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ANO 20 - EDIÇÃO 173 - R$ 9,90

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA NA PUBLICIDADE

Para se fortalecer na revolucão digital, tem mais chance quem souber ajustar a lente de macro para micro

TIAGO RITTER

fala da trajetória de sua premiada W3haus 30

JAMES WALTER THOMPSON De marinheiro a um dos maiores nomes da publicidade

EDGAR POWARCZUK

alerta a nova geração: felicidade dá muito trabalho


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ALMANAQUE O túnel do tempo da propaganda no Brasil

Em busca de referência, aprendizado ou pura diversão, a História Ilustrada da Propaganda no Brasil é uma bela fonte. É uma edição especial que a centenária Associação Brasileira de Imprensa (ABI) lançou em 2014. Abarca desde os anúncios para compra e venda de escravos na primeira metade do século 19 até as propagandas de cigarros e outros produtos nos anos 1970. Para folhear a revista, na internet, o endereço é https://issuu.com/abi1908/docs/jornaldaabi395 No lançamento, os editores haviam prometido um segundo volume, com os últimos 40 anos.

MAILCHIMP Quanto mais as redes sociais ocultam marcas que não têm condição ou desejo de pagar por impulsionamento, mais relevante se torna o e-mail marketing. Assim, cresce a importância do Mailchimp, ferramenta gratuita até 2 mil destinatários. Amigável e com diversidade de opções de templates com design caprichado, personalizáveis com uma variedade de recursos de interação e monitoramento, é uma boa arma para o cinto de utilidades de um estrategista de marketing, especialmente para pequenos negócios.

DITO POR AÍ

"Você só descobre quem está nadando pelado quando a maré baixa." Warren Buffett

“Vender para pessoas que na verdade querem lhe escutar é mais eficiente que interromper aqueles que não querem.” Seth Godin

"Assim como na religião cristã, a pior propaganda do socialismo são seus adeptos." George Orwell (1903-1950)

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MIX A métrica da Bloomberg Embora a maior parte de sua publicidade digital ainda seja negociada no modelo custo por mil impressões (CPM), a Bloomberg vem valorizando nas apresentações para os anunciantes as métricas baseadas em tempo de exposição. O objetivo é convencê-los dos benefícios da medição por atenção e engajamento. Ou seja, mais do que uma multidão que clicou em uma notícia e mudou de página em 2 segundos, considerar quem de fato consumiu o conteúdo.

O G5 da Competence Como parte da reestruturação em curso nos últimos anos, o grupo Competence adota novo nome, com apenas dois caracteres, mas com uma ambição multifacetada: G5. O número vem da organização em cinco pilares: Inteligência, Inovação, Criatividade, Engajamento e Ativação. O núcleo criativo da agência há 25 anos no mercado continua tendo um papel revelante, em articulação com outras cinco empresas: F-Store, TWF, Comp, Stronger e Sunbrand, cada uma com CNPJ próprio.

O show dos youtubers Em estratégia de comunicação criada pela F.biz para a Ovomaltine, os influenciadores Kéfera Buchmann, Christian Figueiredo e Felipe Castanhari formaram “The Ovomaltine e Os Extraordinários”, banda que fará paródias de músicas escolhidas pelo público. A campanha será dividida em ciclos, cada uma com um dos três youtubers. A primeira começa em novembro. As paródias poderão ser vistas nos canais dos influenciadores. Posts com GIFs nas redes sociais da marca também fazem parte da ação

