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ções da universidade, Anya Schiffrin, as aulas duram cinco semanas e expõe casos de como o jornalismo investigativo, em diferentes pontos do planeta (Ásia, África, América Latina e Europa), ajudou na conscientização pública e assim abriu caminho para mudanças sociais e políticas. Para conferir a oferta de outros cursos, não só da instituição nova-iorquina mas também de outras, este endereço é o caminho: www.edx.org
Caçadores de fake news Uma tarefa jornalística ganha relevância com a disseminação das redes sociais e seus efeitos colaterais: a de diferenciar o que tem forma de notícia, feições de jornalismo, mas não é. As fake news. Há ferramentas para ajudar o leitor a, antes de passar adiante as cascatas, visitar sites caçadores de conteúdos fraudulentos. Entre os portais que se consolidam como bons oráculos, estão o E-farsas (www.e-farsas. com), um dos precursores do gênero, com mais de 10 anos de existência, e o Boatos. org (www.boatos.org). Veículos como a Revista Veja também vêm se engajando no ofício de apontar as falsas notícias (veja.abril. com.br/blog/me-engana-que-eu-posto).
DITO POR AÍ
"Computadores não servem para nada. Só sabem dar respostas." Pablo Picasso (1881-1973)
"Movimentos como o da 'ética na política' são tão eficazes quanto o seria, por exemplo, um movimento pela 'estética na política', que se propusesse a excluir os feitos da vida pública." Carlos Castello Branco (1920-1993)
"Os burocratas existem para transformar a solução num problema." Woody Allen (1935-)
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3 Foto: Jefferson Bernardes/Divulgação
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Quem comanda cada uma das cinco áreas (na foto, com o presidente do Grupo RBS e do Conselho de Administração, Eduardo Sirotsky Melzer (1) , e o CEO de Mídias, Claudio Toigo Filho, 2): Finanças e Controladoria: Ibanor Polesso (3) Mercado: Marcelo Pacheco (4) Produto e Operações: Andiara Petterle (5) Editorial: Marcelo Rech (6) Marketing: Marcelo Abdala Leite (7)
RBS muda a relação com o mercado Reestruturado na entrada de 2017, o Grupo RBS derrubou a lógica de organização por mídia (rádio, teve, jornal e internet). Em lugar dela, adotou a de áreas com um corte transversal por todos os meios de comunicação. São cinco: Marketing, Mercado, Produto e Operações, Editorial e Finanças. No eixo da mudança, está a revogação da cultura de vender publicidade por equipes relacionadas a um veículo específico. Os clientes passam a ser atendidos
por uma diretoria de Mercado, incumbida de definir os canais mais adequados para o atendimento a cada cliente, conforme o seu perfil e sua necessidade. Para comandar esse pilar, a empresa contratou Marcelo Pacheco, ex-diretor de Negócios do Facebook Brasil e com atuação no Grupo Abril e na ESPN/ Disney. A RBS já havia tentado implantar uma organização matricial, no formato de uma divisão em três grandes áreas
(Produto, Mercado e Gestão), mas foi atropelada por uma das mais severas crises mundiais da História. A estratégia havia sido anunciada em setembro de 2008, exatamente uma semana antes de a quebra do Lehman Brothers mergulhar o mundo em um ciclo de recessão e incerteza. Quase uma década depois, o modelo, embora ainda inovador, parece em sintonia com o consumo de mídia atual, com mais chances de vencer resistências.
Press On
Superbarrigada
Cada vez mais cai a ficha da importância do jornalismo profissional, e surgem iniciativas para apoiar essa atividade vital para opinião pública sustentada em fatos. Nos EUA, despontou um movimento de incentivar a assinatura de veículos comprometidos com a qualidade da informação. É identificado por #PressOn, hashtag que se tornou trend topic no Twitter no início de fevereiro, quando a mensagem "assine um jornal de qualidade e poste o recibo" se disseminou pela rede. A campanha teve a adesão de celebridades como Ben Stiller. O ator dedicou seu apoio à ProPublica, presidida por Richard J. Tofel (autor da biografia de Barney Kilgore na seção Grandes Nomes).
Editores ansiosos, ou por demais suscetíveis à pressão industrial, não aprendem. Nem mesmo a recente gafe da Newsweek, que chegou a postar na capa a "vitória" de Hillary Clinton, serviu de alerta para o Boston Globe, com seus 145 anos e 19 prêmios Pulitzer. Na cobertura da final do Super Bowl, alguns leitores da Flórida receberam uma edição que sugeria a derrota do Patriots. Sob o título "Um fim amargo", uma imagem do jogador Tom Brady caindo de joelhos. Na verdade, o desfecho foi saboroso para o marido da modelo Gisele Bündchen. O quarterback estabeleceu a maior marca de jardas dos 51 anos do evento na vitória por 34 a 28 na prorrogação, depois de estar perdendo por 25 pontos.
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Nem o centenário e premiado Boston Globe esperava a reação do quarterback
CARTA AO LEITOR
Robôs de carne e osso Altair Nobre
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urante os dois anos em que fui editor de Polícia, duas décadas atrás, descobri uma fonte de tortura que eu não percebia antes de me sentar naquela cadeira. Eu já esperava o cotidiano de lidar com notícias tristes, desanimadoras. Eu já esperava o desafio de administrar sensações de impotência e de revolta. Eu já esperava a responsabilidade de transitar sob o fio da navalha por questões em que todas as partes envolvidas têm uma verdade em conflito com as demais, estando em jogo a possibilidade de castigos graves para todas. Mas faltou para mim antever um aspecto da rotina que se revelaria o mais frustrante de todos, a angústia de ser bombardeado por textos crivados de lugares-comuns e construções de frases mimetizadas, como se só houvesse uma fórmula para narrar um crime. Claro que tive a oportunidade de editar textos primorosos, de repórteres talentosos, alguns deles entre os melhores do Brasil, mas a verdade é que a minha percepção, na maioria dos casos, era a de caracteres encordoados no computador a partir de estruturas idênticas. Como se a realidade tivesse sempre de ser contada da mesma forma. Como se uma história fosse igual a outros tantas. Como repórter, aprendi que todo crime, assim como todo fato, é único, e cabe buscar não o que ele tem de comum, e sim o que tem de diferente. Depois de meses atormentado com a reconstrução daqueles relatos, que pareciam escritos por repórteres petrificados, tramei um plano de vingança. Colecionei os clichês e escrevi um texto inteiro só com eles. Contava uma história completa, do início ao fim, e que poderia se aplicar a inúmeros episódios que desfilavam nos meus olhos avermelhados por horas diante da tela. Bastava substituir as lacunas indicadas por x, e o texto (ruim) poderia fazer sentido para qualquer situação. O lead enfileirava aqueles recursos desgastados, do tipo “O crime abalou o município de x”, “Ninguém poderia imaginar que...”, “A polícia busca pistas para elucidar o mistério que intriga a população”. Aquele texto jamais foi publicado, claro, afinal foi escrito apenas com a pretensão de um contra-ataque à mediocridade. Inócuo. Naquela época, meados dos anos 90, ainda não se falava no uso de robôs para a produção de textos jornalísticos. Mas eu me lembrei dele ao ver o que os repórteres robôs estão escrevendo hoje. Talvez seja uma vingança das máquinas, em favor de editores inconformados com repórteres robotizados. Isso não sei dizer. Mas sem dúvida é uma demonstração de que o jornalismo tem de focar no que os algoritmos jamais poderão fazer.
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SUMÁRIO 3
Almanaque
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Carta ao Leitor
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Entrevista: David Coimbra
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Capa: Robôs no Jornalismo
22 Clube de Opinião: Flávio Presser 24 Grandes Nomes: Barney Kilgore 27 Opinião: Mario Rocha 28 Galeria: The New Yorker
Diretora-Executiva NELCI GUADAGNIN
RUA SALDANHA MARINHO, 82 PORTO ALEGRE - RS CEP 90160-240 FONE/FAX (51) 3231 8181
Editor ALTAIR NOBRE
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Diretor-Geral JULIO RIBEIRO
Diagramação/ Arte Final ESPARTA PROPAGANDA Imagens: Fotografia: Jefferson Bernardes/ Agência Preview Assinaturas atendimentoad@terra.com.br Impressão COMUNICAÇÃO IMPRESSA
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Comercialização PORTO ALEGRE: (51) 3231 8181 e (51) 9971 5805 com NELCI GUADAGNIN PRESS e ADVERTISING SÃO PUBLICAÇÕES MENSAIS DA ATHOS EDITORA, COM CIRCULAÇÃO NACIONAL, SOBRE OS MERCADOS DE COMUNICAÇÃO E IMPRENSA BRASILEIROS. OS ARTIGOS ASSINADOS E OPINIÕES EMITIDAS POR FONTES NÃO REPRESENTAM, NECESSARIAMENTE, O PENSAMENTO DA REVISTA.
