sim, muita qualidade em nosso atendimento no Brasil, mas infelizmente temos um número insuficiente de profissionais.” Cristina acredita que o maior gargalo está nas faculdades, uma vez que não existe ainda a disciplina psico-oncologia nos cursos de graduação de psicologia. O reflexo disso é o número insuficiente de profissionais capacitados. Cristina, que há 31 anos atua na área hospitalar sempre com doenças crônicas, defende que, em uma estrutura ideal, a visita ao psicólogo deveria ser feita logo após o diagnóstico. “Ao abrir o prontuário, o paciente seria encaminhado a um psicólogo para ver o quanto está entendendo em relação ao que está passando, e quais seus mecanismos de defesa e enfrentamento, entre outros aspectos.” Essa interconsulta ajudaria o médico a saber o perfil do paciente, o que facilita na comunicação e no atendimento. “Infelizmente, tanto no Sistema Único de Saúde quanto na rede privada não temos esse tipo de serviço.”

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Fórum debateu o tema “Advocacy em Saúde” Com o objetivo de engajar sociedades médicas, parlamentares e jornalistas, fomentando a discussão sobre a prática do advocacy, foi realizado, em setembro, o Fórum Debate sobre Advocacy em Saúde, na cidade de Gramado (RS). Com uma programação totalmente voltada ao cenário brasileiro das doenças onco-hematológicas, a iniciativa teve como intuito promover a discussão em torno do tema, engajar sociedades médicas, profissionais de saúde, parlamentares e associações de pacientes na luta pela construção do acesso. O Fórum aconteceu em meio à 9ª edição do Câncer de Mama Gramado – 2014, um dos eventos mais tradicionais do país a discutir as temáticas relacionadas ao câncer. Para Carlos Barrios, diretor executivo do Latin American Cooperative Oncology Group (LACOG) e diretor do Instituto de Oncologia Mãe de Deus, de Porto Alegre (RS), o importante é engajar diferentes públicos na defesa dos direitos dos pacientes onco-hematológicos. “A prática do advocacy visa o bem comum. É imprescindível que todos conheçam seu real objetivo, pois é dessa forma que a sociedade civil e os portadores de doenças irão se beneficiar de políticas públicas adequadas e que atendam às necessidades que, hoje, não são contempladas pelo sistema vigente.” No Brasil, há dois anos aproximadamente, duas importantes conquistas nesse quesito foram frutos de estratégia da prática de advocacy: a aprovação da Lei dos 60 Dias (12.732/12), que dá ao paciente com câncer o direito de ser tratado em até 60 dias após o diagnóstico da doença, e a lista dos 37 medicamentos orais de combate ao câncer inseridos no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS).

Livro Mamãe Tá Careca aborda o câncer pelo universo da criança O Outubro Rosa, como ficou conhecido o movimento popular que começou nos Estados Unidos, ganha novos adeptos a cada ano, e tem como objetivo alertar a população para a realidade atual da doença e a importância do diagnóstico precoce. O câncer de mama é o que mais acomete mulheres em todo o mundo. Mas como abordar um assunto tão delicado com as crianças? O lançamento da Editora FTD Mamãe Tá Careca, de Juliana Vermelho Martins, pode ser um bom começo. No livro, que a autora decidiu escrever depois de ter enfrentado a doença, a jovem mãe Mônica é diagnosticada com câncer de mama, ainda no início da manifestação da doença. Para se proteger do medo da doença e da morte, o filho Leonardo, de 9 anos, cria um mundo de fantasia onde seus heróis de brinquedo nem sempre vencem a luta contra o mal. Após a cirurgia de remoção do nódulo, Mônica enfrenta a quimioterapia. Cheia de incertezas, mas mantendo a esperança, encara com coragem esse doloroso momento de sua vida e ainda consegue ajudar os filhos pequenos a compreender a situação e enfrentar o medo da morte.

