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RESENHAS
AFTER HOURS - THE WEEKEND É justo falar que The Weeknd ficou um bom tempo em hiato nos últimos anos, refletindo sobre sua vida e sua carreira. O último trabalho do artista havia sido o premiado Starboy, que saiu há 4 anos atrás. Enquanto a essência continua a mesma, o músico canadense mostra uma bela evolução e dessa vez pega inspiração dos movimentos musicais dos anos 80 e as técnicas e tecnologias criadas e usadas na época. A “música-vitrine” do disco é obviamente Blinding Lights. Ela garantiu a The Weeknd o primeiro lugar em paradas como Billboard e a playlist das Mais Tocadas do Spotify. A faixa tem uma bateria que traz instantaneamente a cabeça a introdução de Take On Me, do A-ha, além de sintetizadores muito bem colocados pelo produtor Max Martin para suprir a necessidade de peso e movimento da batida rápida: 171 BPM. A tendência oitentista do disco segue com faixas como In Your Eyes. O cantor mostra seu lado mais conhecido, o do R&B, em alguns momentos como em Escape From LA e Heartless. Quanto a performance vocal do artista, cada faixa é uma nova surpresa: é fato de que The Weeknd é frequentemente comparado com Michael Jackson e, apesar de compartilhar similaridades com este, cria seu próprio estilo através dessa e de outras grandes referências. FUTURE NOSTALGIA - DUA LIPA As intenções de Future Nostalgia já ficam bem claras logo na primeira faixa, homônima ao álbum. Dua Lipa quer mudar o jogo custe o que custar e criar uma arte que dialogue com o passado e o futuro ao mesmo tempo, se tornando atemporal. O feeling geral passado pelo trabalho é bem positivo e dá a sensação de que a artista está tendo sucesso no processo de se encontrar na própria música. Future Nostalgia é bem diferente de seu trabalho anterior de 2017, a própria artista declarou que pessoas próximas e os produtores do projeto ficaram em dúvida se a mudança brusca era uma boa ideia. E provou ser. Uma das faixas que mais chama atenção no disco é Don’t Start Now. A música também foi single do álbum, apresenta uma produção e qualidade de mixagem espetacular e, talvez uma das melhores linhas de baixo dos últimos tempos. Tudo graças a equipe de bons músicos que Dua Lipa e seu produtor dispuseram. A identidade visual do álbum também é bastante interessante e dialoga bem com a proposta. É algo vintage e futurista ao mesmo tempo, uma mistura de ideias que dialogam com diferentes períodos da cultura popular e, claro, com os tempos rápidos e acelerados que vivemos hoje.
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SINGLES E EPS QUE CHAMARAM A ATENÇÃO
Carinhoso
Elza Soares
Sessão de Respiro
Scalene
Full Circle
Charly Coombs
ZÉ LEÔNIDAS – ZÉ LEÔNIDAS Com oito canções autorais, Zé Leônidas acaba de lançar o álbum que leva o seu nome, que nos convida para uma imersão na sua trajetória por São Paulo e pelo mundo. “De Onde Eu Saltei” abre o disco como um chamado para arrastar as cadeiras, abrir espaço e deixar a levada te guiar. O cantor e multi-instrumentista deixa clara a sua energia dançante, que traz toques latinos que não deixam nenhum corpo parado. Conforme as músicas caminham, seu tom vai acalmando, mas os toques e timbres seguem firmes e pontuados. Zé faz um som denso, que fica sempre aquela sensação de que essa bagagem nos é bem conhecida. Um bom filho da música popular brasileira. A produção e arranjos são assinados por Zé Leônidas com colaboração dos artistas convidados. Flávio Tris se une para “Nas Asas de um Blackbird”, com um toque indiano que traz uma atmosfera transcendental. Mônica Salmaso e Teco Cardoso são os convidados de “Cidade Luz”, que fecha o álbum com uma canção que convoca os filhos de Oxalá para sentir o cheiro da nova era. Que venha!
