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DGv6B:CID 9: :HI69D E6G6 6 8JAIJG6 '%%. q 96C>:A ?DC6H q 8676G:I q 76AA:I : âE:G6 9D I:6IGD B6G>>CH@N
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O ORÇAMENTO DO ESTADO A QUE ISTO CHEGOU 1. Na véspera de um ano de eleições era grande a expectativa quanto ao Orçamento de Estado para a Cultura, para mais tendo como protagonista alguém que prometia trazer ao Palácio da Ajuda a competência jurídica necessária para arrumar a casa e prepará-la para os últimos anos que podem contar com as verbas da União Europeia. O último quadro comunitário de apoio vai até 2013 e, depois dessa data, Portugal deverá apresentar-se como o bom aluno que soube rentabilizar os fundos, consolidando um tecido frágil e dependente da intervenção estatal. As Grandes Opções do Plano para 2009 indicam-nos tudo menos isso e as trinta páginas que dedicamos ao Orçamento de Estado mostram bem como estamos longe de uma concertação – política, social, económica e cultural -, que traduza o esforço feito e trabalhe para uma maior evolução discursiva e financeira. O trabalho que lhe apresentamos, se é o resultado natural de quase dois anos de intervenção pública no domínio das políticas culturais é, também, a demonstração, cada vez mais forte, de que não pode haver a defesa dos grandes, e genuínos, valores da arte e da cultura num sistema de permanente precariedade. O “estado a que isto chegou”, para recuperar as palavras do Capitão Salgueiro Maia, carece de uma mais activa e responsável attitude. Um número como 0,4% não é só o espelho da “falta de credibilidade do Ministério da Cultura”, na expressão de José António Pinto Ribeiro, Ministro. É também um número que traduz a conformação habitual e o descrédito que, todos os dias, dedicamos à área que, nunca é suficiente recordar, mais contribuiu para o produto interno bruto da União Europeia. Se é pouco é também porque não soubemos exigir mais. 2. Carlos Porto faleceu a 29 de Outubro. Eminente crítico e presidente honorário da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro, a sua obra – nomeadamente 10 anos de teatro e cinema em Portugal, 1974 – 1984 (com Salvato Teles de Menezes, Editorial Caminho, 1985) e Em Busca do Teatro Perdido, 2 vols. (Plátano Editora, 1973) - permanecem como exemplo do que deve ser o olhar de fora da cena, o sentido etimológico da palavra obscena. Quando nos preparamos para celebrar o segundo aniversário desta revista, é o seu exemplo de generosidade crítica que queremos prosseguir. 3. E você, vestia a camisola da OBSCENA?
EDITORIAL
Director Tiago Bartolomeu Costa | tiago.bartolomeu@revistaOBSCENA.com Sub-director Francisco Valente | francisco.valente@revistaOBSCENA.com Editor de Imagem Martim Ramos/Kameraphoto | martim.ramos@revistaOBSCENA.com Colaboram neste número Adolfo Mesquita Nunes, André Dourado, António Quadros Ferro, António Pinto Ribeiro, Cristina Leonardo, Elisabete França, Eugénia Vasques, Florent Delval, Franz Anton Cramer, Gérard Mayen, João Carneiro, José Luís Ferreira, José Soeiro, Luiz Oosterbeck, Luís Serpa, Miguel Magalhães, Pedro Costa, Sérgio Treffaut e Tiago Manaia Direcção de Arte Pixel Reply | www.pixelreply.com Logotipo MERC Publicidade publicidade@revistaOBSCENAcom Agradecimentos Gustavo Veiga, Pedro Pires/ Teatro Praga Fotografia da capa: © Martim Ramos/Kameraphoto Assinaturas e informações OBSCENA@revistaOBSCENA.com As informações devem ser enviadas até dia 8 de cada mês A OBSCENA aceita propostas de colaborações de leitores. Os materiais publicados são da responsabilidade dos respectivos autores, estando sujeita a autorização expressa a sua reprodução total ou parcial. www.revistaOBSCENA.com A OBSCENA – revista de artes performativas é membro da TEAM Network (Transdisciplinary European Art Magazines) | www.team-network.eu A OBSCENA – revista de artes performativas é uma co-edição OBSCENA – Associação e Pixel Reply Lda. Depósito Legal 274919/08
ICS 125414
Periodicidade Bimestral
A OBSCENA-revista de artes performativas recebe o apoio de
Tiago Bartolomeu Costa
NOVEMBRO / DEZEMBRO .08
ISSN 1646-9658
kZhi^g V XVb^hdaV
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ÍNDICE
ARRITMIA
ORÇAMENTO DE ESTADO 2009
O PORQUÊ DE UM DOSSIÊ
10
textos Miguel Magalhães José Soeiro Adolfo Mesquita Nunes José Luís Ferreira Luiz Oosterbeek Cristina Leonardo Sérgio Treffaut Luís Serpa Pedro Costa
38 DIAS DO JUÍZO
NA PARTIDA DE CARLOS PORTO (1930-2008)
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LIVROS
texto Eugénia Vasques
60
ESPECTÁCULOS
O MERCADOR DE VENEZA DE WILLIAM SHAKESPEARE, ENCENAÇÃO DE RICARDO PAIS texto João Paulo Sousa
DANIEL JONAS O MERCADOR DE VENEZA EM NOVA TRADUÇÃO texto Elisabete França
LA DANSEUSE MALADE COREOGRAFIA DE BORIS CHARMATZ
44 46
62 66
COREOGRAFIA DE RAIMUND HOGHE texto Franz Anton Cramer
texto Florent Delval
BERLIM - SÃO PETERSBURGO 225 ANOS DO TEATRO MARIINSKY EM BERLIM texto João Carneiro
texto António Quadros Ferro
MR. NORRIS CHANGES TRAINS E GOODBYE TO BERLIN DE CHRISTOPHER ISHERWOOD
CABARET
ENCENAÇÃO DE DIOGO INFANTE
48 50
68 FILMES
52
70
JOGO DE CENA FILME DE EDUARDO COUTINHO texto Tiago Manaia
GOING TO THE MARKET, TWO DRAWINGS e MY FATHER'S DIARY PERFORMANCES DE GUY DE CONTET
DE UZODINMA IWEALA
textos João Carneiro e Tiago Bartolomeu Costa
texto Gérard Mayen
L'APRÈS-MIDI (D'UN FAUNE)
BESTAS DE LUGAR NENHUM,
72 54
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ARRITMIA
O. E. 2009
O PORQUÊ DE UM DOSSIÊ (RESPEITANDO JÁ O) IC F Á R G O T R O O D R O O AC Coordenado por Adolf o Mesquita Nunes, An dré Dourado, José Soeiro, Miguel Magalhães e Tiago Ba rtolomeu Costa. Concepção visual de Martim Ramos/Kam eraphoto
ÍNDICE
ORÇAMENTO DE ESTADO PARA A CULTURA: ESBOÇO DE UM A RESPOSTA texto Miguel Ma galhães UM MINISTÉRIO EM VIAS DE EX TINÇÃO? texto José Soeir o UM NOVO PARA DIGMA NAS RELA ÇÕ ES ESTADO/PRIVAD OS? texto Adolfo Mesquita Nunes
12 14 18
MAIS POR MENO S
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PATRIMÓNIO CU LTURAL MAIS UM POUC O DO MESMO texto
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texto José Luís
Ferreira
Luiz Ooste
rbeek EDUCAÇÃO ARTÍS TICA E ENSINO ARTÍSTICO texto Cr istina Leonardo
CINEMA E AUDIOV ISUAIS texto Sérgio Tre
ffaut
27 28
POLÍTICA CULTUR AL RTUGUESA NA ERA DA GLPO OBALIZAÇÃO
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ECONOMIA DA CU LTURA
34
texto Luís Serpa
texto Pedro Costa
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Num país em que o Orçamento de Estado é, no que orçamento annual inteiro do MC”, ficand o por respeita ao sector da Cultura - e a quase todos os executar “um total de 259 milhões de euros ”. outros sectores da vida nacional - a sua princiOu seja, mais do que a verba prevista para 2009: pal fonte de financiamento, a OBSCENA não podia 212,7 milhões de euros. Acreditando ser capaz deixar de ignorar o OE 2009, tanto mais que sendo de inverter a norma, José António Pinto Ribeir o o último deste Governo é o primeiro do actua l Mianunciou medidas para evitar o despe rdício nistro da Cultura. através de uma “execução orçamental aturad ae Sendo o último deste Governo de José Sócra tes, rigorosa” (Público, 20 Novembro). pode dizer-se que vem confirmar que, no discur so Ora, o Ministro parece não perceber que o sentie na prática, a Cultura não foi uma sua priori dade. do de Estado não permite disparar sobre os seus A única preocupação notória do Primeiro-M inistro antecessores para se desculpar ainda antes de neste sector foi a duvidosa solução encon trada ter mostrado trabalho, querendo à força ignora r para a Colecção Berardo e a remodelação goverque todos eles herdaram uma situação na qual namental que nela gerou uma quase radica l mu“não tinham responsabilidades” e tiveram que a dança de discurso que se pode pensar sê-lo tamgerir como ele (e o único que não a herdou por a bém de política. ter criado, Manuel Maria Carrilho, teve as dificu lÉ neste sentido que se podia perceber que as opdades inerentes à nova situação – e que, tendo ções do plano, elaboradas por um novo Minist ro, criado um novo paradigma, não está, natur alrevelassem novidades, mas não de uma forma tão mente, isento de “culpas”). radical que parece estarmos perante um projec to Mas sejam ou não verdadeiras as declaraçõe s para quatro anos e não apenas para um, quand oo ao jornal Expresso de 15 de Novembro1, uma que seria de esperar era que este fosse o ano da atribuição orçamental é sempre um teste ao consolidação das políticas elaboradas há mais de peso politico de um Ministro e, dados são dados : trés anos no princípio da actual legislatura. 0,4% não é pouco. São amendoins de tesouraria. José António Pinto Ribeiro aceitou o cargo já com Amendoins esses que prolongam o desequilíbri o um orçamento aprovado e consciente de que aqueentre as Artes e a nova prioridade das Indús trias le que teria a sua assinatura seria també m um Culturais e Criativas, por um lado, e o Patrim ónio, profundamente afectado por inevitáveis press ões por outro; é omisso quanto às obrigações dos eleitoralistas. O que, por maioria de razão, invalicontratos-programa das Entidades Públicas Emdava o sentimento (fatal, infeliz ou pragmático, depresariais (EPEs) - Teatro Nacional D. Maria , S. pendendo da crença) de “fazer mais com meno s”. João e OPART (Companhia Nacional de Bailad o/ De facto, as Grandes Opções do Plano para 2009 Teatro Nacional S. Carlos); e apresenta um proapresentam mais um decréscimo orçamental, ao grama de intervenção ao nível da língua, tende nmesmo tempo que, fixando-se em três eixos – Líncialmente ideológico e perigosamente peren e. gua, Património e Indústrias Criativas e Cultu rais - que não só não indicam nada de novo como geneEste dossier é, por isso, uma plataforma de ralizam prioridades, abrem largas à imagi nação discussão, tão alargada quanto o tempo e a retórica e à promessa que se pressente (para não disponibilidade dos nossos colaboradores perdizer que se sabe) falha e, consequentemen te mitiram. Ao longo das próximas páginas dedionerosa para os que se seguirem. E mesm o que camo-nos a observar o modo como nas Grand es em Novembro de 2009 o Partido Socialista repita a Opções do Plano se traçam as linhas identitárias vitória, dado o historial sucessório de ocupantes do de uma politica cultural. Não sendo exaustivo na Palácio da Ajuda, nada nem ninguém nos garan te abordagem temática, e sendo assumidame nte que o actual seja também o próximo Minist ro. Ele interventivo, este dossier não quer apenas diagpróprio, já veio dizer que “o Ministério da Cultu ra nosticar a situação. Não só esse trabalho está não tem credibilidade”, muito pela herança obtida. feito (nomeadamente nos vários dossiers que O que dá todo um novo significado às decla rações desde Outubro de 2007 temos vindo a public ar), do Ministro que, em Comissão Parlamenta r no como está na altura de enfrentarmos, com o passado dia 19 de Novembro acusou os anteri ores pragmatismo equivalente à convicção minis teMinistros de “nos ultimos anos desperdiçar em rial de que este é o Orçamento e o plano indica do a oportunidade de executar, de gastar bem, um para “fazer mais com menos”. 1 Veja o desmentido em: http://www.parlamentoglobal.pt/parlamentoglobal/mu ltimedia/
video/2008/11/19/191108_CULTURA_EXPRESSO.htm
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DIAS DO JUÍZO
ADO ORÇAMENTO DE EST PARA A CULTURA: ESBOÇO DE
UMA RESPOSTA
texto Miguel Magalhães
sta trevi de en ra pela o ã i ltu o gu cia d da Cu e Junho quên Ministro d e s s ê a tida N ado m nunca ob to ao s s s o s a p a pro no p sta dess ENA trevi e mas OBSC tiva de en trar algu amento d a n ç r a r o t a c O n p n e de ra –t se Cultu rámo posta procu tas na pro istério da generalia s in respo para o M provado n . o a a) Estad ntretanto socialist (e ia 2009 ela maior p e dad
ncipal destaque fez nos anos 90. O pri Manuel Maria Carrilho do anunciado Língua, como vem sen é dado às questões da do ano. São io o tomou posse no iníc desde que este Ministr moção da pro a a par junto de iniciativas apresentadas um con da CPLP r, cria a e s, nte ste exi das redes Língua, tanto ao nível correse os uiv da digitalização de arq mas também ao nível ónio rim pat do el ção online. Ao nív pondente disponibiliza reade s nto ime est inv abrangente de anuncia-se um pacote ibil o a dispon io edificado, assim com bilitação do patrimóni e de imagens. É acervos bibliotecários zação ao público dos risco para a um fundo de capital de anunciada a criação de toriais que acompanha sec s conjunto tica polí um e das s o tóri tiva rela cria A análise do resindústrias culturais e sas das des ção mas mo algu pro ar 1 activiontr e enc moção das mesmas a Proposta de Lei permit as acessórias de pro do que uma s did mai me a de am ição um ibu res se atr es na postas, embora raras vez ncias a ajustamentos es. Há também referê “Ao longo do ano, o: dad um mpl a e exe ais (por isu es iov nçõ declaração de inte dido na área dos aud parceria interministede subsídios a fundo per ado de Est mos do anis io mec apo os do dos ios serão reforça eis beneficiár l do alargamento aos possív ácia à intervenção cultura ao plano de rial para garantir maior efic uma breve referência -se faz , fim Por es. Art às do). para o enta esc ion ção das artes nac ais Governo”; nada mais é acr ção e internacionaliza A 13/14, Junho/ mo CEN pro em OBS ões na paç ível tici pon par (dis O referido guião amente o plano de s ano de 2009, nomead as seguintes áreas: o uai ente Vis es ialm Art enc ess das ria nal cob Bie Julho 2008) cionais, tais como a rio da rna isté inte Min s do nto a eve ânic org ra utu Paulo. subfinanciamento e a estr de Arquitectura de S. reflecde Veneza ou a Bienal rministerial e como esta se ada das Grandes ies env ura leit a Cultura, a articulação inte um o querendo promover assinatura do Acordo Nã a com s ada questões por cion das rela s tiria nas questõe no entanto, muitas Opções do Plano, ficam, o de promoção do Algarve plan o definição escom ior mo ma mes a ou um Ortográfico que deveriam apontar sado; o e pas ão der Ver pon no res ia, oa nom Eco da Cultura. Questões com desenhado pelo Ministério o estatuto do actual Ministério da to, ica men tég ncia tra cul fina tor de sec elos do dros especializados audiovisual e os seus mod imónio e o ensino ecção e formação de qua patr sel o sec l, do ura ais cult ion tor sec fiss do dos profissionais o estatuto dos pro tural ou relacionadas com de, a representação inbém ilida tam mob e a s, do, ica arte às del io o apo unt artístico, o olver. Um ass com a tor continuam por res as questões relacionadas rio da Cultura ternacional, o mecenato e to à posição do Ministé pei res diz , der pon res por iculação inart economia da cultura. ístico e à necessária relação ao Ensino Art têm de ser respons em stõe que s árias para esta s ess toda nec Naturalmente, nem ante das condições terministerial como gar mas no caso deste Ministro, do, cas, tanto ísti Esta de art s nto lina ame cip Orç dis didas pelo da aprendizagem das umento doc qua ade este a nto, um ame orç ado. Não eiro ionalizante e especializ que apresenta o seu prim a forma mais ino geral como profiss do ens sen no l, iona tido da adic sen ca no bóli , ais, de igual forma carrega uma carga sim ontrámos quaisquer sin suas ideias para o as enc ir una na afer a lac par nde ra, gra altu ta aproximada, nes artística avançada, promoção de formação e de ant gar co úni e a ues sector. ística portug formação da classe art isass os Nos últimos anos, tem dos mesmos no país. ção fixa pro que s ado e e adultos qualific Um orçamento de cris ao movimento de jovens para 2009 deverá e tido tura ent Cul sm da rio ple isté sim Min ou o a O orçamento par is e melhor formação a 0,4% curam no exterior ma de euros, correspondendo es, sendo que cifrar-se em 212,6 milhões io das suas qualificaçõ rcíc exe da o a sa par defe a gos ndo pre faze em não atingimo Mes sses profissionais mais do Orçamento de Estado. um pouco artística é uma das cla ser sse de a cla a deix não , PIB do demagógica mate do 1% . do. das por esse fenómeno tura no Orçamento de Esta rcício de fazer da constrangedor o peso da Cul séssemos fazer o exe qui utu se estr a, em ão sum paç Em ocu pre a um er hav cial às principais ece par par a o vist cçã À primeira orçamento uma rea , Artes te ónio des rim lise Pat , aná gua (Lín Junho, ão acç Ministro no mês de rar em eixos prioritários de colocadas ao senhor nça do que es elha stõ sem à que s, aliá is), tura Cul e Indústrias Criativas e
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DIAS DO JUÍZO
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Língua, Património ou Eco nomia da Cultura são áreas de actuação importantes, mas não constituem verdadeiram ente uma orientação estratégica de longo prazo. O investim ento na reabilitação do patrimó nio ou a promoção do emp rego criativo e da língua estão em consonância com algumas das tendências contemporâne as no domínio do policy-m aking cultural internacional. No entanto, este orçamento e a politica sectorial proposta não par ecem resolver ou sequer atac ar os problemas estruturais do sector cultural português . Que politica cultural? Numa área como a Cultura o dinheiro nunca é suficien te e, num país como Portugal, o financiamento das mais dive rsa s áreas artísticas ou a reabilit ação do património assum e um peso fundamental, não só para a sobrevivência dos profissionais do sector ou das inst ituições culturais, mas por que numa economia de serviço s, com ambições ao nível do turi QUAL O PES smo mais ou menos qualific O DA CULTU ado, o património edificad o exige RA NO algumas condições. Por outr ORÇAMENTO o lado, as políticas cultura DE ESTADO? is em Portugal nunca promovera m a emancipação das instituiç ões e dos seus profissionais da Falar em qu dependência do financiamen anto vale o to estatal. E, na realidade, tam sector pass ga sta, efectiv bém não é este orçamento a por sabe amente, em que r quanto se se propõe fazer isso. Ou seja cultura em mente olha , nada é referido quanto à eter Portugal. N -s e ap na enas para ormalquestão da devolução de o Orçamen Cultura e ev poder às instituições cult to do Minis entualmente urais, a té outorga de uma maior auto rio da pe ns A administração se nos gast nomia administrativa e fina os culturais Local. No nceira às organizações dependente en da ta es nt te o, ano há que s do Estado. Uma devolução e a título de olhar també que exemplo, obrigue as ditas organizaçõ m para o M ças, onde es a encontrar mecanismos inistério da estão as tr de s Finanês entidades financiamento alternativos - os teatro aos providenciados pelo Esta públicas em s nacionais do, presariais e a definir de forma indepen (D .M ar C ia ar II e S. João los/Compa dente, dentro do respeito nhia Naciona ) e OPART pela sua missão fundacional, (S. l de Bailado da Econom o seu campo de actuaçã ) e para o M ia e In o. Este ovação, que inistério mecanismo devolutivo está gere projec cleo Museo intimamente relacionado tos como o lógico de B com a elém/Museu do Núpromoção de novos modelos falar do apoi dos Coches de governação das mesmas o a eventos (já para não organizações. Quando nos refe di ve rs do os Turismo de promovidos rimos a organizações cultura Portugal). pelo Institu is não referimos só às da esfe to Objectivam ra do sector público, mas en te , deve contab também às do sector privado ilizar-se o tituto Camõe , que tem de lidar com que orçamento s (sob tute stões do Insla do Minis semelhantes ao nível do bom trangeiros) tério dos N governo das suas orgânicas, como despes egócios Ese que, de uma forma ou outr a cu lt pa ur rc al elar que as , bem como a, contam com a generosida Fundações o orçamento de do financiamento estatal . destinam a as instituiç esta área, o ões que man de todas tê Esta proposta de orçame m museus (cas térios e mui nto de Estado ainda não o de outros tas empres traz as Minisas respostas necessárias às pú bl ta icas e privad tivos de bo questões mais prementes lsas e prém as), os quan que se colocam ao sector cultura io tis in os de at pendentem ribui desde l português e que estão, ente de qu que tenham na sua maioria a montante de todo em se re co r be rt e m preciso, s os eixos prioritários de cultural, et acção tentar aind c. E, para propostos. Parece-nos que que a Igreja a perceber o principal problema e que Católica - co quais os cu , imm stos plicitamente, comportaria o E pa st trimónio cu ado a grande uma mudança de paradig ltural no no detentora de ma do ss modo de funcionamento do o pa e co ís ns - tem com a ervação do relacionamento entre o Esta manutençã seu patrim do e o sector da cultura, tem o ónio imóvel cultural e, a ver com a necessidade e móvel com po rq ue de innã o, valor id verter esse relacionamento. en tif bens e serv ic ar o co Este deverá fazer-se de baix nsumo priv iços cultur o ado em ais. Amplo para cima, ou seja a devoluç programa pa ão de poder e responsabilida ra um ano. des , referida anteriormente, dev eria significar uma maior independência na condução e ges tão das instituições, com imp licações ao nível do financia mento das artes, da promoç ão do património material e ima terial ou da formação de qua dros, entre tantas outras dimens ões. Esta inversão deve, em última análise, libertar o pró prio Ministério da Cultura dos mais diversos encargos, obr igações e responsabilidades 1 Consulte o documento em http://www.dgo.pt/OE/2009 , disponibilizando os seus rec /Proposta/Relatorio/relursos de forma menos one 2009.pdf. A secção relativa ao Minsitério da Cultura ros encontra-se entre as páginas a e mais diversificada. XX e XX. NOVEMBRO / DEZEMBRO .08
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UM MINISTÉRIO EM VIAS DE EXTINÇÃO? texto José Soeiro
Os númer os falam p or si e faz à ambição em sombra das Grand es Opções traçadas p do Plano elo Ministr o da Cultu haver discu ra. Pode rso se não existirem As dinâmic verbas? as cultura is não dep exclusivam endem ente da acç ão directa Estado, co do mo nem se mpre são completas reféns do Mercad o, mas o E um papel stado tem a cumprir. E orçamen to?
Desde 1996 que se tornou um dado relativamente adquirido a existência de um Ministério da Cultura em Portugal. Passaram, entretanto, 12 anos e balanços contraditórios se poderiam fazer acerca do caminho percorrido. A cultura é um território de disp uta, como o são todos os campos sociais. Trata-se sempre de uma luta pela legitimidade das classificações e pela inclusão ou exclusão, na noção de cultura, de um conjunto de práticas que, de modo genérico, poderíamos relacionar com a mediação simbólica da nossa existência. As políticas culturais, bem como o peso relativo que lhes é atribuído no Orça mento de Estado, estão no coração dessa disputa. Seri a, evidentemente, absurdo avaliar as políticas culturais apen as pelo dinheiro que lhes cabe num Orçamento. As dinâmica s culturais não dependem exclusivamente da acção direc ta do Estado, como nem sempre são reféns completas do mercado – realidades tão diferentes quanto as contra-cultur as urbanas, a produção independente e não financiada ou a disseminação de consumos culturais resultantes das nova s tecnologias poderiam ser alguns exemplos para pensar.