ENTREVISTA
ENTREVISTA DAVID COIMBRA
A vida americana de um cronista Altair Nobre e Julio Ribeiro Foto: Omar Freitas/Divulgação
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ENTREVISTA Há três anos, enquanto o Brasil começava a desmoronar, David Coimbra rumava para os Estados Unidos, com a missão de ali travar uma batalha pessoal, pela vida. Instalado em Boston, fez o tratamento, escudado pela família (a arquiteta Márcia Camara e o filho Bernardo, nove anos), e dali retratou a saga brasileira com crônicas sem piedade para com os mitos da esquerda. Neste janeiro de 2017, protegido do inverno no Hemisfério Norte no apartamento no bairro de Brookline, ele conversou por uma hora com a Revista Press, que o havia entrevistado em junho de 2008, quando sua vida, o Brasil e o mundo eram outros. Munido de chimarrão, o jornalista de 54 anos, que escreve em Zero Hora e participa do programa Timeline, da Rádio Gaúcha, compartilhou as descobertas em terras americanas, tensionadas pelo fenômeno Trump, e antecipou o próximo projeto pessoal. Aqui no Brasil há o comentário “Trump está se lixando para o resto do mundo e o Brasil”. Mas algum presidente americano, o Obama, por exemplo, se preocupou com o Brasil? São perfis completamente diferentes. E, nos Estados Unidos, aqui onde vivo é um lugar democrata, progressista. É onde os Estados Unidos foram fundados. New England. As faixas litorâneas americanas têm um tipo de aceitação, um tipo de visão de mundo, uma sociedade diferente. Já o americano do meio, Middle West (Meio-Oeste), tem outro tipo de visão, muito mais centrada em si mesmo, muito menos cosmopolita. O Trump está atendendo a esse tipo de americano. É o cara preocupado com suas questões particulares, a sua vida simples. Não é o americano cosmopolita, de Nova York, Los Angeles ou daqui de Boston. E, para o Brasil, temos alguma coisa a perder? Talvez a ganhar. Os EUA saem do acordo do Pacífico e se voltam um pouco mais para negociar com o Brasil, que está se abrindo um pouco mais para os EUA. Os governos do PT eram muito fechados para os EUA. Tudo indica que os EUA vão se concentrar no combate ao “terrorismo islâmico”, como ele chama. O Obama não chamava assim.
Os democratas já assimilaram ou estão demonizado o Trump como uma forma de retirar de si a responsabilidade de repensar a esquerda? Essa questão das esquerdas tem duas abordagens: a moral e a econômica. Na abordagem moral, há movimentos, sobretudo dos jovens, sobre questões como a dos homossexuais, as mulheres, as questões raciais e outras questões paralelas. Houve evoluções, sobretudo no Ocidente. Mas existe, e aí o Trump entra muito e ganha voto com isso, um cansaço do politicamente correto. As pessoas estão fartas da vigilância, e isso faz com que haja essa reação no mundo todo. A gente vê no Brasil. O Bolsonaro é um reflexo disso. Um lado se sentindo vigiado pelo novo moralismo reage ao politicamente correto. No lado econômico, tem essa questão do tamanho do Estado versus o tamanho do mercado. Nos EUA sempre aconteceu uma alternância. Quando o mercado estava tão grande que prejudicou, o Roosevelt, por exemplo, aumentou o tamanho do Estado. Fez um governo quase socialista. Depois, no Reagan, o Estado diminuiu brutalmente para que o mercado tivesse mais fôlego e produzisse desenvolvimento. O que se vê no mundo inteiro é que não existe capitalismo puro, nem comunismo puro. Isso depende da época, depende da circunstância. Parece que um dos capitalismos mais selvagens que existem no mundo hoje é o da China comunista… Esses dias eu escrevi: eu nunca senti tanto a presença do Estado como aqui nos EUA. Em todos os sentidos. Na segurança pública, no cuidado que eles têm com o cidadão, em tudo quanto é interferência da lei o Estado está presente aqui. Muito mais do que no Brasil, que para muitos americanos é considerado um país socialista. No entanto, no Brasil o Estado falha, quando deveria ser poderoso. No Brasil, o Estado é patronal e populista. Ele distribui benesses sem dar proteção. Falha nos seus serviços. Há quanto tempo tu estás nos EUA? Vai fazer em maio três anos. E como é esta experiência de um cronista que olha o Brasil de fora?
Com a internet, eu tenho informações sobre o Brasil, sobre as coisas que estão acontecendo, sobre a opinião das pessoas, de forma instantânea, como estamos conversando por aqui agora (via Skype). Assim são as redes sociais, a televisão, o rádio. Às vezes, eu tenho mais informação até do que eu consigo processar. O que eu tenho de vantagem é o fato de eu não precisar estar no contato pessoal diário, que às vezes influencia negativamente a tua opinião, o teu julgamento. Enquanto isso, nestes três anos, mesmo visto de dentro, o Brasil era um nonsense. O fato de tu estares fora aguçou o estranhamento? Ou amenizou? Aguçou. No nosso meio, o dos jornalistas, muitas pessoas inteligentes, que eu respeito, que a gente respeita, de repente tu vês que todos os movimentos anteriores delas, tudo em que diziam acreditar era algo de turma. Quase de partido. De facção. A falência do PT, que foi um projeto de um monte de gente, demonstrou que essas pessoas não estavam preocupadas com o país. O cara estava preocupado que aquelas pessoas ali se dessem bem. É evidente a falência do PT. O Lula disse isso. Falou dos erros, e eu concentro no PT porque ele é o centro político do Brasil. Não é mais, né? Um pouco menos agora. Bem menos. Tudo o que aconteceu nos últimos 20 anos tem o PT como centro. A gente viu um monte de gente preocupada não com o Brasil. Estava preocupada com o PT. Bem aquela pergunta de espanto “Era para isto, então?” Exatamente. São pessoas que eu respeito, pareciam ter um idealismo de querer coisas boas para o país. O Lula, por exemplo, o grande líder. Eu me lembro que o PT, quando surgiu, uma das críticas que fazia ao Brizola era o messianismo. Era o populismo do Brizola. É a mesma coisa que está ocorrendo agora. Não acho que o Lula tenha feito tudo o que fez para ficar rico. Não acho que ele tenha essa ambição. Ele não é como um Cunha, que a gente via que gosta do
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ENTREVISTA ÁLBUM NOS EUA
dinheiro, do luxo, de ir para Paris. Claro que ele se beneficiou. Está na cara que ele se beneficiou da amizade com os empreiteiros. Teve aquela promiscuidade toda, mas não acredito que ele tenha feito isso para enriquecer. Mas fez pelo poder. Comete os mesmos erros. Ou até piores, num consórcio com José Dirceu, em que fazem uma série de manipulações, só pelo poder. Em função da polarização, o patrulhamento aos jornalistas, nas redes sociais, tem sido muito grande. Comparado com o jornalismo americano, há alguma similaridade? Nessa questão, os EUA estão um pouco avançados em relação à gente. As redes sociais, de certa forma, estão beneficiando o jornalismo. As fake news são boas para o jornalismo. Ao ver uma notícia absurda, a pessoa vai num site confiável para ver se é verdade aquilo. O jornalismo americano apostou na informação, na notícia, no jornalismo mesmo. No texto, na análise, na maté-
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ria, na reportagem. o New York Times é texto e foto, texto e foto. O Washington Post anunciou que está contratando 60 jornalistas. É uma retomada do jornalismo, valorizado por essa abertura, por incrível que pareça. Foi tão adiante isso, que agora está refluindo de certa forma. Continuam as redes sociais, com sua maneira de atuação. Todo mundo dizendo o que bem entende. E o jornalismo se torna uma referência. O jornalismo sério ganha. No Brasil mesmo, isso aos poucos está acontecendo. Já vejo esse movimento de separar o joio do trigo: “Esse site aqui não dá pra confiar”.
Trump”. Isso dá pra ver aqui. A questão do politicamente correto. Eu tenho um vizinho, democrata, e perguntei a ele por que o Trump ganhou, e ele respondeu “The people talked they wanna the country back” (“As pessoas falaram que queriam o país de volta”). O cara daqui, de Boston, Massachusetts, progressista, percebeu isso. A reação a esse moderno, de globalização, do politicamente correto. Existiu mesmo uma certa reação, e o jornalismo em geral, com exceção da Fox e de outros poucos veículos, não conseguiu perceber que havia uma possibilidade séria de Trump vencer.
