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Alterações Climáticas e Saúde

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Casos Clínicos

Casos Clínicos

Texto de David Raimundo

POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA E DOENÇAS CARDIOVASCULARES

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Atualmente, a evidência científica sobre a relação entre a poluição atmosférica e as doenças cardiovasculares é substancial. Por exemplo, alguns estudos concluíram que tanto a exposição de curta duração como a de longa duração a ar poluído estão associadas a um risco aumentado de AVC. Várias investigações têm contribuído para uma melhor compreensão da relação entre esta exposição e fatores como a disfunção endotelial, a aterosclerose, a ativação plaquetária e os estados pró-trombóticos.

Entre os mais vulneráveis à poluição atmosférica incluem-se pessoas com mais de 65 anos, fumadores, crianças asmáticas e pessoas com alergias. Por exemplo, o CO2 torna o ar mais “ácido”, o que leva a uma maior libertação de pólen pelas plantas. Isto pode ser particularmente perigoso para certos doentes respiratórios devido à hiperprodução de muco. No entanto, as pessoas saudáveis também são afetadas por níveis especialmente elevados de pólen. Em 2016, na Austrália, a combinação de uma violenta tempestade com altas concentrações de pólen na atmosfera levou ao que a revista The Lancet descreveu como “a maior e mais catastrófica epidemia de thunderstorm asthma”. Vários milhares de pessoas recorreram a serviços de urgência por sintomas respiratórios agudos devido a esta situação, que também foi responsável por internamentos em UCI e pela morte de dez pessoas, todas elas com asma.

No início do passado mês de setembro, mais de 200 revistas científicas da área da saúde fizeram algo inédito: publicaram, em simultâneo, um editorial que apelava aos líderes mundiais para que tomassem medidas urgentes face às alterações climáticas e ao seu devastador impacto na saúde pública.

A mensagem é clara. “Nós - editores de revistas científicas de todo o mundo - apelamos a ações urgentes para manter o aumento da temperatura média global abaixo dos 1.5°C, pôr fim à destruição da natureza e proteger a saúde”, pode ler-se no editorial.

Segundo a OMS, as alterações climáticas são a maior ameaça à saúde da Humanidade e o seu impacto é já visível um pouco por todo o mundo. Vejamos, então, algumas formas de como a crise climática que atravessamos pode afetar a saúde das populações.

DOENÇAS INFECCIOSAS

Com o aumento da temperatura média do planeta, as regiões geográficas que constituem o habitat de várias espécies de mosquitos e carraças estão a aumentar. Estes animais são vetores conhecidos de doenças como malária, febre amarela, infeções por vírus Zika, vírus da dengue, entre outras. As alterações climáticas estão, assim, a criar as condições ideais para a transmissão destes agentes em zonas do globo que não as regiões tropicais.

Além disso, alterações na temperatura e na humidade podem ter um impacto no ciclo de vida de certos mosquitos. Existe evidência científica de que, em determinadas regiões do planeta, as alterações climáticas provocaram mudanças nestes fatores ao ponto de aumentar o risco de transmissão do vírus da dengue pelos mosquitos.

Por fim, o aumento do nível médio do mar e as cheias comprometem a qualidade da água para consumo humano, o tratamento de águas residuais e o escoamento da água proveniente de fontes naturais, o que, por sua vez, resulta num risco aumentado de doenças transmissíveis por água contaminada. O aquecimento global está, assim, a interferir no transporte, transmissão, viabilidade e multiplicação de vários agentes infecciosos nas cadeias alimentares.

SAÚDE MENTAL

Embora não seja um tema muito abordado, os especialistas alertam que as alterações climáticas aumentam o risco de desenvolver ansiedade, depressão e perturbação de stress pós-traumático (PSPT). O distress psicológico causado por alterações ambientais drásticas é de tal forma significativo que justificou a criação do termo “solastalgia” para o descrever. Com o aumento em frequência e intensidade de fenómenos climáticos extremos, esperam-se, naturalmente, repercussões na saúde mental daqueles que por eles são atingidos. Em 2016, em Alberta, no Canadá, cerca de 88 mil pessoas foram evacuadas devido a incêndios florestais de dimensões devastadoras. Posteriormente, um estudo da Universidade de Alberta concluiu que, 18 meses após os incêndios, um terço das crianças e jovens entre os 12 e os 18 anos da região afetada sofriam de PSPT.

“As mesmas escolhas insustentáveis que estão a matar o planeta também estão a matar pessoas”. São palavras do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Ghebreyesus. De facto, o impacto das alterações climáticas na saúde dos seres humanos já se faz sentir em várias partes do globo, com consequências devastadoras para as populações mais vulneráveis. No entanto, segundo o diretor da revista The Lancet, Richard Horton, esta urgência é, ao mesmo tempo, uma das “maiores oportunidades” que a Humanidade tem “para promover o bem-estar das pessoas em todo o mundo”. Esperemos que os grandes decisores políticos saibam aproveitar esta oportunidade para tomar medidas que assegurem não só a saúde das comunidades do presente como também a das gerações vindouras.

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