Fonte: Relatórios do Orçamento do Estado
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l determinante, entre outros Contudo, o Estado tem um pape entos culturais, na preserpam equi aspectos, na criação de erial, no apoio às artes e vação do património material e imat ocracia cultural que crie à criação, na promoção de uma dem rtórios de todos. Esse repe condições de diversificação dos públicas, que faz hoje icas polít das l reconhecimento do pape senso comum hegemónico, consenso no discurso político e no não sejam atravessadas por não significa que elas próprias ideológicos: mais ou menos diferentes concepções e perfis mercado; mais ou menos pelo adas mercantis ou condicion ra enquanto uma espécie patrimonialistas; invocando a cultu sciência colectiva”, da idende “reserva da memória”, da “con ”, ou reconhecendo-lhe onal tidade ou até da “essência naci l; acentuando mais litua conf e rico o carácter múltiplo, histó e da inovação culturais; de ou menos a promoção da criação ocratizador; o que é certo pendor mais elitista ou mais dem neutra. E a força de uma é a é que a política cultural nunc sando o paternalismo e a recu tica, política pública democrá é exactamente defender o tentação da instrumentalização, ra, a especificidade dos carácter de serviço público da cultu mercado assistido que um de bens culturais, a necessidade ulação de capital, acum de as lógic as retire a cultura das mer , que constituem um ensejam elas mais ou menos selvagens trave à liberdade de criação. exprime as escolhas sobre o O Orçamento de Estado, porque das políticas públicas, peres idad prior papel do Estado e as dada às políticas culturais. E, mite então avaliar a importância a discussão das nomenclade um modo mais concreto do que tutela, é a oportunidade da s turas e das estruturas orgânica ivo desta área quando relat peso o facto de perceber qual é de o país. se decide o que é importante para das verbas atribuídas ao ução evol a e sobr r olha e brev Um esa do Estado permite desp da Ministério da Cultura no total eiro lugar, que essa prim Em . iatas imed tirar duas conclusões mítico 1%, número fétiche verba tem estado muito longe do titui uma meta simbólica importado de França, mas que cons sector na política de um e dest sobre o reconhecimento real verificar que as verbas ite perm , disso Governo. Mas, além
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em termos relativos, de reservadas à Cultura têm descido, últimos 8 anos. Mesmo em forma contínua e acentuada nos variações, mas não tem sofre números absolutos, essa verba – o que deve ser caso ivo ress prog uma tendência de aumento ntes sectores do Estado. O único, se comparado com os resta ência de forma expressiva: o ano de 2009 acentuará esta tend Ministério da Cultura, irreO Orçamento voltará a diminuir. ente para a inexistência. ivam ress levante já, caminha prog Estado para 2009 fica marA discussão sobre o Orçamento de ódios que marcaram as epis cada, idelevelmente, por outros es: o aval de 20 mil mes dois os últim escolhas políticas dos e a nacionalização do BPN, milhões de euros para os bancos aponta ser de 800 milhões um banco com um buraco que se incompetente e de operaão de euros, resultado de uma gest aventuras em off-shores, e stica abilí ções de falsificação cont dinheiro dos contribuintes. buraco esse que será coberto pelo ulo o valor de que falamos Este contexto torna ainda mais ridíc a Cultura. É que o total para quando falamos do orçamento buraco do BPN que os do ¼ de mais o desse orçamento é pouc agora, cerca de um décimo nossos impostos vão pagar. E é, já Defesa no próximo ano. Só do orçamento reservado para a do país. to isto, poderia ser um tosco retra to para este ano tem ainmen Orça do Mas a discussão acerca que, e daí a vantagem de um da uma outra particularidade. É a, ele consagra o desrescomparação minimamente diacrónic “em matéria de finande, rno peito do compromisso do Gove o sector como priorar firm “rea ra”, ciamento público da cultu disponíveis”, estabelecendo idade na afectação dos recursos Orçamento de Estado dedi“neste sentido, a meta de 1% do rência de médio prazo” “refe o cada à despesa cultural”, com aproximação interromde a ctóri traje a necessária a “retomar ade, não há sequer uma pida no passado recente”. Na verd objectivo – o que permitiria trajectória de aproximação desse lá, se estaria a percorrer ar inferir que, mesmo que sem cheg contrário, a divergência pelo e, do-s um caminho –, acentuan aprovação do Programa de com a palavra dada aquando da Ministro nem a Ministra anGoverno. Com efeito, nem este
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terior tiveram nenhuma capacidade de dotar o Ministério dos meios para uma política cultural consequente. Daí que só as rivalidades mesquinhas que fazem a cultura do poder autorizem Isabel Pires de Lima, ela também uma ministra falhada, a ironizar com o seu sucessor a propósito do Orçamento: “a pouca verba que recebeu não deve afligí-lo. Prometeu fazer mais com menos, o Ministro das Finanças fez-lhe a vontade”. De facto, é bom lembrar que José António Pinto Ribeiro teve uma entrada de leão e tomou posse anunciando, com pompa e circunstância, que iria “fazer mais com menos”. Viriam as parcerias com as empresas, a vontade de “trazer o mercado aos agentes culturais, demonstrando o interesse e a rentabilidade do sector”, o estímulo do mecenato (anunciando-se, inclusivamente, a intenção de fazer uma nova lei sobre este assunto), a sensibilização dos agentes económicos e financeiros para a importância da actividade cultural. Era o mercado a salvar a cultura do desinvestimento público. O Ministro foi mesmo ao Parlamento apresentar-se, na Comissão, como um fundraiser (a expressão é sua...), alguém com uma enorme capacidade de negociação, com conhecimento suficiente do mundo dos negócios para contaminar os agentes do campo económico com a sua “paixão pela cultura” ou, mais prosaicamente, para transformar algumas actividades do campo cultural em fontes de capital simbólico de que empresas e investidores poderiam beneficiar, associando-se a elas, em troca de algum financiamento. Acontece que há aqui um enorme paradoxo. Como podemos acreditar que o Ministro possa ser um bom “angariador de fundos” para a cultura, uma pessoa capaz de entusiasmar investidores privados para parcerias na área do património ou da criação, se ele se revela incapaz de sensibilizar o próprio Conselho de Ministros de que faz parte para a importância do investimento nesta área? E que autoridade tem o Ministério para fazer o discurso da “rentabilidade” deste investimento se o próprio Governo de que é parte integrante desmente da forma
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mais enfática possível, através deste Orçamento, essa convicção? A política cultural vem sofrendo dias difíceis e opções erradas. A reforma da Administração Pública desagregou estruturas e, paradoxalmente, acabou por, em alguns casos, burocratizar procedimentos e cadeias de decisão (é conhecido o exemplo do IGESPAR). Os museus confrontam-se, em muitos caos, com dificuldades financeiras que bloqueiam o seu funcionamento. O financiamento às artes continua a acentuar fortemente as assimetrias regionais, a não ser objecto de fiscalização, a afastar as novas estruturas, a gerar descontinuidades (o alargamento das “entidades beneficiárias” dos apoios estatais, defendido pelo Governo como uma mais-valia do seu novo regulamento, é obviamente uma manobra de diversão num contexto de redução drástica dos recursos). As redes de cine-teatros estão, quantas vezes, paralizadas em termos de programação. Os serviços educativos, Bibliotecas, a formação de públicos vão tendo dificuldades em respirar – quanto mais, portanto, em reforçar a sua acção. E o grande orgulho dos Governantes são as obras de fachada, os grandes eventos, a injecção de somas desproporcionadas em um ou dois acontecimentos mediáticos e de grande promoção: Berardo e o Hermitage são apenas os dois exemplos principais, as meninas dos olhos do Governo nos últimos tempos. A cultura asfixia, mas o Turismo brilha. O Ministério da Cultura, assim transformado numa espécie de Secretaria de Estado do Turismo, agradece: à falta de uma estratégia sustentada e apostada no longo prazo, à falta de recursos para apoiar a criação, promover a recuperação do património ou o acesso alargado ao bens culturais, lá vêm os grandes eventos render alguns minutos de fama. O actual Ministro é, portanto, a continuação desta política, a perpetuação das suas dificuldades e a incapacidade de afirmar um projecto sólido e de obter os meios para o levar adiante. Mais palavra azeda, menos palavra doce, a extinção do Ministério da Cultura continua, paulatinamente. Até ao Orçamento final.
José Soeiro é sociólogo e foi deputado na última sessão legislativa pelo Bloco de Esquerda, integrando a Comissão Parlamentar de Educação e Cultura.
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FUNDO DE FOMENTO ELEITORAL? Um dos aspectos mais salientes deste OE é a duplica ção (atingindo um valor de 24 milhões de euros) do Fundo de Fomento Cultural. Sob esta designação encontra-se um dos mais importantes instrumentos financeiros do Ministério da Cultura e escond e-se aquilo que é desde sempre considerado como o “saco azul” dos Ministros da Cultura. Forma lmente, o Fundo de Fomento Cultural (FFC) é um fundo autónomo, criado ainda antes da revolução, em 1973, no âmbito da então Direcção-Geral dos Assuntos Culturais e alterado em 1980 e 1987. As verbas de que dispõe resultam de receitas próprias do MC e do “esforço nacional” do Orçamento de Estado, e a ampla lista das suas “várias” atribuições permite-lhe financiar legalmente o que quer que seja: - Prestar apoio financeiro às actividades de promoção e difusão dos diversos ramos da cultura. - Subvencionar acções de defesa, conservação e valoriz ação dos bens culturais. - Subsidiar a realização de congressos, conferências, reuniões, missões e outras iniciativas de natureza cultural, e bem assim, a participação em manife stações semelhantes que tenham lugar no estrangeiro. - Custear a divulgação, interna ou externa, dos progra mas e realizações culturais e artísticas. - Financiar estudos e investigações de carácter cultura l. - Conceder subsídios e bolsas para outros fins de acção cultural. O órgão máximo do FFC é o Conselho Administrativo , constituído pelo Secretário-Geral do Ministério, que preside, pelos Directores do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR), da Direcção-Geral das Artes ( DGART ES), da Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas (DGLB), do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI) e por um representante do Ministério das Finanças.A gestão administrativa e financeira do FFC é assegurada pela Secretaria-Geral através de uma estrutu ra informal, e é gerido por simples despachos da tutela, que atribui as suas verbas como bem entende. A permanência de um Fundo deste tipo e dimensão num ministério com as limitações financeiras do MC é antes de mais uma confirmação da ausênc ia de verdadeiras políticas culturais, bem projectadas e baseadas no real conhecimento da realida de cultural nacional, e é ainda, em relação aos seus próprios institutos e direcções-gerais, um reconh ecimento implícito da real falta de autonomia e meios destes últimos e dos seus responsáveis. Estes têm assim de levar à tutela boa parte das decisões que querem tomar, atendendo à sua crónica sub-dotação, o que diminui certamente a eficácia do papel de condução política e coordenação que o Ministro ou Secretário de Estado deveriam ter, a favor de uma imersão destes nos proble mas de dia a dias dos seus serviços . “De minimis non curat Praetor”, já diziam os romanos, que percebiam alguma coisa da gestão de conjuntos. O dinheiro a mais que encontramos agora no FFC é certamente aquele que desapareceu dos orçamentos do IGESPAR ou do Instituto dos Museu s e Conservação, os recordistas de cortes orçamentais em 2009. A presença de um fundo autónomo, de recurso para emergências (por exemplo aquisições de obras de arte de importância nacional, apoios casuais e de difícil previsão, estudos, etc) é tolerável e pode até constituir um elemento racional de gestão política e financeira, mas sempre e quando constitua um ponto residual no orçamento do MC. A duplicação do Fundo de Fomento Cultural no Orçamento de Estado de um ano eleitoral merece ainda uma outra leitura, que não pode ser escamoteada: é a constituição de um tesouro de guerra que permite alocar livremente fundos e tapar buracos, satisfazer clientelas políticas e corresponder a reinvidicações mediaticamente presentes, garantindo a Pax cultural e disfarçando o eventual falhanço ou inexist ência de políticas. Em suma, é a afirmação não de uma política cultura l mas de uma cultura para a política.
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uma as a rênci e ctor f e e s r o s com ias a r a t ende á i t v e e E são mais estr que se pr apel O o N p o o aquil folhas de ulaçã artic o. Mas se s e se to as e r e õ ç m d n i priva is do que s inte ão há mu e a t m da st são m nca passa alismo, en aber se e l u pe ss rm a o o p f m n r que n i no pode ar um m h a e n r d e a r p pe ar p desem xplic por e odelo vem r. m novo o no secto v i t i pos
texto Adolfo
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Mesquita
Nunes
UM NOVO AS N A M G I D A PAR RELAÇÕES OS? D A V I R P / O ESTAD
ciomodelo rela definição do ta re eita nc sp co lmente, à te no que re meadamen as, mas igua ri no izao, al ad a tu , iv ra es erador pr tes à cont vários sector ades ineren nal com o op lid ouvindo, em bi m sa eve op on se ar sp e qu das re ade de associ De há muito à repartição er, da necessid para entend ionalmente despropósito ic a a. e ad tr us ito s ós ca õe op nç é essencial pr em fu o s os rda çã ct o pa ci pe s cí as ta er dos ao ex ão desses no com es radores priva ra, a definiç ente o Gover la O fa am se tiv oe ec ci . ef qu la Estado pretende modelos re rcerias de cometidas ao mos o que er ção de novos , que as pa qu ra tá al ag es ar ns qu o ur co ar m ap cl na se de cia otocolos, . A não ser, pr r, no sentido Esta insistên as ra ri os pe lh ce es es ve de rr , e não co as, o papel o sejam do , como seria afinal de cont nais não vem de mudança OE mais nã r, de se no se da ve e, ci de ad pa al nsobre qu propried ente, no se dade ou ca te, e com uma reflexão mas, tão som tipo de novi erae actualmen icas do futuro ível, e qu lít ss po ais com op po ao s tu do al na ra in ro do nt af do Esta pondam rcerias co os para, dent pa m is o an sã um ec e ar m r rn qu ra endo tado se to tido de encont vem entend toridade, o Es termos condomínio e a au . os. as ad lh iv co pr es remete, em s sem perder o as re a” su ri s do na ce dades ar az ic “p de ef cional e o termo entre autori o designados pouco mais ra cooperação Na verdade, ais vêm send on de ci objeca la r e re rm o po ic fo os o lít model ra uma ados, tend sso léxico po Esses novos tratuais, pa ómicos priv entrou no no ção, a on já va eec e no lib qu es re de o or e a rm as nstrução, co icas e operad a confusa, qu “parcerias”, te a bl , rm pú fo to a en estaum pr l a do pape ido para, de r o financiam utura ou a que tem serv ça de paradigm o assegura a infra-estr an tiv ud um m a de st o po çã uma su manuten rada, anunciar s gestão ou a a esta público. para aquele pa ca es . o se do nã , ta sobretudo um rviço ra o, ltu de do Es id o cu nt çã da de se l or gum nto pape te, refere o, para o sect isma, faz al o sacrossa a até insisten O OE deste an E, nesse pr no Estado vezes, de form rem s pa vê ria odelos rela de o vá m r s to nã po , en vo e, eu erados no nova moda nd o e desenvolvim que, como es po çã or ia m cr ad ja la er se pe rnativa cia aos op ltural, que a opção gove ado se asso faz-tudo cu s. e, até s quais o Est ltural da adores privado do er cu s culturais qu op ia vé m as ác ra ic ic co ef at s lít s da po ai ceria s ão on da oç ci o om çã cu associa a pr ou de funra a prosse de parcerias De facto, o OE privados pa o i definindo. ao aumento m va a co , ad m es m si st ra as og de s, a da despesa pr com a ajud ituições priva pretende gunrede com inst uilo que se concedidos, se os oi cionamento em ap os r no OE, se aq ve la re passam fa íde a e bs se nc ad su e id o nu ss é disso qu papel que o, convertend se çã insiste na nece de ia as al M as av uito lh e fo a então há m e meras de serviço transparênci mais do qu de prestação formalismo, do regras de o s in to sã m ra no ve nt o co em el rd perdido em novo mod s e se pe dos. dios a fundo ber se este das intençõe sa eradores priva os op os rm o m nã de co ados para po . nsagração, público celebr o no sector por explicar ferências à co ivada papel positiv não rem, que as re te um ré tervenção pr en po ar in m , nh ra ce da te gu pe m se m Acon fia se as m on de a sc nem ad de les que te generaliz assustados es privadas s, nem aque vidamente necessariamen do e entidad liá ta de A Es ece r o ta m e es co tr o ao rcerias en ia podem que o Estad ssários para, sidual, de pa nesta matér m , como eu, ementos nece ve m el e s de qu do pe ra lo pa to ad s ui panh s com aqui que vêm esta s que há m ito ao le fe e não vem acom ue o tis sã aq sa e r qu esta a perceber o na podem . certo, ficarmos a sair de ce nada se sabe e em qu s, or so P lo . E bu O ne no go al to ri s, io cerias. sc de s domín firo apenas ao ir estas parceE não me re erer introduz qu r iti m ad ce o pare que o Govern
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ONDE PÁRA O OBSERVATÓRIO DAS ACTIVIDADES CULTURAIS? Atendendo a que na explanação das políticas para o sector da Cultura constantes do OE 2009 existe uma preocupação no conhecimento da realidade cultura l na sua vertente económica - “demonstrar o interesse e rentabilidade do sector”, “realização do estudo sobre o valor económico da Língua Portuguesa, “diagnosticar o mercado” – cabe pergun tar qual é nele o papel do Observatório das Actividades Culturais, tanto mais que a sua histórica ligação ao ISCTE lhe permite certamente elaborar estudos que vão para além dos aspectos mais propria mente culturais e sociológicos. É verdade que quaisquer estudos deste tipo ou outro podem ser pedidos às várias universidades portuguesas mas importa saber o que pensa este Ministé rio de um seu organismo e o que pensa fazer dele. Numa altura em que corre a possível extinção do OAC, com o que isso significa de interrupção dos estudos em curso – como o que recentemente permit iu conhecer dados relativos à leitura – é a sua ausência no texto em questão a manifestação da intenção de não contar com ele ab initio e da sua extinção?
No essencial, a ideia de parceria asse nta numa “repartição de responsabilidades”, subjacente a um contrato por via do qual uma entidade privada se obrig a, perante o Estado, a assegurar o desenvolvimento de uma actividade tendente à satisfação de uma necessidade colectiva. Por norma, nesse contrato, o finan ciamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem, no todo ou em parte, à entidade priva da, cabendo ao Estado o acompanhamento e o controlo da execu ção do projecto de parceria, de forma a garantir que são alcançados os fins de interesse público subjacentes. E se assim é, e não se vê que assim não possa ser, não basta aventar a ideia de celebrar parcerias com privados para, de um assentada, esclarecer o que quer que seja. E é por isso que, perante o que vem descrito no OE, as perguntas não podem deixar de sair em catadupa. Processos de selecção Na verdade, qual o papel do Ministério , ou do Estado, no processo de definição, concepção, prepa ração, concurso, adjudicação, alteração, fiscalização e acom panhamento global dessas parcerias? Seria importante que o Governo expli casse, ao certo e com rigor, de que parcerias fala, em que sector ou actividade, com que transferências de risco e respo nsabilidade. Como igualmente seria importante sabe r como serão escolhidos os parceiros privados, nomeadam ente no que toca à concessão de apoios (antes atribuídos a fundo perdido) uma vez que aqui se não pode conceber que o Estado possa contratualizar com privados às margens das regras que acomodam a contratação estadual. A este respeito, aliás, impor-se ia saber quais as regras aplicáveis à futura selecção do parce iro privado, qual a grelha de avaliação que lhe estará asso ciada, de molde a permitir o controlo da imparcialidade ao longo de todo o processo, quais os comandos destinados a fazer cumprir o respeito do princípio da igualdade de tratament o ao longo de todo o processo e quais as garantias de objec tividade subjacentes a esta selecção.
Igualmente, no sensível sector em que estamos, é de liminar bom senso perguntar, para conh ecer, quais as limitações desenhadas para evitar que o Estad o, a pretexto de contratualizações com privados, inter venha, ainda mais (e, a meu ver, muito mal e muito nefastame nte) na produção cultural, orientando-a pouco democratic amente para onde entender mais conveniente. Por outro lado, não se conhecem, nem sequer foram apontadas, as vantagens das parcerias relat ivamente a outras formas de alcançar os mesmos fins, questão que não é de menor importância porquanto pode indic iar uma mudança, eventualmente urgente, de paradigma quanto ao papel do Estado no âmbito do sector. E não se julgue, destas palavras, que existe da minha parte uma qualquer desconfiança relativam ente à contratualização de uma parceria com um operador privado. Antes pelo contrário. O que me parece é que o êxito de qualq uer parceria, e em consequência qualquer juízo que sobre a ideia de parceria possa fazer-se, depende, em larga medida, do carácter completo do enquadramento contratual do projecto, e da determinação optimizada dos elementos que regularão a sua aplicação. Do meu ponto de vista, uma parceria com um operador privado deve ser precedida de uma adeq uada avaliação e de detalhado e profundo estudo que aconselhe a melhor repartição possível dos riscos e das respo nsabilidades entre os sectores público e privado, em função da respectiva capacidade para assumir tais riscos e responsabilidades. Como também me parece essencial a rigorosa definição e previsão dos mecanismos que perm itam avaliar regularmente o desempenho do operador priva do e acompanhar as evoluções que ocorrem no decurso parceria. Neste sentido, sou da opinião que o princ ípio da transparência exige que tais elementos sejam fornecidos ao sector, a fim de permitir efectivamente comp reender o que está em causa e se o que está em causa pode aplaudido. Até lá, e salvo o devido respeito, estas parce rias de que fala o OE não são mais do que protocolos sem valor ou inovação de maior.
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22 A questão do s recursos fin anceiros colo cados à dispos ição das activ idades culturais e artís ticas é de natu reza política, muito mais do que económic a. É uma questão que interroga as missões fund mentais do Es atado, o concei to de sociedade que prop omos ou, em última anális o paradigma e, humano que perseguimos .