Não se saiu mal a imprensa americana no episódio Hillary e Trump? Os institutos de pesquisa estavam apontando uma tendência, e todo mundo acreditou nessa tendência. Ao mesmo tempo, escrevi até isso, “O Trump vai perder”. Mas eu também dizia assim “Por que o Trump quase ganhou”, “Quais são as razões do crescimento do
Mesmo o New York Times, quando publica o conjunto de tweets do Trump, não é uma mostra de que o jornalismo está muito focado em retratar a superfície e os estereótipos, sem buscar de fato a raiz das coisas? É isso mesmo. O fato é que os jornalistas do New York Times, do Washing-
ENTREVISTA
Na outra página, David com Márcia e Bernardo em Woodstock/New Hampshire (foto de cima) e em Boston. Nesta página, na Ponte do Brooklyn (Nova York), recolhendo neve e em um dia de sol na praça em frente ao prédio ondem moram
ton Post, do Los Angeles Times, esse pessoal das bordas, perto do oceano, vivem nesse mundo progressista, mais cosmopolita e se esqueceram que há outras pessoas. Isso acontece conosco também. A todo momento. A gente não vê a maioria silenciosa. Por ser silenciosa, a maioria não aparece, mas está formando a sua opinião. E a maioria silenciosa brasileira? De fato está indecisa ou quanto dela pode escoar no Bolsonaro, ou está por surgir um novo nome? Nos EUA, há dois partidos. O Brasil tinha o PT com força, e ele continua tendo certa força até por ter usado muitos dos instrumentos do governo para beneficiar um monte de gente, e essas pessoas não querem perder os seus benefícios. O mesmo na Argentina. Cinquenta por cento da população da Argentina tem algum tipo de subsídio, uma bolsa-família, vamos dizer. É evidente que o governo que concede isso tem essa força. Existia isso no PT, mas com a fragmen-
tação do PT o Brasil fica ao sabor dos acontecimentos, da onda do momento e da contingência econômica. Isso é o que muda muito. Se a economia vai bem, se as pessoas estão vendo que sua vida está melhorando, elas vão para aquele lado. Não interessa se é o Trump, o Temer, o Lula. No Brasil hoje, com uma crise horrível, com todas essas pessoas desempregadas, a maioria sem perspectiva, no momento em que surgir alguém que dê uma luz, elas vão para ali. Vamos supor que houvesse uma grande recuperação econômica no governo Temer nos próximos meses, obviamente ele se transformaria em candidato. “Mas o Temer prometeu que não vai ser candidato.” Que nada! Se ele sente que pode se eleger, ele se candidata. Que cenário tu imaginas para 2018? O Brasil é um país muito forte, com uma indústria variada. Não é uma Venezuela, que só tem o petróleo. Tem uma indústria que atua em várias áreas,
tem uma agricultura forte, tem serviços fortes. O Brasil vai se recuperar. Claro que não será rápido, mas lentamente vai se recuperar. De onde vai sair essa força que possa galvanizar o interesse do eleitor? Hoje em dia a gente está no momento dos outsiders, e o surgimento do Trump indicou isso. Se houver um cara que tenha coragem, afronte, apareça, coloque-se como opção para algumas pessoas, pode vingar. O Collor foi isso. Não era um político nacional. Naquele tempo se achava que o presidente seria ou Brizola ou Lula. O Collor se elegeu correndo por fora. É possível que haja uma recuperação econômica, e saia por aí, alguém de dentro do governo. Tu nos deste uma entrevista em junho de 2008. Vai fazer nove anos. A frase que escolhemos para manchete daquela entrevista era “O torcedor gaúcho está mesmo
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ENTREVISTA doente”. Essa doença regrediu ou progrediu? Eu acho que se espalhou, para todo o espectro. A política, por exemplo. As redes sociais contribuíram com isso. O torcedor de futebol tem sempre opinião sobre tudo. E agora todas as pessoas têm opinião sobre tudo. Tu sentes muito o ódio, o comportamento de haters, ao que tu escreves? Não dou muita bola. Eu vejo nichos. Por exemplo, os caras nas redes sociais. Muitas vezes é o cara que vê as coisas distraidamente. Ele se guia pelo título. Ele tem uma opinião meio vaga, sem conseguir se aprofundar. Eu não me importo com esse leitor, que nem é exatamente leitor. Não é que eu não me importe com a opinião das pessoas. Eu me importo, claro. Mas eu tento fazer o melhor possível. Quando vou escrever uma coluna, ou qualquer outro texto, escrevo e reescrevo 10, 20 vezes num dia. Mas tu sabes se aquilo vai dar mais ou menos polêmica. Não me preocupo com isso. Eu me preocupo em fazer uma coisa bem feita, e que tenha honestidade intelectual. Não estou fazendo com segunda intenção. Estou fazendo porque refleti sobre aquilo, coletei informações, falei com pessoas e pensei sobre aquilo. Tento fazer uma coisa bem feita. Eu me esforço, eu me concentro, empenhando-me em fazer o melhor. Se eu faço uma coisa ruim, não é por desonestidade. É por incompetência. Às vezes os caras dizem “Tu é um f.d.p.” Eu posso estar errado honestamente. É isso que eu acho injusto com os nossos colegas, sobretudo. Muitas vezes caras que te conhecem e covardemente atacam por suas questões políticas, ideológicas. Se eu estou errado, é porque eu acredito naquilo. Não é porque eu quero alguma vantagem, seja com o patrão como algumas pessoas dizem, seja lá o que for. Cada texto que eu escrevo, tento fazer o melhor texto da minha vida. As redes sociais expuseram os próprios colegas jornalistas. Impressionante. Antes das redes sociais, só nós, jornalistas, podíamos dizer bobagem, sermos idiotas publicamente. Agora todo mundo é idiota publicamente.
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Todo mundo se expõe muito. Mas os jornalistas se expuseram mais ainda, porque agora, além do veículo, se expõem nas redes sociais. Cuba. Agora morreu Fidel Castro. Eu vi as pessoas incensando Cuba. Mas espera aí: o cara era um ditador. Se é o Fidel Castro ditador, se é o Mao Tsé-Tung, ou se é o Stálin, ou se é o Médici, não faz nenhuma diferença. Eles são ditadores. Fazem mal igual. Mesmo que seja um ditador pretensamente de esquerda. Ontem, alguém perguntou no Timeline sobre a Avenida da Legalidade: “O que tu achas da troca do nome para Avenida da Legalidade?” Tudo bem, quer trocar o nome da avenida porque o Castelo Branco era ditador. Mas e a Getúlio Vargas? Era ditador. E foi ditador por mais tempo do que o Castelo Branco. Ah, porque era o “Pai dos Pobres”? Na entrevista anterior, tu falavas que havia opinião demais. Isso há nove anos. Imagina hoje. E que os jornalões iriam sobreviver com textos mais longos, analíticos. Não aconteceu, né? Com o New York Times e o Washington Post está acontecendo isso. Mas aqui só ao final de semana, em um caderno… Mas é o que vai acabar acontecendo, mais cedo ou mais tarde. Essa essência foi redescoberta nos EUA. Está fazendo com que os jornais cresçam. Existem novos leitores para o New York Times? Os jovens leem jornal em papel aí? Está aumentando. Cada dia mais. Não só papel. A plataforma não faz muita diferença. A questão é o conteúdo de profundidade, não a rede social superficial. E não só conquistar o jovem, porque o velho continua lendo, e as pessoas estão vivendo mais. Uma vez teve uma reforma na Zero Hora. Eu falei com os editores, os diretores estavam juntos, e eu disse “Vocês fizeram essa reforma para conquistar o jovem, né? Pois jovem não lê jornal. A nossa sorte é que o jovem vai envelhecer, e quando ele sentir a necessidade de se informar mais, de ter mais conteúdo, ele
vai começar a ler jornal. Então a gente não tem de escrever para jovem. A gente tem de escrever para os velhos, porque são os velhos que vão ler jornal. Vão ser sempre os velhos que vão ler o jornal, porque o jovem está preocupado com outro tipo de coisa”. E será que os jornais, nos últimos anos, particularmente no Brasil, não caíram na armadilha de virar internet no papel? É isso mesmo. Durante muito tempo, por exemplo, essa questão de o jornal fazer notinhas, pílulas. Mas como competir com um meio que está fazendo isso a todo momento, diariamente? De minuto em minuto. Não tem como. Por isso o jornal vai ter de se aprofundar. Agregar produtos que só ele tem. O livro papel está renascendo. Parece que o Kindle não acabou com ele. Voltou a crescer o nível de livros vendidos em papel. O livro tem até mais possibilidade do que o jornal, nesse sentido. É importante ter à mão o livro. É importante enxergar. Por exemplo, um livro que eu escrevi, Uma História do Mundo. Às vezes, eu estava em dúvida. E eu olhava nos meus livros e: “É aquilo ali”. É o mesmo que dizer que as livrarias vão acabar porque as pessoas compram pela internet, na Amazon. O cara que gosta de livro, gosta de ver o livro. Vai ver, folhear. E ele quer ter com ele. Não só no Kindle. O que mudou na tua vida, como cidadão de Boston? Eu levo uma vida mais tranquila. Pela possibilidade que a cidade dá, de caminhar na rua, coisa que eu gosto muito de fazer. De ter essa relação com a cidade, que a gente perde muito por causa da questão da segurança. O fato de poder fazer essas coisas simples é muito bom. É evidente que eu sou um brasileiro. Diferentemente do meu filho, que de certa forma é meio americano. Não é uma coisa só. Vai se adaptar bem em qualquer lugar. Mas eu trabalho virado para o Brasil, olhando o Brasil, escrevendo para o Brasil… Tomando mate. Exato.
