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O silêncio fala

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Clemente

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ISOLAMENTO A ausência de som também tem seu espaço O SILÊNCIO Por Ana Sniesko FALA

Oano era 1952. John Cage, um compositor norte-americano, sobe ao palco, senta-se ao piano e liga um cronômetro. Durante quatro minutos e trinta e três segundos ele não executa uma nota, e apenas o ruído da sala e do público, sons usualmente imperceptíveis durante a execução de uma obra, podem ser ouvidos na gravação. O resultado é a sua obra mais famosa, intitulada 4’33”, que foi executada por tantas outras vezes. Cage quis fazer entender que a música é muito mais que ruído e que o silêncio é fundamental para a criação. Se pensarmos na nossa mente, a função é a mesma: é no silêncio que o cérebro encontra caminhos para organizar as ideias. “O ‘som’ do silêncio pode ser poderoso e libertador”, diz a psiquiatra Bruna Rodrigues Monte Christo. Estudos da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia utilizaram a resso- nância magnética para comprovar os efeitos benéficos do silenciar. A observação de pacientes em silêncio, focados na concentração e sem pensar nada, demonstrou um aumento do córtex cerebral, o que melhora, principalmente, as funções do hipocampo, que está diretamente envolvido com a aprendizagem, a memória e a emoção, e há ainda uma diminuição dos neurônios na região da amígdala cerebral, que está ligada à ansiedade e ao estresse.

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O MUNDO NÃO CALA

Os estímulos sonoros não cessam e são ainda mais irritantes para quem vive nos grandes centros. “Nós vivemos em uma época de muito ruído, agitação, barulho, poluição sonora. E assim, o silêncio passou a ser algo ameaçador”, aponta a psiquiatra. Mas não deveria. É o que acredita Giridhari Das, professor do Yoga Resort Paraíso dos Pândavas (GO), que defende a quietude como uma necessidade do nosso organismo para manter a saúde psíquica. “Nosso bem-estar depende, principalmente, de nosso estado mental. De nada adianta ter um corpo em perfeito funcionamento, todo sarado, se a mente está em agonia, aflição, estresse, medo, etc.”, alerta. E completa: “Em termos de saúde mental, o silêncio, o momento de pausa, é a porta para a cura interna”. Absorver muitos sons é como comer muito: pode estressar o corpo e causar uma série de desconfortos. Dessa forma, o silêncio, ou mesmo a redução à exposição de ruídos, é essencial. “Esse silêncio gera uma cascata de efeitos positivos no organismo, melhora a circulação, a capacidade de concentração, o sistema imunológico e por aí vai. Além de todas as alterações orgânicas, o silêncio também tem um efeito sobre a saúde mental do indivíduo”, atenta Bruna.

Não por acaso, o excesso de barulho é prejudicial para a saúde. Segundo a Sociedade Brasileira de Otologia, a intensidade de som considerada segura para o ouvido humano é de até 85 decibéis – valor facilmente alcançado em uma avenida movimentada. Uma exposição maior do que oito horas é capaz de trazer sérios danos para a saúde. Mais um motivo para buscar a ausência de som. A exposição a esse excesso de estímulos sonoros, principalmente de forma prolongada, pode causar danos à audição e alguns prejuízos como alteração no ciclo sono-vigília, taquicardia, dores de cabeça, dificuldade de atenção e concentração, estresse, irritabilidade. “Há um limite de informação que nós podemos absorver. Dentro de um ambiente hospitalar, esse estímulo pode ser muito mais prejudicial, já que se soma ao estresse de estar num processo de internação”, explica Bruna.

