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Zanna

ZANNA

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A cantora fala de sua MPB intimista e sem cortes

Por Ian Sniesko e Ana Sniesko

O MPB clássico e natural da carioca Zanna faz com que você se sinta em um concerto intimista e à luz de velas sem sair de casa. Indicada a três categorias do Grammy Latino, a artista apresenta, em seu álbum homônimo, doze faixas influenciadas por tudo o que o Brasil tem de melhor: música nordestina, bossa nova e samba; claro, sem complicar demais. O trabalho é fruto do grande leque de experiências e habilidades da cantora, compositora e multi-instrumentista, que morou na Itália e nos EUA por um longo período e fez parte da banda Bossa Nostra. Além das influências brasileiras, o álbum também carrega insinuações ao jazz e à música clássica.

Ao ouvir o disco, é impossível não notar a produção focada na simplicidade e a mixagem cristalina com os instrumentos bem distribuídos ao redor do panorama estéreo: é como um abraço para os ouvidos. A exemplo da primeira faixa, Vento Praia Nordeste, que apresenta um naipe de cordas de caráter cinemático, acentuações delicadas por parte dos instrumentos de sopro e o indispensável elemento “voz e violão” no ritmo da bossa nova e que na cozinha, a percussão e o baixo criam uma camada suave que transpiram brasilidade.

Um fato curioso é que Zanna é também a voz oficial do metrô do Rio de Janeiro, portanto é bem provável que os cariocas se lembrem do timbre de algum lugar. Por falar em Rio, além de gravar na cidade, a artista também gravou seu trabalho em Los Angeles, nos EUA, com o renomado produtor Moogie Canazio.

A Revista 440Hz conversou com Zanna por telefone, leia a entrevista.

Revista 440Hz: O que veio primeiro na sua vida, as composições ou o canto?

Zanna: Na verdade, primeiro veio o instrumento. Comecei tocando flauta, depois fui para o violão. Aos 13 anos comecei a compor, e só depois veio o canto. Aos 14, comecei a fazer aulas para preparar a voz tecnicamente, saber me colocar. Mas, para mim, o grande barato da voz é quando você admira muito alguém e se inspira nessa pessoa. Eu tinha um daqueles gravadores de fita K7, então colocava um vinil para tocar e acompanhava grandes cantoras com a minha voz. Gravava o resultado e depois ouvia para aprimorar. Cantei muito com Jane Duboc, com a Sarah Vaughan... Eu ia cantando, via onde eu podia melhorar, testando timbres diferentes. A música brasileira foi uma verdadeira escola para mim. Teve uma fase menos conhecida da Simone, principalmente no disco Cigarra (1978), que foi uma grande inspiração. Ela cantava Milton [Nascimento], Chico [Buarque]... Eu gravava e ficava enlouquecida com essa experiência. Essa era a minha brincadeira de criança.

Revista 440Hz: E o que rolava no seu som?

Zanna: Ouvi muita música brasileira e, além das cantoras, teve muita gente que me inspirou. Os mineiros do Clube da Esquina, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti... Também ouvi muita música clássica por conta das aulas de canto, principalmente Villa-Lobos. Comecei a cantar ópera, então fui estudar as estruturas musicais. A complexidade da música brasileira é muito encantadora. O europeu vem de uma formação musical simples, do ponto de vista harmônico. Você pode ter uma orquestra incrível, toda aquela roupagem linda, chiquérrima, mas a estrutura harmônica é outra coisa. A estrutura da música brasileira é foda.

Revista 440Hz: Eu ouço influências que ficam nos registros mais elegantes e delicados de Tom Jobim e Milton Nascimento. Essa foi uma referência dos arranjos nas cordas e nos sopros?

Zanna: Totalmente. Quando eu cheguei com esse repertório para o produtor Moogie Canazio, eu falei para ele: minha referência é o Clube da Esquina. Aí ele trouxe os caras que tocaram no Clube para o meu disco! O Eduardo Souto Neto, que fez os arranjos de cordas e metais. Depois a gente finalizou o disco em Los Angeles, para ganhar um corpo, para a parte sônica ficar limpa e maravilhosa. Ainda trouxe Marcelo Costa, Jorge Elder, Claudio Nucci, que faz uma participação especial na faixa “Se”. Trouxe o Jaime Alem, que foi diretor musical da Maria Bethânia por 20 anos. O Jorjão Barreto, tecladista da Elis, também tocou. Conseguimos reunir muita gente que tinha passagem por essas produções que serviram de inspiração, esses discos incríveis da música brasileira. Queria beber na fonte, fiz questão de reunir um time desse naipe para executar o que eu planejei. Ainda conta com algumas participações estrangeiras, como Dan Fornero, trompetista da Shakira. O venezuelano que toca na faixa “Eu”, Ramon Flores, trouxe um sotaque mexicano para a música. Eu morei 15 anos fora do Brasil, 10 anos na Itália e 5 em Nova York. Você não sai de uma experiência dessas ilesa. Eu tenho um pé nesse aspecto estético dos europeus. A Itália é o centro do design, da beleza, então esse viés estético é sempre muito bem cuidado. Por aqui existem discos de música brasileira fantásticos, mas que são gravados em condições estranhas. Buscar essas referências fora também ajuda a aprimorar o trabalho.