TELETRANSPORTAR - RAFA CASTRO Um esperar delicado entre o hoje e o ontem. Em seu “Teletransportar”, o compositor e pianista Rafa Castro nos convida para uma profunda e intensa viagem pelo tempo. O mineiro quase adiou o lançamento do seu novo disco, que parece ter sido feito para os dias de recolhimento que temos vivido. Em “Cheiro de Mar” fala sobre o tempo que escorrega das mãos e o forjar da pérola no peito, além de saudade e lembrar o mote dos dias atuais “vai passar”, canta. É em “Depois da Chuva”, que o mineiro radicado em São Paulo convida para ver o cair das gotas, com um tom de introspecção, mas anuncia: “Vai nascer a lua cheia, serena luz do sol, meu coração procura força pra recomeçar.” Nada mais apropriado para o tempo de isolamento, onde os minutos são horas e o caminhar é em círculos. Para fazer o disco, Rafa fez uma série de viagens com a sua companheira, Lorena Dini, e a sua última parada foi na Amazônia, onde conclui o trabalho. As suas letras contam histórias, pontuadas por acordes elegantes, com uma levada para qualquer tarde – faça chuva, faça sol.
Gratitrevas
AIYÉ
Murder Most Foul
Bob Dylan
Living In A Ghost Town
Rolling Stones
O FENÔMENO SERTANEJO
Uma explosão. Luzes e cores de um palco que canta amores e dores para uma multidão. O artista mexe com seu público como se cada um deles montasse o boi bravo da noite. O fenômeno sertanejo é sinônimo de festa e alegria de multidões que nada lembra o caipira picando fumo de Almeida Junior. Os caminhos da música sertaneja se guiaram mais para “Evidências” que para “Rancho Fundo”, e se tornaram uma indústria, desvendada pelo documentário de Raphael Erichsen, com direção artística de Fabrício Bittar e produção executiva da Clube Filmes.
Para quem vê Luan Santana e Michel Teló sobre os palcos, nada pode parecer mais distante que a moda de viola caipira e os temas campesinos de Tonico e Tinoco ou os programas de Inezita Barroso. O patrimônio cultural do interior do Brasil se transformou de uma maneira completamente adversa a outras manifestações populares, como o samba que se requintou. A chave para essa mutação está nos artistas mais representativos do gênero nos últimos 40 anos, Chitãozinho e Xororó.
O sucesso de “Fio de Cabelo”, quando tudo parecia perdido, foi a motriz para eles agregarem à música do campo os elementos urbanos e estrangeiros. A guitarra, o baixo e a bateria falam alto, mas têm o poder elétrico de alcançar multidões, enquanto a viola balança ao redor da fogueira. Não é preciso muita pesquisa para descobrir que o responsável pelo solo de guitarra em “Evidências” é o roqueiro Faiska Borges.
O que parece desconexo, é uma história e uma evolução que passa ao largo dos botequins da MPB e dos rockbars, e que o documentário conta em detalhes. Os estudantes universitários tocando nas repúblicas, os CDs piratas que alavancaram o sucesso inesperado do gênero até chegarem os investidores.
O Sertanejo movimenta grana e público no Brasil. Investidor e dinheiro têm uma relação inevitável de industrialização para maximização dos lucros. São fórmulas, são compositores contratados, são músicos da primeiríssima linha, são planejamentos estratégicos e a apoteose chama-se Festa de Peão de Barretos.
Não se engane, ninguém criou nada. As bandas vocais da Motown, os escritórios de compositores hitmakers em Nova York, o Wrecking Crew, produtores como Phil Spector, isso tudo já existia desde a década de 1950 e, hoje, a indústria do Sertanejo leva isso à sua máxima consequência. Mas, chamam a atenção eles mesmos, nesse quadro, preocupa a queda de qualidade das composições e dos artistas. O PUBLICO
Segundo a Hibou, uma empresa especializada em pesquisa e monitoramento de mercado e consumo, os brasileiros gastavam entre 100 e 2000 reais e participavam de 3 a 50 shows por ano, segundo pesquisa deem janeiro deste ano.
Após o isolamento social decretado, os shows deram lugar às lives, e graças aos sertanejos, as lives brasileiras já se tornaram referência mundial, ultrapassando número de acessos de nomes como Beyoncé e Andrea Bocelli. Gustavo Lima, por exemplo, mobilizou mais de 58,5 milhões de visualizações.