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SALÃO DA PROPAGANDA

A Revista Press Advertising é finalista como Veículo do Ano

No principal prêmio da propaganda gaúcha, a Revista Press Advertising é finalista na categoria Veículo do Ano. Os vencedores do Salão da Propaganda 2016 serão conhecidos durante o Jantar da Propaganda, em 8 de dezembro, na Casa NTX, como parte da Semana ARP Especial 60 anos. São 15 categorias, cada uma com um trio de finalistas definido pelo mercado gaúcho. Em 10 de novembro, foi aberta a votação para os sócios da Associação Riograndense de Propaganda (ARP), com o envio do link com o prazo para ser respondido até 2 de dezembro. Confira a lista completa dos 45 finalistas deste ano: 1 ) Empresário ou Dirigente de Comunicação do Ano: – César Paim (Paim) – Claudio Toigo (Grupo RBS) – Roberto Sirotsky (3YZ) 2 ) Agência de Comunicação do Ano: – Matriz – Morya – Paim 3 ) Anunciante do Ano: – Panvel – Renner – Sicredi 4 ) Veículo do Ano: – Rádio Gaúcha – Revista Press Advertising – Sinergy 5 ) Diretor de Criação do Ano: – Mauricio Oliveira (Matriz) – Rafael Bohrer (Global) – Ricardo Bottega (CDN Sul)

6 ) Profissional de Criação: – Gerson Lattuada (Paim) – Roberto Schmidt (Moove) – Saulo Barbosa (Escala) 7 ) Profissional de Atendimento do Ano: – Gustavo Sartori (Sistema Dez) – Lilian Garcia (Matriz) – Marcela Cheuiche (3YZ) 8 ) Profissional de Mídia do Ano: – André Nonnig (Escala) – Luciana Russowsky (Escala) – Renata Schenkel (Competence) 9 ) Profissional de Planejamento do Ano: – Daniele Lazzarotto (Morya) – Lara Piccoli (Morya) – Manoela Ries (Escala) 10) Profissional de Produção de Agência do Ano – Luty Mota (Duplo) – Melissa Bordin (Morya) – Taciana Lima (Competence)

11) Profissional de Atendimento de Veículo: – Arturo Garziera (RBS Rádios) – Rafaela Zang (RBS Rádios) – Andrea Correa (RBS TV ) 12) Profissional de Marketing de Cliente do Ano: – Luciane Franciscone (Renner) – Ana Paula Ferrão (Pompéia) – Ivan Novello (Sicredi) 13 ) Produção Publicitária Eletrônica e Digital: – Loop Reclame – Zeppelin Filmes – Mythago Produções 14) Produção Publicitária de Imagem Gráfica – Centhury – Estúdio Meca – Estúdio Miagui 15) Serviços Especializados – CDN Sul – Inventa Evento – Fatto Comunicação


O que acontece no mundo é registrado aqui, STOCKPRESS! 6

www.stockphotos.press


MIX Divulgação

Compras no feed Nova ferramenta do Instagram, em teste nos Estados Unidos, permitirá ao usuário pesquisar e comprar produtos a partir das fotos dentro do app. Na primeira semana de novembro, 20 marcas de varejo norte-americanas estreiam a funcionalidade. A foto da marca ganha a opção “Tap here to view products” (“clique aqui para ver os produtos”). A ação revela os nomes e preços dos produtos presentes na foto (como sapatos, roupas e bolsas) que podem ser comprados.

Para o Conar, Instagram é um porre Celebridades no Instagram dão trabalho para o Conar. Bruna Marquezine é um desses casos. Recentemente, a atriz teve de apagar de sua conta na rede social uma fotografia tirada em um estande da Skol. Na imagem, aparecia com um copo na mão, durante a final das Olimpíadas, no Maracanã. Como as normas éticas para a publicidade de bebidas alcoólicas vedam a participação de pessoas que tenham ou aparentem ter menos de 25 anos – Bruna tem 21 anos – , o post foi julgado propaganda irregular. No julgamento, em sua defesa, a Ambev

alegou que o post foi feito sem o consentimento da empresa, e que a foto foi postada pela atriz como agradecimento. Não é a primeira vez. Em junho de 2015, a jovem havia removido da mesma rede social, por ordem do Conar, uma foto no Carnaval no camarote da Antarctica com a legenda “Foi bom demais… Muito mais do que você imagina! Amei muito!” É um desafio regular uma mídia individual que tem as feições de pessoal e espontânea mas, no caso da musa de Neymar, atinge 17 milhões de seguidores.