MAIS POR MENOS texto José Luís Ferreira
Quando o Ministro da Cultura afirma que “Fernando Pessoa vale mais do que a PT, enquanto produto de exportação” está a incorrer numa confusão que, mais do que conceptual, chega a ser ontológica. Quando afirma, no documento de enquadramento do Orçamento para 2009, que dará prioridade à criação de “um instrumento de mercado, dirigido ao investimento nas indústrias criativas e culturais, sob a forma de um fundo de capital de risco”, está a deixar-se deslumbrar por uma linguagem e por um aparelho ideológico que, se pode de facto responder com alguma eficácia a um determinado conjunto de mercados (ligados necessariamente às práticas artísticas reprodutíveis e, portanto, passíveis de industrialização e de consumo de massas), deixa irremediavelmente de fora o coração mesmo da actividade de um Ministério da Cultura. Há que saber distinguir, em primeiro lugar, entre a actividade artística nuclear e as indústrias culturais. O gesto artístico de base, cadinho sem o qual o restante edifício não se sustenta, caracteriza-se por uma economia de protótipo, não reprodutível, não massificável, na qual o custo de investimento não pode de nenhum modo ser “rentabilizado” através de uma “cadeia de valor”. Se isto é verdade para algumas formas de artes visuais, como a pintura ou a escultura, é-o muito mais para as artes colectivas como o teatro ou a dança. Estas práticas artísticas sofrem da chamada “doença de Baumol”, assim teorizada, já nos anos 60, por este economista da cultura: em 1664, precisávamos de duas horas e doze actores para representar o Tartufo; em 2008, continuamos a precisar de duas horas e doze actores. Não há ganhos tecnológicos ou novos procedimentos que evitem este “impasse” produtivo. Ora, a criação artística colectiva implica, mesmo assim, um forte investimento em capital humano, implica formas de organização complexas que, na sociedade em que vivemos, não podem estar dissociadas de custos importantes. E mesmo no que se refere a práticas artísticas mais industrializáveis, apenas a criação mainstream pode almejar à rentabilidade. O que, por um lado, exclui desde logo as práticas experimentais e que visam um conjunto de fruidores que não será necessariamente tão numeroso que permita economias de escala. Muito mais, neste mundo globalizado em que vivemos, se nos reportarmos a um país pequeno com uma língua minoritária. A pergunta que devemos colocar a nós próprios desloca-se, então, para outro território, o da política. Devemos, enquanto comunidade organizada, sustentar os custos da criação artística? Em caso afirmativo, porquê? O que equivale a per-
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guntarmo-nos a que modelo de sociedade e de cidadão nos reportamos. Desejamos ser um mero conjunto de animais humanos, portadores das mesmas referências, pragmatizados em função de simples resultados económicos e funcionais, tendentes ao consenso abúlico perante questões existenciais? Ou, pelo contrário, compreendemos o sentido crítico, a capacidade de elaboração, de invenção de novas formas, como algo de desejável? Queremos cidadãos independentes, trabalhadores com sentido de autonomia, ou meros depositários da decisão hierárquica e da propaganda do poder? Trinta e quatro anos depois da nossa transição democrática, parece ser ainda difícil responder a uma questão tão simples. A mera confusão ente entretenimento e fruição artística (hoje tão comum que leva mesmo a Ministra cessante a defender, sem se rir, um Ministério da Cultura e do Turismo) deriva desta indecisão matricial. O poder esqueceu (ou já não quer saber) que a leitura poética do mundo ou a sátira são elementos de inquietação, às vezes de ruptura, muito poucas vezes de coesão. Que a sua justificação última, mesmo de um ponto de vista cínico, poderá ser o facto de, no fundo, protegerem quem exerce o poder contra as suas piores derivas, permitindo-lhes uma imagem crua do seu próprio excesso. O direito à criação e fruição artísticas O acesso à criação e à fruição artísticas, direito garantido em abstracto pelo art. 78º da nossa Constituição, contribui, de uma maneira que mercado algum sabe sequer avaliar, para a qualificação das pessoas e para a sua capacidade de intervenção cidadã. O que, em última análise, justifica o investimento na criação artística, sem paninhos quentes, como um investimento nos cidadãos. Um investimento imperativo, de acordo com o sistema político-constitucional que (ainda) nos rege. Um investimento que, ainda por cima, é geometricamente cumulativo: Roger McCain chama “gosto”, no contexto da economia da cultura, a um “activo económico específico que provém tanto da formação específica para apreciar os bens culturais, como da quantidade de bens do mesmo tipo consumidos anteriormente”. O que, a um tempo, deita por terra o argumento populista de que deve dar-se ao povo aquilo de que o povo gosta e aproveita ainda para recolocar no sítio próprio a tal questão da “rentabilidade” do investimento. O problema, aparentemente, estará em saber como concretizar esse tal direito à criação e à fruição que a Constituição nos garante. Ultimamente, parece pensar-se que a eficácia nessa concretização poderá ser garantida através da apli“O com p matér romisso do ia G da cult de financia overno, em mento ura, é p claro: sector reafir úblico como ma pr ção do s recu ioridade na r o rsos d Neste afecta isp se Orçam ntido, a me oníveis. ta de ento d 1 % e à desp esa cu Estado ded do ic lt servir -nos d ural contin ada ua a e prazo , impo referência d rtand e trajec médio o re tória d e apro tomar a rompi x da no passa imação inte Do pro do rec rgrama ente do actu al gove rno, cu ltura
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l a que cação ao domínio cultural das regras dessa coisa inefáve rável mensu ser pode hoje se chama “gestão”. Que essa eficácia a íamos resistir não que a el através de qualquer coisa palpáv das ação sarializ empre a u invento se Assim . chamar “indicadores” te imputação estruturas públicas de criação, com a corresponden da ideologia provêm de modelos de gestão e de accountability que ideia de que ssima recentí a sequer dos mercados (não integrando s). interna regras suas das força por estes implodiram mais ou meMito dos tempos modernos, a “gestão” seria pouco s, capaz de mágica nos uma ciência abstracta com virtualidades seriedade da -los revesti e eixos pôr finalmente os artistas nos pequeneste m, nomeia se isso Por exige. ica que a coisa económ administrana topo de cargos para iros banque o, confus país no as miríficas ção de processos culturais. Por isso se promovem os privados e investe estado o que parcerias público-privadas em aparelham se Cultura da rio Ministé do EPEs as gerem. Por isso respectiva da acima) (ou lado ao stração Admini de hos Consel de de uma própria lógica a Direcção Artística. Assim se compromete secriação a senão ciência outra actividade simples, que não tem s público com ão mediaç sua a e s própria regras gundo as suas fundo no mais ando penetr e os alargad mais ente ssivam progre orçamento todo social, por um lado, e a boa administração de um por outro. de, probida com gerido e que se desejaria suficiente ica de específ ” ilidade “rentab a to, portan mete, Assim se compro que é inalilidade rentab outra uma de nome em so, proces um cançável. Uma questão política e económica do MinisNeste contexto, não é de admirar que os orçamentos de fracção a patétic à até anos os tério da Cultura desçam todos preram encont se qual na Estado do Geral ento 0,4% do Orçam se confiando sentemente. Não se sabendo para o que serve nem es públicas entidad das na dupla capacidade dos profissionais e não se que endo perceb se não de, para garantir a tal probida l que natura é mento, investi um de sim mas trata de um custo, poupar aqui em procur mundo deste as Finanç das os Ministr os ção de uma uns tostões. Por falta de visão política ou pela afirma consideseria claras, às da declara visão política que, se fosse , pela técnica etência incomp por também Mas rada inaceitável. ender o compre de ais sectori s político s gestore dos cidade incapa fenómeno e tratá-lo na sua devida dimensão. é política e Fechando o círculo, repito que a questão da cultura nto do MC orçame O ira. finance menos muito e não económica, o primeiroque do o vigésim um a ponde corres ano o próxim o para a pública até ministro anunciou, em 2004, que cortaria à despes ntal! Se orçame ra” “gordu da o ao final da legislatura. Um vigésim garpara (pausa o govern de ma progra seu o tivesse cumprido apenas a um ia chegar assim, mesmo e, -lo-ia triplicá as), galhad dinheiros sexto vírgula seis do problema. O que, para a gestão dos macacos estes a ídos distribu bem do Estado são amendoins. Que que coisa er qualqu de o começ o iria garant nós, que somos todos el. aceitáv mais país num nte finalme rmaria transfo nos nte, qualquer Enfim, multiplicar mais por menos dá, aritmeticame classe. quarta da miúdo er qualqu coisa de negativo. Como sabe
cionais José Luís Ferreira é responsável pelas Relações Interna executivo da do Teatro Nacional de S. João (TNSJ) e delegado União de Teatros da Europa (UTE)
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O Economês da Cultura Uma das surpresas do relatório do Orçamento de Estado 2009, no que diz respeito ao Ministério da Cultura, é a aparição de todo um vocabulário próprio da Economia e da Gestão pouco habitual nos documentos referentes à cultura, podendo presumir-se que este representa nele o cunho pessoal do actual Ministro, de resto coincidente com muitas das suas declarações públicas. Começando por referir as Indústrias Criativas e Culturais como um dos eixos prioritários da acção do MC, vai dizendo que “no plano orçamental, o objectivo é promover a eficácia cultural da despesa programada através do rigor na gestão”, acresecentando a este um outro objectivo, o de “estimular a dinâmica da economia da cultura e trazer o mercado aos agentes culturais, demonstrando o interesse e rentabilidade do sector”. Se na área da Língua o relatório se contenta com a referência a um “Fundo” e a Realização do Estudo sobre o Valor Económico da Língua Portuguesa, na do Património aponta-se o pioneirismo do “lançamento de uma parceria entre o MC e o sector privado para um programa de recuperação do património classificado em risco” e fala-se em “modelos inovadores de gestão do património edificado que permitam a sustentabilidade dos equipamentos culturais”, na “operacionalização da estrutura de gestão do evento “Guimarães Capital Europeia da Cultura 2012”, e na “relação custo-benefício” no que toca ao Depósito Legal. Mas é no capítulo Artes e Indústrias Criativas e Culturais que se assiste a uma verdadeira aceleração, para não dizer derrapagem: é apontado como prioritário o” lançamento de um instrumento de mercado, dirigido ao investimento nas indústrias criativas e culturais e nas suas estruturas de apoio, sob a forma de fundo de capital de risco”, a que se seguem referências a uma “cadeia de valor do sector”, à “consolidação do valor económico”, e à“competitividade das indústrias”. Voltando a referir adiante o “fundo de investimento específico para financiamento de projectos e empresas”, seguem-se outros objectivos como “diagnosticar o mercado (aprofundando estudos macroeconómicos e estatísticos do sector; tornando compreensível o seu modelo de negócio e processo de criação de valor)”, criar uma “plataforma de funcionamento em rede com empresas e organismos públicos” e ainda “formar clusters”. A fechar, e depois de mais alguma“contratualização” e “maximização” nas artes e cinema, temos a referência aos contratos-programa com as três entidades públicas empresariais do sector cultural, os Teatros Nacionais D. Maria II e S. João, e a OPART (cujas “indemnizações compensatórias” no valor 29,4 milhões de euros, a título de precisão, não se encontram no orçamento do MC mas sim no do Ministério das Finanças).
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urso ção entre o disc Há uma contradi mana Hu o sã en m e a di consensual sobr za re tu ltural e a na do Património Cu restrito, ais m da ain âmbito nacional, ou de árias à ss ce anciamento ne das fontes de fin as en ap 09 20 ra P pa sua gestão. As GO anos tendência de há confirmam uma a esta parte.
texto Luiz Oosterbeek
Património Cultural
MAIS UM POUCO DO MESMO O Património Cultural não é uma necessidade vital e sim, ele próprio, uma construção cultural, que só é sentida por quem a ela se habitua. Ora o Património Cultural é, apenas, a expressão material duradoura de uma teia de relações e processos de comunicação entre os seres humanos, de natureza imaterial e, por isso, perdida para sempre. Sem uma articulação permanente com a rede global de relações entre as pessoas (que são a cultura, ou seja, o comportamento extra-somático dessas pessoas), o Património (a memória das relações passadas) não tem nenhuma utilidade social. Se a gestão do património cultural for restringida a um gueto (por exemplo um Ministério da Cultura) sem uma articulação dinâmica e permanente com o conjunto dos processos de interacção social-cultural (educação, economia, justiça, …), a percepção da importância ou do valor desse Património será diminuída e, numa sociedade democrática, isso conduzirá ao desinvestimento. Esta é, creio, a raiz de uma degradação progressiva das políticas de património cultural, pontuadas por happenings (como a decisão de salvar o património da Humanidade em Foz Côa) mas sem continuidade programática e estratégica, e que encontram nas actuais Grandes Opções do Plano para 2009 mais um exemplo, só na aparência qualitativamente distinto dos anteriores. O que agora se passa era fácil de prever, e na verdade é a reflexão sobre esta realidade que tem levado muitos profissionais da área a defender a reorganização e simplificação administrativas, o que nada tem em comum com a demissão face às responsabilidades essências do Estado que, essas, estão longe de serem assumidas (agora ou antes). Como exemplo, podemos mencionar o facto de Lisboa ser a única capital europeia que não tem uma exposição permanente da arqueologia do seu território. Como pode haver “valorização do património” se ele está escondido e não se escreve uma linha sobre a forma de o estudar e tornar conceptualmente acessível (o que não se consegue apenas com cosméticas museográficas, e exige rigor nas esferas da investigação e do ensino, sobretudo deste)? As políticas de património têm-se confundido com a discussão sobre as instituições que o gerem, num assinalável equívoco. Ocorre que a sociedade mudou, e o Estado central já não é o principal garante financeiro (embora o deva ser no plano da regulação e fiscalização) do património cultural. As verbas de investimento deveriam por isso ser canalizadas para a construção de redes de parcerias em que o Estado deveria agir apenas em casos supletivos, apoiando as autarquias e privados.
O papel do Estado Há uma contradição entre o discurso consensual sobre a dimensão Humana do Património Cultural e a natureza nacional, ou de âmbito ainda mais restrito, das fontes de financiamento necessárias à sua gestão. A palavra Património remete, directamente, para a noção de posse, de propriedade, e a gestão do Património Cultural tem-se feito muito seguindo estratégias de definição de níveis diferenciados da propriedade: pública (reservada a alguns monumentos e sítios), privada com restrições (sítios classificados e, em menor grau, os bens difusos) e privada sem restrições (a esmagadora maioria do património cultural). Ora, as balizas da responsabilidade estatal são claras, embora complexas: o Estado (nacional) deve regular a gestão do património que é da Humanidade (em termos conceptuais) e de privados (na sua maioria). Face a esta realidade, há muitos anos que o Estado se demitiu de uma função globalmente reguladora (as hesitações e incapacidade em regular a Lei de Bases são disso expressão) e tem-se refugiado na gestão (umas vezes eficiente, muitas vezes incoerente) de um punhado de sítios e monumentos (designados por “imóveis afectos”), a que se juntam, aqui e ali, alguns outros discricionariamente escolhidos por uma tutela que não tem competências, nem deve ter, na definição do seu valor relativo. Decorreria desta análise, que me parece consensual, uma estratégia que reservaria para o Estado as funções de regulador e de fiscalizador, deixando para projectos (de parceria) os investimentos de dinheiros públicos nas esferas do estudo (palavra sempre ausente das GOP), conservação, valorização e comunicação/difusão dos bens culturais (por esta ordem). Ciclicamente os governos anunciam esta estratégia, e este ano não é muito diferente, mas na prática nunca o fazem. As funções de regulação e fiscalização não conferem protagonismo mediático, e não serão animadoras para aparelhos que vivem em circuito fechado, honestamente convencidos de que são bastiões de resistência (e de que mais vale “salvar” três ou quatro coisas pelos seus próprios meios, do que “entregar” à sociedade de bárbaros os recursos públicos), e que não percebem que o mundo mudou, e Portugal também: hoje, são as autarquias e os privados que mais investem e cuidam do Património em Portugal (ou seja, do território todo, e não apenas de alguns bens “afectos”). Há vários anos que penso que esta prática dos sucessivos ministérios, que sempre foi causando atritos com autarquias, proprietários,
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de que se pode agregar valor a partir de uma base meramente material (o “património”), marcada por sítios isolados (em número limie tado e geridos essencialmente pelo próprio Ministério da Cultura) valor o Ora . território o todo de a integrad sem cuidar de uma malha é do património é indissociável da sua apropriação social difusa (que sua o que as GOP, agora como antes, não consideram), e por isso a valorização reduzida a cosméticas museográficas é, essencialmente, um gasto e não um investimento. E é na óptica de ”partilhar o gasto” que se fala de parcerias com privados, pois de outra forma haveria também uma secção, inexistente, de partilha de poder sobre esse património. Ora os privados ou financiarão a fundo perdido (pela lógião o ca do Mecenato, o que não é uma verdadeira partilha) ou financiar GOP). nas ado mencion é não isso (mas io seu patrimón Este quadro de referência, claro mas débil, prolonga-se nas magras ias tentativas de concretização das opções. Para além das referênc esentos investim os sobre palavra uma sem aos projectos em curso, ia truturantes dos sectores municipal e empresarial, a única referênc e, é à anunciada regulamentação da Lei de Bases. Significativament conde ção digitaliza a é sob o tema da difusão cultural que surgem a teúdos e recursos culturais ou a rede de arquivos (que se consider de ntos instrume os articular sem vez uma mais a!), concluíd quase digitalização com uma estratégia de conservação patrimonial, entre e outros, dos próprios arquivos. Refere-se ainda os sites dos museus consulda além ios, inventár seus dos lidade a digitalização e acessibi toria técnica, mas tudo sempre numa óptica de “difusão”, de comuniOpções, apenas, bem intencionadas que cação, que certamente é essencial mas surge desligada do resto ial. patrimon gestão de deve estruturar uma política integrada e A sociedade é sempre mais forte do que as políticas conjunturais, e ) Portugal como mesmo do que as instituições (sobretudo num país estratégias de intervenção cultural que se inscrevam numa dinâmica Vida para além das GOP para “mudar o Mundo”, como escreveu Rimbaud, serão sempre mais fortes do que poderes de ocasião. Por outro lado, o paradigma global Infeliz é, também, e mais uma vez sem novidade perante uma tradição que da nossa sociedade no início do terceiro milénio é o da qualidade, monótona e marginal, o anúncio de uma política cultural externa limi)e só se assegura através de estruturas de partenariado (de poderes tada à língua, ignorando as competências endógenas para a expordo da globalização (sem proteccionismos). Deveria ser esse o caminho tação de know-how, as parcerias internacionais, etc. Uma política esEstado (que às vezes o tenta, para logo se arrepender) e é essa a cultural baseada apenas na língua é sempre meritória, mas não difetratégia que o Museu de Arte Pré-Histórica de Mação, com o Instituto r. rencia Portugal no quadro da lusofonia, face ao Brasil em particula se Politécnico de Tomar, prossegue. O objectivo central do Museu não língua a sempre é foco o sa, portugue cultura da difusão a Mas sobre o de limita à conservação dos bens que lhe são “afectos”, mas antes e duas coisas vagas: “marcas culturais” e generalização do acesso pedagouma para e, sociedad da global melhoria uma para ir contribu e à cultura. Na questão das marcas articula-se património, artes a. gia da diferença cultural e para um crescimento global da economi do s projecto de sítios alguns a reduz-se io turismo, mas o patrimón Para isso, o Museu começou por elaborar um programa (em 2001) o Igespar, para apoio a esse desiderato. E quando se fala de circulaçã da controle o r assegura (para te ionalmen internac que foi discutido e acervos cinema “artes, nele inclui-se móvel cultural io patrimón do sua qualidade) e é escrutinado por entidades externas todos os anos. museológicos”, o que é no mínimo curioso. Conquistou primeiro o apoio da população local, com a qual discutiu Apesar destas notas negativas, confesso que encaro o quadro geral de e culturas de encontro de espaço uma estratégia de museu global, nos com optimismo. Há pessoas bem intencionadas e competentes , da debate. Nessa base, tem merecido apoios da Comissão Europeia será cada vez Cultural io Patrimón do gestão a e os, organism diversos UNESCO e, mais tarde, também do Ministério da Cultura. Tem, hoje, mais assumida fora do quadro do Estado. Estamos hoje, sem dúvida, em um modelo de gestão em que intervêm empresas privadas, e irá vida melhor do que há dez anos, apesar dos desinvestimentos. Há breve formalizar um conselho empresarial. os ajudará que Europeu espaço num estamos e GOP, das além para mas As Grandes Opções do Plano para 2009 são bem intencionadas, . território no inscritos e fortes s projecto um apresentam-se como o contrário desta dinâmica já que definem quadro programático claro e o instrumento para o atingir: trata-se na de centrar a gestão da cultura (que é o que o Estado pode fazer) do Museu de Arte Pré“ins, parceria de Professor Coordenador do Instituto Politécnico de Tomar, Director cimento estabele ao do recorren sua “valorização”, do Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas membro e Mação, de -Histórica clusive público-privadas”. Esta opção é coerente com o que tem vindo (UNESCO) a ser a evolução das políticas de património há vários anos: a noção
reinvestigadores, etc., levaria a decrescentes investimentos. É uma a de manifest se nós entre que mas sa, Portugue apenas não alidade veis forma mais brutal. Na ausência de uma capacidade dos responsá s projecto para aliados ar conquist da gestão dos bens culturais em custos), os apenas não (e poder o partilhem ente em que efectivam e os diferentes sectores da sociedade ir-se-iam alheando da tutela, isogestão, má corroendo a sua viabilidade financeira. A por vezes lacionista e sectária, de alguns dos ditos “imóveis afectos”, agravou de a falta de apoio social para os reforços orçamentais em matéria de global quadro num que, explica que isso é E cultural. io patrimón mais sejam io desinvestimento em cultura, as verbas para o patrimón afectadas que as que se destinam às artes (que concitam o envolvimento de públicos em processos interactivos, que são os espectáculos). eleNa verdade, o Património não é algo inocente. Ele intervém como mento aglutinador dos grupos sociais, e é na valorização da dinâmica sua desses grupos que se pode encontrar os necessários apoios à pouco, muito a reduz-se ele o, dimensã desta Fora gestão integrada. sobretudo quando serve, como muitas vezes tem servido, para cimenios tar distâncias sociais de elites paroquiais. O facto de os Ministér cuipara passado século do da Cultura, criados na segunda metade dar sobretudo do Património, serem hoje absorvidos sobretudo pelas ial. artes, é a demonstração da falência das políticas de gestão patrimon
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DIAS DO JUÍZO
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texto Cristina Leonardo
Educação Artística e Ensino Artístico
PARA QUANDO UMA PARCERIA COM O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO? Uma leitura mais atenta dos quadros incluídos nas Grandes Opções do Plano (GOP) evidencia que, no orçamento previsto para 2009, verificamos que na sua maioria as intenções não têm sequer viabilidade financeira visto o maior peso de despesas previstas estar associado aos gastos com o pessoal e com as aquisições de bens destinados à requalificação e recuperação do património arquitectónico, histórico, artístico e cultural. Colocam-se, portanto, as seguintes questões: Como favorece esta instituição o envolvimento de cada vez mais pessoas nas diferentes áreas e dimensões das práticas culturais? De que modo este órgão do estado impulsiona os dispositivos de cooperação entre as áreas da educação, do ensino superior, da ciência, da inovação, do turismo, do trabalho e da cultura? Quais são as oportunidades que este sector oferece às escolas e à comunidade visando a área da educação artística? Num momento em que os estudos apontam ainda para um baixo índice de consumo de bens culturais, é preciso repensar a vida cultural do país e integrar a arte e a cultura no quotidiano das comunidades, tornando-a uma componente fundamental para a sociedade. Porque uma das competências do Estado é a concepção de modelos de sustentabilidade e de qualificação deste eixo, elaborando um plano estratégico, dotado de mecanismos de apoio ajustados ao desenvolvimento de uma educação artística de qualidade através do incremento de um programa transversal a todos os Ministérios, visando as vertentes da sensibilização, do convívio e do contacto com as artes – mais abrangente do que o simples complemento pedagógico aos programas curriculares – e encarando esta função como um encargo natural, a par da Defesa, da Saúde ou do Trabalho. Porque há muito se invoca a indispensabilidade de envolver os artistas da comunidade e as instituições culturais no processo educativo, criando vínculos entre as escolas e estes actores, qualificando as práticas educativas e promovendo o conceito da missão da escola como instituição cultural. Mas, afinal, como está este aspecto contemplado no plano de acção do Ministério da Cultura? Por acaso este Ministério já procurou articular com o Ministério da Educação no sentido de negociar os modelos de inclusão de artistas nas escolas? Será que já foi pensada a definição de perfis para novos agentes educativos? E, já agora, de que modo tem defendido a participação dos artistas nos programas de formação inicial e contínua de professores? Não é suficiente realizar propostas de intenções quando não há uma verdadeira política cultural, realista e transparente, dotada de recursos humanos e financeiros.
Por isso, não basta afirmar que se pretende qualificar os serviços educativos dos equipamentos culturais quando não existe uma estratégia de divulgação e de comunicação, quando não há acesso gratuito – ou simbólico – para as crianças e para os jovens, nem quando ainda é assimétrica – em termos geográficos e em termos de qualidade – a oferta de programas educativos. É preciso investir em acções de mediação cultural e na regular colaboração entre o sistema cultural e o sistema educativo, dado que estas são as ferramentas imprescindíveis para o desenvolvimento pessoal e social, para a captação de novos públicos e para a consolidação de uma cidadania mais sólida e interventiva. Nesse sentido, o aprofundamento da cooperação institucional nos domínios da educação, das artes e da cultura é uma exigência que, certamente, contribuirá, a médio e a longo prazo, para os níveis de qualificação dos portugueses e que deve ser o cerne das prioridades do Estado. Assim, e num momento em que o Ministério da Cultura tanto invoca o valor das parcerias, é preciso realizar um trabalho neste domínio, definindo, de forma clara e precisa, os direitos e os deveres dos parceiros, para que não existam “arestas” que impeçam o bom funcionamento destes dispositivos, como já aconteceu com o Programa de Promoção de Projectos Educativos na área da Cultura (Despacho Conjunto nº 834/2005, de 05/11/04, dos Ministério da Educação e da Cultura), o qual falhou, entre outras razões, por não terem sido estabelecidas, à partida, as responsabilidades de cada uma das partes, designadamente a nível financeiro. Portanto, muito mais do que uma declaração de “boas intenções”, e ao invés da fragmentação e proliferação de projectos e acções avulsas incapazes de actuar sobre a sociedade portuguesa e de responder às reais necessidades da modernidade, o actual desafio do Estado para a cultura é a concepção de modelos de sustentabilidade das políticas culturais, coerentes e consistentes, que concorram para a mudança da realidade nacional e assegurem a viabilização de todos os eixos consignados no programa do governo.
Cristina Leonardo é Mestre em Estudos de Teatro pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Tem desenvolvido actividade de investigação nas seguintes áreas: Teatro e Expressão Dramática; Educação Cultural; Lusofonia; Literatura Comparada; Criatividade e Inovação. Tem desempenhado diferentes funções no domínio da Educação na qualidade de formadora e de consultora. Autora de diversas comunicações em conferências e em congressos nacionais e internacionais e de artigos em livros de actas e artigos em revistas nacionais e internacionais.
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CINEMA E AUDIOVISUAIS texto Sérgio Treffaut
1. Ministério da Cultura O apoio ao Cinema e ao Audiovisual, que até há dois anos estava concentrado no Instituto do Cinema e Audivisual (ICA) deixou de o estar com a criação de uma entidade paralela, o Fundo de Investimento para o Cinema e Audivisual, dotada de um financi amento muito importante (com mais de 50% provenientes do Estado). Se o funcionamento do Instituto de Cinema - ao longo do tempo foi mudando de designação: ICA-ICAM-IPACA-IPC -, sempr e deixou muito a desejar (por falta de uma liderança com saber digerido, projectos para a área, e carisma), pelo menos a gestão medíocre não relevava do escândalo instituído. Com a criação da segunda entidade, o FICA, um falso fundo de financiamento privado, com uma falsa lógica de funcion amento bancária (o Fundo é gerido pelo BES), a situação de correcção deteriorou-se gravemente. Segundo a apresentação pública feita pela ex-ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, e pelo actual Ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, a lógica do fundo seria a de promover o tecido industr ial e deveria funcionar em moldes totalmente diferentes do ICA, que teoricamente se dedica à “arte cinematográfica”. Ora, os dois ministros, tal como a maior parte das pessoas que escreveram os textos, deveriam saber que não há indústr ia possível no cinema e no audiovisual português. As únicas actividades que correspondem aproximadamente a este princípio “industrial” são a produção de publicidade e a produção de séries televisivas. Todo o resto releva da arte ou do artesanato de pequen a escala e, neste momento, à beira da extinção. O que se assiste desde que o FICA começou a atribui r apoios com previsão de retorno financeiro é a uma lógica de burla da própria entidade na apresentação de todos os projectos, com hipócrita aprovação por parte dessa mesma entidade. Desde quando as produções para a televisão portuguesa, por exemplo - que deveriam receber 50% dos apoios a projectos apresentados ao FICA -, tem alguma possibilidade de restituir os financiamento s? O FICA é evidentemente uma farsa, um projecto concebido por idiotas ou por pessoas desonestas. Não é o cinema português que beneficia de uma lógica de escandalosa mentira, nem são os audiovi suais. A imediata reformulação do FICA, que gere fundos enorm es, deveria ser uma prioridade do Governo para a área do Cinema , tal como a criação de uma política inteligente de desenvolvime nto para o sector que, bem ditas as coisas, nunca existiu. Encontrar soluções concertadas para reconciliar o cinema nacional com o público (outra prioridade que não está escrita no programa de Estado) passa naturalmente por uma política de investimento na qualidade cinematográfica e por um entend imento entre as entidades que tutelam a produção de cinema, as televisões e o Ministério da Educação.