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A atuação fisioterapêutica na doença ocorre no pré e pós-cirúrgico, durante o tratamento radioterápico e nas reconstruções mamárias. A cirurgia da retirada do câncer pode trazer algumas complicações, como dor, limitação de movimento do braço operado, alteração postural, retração da cicatriz, perda de sensibilidade do lado afetado, rigidez dos vasos linfáticos e linfedema. Segundo Maíra Oshiro, fisioterapeuta especializada em saúde da mulher do Centro de Qualidade de Vida (CQV), os exercícios com o membro afetado são muito importantes para restaurar os movimentos do ombro e do cotovelo e prevenir perda de massa muscular. “Os objetivos da fisioterapia no câncer de mama são prevenir aderência cicatricial, que pode limitar a amplitude de movimento do braço, prevenir edema pós-cirúrgico e proporcionar amplitude de movimento articular do ombro homolateral à cirurgia”, diz. Já no caso de linfedema, o tratamento é feito com o que chamamos de Terapia Física Complexa (TFC), que são exercícios para os braços, drenagem linfática manual e cuidados com a pele. O tratamento restaura os movimentos e funções comprometidos, minimiza o quadro de dor e incapacidades para que não ocorram instalação de deformidades e progressão de sintomas. O objetivo essencial da fisioterapia nas reconstruções mamárias é evitar complicações como aderência da prótese e restabelecer o retorno precoce das atividades da vida diária.

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Fisioterapia auxilia no pós-operatório no câncer de mama


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País recebe especialistas internacionais em câncer de mama O Brasil recebeu, por ocasião do Outubro Rosa, os pesquisadores do Breast International Group (BIG), um dos principais grupos de pesquisa em câncer de mama do mundo: Fabrice André, professor do Instituto Gustave Roussy, na França, e Martine Piccart-Gebhart, professora da Université Libre e diretora do departamento de Medicina do Instituto Jules Bordet, na Bélgica. Os especialistas participaram do lançamento do relatório BIG Retreat Meeting Latin America, que aborda a situação da pesquisa clínica na América Latina como forma de evitar a possível epidemia de câncer na região. As principais barreiras para o desenvolvimento da pesquisa clínica na América Latina incluem a falta de estrutura nas organizações nacionais ou regionais dedicadas a pesquisas sobre o câncer, um número limitado de pessoas qualificadas e especializadas, a falta de reconhecimento público da importância da pesquisa clínica, obstáculos legais e regulatórios em alguns países e, criticamente, a falta de financiamento para apoiar investigações. O relatório BIG Retreat Meeting Latin America (www.bigagainstbreastcancer.org) aborda a situação atual da pesquisa clínica em câncer na América Latina, os esforços em curso para a organização de redes nacionais e regionais entre agências de pesquisa, as barreiras significativas para o desenvolvimento dos estudos clínicos (como o atraso dos processos regulatórios no Brasil e a falta de investimentos) e, ainda, propõe sugestões práticas para superar os problemas e fazer progressos substanciais para o futuro.

O Grupo Acreditar Oncologia – Unidade Santa Marta Empresa do Grupo Oncologia D’Or, acaba de se tornar a primeira clínica de oncologia do Brasil a receber o selo de certificação internacional da JCI - Joint Commission International de acordo com os padrões no Manual de Cuidados Ambulatoriais. A JCI é uma organização não-governamental e o mais respeitado órgão certificador das organizações de saúde do mundo. O selo atesta a qualidade e a segurança de todos os processos envolvidos no atendimento ao paciente e qualifica a unidade Santa Marta entre outras instituições de referência mundial.

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ESMO reúne 20 mil médicos para discutir avanços na oncologia Segundo maior evento da oncologia clínica mundial, a reunião anual da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO) foi realizada entre 26 e 30 de setembro, em Madri. O tema do encontro deste ano foi “Medicina personalizada no tratamento de câncer”. Quase 20 mil oncologistas, radiologistas, hematologistas e demais interessados no tratamento das neoplasias discutiram avanços que devem ter impacto na prática clínica ao longo dos próximos anos. “Estamos muito felizes de ver os resultados de estudos muitos importantes, que vão ter um impacto direto na forma como os pacientes serão tratados muito em breve”, afirmou o professor Johann de Bono, presidente da comissão científica do congresso. “Temos estudos muito promissores referentes aos mais diversos tipos de câncer, como tumores de pulmão e de mama, além dos melanomas.” Nesta página de Onco& você confere alguns dos principais destaques apresentados ao longo da ESMO 2014.