Nativa e rentável A publicidade nativa já representa 11% da receita das empresas de mídia. Em 2018, essa fatia alcançará mais do que o dobro: 25%. Os percentuais são de um estudo da International News Media Association (INMA) e do Native Advertising Institute (NAI) junto a 156 publishers no mundo todo – a maioria em jornais. Para demarcar a fronteira editorial, seis em cada 10 publicações preferem o selo "conteúdo patrocinado", em vez de "publicidade" ou "conteúdo comercial". A temperatura do debate sobe, à medida que o gênero se mostra rentável.

8.760 horas de criação

Uma boa causa

Um dia pode ser apenas 24 das 8.760 horas de um ano, mas também o prazo máximo para definir o futuro de um cliente em uma agência. Inspirada nesse conceito, a Associação Riograndense de Propaganda lança o 3º Anuário de Criação CRIARP. Idealizado por Fábio Bernardi e desenvolvido pela Morya, o livro, à venda na ARP (Rua Tobias da Silva, 120, Porto Alegre), reúne em mais de 300 páginas as peças premiadas no Festival de Criatividade ARP (CRIARP) 2015. O material recebe o olhar do fotógrafo Celso Chittolina.

Com o objetivo de aumentar a doação de livros e a circulação deles na população, o Banco de Livros lança sua mais nova campanha. Criado pela agência Escala, o filme mostra a dificuldade de fazer um livro chegar ao interior de uma prisão. Alerta para a diferença que a leitura e a educação podem fazer na vida de uma pessoa. Mantido pela Fundação Gaúcha dos Bancos Sociais, da Fiergs, o banco recebe doações de volumes novos e usados e monta bibliotecas ou espaços de leitura em locais de baixa renda.

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AQUÁRIO

Julio Ribeiro

SUMÁRIO

O bom jornalismo e o Titanic

julioribeiro@terra.com.br

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elecionando algumas fotos sobre coberturas históricas da imprensa, me deparei com algumas preciosidades de como os jornais americanos, especialmente, deram a noticia do naufrágio do Titanic, em abril de 1912. Tem fotos muito icônicas. Tem uma que mostra a redação do New York Times de madrugada, com todo mundo agitado, papéis pelo chão, casacos e chapéus atirados sobre as mesas, demonstrando o frenesi para fazer circular a edição do dia 15 com o máximo de fatos elucidados e informações esclarecidas. Tem a foto da capa desta edição do NYT, com uma manchete em três linhas de 40 toques, que resume tudo.. E tem uma foto da capa do The Evening Sun, numa barrigada antológica. A edição do vespertino americano dizia que “todos os passageiros haviam sido salvos e transportados em barcos salva-vidas”. What!? A maior tragédia da navegação civil do mundo, em todos os tempos mostrou quem sabia fazer jornalismo e quem chupava bala. O meio de comunicação de ambas as redações com o local do acidente era um só e o mesmo, o telegrafo. O NYT deu a notícia correta, o The Evening Sun afundou junto com o Titanic (foi vendido quatro anos depois e incorporado a um outro jornal nova-iorquino). Em todas as épocas, não importa a tecnologia disponível, a única garantia para sobrevivência de um veículo de imprensa está na sua capacidade de fazer um trabalho bem feito e na sua obstinada busca pela verdade dos fatos. A propósito, este é o tema do Prêmio Press deste ano, que se propõe a valorizar, justamente, o bom e velho jornalismo, não importa quão jovens sejam os seus profissionais e quão modernos os seus recursos técnicos. A busca pela verdade. Tão simples quanto isso.

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Almanaque

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Mix

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Aquário

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Entrevista: Tiago Ritter

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Números: Um real que vale por 10

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Capa: Manual de sobrevivência na Publicidade

22 Do what you love: A felicidade dá trabalho 24 Grandes Nomes: James Walter Thompson 28 Opinião: Alberto Meneghetti 30 Galeria: Adoniran Barbosa

Diretora-Executiva NELCI GUADAGNIN

RUA SALDANHA MARINHO, 82 PORTO ALEGRE - RS CEP 90160-240 FONE/FAX (51) 3231 8181

Editor ALTAIR NOBRE

www.revistapress.com.br comercial@revistapress.com.br

Diretor-Geral JULIO RIBEIRO

Diagramação/ Arte Final ESPARTA DESIGN Imagens: Fotografia: Jefferson Bernardes/ Agência Preview Assinaturas atendimentoad@terra.com.br Impressão COMUNICAÇÃO IMPRESSA