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O program a do actu al Govern e para os o para o ci audiovisu nema ais é inex campo, o istente. N Governo é este como um de diagno médico in sticar e p capaz ropor tra patologia tamentos s de um co para as rpo cuja d três minis oença pass térios dis a por tintos: o d Assuntos a Cultura Parlamen , o dos ta res e o da O futuro d Educação o cinema . e dos aud Portugal (o iovisuais u a tentati em va de mel as actuais horamento doenças) para está clara de uma p mente dep lataforma endente en tre estes de uma sa ministéri udável re os ou formulaçã de compet o da distr ências. ibuição
2. Ministério dos Assuntos Parlamentares Ironicamente, depende do Ministério dos Assuntos Parlamentares (ou seja indirectamente do Primeiro Ministro) a tutela da televisão Pública e a regulação das televisões privadas. Ora é um facto que os dois canais públicos da televi são portuguesa (RTP 1 e RTP 2) têm uma política de produção e exibição de cinema (ficção e documentários) claramente desfasada da realidade europeia. Ao contrário do que acontece na maioria dos países europeus, onde as televisões representam o principal motor do financiamento da ficção cinematográfica e do docum entário, em Portugal a participação financeira dos canais públicos na produção nacional é insignificante. A esta falta de participação financeira corresponde uma ausência de janelas de exibiç ão (tanto de filmes portugueses como internacionais) e a não promo ção de uma cultura cinematográfica. Por outro lado, os canais privados (TVI e SIC) porque não são, como em outros países europeus, devidamente regulados pelo Estado competem numa produção crescente de entretenimento populista e tele-lixo. A televisão pública imitaos sem grande pudor. Toda esta situação é extremamente grave para a saúde mental dos portugueses, mas nada disso faz parte do programa ou da previsão de orçamento do governo. Ou seja: o governo aprova e está satisfeito com o funcionamento lamentável das televisões. 3. Ministério da Educação Passa por este Ministério a administração e supervisão do ensino do cinema e audiovisuais. Apesar da existê ncia, há várias décadas, de uma Escola de Cinema de Estado e de dezenas de cursos apoiados pelo Governo, os alunos que saem de todas essas escolas são visivelmente mal formados. As escolas portuguesas de cinema não servem de referência para nenhu m estudante do resto do mundo. E não é por Portugal ser um país pequeno. Há países pequenos com grandes escolas : Dinam arca, República Checa, Bélgica, etc. Se se pretende que Portu gal venha a ter um Cinema de referência é preciso também reform ular esta área do ensino, não apenas no ensino superior, mas possivelmente desde o ensino básico e secundário. Sérgio Treffaut é realizador de cinema e dirige
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Que significa do podem ad quirir as prioridades de finidas pelo M inistério da Cultura nu m contexto ec onómico imprevisível como aquele que estamos atravessar? E a que identidad e nacional se está a constr uir com base na língua, no património e nas indústrias criativas? São muitas as dúvidas lanç adas pelas Grandes Opçõ es do Plano pa ra 2009.
POLÍTICA CULTURAL PORTUGUESA NA ERA DA GLOBALIZ AÇÃO texto Luís Serpa
Nos três eixos prioritários da acção do Minist ério da Cultura (MC) são identificados a Língua, o Património e as Artes e as Industrias Criativas e Culturais. Embora me pudesse pronunciar longamente sobre cada um deles direi apenas: que a Língua é para o Ministério essencial para a afirmação da identidade portuguesa mas duvido que o argumento mais forte das “novas geografias cosmopolitas” seja o idioma que falamos. Pelo contrário, a afirmação de uma “nova” cultura identitária para um território e a sua projec ção “além fronteiras” passa mais pela afirmação de um projec to transcultural (e, portanto, “mestiço”) do que pela perpetuação de uma língua como elo de união dos habitantes que povoam (povoaram) esse território. Este teor (rectro)acti vo apresentado como argumento para definir uma “ident idade” nacional carece hoje de fundamento face ao avanço da globalização e à perda de energia do conceito internaciona lista utilizado ainda pelas teorias pós-coloniais dos anos oitent a que, paradoxalmente, serviram as grandes dicotomias ideológicas (o marxismo e o capitalismo tardio). Falar-português ou tentar que mais pesso as em todo o mundo sejam falantes-de-português não é exactamente a mesma coisa! Com a quebra das fronteiras e questionado o estado-nação, o sistema que pode definir uma política cultural contemporânea pró-activa e, portan to de sucesso, e assente no “espírito-do-tempo”, só pode ser aquela que incorpore mecanismos de comunicação globa is capazes de se afirmarem através da (sua) pertinência intern acional. É certo que o espírito modernista ignorou a tradição e que a euforia pós-moderna fez dela o deleite de muitos pensa dores e criadores; mas passado o momento do colorido período no final do século vinte, a realidade conduz-nos a uma consciencia-
lização de que a história serve para progredirmos e não para celebrarmos melancolicamente momentos em que fomos líderes de opinião ou em que conseguimos difundir um ideário nacional baseado numa iconografia celebratória de feitos conseguidos por aventureiros de ética duvidosa, caucionados por governantes que legitimavam a pirataria que grassava nos mares a qual incentivavam com meios dissimulados e muito pouco transparentes. “Promover a eficácia cultural” (sic) passa mais por um plano estratégico concertado, pertinente e internacionalmente atractivo para quem consome produtos culturais de origem portuguesa (e não portugueses, uma falácia secular que tem perdurado no léxico da promoção turística do país), do que pelo controlo das despesas correntes. Fica bem afirmá-lo mas sabemos que é um elemento de retórica utilizado pelos políticos que só a eles convence pois o discurso racionalista aristotélico está cheio de premissas falsas que Zenão soube aproveitar para os “discursos dos tribunos” e, portanto da dialética-do-convencimento; mas que dificilmente será utilizado por aqueles outros que preferem a dialética hegeleniana e, portanto, do prazer da discussão enquanto modelo puramente argumentativo e especulativo. Elementos de identificação Por outro lado, aquilo que hoje pode, então, constituir-se como elemento aglutinador dos habitantes desse território (a que por comodidade de linguagem ainda chamamos Portugal) é a percepção do espaço construído em que habitamos, que nos rodeia e que praticamos. E, nesse sentido, o Património (utilizado quiçá num sentido mais amplo do
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que aquele que consta no documento utilizado pelo Governo), é um espaço cuja percepção se torna fundamental para despertar o “espírito-do-lugar” permitindo, assim, identificarmo-nos com ele: usufruindo-o, consumindo-o, praticando-o. Deste modo, a sua preservação faz sentido se equivaler à necessidade de ultrapassar a distorção da “monumentalização heróica” e, portanto, da violência como factor de hegemonização, invocando simplesmente a história. Dizer que a sua recuperação, manutenção e actualização serão primordiais para ultrapassar o conceito da renovação ou regeneração urbana (no caso do património edificado) é um modelo ainda tímido para o modelo que se lhe segue: da (sua) revitalização. Esta é a chave do desenvolvimento sustentado em que modelos inovadores permitirão o aproveitamento do património acumulado que as gerações vindouras apreciarão, esgotadas que estarão as elegias de muitos “memoriais, monumentos, arcos triunfais, obeliscos, colunas e estátuas” que se refiram ao passado heróico da era das descobertas e/ou das suas consequentes conquistas. O Estado tem tendência para se afirmar através de uma “identidade nacional” razão pela qual a Cultura tem sido utilizada para perpetuar a autoridade unificadora; mas o que realmente deve unir as distintas culturas é a sua diversidade. É no seu confronto que avançamos. A “regra-geral” é boa para os cientistas e matemáticos. É a esses que serve a norma, a lei universal. Para os homens-da-cultura, a confrontação é o drive force da criatividade, dos projectos inovadores e da competitividade. Nesse sentido, é correcto apresentar os direitos de autor como uma meta a atingir num futuro próximo de modo e premiar os talentos e os (novos) conteúdos para os (novos) meios de comunicação;
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mas ao afirmar-se o apoio “às Artes e as Industrias Criativas e Culturais” (sic) revela uma má utilização do léxico aplicado à Cultura pois perpetuam-se as “belas-artes” (conceito romântico da separação do trabalho manual do trabalho intelectual provocado pelos efeitos da segunda revolução industrial do final do século XIX), termo que ainda deriva do conceito do “humanismo cívico” inglês do século XVII praticado por gentlemen para os quais o deleite e criação do “belo” era incompatível com a prática e produção dos objectos do quotidiano. As Indústrias Criativas podem ser um passo importante na evolução e adaptação da produção cultural no âmbito do mercado único. Uma Política Cultural Integrada pode confrontar regiões ou cidades e potenciar o aparecimento de uma (nova) Cidade Emergente e Cosmopolita capaz de albergar agentes culturais e económicos que, conjugando esforços, implementem sinergias capazes de potenciar a internacionalização da produção cultural. As Indústrias Criativas [Arquitectura, Mercado Artes Visuais & Antiguidades, Audiovisuais, Televisão & Rádio, Artes Performativas & Entretenimento, Cinema & Vídeo, Design, Gráfico & Produto, Escrita & Publicação, Moda, Música, Software Educacional & Lazer, Publicidade e Gastronomia], necessitam de mecanismos e instrumentos que contribuam para o seu desenvolvimento; mas a articulação entre o poder público tarda em chegar: “Cultura”, “Economia” e “Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional” são Ministérios que devem articular um discurso eficaz e implementar uma estratégia comum. Sem essa articulação, duvido que o crescimento cultural, económico, ambiental e, consequentemente, social seja uma realidade a curto prazo.
*Luís Serpa desenvolveu um modelo de Galeria de Arte (Galeria CÓMICOS_LUÍS SERPA Projectos) que é considerado um “case-study”, pelo facto de conjugar sistematicamente projectos interdisciplinares incluindo pintura, escultura, desenho, instalação, fotografia e vídeo, design e arquitectura. Através d’O MUSEU TEMPORÁRIO, um projecto de engenharia cultural, Luís Serpa assume-se como um Gestor de Projectos Culturais (Programador), exercendo as funções de Curadoria, Relações Públicas e Planeamento Estratégico para Instituições e Empresas em programas de arte contemporânea, corporate identidy e indústrias criativas.
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TURA L U C A D A I ECONOM romete de novo o O que nos p ultura: c a a r a p 9 0 OE 20 sta texto Pedro Co ? ia m o n o ec
Seja na enun ciação dos pr incípios estrat seja nos obje égicos, ctivos definid os, no plano organizacion al e orçamen tal, seja nas m anunciadas, edidas uma nova atitu de no discurso Ministério da do Cultura pare ce estar final surgir, valori mente a zando a compo nente económ dimensão de ica e a criação de va lor, riqueza e que estas activ emprego idades també m têm. Com o Orçamento de novo Estado para 2009, é tempo fazermos um de primeiro bala nço, ex-ante, que nos pare daquilo ce mais prom etedor e mais metedor nas comproopções polític as e financeiras MC apresent do adas para o pr óximo ano.
financeiros aumento de recursos sem haver um visível haja uma que ito mu por ores rvenção, disponíveis para a inte Alguns sinais prometed s lógirecursos face às actuai ior racionalização de ma e us orra a tab rec se dos e diversos sectores claramente a queda cas de intervenção nos O sinal mais positivo é Ou iviga? act o che o com iss ais que tur ividades cul amento, será novas fontes de financi a assunção clara das act s Ma … am s? for trá pre a par sem r são e que ão de fica há prioridades que ter dades económicas que ção dos ialmente grau de contratualiza ior que isto não seja essenc o ma ant um ent de no -se ícia era not A esp a ític a fundo pol e ios tad particular os apo o uma efectiva von apoios concedidos (em retórica e que havend am estabesig do con a se o que com , positiva, bem atitude no MC perdido…) é também de assumir esta nova (intratoso log con diá dos ao s no tor ulo tác em ceis obs de regras claras nto ime lec vencer os muitos e difí os ias do mit sar os des públicas empre ao ministério) e os fals grama com as entida pro terna e externamente tua… tra giu eri con a ia em atenção que ess nto cultura/econom sector. Mas há que ter que o enganador confro ais de tur nto cul s ime ivo end ect ent obj em conta os e que este lização seja feita tendo E espera-se igualment os s éri ade crit ivid e act os ism bém can tam me os turais são ão na sua base e que est que que as actividades cul a áci sim efic a a pur cretizada garantam de argumento para a avés do qual seja con atr económicas não sirva a um rca nas me do ape objectivos e não ividades na esfera da prossecução desses ples entrada destas act é ad, e rio ica trá con nóm o eco pel , cia sciência que to da eficiên melhoria a todo o cus do… É necessário ter con r a actuação pública sotra cessos. cen a pro ar tes tinu des a con e ativ ministr important parcee onde na cio fun não do rca público-privado e de me eo assunção de parcerias A bretudo naquelas ond de um ção mo bem como a pro ões de funcionar… rias interministeriais, não tem sequer condiç ições ção titu fixa a ins ora com ted to bém prome em rede, tan maior funcionamento Neste quadro, será tam ece rias par úst as, Ind e vad pri tes o “Ar o com ) and eis conjug licas (aos diversos nív púb de um eixo prioritário m acalé a da par ão princípio de base, Faz sentido a articulaç almente ser um bom igu Criativas e Culturais”. rto nsape tra de o and dro imperativo no qua de prioridades olh de ser igualmente um tuação e uma definição ividades criativas (nas act as ers . div as ado a ific par financeiro ver versalmente nto dess criatiir que o desenvolvime culturais, nas “indústria no entanto que garant Há artes, nas indústrias io de se apo o am o a funcionarem precis icas transversais, com tas parcerias (que par vas”), em torno de lóg à nte , lme ção ura ma for nat à – , o dos interesses tividade, à criação centrar na conjugaçã ao surgimento da cria e duent tra se am pri não pro …), ais ros tur ersos parcei serviços cul diferenciados – dos div produção dos bens e arda acsão de informação, à princípios e objectivos difu à dos , r ica ção mo abd no pro ca sua nun zam ditos, à rlar do inte à ticu , moção de contactos orta manter e em par tuação pública que imp ticulação em rede e pro s tido, eito sen dir sse dos Ne visam defender. ação, à discussão interesse colectivo que nacionalização e divulg de da am e for ial o soc com ão ) s… lus inc vistas (apena moção da não podem ser nunca de propriedade, à pro senar, mas e ent ent lem alm sup igu o Faz ent . am etc financi a arte, obtenção de fontes de participação cívica pel icas de o de objecde instrumentos e de lóg rtunidade de conjugaçã s opo tipo a os um o nov inir com es def ant tido o, risc de idades que ital ent e outros agentes nciado fundo de cap tivos específicos com actuação (como o anu s... torno de afio em des os os orç nov es esf os e juntar er face a est possam ser mobilizad por exemplo), para faz difícil ece par e s, ovo sem eletes objectivos comuns… Mas não se fazem om áreas rvenção em termos das inte de e bas a r rga ala rcadas tipos de intervenção aba que são apoiadas e dos
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Alguns sinais preocupan
tes
Assiste-se à redução (mais uma…!) da dotaçã o orçamental global para o sector. 0,1% do PIB e 0,3% das despesas da Adminis tração Central é efectiv amente muito pouco... Significa um novo retrocesso (vo ltando a níveis da década de 80, bem inferiores aos já atingidos, por exemplo, no início dos anos 90…) e uma distância enorme em relação aos nossos parceiros da União Europeia. E se isto se passa em ano de eleiçõ es e de esgotamento (ainda) de fundos do Quadro Com uni tário anterior, será que são de esperar crescimento s futuros? Note-se que toda a retórica acerca da ass unção do valor económico da cul tura e todas as polític as nesse sentido não dispensam (antes pelo contrário) um a intervenção pública for te, nos domínios tradic ionais da política cultural, e tam bém em novos domínio s… Faria sentido um crescimento e não um decréscimo da dotação orçamental para faz er face a esse alargame nto de base da política…
Algumas questões em
aberto
Como é que a actuaç ão e a estratégia aqu i definidas se conseguirão articu lar da melhor forma com outros instrumentos de financi amento dos agentes cul turais, e em particular com o QREN (Quadro de Ref erência Estratégico Nacional)? Agora sem um Progra ma Operacional específico par a a Cultura como ser á possível garantir a capaci dade dos agentes cul turais e das instituições respon sáveis pela cultura ger arem (e ganharem…) candidatu ras, em concorrência aberta com empresas, institu ições e projectos de todas as outras áreas económica s? O que pode ser feito, e qual a capacidade institucio nal e política do min isté rio e dos restantes actores do sector, para garant ir essa eficácia, assegurando as especificidades do sector? O que significa a pas sagem, assumida nes te OE, do compromisso com as indemnizações compen satórias relativas às Entidades Públicas Empresariais do Para além disso, o pes Ministério da Cultura (D. o predominante da “es Maria II, S. João, OPAR trutura” T) para e da “máquina” do min o Ministério das Finanç as e da Administração istério e dos seus ser Pública? viços no montante global é nov Reflecte apenas uma ginástica orçamental amente um factor de pon pre tual ou ocu pação. O seu peso orçam traduzir-se-á num nov ental continua a ser dom o quadro de relaciona mento (e inante, não obstante as reduçõ de assunção de compro missos) com a tutela? es significativas verific adas (e por muito que seja difí Como ultrapassar um cil o corte em termos a recorrente definição das despeconjunsas correntes e de fun tural, ou quase casuís cionamento em algum tica , de prioridades, que as áre por as) . Será no entanto um asp vezes parece emergir (neste e noutros orçam ecto fulcral que import entos). a continuar a prosseguir, Os projectos que efectiv de forma a salvaguar amente são assumido dar, num s em dicontexto de debilidade versas áreas (equipam orçamental, recursos ent os, património, etc.), dec par a faz orer face aos objectivos pri rem de uma estratégi mordiais de política, que a geral bem definida ou and dev am em eles próprios passar, ao sabor de prioridad como se subentende aliá es conjunturais, associ s da esadas à tratégia anunciada, por pressão de determina dos compromissos pol um desejável increm íticos asent o da actuação no intangível sumidos em cada mome e no imaterial, que sej nto (p.e., a disponibiliza a efectivação de mente reprodutível par recursos para os munic a o agentes do sector ípio s do Oeste e da Lezíria cul tur , na al. Por fim, a grande dep sequência da “deslocal endência do aumento ização” do aeroporto, dos invesa capital timentos previstos (de da cultura, a disponibil spesas de capital, em idade de fundos no QR particular EN para no campo do patrimóni certas regiões em det rimento de outras, etc o ou de alguns equipa .)? me nto s) dos financiamentos Como conseguir increm comunitários, e, em entar a articulação da act particular uação neste ano, da conclusão do MC com outras polític de projectos ainda pre as e áreas de acção (ed vistos no ucação, PO Cultura do anterior turismo, internacional ização, inovação, integra Quadro Comunitário de Apoio, é ção sotambém um factor que cial,…), que cada vez se torna mais necessári provoca alguma preocu a paç e cruão… A manutenção e susten cial? Para além da ret órica da importância eco tabilidade destes flux os de innómica vestimento parece ass destas actividades, com im bastante comprome o se faz na prática o diá tida para logo ino futuro, o que pode terministerial e inter-in ser significativo tendo stitucional que permit em a que ela conta que é este aumento oco rra ? Já se fala de alguns projec conjuntural de invest tos de articulação imento que sustém uma queda ain concreta nesta propos ta, mas como generalizá da maior do orçament -los, e o disponível para o próxim sob retudo, como gerar um o ano. a cultura de diálogo e colaboração ente os div ersos ministérios e org anismos (e com as autarquias locais, que crescenteme nte assumem o papel de ma iores investidores púb licos na área da cultura no paí s)? Pedro Costa é economis ta, sendo responsável pelo projecto Dinâmia/ISCTE, Lisboa, em articulação actualmente a cooorden com Câmara Municipal ar o prgrama Estratégias de Lisboa. para a Cult
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OPINIÃO
CAMAROTE PAR André Dourado
O MUSEU(P)INHO DOS COCHES UMA HISTÓRIA
Era uma vez um Museu em Belém. Com mais de cem anos, fundado pela última Rainha de Portugal, era um dos mais visitados do país, para muitos o melhor do mundo no seu género, um verdadeiro caso de sucesso num país não muito habituado a ele. Um dia resolveram mudá-lo e morreu. A primeira parte desta história, certamente não de encantar, pode contar-se de outra maneira, igualmente triste, e para o fazer não é preciso recuar muito no tempo. No passado dia 4 de Outubro, nos jardins do Palácio de Belém, na inauguração da exposição presidencial comemorativa do dia 5, não foram poucos os que repararam nas muitas telhas descaídas na cobertura do Museu Nacional dos Coches. Tendo tido obras há poucos anos, não é difícil perceber que se poupou num elemento fundamental em matéria de telhados, a sua fixação, e que o resultado disso se chama infiltração. Presume-se que se chovesse em cima dos coches já o sabíamos, mas a alternativa não é menos assustadora: chama-se danos estruturais. Se um proprietário privado pode ser pelintra ou poupado, o Estado não o deve ser com o seu património histórico, sobretudo quando este gera receitas para ser bem mantido. Mas mais grave do que isto é quando os representantes do Estado agem como se o património de todos fosse seu, ignorando a opinião dos especialistas e dos organismos técnicos, neste caso raramente unânime: é o que se passa com o projecto do novo Museu dos Coches, que tem o Ministro da Economia Manuel Pinho como condu(ca)tor e o Ministro da Cultura Pinto Ribeiro como atrelado.