ENTREVISTA Mas não consegue assistir a um jogo de futebol americano, de rúgbi, e achar prazer nisso? Fui ver o beisebol. Não entendi nada. Gosto de futebol, assisto a todos os jogos do Grêmio e do Inter. O meu filho, esse sim, já mudou a cabeça. Ele era pequeno (quando se mudou para os EUA). Já é meio americano. Eu não. Eu continuo sendo brasileiro. Sinto falta de coisas do Brasil. Tem projeto de voltar? Tenho vontade, sim. Por causa disso. Das pessoas, da convivência. De algumas coisas tipicamente brasileiras. Mas a questão da segurança não é um problema? Isso é um problema. A gente fica com medo de expor a família a uma situação ruim. Moras em casa ou apartamento? Apartamento. Não tem grade o edifício? Não. Nenhuma casa tem grade. Isso não causa estranhamento? Isso de poder caminhar na rua, passear, não ter medo nenhum. Aqui, por exemplo, as coisas da Amazon, quando chegam, eles deixam na porta das casas, sem grade. As casas, em certos lugares, ficam com a porta aberta. Uma vida muito tranquila. É como deveria ser no Brasil. Como está o teu tratamento? O tratamento em si já acabou. Até agora, está tudo bem. Já faz mais de um ano e meio que eu estou sem remédio nenhum. Nenhum. Nem Melhoral. Faço exames, claro. Mas o tratamento em si já acabou. E a cabeça? A gente tem de entender. Todo mundo vai morrer. A diferença, que pode assustar, é saber da proximidade ou não da morte. Mas eu posso viver 30 anos, posso morrer hoje. Como qualquer um de nós aqui é a mesma coisa. Ou morre de acidente, ou de doença. Vai ter o momento em que tu vais descobrir a doença que vai te matar. A não ser que ela seja muito repentina. Essa relação tu
tens de ter com sobriedade. Mas isso mudou o sabor com que tu percebes a vida? Aguçou mais os teus sentidos? Não existe uma mudança radical, mas eu diria que as coisas mais simples ficam mais importantes. A gente sempre fica achando que existe alguma coisa grandiosa na próxima sexta-feira. Não é assim. Até pode ser. Mas não é isso que importa. “Quando virá o dia da minha sorte”, aquela história, não é isso que importa. O que importa é viver bem cada dia. Ter um bom relacionamento com as pessoas. Tratar as pessoas com respeito e ser respeitado por elas também. Ter um relacionamento legal com as pessoas com quem tu convives e que tu amas e que tu sabes que te amam também. Tratar bem os teus amigos e perceber que eles também estão te tratando bem. Isso é o que faz com que tu te sintas bem na tua vida. Muitas vezes a gente fica esperando fazer uma coisa grandiosa, ou gloriosa, ou planejando um superempreendimento. Não é assim que acontece. As coisas vão acontecendo diariamente. Tem de fazer o possível para que aquele dia seja um bom dia e, quando tu fores dormir, pensas “Tive um bom dia e fiz as coisas certas, tentei fazer as coisas certas. Se errei, foi tentando acertar”. Como é a tua rotina? Depende do fuso horário. No verão é só uma hora de diferença. Agora no inverno são três horas. Eu tenho de acordar bem cedo para participar do Timeline. Depois, fico escrevendo, lendo, preparando a coluna. Depende, mais tarde, do que eu tenho para o dia. E depende da coluna. Tem colunas que demoram mais, colunas que demoram menos. Às vezes tenho de pesquisar. Às vezes tenho de ler alguma coisa. Sem falar que tem dias em que não achas o assunto. É. Ou, então, que muda. No Brasil está acontecendo isso toda hora. Está com a coluna pronta, e morre o Teori (Zavascky). Como colunista diário, tenho de escrever sobre isso, o grande assunto do dia do Brasil. Levas o filho à escola?
A Marcinha (Márcia Camara) leva de manhã, e eu busco à tarde. Ele sai duas e meia da tarde. Conseguiste formar uma comunidade de amigos? Os americanos são receptivos? Não tem o mesmo nível de amizade que tu tens no Brasil. Não é a mesma coisa. E Boston é uma cidade com 60 universidades, então as pessoas vêm, estudam, saem, voltam. Os hospitais movimentam muita gente. Chega um brasileiro, tu convives com aquela pessoa, e daqui a pouco ela está se mudando. Tem pessoas de outras localidades próximas. Neste fim de semana, nós fomos para Manchester-by-the-Sea. Temos uns amigos lá. Passamos um tempo lá. Assim vai. Estás escrevendo algum livro? Estou. Estou escrevendo. E podes falar? Eu estou escrevendo um livro que vai contar essa minha história, a relação com o câncer, o tratamento, a doença, o que eu passei. Vi que algumas coisas que eu havia escrito no início motivaram muito as pessoas. E os médicos mesmo disseram “Tu tens de escrever sobre isso, que ajuda as pessoas”. Eu passei um tempo pensando como eu deveria abordar, escrevi, reescrevi, deixei, larguei, mas agora engatei e estou escrevendo sobre isso. É meio catártico? Algumas partes, sim. Algumas partes até não me lembrava mais. Aquilo veio na minha cabeça. Lembrar-se de uma coisa ruim que passou. Até certos sentimentos, que eu não sabia que tinha na época, agora entendi. Tens algum projeto? Eu sempre tenho projetos de médio prazo. Até porque projetos a longo prazo não adianta a gente ter. Porque a vida muda. Claro, tu trabalhas de forma que possas te garantir adiante, se acontecer alguma coisa. Faço projetos de médio prazo, como esse livro. Estou trabalhando nele, bastante, ajeitando, modelando. Vamos ver o que vai acontecer ali adiante.
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Foto: Reprodução do filme AI Artificial Intelligence
REPORTAGEM DE CAPA
Robôs no jornalismo C
oncebido por Stanley Kubrick e realizado por Steven Spielberg, A.I. Artificial Intelligence se antecipou em uma década e meia a uma obsessão mundial: 2016 foi "o ano da Inteligência Artificial". O tema se emancipou de filmes futuristas e se tornou uma estratégia levada a sério pelas principais corporações globais. No jornalismo, manifesta-se na produção de conteúdo por robôs. Milhares de notícias por eles "escritas" já foram publicadas. Talvez você já tenha lido alguma e nem percebeu. A automação inspira o temor de duas perdas: a do emprego e a da ética. A primeira pela substituição de atividades hoje executadas por humanos, e a segunda em razão de outro campo robotizado e mais difícil de controlar, o da distribuição de conteúdo. Para entender essa revolução, esqueça as cenas de cinema. Ela é complexa, embora conduza a duas certezas: o bom jornalismo, feito por seres humanos, será ainda mais indispensável, assim como o jornalista ocupado com a mera reprodução de dados será cada vez mais dispensável. Para isso, agora existem os robôs.
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OS ALGORITMOS...