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Comercialização PORTO ALEGRE: (51) 3231 8181 e (51) 9971 5805 com NELCI GUADAGNIN PRESS e ADVERTISING SÃO PUBLICAÇÕES MENSAIS DA ATHOS EDITORA, COM CIRCULAÇÃO NACIONAL, SOBRE OS MERCADOS DE COMUNICAÇÃO E IMPRENSA BRASILEIROS. OS ARTIGOS ASSINADOS E OPINIÕES EMITIDAS POR FONTES NÃO REPRESENTAM, NECESSARIAMENTE, O PENSAMENTO DA REVISTA.


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ENTREVISTA

ENTREVISTA TIAGO RITTER

"O nosso negócio foi moldado em cima de receita de serviço, e não de mídia" Altair Nobre e Julio Ribeiro Fotos: Divulgação

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ENTREVISTA Baterista das bandas Call Me Lola e Gillez e aficionado por esporte (ex-goleiro das categorias de base do Grêmio), Tiago Ritter, 37 anos, dedica sua energia e versatilidade à W3haus, agência digital que fundou em Porto Alegre há 16 anos, quando a conexão era discada e o segmento um nicho. Hoje, em São Paulo, é o CEO da empresa, à frente de quase duas centenas de colaboradores somadas as duas sedes, e um dos idealizadores e líderes do movimento das Associações de Agências Digitais no Brasil (ABRADi). Filho de jornalista (Jurandir Soares), Tiago é formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi repórter na RBS TV, teve seu primeiro emprego ponto com no antigo ZAZ, depois incorporado pelo Terra, e espelha em sua trajetória a dinâmica de um mercado transformado nas duas últimas décadas. Nesta entrevista, ele compartilha obras do acaso e aprendizados que moldaram uma carreira resiliente às sacudidas tecnológicas.

prado, no início de 2000 eu saí, e a gente montou a W3.

Começaste a W3Haus em que ano? Ano 2000.

Especialmente aqui no Rio Grande do Sul. Na Serra Gaúcha, a gente fez o Grand Slam de todas as marcas. A Tramontina foi muito importante porque era um cliente que eu atendia no Studioweb. Quando a gente montou a W3, até em função do fechamento do Studioweb, foi o primeiro grande cliente. A Tramontina abriu portas. Aí a gente bateu na Grendene, na Dell Anno, na Sanremo… Aquele digital que falava com meia dúzia de pessoas amadureceu. No caso da Tramontina, a área que atendia o digital era a de Mercado Exterior, e não o Marketing. A visão era muito mais “Vamos usar a internet para falar para o mundo, e não tanto para o Brasil”. A gente começou com quatro pessoas numa salinha, e hoje é um negócio com quase 200 pessoas em duas sedes. A gente chegou a ter um escritório em Londres durante cinco anos. O movimento foi Porto Alegre-Londres, Londres-São Paulo. Foi um crescimento não muito lógico.

Mas antes já estavas trabalhando com internet? Comecei a trabalhar com internet em 1998. Comecei a fuçar em internet antes de entrar na faculdade ainda. Passei na Federal, na turma de Jornalismo do segundo semestre, então fiquei o primeiro semestre em casa, e o que eu fazia era fuçar na internet. Primeiro navegando. Depois, enchi o saco de navegar. Vocês imaginam que em 1997 não tinha muito o que navegar. Então quis entender como as coisas iam parar lá dentro. A conexão era discada... De quanto era a velocidade à época? Era aquele modem 56 Kbps [em 2016, é comum uma conexão mil vezes mais rápida]. Passava a madrugada. Nessa época eu mudei: vivia à noite e dormia de dia. O Studioweb, o meu primeiro estágio no digital, ficava dentro do ZAZ, que hoje é o Terra. Era a espécie de agência dentro do ZAZ. E eu era estagiário. Não era ainda NutecNet? Já era ZAZ. NutecNet era só a razão social. Tinha sido comprada pela RBS. Logo que foi comprada pela Telefônica, saí de lá e montei a W3 com colegas de Studioweb. Em 1999 foi com-

