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OFFSET GUITAR - Mais que um estilo, a busca por um estilo único

OFFSET GUITARS - MAIS DO QUE UM ESTILO, A BUSCA POR UM TIMBRE ÚNICO

Por Ian Sniesko e Fernando de Freitas

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Quando pensamos em guitarras icônicas como a Fender der Jazzmaster ou a Jaguar, é impossível não associa-las com a contra-cultura e o movimento da música alternativa que se estende desde meados dos anos 50 até nossos dias.

As offset guitars, como são chamadas as guitarras que possuem as partes superior e inferior do corpo “deslocadas” (em inglês, offset) uma das outras, percorreram um longo caminho até se tornarem um estilo próprio. Mais do que uma identidade estética, a busca por um timbre único.

Tal identidade e timbre tiveram origem, curiosamente, no jazz, com a clássica Fender Jazzmaster, criada por Leo Fender visando conquistar os músicos jazzistas, público que, até então, dava preferência aos modelos com som corpulento da Gibson.

FENDER E O NASCIMENTO DA ESTÉTICA OFFSET

Em meados de 1958, a Jazzmaster nasceu, trazendo consigo uma nova estética e uma sonoridade diferente das tradicionais Telecaster e Stratocaster. Praticamente ignorada pelos músicos de jazz, o modelo teve seu boom na era dourada da surf music. Mais tarde, outros dois modelos se juntaram à linha: a Fender Jaguar, uma variante ainda mais agressiva da Jazzmaster, com captadores mais agudos e estridentes; e a Mustang, modelo baseado na Musicmaster e na Duo-Sonic, guitarras de escala reduzida, visando músicos iniciantes.

Com essa guinada de estilo, a década de 60 foi marcada por uma corrida entre marcas famosas em busca de consagração, e fabricantes menores, que tentavam a todo custo imitar o estilo da Jazzmaster e afins, como a fabricante japonesa Teisco.

A RESPOSTA DE NASHVILE

Tendo em mente o sucesso dos modelos offset da Fender nos círculos da surf music, a Gibson decide, em 1963, entrar no jogo. Desenhada pelo designer automotivo Ray Dietrich para evocar o visual de um carro esportivo, a Gibson Firebird representou uma guinada da marca rumo a conquista de novos públicos.

Além do formato inovador da Firebird, a Gibson decidiu também apresentar novas opções de cores, para mais apelo junto ao público-alvo, algo que a Fender já fazia, oferecendo suas offsets em pintura customizada automotiva DuPont. O motivo? Pense bem: se você fosse um entusiasta da surf music dirigindo seu conversível pela costa da Califórnia, certamente gostaria que a cor da sua guitarra combinasse com a do seu carro.

Billy Brandão, guitarrista carioca que acompanha Frejat e Erasmo Carlos, sabe o valor de explorar as offsets, apesar de contar com guitarras mais tradicionais: é bastante comum vê-lo em ação com sua Gibson Firebird e com uma Jazzmaster Zaganin, ambas brancas.

“É quase um padrão no showbiz de colocarem a banda de preto - às vezes luz baixa - pra ‘dar uma sumida’ e destacar mais o artista, então quando eu já fiz as minhas guitarras eu já fiz brancas pensando nisso, tipo ‘Se eu sumir pelo menos enxergam meu instrumento!”, explica Billy sobre a escolha da cor das guitarras, que já se destacam pelo formato. Também é difícil não lembrar que ele é um fã de Hendrix, com um quadro psicodélico enorme do músico em sua parede, cuja stratocaster branca é um ícone.

Primeiro veio a Firebird, o amigo Fernando Catatau ofereceu a guitarra e ela casava direitinho com a sonoridade da turnê Kama Sutra que ele ia fazer com o Tremendão. Ele pensou um pouco, a guitarra era “meio monstrenga” e pendia para baixo, mas ele olhava para ela e lembrava do Johnny Winter. Fechou o negócio, e ela era tudo que ele imaginava, o timbre era gordo, mas não grave - só fez um ajuste: trocou os mini-humbuckers originais por um jogo Seymour Duncan. Quando a turnê acabou, voltou os captadores originais para guitarra e devolveu o outro jogo para a guitarra que havia ficado parada. Hoje ele gosta dela como está.