REPORTAGEM DE CAPA
Narrativas de computador redefinem o jornalismo
I
magine uma Redação com uma equipe de pouco mais de 30 profissionais capaz de produzir 2 mil matérias por segundo. A cena é uma simplificação da revolução no jornalismo simbolizada pela Automated Insights. A empresa, nascida em 2011, em Durham, cidade da Carolina do Norte com 228 mil habitantes (população comparável à de São Leopoldo), está na vanguarda da nova era da comunicação, protagonizada por robôs. A startup dos "insights automatizados", criada por um ex-engenheiro da Cisco, Robbie Allen, chamou a atenção do mundo ao ser contratada pela Associated Press, agência fornecedora de conteúdo para 1,7 mil jornais e mais de 5 mil estações de rádio e televisão. A AP convocou os robôs redatores para automatizar a divulgação dos balanços de empresas e ampliar a cobertura de esportes. A agência passou a cobrir 142 times da Minor League Baseball, um conjunto de campeonatos de divisões regionais do beisebol americano, com mais de 10 mil partidas. Os textos, estruturados a partir de estatísticas fornecidas pela liga, fazem a menção "Esta notícia foi gerada pelo Automated Insights com dados e colaboração da MLB Advanced Media e da Minor League Baseball." Graças à mesma tecnologia, em janeiro de 2015, a agência saboreou a fa-
çanha de analisar o balanço trimestral da Apple poucos minutos depois da divulgação dos dados pela corporação. Semanas após a Automated Insights foi adquirida pelo fundo Vista Equity Partners, por um valor mantido em sigilo (especulam-se US$ 80 milhões). Em outubro do mesmo ano, a empresa lançou uma nova versão de sua plataforma, a Wordsmith, com a qual clientes de diferentes tamanhos e orçamentos podem criar planilhas para gerar suas próprias narrativas automatizadas. Os computadores operam uma mudança profunda na comunicação. Uma transformação além da mão de obra. "Os robôs vão tomar os nossos empregos?", disparou o mediador no painel do Festival SXSW (South by Southwest), em Austin (Texas), em março de 2015. Do palco, Lou Ferrara, à época vice-presidente da AP, respondeu à pergunta mais aguardada pela plateia, boa parte dela formada por profissionais da mídia: "A resposta é não. Qualquer um neste negócio sabe que o mercado está se ocupando dessa função de eliminar empregos. Na verdade, a razão pela qual adotamos a automação é como forma de liberar a equipe para a mais valiosa mercadoria que temos no jornalismo: o tempo dedicado a fazer reportagem." O Wordsmith não escreve um texto como os de Gay Talese, Elio Gaspari, Gabriel García Márquez, Ernest He-
mingway, ou mesmo um repórter mediano. Seu ofício é dar forma de narrativa a dados espalhados por planilhas pouco atraentes, à primeira vista indecifráveis. É como redigir uma matéria com o Excel, em vez do Word. Nas palavras de seus executivos, nasceu do desafio “Como contar uma história com dados” e partiu da premissa “Gráficos não contam uma história. Palavras sim.” Ele não está sozinho. O venerado Le Monde aderiu à robotização. Na cobertura das eleições departamentais francesas, em março de 2015, publicou matérias locais sobre 34 mil comunas (municípios) e 2 mil cantões, produzidas pela Syllabs, que à mesma época da fundação da americana Automated Insights (2011) venceu a resistência dos veículos franceses. Um motivador para a contratação da empresa de automatização de conteúdo é a competição pelo tráfego na internet. "Os robôs redatores permitem publicar de maneira rápida um grande volume de textos e assim você consegue aumentar a audiência de seu site e posicionar melhor sua página nos buscadores", explicou à Agência Efe Helena Blancafort, uma das fundadoras da Syllabs. "Antes um jornal não tinha que produzir tanto conteúdo, mas agora, nas páginas eletrônicas, se quiser existir e ter visibilidade, tem que produzir constantemente conteúdos novos. Se você não tem texto, para o Google você vale menos." Um primeiro retrato do impacto dessa revolução no conteúdo é o Guide to Automated Journalism ("Guia para o Jornalismo Automatizado"), trabalho coordenado por Andreas Graefe e publicado pelo Tow Center for Digital Journalism, da Universidade de Columbia (Nova York/ EUA). As primeiras conclusões:
AS QUESTÕES-CHAVE
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POTENCIAL
... são capazes de gerar notícias mais rapidamente, em uma escala maior, e potencialmente com menos erros do que os jornalistas humanos. ... podem usar os mesmos dados para contar histórias em vários idiomas e de ângulos diferentes, personalizando-os assim às preferências de um leitor individual. ... têm o potencial para gerar notícias sobre a demanda, criando histórias em resposta às perguntas dos usuários sobre os dados.
LIMITE
... baseiam-se em dados e suposições, ambos sujeitos a viés e erros. Assim, podem produzir resultados inesperados, não intencionais e conter erros. ... não podem fazer perguntas, explicar novos fenômenos ou estabelecer causalidade e, portanto, são limitados em sua capacidade de observar a sociedade e cumprir tarefas jornalísticas, como orientação e formação de opinião pública. ... apresentam qualidade da escrita de notícias inferior à escrita humana, embora provavelmente deve ser aprimorada, especialmente à medida que a tecnologia de geração de linguagem natural avança.
JORNALISTAS
CONSUMIDORES DE NOTÍCIAS
ORGANIZAÇÕES DE NOTÍCIAS
SOCIEDADE
O jornalismo humano e automatizado provavelmente vão se tornar estreitamente integrados e formar um "casamento homem-máquina". É melhor aconselhar os jornalistas a desenvolver habilidades que os algoritmos não podem realizar, como análises aprofundadas, entrevistas e relatórios investigativos. O jornalismo automatizado provavelmente substituirá jornalistas que apenas cobrem tópicos de rotina, mas também gerará novos empregos no desenvolvimento de algoritmos geradores de notícias. As pessoas classificam as notícias automatizadas como mais críveis do que as notícias escritas por humanos, mas não gostam particularmente de ler conteúdo automatizado. As notícias automatizadas são atualmente mais adequadas para os tópicos em que fornecer fatos de forma rápida e eficiente é mais importante do que a narração sofisticada ou onde as notícias não existiam anteriormente e os consumidores têm assim baixas expectativas em relação à qualidade da escrita. Pouco se sabe sobre a demanda dos consumidores de notícias por transparência algorítmica, como se eles precisam (ou querem) entender como funcionam os algoritmos. Como os algoritmos não podem ser responsabilizados por erros, a responsabilidade pelo conteúdo automatizado cabe a uma pessoa física (por exemplo, o jornalista ou o editor). A transparência algorítmica e a responsabilização vão se tornar um problema sério quando ocorrerem erros, em particular quando se abordarem tópicos controversos. Além das diretrizes básicas que as organizações de notícias devem seguir quando geram automaticamente notícias, pouco se sabe sobre quais informações devem ser transparentes quanto ao funcionamento dos algoritmos. Jornalismo automatizado irá aumentar substancialmente a quantidade de notícias disponíveis, o que aumentará ainda mais a carga das pessoas para encontrar o conteúdo que é mais relevante para eles. É provável que um aumento da informação automatizada e, em particular, personalizada, volte a enfatizar as preocupações sobre a potencial fragmentação da opinião pública. Pouco se sabe sobre potenciais implicações para a democracia se os algoritmos forem assumir parte do papel do jornalismo da vigilância ao governo.
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A VANGUARDA ROBÓTICA
Automated Insights O embrião da empresa foi a StatSheet, uma rede de conteúdo esportivo online, alimentada por uma plataforma de publicação automatizada. A rede incluiu 345 sites, um para cada equipe de basquete universitário da Divisão 1. Cada site fornecia atualizações em tempo real, visualizações de jogos, recapitulações de jogos, atualizações de lesões e outros relatórios, publicados automaticamente, sem usar jornalistas ou blogueiros. A empresa foi fundada em 2007 pelo engenheiro Robbie Allen, que vinha de 13 anos na Cisco. Em 2011, a empresa mudou seu nome para Automated Insights para marcar sua expansão em temas não-esportivos, como finanças e imobiliário. O salto ocorreu com a contratação por gigantes como a Associated Press. O nome de sua ferramenta é Wordsmith, e uma demonstração pode ser obtida via automatedinsights.com.
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HUMANO OU ROBÔ?
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Syllabs Na cobertura das eleições departamentais francesas, em março de 2015, o Le Monde publicou matérias locais sobre 34 mil comunas (municípios) e 2 mil cantões. Produziu todo esse conteúdo graças a robôs, que elaboraram textos a partir dos resultados eleitorais de cada cidade. Os redatores automatizados foram fornecidos pela Syllabs. Fundada em 2006, a empresa francesa lançou seu primeiro robô redator em 2011, quando "era um tabu porque pensavam que os robôs tirariam o trabalho dos jornalistas", explicou à Agência Efe Helena Blancafort, uma das fundadoras. Só quatro anos depois começou a trabalhar com veículos de comunicação, entre eles L'Expres, Radio France, Les Echos e Le Parisien. Como passo seguinte, a empresa criou uma "agência de robôs redatores", a data2content (endereço: data2content.fr).
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Stephen Curry arrebentou na quadra com 51 pontos, com sete rebotes e três roubadas na vitória. O Washington reagiu para encurtar a diferença até 81-79 no meio do terceiro tempo, quando Marcin Gortat fez uma enterrada. Mas os Wizards não puderam reivindicar vantagem na segunda metade, pois os Dubs dispararam para a vitória. Para os Wizards, John Wall registrou um recorde de 41 pontos, 10 assistências e duas roubadas. Ele acertou 17 dos 25 arremessos de quadra (3 deles de três pontos) e converteu quatro de seis tiros livres. Wall registrou seu 26º duplo-duplo da campanha. Bradley Beal acumulou 18 pontos e duas roubadas.