A primeira vez, que me lembre, que se falou na possibilidade de ampliação do Museu dos Coches, foi no tempo de Pedro Santana Lopes, tendo a ideia ficado por aí no meio de um programa de intervenções mais necessárias em outros museus portugueses, e investimentos de monta como o Centro Cultural de Belém. Mais tarde, em Julho de 1998 anunciou-se a mudança do Museu dos Coches para possibilitar a instalação no seu espaço, no ano 2000, daquele que era apresentado como “o mais antigo picadeiro barroco do mundo: o Picadeiro Real.” O museu era transferido para as antigas Oficinas Gerais de Material de Engenharia do Exército (OGME), o que se fazia “para dotar a Escola Portuguesa de Arte Equestre de um recinto para espectáculos de gala, digno do seu excepcional nível”, e permitir a reabilitação das antigas Cavalariças Reais. A comissão coordenadora do projecto era presidida por Rui Vilar, Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, e integrava representantes dos ministérios da Cultura e da Agricultura e da Câmara Municipal de Lisboa. Este projecto foi fortemente incentivado pela Agricultura, que via nele uma forma de divulgar e valorizar o cavalo lusitano e aumentar a sua exportação, mas passado algum tempo caiu no esquecimento. Em 2006 a ideia volta à superfície mas, desta vez, tendo o novo Museu dos Coches como centro (“projecto-âncora”) de um plano pomposamente baptizado como Belém Redescoberta, anunciado como criando uma “nova centralidade turística em Lisboa”, caso flagrante de re-invenção da roda atendendo a que Belém é desde há muito, como atestam os números de entrada nos seus vários equipamentos culturais e a frequência da restauração e das suas áreas verdes, o verdadeiro centro turístico da cidade. Os termos em que todo o programa foi descrito na apresentação pública são eloquentes. O projecto é “multi-departamental” e envolve as valências (sic) de diversos Ministérios, designadamente do Ministério da Economia e da Inovação, do Ministério da Cultura, do Ministério da Defesa Nacional, do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, em concertação com a Câmara Municipal de Lisboa e a Associação Turismo de Lisboa. “O novo edifício do Museu dos Coches irá albergar a totalidade da colecção, única no mundo, o que representa uma vantagem relativamente às actuais instalações, que apenas comportam 60% das peças. As restantes, no total de 73 viaturas dos séculos XVIII a XX, que se encontram actualmente em Vila Viçosa, serão então transferidas para Lisboa.[...] A instalação do museu no novo edifício vai permitir a recuperação do antigo Picadeiro Real, devolvendo-o à sua função original, para receber exibições da Escola Portuguesa de Arte Equestre e promover o cavalo lusitano. [...] As alterações reflectem uma oferta museológica ímpar no mundo que conjuga o antigo e o moderno. Desta forma, a zona passa a associar o Museu dos Coches [...] com o novo Museu Berardo de Arte Moderna e Contemporânea, um comodato de 863 peças [...]. O programa agora apresentado prevê ainda a requalificação do espaço público de Belém, criando uma identidade própria, com sinalização uniformizada, que identifique de forma correcta e coerente os vários equipamentos culturais e turísticos desta zona [...]. A atracção de restaurantes de gastronomia sofisticada, bem
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como de lojas de alimentação, vinhos e produtos gastronómicos, para além de espaços trendy, como pequenas galerias, bares, livrarias, ou boutiques especializadas está também prevista neste plano. Outra iniciativa do Belém Redescoberta passa pela iluminação da orla fluvial, que vai tornar inesquecíveis os jantares-cruzeiro no Tejo a partir de Belém [...] A utilização permanente de cenários vizinhos para exposições, tais como a Cordoaria Nacional, o Museu de Arte Antiga, o Museu da Electricidade e o futuro Centro Cultural do Oriente, é considerada neste projecto. [...] A oferta turística e cultural pode vir a ser complementada por um programa permanente de animação, que sublinhe as características românticas de Belém, designadamente passeios de charrete e o célebre render da guarda do Palácio de Belém. [...] Este mix vai servir de ponto de partida para um programa de marketing internacional dedicado a esta zona da cidade(...)” Se aqui transcrevo este “mix”, certamente trendy, que entre passeios parolos de charrete e jantares fluviais à luz da EDP e uma confusão com Buckingham nos deixa quase enjoados, é para que se perceba, nas suas próprias palavras, quais são as bases do projecto. O principal museu português, o Museu Nacional de Arte Antiga, “é um cenário vizinho para exposições”, e da associação entre o Museu dos Coches e a colecção Berardo nasce “uma oferta museológica ímpar no mundo que conjuga o antigo e o moderno” (viajado, o autor do texto!). O Palácio de Vila Viçosa perde as suas carruagens, boa parte das quais de caça - motivo pelo qual os monarcas da Casa de Bragança se lhe mantiveram fiéis – fazendo tanto sentido mostrá-las todas em Lisboa como colocar o “coche dos Oceanos” da Embaixada de D. João V ao Papa no meio da Tapada daquele palácio alentejano. Os problemas, esses, são ignorados: as antigas OGME (que deviam ter começado a ser destruídas em Setembro) albergam a melhor biblioteca de arqueologia do país, o arquivo corrente e histórico da arqueologia portuguesa, os laboratórios e as colecções de paleoecologia e de arqueociências, bem como o espólio náutico e subaquático do IGESPAR, sem que lhes tenham encontrado um destino; a utilização intensiva do Picadeiro por animais pode colocar em causa a conservação da sua decoração interior e, last but not least, não parece credível que o Presidente da República aceite passar a ter cavalariças activas no Palácio de Belém (algo me diz que ainda ninguém se lembrou de lho perguntar). Entretanto o projecto parece ter passado a fazer parte do programa das comemorações do Centenário da República, o que até permite uma refundação que faça ombrear o seu actual promotor com a rainha D. Amélia (que era alta, muito alta). Ao contrário do que alguns possam pensar, esta não é uma guerra de velhos do Restelo, por uma vez bem localizados, com os partidários da cidade moderna: não é a qualidade do projecto arquitectónico de Paulo Mendes da Rocha (na imagem) que está em causa, mas sim a pertinência do programa que lhe serve de base. De resto, e como com o Parque Mayer in illo tempore, trazer um arquitecto estrangeiro, recente Prémio Pritker, não legitima por si só uma intervenção urbana e cultural, além de que “o barroquismo excessivo [...] confuso” que este viu no actual Museu é, para muitos, o seu principal atractivo.
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Podia-se até pensar, com conta, peso e medida, em passar as carruagens menos importantes para o outro lado da rua, recuperando parte dos edifícios existentes com uma intervenção mais leve, deixando os coches mais significativos com melhor exposição no espaço original (solução aceite por alguns especialistas). Mas é verdadeiramente surpreendente que a vontade de um ministro de deixar o seu nome associado a uma obra resulte no investimento num só Museu, numa não-necessidade, de 27 milhões de euros (apenas um terço deles proveniente das contrapartidas do Casino Lisboa) no mesmo ano em que as verbas disponibilizadas para todo os museus que fazem parte do Instituto dos Museus e Conservação sofreram um corte de 38,4%, fixando a sua dotação nos 20 milhões e meio de euros! Curiosamente, não existe uma só palavra sobre este projecto no texto elaborado pelo Ministério da Cultura e que integra o Relatório do Orçamento de Estado 2009, apesar de se referir uma “parceria com o MEI para uma exposição de grande impacto internacional”, o que revela que no MC não se aprendeu nada com a absurda experiência do Hermitage. Ou será que esta é uma referência à exposição Encompassing the Globe, programada para o Museu Nacional de Arte Antiga, e assim garantida com fundos do MEI? Se querem investir 27 milhões de euros nos museus portugueses não falta onde nem em quê: só em Lisboa e também na zona de Belém têm a valorização do Museu Nacional de Arqueologia como museu da história e identidade pré-nacional; a expansão do Museu do Chiado e da Academia de Belas Artes com a sua biblioteca e colecções; a extensão do Museu do Azulejo; a instalação definitiva das Jóias da Coroa (este sim, um projecto perfeito para as comemorações do Centenário da República, que afinal remeteu a monarquia para categoria museal). Querem ser modernos e acompanhar os ares dos tempo? Invistam nos Museus da Politécnica/Faculdade de Ciências e no Jardim Botânico, é ecológico e pode ser que dê direito a picture com o Al Gore (o fee dele é meio milhão de dólares, menos do que uma campanha fotográfica do Instituto de Turismo). E que tal os cinquenta monumentos em risco, de que falava o actual Ministro da Cultura numa das suas primeiras entrevistas? Ou o restauro do Conservatório de Lisboa no Bairro Alto? .* o trocadilho poderia ser Museu(p)into se o Ministro da Cultura tivesse algum papel condutor no projecto, mas tudo indica que este anda mais preocupado com a economia e a indústria, mesmo que da cultura. Um caso manifesto de inversão de personalidades e papéis...
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NA PARTIDA DE CARLOS PORTO (1930-2008)
DIAS DO JUÍZO
ÍNDICE
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texto Eugénia Vasques
ESPECTÁCULOS
O MERCADOR DE VENEZA DE WILLIAM SHAKESPEARE, ENCENAÇÃO DE RICARDO PAIS texto João Paulo Sousa
DANIEL JONAS O MERCADOR DE VENEZA EM NOVA TRADUÇÃO texto Elisabete França
LA DANSEUSE MALADE COREOGRAFIA DE BORIS CHARMATZ
44 46 48 50
texto Gérard Mayen
L'APRÈS-MIDI (D'UN FAUNE) COREOGRAFIA DE RAIMUND HOGHE texto Franz Anton Cramer
52
GOING TO THE MARKET, TWO DRAWINGS e MY FATHER'S DIARY PERFORMANCES DE GUY DE CONTET texto Florent Delval
BERLIM - SÃO PETERSBURGO 225 ANOS DO TEATRO MARIINSKY EM BERLIM texto João Carneiro
54
56 LIVROS
60
BESTAS DE LUGAR NENHUM, DE UZODINMA IWEALA texto António Quadros Ferro
MR. NORRIS CHANGES TRAINS e GOODBYE TO BERLIN
62
DE CHRISTOPHER ISHERWOOD
66
CABARET
ENCENAÇÃO DE DIOGO INFANTE textos João Carneiro e Tiago Bartolomeu Costa
FILMES
70
JOGO DE CENA FILME DE EDUARDO COUTINHO texto Tiago Manaia
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DIAS DO JUÍZO
"PARA MOSCOVO, PARA MOSCOVO":
NA PARTIDA DE CARLOS PORTO (1930-2008) texto Eugénia Vasques Para a Teresa
“Irina: Partir para Moscovo… Vender a casa, acabar com tudo aqui, e para Moscovo… Olga: Sim, o mais depressa possível, para Moscovo. ... Tuzenbach: ... Os tempos mudaram, há qualquer coisa de formidável que avança sobre nós. Prepara-se um temporal forte e saudável que há-de varrer da nossa sociedade a preguiça, o preconceito contra o trabalho, o tédio pestilento...” Tchekov, Três Irmãs, trad. Augusto Sobral, Carol Loff, Rui Mendes, Lisboa, Relógio D’Água, 1988, pp. 9, 13.
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DIAS DO JUÍZO
CARLOS PORTO (1930-2008)
Em dois anos consecutivos, 2006 e 2007, escrevi, em Outubro, textos sobre Carlos Porto. O primeiro destinou-se a um mais do que devido dossier apologético, organizado pelo Jornal das Letras, jornal onde terminou a sua carreira de 50 anos como crítico de teatro; o segundo para a SPA, sociedade a que pertencia como escritor associado e, até ao fim, também como colaborador. Este ano, também no mês de Outubro, despedimo-nos de Carlos Porto a 29 de Outubro. Este texto é, pois, um epicédio ao veterano da crítica teatral portuguesa que colocou a actividade crítica no plano profissional e liderou o desempenho das gerações de críticos de teatro, jornalísticas e universitárias, a partir da década de 70.
1. O livreiro, editor, poeta, tradutor, dramaturgista, ficcionista e episódico professor de teatro no Conservatório Nacional (em meados dos anos 70), José Carlos da Silva Castro, nascido no Porto, em 1930, que, a partir de 1958, no quinzenário Planície de Moura, enveredou pela crítica de teatro, tem um nome ficcional, toponímico, que identifica a sua persona pública e autoral: Carlos Porto. Co-fundador da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro (ACP), Carlos Porto foi, e sobretudo por isso ficará na história, o activo e interventivo crítico de teatro do Diário de Lisboa que, ainda antes do 25 de Abril – quando usava gravata preta por «estar de luto pela Liberdade» --, e depois da Revolução, transformou o locus teatral daquele vespertino na mais acesa e dinâmica plataforma de debate de ideias e de combate ideológico que jamais existiu. Colaborador, durante décadas, em diversas publicações teatrais e meios, nacionais e estrangeiros, como reconhecido representante e porta-voz de muito do teatro em Portugal, Carlos Porto dedicou-se também, apaixonado que era por livros, à tradução e adaptação de autores e dramaturgos que amava ou apreciava (e cujos frutos pude acompanhar), como Yannis Ritsos (Crisótemis, com interpretação de Fernanda Lapa e enc. de Rogério de Carvalho, 1981), Arbuzov (Comédia à Moda Antiga, enc. de João Lourenço, Novo Grupo, 1985), Tchekov (O Jardim das Cerejas, também enc. de J. Lourenço, Novo Grupo; Platonov, enc. António Auguto Barros, TEUC), Skarmeta (O Carteiro de Neruda, enc. Joaquim Benite, T. Almada) e Garrett (Viagens na Minha Terra, enc. J. B., T. de Almada/ACARTE). Traduziu, paralelamente, menos em quantidade do que em qualidade, incontornável ensaísmo teatral, destacando-se, pela sua actualidade, as obras Introdução à Análise do Teatro, de Jean-Pierre Ryngaert (Lisboa, Asa, 1992) e O Diabo é o Aborrecimento, de Peter Brook (Lisboa, Asa, 1993). Como crítico de teatro, Carlos Porto deixou publicadas duas obras que estabeleceram, exemplarmente, na crítica teatral, a metodologia das “Fichas” de espectáculo: Em Busca do Teatro Perdido, 2 vols. (Lisboa, Plátano, 1972) e 10 Anos de Teatro e Cinema em Portugal, com Salavato Teles de Meneses (Lisboa, Caminho, 1985). Publicou, ainda, com centro no seu amado Porto, Livrarias e Livreiros: Histórias
Portuenses 1945-1994 (Porto, Leitura, 1994), O TEP e o Teatro em Portugal (Porto, Fundação António de Almeida, 1997), FITEI-Pátria do Teatro de Expressão Ibérica (Porto, F. A. de Almeida, 1997), João Guedes: Retrato Incompleto de um Criador Teatral (Lisboa, Afrontamento, 1997). Como poeta, tem obra dispersa em várias antologias e publicou Poesia Cega (Porto, Campo das Letras, 2000). Como ficcionista, deu à estampa a narrativa Fábrica Sensível (Lisboa, Cotovia, 1992), que Jorge Listopad encenou no Teatro Nacional D. Maria II em 1996, e preparava, segundo testemunho de Teresa Porto, sua companheira e «tão certa secretária», um volume de curtos contos perpassados, perturbadoramente, pela obsessão da morte. 2. Depois de duas décadas de crítica formativa, informativa e militante, nos anos 80, anos da entrada em cena, entre nós, de um pensamento liberalizante, quer a nível estético quer de produção, a escrita crítica de Carlos Porto sofre uma transformação muito visível, patente na abertura que então fez a um olhar e análise mais permeados pela semiologia do que pela dominância da dramaturgia. É também nesta fase que o poeta se vai intrometendo, através das traduções de poetas-dramaturgos (Ritzos, Arbuzov, Tchekov, Heers), na escrita da crítica de teatro. Os seus textos, num tempo de críticas amplas e prazeirosas, são mais poéticos, mais permeáveis à opinião académica (paralelamente às suas traduções ensaísticas), mais afectivos, mais sensualizados. A fase posterior (anos 90-2000), momento disfórico da crítica jornalística, é a fase em que Carlos Porto, pessoa tímida e circunspecta, assume, na escrita, essa afectividade e a transformação do discurso didáctico em discurso de interesse absoluto pelos mais novos que, aliás, sempre demonstrou. Tinha grande respeito pelas actrizes e actores e uma indisfarçável camaradagem pelos seus pares, novos ou menos novos. Também era, como os actores, um bocadinho ciumento e talvez tenha sido por isso que me apetecia estragá-lo com mimos e atenções.
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DIAS DO JUÍZO
ESPECTÁCULOS
PSICANÁLISE DE UM HOMEM TRISTE E DA SUA CIRCUNSTÂNCIA
O MERCADOR DE VENEZA DE WILLIAM SHAKESPEARE, ENCENAÇÃO DE RICARDO PAIS texto João Paulo Sousa
Ao estruturar o espectáculo O Mercador de Veneza a partir de uma reorganização das cenas originais da peça de Shakespeare, separando os momentos da acção que decorrem em Veneza dos que têm lugar em Belmonte, Ricardo Pais afastou‑se de uma das características da obra do dramaturgo inglês - a saber, a apresentação de acontecimentos que decorrem alternadamente em espaços distintos -, para propor outro tópico da modernidade: a recusa de uma sequência linear na temporalidade da história. Assistir à representação assim dividida em duas partes não serve só para tornar mais nítida a diferença de tom entre o que ocorre numa e noutra cidade, mas também permite conferir à segunda metade do espectáculo um carácter explicativo da primeira, quer em termos de fábula, quer ao nível das possibilidades interpretativas da peça. É preciso lembrar, então, que o intervalo chega depois da cena do tribunal — ou, melhor ainda, depois do momento em que Pórcia (Micaela Cardoso) e Nerissa (Lígia Roque) se desmascaram apenas diante do espectador —, em que Shylock (António Durães), apesar de proferir o célebre discurso que contraria os estereótipos da representação dos judeus, não escapa a uma punição notoriamente cruel. Apresentar essa cena antes de qualquer figuração de Belmonte e dos seus habitantes permite que a primeira aparição das duas personagens femininas seja concretizada sob trajes masculinos. Não é apenas a dimensão de mascarada ou de ambivalência sexual o que está aqui em causa, pois, se atentarmos cuidadosamente nas roupas escolhidas, a par dos cabelos lisos e dos pequenos bigodes, bem como dos momentos em que Pórcia se coloca de perfil, a decisão do tribunal, que recai sobre um judeu com um distintivo amarelo ao peito, potencia a nossa memória da Shoah e afasta a peça de qualquer tipo de leitura apressadamente anti‑semita. Colocada a questão nestes termos, a segunda parte torna‑se apta a cumprir um olhar problematizante sobre a situação do judeu, apesar da sua ausência em palco, através da reflexão suscitada pelo comportamento das personagens pertencentes ao universo cristão. De outra forma, ou seja, sem a já descrita reorganização das cenas, tal efeito teria sido bem mais difícil de obter. Assim, importa pouco que o conflito exposto e resolvido em tribunal seja identificado como um possível clímax (para cuja intensidade concorre a expressividade da música de Vítor Rua e a interpretação notável de António Durães), pois a dimensão crítica de que a segunda parte se reveste precisa de um afastamento das emoções violentas proporcionadas por uma cena como a referida. Se a desmontagem dos enganos do tribunal é uma das estratégias utilizadas para caracterizar o mundo cristão de Belmonte (e, por metonímia, relativizar a hipotética superioridade moral de qualquer religião), há um momento especialmente forte na segunda parte, quer em termos visuais, quer do ponto de vista textual, que consiste num
delírio ou numa alucinação de António (Albano Jerónimo): com o corpo de Shylock sobre si (os dois enquadrados num rectângulo luminoso, em plano superior ao do palco), ele profere falas que chegam da cena do tribunal, outras que antecipam o que alguém dirá e ainda outras que apenas aí se ouvirão. Há aqui uma clara dimensão onírica, que só não surpreende de forma mais radical o espectador porque toda a encenação dialoga bem com um ambiente de sonho, conseguido, em grande medida, pelo despojamento cenográfico, com a força sugestiva das escoras suspensas, na primeira metade do espectáculo, e a geometria a preto e branco da plataforma central, presente durante toda a peça, que estabelece uma continuidade entre Veneza e Belmonte. Espécie de problematização de pendor psicanalítico, o delírio do triste António funciona como sugestão de um interdito na relação do mercador veneziano com a figura do judeu; dito de outro modo, é toda a violência lançada sobre Shylock que assim aparece questionada nos seus fundamentos, nas suas razões de aparência legal, incitando o espectador a um olhar mais atento sobre as hipocrisias comportamentais dos que o puniram até à miséria. Não é despiciendo notar como um espectáculo com tão grande carga emotiva se constrói a partir de uma acentuada contenção de gestos. Mesmo o desenho da cena do tribunal — em que a necessidade de decidir sobre o direito de Shylock a reclamar meio quilo de carne do corpo de António sustenta e agudiza a tensão — é feito com a redução dos movimentos das personagens quase a um mínimo expressivo. Assim, se o instante em que Shylock se apresta a retalhar o mercador veneziano aparece dotado de uma força suplementar, também as falas das personagens se impõem como elemento decisivo para uma construção segura da conflitualidade e da tensão dramática. Neste particular, difícil seria que o espectáculo fosse eficaz nos seus propósitos se não contasse com actores cuja dicção responde de modo tão exacto à tradução de Daniel Jonas. A precisão vocal pode mesmo considerar‑se um ponto especialmente importante na transição entre as duas partes do espectáculo, visto que o universo de poder feminino concentrado em Belmonte é preparado pela retirada das máscaras de Pórcia e Nerissa e pela subsequente recuperação do timbre natural das suas vozes. É na linguagem que se sustenta, em grande medida, o poder representado neste espectáculo, como a cena do tribunal torna bem evidente, mas é também na voz humana que reside a possibilidade de libertação catártica, como o delírio de António tende a demonstrar. Com a inserção feliz desta cena, Ricardo Pais conseguiu distender habilmente as ambivalências da peça de Shakespeare, alargando o alcance da hipotética reflexão do espectador. Em tempos de tão acentuada penúria crítica, este não será um dos menores méritos do seu trabalho. O Mercador de Veneza estreou no Teatro Nacional S. João a 7 de Novembro e apresenta-se até 23 deste mês.
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SHAKESPEARE VEZES TRÊS MAIS UM O Mercador de Veneza é a terceira peça de William Shakespeare encenada por Ricardo Pais. Antes disso apresentou Noite de Reis (Teatro Nacional S. João, 1998) e Hamlet (Teatro Viriato, 2002). Diz o seu biógrafo, Paulo Eduardo Carvalho (Ricardo Pais – Actos e Variedades, Campo das Letras 2006) que há no encenador um “fascínio com as virtualidades auto-reflexiva de muitos dos textos dramáticos que escolheu encenar”, reflectindo, “compreensivelmente, a sensibilidade de um criador mais preocupado com o imprevisível potencial cénico dessas ficções do que com o seu já mais codificado núcleo de temas ou ideias”. É dessa forma que podemos entender Um Hamlet a Mais (Rivoli- Teatro Municipal, 2003), “experiência de mais radical revisão dramatúrgica, extremando o ‘teatro mental’ sugerido pelos monólogos do protagonista, e para um mais assumido jogo performativo com as linguagens cénicas, capaz de ‘valorizar a música, o tratamento de som e o jogo livre de associações plásticas, dando-lhes muitas vezes a dianteira, até em relação à sequencia estritamente visual’”. Para saber mais: Ricardo Pais – Actos e Variedades, de Paulo Eduardo Carvalho (edições Campo das Letras), com extensa bibliografia e iconografia sobre as peças acima referidas. A obra da qual se recolheram as citações acima, foi objecto de recensão na OBSCENA#2.
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DANIEL JONAS, NOTAS PARA A IDENTIFICAÇÃO DUM POETA texto Elisabete França
Tradutor da tragicomédia de Shakespeare O Mercador de Veneza (Livros Cotovia), em cena no Teatro Nacional S. João, dramaturgo ele mesmo e poeta já reconhecido, a par da docência e da investigação literária, quem é Daniel Jonas?
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Tentar-se-á delinear-lhe um perfil, a tracejado, não mais do que esboço, com uns versos de Jean Cocteau por fronteira: “Pergunto-me como há gente/ capaz de escrever a vida dos/ poetas, se os poetas, eles/ próprios, seriam incapazes de/ escrever as suas vidas.” Como que fazendo contraponto a versos do próprio Daniel Jonas: “DESCUIDO-ME DA VIDA, ABRAÇO A OBRA./ Eu vivo, quase apenas p’ra dizêlo”, citados de Sonótono, o seu quarto livro de poemas publicado pela Livros Cotovia e distinguido pelo Prémio do P.E.N. Clube Português de Poesia 2007. Porque é de um poeta que se trata – en tous ses états, diria, deliberadamente numa expressão idiomática algo intraduzível. A entrega do prémio em Lisboa, na tradicional cerimónia em presença do Presidente da República, está marcada para 15 de Dezembro, na Sociedade Portuguesa de Autores. A distinção, que contempla também ensaio, novelística e primeira obra, foi corrida a escolhas duplas ex-aequo, excepto na narrativa. Na poesia, o poeta e ensaísta Fernando Guimarães, o professor, crítico e ensaísta Fernando J. B. Martinho, o jornalista e crítico Francisco Bélard premiaram, além dos sonetos de Daniel, Segredos do Reino Animal, de Helder Moura Pereira (Assírio & Alvim), distinguindo dois poetas de diferentes gerações e ‘filiações’, apesar da matriz académica anglo-americana comum. Daniel Jonas, acolhido pela Cotovia desde 2005, com Os Fantasmas Inquilinos (terceiro título de poemas editado e primeiro com esta chancela, antes da recolha premiada), publicou entretanto Nenhures (“exercício metateatral” criado com o Teatro Bruto no Teatro Carlos Alberto, numa “encenação muito inteligente” de Ana Luena, em experiência a continuar com novo texto já encomendado). E em português recriou obras canónicas, como o épico Paraíso Perdido (a queda de Lúcifer em 10 565 decassílabos burilados pela pena do poeta seiscentista inglês John Milton, acontecimento no nosso meio editorial culto em 2006), ou a já referida peça do bardo britânico antecessor de Milton, William Shakespeare (levada à cena numa versão remontada pelo encenador Ricardo Pais e equipa, com activa participação do tradutor, co-responsável por cortes e outras arriscadas operações). Ou ainda uma versão, absolutamente inédita, da peça de Pirandello Seis Personagens à Procura de Autor, que também “era para ter sido feita mas, à época, no âmbito do teatro universitário, não houve condições” e que a editora de André Jorge “talvez publique”, diz à OBSCENA o jovem autor (nascido no Porto há 35 anos mas aparentando 25), docente do ensino básico na cidade natal. Aí se iniciara também ao palco na qualidade de intérprete, em personagens como Édipo Rei, na Faculdade de Letras onde concluiu o curso de Línguas e Literaturas Modernas, começado em Lisboa a par dos estudos de Teologia no Seminário de Queluz – devidos “à fé” mas “também por atracção intelectual e interesse sociológico” e à vontade de “recuperar a figura renascentista do pregador”, revela-nos. Depois, embora voltasse para o Norte, onde continua a ter a sua base familiar, social, profissional – na falta duma bolsa de estudo indispensável para prosseguir investigação no estrangeiro, que ainda não conseguiu obter –, tem sido na Universidade Clássica de Lisboa que Daniel Jonas prossegue estudos de pós-graduação. Já a sua tradução
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de Paraíso Perdido decorreu, aliás, duma tese de mestrado em Literatura Inglesa, supervisionada por António M. Feijó (exímio tradutor do Hamlet de Shakespeare, por sinal); agora, é o também ensaísta Miguel Tamen quem lhe orienta a pesquisa para doutoramento em Teoria da Literatura, versando ainda a obra do poeta e polemista Milton, com incursões por Freud e pela poesia do norte-americano John Ashbery (1927). Investigador, tradutor ou autor, no trilho lírico, no épico ou no dramático – se tais compartimentos estanques fossem possíveis e assim não parece –, pode dizer-se ser a poesia que alimenta a múltipla actividade intelectual de Daniel Jonas. Poesia marcadamente atípica no quadro das vias mais reconhecíveis seguidas pelos poetas da ‘geração de setenta’ que é a sua – mais ou menos epígonos de Eugénio, ou de Herberto, ou então dessas galáxias se querendo distanciar, abrigando-se sob o algo prosaico ‘cartucho’ duma geração nascida para a literatura quando esta vinha ao mundo –, a escrita de Jonas, com vitalidade neologística e subtilíssima ironia, culto de trocadilhos, jogos de palavras, tudo harmonizado em molde clássico, acaba por aproximar-se da música. De facto, o autor dessa poesia com matriz vincadamente anglo-americana também fez “alguns anos de guitarra clássica”, deu “uma espreitadela no piano e no canto” – diz-nos mesmo ter Leonard Cohen por modelo de “cantautor, que era o que queria ser” e adianta, num sorriso a humedecer-lhe de ironia os lábios finos: “Ainda vou a tempo, ele começou a ir por aí aos 35 anos”. Quando “está muito no início” a sua segunda peça para o Teatro Bruto, Daniel Jonas tem “a poesia mais parada devido às traduções” e tenta “arrumar alguns projectos”, tendo deixado já outros concluídos, como a tradução do romance francês À Rebours, do escritor naturalista Joris-Karl Huysmans (1848-1907), no prelo da Cotovia. Autor esquecido, dum cenáculo onde avultaram os nomes maiores de Émile Zola e Guy de Maupassant, o que nele veio seduzir Jonas foi o seu modernismo avant la lettre, forjado com “uma erudição impossível hoje, um frenetismo intelectual admirável”, balanço sucessivo “entre o insulto ao autor e o riso a bandeiras despregadas, podendo mesmo ler-se como livro humorístico”. Com o seu nome que começa por sugerir-nos pseudónimo literário, de dupla conotação bíblica, fazendo a força da fé ombrear com a dúvida, Daniel Jonas gere uma “herança pesada” adveniente das raízes familiares protestantes – ainda que não haja pastores na família, tendo a via do seminário sido “uma escolha pessoal” que percebemos não incentivada familiarmente, apesar da educação protestante que em família lhe foi ministrada. A multiplicidade das referências amplia a identificação do poeta, que se nos escapa todavia em delicadas reservas, discretíssimo, como se sentisse excessivos os seus destacados dois metros de figura esguia e dançante, de ex-hoquista em patins, essa enleante “espécie de dança mais desporto”. Mas também, longe de nós qualquer veleidade de “escrever a vida” de alguém (poeta ou não), pelo elementar pudor que fundamentam aqueles versos de Cocteau, adiantados à laia de advertência neste misto de perfil e nota biobibliográfica.