Revista 440Hz: A música brasileira tem uma riqueza muito grandes cantoras em personalidades e timbres: Nara Leão, Miúcha, Flora Purim, Maysa, Nana Caimmy, Astrud Gilberto, Elis Regina, Gal, Bethânia, Bebel Gilberto, Marisa Monte, Maria Rita, para citar apenas algumas. Onde você encontra identificação para produzir?

Zanna: Como compositora, os meus modelos foram muito masculinos. Não temos um leque de compositoras muito extenso no Brasil. A única que me inspirou bastante foi a Joyce, que balizou muito o meu trabalho. Tom Jobim, Chico, Milton... Eles construíram um legado enorme. Quando decidi colocar a minha pata, eu encontrei, aos poucos, o meu jeito de propor a música brasileira. Zanna não é um disco de bossa, é um disco de música brasileira com a contemporaneidade do nosso tempo. É uma música brasileira revista. Já no quesito voz, para mim tem uma estrela maior que é incontestável: Elis Regina. Ela tem uma expressão artística tão potente, tão de verdade, tão inteira, que é muito difícil chega aos pés dela. Dolores Duran também foi uma compositora interessante, mas eu fui conhecer e pesquisar mais tarde.

Quando eu era pequena, a Jane Duboc fazia muito sentido pra mim, com aquela voz angelical. A Marina [Lima], nos anos 1980 e 1990, com a produção do Antônio Cícero, que trazia um tom mais pop em Fullgás e Virgem, também me inspirou bastante.

Uma dupla maravilhosa e pouco conhecida, Sueli Costa e Abel Silva, fez canções icônicas da música brasileira. “Só uma coisa me entristece/ O beijo de amor que eu não roubei/A jura secreta que eu não fiz/ A briga de amor que eu não causei” [cantando] Lembra dessa? Isso é lindo! Tem letras deles que são incríveis, que é para não deixar pedra sobre pedra. Foi uma contribuição abundante para a música brasileira.

Revista 440Hz: Processo de composição parte da voz, do violão ou do piano?

Zanna: Existe um processo determinado? A música pra mim tem várias vias. Muitas vezes um acorde fica me rondando, até que surge uma música, vem uma letra... Eu tenho mais de 300 músicas compostas. Também tive um momento no teclado, mas o meu instrumento é o violão. Em geral começo pelos acordes, depois coloco a melodia, por fim vem a letra.

Revista 440Hz: Você tem um ritual de criação? Como as suas composições nascem?

Zanna: Eu bem gostaria de ter um ritual, mas não tenho. Se eu me disponibilizar, acaba saindo. Não adianta, é preciso se isolar um pouco para compor. É preciso se despir dos compromissos e das preocupações para criar. Ninguém consegue compor preocupado. É um momento em que você está completamente disponível para receber essa criação. Tem momentos em que eu penso ‘preciso começar a compor’, aí já parto para algumas ações... Começo a me provocar, ouço músicas muito diferentes umas das outras e, então, começo, finalmente, a compor. Eu fico bem quietinha, comigo mesma, é um processo bastante solitário.

Compor uma música é o que me deixa mais feliz. Se você tem qualquer problema, compor uma música acaba com ele. A cada música, você tem dias de alegria, fica curtindo, fica apaixonadinha pela música... Aí pego o violão, toco mais uma vez, vou ajustando, mudo uma coisinha aqui, outra ali. Vou curtindo essa criação, esse processo envolvido. É uma delícia!

Revista 440Hz: Conta um pouco sobre o disco... Com tantas composições, por que só agora você decidiu gravar um álbum?

Zanna: Muitos compositores fazem um trabalho, aí resolvem gravar. Às vezes, você fica com tantas ideias paradas na gaveta, que você fica nervosa. Eu tenho uma agência de sound branding, então decidi que quando fosse colocar a pata na música, queria fazer exatamente do meu jeito. Há uns dois, três anos, me senti preparada e resolvi que chegou a hora. Estou com a infraestrutura de que preciso para realizar o meu disco exatamente como gostaria que ele fosse concebido. O Moogie ficou encantado com a ideia de ser uma mulher compositora, já que temos pouquíssimas na música brasileira. Ele se empolgou também por eu ainda conseguir executar na voz e no violão, de uma maneira que entrega bem a canção.

Sempre soube que ia demorar a fazer. Cheguei a gravar algumas coisas na Itália, com o Bossa Nostra, mas sabia que o meu trabalho solo ia demorar. Queria estar madura do ponto de vista humano, para eu poder me jogar, entregar para o mundo o que eu sonhava.

Revista 440Hz: E você acredita que entregou exatamente o que desejava?

Zanna: Com certeza! Do ponto de vista artístico e por finalmente colocar as minhas composições aí, para todo mundo ouvir. Chegamos em uma sintonia muito boa. Interagir com a banda, rola um olho no olho sincero, com uma vibe muito contagiante no palco. Era exatamente isso o que eu queria. Não queria lançar um disco, cair na arrogância do sucesso que sobe à cabeça e me desvincular da minha essência, de quem eu realmente sou. Então, fiz muita terapia, fui fazer a minha grana, fiz as merdas todas que eu precisava fazer, para chegar numa fase mais madura e finalmente a minha música nascer.

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