PARA CURAR

O silêncio é um poderoso aliado nos processos de cura. A psiquiatra cita a importância desse estado em uma unidade hospitalar. “É importante por promover um ambiente mais calmo e confortável, e isso resultará na melhor e mais rápida recuperação do paciente e na concentração indispensável ao profissional de saúde”, explica. Os especialistas concordam que é difícil avaliar que o silêncio por si só seja capaz de evitar algum tipo de patologia. Mas é evidente que ele é extremamente importante para um equilíbrio entre corpo e mente. “Dentro de uma UTI, por exemplo, o silêncio tem um efeito importante, principalmente sobre pacientes idosos, evitando que o excesso de ruído cause um transtorno chamado Delirium. Essa é uma disfunção também conhecida como estado confusional agudo, com curso flutuante, distúrbios da consciência, atenção, orientação, memória, pensamento, percepção e comportamento, e é causada por múltiplos fatores, como a própria internação, alterações metabólicas, infecciosas e também pelo excesso de sons”, completa Bruna. Se os benefícios para o corpo são enormes, para a mente é um remédio sem igual. O professor acredita que esses momentos são capazes de trazer mais domínio sobre a mente e habilidade de ficar focado e concentrado. “Isso traz enormes benefícios físicos, mentais, emocionais e, é claro, se reflete no aumento de qualidade de tudo que fazemos. É um fato simples: quanto mais presente e centrado estiver, me

lhor será seu desempenho no mundo”, comenta Giridhari. A psiquiatra complementa: “Aprender a lidar com o silêncio talvez seja uma forma de aprender a lidar com o que nosso interior está falando”.

POR ONDE COMEÇAR?

Não existe uma receita mágica de como introduzir as pausas no dia a dia. Elas têm que ser de cada indivíduo, de cada sujeito. E vai depender também do que cada um busca com esse movimento de silêncio, de meditação, de pausa. “Algumas pessoas preferem se encontrar com esse silêncio antes de sair de casa, de enfrentar o cotidiano tão acelerado. Outras preferem fazer esse movimento no fim do dia, numa busca de esvaziar o sistema mental do excesso daquele período. O importante é tentar fazer disso uma rotina”, recomenda a psiquiatra. O professor de ioga exemplifica a partir do hábito da atividade física: “É como um sedentário que começa a fazer exercício físico. Primeiro é preciso querer, para depois começar, conscientizando-se da importância disso para seu bem-estar, priorizando sua automelhora. Aí se buscam as técnicas e se colocam elas em prática. Não tem outro jeito”, comenta Giridhari Das.

UM INSTRUMENTO, NÃO A BUSCA

A coréografa Anneliese Kappey, que vive em em Chicago, buscou o curso de meditação Vipassana como a saída para ter mais contato com o seu eu interior. “O silêncio é um caminho para ajudar no objetivo, não o ponto principal. A busca é ver a realidade como ela é de fato, momento a momento”, acredita. Muito mais do que o benefício físico, Anneliese destaca a produtividade como a principal conquista da prática. “Tem menos bagunça, digamos assim, e mais claridade nas ideias, então as horas e dias são muito mais produtivos. Seria difícil falar em saúde como um fenômeno físico apenas, sendo que mente e material apenas respondem um ao outro em um ciclo de causa e efeito”. A coreógrafa acredita que uma boa lição é entender que ser multitarefa não é uma característica louvável. “Faça uma coisa por vez e dê toda a atenção à ela. Mesmo com a agenda mais cheia, o ideal é fazer uma coisa por vez. Sei por experiência”.