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O MERCADOR DE VENEZA EM NOVA TRADUÇÃO "ESGRIMA INTELECTUAL" OU "SUDOKU LITERÁRIO" texto Elisabete França
Jogo cada vez mais fino, recortando em filigrana as correspondências interlinguísticas, ritmos e sonoridades, a tradução sugere a Daniel Jonas combates com textos alheios, guarde o corpo uma memória de esforço ou de perícia.
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Tendo definido o seu labor sobre Paraíso Perdido como “um pugilato” com o texto (entrevista a Isabel Lucas, Diário de Notícias/ 6ª, Junho 2006), é já de “uma esgrima intelectual” que o tradutor fala, no rescaldo de O Mercador de Veneza. Foi de Ricardo Pais o convite para tal trabalho incluindo equipa artística, dos ensaios de mesa aos de sala, “seis horas por dia, seis dias por semana”. A versão integral do texto foi objecto de alguns cortes e, além de intervenções pontuais como a duma rêverie do mercador António a dado passo dramático, feita do eco de várias falas anteriores, houve radical desmontagem e remontagem de cenas – as de Veneza e as de Belmonte em dois distintos blocos sequenciais, o clímax do IV acto entre eles, com o efeito distanciador de suspender a montagem paralela que Shakespeare praticamente inventou, invento revolucionário para a arte narrativa que, de tão utilizado, corre hoje paralelo à banalização telenovelesca. Mas a edição impressa é integral, tendo os decassílabos de origem passado a versos alexandrinos (dodecassílabos), acompanhando a mais ampla articulação do português, menos sintético, de resto em toda a linha, do que o inglês. O método do tradutor passa ainda pela comparação de versões, por regra em diferentes línguas. Mas o que nessa actividade avulta, para Daniel Jonas, é “o prazer de arranjar sucedâneos, com pequenos-grandes desafios” de caminho, imperando na explicação que nos dá a imagem do jogo/do gozo ou, como ele diz, “duma espécie de sudoku literário”. A atenção que passou a ser dada entre nós, nos anos recentes, à grande tradução literária segundo parâmetros de exigência, bem como o gosto novo de editoras diversas pela publicação de literatura dramática (traduzida ou na língua materna), fazem com que só não tenhamos agora três traduções de O Mercador de Veneza em menos duma década, porque a Campo das Letras protelou, sem data, edição da peça no quadro do projecto Shakespeare para o século XXI, estimável empreendimento em curso, embora com resultados irregulares, efectuado em parceria com uma equipa da Faculdade de Letras do Porto. O primeiro registo de tradução portuguesa que obtivemos é do século XIX, com três edições diferentes – a primeira sem autor identificado, a segunda do académico Bulhão Pato (mais conhecido por certo arranjo de amêijoas), a última do rei D. Luís de Bragança, em linguagem ainda aceitável, prosa solta, correspondências correctas, como se vê na edição bilingue que a Europa-América reedita (Livros de Bolso). Ignoramos em absoluto quantas traduções, eventualmente feitas para representar a peça em diferentes épocas, ficaram inéditas em livro, mas o número de três edições repete-se no século XX, com o texto traduzido por Domingos Ramos (1912), João Grave (1926) e F. E. G. Quintanilha (Presença, 1971), este ainda cotejado no recente trabalho de Helena Barbas para a Companhia de Almada (Extramuros, série Água Forte/2002, incluindo notícia de edições que utilizámos
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também). Esta professora de literatura na Universidade Nova de Lisboa, afirmada no registo de tradução com Poemas Eróticos de John Donne (Assírio & Alvim/1998, prémio P.E.N. na modalidade), confirma à OBSCENA ter feito, igualmente, regular trabalho preparatório com a equipa teatral dirigida por Joaquim Benite. No prefácio, chamaralhe “prova de fogo do palco”, continuando a lembrar agora que “foi mesmo dura!”. Estilisticamente, esse trabalho obedeceu menos às estruturas rítmicas de base, fluindo em diversos metros de verso branco, só ocasionalmente rimado. As passagens em prosa são, também aqui, as inerentes ao original, recurso shakespeariano com critério não muito claro nem uniforme. Comparando a sua tradução com a de Daniel Jonas, vê-se que esta perde ocasionalmente, em favor da métrica, para a forma idiomática. É assim que, por exemplo, fica elidida a ‘incorrecção política’ da forma original, numa ‘pérola’ misógina sem remissão relativa ao falar e ao calar (Helena Barbas: “… o silêncio só é recomendável/ Em língua de vaca fumada, ou donzela não maridada”), branqueada por expressão conjuntural da nossa própria época (Daniel Jonas: “… abstinência apenas se aconselha/ À língua curada e à tia sem remédio”); no original inglês: “… silence is only commendable/ In a neat’s tongue dried and a maid not vendible”. D. Luís, tradutor apenas em prosa corrida, inseria o conceito de prostituição decorrente de “vendible”, talvez dispensável no contexto matrimonial de finais do século XVI, quando a peça foi escrita, enquanto a versão de Barbas transpõe saborosas expressões portuguesas tardo-medievais /renascentistas, recurso amiúde usado por Vasco Graça Moura, ou pela equipa de Luís Miguel Cintra nas suas traduções de Shakespeare. Mas nada mais inacabado do que a tradução (as línguas são organismos vivos, ao menos as de chegada, caso se parta duma língua morta), debatendo-se quem a faz com alternativas e inevitáveis escolhas, talvez já não assumidas daí a pouco. Nas consabidas dificuldades de traduzir Shakespeare, objecto de não pouco estudo, a coisa agudizase. Daí que não resistamos a deixar outro exemplo, da mesma Cena I do I Acto (Barbas, excedendo largamente o decassílabo, numa deixa do vilão Shylock ao mercador António: “O vosso nome estava agora mesmo nas nossas bocas”; a mesma deixa segundo Daniel Jonas, contida a custo no alexandrino adoptado: “Vós éreis o último homem nas nossas bocas”). Ambas soam estranhas mas ficam ao pé da letra, embora haja alternativa mais livre e fluente para a versão Daniel Jonas sem violar a métrica, como “… homem de quem falámos”. Interminável “esgrima”. A tradução de Daniel Jonas foi editada pela Cotovia, acompanhando a estreia (16€). A tradução de Helena Barbas foi editada pela Companhia de Teatro de Almada e encontrase à venda no Teatro Municipal de Almada, numa edição bilingue. A autora também a disponibiliza aqui: http://www2.fcsh.unl.pt/docentes/hbarbas/Textos/Mercador_Veneza_ WShakesp_HBarbas.pdf .
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APROXIMA-SE UM CARRO LA DANSEUSE MALADE, COREOGRAFIA DE BORIS CHARMATZ texto Gérard Mayen
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Como pode a dança apossar-se da escrita literária dos seus artistas? O coreógrafo francês Boris Charmatz enfrenta esta questão, na sua nova peça, La danseuse malade. Ao fazê-lo, aguça a sua arte que consiste em ir ao encalço das forças, experiências, saberes que – precedendo-a, envolvendo-a e fundindo-a – permitem que a ideia de dança tome corpo. Através desta arte de acumulação, e do sábio atalho, Boris Charmatz baralha os limites do que julgávamos saber sobre as transacções possíveis entre dança e teatro. Fá-lo, ele mesmo, através do seu gesto em palco, ao lado da actriz Jeanne Balibar. É ela que diz vários e longos excertos de textos de Hijikata, bailarino japonês fundador do butô nos anos 50. Estes textos carregam uma familiaridade halucinante com o universo maldito, uma confrontação ultrajante do tabú, uma exploração das franjas extremas e dos recônditos mais obscuros da carne e da alma. Devemse a leituras de Sade, Bataille ou Artaud. Fundam a contra-corrente absoluta da cultura japonesa dominante, em vias de ocidentalização. Não há aqui nenhum exotismo nipónico decorativo. Este butô em palavras, ainda inédito no Ocidente, é aqui vertido por um tradutor engenhoso e fascinado, Patrick Devos. A tanta aspereza, a dicção de Jeanne Balibar opõe uma secura flutuante, anterior a qualquer efeito de impacto, relançando constantemente uma escuta ofegante. Trata-se de veicular esta lingua feita corpo de dança, tal como a actriz que está ao volante de um camião – pefeitamente insólito – que percorre o palco. Para Boris Charmatz, esta máquina em cena provoca uma ultrapassagem em si mesma das determinações do gesto e das intenções do autor, que arrebata e afasta toda a ideia, toda a prática, de uma dança que bem sucedida, emoldurada ou polida. O olhar do espectador é sujeito aos mesmos caos do veículo. Não é butô, evidentemente. Nem nada que se possa nomear de forma definitiva. Um carro avança. A peça apresentou-se no Festival d’Automne à Paris, de 12 a 15 de Novembro e chega à Culturgest, Lisboa, em Maio de 2009.
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UM ORIGINAL, NÃO UMA RECRIAÇÃO L'APRÈS-MIDI (D'UN FAUNE) COREOGRAFIA DE RAIMUND HOGHE texto Franz Anton Cramer
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Com mais este regresso a uma obra canónica, poderia dar-se o caso de sermos levados a pensar tratar-se de mais uma tentativa de reafirmação do discurso contemporâneo, dadas as diversas remontagens de Sagração da Primavera, as recriações de Lago dos Cisnes, as infindáveis auto-citações de coreógrafos ou as apropriações de metodologias, inovações e avant-gardes do passado. Anne Collod trabalhou a partir dos Ballet Russes e de Anna Halprin, e Dominique Brun revelou-se uma autoridade no que respeita ao material preparatório usado por Olivier Dubois (ainda que, no caso de Nijinsky, Claudia Jeschke e Ann Hutchinson Guest fossem pioneiros na decifração da partitura de Faune). Mas, actualmente, a historiografia é, entre as disciplinas académicas, uma das mais contestadas no que respeita à dança. Contudo, na recorrente predilecção e fascínio para com a herança coreográfica, o alemão Raimund Hoghe distingue-se através da sua muito particular perspectiva. O seu universo performático é, por um lado, baseado nas partituras e, por outro, na singularidade dos intérpretes. É na tentativa de estabelecimento de uma ponte que torne constructiva a incompatibilidade de tudo o que é único que ele constrói as suas peças, acabando, elas mesmas, por se tornar afirmações únicas. Após The Rite of Spring, Swan Lake e Boléro Variations, foi a vez de abraçar o momento fundador da dança auto-reveladora, L’aprés-midi d’un faune, de Vaclav Nijinsky, Claude Debussy and Stéphane Mallarmé. É, indistintamente este trabalho, em vez do comummente referido Sagração da Primavera (1913) que assinala o início da dança como uma arte autonomamente moderna. E é-o ainda mais para Hoghe cuja afeição por uma situação íntima – uma reservada clareira numa tarde dolente – é mais evidente, quando comparado com uma cena de ritos ancestrais e grandiloquência etnográfica, tal como é sublinhado em Sagração . Esta observação é tanto mais verdadeira quanto analisado o cenário de L’aprés-midi, estreado no sombrio Théâtre du Hangar, durante o prestigiante Montpellier Danse festival 2008, no passado mês de Junho. Esta obra-prima de uma hora, criada para a actual musa coreográfica de Hoghe, o bailarino francês Emmanuel Eggermont, faz uso de todas as ferramentas que lhe são comuns. A saber, e apenas para citar algumas: rituais minimalistas, musicalidade refinada, extremo respeito tanto pelo intérprete como pelo espectador e pelo dispositivo performático, virtuosa noção de tempo e precisão nos efeitos imagéticos.
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E, no entanto, L’après-midi equilibra adulação, reconstituição e originalidade. Adulação, claro, pela beleza do intérprete (literal e artisticamente); reconstituição deste trabalho multifacetado e da sua quase mítica recepção na história; e a sua própria interpretação e apropriação de material simbólico e pesado enquanto peça contemporânea de dança. O espaço está, como é comum no trabalho de Hoghe, praticamente despido, mas organizado. Nada de adereços, à excepção de dois copos de leite que Hoghe posiciona em vários lugares. Há uma luz discreta (na estreia em Montpellier foi, inclusive, aproveitada a luz do dia que entrava no teatro por uma janela, insistindo num toque idílico e mediterrânico da situação). E há uma banda sonora que combina duas gravações da composição original de Debussy, outras peças de câmara deste autor, e um Lied de Gustav Mahler. É neste cenário que vemos Eggermont, deitado no chão, com os copos junto à sua cabeça e pés. Hoghe enche-os de leite. A partitura de Debussy será ouvida duas vezes: logo ao início, quando Eggermont se ergue através de uma cadência de nobres e subtis movimentos, como se explorasse o espaço numa clarividência onírica. Ele enche este espaço lírico e esta estrutura musical com a sua presença. É neste estado encantado que Eggermont permite o surgimento de memórias e alusões ao seu famoso predecessor. A persona de Nijinsky – envolvida numa aura erótica – transformou a peça num escândalo aquando da sua estreia, em 1912, mas também deu à dança um outro nível de auto-confiança. Eggermont e Hoghe estão bem cientes destas sombras sensuais e, ao longo das cinco partes de L’après-midi, o leite vai-se tornando, cada vez mais, um símbolo icónico. E quando é espalhado pelo chão negro, já mais perto do fim, não serão desajustadas algumas associações explícitas aos momentos finais do trabalho original – a imagem de Nijinsky enquanto fauno que copula com o objecto fetichizado, o lenço da ninfa no qual havia tocado apenas uma vez, com o ombro no antebraço dela, durante a coreografia de doze minutos. Eggermont é um soberbo presente quando se quer construir um universo de gestos meditativos que, no entanto, estão mergulhados numa suavidade Art nouveau, tal como contêm formas contemporâneas de reflexividade. As disposições corporais, como se fossem baixosrelevos, que marcam a inventividade coreográfica de Nijinsky, estão tão presentes quanto hoje em qualquer composição de reduzidos movimentos contemporâneos.Tanto assim é que, com este movimento escultórico e angular, Hoghe traça uma linha com o passado, ao qual se acrescenta contrapeso musical, garantindo que pesquisa gestual é mais do que uma remontagem de L’après-midi.
Leia na OBSCENA #15 a crítica a Parades & Changes, Replay, de Anne Collod, e Faune(s) de Olivier Dubois Leia na OBSCENA #9 um ensaio de Franz Anton Cramer sobre Raimund Hoghe, focado em Swan Lake – 4 acts, apresentado em Fevereiro deste ano na Culturgest, Lisboa. O autor refere-se à famosa sequência central de Sagração da Primavera, onde uma bailarina representa uma virgem que será sacrificada para contentamento dos deuses.
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A PATINE HÍBRIDA DO TEMPO GOING TO THE MARKET, TWO DRAWINGS e MY FATHER'S DIARY PERFORMANCES DE GUY DE CONTET texto Florent Delval
Na sala do Museo de Arte Contemporanea de Barcelona, aquando da memorável exposição Un teatre sense teatre (recenseada na OBSCENA#6), estavam dispostos sobre um estrado diversos volumes geométricos simples, alguns de cores vivas, a maior parte pretos e brancos ou descorados : jogos infantis no limite da abstracção. Aqui, a alvura do fundo, que faz pensar num museu, induz em erro : não nos apercebemos imediatamente de que se trata de um cenário, certamente vazio, mas ainda assim de um cenário. Uma vitrine, colocada de lado, lembra, todavia, que os três assentos brancos receberam vai para três décadas actrizes que activavam esses objectos crípticos. Algum tempo antes a galeria Air de Paris apresentava uma série de « objectos cénicos » fora de qualquer contexto performativo. Depois de algum tempo as obras do artista pop francês Guy De Cointet ganham vida e será suficiente assistir a qualquer uma das suas performances para se ter uma ideia do que foi o seu trabalho. De facto, no centro encontramos um dispositivo repetidas vezes recusado: face a uma pintura, que apresenta uma rede complexa de números e letras ou está rodeada de objectos indefinidos, os actores (a maior parte das vezes actrizes) interpretam um texto mais ou menos relacionado com um objecto plástico situado no centro da cena ; o mesmo objecto pode ser o centro de performances diferentes. A forma híbrida criada por Guy de Cointet é, como todos os monstros, única no seu género e é o que lhe permite um certo reconhecimento tardio (e póstumo, pois faleceu em 1983). Ao contrário de Jiri Kovanda, cujas performances eram discretas e passaram despercebidas na Checoslováquia comunista, tendo sido recentemente o Graal de alguns curadores, Guy de Cointent gozou no ano passado de uma plétora de artigos e foi o centro de todas as atenções. Na sua primeira edição, o festival Playground acolheu Tell Me, uma peça de 1979, antes de reiterar a sua aposta com mais três peças
curtas este ano: Going To The Market, Two Drawings e My Father’s Diary de 1977. Para o que era apresentado mais ou menos como um evento histórico, a pequena sala do Stuck estava longe de estar cheia : a segunda vida de Guy de Cointet é, acima de tudo, mediática. Encurralado entre duas grandes categorias institucionais, a sua obra faz parte daquelas obras dificilmente apresentáveis pela dificuldade de activação de certos mecanismos fundamentais : quando utilizados fora das performances, os objectos de De Cointet parecem feitos de linhas ou fantasmas incompletos. Como as suas obras circulam independentemente dos diferentes regimes de apresentação (performances, esculturas, instalações) poderíamos compará-las às de Mike Kelley ou Paul McCarthy. Mas contrariamente a estas, as mudanças de cenário não têm que ver com o esgotamento e a reciclagem infinita dos materiais e dos símbolos. Estaria mais próximo de Cadere, cujas bengalas coloridas mais parecem relíquias inacabadas e mórbidas depois do desaparecimento do seu criador que as carrega ao ombro nas suas deambulações. Mas o que falta, em De Cointet é a parte integrante da obra, onde o discurso dos intérpretes tropeça no hermetismo dos objectos, essas imagens irrepreensíveis sobre as quais nada é garantido. Os textos serão eminentemente teatrais, mas permanecem como narrações, histórias dirigidas ao público. Também são materiais mais maleáveis, sem limite físico, contrariamente às obras imutáveis que ao longo da performance ganham um peso que as torna praticamente monolíticas. Esta presença, por vezes extremamente concreta e irreal da obra, é a verdadeira especificidade das obras de De Cointet que não está somente nas margens da sua época, mas é praticamente diferente das formas espectaculares da contemporaneidade. De facto, se esta palavra paira livremente sobre o objecto sem o alterar e é o contrário absoluto da body art ou dos herdeiros do happening, onde o fim último é gesto imoderado ou o desperdício, também não pode ser assimilada pelas estéticas que foram veiculadas nos anos 90 onde o objecto deveria esgotar-se, e o seu uso racionalizar-se, de modo a evitar qualquer efeito de “decoração”. É o paradoxo de De Cointet: dificilmente se associa à época da qual provém, mas também não é totalmente síncrono com a nossa. As obras de Guy de Cointet apresentaram-se de 5 a 7 de Novembro. Para mais informações sobre o festival Playground consulte www.playgroundfestival.be Para saber mais recomendamos-lhe a leitura das revistas Art Press 282, setembro 2002, Revue 20/27 n°1, 2007
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encenação e adaptação: Pedro Penim. assistência de encenação: José Nunes interpretação: Gonçalo Fonseca, Luís Filipe Silva, Mónica Tavares, Rui Mendonça e Tânia Almeida s valença › [12 Nov., 21h30 › auditório de verdoejo] [13 Nov., 21h30 › escola superior de ciências empresariais] [14 Nov., 21h30 › biblioteca municipal de valença] [15 Nov., 21h30 › junta de freguesia de s. pedro da torre] [16 Nov., 16h30 k JUNTA DE FREGUESIA DE GANDRA= s vila nova de cerveira › [19 Nov., 21h30 › junta de freguesia de nogueira] [20 Nov., 21h30 › junta de freguesia de loivo] [21 Nov., 21h30 › cine-teatro de v. n. cerveira ] [22 Nov., 21h30 › junta de freguesia de mentrestido] [23 Nov., 15h00 › junta de freguesia de reboreda] s paredes
de coura › [26 Nov., 21h30 › sede da ass. cultural de mozelos] [27 Nov., 21h30 › centro cultural]
[28 Nov., 21h30 › centro cultural] [29 Nov., 21h30 › sede da junta de freguesia de agualonga] [30 Nov., 21h30 k SEDE DA JUNTA DE FREGUESIA DE CRISTELO= s melgaço › [3 Dez., 21h30 › junta de freguesia de penso] [4 Dez., 21h00 › junta de freguesia de parada do monte] [5 Dez., 21h30 › casa da cultura de melgaço] [6 Dez., 21h30 › casa da cultura de melgaço] [7 Dez., 21h00 › centro civico de castro laboreiro] s monção › [10 Dez., 21h30 › eprami – escola profissional de monção] [11 Dez., 21h30 › escola básica e integrada de tangil] [12 Dez., 21h30 › junta de freguesia de ceivães] [13 Dez., 21h30 › casa do povo de barbeita] [14 Dez., 16h00 › casa do curro de monção] contactos: comediasdominho@gmail.com . comediasdominho.blogspot.com . www.comediasdominho.com . tel. 251 780 125 promotores:
patrocinador
estrutura financiada
Classificação:
M16 Entrada livre sujeita a lotação da sala 2008 .
© Rieder Promotions
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BERLIM - SÃO PETERSBURGO 225 ANOS DO TEATRO MARIINSKY EM BERLIM texto João Carneiro
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Enquanto as obras continuam, o Teatro Mariinsky, de São Petersburgo, percorre o mundo com programas intensos. No inicio de Outubro foi a vez da Deustche Oper, em Berlim, receber cinco óperas e dois bailados. Uma oportunidade rara para entrar a sério no universo criativo da mais prestigiada companhia de ópera e ballet do mundo.