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EXPERIÊNCIA BRASILEIRA
Ambos os textos, reproduzidos no blog da empresa automatedinsights.com (e traduzidos pela Revista Press), relatam o mesmo jogo de basquete, Washington Wizards x Golden State Warriors, disputado no Verizon Center, em Washington, em 3 de fevereiro de 2016. Um deles foi escrito por robô. Qual?
B Curry estava a todo vapor na quarta-feira à noite, quando ele acertou 11 cestas de três pontos e marcou 51 pontos para levar o Golden State Warriors a superar o Washington Wizards por 134 a 121 na sua oitava vitória consecutiva, que veio apesar do monstruoso desempenho de John Wall. Wall fez a melhor marca da temporada com 41 pontos, na sombra de Curry, que acertou 13 dos 14 arremessos para chegar a 36 pontos no melhor primeiro tempo de sua carreira. Depois de marcar apenas 13 pontos no domingo em Nova York, Curry estava em uma grande noite, empatando com Gilbert Arenas e Michael Jordan no recorde do Verizon Center ao alcançar 50 pela segunda vez na temporada.
Embora no Brasil a produção automatizada de conteúdo ainda seja tímida, despontam algumas experiências que merecem atenção. Uma delas é a "Rosie", a robô concebida para detectar quando deputados usam mal o dinheiro público. O robô, criado por um grupo de oito jovens para monitorar gastos públicos como parte da "Operação Serenata de Amor", conseguiu descobrir, em apenas três meses, mais de 3,5 mil casos suspeitos envolvendo o uso da cota parlamentar por deputados federais desde 2011, como destacou matéria de Heloísa Mendonça para o El País em 24 de janeiro. Apelidada de Rosie, em referência a faxineira-robô do desenho Os Jetsons, a ferramenta faz uma varredura nas milhares de notas fiscais emitidas pelos parlamentares para identificar se os gastos foram legítimos, ilegais ou superfaturados. A diarista eletrônica encontrou, por exemplo, um pedido de reembolso de cervejas compradas por um deputado em um restaurante nos Estados Unidos, mesmo sendo proibido usar dinheiro público para comprar bebida alcoólica. No endereço serenatadeamor.org você pode conhecer em mais detalhes como foi montada a operação e suas conclusões. Um trecho do relatório: "A Rosie escolheu milhares de casos suspeitos e distribuiu nas mãos da equipe, que fez uma análise manual de cada caso e enviou 629 denúncias para a Câmara dos Deputados, totalizando 216 deputados diferentes com R$ 378.844,05 questionados." Para quem se pergunta por que "Serenata de Amor", a inspiração é o Caso Toblerone, o escândalo que levou uma política na Suíça a renunciar após ser flagrada com o chocolate na fatura do cartão corporativo.
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O texto "escrito" por robô é a opção A
Foto: Divulgação
REPORTAGEM DE CAPA
O debate ético
-robótica", passando por emissoras de TV como a Globo, a Record e a Bandeirantes. Como acadêmico, mergulha em uma vertiginosa revolução na forma de produzir conteúdo e tem a oportunidade de contrastar os novos aprendizados com a velha forma de fazer uma reportagem, que vivenciou na prática. Em entrevista para a Revista Press, ele explica o que o preocupa.
Trabalho de doutorado discute os limites para a produção de notícias por máquinas
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s robôs já tiram o sono de Lucas Vieira de Araújo há dois anos, quando ele começou uma pesquisa focada em inovação na comunicação. Doutorando da Universidade Metodista de São Paulo, Lucas levanta questões éticas sobre a automação nas Redações. Algumas delas estão reunidas em um artigo em inglês, publicado na revista científica SET International Journal of Broadcast Engineering, sob o título News production by machines and ethics: possible implications ("A produção de notícias por máquinas e a ética: possíveis implicações"). Jornalista formado em 1999 pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), com mestrado na mesma instituição (em 2008), Lucas fez carreira na era "pré-
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Os robôs que vêm produzindo notícias não são máquinas preparadas para lidar com questões éticas
Por que você escolheu esse tema? O foco do meu doutorado é inovação na comunicação. E a automação tem sido uma das principais inovações. É uma tendência que vem evoluindo muito. Os robôs realmente são uma ameaça? É preciso avaliar caso a caso. Os robôs que vêm produzindo notícias não são máquinas preparadas para lidar com questões éticas. Por enquanto, ainda trabalham mais com estatística, mas é preciso ficar atento porque a imprensa está se automatizando a uma velocidade absolutamente alta. No Japão, já há experiências até de produção de vídeos por robôs. Mas é preciso considerar, por
exemplo, que notícias requerem checagem, e robôs não fazem checagem. Pessoas também não erram? Erram também, mas a minha preocupação é abrirmos o debate e discutirmos os limites da automação. Ela não se manifesta apenas pelos robôs que escrevem notícias, mas também pela distribuição automatizada de notícias. Um dos grandes problemas no momento é a multiplicação de notícias falsas, e robôs estão ajudando a distribuí-las, sem a preocupação com a checagem. Por pouco uma delas não provocou uma tragédia nos Estados Unidos.
Falsa ocorrência: Edgar M. Welch foi preso ao tentar resgatar crianças "mantidas como escravas sexuais em uma pizzaria"
A conspiração da mentira Com a ajuda de robôs, uma conspiração prejudicou a campanha de Hillary Clinton, envolveu uma pizzaria de bairro numa intriga internacional, infernizou a vida de seus proprietários e empregados e quase provocou uma tragédia. O Pizzagate, como ficou conhecido o episódio, nasceu de um boato e prosperou na forma de fake news. A notícia falsa apontava o Comet Ping Pong, em Washington, como a base de uma rede de prostituição infantil comandada pela candidata à Casa Branca e outras figuras do Partido Democrata. A teoria surgiu após o vazamento de e-mails do chefe da campanha, John Podesta, pelo site Wikileaks. Em uma das mensagens, ele combinava um evento para arrecadar fundos de campanha em parceria com James Alefantis, dono da pizzaria, frequentada por Tony Podesta, irmão do político. Com o nome de #pizzagate, o boato se iniciou em fóruns e sites conservadores e desembocou na plataforma Reddit. De repente, Alefantis ganhou centenas de seguidores no Instagram da pizzaria e passou a receber ameaças de morte,
links para sites de notícias falsas e até vídeos com “provas” do crime. Trabalhadores da Comet começaram a ser perseguidos em seus perfis pessoais no Facebook e viram fotos de seus filhos usadas como evidências da prostituição infantil. Jonathan Albright, da Elon University, constatou que um significativo número de tweets sobre o Pizzagate veio de países como a República Tcheca, Chipre e Vietnã e que alguns dos mais frequentes replicadores eram bots. Essa informação era ignorada por Edgar M. Welch, 28 anos. Ao ler que a pizzaria estava explorando crianças como escravos sexuais de uma rede liderada por Hillary, ele dirigiu seis horas em um domingo, desde a sua casa, de Salisbury, na Carolina do Norte, para averiguar a situação com seus próprios olhos. Logo ao entrar no restaurante disparou seu rifle. Por sorte, ninguém se machucou. O rapaz, pai de dois filhos, foi preso, e no local foi apreendido, além da arma usada, um revólver. À polícia, o atirador disse que seu objetivo era "resgatar as crianças" mas ele se rendeu pacificamente depois de não encontrar nenhuma evidência que “as crianças estavam sendo abrigadas no restaurante”.
Seria o caso de, nas instituições jornalísticas, fazer constar quando o conteúdo foi produzido por um robô? Certamente iria ajudar. Mas o maior problema, como disse antes, é a disseminação de notícias falsas, o que é bem mais difícil controlar, mas é necessário atacar. Países como a Alemanha estão discutindo formas de responsabilizar pelas notícias falsas as redes que as distribuem, como o Facebook e o Twitter. No Brasil, a legislação de imprensa responsabiliza também os veículos por publicar notícias equivocadas que prejudiquem alguém. Mas, no caso das redes sociais, o problema é que a sede delas fica em outros países. Alegam que não respondem à lei brasileira. Porém, em países europeus essa discussão está mais avançada, e as empresas têm de dar satisfações para as autoridades do país.
Bot, diminutivo de robot (robô, em inglês), é uma aplicação de software concebido para simular ações humanas. Pode ser usado de boa-fé, como em sites em que assumem a função de comunicação com o usuário, ou para golpes, como a disseminação de spam ou o aumento artificial das visualizações de um site.