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Pesquisa de vacina para câncer de pulmão decepciona

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A possibilidade de desenvolver uma vacina para o combate dos tumores de pulmão parece ter ficado mais distante após a apresentação dos resultados do estudo de fase III MAGRIT no ESMO 2014. “Os resultados desse estudo foram decepcionantes, particularmente no caso de câncer não pequenas células”, afirmou o doutor Martin Reck, oncologista-chefe do Departamento de Oncologia Torácica do Hospital Grosshansdorf, na Alemanha. A opinião de Reck, porém, não é unanimidade. O principal autor do estudo, o professor Johan F. Vansteenkiste, acredita que ainda é possível testar outros caminhos. “A vacina usada no MAGRIT pode trazer benefícios se for combinada com inibidores de checkpoint, que revertam a habilidade do tumor de paralisar o sistema imune. Novas versões da vacina também podem funcionar melhor”, disse Vansteenkiste. As quimioterapias adjuvantes para pacientes operados de câncer de pulmão são hoje consideradas o tratamento padrão, apesar de as taxas de cura permanecerem relativamente baixas – em torno de 45% – e de o tratamento ser pouco tolerado por pessoas que passaram por uma cirurgia no pulmão. O estudo MAGRIT surgiu como uma forma de buscar uma alternativa de tratamento adjuvante para esses casos. Os pesquisadores passaram a investigar a proteína MAGE-A3, presente em um terço dos tumores de pulmão. Estudos haviam apontado bons resultados no uso dessa proteína no tratamento de melanoma metastático. Para o estudo MAGRIT, 2.272 pacientes foram randomizados para o recebimento da vacina de MAGE-A3 ou placebo. “Infelizmente o tratamento com MAGE-A3 não trouxe ganhos de sobrevida livre de doença comparado com o placebo”, afirmou o professor Vansteenkiste. “Agora, nós precisamos voltar ao laboratório para entender melhor os mecanismos de ação.” Segundo ele, o estudo trouxe boas notícias, como o fato de reforçar a ideia de que as vacinas são muito bem toleradas pelos pacientes, com efeitos colaterais moderados.

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Resultados do CLEOPATRA apontam para novo padrão A apresentação dos resultados do estudo CLEOPATRA durante a reunião anual da ESMO trouxe mudanças significativas para a prática clínica, segundo o doutor Giuseppe Curigliano, diretor da Divisão de Terapias Experimentais de Milão. “Agora nós temos um padrão para o cuidado de pacientes com câncer de mama HER-2 positivo metastático”, afirmou o médico italiano, que se referia à combinação de pertuzumabe e trastuzumabe com quimioterapia. Segundo ele, um dos dados mais impressionantes da pesquisa foi o de sobrevida global. O estudo apontou que as pacientes tiveram uma sobrevida média de 56,5 meses. No padrão de tratamento anterior, apenas com trastuzumabe, esse índice era menor em 15 meses. Também durante a reunião da ESMO, o estudo NeoSphere mostrou resultados positivos para essa mesma combinação de drogas no tratamento neoadjuvante de pacientes com câncer de mama HER-2 positivo. O potencial para o tratamento adjuvante vem sendo medido pelo estudo APHINITY, ainda em andamento. Para Curigliano, a abordagem proposta por esses estudos pode mudar os padrões não apenas no tratamento do câncer de mama. “A ideia de utilizar dois anticorpos monoclonais pode ser explorada não somente nesse tipo de câncer, mas em todos os tipos de tumores sólidos”, afirmou o médico durante a conferência.