De acordo com a pesquisa, que obteve mais de 3.400 respostas, realizada em Janeiro deste ano, (98% de significância e 1,83% de margem de erro), o público majoritário fiel ao sertanejo são as mulheres com 62% contra 38% do público masculino. A maioria tem entre 25 e 34 anos (37%), em segundo lugar vem os de 35 a 44 anos (23%) e em terceiro, jovens de 18 a 24 anos (21%). Ou seja, a faixa principal de idade que ouve sertanejo - e está lotando as lives - tem de 18 a 44 anos. 52% dos fanáticos por sertanejo estão em relacionamento amoroso. Destes, 35% são casados e 17% em união estável. Os solteiros representam 40%, 7% divorciados e 1% viúvos. Ou seja, 48% estão na sofrência mesmo. 50% do público sertanejo tem renda entre 3 e 10 mil reais. 33% ganha até 3 mil reais - nada mal ter lives gratuitas na sala de casa toda semana para essa parcela de fãs.
Do que os brasileiros mais gostam nas músicas? 48,1% gostam das letras. Já a outra metade dos entrevistados, 47,3% preferem a melodia. Enquanto isso, 27,4% dos entrevistados se sentem a própria canção sertaneja - como se descrevessem a vida.
O estilo universitário é o grande queridinho dos brasileiros com 60,1% da preferência. Já para 46,9% o sertanejo romântico é o predileto. E ainda há os 32,8% adeptos ao sertanejo raiz (caipira).
Entre duplas e cantores solo, Marília Mendonça lidera o favoritismo com 18%, seguido de Jorge e Mateus 14% e Chitãozinho e Xororó e Gusttavo Lima com 12% da preferência.
O favoritismo somente entre cantores continua com a Marília Mendonça, com 24%, Gusttavo Lima sobe para o segundo lugar na preferência entre cantores com 17% e Luan Santana 11%.
Quando perguntados somente sobre as duplas favoritas, estão nos três primeiros lugares: Jorge e Mateus 16%, Henrique e Juliano 12%, Maiara e Maraisa 12%. ASSISTA
‘O Fenômeno Sertanejo’ é um documentário que revela como o Sertanejo Universitário se transformou no gênero musical mais tocado e rentável do Brasil. Remonta à trajetória do ritmo ao longo dos anos, para descobrir como a música caipira se tornou um sucesso nacional. Das guarânias paraguaias até chegar no Funknejo moderno, sua estreia no canal Music Box Brasil aconteceu no dia 9 de abril e estão planejadas diversas reexibições. Imagens: Divulgação e Shutterstock
Por Fernando de Freitas SHOWS A ÚLTIMA FESTA ANTES DO AMANHÃ
Como você deve se vestir para a última festa? Quantas vezes saí de casa para assistir um show sabendo que seria, provavelmente a úl- tima oportunidade que eu teria de ver aquele artista? Porém, a ironia é que ao entrar no carro para ver John Cale, eu sabia que aquele seria o último show que eu assistiria em muito tempo. Na- quela semana, foram anunciados os primeiros casos de contaminação do Covid-19 no Brasil e, rapidamente, os eventos começaram a ser cancelados. O SESC Pompeia manteve o evento, que seria o último antes do fechamen- to de todas as unidades.
E era uma noite particularmente agradável em São Paulo, quando a fá- brica paulistana (que recebeu a magia da arquiteta Lina Bo Bardi para ser um dos endereços mais icônicos da cidade) e a reunião dos tipos alterna- tivos que desafiavam o bom senso para estar diante do ídolo não remetia mi- nha imaginação ao que foi a Factory da Union Square. Antes de qualquer quarentena e qualquer súplica de iso- lamento social, a primeira vítima foi nossa confiança, as pessoas não se en- costavam, não se abraçavam. Foi quan- do eu vi a primeira pessoa de máscara.
VANGUARDA DESLOCADA
Dois dias antes do show, em outra unidade do Sesc, o Vila Mariana, John Cale se apresentou para um bate papo. O músico havia tocado naquela uni- dade 20 anos antes no teatro que fica logo abaixo do auditório já semi-esva- ziado pelos temores da pandemia. Ali, atencioso e de bom humor, apresen- tou seus conceitos sobre música e arte (de maneira abrangente) e contou um pouco de sua história.