MORTE E RESSURREIÇÃO

Nos anos 70, com o declínio da surf music e os problemas financeiros que assolavam a Fender, as offset guitars perderam seu lugar para modelos como a Gibson Les Paul, que tinham mais apelo junto ao rock setentista. Foi somznte em meados dos anos 80 que o rock alternativo resolveu dar continuidade ao legado das offset guitars. Artistas como Johnny Marr (The Smiths), Thurston Moore e Lee Ranaldo

(Sonic Youth) acharam na Fender Jaguar e na Jazzmaster, respectivamente, sonoridade e estilo únicos.

A tendência se manteve nos anos 90, em especial com Kurt Cobain (Nirvana). Pelas suas mãos passaram modelos como a Jaguar e a Mustang. O icônico guitarrista chegou até mesmo a projetar, junto com a Fender, a Jag- -Stang, uma junção dos dois modelos.

Hoje, as offset guitars sobrevivem ao tempo nas mãos de nomes como Alex Turner (Arctic Monkeys) e Troy Van Leeuwen (Queens of the Stone Age). Além de terem sido adotadas por músicos da nova cena do rock californiano, que traz, entre suas inúmeras influências, um revival da estética da surf music.

VARIEDADE DE TIMBRES

As offset guitars não se limitam somente ao visual e à busca por uma estética diferenciada. Os modelos também apresentam uma variedade de timbres únicos e inigualáveis.

A Jazzmaster apresenta um tipo de captador exclusivo que também leva seu nome: um single coil ligeiramente mais largo do que o padrão e, muitas vezes, confundido com um P90. A Jaguar, por sua vez, se destaca nos agudos: é difícil achar uma guitarra tão estridente quanto ela.

Ambos os modelos também apresentam um número incomum de controles, a exemplo da Jazzmaster (retratada ao lado). A guitarra apresenta dois circuitos separados: “lead” e “rhythm”. O primeiro, padrão, confere a guitarra um som limpo e preciso. O segundo foi feito com o jazz em mente: dá ao modelo um timbre cheio e volumoso.

Além dos clássicos da Fender, não podemos deixar de mencionar os mini- -humbucker presentes nas Gibson Firebird. E os captadores da Rickenbacker, em especial no modelo 481, a guitarra reverse offset da marca.

VERSÃO BRASILEIRA

Até meados da década de 1990, por conta das barreiras alfandegárias, era muito difícil adquirir equipamentos musicais vindos do exterior e, no que diz respeito às guitarras, a ordem era fazer o possível para copiar os modelos importados.

Dentre os modelos disponíveis por aqui, estava a Gianinni Supersonic, que passou nas mãos de muitos músicos respeitadíssimos e fez parte da gravação de alguns dos clássicos do rock nacional. Dentre os que empunharam essa versão tupiniquim da Jazzmaster esteve o guitarhero Edgar Scandurra.

Hoje, a indústria nacional está mudada, a fabricação de instrumentos no Brasil está mais próxima da luthieria,

enquanto as marcas também investem em trazer matérias-primas ou mesmo equipamentos chineses para dar a eles seu decalque.

Dentre esses equipamentos, LaBaq encontrou na Tagima JetBlues a combinação perfeita de versatilidade de que precisava: “Eu sempre joguei muito com os caps no meu caminho com as guitarras e ela trouxe cores ótimas pro meu momento, quando eu comecei a usá-la. Ela ainda é semi-hollow, o que deixa o som com um corpo que me agrada muito. Como eu atuo sozinha no palco, preciso de peso e ela me trouxe esse peso também” diz, explicando sua escolha.

Ao ver LaBaq no palco, sua performance poderosa faz qualquer guitarrista se arrepiar só de pensar nos seus experimentos de timbres: “Meu setup é voltado tanto pra realçar o som dela quanto pra distorcer totalmente. Uso rv6, synth9, oc3, little big muff, carbon copy etc. Gravo com o mesmo setup e opto sempre pelo Fender Twin Reverb pra gravar. Como disse antes, oferece aquele peso de que eu preciso bastante em palco, por estar atuando sozinha e precisar chegar com pressão mesmo. E as possibilidades que os caps/tone trazem... eu gosto muito também, se bem utilizado traz expressões muito interessantes.”