Estudo mostra importância do rastreamento para câncer colorretal A introdução da prática bienal de rastreamento para câncer colorretal na região de Côte-d’Or, na França, aumentou em 89% a detecção de adenomas com alto risco de se converterem em tumores. Os resultados foram apresentados no Congresso da ESMO, em Madri. Os pesquisadores, comandados por Vanessa Cottet, do centro de pesquisas francês INSERM Unité 866, compararam dados do levantamento com informações sobre o diagnóstico de adenomas desde 1976. O estudo incluiu todos os moradores da região com idade entre 50 e 74 anos que tiveram um primeiro adenoma detectado entre janeiro de 1997 e dezembro de 2008. Os pesquisadores apontaram que 38,7% dessas pessoas tinham adenomas de alto risco – com características como tamanho superior a 1 centímetro de diâmetro ou alto grau de displasia. Para esse grupo, as taxas de diagnóstico eram de 136 a cada 100 mil pessoas antes do programa de rastreamento. Após a experiência, a taxa subiu para 257 a cada 100 mil pessoas. No caso dos pacientes que apresentavam adenomas de menor risco, a taxa de diagnóstico saltou de 235 para 392 a cada 100 mil pessoas. Segundo os pesquisadores, os dados mostram a importância da realização do trabalho de rastreamento em massa para diminuir as taxas de tumores colorretais. “A população deve seguir a recomendação de participar das campanhas de detecção precoce. As taxas de participação são o maior fator de sucesso nesses programas”, afirma Vanessa Cottet. Agora, o desafio é determinar qual a melhor forma de rastreamento. “A grande questão é qual método é o mais apropriado para maximizar a participação nesses programas, mantendo a eficácia e os custos sob controle”, afirmou o professor Hans-Joachim Schmoll, da Martin Luther University, na Alemanha, que comentou os resultados do estudo. Outro grupo de pesquisadores franceses, coordenados por Sylvain Manfredi, do CHU Pontchalillou, apontou que, no caso das pessoas que pertencem aos grupos de maior risco de desenvolver câncer colorretal, o uso de testes de sangue oculto nas fezes para os programas de rastreamento tende a ser mais eficiente do que a realização de colonoscopias.

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campanhas

Fique por dentro das ações sobre câncer que ganharam destaque na mídia e nas redes sociais

Conscientização sobre a saúde do homem

Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

A maior campanha do Brasil de conscientização sobre a saúde do homem acontece ao longo de todo o mês de novembro. É o Novembro Azul, que busca alertar sobre a importância do diagnóstico precoce do câncer de próstata, doença que atinge um a cada seis homens. Idealizada pelo Instituto Lado a Lado pela Vida e pela Sociedade Brasileira de Urologia, o Novembro Azul tem como principal objetivo vencer o preconceito de muitos homens em realizar os exames preventivos contra a doença. “Os homens são mais resistentes à ideia de ir regularmente ao médico e, por isso, acabam descobrindo a doença em estágio já avançado”, diz Marlene Oliveira, presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida. Neste ano, a campanha já recebeu o apoio de diversas instituições de peso, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Serviço Social da Indústria (SESI). Para representar o apoio à causa, diversos prédios e monumentos vão ser iluminados com a cor azul. Entre os locais que receberão a iluminação especial estão o Congresso Nacional e as sedes do Banco do Brasil, em Brasília e em São Paulo, e o Cristo Redentor, no Rio.

Textos e vídeos para conscientizar sobre LLC A leucemia linfoide crônica (LLC) é o tipo de leucemia mais comum em pessoas acima de 50 anos. Mas médicos e pacientes enfrentam um grande desafio quanto ao diagnóstico, já que a doença pode ser assintomática em muitos casos, além de evoluir lentamente e de dar sinais que podem ser confundidos com outras doenças. Pensando nas dificuldades relacionadas a essa doença, a Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale) e a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) resolveram criar uma campanha para disseminar informações sobre esse tipo de câncer dos glóbulos brancos e mobilizar a classe médica e os profissionais de saúde para a realização do diagnóstico e o conhecimento das opções de tratamento, visando oferecer alternativas mais eficientes aos pacientes. Batizada de “LLC: Cada vida, uma história – um tipo de leucemia que merece atenção”, a ação envolve divulgação de informações em redes sociais, vídeos explicativos sobre o funcionamento da doença, além de um site com informações sobre os principais sintomas e as formas de diagnóstico e tratamento. Na área de depoimentos, pacientes contam como é conviver com a doença durante muitos anos.