Muito embora Lou Reed tenha sido o rosto mais reconhecível do Velvet Underground, a parceria com Cale era a essência da sonoridade da banda. John Cale é, nesta dinâmica, o elemen- to inusitado que fez de Velvet Under- ground uma banda ao mesmo tempo sui generis e pop. O contexto em que eles intervêm em uma banda de rock é talvez uma declaração artística que por si já seria suficiente.
A Factory, a NYU, o Chelsea Hotel, a Macdonall Street e outros endereços frequentados pelos beatniks e artis- tas de vanguarda eram também bares estudantis, onde surgiram Hendrix e Bob Dylan, e todos estavam a passos
Imagens: Divulgação de distância uns dos outros. Na déca- da de 1960, para John Cale, tudo era muito efervescente e divertido, princi- palmente se você fazia parte da trupe de Andy Warhol. Imagine que, numa noite, você podia ser convidado para um jantar na casa de milionário (sob as graças de Andy) e, após fazer a neces- sária figuração, ou seja, estar presente naquele lugar para ser visto pelos rica- ços na casa de um “amigo das artes”, você seguia para a exibição de um filme experimental, uma peça, uma exibição um algo... E foi nesse cenário que Cale se envolveu, vindo de uma formação acadêmica como músico erudito avant-gard. Ele era um artista altamente preparado, diante da explo- são do sexo, drogas e rock and roll em Nova York. Esqueça o verão do amor que estava acontecendo na costa opos- ta do país. Entre o lançamento de “Pet Sounds” e “Sgt. Peppers Lonelly Herts Club Band” estava atravessado em sua própria experimentação o Velvet Un- derground & Nico, o álbum da banana.
O músico galês conta que encontrou em Lou um guitarrista talentoso com uma base muito diferente da sua. “Lou improvisava com muita facilidade, era possível trazer algo avant-gard que ele improvisaria em cima” conta Cale so- bre o parceiro que trazia, por sua vez, as influências do folk para a música. Sobre Nico, a diva alemã que passou pelo set de La Dolce Vita de Fellini para aterrissar nos palcos do Velvet Undergroud a pedido de Warhol, Cale repete muitas vezes palavras de cari- nho pela amiga para quem ele produ- ziria um álbum após a saída da banda.
A quem também não poupa elogios é Andy, a quem ele atribui o mérito de levar a banda para audiências maiores. Segundo ele Warhol era “ultrajante, mas muito engraçado” e estava cerca- do de muitos artistas jovens e indisci- plinados (e muitas drogas), o que fazia tudo aquilo muito divertido. Porém, Lou Reed cansou daquele cenário e Cale viria a se cansar também. E foi assim que a banda se desfez, sob mais um conselho de Andy a Cale: “eu posso colocar vocês em qualquer museu do mundo para tocar, mas vocês tem um compromisso com o público do álbum da banana, melhor seguirem seus ca- minhos”.
Dali, Cale fez sua carreira com ál- buns avant-gard, rock, trilhas sonoras, sempre mantendo a vivacidade do que podia lhe divertir. “Nos shows”, diz ele, “eu apresento alguns clássicos, mas de uma maneira diferente. É algo contra o que temos que lutar, para manter a sanidade”.
A ÚLTIMA NOITE
Um senhor de idade se dirige ao pal- co vestindo roupas pretas na escuridão de uma sala de espetáculo. Suas mãos muito brancas seguram uma Fender Stratocaster preta de escudo branco, ele se aproxima do microfone com sua pose anglo-saxã e cabelos prateados muito bem cortados. É a imagem de uma ele- gância única. No telão, cores psicodéli- cas. E, ruidoso, se faz o rock & roll. Entre o dançante e o rasgado, John Cale nos apresenta o nu e o cru da mú- sica que amamos. Tudo é simples, de tal maneira que a contenção é a delicadeza das nuances barulhentas. O que ele nos traz é algo que jamais encontraremos em um show de um ex-Beatle ou dos Rolling Stones. Existe um trecho do li- vro “Como funciona a música”, de David Byrne (aquele do Talking Heads), em que uma música (ou toda uma música de uma geração) é composta para soar bem onde ela será apresentada. A música de John Cale veste perfeitamente o galpão onde ela está. Você não encontrará esse tipo energia em um estádio (neste pon- to, entendam que não é questão do que é melhor, mas que existe um motivo para os Rolling Stones praticamente ignora- rem os London Years em seus sets).