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CLUBE DE OPINIÃO
Fotos: Jefferson Bernardes/Agência Preview
Flávio Presser detalha PPP da Corsan ao Clube de Opinião
Apresentação: o diretor-presidente da Corsan, Flávio Presser, diante do presidente do Clube de Opinião, Julio Ribeiro (à direita), explica por que a opção por uma parceria público-privada
N
o primeiro dia de fevereiro, o Clube de Opinião do RS promoveu um brunch, tendo como convidado o diretor-presidente da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), Flávio Presser. Em duas horas e meia de encontro, na Sala Otávio Rocha do Hotel Tulip Inn, no centro da Capital, ele detalhou a Parceria Público-Privada (PPP) concebida como modelo para o tratamento de esgoto nos próximos 35 anos da estatal
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na Região Metropolitana. Ele esclareceu as dúvidas das mais de duas dezenas de jornalistas presentes, entre rádio, tevê, jornal, revista e internet. Presser explicou por que a companhia decidiu por uma parceria público-privada como saída para reverter a precariedade no tratamento de esgoto em nove municípios da Grande Porto Alegre. O plano prevê, nos próximos 11 anos, investimentos da ordem de R$ 3,4 bilhões, dos quais R$ 1,8 bilhões captados junto à iniciativa
privada, na forma de PPP, que teriam um direito de concessão por 35 anos. O plano tem como meta, até 2027, cobrir com até 87,3% de coleta e tratamento de esgoto Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Eldorado do Sul, Esteio, Gravataí, Guaíba, Sapucaia do Sul e Viamão. A escolha das cidades levou em conta o baixo nível atual de tratamento de esgoto (Canoas, por exemplo, apenas 17, e Guaíba menos de 7%) e o esgotamento de recursos hídricos, como é o caso dos rios do
A meta é, até 2027, cobrir com até 87,3% de coleta e tratamento de esgoto Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Eldorado, Esteio, Gravataí, Guaíba, Sapucaia e Viamão
Sinos, Gravataí e Caí, os três entre os 10 mais poluídos do país. Segundo cálculos de estudos encomendados pela Corsan e apresentados no encontro do Clube de Opinião, os benefícios da universalização do saneamento nos nove municípios, até 2030, devem girar na ordem de R$ 29 bilhões, incluindo a geração de mais de 32 mil empregos, com incremento de renda de cerca de R$ 3 bilhões neste período. Confira a seguir, nas palavras do diretor-presidente da Corsan, os objetivos do plano e quando ele deve começar a se tornar realidade.
A precariedade atual "Há um déficit enorme de esgoto sanitário." "No Rio Grande do Sul, apenas 15% da população é atendida por coleta e tratamento de esgoto. É um índice que não nos satisfaz e não pode nos orgulhar."
O preço para resolver "Para bancar o plano de expansão da Corsan, o investimento é de R$ 11,45 bilhões. Destes, R$ 3,42 bilhões para a Região Metropolitana." "Não temos condições de acelerar o investimento sem buscar o setor privado." "A PPP é a melhor saída para termos investimento. E, além de ampliar o tratamento de esgoto, alavanca a economia e traz ganhos com a redução dos custos com saúde, o aumento da produtividade no trabalho e a valorização imobiliária."
O que muda com a PPP "Não é uma privatização, e sim um modelo de concessão administrativa. A
empresa privada será remunerada pela Corsan, a partir da conta paga pelos usuários, para prestar o serviço." "Nada muda na relação com os municípios e com os usuários." "É como se fosse uma terceirização." "O controle fica com a Corsan." "A vantagem da PPP é o custo. Enquanto para o setor público o metro cúbico de esgoto coletado e tratado custa R$ 3,43, no setor privado fica em R$ 2,97. Isso ocorre porque o setor público tem muitos gastos indiretos e a definição do custo no setor público é por edital, enquanto no setor privado é por barganha." "E se a empresa privada quebrar não há risco porque será uma SPE (Sociedade de Propósito Específico), monitorada pela Corsan."
O cronograma e as metas pretendidas "A meta é que a consulta pública ocorra ainda em fevereiro, e o edital seja lançado em março." "Na Região Metropolitana, a meta é universalizar o tratamento até 2027. E em todo o Estado até 2043."
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BARNEY KILGORE 24 | Press 175
GRANDES NOMES
Um dos inventores do bom jornalismo
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xiste o jornalismo termômetro, e o jornalismo barômetro. O primeiro, vulgar, reproduz com dados o óbvio ou superficial: na tarde de 1º de fevereiro de 2017, a temperatura no centro de Porto Alegre estava em torno de 29°C. O outro vai além: indica a pressão atmosférica, a altitude e, o mais útil, prováveis variações no tempo. Para ser didático, um editor visionário comparou os dois instrumentos, ao criar a forma como ainda hoje se cobre a Bolsa de Valores, tendo índices como referência. Seguindo uma lógica semelhante, ele transformou o modo de fazer o jornalismo, como resume na capa a biografia, escrita por Richard J. Tofel, sobre esse personagem tão importante como ignorado pelas redações brasileiras: Restless Genius: Barney Kilgore, The Wall Street Journal, and the Invention of Modern Journalism ("Gênio Inquieto: Barney Kilgore, The Wall Street Journal, e a Invenção do Jornalismo Moderno" poderia ser o título, se o livro tivesse tradução). Leslie Bernard (Barney) Kilgore transformou o Wall Street Journal de um boletim de negócios no diário de maior circulação nos Estados Unidos e um dos mais influentes do mundo. Essa mudança começou na época da II Guerra, em 1941, quando aos 32 anos Kilgore assumiu o posto de editor-chefe, e se estendeu até 1967, com sua morte, aos 59 anos. Em 25 anos, a circulação havia saltado de 32 mil para mais de 1 milhão. Uma das mais impressionantes sacadas de Kilgore ocorreu durante a entrada dos EUA na guerra, com o ataque do Japão a Pearl Harbor. O óbvio na cobertura, ainda hoje, 75 anos depois, seria uma manchete ao estilo "EUA em guerra", com corpo 120. Mas o Wall Street Journal surpreendeu. Fez uma cobertura focada em como a mobilização bélica impactaria a econo-
mia do país e o cotidiano do cidadão. A edição contemplou as informações sobre a agressão japonesa, presentes nos demais jornais, mas o Journal foi à frente, ao antecipar os efeitos nos negócios e na vida dos americanos. Abaixo da cartola "Guerra com o Japão", em lugar de uma manchete tradicional, listava uma série de informações que iriam ditar os anos seguintes para a sociedade americana: "Um só objetivo para a indústria dos EUA: aceleração da produção de armas; O Congresso prepara-se para agir; O pacote de impostos será antecipado; / A Bolsa de Valores de Nova York vai abrir como de costume hoje, diz Schram." A matéria antecipava: A máquina produtiva americana será remodelada com um único propósito - produzir o máximo de itens necessários para derrotar o inimigo. Será um processo brutal. Implica intenso, quase fantástico estímulo para algumas indústrias; racionamento rigoroso para outros; inevitável, liquidação completa para alguns. A guerra com o Japão será uma guerra de grandes distâncias. Assim, certamente em seus estágios preliminares e provavelmente para a sua continuação, será uma guerra do mar e do ar. Isso significa quantidades ilimitadas de navios e conchas, bombardeiros e bombas, petróleo, gasolina. Eventualmente, também significa um exército agigantado em relação ao atual estabelecimento militar - 5 milhões, 8 milhões. Nascido e criado no estado de Indiana (nasceu em Albany, a 9 de novembro de 1908), Barney se mostrou um talento precoce. Aos 16, ingressou na DePauw University, em Greencastle, onde se tornaria o editor do jornal do campus. Próximo da
formatura, ele se candidatou a um emprego no Journal, em Nova York, e começou a trabalhar em setembro de 1929, apenas sete semanas antes do Crash. Estava na torre de observação do terremoto financeiro, já que o Journal era o braço impresso da agência Dow Jones, criadora do principal indicador das ações na Bolsa de Nova York. A primeira pauta foi ajudar a monitorar os boletins da agência de notícias da Dow Jones. Poucos meses depois, ele seria enviado para a Costa Oeste, para ser o editor das notícias de San Francisco. Na Califórnia, em seu terceiro ano no time do Journal, Kilgore se sentiu à vontade para as primeiras experiências de inovação. Nessa época criou os resumos de notícias na capa, com remissão para as páginas internas. Foram incorporados pela base principal, em Nova York, e até hoje figuram com destaque na capa impressa, sob a cartola What's News. Outra inovação foi uma coluna, aos moldes de uma série de cartas, como se estivesse escrevendo para o leitor comum, pouco familiarizado com os jargões dos banqueiros. Era a "Dear George" (em português, poderia ser "Prezado, Jorge"). O personagem era fictício, mas os problemas, reais. O primeiro tema, e de muitas outras cartas depois, foi a deflação trazida pela Grande Depressão. Enquanto a economia dos EUA se recuperava, Kilgore se tornava cada vez mais relevante para a empresa, em parte porque captou como o veículo podia fazer diferença e ser ainda mais útil em um momento de crise. Assumiu a chefia da sucursal de Washington aos 25. Ali ganhou o respeito de um leitor bem difícil de conquistar, Franklin Delano Roosevelt. Mesmo o Journal tendo uma visão mais conservadora e crítica ao New