Já Billy Brandão buscou a luthieria de NZaganin na hora de sair novamente em turnê com o Erasmo. Ele queria uma guitarra exclusiva, que combinasse o clássico com o moderno, e a saída foi encomendar uma Jazzmaster branca. Mal sabia ele que Lúcio Maia (Nação Zumbi) havia pedido uma guitarra idêntica ao luthier dez dias antes, o que lhe rende gozação por parte do amigo, que o chama de “imitador de guitarra” quando se encontram. Ficou sem a exclusividade, mas a guitarra era aquilo que ele buscava.

Nessa Jazzmaster, Billy optou por captadores humbucker Seymour Duncan, deixando de lado os tradicionais Soap Bars, com uma chave combinada para ter funcionalidade abrangente. Ele apenas se arrependeu de não dar atenção devida ao sistema de ponte e alavanca, uma reclamação constante entre os usuários das Jazzmasters pela dificuldade em mantê-la ajustada e afinada. “Devia ter ouvido quem me aconselhou a usar uma ponte mais moderna, tipo Mastery Bridge”. Seja como for, seja diferente.

OS CAPTADORES P90 A COMBINAÇÃO DO OFFSET

O captador P90 é um captador single-coil com ímãs em alnico, desenvolvido na década de 40 e que logo se tornou o padrão para as guitarras Gibson (um belo status!). Porém, na década de 50, a marca desenvolveu um pick-up com maior ganho e sem ruídos, graças ao inédito sistema double-coil, batizado de Humbucker, que se tornou, então, o novo modelo standard Gibson, rebaixando o P90 a modelos de menor custo. Porém, como sabemos, essa não foi a morte do P90 que, redescoberto anos mais tarde por bandas punk, graças a suas características sonoras únicas, se tornou referência de som e visual e nunca esteve tão em alta. Hoje em dia, existe uma grande variedade de formatos e sonoridade, para diversas aplicações.

Aqui na Malagoli, por exemplo, oferecemos desde versões vintage em alnico 2, 3 ou 5 (em barra ou em polos, o que “abre” mais o som) e resistência na faixa de 7 a 9K, até versões mais “quentes”, com ímãs cerâmicos e alta resistência, incluindo aí o modelo “El Matador”, um P90 high gain e parafusos allen, ao invés do parafuso-fenda padrão. O P90 single mais usado é o modelo Soap Bar, mas existe ainda uma outra versão, com as mesmas características construtivas e sonoras, porém com base e capa diferentes, com os parafusos de fixação nas laterais (não centrais, como no Soap Bar), chamado de P90 “Dog Ear” por causa do formato da capa (que lembra orelhas de cachorro) e é usado em alguns modelos de guitarras Gibson, geralmente semiacústicas.

Se a instalação de um humbucker em uma guitarra originalmente construída para P90s é possível, o contrário também é verdade. Sabendo que muitas pessoas gostariam do som do P90 em suas guitarras originalmente construídas para humbuckers, desenvolvemos o P90 tamanho humbucker, que nada mais é do que um legítimo captador P90 dentro de uma carcaça de humbucker. No mercado há ainda os P90 stacks, com duas bobinas sobrepostas, sem ruídos e um som mais próximo de um humbucker.

Bom, nessa altura do texto você pode estar se perguntando “ok, mas o que faz do P90 um captador tão especial?” O principal motivo, é claro, é a sonoridade: sendo um captador single instalado com potenciômetros de 500K, padrões da Gibson, ele soa mais brilhante e cristalino do que um humbucker, porém diferente de um captador single-coil Fender, mais magro e estalado. É como se o P90 se situasse entre os dois mundos, Humbucker e Single. Isso se deve à sua construção única, com uma bobina apenas, mais larga e baixa do que a de um single-coil padrão Fender. Já os ímãs, embora as versões anos 50 já usassem alnico 5, eram 2 ímãs em barra situados abaixo dos parafusos Fender aparentes, construção mais parecida com a de um humbucker, diferente dos polos em alnico 5 dos singles. Assim, o P90 proporciona um timbre com uma parte do “twang” dos singles, mas com mais médios.

Mas se o timbre é diferenciado, o visual também não fica atrás. O P90 é visto nos mais variados modelos de guitarras, como a semiacústica Les Paul, na Telecaster e nos modelos offset, sempre fácil de reconhecer, com um estilo mais vintage e “diferentão”, geralmente associados a estilos musicais idem. O P90 com certeza é um dos captadores mais descolados e queridos. God save the de P90!

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