O core business continua o mesmo ou foi sendo mudado ao longo dos anos? Muda todo ano, a todo instante. Quando a gente montou a W3, o nosso site dizia “Nós não fazemos sites”. Esse era o nosso posicionamento. A gente acreditava que a internet iria mudar totalmente o comportamento das pessoas, das marcas, de tudo. Nem sabia como, mas iria fazer parte disso. A gente fazia sites – que dizia que não fazia – , mas com uma visão muito mais de estratégia do que só de produção. Nunca se posicionou como uma produtora: sempre atendeu o cliente final. Agora, imaginem no ano 2000 falar de digital. Era pregar uma coisa que ainda as pessoas não entendiam direito. O nosso início foi evangelizar sobre o que era esse tal de digital.

Muitas dessas empresas se transformaram em agências digitais, e dali a pouco faziam de tudo, até mídia offline. Como vocês fugiam dessa tentação, ou vocês fazem também? A gente faz. O escopo continua o mes-

mo porque a gente tem a preocupação de responder a uma necessidade do cliente. Se essa resposta vem em um aplicativo de celular, uma campanha de mídia para Google, um outdoor no meio da Goethe ou no meio da Paulista, um filme em canal fechado ou aberto, não interessa. A gente vai responder com o melhor caminho para a solução do problema do meu cliente no melhor canal de fazer isso. A grande questão é que hoje as respostas não são nada óbvias, comparado com o que era há 20 anos. Mas esse não é o discurso que todas as agências de propaganda sempre tiveram e ainda hoje sustentam? O que muda na prática? No que a W3 é diferente da Escala? É completamente diferente. Começa pelo DNA das agências. Nunca trabalhei na Escala, não consigo ter uma visão interna, mas o que eu entendo de uma visão externa: o nosso DNA, desde os fundadores até o nosso negócio, é totalmente mutante. A gente nasceu quando entregava sites em HTML para computadores desktop com tubão. Hoje faz mídia programática para as pessoas que a gente não sabe onde estão, mas sabe como quer falar para elas, independentemente se no celular, no computador, no tablet, na televisão conectada. A complexidade é muito maior. A adaptação de quem já nasceu nesse cenário de mudança é muito mais fácil de quem nasceu num cenário de caixinhas. Quem nasceu acostumado a “Vamos fazer uma resposta de televisão, de rádio, de print” e vem para um cenário complexo onde a resposta está hiperpulverizada em “n” canais, “n” frentes de “n” formas… Temos uma vantagem competitiva. Sem contar no modelo de negócios. O que as agências de propaganda tradicional vendem? Mídia. E no combo vai uma estratégia, vai uma criação. Lógico, hoje, ainda mais com o nosso tamanho, a mídia suporta, e é um vetor importante de crescimento, mas o negócio foi moldado em cima de receita de serviço. A remuneração é fee ou por jobs? Tem vários modelos. A gente só trabalha com contas, contratos de pelo menos um ano. Geralmente tem um escopo fixo, que seria o fee, e mais ou menos definido o que a gente vai fazer

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ENTREVISTA de mensal ou de constante para o cliente. Tem equipe de atendimento, equipe de estratégia, quem estará mais no dia a dia. Dependendo do tipo de conta, a gente tem as campanhas. Por exemplo: Boticário. São 18 ciclos de campanha por ano. A gente tem o time que faz o atendimento constante, mas está toda hora produzindo novas campanhas, e com respostas que variam: às vezes com os dois pés no social media, às vezes ativar um puta vídeo de YouTube, às vezes um filme que a gente faz para o digital e vai para a TV. Quando começaram, vocês diziam “Não somos uma produtora”, mas imagino que o faturamento maior viesse da criação de sites. Em que momento concluíram “Tem um espaço para vender também advertising”? Não teve um momento. Foi bem orgânico. À medida que a gente ia entregando, e mostrando os resultados para os clientes, apareciam as necessidades deles, e a gente acabava preenchendo esse espaço. “Vocês conseguiram responder tão bem para esse meu problema de como achar o meu cliente, quem sabe vocês podem me atender nesse outro problema que eu tenho aqui, de mobiliário urbano, por exemplo”. E as agências tradicionais começaram a encarar vocês como concorrentes? Desde o início. Desde que éramos só quatro pessoas. A agência de propaganda tradicional tem necessidade de deixar o seu território muito bem demarcado. Mas de alguma forma eles contratavam vocês, ou não? A gente nunca trabalhou para outras agências. A gente sempre trabalhou para o cliente final. Muitas vezes acontece de a gente, junto com uma agência off, atender uma conta. No Boticário, a gente está com a Almap, com a Neogama. Bayer tem a JWT, a própria Almap... Acaba havendo umas dobradinhas assim. O conceito de resultado em comunicação digital antigamente era concentrado no número de views e likes. Como mudou isso ao longo destes 16 anos?