Entre o transe da música produzida ao vivo e o estupefamento de uma lenda viva ao alcance de nossas respirações, somos transportados, entre batidas e ambiências perfeitamente construídas e estudadas para ressoarem sobre nossos corpos em desejo de catarse. Não há subterfúgio, ele não se apoia em nada senão em sua banda, sua guitarra e seu teclado. Faz um pouco de falta, por puro fetiche, a famosa viola, instrumento de formação de John Cale. E assim ele en- trega, canção após canção, aquilo que prometeu, diversão em forma de músi- ca, contagiante e original, sem o custo da própria sanidade.
A catarse vem, os acordes podem soar ligeiramente diferentes em um arranjo proposto, mas a melodia é uma daquelas que toca o coração de todo mundo que
sonhou em ouvir Nico à meia luz cantan- do “Femme Fatale”. O comportamento do público é de alegria e agradecimento, mas o principal, de viver aquela canção a cada nota. Ela entra em cada um que, sem um bis, sabem que não haverá to- das as festas dos amanhãs. Aquela é a última noite em que vamos nos reunir tribalmente para compartilhar a música em muito tempo. Olhamos para os ros- tos satisfeitos e um pouco temerosos e nos perguntamos: “Será que estaremos todos aqui quando o palco voltar a ser ocupado?”
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Por Fernando de Freitas
MANDALA DE AREIA
Abriu a porta. Percebeu o rosto do amigo marcado. Não se encontravam havia muito. As tempestivas rugas desenhavam o tempo. Deixava em sua feição a sutileza de alegria que precedia o sorriso de Pedro. Inevitável. O amigo, primeiro a chegar, trazia a esposa e uma garrafa de vinho. A companheira de Carlos ainda não terminara de preparar o jantar. Carlos sentou-se com Pedro, não podia ajudar na cozinha. A esposa do amigo logo se prontificou. De pronto. Serviu o vinho e conversaram.
Beberam um pouco de vinho e ficaram em silêncio. Encerraram as palavras de reencontro. A campainha tocou novamente e Pedro esticou o pescoço. O convidado foi recebido com um abraço. Era o Paulo José, que para ele era um desconhecido. Chegou sozinho e menos efusivo. Foram apresentados. Paulo era jornalista e fora militante de esquerda. Colega de Carlos na faculdade de Direito. Não concluiu. Pedro nunca fora politicamente ativo, naquela época estava mais preocupado em correr atrás de um rabo-de-saia. Não falava de trabalho, nem do passado já distante.
Os dois amigos de Carlos entenderam-se nas amenidades. O anfitrião foi à cozinha e Joana pediu que levasse os petiscos à mesa. Ana Beatriz, esposa do amigo, já de mangas arregaçadas, ajudava a preparar o jantar.
Lembrou-se da música. Havia escolhido uma longa seleção de músicas agradáveis. A linha melódica de saxofone soou deliciosamente. Pedro fechou os olhos e sorriu, como se houvesse experimentado um sabor de incomensurável prazer. Paulo estranhou a reação, embora tenha esboçado um sorriso com a música.
A campainha tocou pela derradeira vez na noite. Era um casal. Lúcia era uma velha conhecida de Carlos e Pedro, em outros tempos um rabo de saia, hoje editora de um famoso jornal. Homero era músico, de sorriso fácil e seguia o ritmo da música com os dedos. Sua chegada sincronizou com o fim dos trabalhos na cozinha.
Sentaram-se todos à mesa. Esmerado jantar. Todos os convidados, contadores de história. A conversa deslizou pelas horas sem que a noite, o álcool ou o cansaço os freasse. Carlos permanecia quieto a maior parte do tempo. Os olhos atenciosos seguiam os amigos com certa admiração. O anfitrião recusava pacificamente o papel de protagonista. Generosamente devolvia o foco pendular aos outros. Parecia, a Pedro, que ele queria aproveitar o máximo de cada um, do que pudessem lhe oferecer.
Pedro, que fora o primeiro a chegar, esperou que todos saíssem. Quando conseguiu ficar a sós com Carlos ao se despedir, precipitou-se em fazer perguntas que lhe preocupavam. O amigo apenas o abraçou e se despediu.