O OUTRO LADO

O programa “Música nos Hospitais”, consiste em apresentar uma orquestra de câmara na área principal nas unidades hospitalares e, depois, em grupos pequenos nos corredores dos hospitais da rede pública do município de São Paulo, para aquecer os corações e emocionar, gratuitamente. Em 2020, o programa levará os músicos da Orquestra do Limiar (regida pelo maestro e médico Samir Rahme) a dez instituições da cidade de São Paulo. Desde que foi concebido, o Música nos Hospitais foi realizado 189 vezes, contemplando 68 unidades hospitalares e reunindo cerca de 60 mil pessoas por todo o Brasil – entre médicos, enfermeiros, funcionários, pacientes e familiares. Ao longo desses anos, a APM, junto aos parceiros, buscou impactar positivamente o dia a dia das pessoas nos ambientes hospitalares, ampliando o gosto pela música erudita e instrumental. Estudos publicados pela Associação Americana de Musicoterapia (American Music Therapy Association - AMTA) e pela Federação Mundial de Musicoterapia (World Federation of Music Teraphy - WFMT) indicam os efeitos positivos da música no funcionamento do organismo. Conforme afirma o maestro Samir, “a música é um medicamento e, dependendo da forma como você a conduz, pode trazer alívio para as pessoas. O semblante dos pacientes muda depois dos concertos”, diz, complementando que o concerto contribui para que aquele dia ou aquela semana seja melhor para os pacientes. Esses benefícios, aliás, também são comprovados por diversas associações médicas. A música tem o poder de ajudar a diminuir a ansiedade e o desconforto durante procedimentos médicos, reduzir efeitos colaterais de tratamentos mais agressivos, como quimioterapia e radioterapia, e auxiliar a reabilitação física. Nesse sentido, pesquisa feita pela Associação Paulista de Medicina com o público do projeto nas últimas edições identificou que 78% dos pacientes que assistiram às apresentações conseguiram driblar o peso emocional dos dias de internação e tratamento. Cerca de metade deles viu nas apresentações uma forma de esquecer, momentaneamente, de seus problemas de saúde.

ESTUDE EM ABBEY ROAD U m dos principais estúdios de música do mundo está colocando um pé nos Estados Unidos, com a ajuda de um produtor musical colombiano vencedor do Grammy. O Abbey Road Studios, onde bandas lendárias como The Beatles e Pink Floyd gravaram seus álbuns, abrirá sua primeira escola de música em Miami, em parceria com o Miami Art House Studio, um estúdio de gravação fundado pelo principal produtor musical Julio Reyes Copello, que trabalhou com Ricky Martin, Jennifer Lopez e Marc Anthony. “Quero ver como todos esses artistas (estudantes) que descobrimos, depois de dar a eles um treinamento honesto, começar uma missão responsável na indústria do entretenimento”, disse Copello, em entrevista à Associated Press. O projeto é uma extensão do Abbey Road Institute, um programa educacional de produção musical realizado no Abbey Road Studios, em Londres. “A indústria da música latina e o talento latino são muito importantes e reconhecemos Miami como o centro”, disse Luca Barassi, CEO do Abbey Road Institute, em comunicado à AP. A partir de setembro, Copello orientará um grupo de 10 estudantes selecionados.

APOIO FINANCEIRO AOS ARTISTAS

Em tempos de pandemia, onde todos os shows e atividades externas foram suspensas, muitos músicos passaram a temer a crise. O Spotify lançou um novo recurso que permite aos artistas arrecadarem fundos em seus perfis na plataforma. A empresa se uniu ao PayPal, Cash App e GoFundMe para lançar a iniciativa e ajudar os produtores prejudicados pela pandemia de Covid-19 que assola o mundo. Chamada “Escolha de Angariação de Fundos para Artistas”, a ferramenta permite que os artistas destaquem em seu perfil do Spotify um destino para a captação de recursos. O dinheiro coletado pode ser usado tanto para eles mesmos e suas bandas como para as várias organizações participantes do projeto “Spotify Covid-19 Music Relief”.

OUVINDO ATÉ O FIM

Mais da metade dos entrevistados ouvem menos álbuns hoje do que há 10 anos, segundo um levantamento global da Deezer. As principais razões apontadas para a redução no consumo são estar muito ocupado e que os artistas não produzem álbuns como costumavam. Os millennials (1980 -1995) são os que mais buscam por álbuns e têm duas vezes mais chances de ouvir do que os baby boomers (1945-1960). Os entrevistados afirmam que ao ouvir pela primeira vez um álbum completo sentem-se felizes (48%), animados (46%) e inspirados (24%). Entre os respondentes, 94% consideram que a alta qualidade de áudio é importante para a audição de álbuns completos. Entre os brasileiros, quase 60% dos entrevistados afirmaram ouvir menos álbuns do que há 5 ou 10 anos. Por quê? A resposta é simples. Os fãs preferem ouvir uma mistura de faixas de diferentes artistas. Quase 40% dos entrevistados prefere playlists. A pesquisa da Deezer foi feita nos Estados Unidos, Alemanha, França e Brasil totalizando 8.000 adultos, sendo 2.000 participantes em cada país, conduzida pela 3Gem em janeiro de 2020.