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Lá no início se mensurava o custo por mil de banner. Era a forma de comprar, e basicamente o que se media era quem clicou. Essa era a métrica, que já era uma métrica revolucionária. Porque, no caso do filme que vai para a TV, ninguém sabe de fato quem interagiu. Simplesmente tem impacto. Primeiro foi do impacto para a conversão do clique. E, à medida que as ferramentas e o pensamento foram amadurecendo, começou-se a ter uma visão mais clara do que se queria. Hoje, ao colocar no ar uma campanha, a gente tem claro o que busca com ela. Que pode ser impacto: que as pessoas vejam o que eu estou comunicando, mais do que qualquer outra coisa. Há ações em que quero gerar cadastro para a minha base, porque vou fazer uma promoção de Black Friday: o meu objetivo vai ser conversão. Para cada uma dessas campanhas, o objetivo varia e, consequentemente, a métrica. Essa revolução digital acabou com o target, uma forma muito tradicional

de perfilar o consumidor. Hoje, dois caras de 50 anos, mesmo grau de instrução, ambos advogados, um faz trekking e o outro é cozinheiro nas horas vagas. Eventualmente, o consumidor troca de perfil, às vezes no mesmo dia, às vezes na mesma semana. Mais do que nunca, o target é fundamental. Antigamente se baseava em um perfil de pessoa, achando que aquele perfil era o todo. E o target hoje é muito mais acurado. Em vez de eu me preocupar em falar com homens entre 35 e 45 que gostam de futebol, eu posso me preocupar, se eu sou uma empresa de passagens aéreas, por exemplo, que quer falar com o pai de família que compra as passagens para as crianças, eu vou diretamente nas pessoas que têm o comportamento de buscar passagens aéreas, de procurar hotel, de estarem de férias. Consigo ser muito mais assertivo em encontrar essa pessoa com ferramentas, por exemplo, de mídia programática. O que é a mídia programática: uma mu-


ENTREVISTA dança de buscar audiência através dos canais para buscar audiência através do comportamento, do perfil da pessoa. Então, em vez de comprar a capa do UOL, eu vou comprar as pessoas que eu quero buscar… (Julio) Acabei de comprar pela internet um estofado. E depois choveu gente querendo me vender sofá. Mas vou comprar um a cada 10 anos. A intenção é boa, mas a forma de fazer está errada. Não é um desafio tecnológico? Muitas vezes nem é tecnológico. É a peça de trás. A tecnologia é ótima. O que é o objetivo: estimular a pessoa que chegou até a gôndola, e eventualmente até colocou o produto no carrinho mas não passou no caixa. Essa mídia é inteligente para identificar a pessoa e dizer “Olha, sabe aquele produto que você deixou no carrinho? Volta lá porque agora, de repente, eu te dou mais 10% de desconto”. O problema é sites que não trabalham a negativação. (Julio) Outro dia, iniciei a compra de almofadas, mas decidi esperar duas horas pela minha mulher. Nesse meio-tempo, o site me mandou email “Vimos que você não comprou, coloca esse código, 12% de desconto”. Legal. Aí funcionou. A ferramenta e a lógica são perfeitas. Tanto é que tem o exemplo dos teus 12%. Voltamos à velha máxima: a tecnologia pode ser maravilhosa, mas o ser humano vai continuar sendo o mesmo. Por mais que se tenham ferramentas e tecnologias que vão ajudar, vão atalhar alguns caminhos, a necessidade de ter especialistas, e aí o papel da agência é importante, para aconselhar, ajudar a fazer esse ajuste de botões, é fundamental. Vira e mexe, a gente vê discussões do tipo “as agências vão morrer”, “cada vez mais os clientes internalizam algumas entregas”, “os clientes mesmo podem comprar as suas mídias”. De fato a gente vem percebendo isso. Os papéis estão cada vez mais flutuantes nesse cenário, com cliente comprando mídia, gente vendendo mídia direta, por isso volto à primeira pergunta: o nosso core muda todo ano. Uma hora a gente tem