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mundo virtual

Onco& recomenda Sites e aplicativos sobre oncologia voltados tanto para médicos, com novidades e informações sobre a área, como para pacientes, com dicas de prevenção e assistência ao doente

Apoio na palma da mão Aplicativos para tablets e smartphones que ajudam médicos a se manter sempre atualizados e no melhor caminho para o diagnóstico e tratamento de seus pacientes Atlas Câncer de Próstata

ICD 10

A farmacêutica Astellas lançou o aplicativo Atlas Câncer de Próstata, voltado para médicos urologistas e oncologistas acostumados a lidar com esse tipo de tumor em sua prática clínica. Com um banco de imagens em alta qualidade, a ideia da aplicação é otimizar a comunicação entre médico e paciente, além de facilitar a preparação de apresentações. Com ela é possível editar imagens e enviar conteúdos por e-mail. O aplicativo está disponível gratuitamente para equipamentos com sistema iOS. Para visualizar o conteúdo, porém, é necessário informar os dados de acesso fornecidos por um representante do laboratório.

Este aplicativo, voltado para médicos de todas as especialidades, reúne mais de 17,5 mil códigos da Classificação Internacional de Doenças, o CID-10. Com ele, é possível acessar o conteúdo mesmo estando desconectado da internet, além de encontrar facilmente as informações buscadas e enviar por e-mail os artigos mais interessantes ou importantes. Os desenvolvedores do aplicativo garantem a atualização sempre que qualquer um dos códigos for modificado. Disponível para tablets e smartphones com sistema Android, por R$ 2,46, e iOS, por US$ 4,99.

The Merck Manual

Epocrates

Esta é a versão móvel de um dos manuais de medicina mais utilizados em todo o mundo. Com a participação de mais de 300 colaboradores com experiência em todos os campos da medicina, o aplicativo conta com imagens, estudos de caso, um índice de sintomas que pode auxiliar nos diagnósticos, além de uma série de ferramentas que facilitam a navegação, como a possibilidade de salvar os tópicos mais importantes para voltar à leitura mais tarde. A versão de testes está disponível gratuitamente na AppStore. As versões completas estão disponíveis em sistema de assinatura com pagamento de anuidade.

Este aplicativo reúne uma série de informações bastante utilizadas na prática diária de médicos das mais diversas áreas. São mais de 85 recursos, como informações de interações medicamentosas de até 30 medicamentos simultâneos, dezenas de calculadoras médicas e acesso a notícias sobre as novidades das maiores pesquisas clínicas em desenvolvimento. A aplicação está disponível para tablets e smartphones que rodam os sistemas operacionais da Apple e do Google. A versão básica é gratuita, porém alguns recursos são liberados apenas mediante o pagamento de uma taxa anual.

Participa de redes sociais? Curta a Onco& no Facebook (facebook.com/RevistaOnco) e acompanhe nossas novidades no Twitter (twitter.com/RevistaOnco)

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acontece

Fique por dentro dos congressos, simpósios, encontros de atualização e outros tantos eventos do mundo da oncologia. Confira aqui os principais eventos dos próximos meses

San Antonio Breast Cancer Symposium

Reunião Anual da ASH

Um dos eventos mais tradicionais sobre câncer de mama em todo o mundo vai ter sua edição de 2014 realizada entre 9 e 13 de dezembro na cidade de San Antonio, no estado americano do Texas. Com a expectativa de receber mais de 7,5 mil médicos de mais de 90 países, o evento é tido como referência na área há quase 40 anos. A ideia do simpósio é difundir para profissionais de todo o mundo informações sobre prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças da mama. Outros detalhes podem ser obtidos na página virtual www.sabcs.org.