SUA MÚSICA EM ÁFRICA Um continente com 70% da população jovem e ávida para ouvir novos sons parece um bom mercado? Esse é um dos motivos pelos quais a CD Baby passou a distribuir os seus artistas para a Boomplay, a plataforma de música que mais cresce na África. Buscando novos caminhos para espalhar sua música para novos mercados, a empresa acaba de fechar a parceria. Com mais de 68 milhões de usuários, tanto na plataforma iOS quanto Android, a Boomplay é uma boa oportunidade espalhar a música brasileira por outros países, além de conquistarem novos mercados rapidamente.

LARA AUFRANC CANTA SEU EP VIVER SEM DÓ

Depois do belo Eu Você Um Nó, lançado no ano passado, Lara Aufranc traz ao mundo o EP Viver Sem Dó. Em um vinil transparente, cheio de charme, as quatro faixas são divididas em um lado claro e animado, enquanto a outra é mais obscura e introspectiva. Com direção artística de Rômulo Fróes, Viver Sem Dó ainda conta com a participação especial de Tatá Aeroplano.

Por Fernando de Freitas e Ian Sniesko

LANÇAMENTO

LOUD FASTSOUL LUVBITES

Fernando de Freitas N esta edição nos a propusemos escrever duas resenhas sobre o mesmo álbum, sem que um lesse previamente a do outro. Foi uma forma interessante de experimentar como o mesmo álbum pode ressoar para duas pessoas diferentes.

ELES OUVIRAM O MESMO ROCK AND ROLL QUE EU POR FERNANDO DE FREITAS

O risco do vintage é a caricatura. A estilização, enquanto homenagem e referência, é a ferramenta de alguns dos maiores artistas que conhecemos. Esta é a linha tênue em que alguns artistas se perdem nesse processo, principalmente no impulso juvenil. “Loud Fast Soul”, do Luvbites é o equilibrista entre os arranha-céus que separam a sonoridade cânone do pop sessentista e setentista (visitada e revisitada à exaustão) e o templo mágico da música original. Um álbum como esse é assistir, no melhor sentido possível, a apresentação de um circo. É sempre a sensação do risco eminente que nunca chega que torna cada canção surpreendente e deliciosa. Eles são rebeldes, pois o convite é que sucumbam a fórmulas do que se entende que são suas referências, porém eles fazem escolhas menos óbvias sem deixarem esse espírito vintage. É importante fazer um paralelo com Os Mutantes. Primeiro porque são uma referência óbvia de sonoridade e de (pasmem!) timbres ( já que os timbres dOs Mutantes são conhecidos por serem bastante únicos). Mas saltam aos ouvidos algumas proposições musicais semelhantes bem-sucedidas. Há de se lembrar que para os irmãos Dias-Batista e Rita Lee nada era mais sagrado que os Beatles. Mas nenhuma banda (provavelmente no mundo) entendeu

os Beatles na sua época como Os Mutantes. Ao invés de copiá-los em forma, sempre atrasados à vanguarda, se tornaram inovadores e experimentais eles mesmos. Loud Fast Soul parece entender essa dinâmica 50 anos à frente olhando para as mesmas referências.

Outra semelhança com Os Mutantes é a força do contrabaixo. Tanto Arnaldo quanto Liminha eram virtuoses e instrumentistas excepcionais, uma sonoridade que também é muito fundada nos Beatles. Não é apenas uma banda sessentista, não é apenas uma banda de harmonias vocais, tem um elemento diferencial daqueles que são a referência para todos.

Ainda é possível ouvir, vazando entre os arranjos, referências diversas que percorrem toda uma memória afetiva do ouvinte. Estão em coloridos mais ou menos óbvios duas ou três décadas de referências que se revelam e se escondem. Carpenters, Abba, Rolling Stones, Faces, não como um caldo, mas uma grande parede de pôsteres em lambe- -lambe. Em determinado momento você percebe que não apenas eles ouviram os grandes ídolos, mas os ídolos dos ídolos (Pixies talvez ressoe em algum lugar também).

