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VENTOS HOLANDESES NA ANTIGA NOVA AMSTERDÃ
VENTOS HOLANDESES NA ANTIGA NOVA AMSTERDA
Por Anneliese Kappey
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A cidade tem sua rádio de música clássica. E é uma rádio pública, o que significa, basicamente, nos Estados Unidos, que os ouvintes pagam para continuar ouvindo. Como resultado das ações do Presidente Ronald Reagan nos anos oitenta, a grande maioria dos empreendimentos de arte tem que encontrar seus próprios recursos para sobreviver. Seja oriunda do governo federal, estadual ou municipal, a verba de fundos públicos nunca é suficiente, mesmo em se tratando da cidade de Nova York. Então, o ônus da existência do que for preferido por você, cidadão, lhe cabe. Portanto, compre ingressos, faça doações mensais, participe de festas para levantar fundos.
É o ponto mais alto do capitalismo que, de tanto dar errado, tornou-se exatamente aquilo que nos disseram que o socialismo seria. Mas, ao invés de termos o Estado à frente das decisões artísticas tomadas pelas companhias de dança e sinfonias que amamos, temos os irmãos Koch, por exemplo. A casa da filarmônica de Nova York era o Avery Fisher Hall. Hoje, é chamada David Geffen Hall . E como fomos do ponto A ao ponto B? Cinco milhões de dólares para a renovação da casa de concertos.
Aqui estamos, queiramos ou não. Assim, quando WQXR, a rádio de música clássica da cidade, anunciou que Alan Gilbert não seria mais o Diretor Musical da New York Philharmonic, eu parei o que estava fazendo e senti a informação. Num primeiro momento, a resposta foi emocional: a cidade gostava de Alan Gilbert, simples assim. A gente curtia o cara! Ele nasceu aqui, os pais tiveram uma longa história com a filarmônica. Gilbert estudou em Harvard e depois aprendeu a conduzir na Julliard School. Sendo estes, desde sempre, nomes que conhecemos e aprendemos a respeitar e a adorar. O pertencimento foi imediato.
Alan Gilbert iniciou sua jornada pessoal com a filarmônica na temporada 2009/2010. Foi a primeira pessoa nascida na cidade de Nova York a assumir o posto e o fez aos quarenta e dois anos de idade, o que é impressionante por si só. Ser o humano que dirige e evoca mudanças em uma organização conhecida e reconhecida, literalmente, em todas as partes do planeta é um trabalho místico. É mitológico, quase parece que não existe. Foi este pensamento que me levou, naquela manhã em que ouvi a respeito de sua partida, a perguntar o seguinte: quem neste mundo irá substitui-lo? Entenda: não que ele ou outro ser seja insubstituível. Mas, pela simples razão de que quem quer que venha a sucedê-lo, sua influência será experienciada pelos próximos anos.
Levou meses para uma resposta emergir - claro, dá para entender. E então veio. O ser que ocuparia a vaga seria um homem branco de meia-idade. Mas holandês, não daqui. Os nomes que gostamos de ouvir estão presentes também no seu currículo. Este homem estudou na Julliard School, e conduziu com o compositor e regente Leonard Bernstein.
Nosso amor por Bernstein é sem limite ou fim, então qualquer um que esteja ligado a ele, de alguma forma, recebe nosso amor e respeito também. Bernstein era um dos nossos judeus preferidos do Brooklyn. Embora tivesse nascido em Massachusetts, nova-iorquinos fizeram o que nova-iorquinos fazem bem: o adotamos. Chegou até aqui e fez algo que gostamos? Ótimo. Ninguém está mais interessado em onde você nasceu, você agora é parte da cidade. Ao compor West Side Story nos anos sessenta, Leonard Bernstein não só afirmou e cimentou essa relação sua (adotada) cidade de origem, mas também contribuiu para que múltiplas pontes entre música clássica e popular fossem construídas.
Leonard Bernstein era a quintessência da americanidade. Ele via o que via e colocava um pouco de jazz por cima. Ou música tradicional judia. Ou teatro musical. Quando o muro de Berlin caiu e ele foi convidado para conduzir a Nona Sinfonia de Beethoven na festa
de comemoração da unificação alemã, trocou a palavra freude (alegria) por freiheit (liberdade) no quarto movimento. Claro que o fez. A ilusão de ossificação e atrofia de materiais e a ideia velha de que, desta forma, manteremos estas composições sagradas e vivas - uma contradição em si - não fazia parte da contribuição artística que Bernstein vulgarmente oferecia. Ele mudou o que queria, fez o que quis quando quis e, na maior parte das vezes, deu super certo.
A ponte entre Alan Gilbert e Jaap van Zweden (o tal holandês) é Leonard Bernstein. É a atual lente que temos disponível para entender a musicalidade por vir, o que iremos ouvir e como. Gilbert era jovem e nova-iorquino. Zweden é mais velho e europeu. Gilbert agia como se estivesse tocando violino com seus colegas. Zweden também é violinista, mas traz em seu comportamento a distância necessária para que ele perpetue a imagem do condutor-mestre, do dono da festa. Gilbert fez o que pôde em múltiplos eventos na comunidade para atingir públicos mais jovens e pessoas de todos perfis. Zweden passou as últimas décadas trabalhando para praticamente todas as organizações musicais que até mesmo os meros mortais (re)conhecem. Gilbert apreciava os detalhes e a sutileza de cada obra que conduzia. Zweden quer o certo, procura o que o compositor quis mesmo dizer.
E agora, então? O que acontecerá com a música tocada na casa de David Geffen, a música que mantemos viva no rádio mandando um pouco de dinheiro por mês aqui na nação mais rica da história do mundo? Veremos, claro. Todas as respostas no momento são mera especulação. Alan Gilbert era acessível. Possivelmente teria trazido uma audiência mais jovem até o Lincoln Center, se tivesse tido mais tempo. Nunca saberemos.
Jaap van Zweden é uma escolha sólida. Ele agrada no papel, ele agrada no pódio. Talvez a escolha tenha sido feita baseada no simples fato de que a atual audiência é velha, e quer o que quer - e paga pelo direito de querer.
O carisma de Gilbert talvez tenha falhado na hora de captar os recursos necessários para a sobrevivência da filarmônica. Trazer um europeu que trabalhou com Bernstein e tem em seu estilo de conduzir a influência do falecido mestre indiscriminadamente amado por todos é o que a geração baby boomer consegue entender - um pouquinho de novidade ao redor do coração da situação. Um pouquinho diferente, e muito familiar. Claro que, talvez, esta leitura seja completamente errônea, e nós, a audiência jovem da filarmônica, fiquemos impressionados com o nível de novidade e experimentação que o holandês nascido em Amsterdã trará à cidade que um dia chamaram de Nova Amsterdã.
Desculpe se no momento pareço pouco acreditar nesta possibilidade. O caso é que pensar que estas decisões são tomadas em função do mérito artístico apenas é pressupor que temos mais liberdade do que, de fato, temos. Veja: a cidade tem sua rádio de música clássica. A rádio é pública, o que significa, basicamente, nos Estados Unidos, que os ouvintes pagam para continuar ouvindo (...).