O Teatro Mariinsky, de São Petersburgo comemora 225 anos em 2008. O número pode parecer menos evidente que 200, ou 250, no que diz respeito a motivos de celebração. Mas 200 é passado, 250 fica à distância de 25 anos. É muito tempo para Valery Gergiev, maestro e director artístico do teatro. As oportunidades são sempre boas para fazer qualquer coisa que possa beneficiar o teatro a que Gergiev parece ter devotado o tempo, a energia e o talento, coisas que possui em abundância, mas que estão longe de ser demais para manobrar com sucesso um barco cuja direcção se afigura das mais difíceis. O Mariinsky recuperou o nome que tinha antes do regime soviético, mas o ballet continua a ser, principalmente no estrangeiro, mais conhecido por Kirov – o presidente da câmara de Leninegrado cujo nome ficou assim aureolado de um prestígio invejável. Seja como for, gerir um teatro que tem residentes uma orquestra, uma companhia de ópera e uma companhia de ballet, num país onde a vida política, administrativa e económica é das mais agitadas, colocar toda esta estrutura no mapa das grandes companhias internacionais, estar à altura de um prestígio justificado em vários aspectos – tudo isto a partir de uma actividade essencialmente e intrinsecamente artística, escapando às conotações menos simpáticas que ensombram grande parte da Rússia actual, faz da vida de Gergiev e da actividade do Mariinsky um caso particular da cena artística mundial. As tournées servem, no caso do Mariinsky, quer para sedimentar a credibilidade artística do teatro, quer para angariar fundos de que a instituição necessita em permanência. Sob a orientação de Gergiev, a companhia procura mostrar um panorama tão diverso quanto possível das suas possibilidades. Assim, durante a estadia na Deutsche Oper, em Berlim, o Mariinsky apresentou três óperas e dois bailados – cinco programas diferentes, duas vezes cada produção. O tour de force valia a pena: Khovanschina, de Mussorgsky, A Dama de Espadas, de Tchaikovsky, O Nariz, de Shostakovitsch, quanto a óperas; O Lago
dos Cisnes e Le Corsaire, nos ballets. Tudo isto entre 30 de Setembro e 8 de Outubro, sem contar com uma gala dirigida por Gergiev, que também dirigiu a orquestra em todas as representações de ópera. As óperas As três óperas escolhidas são exemplos maiores da criação operística russa. Khovanschina teve a sua primeira apresentação em 1886, em são Petersburgo, e nunca chegou a ser terminada por Mussorgsky. Tal como Boris Godunov, também Rimsky- Korsakov produziu uma versão da ópera. Contudo, a escolha de Gergiev foi para a versão de Shostakovitsch, considerada mais próxima da letra e do espírito daquilo que Mussorgsky deixou. É uma ópera difícil, complexa, não tanto na sua recepção imediata – a música é extraordinária, e a estrutura dramático-musical é susceptível de prender a atenção desde o primeiro momento. A complexidade reside, antes de mais, na maneira de apresentar o conflito, uma questão de confronto político e religioso passada durante a segunda metade do século dezassete. Como todas as grandes obras, Khovanschina descreve problemas perante os quais somos levados a reflectir muito para além – ou muito antes, sequer – de pensarmos em resoluções. Como muitas obras da literatura russa, aliás, é uma obra sobre inquietações espirituais e morais, cruzadas com questões de poder e de comportamentos sociais, políticos e individuais. Do ponto de vista da execução, foi de longe a mais conseguida das três óperas. Gergiev estava aparentemente como peixe na água, a relação entre orquestra e cantores era praticamente perfeita, a encenação de Yuri Alexandrov a mais equlibrada na relação entre o canto, movimentação e representação. Os cenários, de Vjatscheslav Okunev, apontando para uma tradição realista, quase popular, serviam particularmente bem uma ópera que, recuperando materiais russos, tanto na temática narrativa como na arquitectura musical, radicando inteli-
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gentemente naquilo que é local, ultrapassa qualquer tipo de pitoresco para se situar no plano das grandes criações artísticas globais. Já O Nariz, de Shostakovitsch, se bem que servido por um conjunto de cantores de grande segurança, sofreu de vários desequilíbrios. A direcção de Gergiev não evitou a passagem da intensidade a uma espécie de brutalidade musical que nem sempre o maestro consegue, ou quer, evitar. A cenografia, de tendências citacionais vagamente modernistas, era pretensiosa e espalhafatosa. A direcção cénica foi, com frequência, penosa, a dimensão teatral do espectáculo parecia, por vezes, não ultrapassar o simples amadorismo. Alguns destes problemas afectaram ainda a representação da A Dama de Espadas, de Tschaikovsky, com libreto baseado no conto homónimo de Gogol, sujeito a algumas alterações, mais importantes no final da ópera do que durante o decurso da acção – na novela as personagens de Liza e de Hermann não morrem, na ópera suicidam-se. O grupo de cantores era notável, nomeadamente o Hermann de Maxim Axenov e a Polina de Jekaterina Sementschuk. Mais uma vez, cenários e direcção de actores estavam muito aquém das vozes, da competência da orquestra – é notável a precisão e correcção musical em todas as representações, num repertório cujas dificuldades de execução são à medida do gigantismo das obras. Mais uma vez, ainda, a orquestra soba a direcção de Gergiev era levada a extremos de intensidade que se arriscavam, desnecessariamente, a passar por barulho. O Ballet Já com o bailado as coisas são substancialmente diferentes. John Ardoin, no seu livro Valery Gergiev and the Kirov – a history of survival, refere um desabafo do maestro, supostamente depois de assistir a uma representação de D. Carlos, de Verdi, na encenação de Visconti, e a uma representação de Otello, também de Verdi, dirigida por Carlos Kleiber. ‘O que é que eles têm que nós temos? O que é necessário para elevar o Kirov a um nível internacional? E percebi que nos falta uma tradição cénica forte’. É verdade que essa falha se faz sentir com frequência na ópera. Mas no ballet tudo parece fazer parte de um edifício invulgarmente coerente. Le Corsaire é um caso exemplar. Trata-se de um ballet baseado muito livremente num poema de Byron, cuja música é um conjunto de retalhos e cuja eficácia temos todas as razões para desconfiar. Basicamente, trata-se de uma história de piratas e escravas – Conrad, Ali e Birbanto atirados à praia depois de um naufrágio; salvos por Medora e Gulnare; elas são feitas escravas pelos turcos; são salvas, depois, por Conrad, Ali e Birbanto; voltam a ser presas, e os piratas enganados; são novamente salvas, e, de barco, partem com os queridos piratas rumo a novas aventuras. Pelo meio temos direito à exibição de Lankedem o mercador de escravas: sempre que as raparigas são feitas prisioneiras, Lankedem organiza faustosos espectáculos para as apresentar aos clientes ricos. Para além de uma intrigante plasticidade dos conteúdos narrativos – Lankedem, organizando apresentações da sua mercadoria sob a forma de quadros em que o melhor da coreografia é rentabilizado, parece-se, curiosa e intrigantemente, com um encenador- produtor que apresenta os seus espectáculos a potenciais compradores. Que Lankedem também seja negociante de escravas, e que os clientes comprem as raparigas convencidos pelo espectáculo, parece uma ideia, hoje, no mínimo ousada. Que as raparigas pareçam esquecer os seus infortúnios enquanto dançam para os velhos ricos, e que acabem por ser salvas por uns outsiders, assemelha-se fortemente à arenga corrente sobre mainstream e marginália. Mas, para além
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das potencialidades da história e da interpretação, estão em jogo a extraordinária coreografia original de Petipa e esse inacreditável animal que é a companhia de ballet do Mariinsky, o Kirov. É evidente que a qualidade dos solistas é indiscutível, mas é verdade que entre solistas e corpo de baile existe uma continuidade e uma coerência que desconhecemos em quase todas as outras companhias – o ballet da ópera de Paris é, a este respeito, uma das poucas excepções. Trata-se de uma companhia cujos membros provêm de uma mesma escola, solistas ou não; em que os professores são antigos bailarinos e bailarinas, que dirigem e orientam os jovens artistas na criação de papéis e de personagens de que eles, professores, têm, frequentemente, conhecimento directo. Este tipo de circuito fechado, se pode travar influências por vezes saudáveis, é garantia de uma fortíssima coesão artística e técnica. Petipa, trinta e cinco anos com o ballet em S. Petersburgo, foi decisivo na elaboração de uma lógica estruturante para a dança clássica; Fokine, depois dele, aprofundou a necessidade de fundir, nas suas próprias palavras “música, pintura, artes plásticas”, num conjunto dominado pela harmonia, de tal modo que, para Balanchine – um produto também da escola do Mariinsky – Fokine “inventou o conjunto no ballet”. Depois da influência de Agrippina Vaganova, que reuniu o melhor que a Rússia possuía na tradição do ballet e organizou um corpus didáctico coerente cuja influência vem até hoje, o Kirov parece apostado em mostrar até que ponto aquilo que os seus bailarinos fazem é o resultado de um trabalho sobre as “possibilidades naturais do corpo humano”, como sugere outra representante da escola do Mariinsky, Natalia Makarova. Os intérpretes Curiosamente, os bailarinos da companhia não são máquinas, nem procuram ser. A sua extraordinária competência técnica não rasura a individualidade do intérprete, e este aspecto nunca é tão evidente como no caso do corpo de baile. É justamente no caso em que o conjunto é mais importante, ou mais evidente, em que o efeito de conjunto parece o resultado de uma reprodução de dezenas de figuras iguais, que a individualidade de cada membro continua a ser importante, na maneira como cada um realiza a mesma figura que o bailarino ou a bailarina que está ao seu lado. Aklina Somiowa pode ser, e é, absolutamente perfeita no papel de Odette-Odile, no Lago dos Cisnes; Andrei Iwanow pode ser, e é, assombroso de virtuosismo no papel de bobo, no mesmo ballet; são, contudo e sempre, intérpretes em que a dimensão humana não é escondida, em que as limitações são naturais; simplesmente, são capazes de fazer certas coisas melhor do que outros. E o corpo de baile é tanto um eco dos solistas, quanto estes são como que uma parte de um conjunto de que nunca se separam completamente. Finalmente, o grau superlativo da interpretação de o Lago dos Cisnes pelo Kirov vem recolocar a questão da dança clássica como lugar privilegiado de articulação entre dança narrativa e dança enquanto movimento puro, abstracção cinética criada pelo corpo humano. Que a relação do movimento com a música seja, como no caso dos ballets com música de Tschaikovsky, um caso de dramaturgia tão relevante e original como o da ópera, investe o ballet de uma estranheza fortemente contemporânea e de um fascínio incontornável.
John Ardoin, Valery gergiev and the Kirov – a history of survival, Amadeus Press, Portland, Oregon, 2001, pp. 212 Ardoin, op. cit., pp. 138; Ardoin, op. cit., pp. 138; Ardoin, op. cit., pp. 65
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LIVROS
HISTÓRIA DE UMA FORMAÇÃO BESTAS DE LUGAR NENHUM, DE UZODINMA IWEALA texto António Quadros Ferro
Deixemo-nos de literaturas: a criança-soldado que sangra este livro é filha de cada um de nós. José Amaro Dionísio
Dentro da boa literatura existe aquela da qual lembramos apenas um silêncio. (Os maus livros normalmente não nos vêem à memória, não são sequer silêncio e serão, na sua grande maioria, menos que Literatura). Bestas de Lugar Nenhum de Uzodinma Iweala, (EUA, 1984) publicado em Outubro de 2008 pela Antígona, editores refractários, com tradução de Carla da Silva Pereira, é um desses raríssimos exemplos onde a realidade das coisas não é refúgio para aquilo que acabámos de ler. Falo do modo como se sentem as palavras de Adu na escrita de Iweala, no corpo da criança engolida em óleo de arma para afastar os fantasmas e se retirar a si da morte, (drogada com o medo, drogada com a própria morte, drogada por ser só uma criança e não ser ainda mais que isso e lutando já, como os adultos, pela sua dose de veneno), falo da noite e do campo de batalha que percorre rindo, segurando a espingarda, da criança que mata e enlouquece a sua inocência o mais depressa que pode, e falo do silêncio-esquecimento que atravessa esta história, e outras suas semelhantes, onde o mais difícil, como se sabe, é escolher as palavras, o modo de empregar o horror: “(O
Comandante) agarra na minha mão e abaixa com muita força na cabeça do inimigo. Sinto como que choque eléctrico no corpo todo. O homem grita AIIIII mais alto que assobio de bala, e depois mete mão na cabeça, mas não vale nada porque cabeça racha e deita sangue como coco deita leite (..) E então dou no ombro dele e depois no peito dele, e reparo que o Comandante sorri cada vez que a minha faca acerta no homem. O Strika junta a mim e a gente dois batemos e damos com a faca enquanto outros riem. Parece que mundo gira muito devagarinho e eu vejo cada gota de sangue e cada pingo de suor que voa para aqui e para ali. Ouço pássaro que batem asas e levantam voo das árvores. Parece trovoada.” O modo de empregar o horror, Iweala consegue-o quase sempre nestas páginas. Coloca-nos, do início ao fim, no lugar certo, na cabeça de uma criança; a forma pura do começo em qualquer situação. Mas aqui, tudo é exageradamente contrário ao nascimento. Bestas de Lugar Nenhum é em certa medida uma história de formação, mas onde o percurso se faz ao contrário, no sentido da decadência, da destruição, da morte. Porque a morte é contínua, substantiva: auto-consciente.
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Não termina. É uma essência viva, rápida e ininterrupta como a loucura. Tem o tempo de uma guerra, mas ultrapassa-a. Diz respeito a todos. Porque este não-lugar, que ninguém quer ver, é habitado por gente, é a nossa loucura que vemos nestas páginas e não há como não nos reconhecermos nela: “(…)Estou sentado na rede e ouço que ele vem para mim. Tira a minha roupa e depois senta ao meu lado, com respiração difícil (…) Encolho a língua dentro da boca porque tenho medo de arrancar ela à dentada para aguentar com dor. (…) Ele mete mão na minha nuca e custa engolir. Ele olha para as minhas costas, e sinto olhos dele para cima e para baixo no meu corpo nu. Sinto olhar dele que rasteja na pele como muita formiga junta a andar assim devagarinho na terra e a comer o mundo inteiro aos bocadinhos (…) Começam a correr lágrimas pela minha cara abaixo e misturam com cuspo na almofada. Quero dizer a ele que não posso lutar mais já, que a minha cabeça está a ficar podre, como parte de dentro da fruta”. Em Bestas de Lugar Nenhum estamos, desde o início, perante esta descoberta: Adu é algo em que Adu se vai tornando, desde a epígrafe, (“Esta insurreição vai despertar a besta em nós”) de Fela Kuti, às palavras de Iweala (“É um exercício, uma experiência, é verdadeira e autenticamente uma tentativa de capturar múltiplas vidas de sofrimento em pouco mais de cem páginas.”), até à sensação, no final, de que bestas somos todos. O texto é escrito com recurso a uma linguagem invulgar, sonora em todas as suas variações, em boa parte devido à utilização do pidgin nigeriano, mas também à forma violenta como Iweala, inspirado em autores como Amus Tutuola, representa vocalmente a história sangrenta de Adu. Esteve no palco com o mesmo silêncio de murro no estômago em 2007, com uma adaptação de Benjamin Verdonck, Fumiyo Ikeda e Alain Platel em Nine Finger, apresentado no Alkantara Festival em Junho passado (na foto, DR). Recebeu, entre outras distinções, o prémio Sue Kaufman da Academia Americana de Artes e Letras e um destaque na revista Granta. Bestas de Lugar Nenhum, o livro de estreia de Uzodinma Iweala, que impressionou Salman Rushdie, e que Eduardo Agualusa sugeriu que fosse traduzido para português, é seguramente, aquilo que este jovem escritor norte-americano desejava:
um tributo àqueles que muito sofreram nas mãos do abuso directo e da negligencia internacional (€XX). Leia na OBSCENA 11/12 o texto de Jean-Marc Adolphe a propósito da peça Nine Finger. Ouça o autor a ler um excerto da obra: http://www.kwls.org/lit/kwls_blog/2008/07/uzodinma_iweala_2008beasts_of.cfm
OS PÁSSAROS CONTINUAM A CANTAR Nine finger não é um espectáculo triste nem desesperante, até vamos ouvindo o canto dos pássaros, pois estes pouco querem saber da guerra ou dos massacres e continuam a cantar dia e noite para a Terra que, mesmo assassina, sobreviverá a todas as atrocidades que os homens serão capazes de inventar. Mas se quiserem apenas pas-sar uma noite agradável, sozinhos ou entre amigos; se pensam que é mais confortável não ver e saber o que se passa no mundo de hoje; se detestam serem arrebatados por um espectáculo, fica um conselho: sobretudo, não vejam Nine finger de fumiyoikedaalainplatelbenjaminverdonck . Excerto da crítica de Jean-Marc Adolphe publicada na OBSCENA #11/12
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NEM TUDO É VERDADE texto João Carneiro
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A recente encenação de Cabaret tem na sua origem não apenas o filme de Bob Fosse ou o de Fred Ebb e John Kander mas também dois livros de Christopher Isherwood que não são meras descrições de Berlim.
No curto texto intitulado Ao Leitor, que serve de introdução ao livro Lions and Shadows, Christopher Isherwood escreve, a certa altura do terceiro e último parágrafo: “Leia-o como um romance”. Refere-se ao livro em questão, claro está. E a afirmação tem uma razão de ser, descrita umas linhas antes, no primeiro parágrafo: “É melhor começar por dizer o que este livro não é: não é, no sentido jornalístico habitual da palavra, uma autobiografia; não contém ‘revelações’; nunca é ‘indiscreto’; nem sequer é inteiramente ‘verdadeiro’.” Toda esta página é um extraordinário fragmento literário. Não apenas pelo estilo, preciso, cuidado, elegante, o que é sempre o caso de Isherwood. Mas, e principalmente, porque nos situa de imediato num terreno que, neste e noutros livros do autor, não nos vai abandonar mais: o que é que estamos a ler? Não é uma autobiografia, diz-nos Isherwood, apesar de a personagem central, quem escreve coisas sobre si próprio, se chamar Christopher Isherwood; não é uma autobiografia porque não faz “revelações”, não é “indiscreto”, e nem sequer “verdadeiro”. Qualquer leitor rapidamente se dá conta de que nenhum destes predicados conta para a questão “autobiografia”. Não ser indiscreto nem fazer revelações conta, sim, mas como estilo – “O estilo é o homem”, diz também o nosso autor, noutro passo. Sorte a nossa estarmos livres de “revelações” e de “indiscrições” (coisas jornalísticas, fomos avisados logo no início). Nem tudo é verdadeiro? Outro aspecto que não nos poderia interessar menos. Acreditamos ou não naquilo que lemos, e isso sim, é que interessa. Fortalecidos, quase sem darmos por isso, pelas sábias palavras do texto Ao Leitor, estamos mais bem preparados para entrar no resto do livro; mas, de facto, já lá estamos. Estamos no livro que temos entre as mãos, e estamos nos outros livros de Isherwood. Estamos num terreno em que a ficção é feita de coisas que parecem verdadeiras, apenas porque acreditamos nelas, porque são verosímeis. Parecem verdadeiras, e são verosímeis porque queremos que assim seja. Grande parte do extraordinário talento de Christopher Isherwood está, justamente, em fazer coincidir verosimilhança com vontade de acreditar. A força destes escritos, ficcionais ou autobiográficos, está no facto de não fazerem ‘revelações’ nem serem ‘indiscretos’. Revelações e indiscrições são aqui eufemismos para grosseria; mas são também aquilo que não permite a sugestão, a abertura para um mundo infinito de possibilidades, que é aquilo de que gostamos nos livros.
Numa altura em que Cabaret é apresentado num teatro de Lisboa, e qualquer que seja a opinião que se tenha sobre o espectáculo, vale a pena referir, uma vez mais, a particular qualidade da peça, que decorre da música, do texto, e de uma estrutura literária, dramatúrgica, ficcional, que resiste à maior parte das realizações cénicas do texto. A história e as personagens da peça vêm, essencialmente, de dois livros: Mr. Norris Changes Trains (1935) e Goodbye to Berlin (1939). O primeiro é escrito como um romance tradicional, começando com um encontro entre o narrador, Clifford Bradshaw, e um tal Arthur Norris, num comboio que os vai levar à Alemanha, e a Berlim. Mr. Norris Changes Trains passa-se numa Berlim em que a sombra do nazismo está sempre presente, mas onde as pessoas se divertem numa espécie de aventura permanente entre Cabarets, reuniões do partido comunista, encontros à tarde para cafés. Nada especialmente grandioso, tudo num registo quase doméstico, ou melhor, pessoal, privado. É um livro sobre relações entre pessoas aparentemente normais, com empregos insignificantes e muitas vezes sem dinheiro nenhum. Mas como podem ser fascinantes a descrição e recriação das existências normais feitas pela literatura! Mr. Norris Changes Trains é um livro feito de encontros e desencontros, feito principalmente de momentos de separação. As personagens desaparecem de vez em quando, acabam por reaparecer, até ao momento em que se vão realmente embora: Arthur Norris vai desaparecendo a partir de postais cada vez mais espaçados, que recriam em cada vez menos linhas tudo aquilo que se foi passando em Berlim ao longo do romance. Fraulein Schroeder, a quem o narrador aluga um quarto, está sempre à beira de se separar dos hóspedes, última esperança de uma vida normal. E Otto, o rapaz proletário que circula em todos os meios, que vive um tempo com Anni, que é amigo do narrador e de quem o narrador é amigo, personagem chave a partir da qual se pode inferir um mundo infindável de sentimentos, de revelações e de indiscrições, que não sendo feitas, alimentam a imaginação e percorrem a mais extraordinária das descrições, também desaparece: “Otto virou-se uma vez para olhar para trás. Acenou com a mão, com vivacidade, e sorriu. Depois enfiou as mãos nos bolsos, arqueou os ombros e afastou-se rapidamente, com o movimento pesado e ágil de um boxeur, pela rua escura abaixo em direcção à praça iluminada, para se perder por entre a multidão sem rumo dos seus inimigos. Nunca mais o vi ou tive notícias dele.”.