Existe um elemento de simplicidade que esconde um certo enigma, que é o desejo de saber onde você já ouviu aquela canção antes. Indecifrável, ele se torna um pouco mais sedutor ouvir o álbum de novo e de novo. Até que as melodias sejam absolutamente conhecidas.

LOUD FAST SOUL: AS ATMOSFERAS SONORAS DO LUVBITES POR IAN SNIESKO

A primeira coisa que saltou aos meus ouvidos quando ouvi Loud Fast Soul, o novo álbum dos paranaenses da Luvbites, foi a atmosfera que conseguiram criar na tarefa de dedicar cada espaço do espectro sonoro a cada instrumento. Pode soar demasiado técnico, mas aliar a mixagem sonora à expressão artística não é uma tarefa fácil. E o Luvbites, e seus produtores, tiraram isto de letra ao se certificar de que cada nuance da dinâmica sonora e cada frequência ressonante teriam um propósito e ajudariam a passar a mensagem adiante.

As escolhas também são precisas na instrumentação: guitarras com efeitos que vão desde modulações a um fuzz que soa bastante primitivo, além das mudanças bruscas no arranjo, dão uma sensação de contraste interessante ao trabalho, como acontece na segunda faixa, “Sha – Lala”, que tem sua introdução em um ritmo específico e cai pela metade quando entra o primeiro verso.

É interessante também ressaltar o bom uso dos sintetizadores ao longo do trabalho, especialmente na faixa “Smash”. Algumas vezes, eles até se misturam com as guitarras e você se pergunta qual instrumento é qual. O baixo nessa música também é extremamente bem mixado em conjunto com a bateria, especialmente no que diz respeito à sua relação com o bumbo.

Os vocais em “Loud Fast Soul” são espaçosos e fazem bastante uso de diferentes tipos de reverbs e overdubs, distribuídos ao longo do panorama sonoro. Como dito anteriormente, é uma boa lição sobre como se deve trabalhar a noção de espaço em uma mix a favor da mensagem que se quer passar.

“Loud Fast Soul” é um deleite tanto para o ouvinte que quer se aventurar pelas atmosferas sonoras criadas pelo Luvbites quanto para os que veem a experiência pelo lado mais técnico. Você pode ouvir o álbum nas principais plataformas de streaming.

Por Ian Sniesko

ESTUDIO FERNANDO LODEIRO

Fernando de Freitas G anhador de 2 prêmios Grammy, o venezuelano Fernando Lodeiro, que atualmente reside em Nova York, passou pela tão sonhada Berklee College of Music e chegou a um dos estúdios mais renomados do mundo, o Avatar Studios. Na longa lista de grandes nomes com quem trabalhou em suas sessões estão Paul McCartney, Arctic Monkeys, Prince e Esperanza Spalding - com quem ele e sua equipe conquistaram dois Grammys, em 2012 e 2019, pelos álbuns “Radio Music Society” e “12 Little Spells”, respectivamente.

Nascido em Caracas, na Venezuela, Fernando desenvolveu interesse por música na sua adolescência e se tornou um guitarrista autodidata. Aos 15 anos já tocava em bares da capital venezuelana. Foi somente quando completou o ensino médio que o jovem artista foi buscar formação profissional na Academia de Música Fermatta, na Cidade do México. “Eu sempre tive o objetivo de me tornar um engenheiro de som, mas quando contei aos meus pais, eles achavam que eu estava falando sobre me tornar técnico de som ao vivo. O que eu queria era trabalhar no estúdio”, conta.

A oportunidade de ingressar na Berklee ainda demorou um pouco para aparecer: foi só na segunda audição realizada pelo colégio que o então estudante recebeu uma boa proposta para transferir seus estudos para os EUA e se graduar em produção musical e engenharia som. “Todos os dias eram como se eu fosse uma criança em uma loja de doces”. Segundo Fernando, uma das coisas mais importantes que levou da Berklee foi a possibilidade de conhecer pessoas com diferentes funções e objetivos, e aprender um pouco sobre o trabalho de cada uma, além de ter a certeza de que sempre há um jeito de ser melhor no que você faz.