Entre os dias 6 e 9 de dezembro será realizada em São Francisco, na Califórnia, a 56ª Reunião Anual da Sociedade Americana de Hematologia (ASH). Maior congresso da área, o evento contará com a participação de mais de 20 mil hematologistas, de todas as subespecialidades, e com a apresentação de mais de 3 mil levantamentos científicos, trazendo à comunidade o que há de mais atual nas pesquisas clínicas relacionadas às doenças do sangue. O programa científico e as informações sobre inscrição e hotéis na região podem ser obtidos no site da ASH (www.hematology.com).

SIM – Simpósio Interinstitucional de Mastologia

XXI Jornada Carioca de Urologia

Organizado pela rede de laboratórios de análises clínicas SalomãoZoppi Diagnósticos, este evento foi dividido em três linhas de discussão, com debates entre os meses de setembro e novembro. A última delas, vai acontecer em 20 de novembro, tratará do câncer de mama localmente avançado. Anteriormente, o laboratório promoveu debates sobre carcinoma ductal in situ e sobre o câncer de mama inicial. O simpósio será realizado em São Paulo e conta com vagas limitadas. Os interessados podem obter mais informações pelo e-mail jvinholi@szd.com.br ou pelo telefone (11) 5904-4541.

Entre 19 e 22 de novembro acontece no Rio de Janeiro a 21ª edição da Jornada Carioca de Urologia. O evento, que conta com a participação de importantes nomes nacionais e internacionais, tratará dos mais diversos temas ligados ao dia a dia dos urologistas. Um dos destaques será o workshop de uro-oncologia organizado em parceria com a Universidade de Miami, que trará temas como tratamento de tumores de bexiga de alto risco e manejo do câncer de próstata localmente avançado. As informações detalhadas sobre programação e inscrições podem ser conseguidas no site rvmais.com.br/jornada-carioca.

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calendário 2014 Evento

Data

Local

Informações

II Bienal Internacional de Oncologia

6 a 8 de novembro

São Paulo, SP

http://www.accamargo.org.br/eventos/

HEMO 2014

6 a 9 de novembro

Florianópolis, SC

www.abhh.org.br

1ª Jornada de Física Médica e do Programa de Residência em Física Médica do Inca

7 e 8 de novembro

Rio de Janeiro, RJ

http://www.inca.gov.br/ie_eventos/

Meeting with Dana-Farber Experts – II Congresso Oncologia D´Or

7 e 8 de novembro

Rio de Janeiro, RJ

http://rvmais.com.br/oncologia-dor/

III Simpósio de Oncologia de Precisão – Foco em Mama

8 de novembro

São Paulo, SP

www.einstein.br/eventos

I Simpósio de Hemoterapia

11 de novembro

Rio de Janeiro, RJ

http://www.hupe.uerj.br/

XXI Jornada Carioca de Urologia

19 e 22 de novembro

Rio de Janeiro, RJ

rvmais.com.br/jornada-carioca

Câncer de mama localmente avançado

20 de novembro

São Paulo, SP

http://web.szd.com.br/site /Reunioes-Cientificas-Eventos

XIII Semana Brasileira do Aparelho Digestivo

22 a 26 de novembro

Rio de Janeiro, RJ

http://www.sbad.org.br/

I Congresso Norte e Nordeste da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica

28 e 29 de novembro

Fortaleza, CE

http://www.cnne-sbco2014.com.br/

Imersão em Oncologia Brasil-Itália – Câncer de Cabeça e Pescoço

29 de novembro

São Paulo, SP

http://www.accamargo.org.br/eventos/

World Cancer Congress

3 a 6 de dezembro

Melbourne, Austrália

http://www.worldcancercongress.org/

I Simpósio Internacional de Medicina Integrativa

4 a 6 de dezembro

São Paulo, SP

www.einstein.br/eventos

XII Jornada Regional de Nutrição Oncológica

5 de dezembro

Florianópolis, SC

http://www.iepbp.com.br/

56th ASH Annual Meeting

6 a 9 de dezembro

São Francisco, EUA

www.hematology.org/

37th Annual San Antonio Breast Cancer Symposium

9 a 13 de dezembro

San Antonio, EUA

www.sabcs.org/

Calendário de eventos de 2014 completo e atualizado:

50

novembro/dezembro 2014 Onco&


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