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LIVROS
Apesar desta descrição, tão elegante quanto pungente, Otto regressa no livro Goodbye to Berlin. São seis partes, das quais a primeira e a última têm o mesmo título, A Berlin Diary; outono de 1930, a primeira, Inverno de 1932 – 33, a última. Pelo meio as secções chamam-se Sally Bowles, On Ruegen Island (Summer 1931), The Nowaks e The Landauers. É uma organização impressionante de subtileza, construindo uma narrativa global que parece ser um conjunto de episódios soltos, fruto de memórias e de uma vida numa cidade durante cerca de dois anos – o que também é verdade. Otto aparece em On Ruegen Island, onde passam férias o narrador – Christopher, herr Issivo, como lhe chama a sua locatária, a nossa já conhecida Fraulein Scroeder - e, entre outras pessoas, Peter Wilkinson, um inglês, e Otto Nowak, “um rapaz alemão da classe operária de Berlim”, com dezasseis ou dezassete anos. Nunca nada é dito sobre o carácter da relação entre Peter e Otto, a não ser sobre as discussões, geralmente motivadas pela tendência de Otto para sair e ir dançar com raparigas que o não largam, e a que Otto dificilmente resiste. Um dia Otto desaparece, e Peter acaba por ir embora, desolado e despontado. Sozinho, o nosso Christopher parte também: “…de repente, o lugar parece tão solitário. Sinto a falta de Peter e de Otto, e das suas discussões quotidianas, muito mais do que poderia ter suspeitado. E agora as companheiras de dança de Otto deixaram de passear tristemente ao por do sol, debaixo da minha janela.” No capítulo seguinte, Christopher aluga um quarto em casa dos Nowak (pai, mãe, Otto e os irmãos), numa zona pobre da cidade. Sobre uma possível relação sentimental entre os dois, nada é dito, Em vez disso, e num extraordinário exercício de elipse, Christopher vai conhecer a vida da cidade a partir de Otto, da sua família, dos seus amigos – um ponto de vista proletário. E logo a seguir, The Landauers, descreve a vida de uma família rica e judia, cuja filha é aluna de Christopher. Existe, é claro, uma secção intitulada Sally Bowles, a mesma, pelo menos com mesmo nome, que figura em Cabaret. No livro ela canta no Lady Windermere, um bar “informal” e de tendências artísticas, perto da Tauentzeinstrasse “cujo proprietário tinha, com toda a evidência, tentado tornar tão parecido quanto possível com Montparnasse.”. Sally canta mal e sem expressão, mas é atraente e tem o seu público. A descrição da personagem e da relação entre o narrador e Sally é um prodígio de caracterização e de uma espécie de sentimentalismo contido pela elegância do estilo. A ironia nunca é cáustica, mas sim afável; quando Sally pergunta a Christopher se ele acredita nela, ele responde “Bom..tenho a certeza que vais ter imenso sucesso em qualquer coisa – só que não sei bem em quê… quer dizer, há tantas coisas que podias fazer se tentasses, não há?”. Como não podia deixar de ser, a relação termina com uma separação, postais cada vez mais raros, e uma declaração cuja força emocional só tem paralelo na contenção estilística. Depois de seis anos sem notícias, Christopher escreve, no fim do capítulo: “Por isso estou a escrever isto para ela. Quando leres isto, Sally – se alguma vez o fizeres – por favor, aceita-o como um tributo, o mais sincero que posso fazer, a ti e à nossa amizade. E envia-me outro postal.” Os dois contos estão reunidos num só volume, que incluem outras histórias, intitulado The Berlin Novels (Vintage, 9,20€)
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#5 - jun/jul.07 #15 - out.08
#8 - dez/jan.07
#4 - mai.07 #13/14 - jun/jul.08
#7 - nov.07
#3 - abr.07 #11/12 - abr/mai.08
#6 - out.07
#2 - mar.07
#1 - fev.07 #9 - fev.08
#10 - mar.08
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ESPECTÁCULOS
PODEM ENTRAR, É INOFENSIVO! CABARET, ENCENAÇÃO DE DIOGO INFANTE texto Tiago Bartolomeu Costa
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O risco, grande dadas as referências colectivas, os custos, necessariamente elevados dados os constrangimentos de contrato internacional de produção, e a pressão mediática a que se sujeita, são razões mais do que suficientes para que uma encenação contemporânea de um musical como Cabaret, originalmente estreado em 1966, seja entendida como um objecto demasiado sério e menos efusivo do que se pretende. Por consequência, qualquer leitura, mais ou menos ideológica ou mais ou menos manietada por visões extra-espectáculo deve ter em conta que não pode apenas ser o desejo feérico a sustentar a escolha de o encenar. É verdade que a encenação de Diogo Infante, porque se inspira mais no guião do musical de John Kander e Fred Ebb que no filme de Bob Fosse (1972), regressando assim a uma origem também ela já objecto de filtragem dramatúrgica (a peça I am a camera, de John Van Druten e as histórias Goodbye to Berlin e Mr. Norris Changes Trains, de Christopher Isherwood), sobrevive à maior parte dos preconceitos que se possam ter com a escolha. Até mesmo os momentos menos felizes – sobretudo vindos da coreografia (Marco de Camillis) que disfarça mal o modelo cinematográfico e por isso é medíocre na sua estruturação e pouco consciente das potencialidades dramáticas dos corpos das personagens errantes que vivem no Kit Kat Klub -, resistem perante a energia da peça, entusiasmante e, se sem grandes rasgos, mantida ao longo das duas horas e quinze minutos de duração. Uma das suas principais mais valias é o facto de não ser demasiadamente feérica (há mesmo um sentido de tragédia, poderíamos dizer maquilhado com produtos de terceira, o que dá a tudo uma irresistível patine) e ser surpreendentemente consciente das dimensões queer de algumas das histórias. A datação da peça, e das histórias, cria um tempo cénico e teatral particular que não parece querer inscrever-se no tempo no qual se apresenta. O que liberta a peça de uma ambição desmedida e a transforma num exercício meramente teatral (razão última para a sua remontagem) que permite distinguir o bom (os jogos entre o Mestre de Cerimónias/ Henrique Feist e o corpo de baile) e o péssimo (a cena final simulando uma câmara de gás) Ao ser obrigado a conceber outras soluções que garantam, pelo menos, um desenvolvimento narrativo autónomo da linguagem impositiva do cinema - mas nunca escondendo o desejo de multiplicação de cenários, apressando algumas mutações e repetindo outras que carregam em demasia, sobretudo nas mais breves, o tempo de construção espacial das cenas, fechando-as em micro-narrativas -, Diogo Infante gere várias fontes dramatúrgicas tentando libertar-se do filme e da peça, o que, invariavelmente desbarata situações seguras, como o triângulo Sally Bowles/ Ana Lúcia Palminha, Cliff Bradshaw/ Pedro Laginha e Ernst Ludwig/ Carlos Gomes, que era a linha do filme, e que desaparece completamente. Tal opção provoca um resultado desigual que nem sequer a virtuosa interpretação de Feist consegue “colar”. Há um nivelamento das histórias que faz sobressair umas menos evidentes e interessantes (o casal Isabel Ruth/ Fraulein Schneider e Fernando Gomes/ Herr Schultz que descobre o amor na Terceira idade mas que o contexto político não facilita – ele é judeu) e outras nitidamente esforçadas (os engates de Fraulein Kost/ Paula Fonseca, rameira barata sem nenhuma evolução) num elenco de ac-
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tores e músicos com segurança e que, notoriamente, o tempo ajudou a encorpar. O resultado final não é particularmente inovador do ponto de vista dramatúrgico, e muito menos enquanto exercício de encenação (Diogo Infante é só cumpridor de um plano) mas a ideia geral não é pretensiosa nem tenta disfarçar-se do que não é (não é um espectáculo inesquecível). A encenação pede aos intérpretes que representem sem que se percam em demasiados jogos de mímica (que existem), salvando, com o seu carisma algumas delas da sua dimensão cartoonesca, ou de cartão (David Ripado no duplo papel de Bobby, pretenso amante de Cliff em clubes idos, e jovem Nazi é, nesse aspecto, uma revelação). Mas não deixa, por isso mesmo, de ser uma surpresa que uma peça que reconhece a importância de ter actores que possam defender personagens (ao contrário do último musical de Filipe La Féria, Um Violino no Telhado, actualmente em exibição no Rivoli Teatro Municipal, no Porto – opção tanto mais surpreendente quando comparada com outros musicais como Música no Coração e Minha Linda Senhora), desperdice o potencial dramático de uma figura bigger than life como é Sally Bowles. Poderemos sempre dizer que a comparação com o ícone Liza Milenni corre contra Ana Lúcia Palminha. É verdade, não por incapacidade da actriz (que dispensava o estardalhaço mediático do programa de televisão À Procura de Sally), mas antes por falta de espessura de uma personagem que de protagonista no filme (força motriz da história e, naturalmente, veículo mediático da peça) passa a figura de segunda ordem, se não da espessura bidimensional da Fraulein Kost (com quase tanto tempo de cena quanto Sally Bowles) ou de Cliff Bradshaw (anódino aspirante a escritor cuja interpretação desperdiça a ambiguidade sexual, política e estratégica da sua personagem), estranhamente pouco explorada. Não deixa de ficar a sensação de que o encenador, de tanto querer fugir ao modelo acabou por se contentar com uma qualquer outra coisa, a fazer as vezes mas nem tanto. Nem a canção Maybe this time, momento-chave de profunda crença antes da inevitável queda (interpretação bastante superior a Cabaret) faz evadir a sensação de que Diogo Infante receou o peso da personagem e, por isso, tratou de a extirpar de praticamente toda a carga simbólica que tão bem, e de forma nada impositiva, Liza Minelli desenhava. Não obstante, o notável desenho de som, o envolvente desenho de luz, as adequadas adaptações musicais (com excepção de Money, money) destacam-se da mediania do cenário, do mau gosto dos figurinos e da facilidade da coreografia. No todo, talvez a grande vantagem seja precisamente o facto de que a pretensão da encenação esteja concentrada no desejo pessoal do encenador – vertida aliás para uns indecifráveis textos do programa e toda a campanha de promoção que ilude e alimenta os preconceitos. Por isso mesmo, e porque a fasquia estava demasiado elevada, Cabaret é, afinal (e se não quisermos insistir em questões para-teatrais), uma bela noite de entretenimento, para citar um dos espectadores da noite em que assisti. A peça apresenta-se até dia 15 de Fevereiro no Maria Matos – Teatro Municipal, em Lisboa.
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PONTO CRÍTICO
Eugénia Vasques
A HERANÇA DE CABARET
Até aos anos 80, o território do teatro ainda se dividia, embora forçadamente, entre “teatro independente” e “teatro comercial” e era neste último sector, leia-se Parque Mayer, que se acantonava o teatro musical português. O primeiro gesto de perturbação deste status quo veio do estrangeirado Ricardo Pais que, desde meados dos anos 70, agitava o jansenismo nacional com as suas experiências musicais de grande requinte com o que, de certo modo, introduziu no nosso fechado teatro, a estética pós-moderna. A Comuna, por seu lado, no início da década de 80, desenhava uma estratégia programática de apelo e alargamento das audiências por meio de uma programação que intercalava o teatro de autor com um teatro musical “revisteiro” por meio da fórmula caféteatro, um espaço criado naquela Companhia em 1980.
Entretanto, foram acontecendo experiências de vulto, como foi o caso maior de Cálice de Porto, no Seiva Trupe, dos espectáculos do Teatro Infantil de Lisboa, os de Fernando Gomes, os espectáculos pontuais de actores em bares, até que, na década de 90, Filipe Lá Féria baralha os dados, cria o seu modelo de teatro musical, abandona a Casa da Comedia e lança uma indústria à nossa dimensão com sede no Teatro Politeama (e agora com eventual ramificação no Teatro Rivoli do Porto). O próprio “teatro sério” não fica também indiferente à criação musical. No decurso dos anos 90, as experiências musicais mais relevantes entroncam no “teatro épico” e, com Brecht no horizonte próximo, são criados importantes espectáculos musicais no Bando – que “inventa” uma ópera épica de texto português – e no Novo Grupo, onde João
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Lourenço apresenta uma versão de grande qualidade da Ópera dos Três Vinténs (a que voltaria este ano, com renovado elenco). Passado o crivo do início dos anos 2000, o teatro português redefiniu fronteiras graças às novas gerações no terreno e graças às novas regras de financiamento promovidas pelo Estado. Esboçam-se novas áreas de influência, afirmam-se os novos maveriks e a relação com o musical continua snob (ainda que não ideológica) e, para além da recente “descoberta” do filão dos musicais “para adolescentes”, por parte de estruturas com ou sem relação com o teatro, só o Meridional parece ter sabido inventar qualquer coisa que se aproxima de um modelo (musical) intracultural. Diogo Infante é um dos novos maveriks cujo poder lhe advém da sua independência face às Companhias estabelecidas, da sua relação, sem preconceitos, com o mercado e, claro, do seu carisma natural, talento e capacidade de execução. Tudo isto lhe tem acarretado simultaneamente a popularidade e uma espécie de sobrolho carregado da parte da «classe» teatral em virtude do que é entendido como o seu «facilitismo» e, sobretudo, da sua privilegiada relação com a televisão. Ora foi justamente na televisão que, como se sabe (À Procura de Sally) começou o historial deste amado (pelo público) e desprezado (pelos outros maveriks, velhos e jovens) Cabaret. As críticas mais substantivas ao trabalho concreto dizem respeito à falta de “coerência dramatúrgica” ou de “rigor histórico” - leia-se uma criação de ambientes respeitando mais os sinais, realistas, da situação evocada pela acção que decorre na República de Weimar, na passagem de 1929 para os anos 30 -, à falta de criatividade da coreografia (Marco de Camillis), à falta de glamour dos figurinos (Maria Gonzaga), à pouca imaginação da cenografia (Catarina Amaro) ou à falta de acerto prosódico da tradução dos versos das canções (Ana Zanatti). Ainda que eu possa concordar, tecnicamente, com alguns (mas só alguns) destes reparos, a verdade, porém, é que o espectáculo, que não é, nem pode ser “realista”, afirma-se, comove e é – sem comparações inapropriadas com a super-encenação de Sam Mendes – um EXCELENTE espectáculo de actores! Para além da nossa Sally, a excelente actriz Ana Lúcia Palminha (não vi Sara Campina), do tocante Henrique Feist (que recria o papel que esboçou na TV), dos nossos comoventes Isabel Ruth e Fernando Gomes, da terrível Paula Fonseca, do intrigante Carlos Gomes, do ambíguo Pedro Laginha – aliás, actor e vocalista dos Mundo Cão --, da preciosa Adriana Queiroz, das bailarinas e bailarinos, cantoras e cantores, o que está em cena, no Kit Kat Klub, é Portugal: o da televisão, o da corrupção, o da intriga política, o da xeno e outras fobias, e, claro, o do encenador. Este é aliás um dos traços distintivos da linguagem em crescendo de Diogo Infante: uma resposta ao mundo sob forma de teatro.
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O MUNDO-PALCO JOGO DE CENA
FILME DE EDUARDO COUTINHO texto Tiago Manaia
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A frase de William Shakespeare, “ o mundo é um palco” ficou connosco para a eternidade. A simplicidade com que Shakespeare descreve, numa tirada, a vida que se mistura à ficção, resume bem a “confusão” que cativa (muitas vezes) o espectador perante uma obra dramática. Grande parte das histórias que nos são contadas têm fundo real, mas a realidade quando transformada em ficção depende do que nos conta a história. Pode ser tão crua como a vida quotidiana, mas surge sempre transformada na magia de um actor, ou na prosa de um escritor, transportando assim a realidade para o mundo dos sonhos, modificando-a da vida. A ficção é um escape para o espectador, mesmo quando mostra realidade. Por isso tantas vezes no cinema, o físico das personagens é mais bonito, os espaços mais abertos, as casas mais polidas. Porque uma história pretende sonho, mesmo quando no cinema apareceram dogmas para tornar as narrativas mais cruas, os actores continuam a transportar um pouco de irrealidade (e a luz da película embeleza aquela vida; a banda sonora dá-lhe dinâmica). Como deve o actor levar a realidade crua, violenta para a ficção? Eduardo Coutinho, realizador brasileiro de documentários, alimenta no seu filme Jogo de Cena esta questão sobrepondo relatos de mulheres reais com interpretações de actrizes. Respondendo a um anúncio de jornal, 23 mulheres foram escolhidas para contar um momento marcante nas suas vidas. O realizador, ao perceber que a câmara as levava a embelezar os factos, decide pedir a actrizes profissionais uma interpretação dos mesmos testemunhos. As actrizes dão-lhes uma vida diferente, aproximam-se mais de ficção, ou talvez não, talvez aquelas histórias se parecem já demasiado com cinema. Numa tentativa de confundir o espectador, os relatos reais misturamse com os momentos representados. Afinal aquelas mulheres contam a vida delas, quem são as actrizes? Quem representa e quem conta verdade? Quando estes testemunhos são interpretados por actrizes celebres (Marília Pêra, Andréa Beltrão, Fernanda Torres), as histórias verídicas passam de imediato para o universo ficcional. O espectador conhece aqueles rostos, está habituado a eles. As actrizes acrescentam-lhe técnica e emoção necessária. Sabemos que o realizador lhes pediu para não copiar as pessoas que viram nos vídeos, mas sim interpretar. Assistimos assim a três resultados diferentes. Marília Pêra tem a seu cargo uma pessoa característica, com tiques de expressão, gestos fortes. A mulher real que deve interpretar, quando esteve perante a câmara de Coutinho, comoveu-se e pouco se escondeu. Marília Pêra faz exactamente o contrário; não usa os grandes gestos, não utiliza a mesma linguagem crua, retêm lágrimas de emoção e quando canta ajusta a sua voz para não desafinar. Mas conta exactamente a mesma história. Podemos dizer que lhe dá uma dimensão dramática, adaptando-a ao seu físico. Embeleza a realidade, contorna o real, aproxima o sonho. Ao mostrar um frasco de um cristal japonês, diz que as lágrimas estão ao seu alcance. Se for essa a vontade do realizador passa o cristal perto dos olhos, chora muito se for necessário.
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A actriz Andréa Beltrão deve recriar uma mulher que perdeu o seu filho e foi abandonada pelo marido. Neste caso, as palavras que a pessoa real utilizou vão surpreender a sua interpretação, a actriz comovese. A sua emoção está num lugar diferente da mulher que interpreta. Enquanto pessoa tem outros valores e não consegue abdicar deles durante o relato. Por isso chora. Diz mesmo que seriam necessários muito ensaios para não chorar, para ter a serenidade da pessoa que tenta recriar. Esquecemos o rosto de actriz célebre, enquanto espectador agarramo-nos à emoção, deixamos de ver Andréa Beltrão e passamos a ver uma personagem com vida própria. No caso de Marília Pêra pensamos: aqui está a actriz tal, a contar uma história... Não nos conseguimos distanciar da sua notoriedade. Fernanda Torres, tenta logo desde o início encontrar uma energia parecida com a pessoa que lhe foi atribuída. Mas a actriz bloqueia, diz que as palavras do texto que decorou saem antes da memória, ou que a sua memória é mais lenta que a da personagem que tenta encarnar. Sente que está a mentir, sente-se esmagada. Fica com a boca seca, a cara treme. Enquanto o espectador não é confrontado com o relato da mulher real, não percebe o que a faz bloquear. Porque a sua representação não soa falsa. Mas a actriz confessa não se sentir à altura da realidade. Diz que quando as personagens não existem, não pode ser confrontada com uma possibilidade de mediocridade na sua interpretação. Ali está sempre a comparar-se a pessoa que tenta imitar, não se consegue separar dela. É magnífico poder ver uma actriz de tal dimensão com dúvidas, vergonha ou pudor. Ver que quando o seu trabalho é exposto a um público (neste caso a equipa que a filma), sente inibições que não sentira antes, quando em casa ensaiou sozinha. Neste caso o corpo do actor é surpresa, ganha uma dimensão diferente quando revela fraqueza. Isso também cativa o espectador, mas Fernanda Torres sente-se frustrada neste processo. Os outros depoimentos do documentário confundem: nem sempre um relato que parece real é verdadeiro. Quando nos parece estar a ver uma pessoa da rua, a farsa é desmanchada por um olhar que se dirige directamente a câmara; trata-se de uma actriz. Mas este jogo só é possível quando as actrizes são desconhecidas do grande público. E é numa mistura alucinante de relatos dramáticos, de histórias difíceis que por vezes se tornam cómicas, de vidas que se procuram na religião e nos poderes sobrenaturais que o espectador de Jogo de Cena encontra cinema. Os relatos no documentário de Eduardo Coutinho falam todos eles de sonhos, aquelas mulheres parecem ter procurado a câmara de filmar para os alcançar. Como se a tela tivesse essa poder, de transformar todos os que nela entram num momento de esperança. A ficção neste filme defende-se da realidade, defende-se dela quando a transporta para o palco. O mundo é palco novamente.
Jogo de Cena apresentou-se em Portugal no último DocLisboa, em Outubro passado. Para saber mais sobre o filme consulte: http://www.cinemaemcena.com.br/jogodecena/blog.asp. O trailer do filme pode ser visto em http://www.youtube.com/watch?v=i2UbAt6lTL8. Pode ainda ver entrevistas com o realizador aqui: http://www.youtube.com/watch?v=_4qV7pdhOnw e aqui: http://www.youtube.com/watch?v=m0PhyNIf7e0
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A FACE OCULTA
António Pinto Ribeiro
NAS MONTANHAS DE MPUMALANGA COM JOSEPH CONRAD E J.M. COETZEE que começam nas bermas da estrada para facilitarem o transporte das madeiras. Confirma-o a quantidade de camiões e atrelados com que nos cruzamos, conduzidos por camionistas prestáveis e cordiais, que facilitam a viagem aos automobilistas nos seus carros familiares ou jipes. Esta paisagem nada tem a ver com a floresta tropical e ameaçadora do Rio Congo, cenário do livro de Joseph Conrad, O Coração das Trevas. Novela escrita em 1902, foi publicada originariamente em três números consecutivos da Blackwood’s Magazine, e serviu de inspiração a Francis Ford Coppola para o filme Apocalipse Now. Hoje é difícil ler este livro sem que as imagens do filme se interponham constantemente. Tal a força da obra realizada por Coppola, conseguida também graças à engenhosa adaptação do script. O livro é, no entanto, também avassalador. Trata-se de uma viagem de descoberta ao interior de África, que é também uma viagem iniciática a nenhum lugar especial. Uma viagem ao interior do personagem Marlow, em confronto com uma natureza estranha, indomável, adversa que, muitas vezes, incarna o mal, juntamente com essa figura das trevas florestais protagonizada por Kurtz. A natureza é aqui aquilo que todos os exploradores e viajantes afirmam quando, depois do século XVIII, se atreveram a deixar a costa e a viajar para o interior do continente africano. Livingston, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, David Burton, André Gide, Italo Calvino, Paul Theroux, para todos eles, o grande enigma de África é a natureza. As suas árvores, diz Calvino.
Chegamos a White River pelo fim da tarde, depois de viajarmos pela R40 a partir de Nelspruit, um dos grandes entrepostos comerciais sul-africanos. Num raio de mais de duzentos quilómetros esta cidade é uma espécie de centro comercial gigante onde se abastecem sulafricanos, moçambicanos e swazis. A R40 é uma estrada cuidada, de bermas limpas e bem sinalizada, que atravessa um planalto de agricultura e de floresta organizadas e planeadas. Nota-se pelas grandes plantações de bananas, de ananases, com rega automática, colheita mecanizada. À medida que se vai subindo, as plantações dão lugar a áreas de floresta de pinheiros, que alternam com eucaliptais, todas bem organizadas, protegidas por sebes e atravessadas por caminhos
No dia seguinte, ainda de madrugada, deixamos a pequena bed and breakfast dirigida pela viúva de um pintor de paisagens afrikaner que tinha a particularidade de ter decorado a casa com centenas de ossos de animais – sim, ambiente um pouco lúgubre - e apanhamos a R537 em direcção a Sabie e depois a R532. O objectivo é passar pelas várias cataratas existentes ao longo destas vias e pelo Blyde River Canyon. Passamos pelas Lisbon Falls e pelas Berlim Falls e ficou-nos a pergunta do porquê dos nomes destas duas cataratas. Mesmo sendo um dia de semana, estes locais tinham vários visitantes sul-africanos – negros e brancos –, habitualmente dados a passeios na natureza, desportos nos rios e nos lagos, férias de aventura. A próxima paragem foi em God’s Window e rapidamente percebemos o nome dado ao local: a “Janela de Deus” é um desfiladeiro gigantesco, tão fantástico quanto assustador, que de um determinado local permite visualizar um ponto de fuga que termina nas nuvens. De volta à estrada, que continuava a subir, tomando a forma de serpentina, com curvas apertadas e bermas estreitas, sobre desfiladeiros que vão crescendo, com a floresta a dar lugar a uma estepe rasteira e seca, chegamos ao Blyde River Canyon, um dos maiores do mundo. Aquela hora da tarde, aquela altitude, o frio e o vento tornavam difícil caminhar pelo seu recorte, que se estende ao longo de dezenas de quilómetros e o cujo abismo é de várias centenas de metros. O vento passando pelo estreito entre as montanhas assobia e a sensação da pequenez da condição humana sobrepõe-se a tudo o resto.
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Já de noite continuamos a subir - um jipe solitário no meio de uma estrada sinuosa, a lua cheia lá no alto -, até chegarmos aos 1800 metros de altitude. Depois, viramos para a R36 e a seguir tomamos a R555, começando finalmente a descida para a planície, até chegarmos, já de madrugada, a Pilgrim’s Rest. Esta é uma antiga cidade mineira, hoje praticamente sem actividade, cidade de passagem e de dormida apenas. Parece que o tempo não passou por aqui. O Hotel Royal, construído em 1899 como apoio logístico para o desenvolvimento da exploração mineira da época, dá hoje abrigo a turistas esporádicos e automobilistas perdidos. Os candeeiros dos quartos, antes alimentados a gás, têm agora electricidade, mas o seu formato, assim como os cortinados, as banheiras, os sofás revestidos a chita e, sobretudo, o restaurante, tudo se assemelha a um saloon do farwest. O mesmo se passa com a garagem defronte ao hotel, a loja, o pequeno museu das minas: tudo se parece com o cenário de um western. O frio é bastante para obrigar a acender a salamandra. De manhã, depois de um café americano, com panquecas e corn flakes, partimos em direcção a Joanesburgo, numa estrada coberta de geada. Passadas algumas horas sob o sol temperado da manhã, paramos de novo em Sabie para encher o depósito e tomar um café. Em frente à gasolineira um pequeno letreiro anunciava Book case, livraria e alfarrabista. Depois de passar a porta, tão discreta quanto a tabuleta, um mundo inteiro e inesperado de livros estava ali à nossa frente: salas dando para outras salas, prateleiras amontoando-se sobre prateleiras, caixotes empilhados sobre caixotes, guardavam milhares e milhares de livros, antigos, novos, com capas amarelecidas, capas lustrosas e de design contemporâneo. A maioria eram livros de ou sobre África: romances, álbuns de fotografia, atlas, novelas, sobre religiões, poesia, policiais, sobre a fauna e a flora. Eram tantos!. Todos eles recolhidos, guardados, organizados e alguns vendidos, concerteza, por dois velhos livreiros, cuja presença ali era tão improvável, quanto a sua livraria. No banco do alpendre do hotel continuo a leitura de Coetzee. “Mas esta gente, estes bárbaros, não pensam dessa maneira. Há
mais de um século que aqui estamos, cultivamos terras do deserto, e levamos a cabo trabalhos de irrigação, semeámos campos e construímos casas sólidas e uma muralha à volta da cidade, mas continuam a ver-nos como visitantes, como transeuntes”. Um cenário inóspito serve uma história de crueldades descrita de forma simples por um magistrado envelhecido e demasiado comprometido com a verdade e a justiça para desistir de a defender. Os bárbaros, de tão ignorantes e simples ameaçam silenciosamente o Império. Assim também o Império, de tão cego e ignorante, ameaça a sua própria existência. A debandada de uns e outros deixará os seus destroços. O que resta sobreviverá e esperará novos bárbaros. E isto é o outro lado da África do Sul pós-apartheid, violento e longe desta natureza pacífica, majestosa, acolhedora e divina.
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