Após sua graduação, em agosto de 2007, Fernando se mudou, em outubro do mesmo ano, para Nova York e começou a trabalhar em um estúdio pequeno. Algumas semanas depois, o engenheiro recebeu uma proposta para fazer parte do Avatar Studios. Porém, sua posição no estúdio não foi conquistada da noite pro dia: o aspirante trabalhou por 3 meses servindo café e fazendo serviços básicos no local até ser efetivado como engenheiro de som de fato, provando que o esforço, a dedicação e, sobretudo, o amor pelo que você faz podem render bons frutos e oportunidades.

No Avatar Studios, Fernando pôde trabalhar com artistas que muitos sonham um dia conhecer. Segundo ele, a experiência de trabalhar com alguém como Paul McCartney é surreal e para que as sessões ocorram bem é necessário muito trabalho em equipe. “Os artistas geralmente levam seus produtores e engenheiros assistentes com eles para a sessão, mas os engenheiros do próprio estúdio conhecem o local como a palma da mão, o que facilita muito o trabalho”, conta o engenheiro de som. “Cada estúdio é diferente, você precisa conhecer o lugar de dentro pra fora para suprir as demandas dos artistas e produtores”.

Como Fernando começou sua trajetória na música pela guitarra, perguntamos a ele também o quão crucial é um produtor musical ou engenheiro de som dominar mais instrumentos, e se sua experiência na guitarra lhe ajudou: “Para um engenheiro, pode não ser crucial mas é uma ajuda e tanto. Para um produtor, é uma habilidade crucial para entender a linguagem dos músicos e artistas com quem você está trabalhando. Por exemplo, ao mesmo tempo em que estamos gravando, eu consigo identificar se há uma nota fora de lugar ou algum erro no tempo enquanto olho o arranjo no Pro Tools, o que ajuda a sessão a ser mais rápida e produtiva”.

Não poderíamos deixar, claro, de falar nos dois Grammys que Fernando e sua equipe ganharam junto com Esperanza Spalding. Segundo o próprio, nessas sessões ele teve a oportunidade de trabalhar com alguns dos melhores músicos que já presenciou tocarem. “O maior desafio deste trabalho foi que, você sabe, Speranza Spalding é uma artista de verdade. Nós, literalmente, entramos no estúdio sem nada planejado e sem nenhuma ideia do que fazer. Eu sentia que tinha sempre que ter diferentes opções prontas para a artista”.

Apesar de ter como função principal a engenharia de som, Fernando também é produtor musical. Segundo ele, “cada artista é diferente. Não existe um passo a passo. Eu costumo ouvir as demos junto com a banda, vou aos ensaios e identifico se sou a pessoa certa para o trabalho, o que é uma coisa muito importante. Então, nós gravamos algumas takes provisórias no meu estúdio que funcionam de guia para os músicos. O importante é que todos se sintam confortáveis”.

Além das duas atividades, Fernando também mixa trabalhos regularmente. Diz-se no meio musical que a mixagem deve complementar o trabalho do artista e a mensagem a ser passada, portanto Fernando tenta sempre usar a criatividade na hora da tarefa. “Eu gosto que o produtor me mande uma mixagem provisória para que eu tenha uma ideia do som que eles querem atingir”. Uma das técnicas preferidas do engenheiro é o parallel compression (compressão em paralelo, em português). A boa e velha técnica permite dar peso e claridade a instrumentos como a bateria e o vocal.

Não poderíamos deixar de trazer para a conversa a polêmica questão: analógico versus digital, e como Fernando faz uso dos dois mundos. “Depende da situação. Eu tenho um setup de equipamentos híbridos para que eu possa escolher o ideal para cada situação ou ter uma mistura dos dois”. Também há uma questão logística, segundo ele: “hoje em dia, fazemos muitos recalls. Trabalhamos com pessoas da Europa estando nos EUA, por exemplo. É importante ser possível fazer mudanças rápidas no som, portanto, muitas vezes, eu uso plugins que simulam equipamentos analógicos”.

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