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Deal, o conjunto de programas intervencionistas lançado pelo democrata para recuperar a economia, o presidente americano chegou a recomendar, em coletivas de imprensa, que quem quisesse compreender as medidas deveria ler Kilgore. "Eu não concordo com tudo que está escrito, mas é uma boa matéria", admitiu Roosevelt. "É uma matéria analítica sobre um tema extremamente difícil." Depois de chegar ao posto de editor-chefe aos 32, Kilgore assumiu a direção-geral da Dow Jones dois anos depois. Quando o presidente da Dow Jones, Kenneth C. Hogate, adoeceu, em 1942, a empresa decidiu nomear um gerente geral como executivo-chefe na prática, mas não em título. O editor William Grimes recusou o trabalho e praticamente coagiu a indicação de Kilgore. Na crise, ele via oportunidade. O papel-jornal era racionado devido à guerra. Em vez de destinar às páginas prioridade para anúncios, e assim garantir um lucro a curto prazo, valorizou as notícias, para assim ampliar a circulação. "Agora é o momento de construir", explicava. "Haverá muito tempo depois para obter publicidade." Depois da guerra, os técnicos da empresa desenvolveram dispositivos para ligar uma crescente rede de gráficas espalhadas pelo país. Como a circulação cresceu, os anúncios vieram. Dow Jones ganhou mais de US$ 13 milhões em 1966, o último ano completo do mandato de Kilgore, em comparação com cerca de US$ 211 mil em 1945, quando ele oficialmente se tornou chefe executivo. Em uma nação com hábito de leitura regionalizado, sua visão era a de um jornal nacional que servia aos leitores de negócios, de "Portland, Maine, a Portland, Oregon". A visão era de uma comunidade definida não por geografia, mas por interesses comuns. Em sintonia com a linha editorial de interesse amplo nacional, multiplicou sobre o mapa americano as plantas de impressão, de maneira a permitir que os exemplares chegassem logo aos leitores, sem importar a distância em relação a Nova York. "Ele criou a filosofia, as fórmulas de notícias, a organização corporativa e grande parte da infraestrutura que conduziu o Journal ao posto de maior jornal do país, com uma circulação, às vezes, superior a 2 milhões de exemplares", escreveu Robert Leroy Bartley (1937-2003), editor da página Editorial do Journal por mais de 30 anos. Aos 58 anos, devido a um câncer colorretal agressivo, teve de abandonar a presidência da companhia. Em meio ao tratamento de uma doença em estágio terminal, mostrava preocupação com os projetos interrompidos. A última conversa com seu sucessor, Bill Kerby, era sobre The National Observer, semanário criado em 1962, cinco anos antes: "Bill, will my baby make it?" ("Bill, o meu bebê vai conseguir?"). Kilgore morreria cinco dias depois de completar 59 anos, e o "bebê" resistiu até 1977. Matías M. Molina, autor do livro Os Melhores Jornais do Mundo, lembrou no Valor Econômico que, mesmo as mudanças e a orientação implantadas por Kilgore tendo sido determinantes para que o Journal seja hoje o diário de maior circulação dos Estados Unidos (rivalizando com o USA Today) e um dos mais
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Na cobertura ao ataque que levou os EUA à II Guerra, o Wall Street Journal ousou e fugiu do óbvio, a que se prenderam os concorrentes
influentes do mundo, ele é praticamente desconhecido, mesmo em seu país. "Uma pessoa que não o esqueceu foi Rupert Murdoch", ressalvou. "Quando sua empresa, a News Corp., comprou o Journal, em 2007, ele disse que manteria o legado de jornalismo independente de Kilgore. O ceticismo foi geral. Mas o fato é que, se Murdoch pagou um preço muito superior ao do mercado, deveu-se precisamente a que The Wall Street Journal seguiu o legado de de Kilgore."
OPINIÃO
Mario Rocha
Foto: Gage Skidmore (10/12/2011)
Trumpolinagens
O
bom de não ser especialista em jornalismo político é a permissão implícita para opiniões decididamente irresponsáveis. Assim, informo que o atual presidente estadunidense deixará abruptamente a Casa Branca. O estopim para o afastamento não será perjúrio, obstrução à justiça, envolvimento com estagiária, traição, corrupção ou assemelhados. Em algum momento dos próximos dias ou meses, talvez não mais do que isso, as lideranças republicanas poderão ser impactadas por uma massiva rejeição popular às trampolinagens do topetudo eleito. Quais os motivos? Pense no impacto social que o fim do Obamacare por certo trará, assim como nas restrições aos fluxos econômicos, inclusive informais, nos dois sentidos dos 3.141 quilômetros de fronteira com o México. Acrescente a imprensa, que pouco viu antes, mas parece estar retirando os antolhos e, bem ou mal, ainda influencia uns e outros. Não esqueça de juntar quem segue vendo no comunismo russo uma ameaça e, portanto, tem restrições à amizade quase íntima com Vladimir Putin. Outras razões poderiam ser elencadas. E todas, mesmo somadas, não deverão conduzir à deposição. Aquilo que Donald
As corporações não querem alguém colhendo informações sobre os negócios mundiais, dissecando amigos e desafetos Trump realmente ameaça é o jeitão com que o estamento dos EUA acostumou-se a tratar o mundo e a forma com que as questões internas são tratadas. Séculos de práticas diplomáticas consolidadas internacionalmente escorrem pelo ralo. Políticos e magnatas sabiam lidar com elas, lucrar com elas, lambuzar-se nelas. O trapalhão nada tem de tolo. Está substituindo a diplomacia pela guerra negocial, pois disso ele entende. As fusões e as aquisições ganham relevância. A tomada hostil de controle da empresa – economia! – alheia pode ser mais do que um simples Plano B. Chegamos ao busílis da questão. Em tempo, alguém mais ainda usa este termo? Este comentarista irresponsável nas
coisas da política, como se auto descreveu anteriormente neste texto audaciosamente acolhido pela revista Press, acha que as grandes corporações não querem saber de alguém que está colhendo informações importantíssimas sobre os negócios mundiais, dissecando amigos e desafetos, ganhando o poder que a informação propicia. As corporações deporão Donald Trump e o farão por meio dos políticos republicanos quando estes pressentirem ameaça às próprias reeleições. Republicanos e democratas negociarão a extração do espinho encravado na sola do pé da democracia antes que inflame, prejudique a caminhada, ameace com gangrena ou trombose. A imprensa? Só pequeníssima parte dela – lá de cima ou mesmo a tupiniquim - alertará para o que vem por aí. Quase todos os jornalistas e respectivos espaços midiáticos seguirão inebriados pelos holofotes. É mais cômodo e seguro ir tenteando do que antecipar um cenário mais do que possível. Tenho escrito.
* Mario Rocha é jornalista e professor da Fabico
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GALERIA
E
sta é uma capa que, mesmo antes de impressa, já nasceu clássica. Preparada para a semana de 13 a 20 de fevereiro de 2017, quebrou uma tradição. Em seu aniversário, a New Yorker costuma homenagear o personagem de cartola criado há quase um século pelo editor de arte Rea Irvin, cuja pena também esboçou o logotipo ainda hoje utilizado. Nos 92 anos da publicação, em vez de uma referência ao cavalheiro de cartola observando uma borboleta através de um monóculo, que ilustrou o número 1 da revista, a inspiração é sombria. Optou-se pela Estátua da Liberdade com uma chama em extinção, em alusão ao governo de Donald Trump, em especial às medidas de restrição à imigração. "Sob circunstâncias mais comuns" o personagem símbolo seria homenageado, explicou Françoise Mouly, editora de arte desde 1993, que "vazou" o layout. Desta vez, o comando da revista considerou mais apropriada a imagem escura e pouco acolhedora concebida por John W. Tomac, com o título de Liberty's Flameout ("A extinção da Liberdade"). "A Estátua da Liberdade e sua tocha brilhante eram a visão que costumava acolher os novos imigrantes. E, ao mesmo tempo, era o símbolo dos valores americanos. Agora parece que estamos apagando a luz", observou o ilustrador, autor de trabalhos para The Wall Street Journal, Washington Post, Boston Globe, Village Voice, Runner's World e ESPN. Expressão da principal cidade de um estado onde Hillary fez quase 60% dos votos, a revista está na fileira dos veículos em choque com o novo presidente americano. A trégua inicial durou pouco, e a relação entre a Casa Branca e a imprensa se deteriorou. "Cada manhã, o sincero desejo de 'dar-lhe uma chance' morre um pouco mais", escreveu o editor, David Remnick.
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No aniversário, em vez da homenagem à primeira capa, a chama da liberdade se apaga