de saber fazer uma coisa, outra hora tem de saber fazer outra. Agora, a essência do que a gente quer entregar é resolver a vida do nosso cliente. A forma de fazer é que vai mudar. Muda a todo instante, muda duas ou três vezes por ano. A gente que já nasceu nesse cenário… Se eu voltar no ano 2000, o que a gente tinha de ferramentas e o que a gente entregava versus o que tem em 2016 é completamente diferente. E a internet das coisas já é uma realidade? Quanto tempo será uma realidade presente como hoje é comprar online? Que a geladeira diga que está faltando leite e manda mensagem para o teu celular. Não sei dizer em tempo, porque há vários fatores. Fiz um curso na Singularity University, que trabalha como as tecnologias exponenciais ajudam a resolver os problemas do mundo. O gráfico mais repetido em todas as aulas tem uma base muito longa, que vai para o negativo e daqui a pouco faz quase 90 graus, que é a lógica das tecnologias exponenciais, como a internet das coisas. Hoje é uma tecnologia que não é 100% confiável, é muito cara e não está disponível para todo mundo. Em algum momento haverá um ponto de inflexão onde ela será confiável, vai baratear e, consequentemente, o crescimento será exponencial. Cresce de forma exponencial, e baixa o preço. Lembra o smartphone. Hoje são mais de 150 milhões no Brasil. Cinco anos atrás, deveriam ser 5 milhões [foram vendidos 9 milhões em 1911]. O que vai acontecer com a internet das coisas, daqui a pouco um carro sem motorista, carros elétricos, em todas essas inovações que estão surgindo a lógica será essa. Associo com os efeitos visuais dos anos 80, o Chroma Key era uma tosquice sem tamanho. Os gráficos eram a coisa mais tosca do mundo. Em 20 anos, início dos 2000, com filmes como Matrix, a evolução que se teve é absurda. Os anos 80 eram um momento em que a tecnologia ainda tosca e foi evoluindo a ponto que hoje, se tem computação gráfica, ou se não tem, a gente nem percebe, de tão perfeita que se tornou essa arte. Tecnologia a gente

percebe num primeiro momento, fica um pouco cético, mas se torna parte de nossa vida. Muda a tecnologia, muda o aparato, mas o ser humano continua o mesmo, com meia dúzia de sentimentos que caracterizam qualquer época ou civilização.A expectativa de que a tecnologia iria libertar a nossa forma de viver, a comunicação, o quanto se concretizou? Percebo radicalmente, quando tem pesquisas dizendo que as pessoas preferem ficar sem escovar os dentes a ficar longe do celular. É a maior comprovação de como o comportamento e a relação das pessoas com a tecnologia estão totalmente mudados versus o que a gente tinha antes. Mas no que esse cara que prefere ter o celular a escovar os dentes mudou como ser humano? Está atento a questões às quais não estava antes, como sustentabilidade? O consumidor mudou. Se para melhor ou pior, eu diria os dois lados. Em época de eleição, a gente vê o pior das pessoas em rede social. Mas também para melhor em algumas coisas. Você vai a uma loja e vê uma televisão nova. Antigamente, dependia da opinião do vendedor naquele momento para decidir pela compra. Hoje em dia, na mesma situação, a primeira coisa a fazer... Vai para o Google... Procura informações, a avaliação daquela tevê, se de fato é boa e onde provavelmente ela é mais barata. E dificilmente em uma loja física a tevê será mais barata do que numa loja virtual. O comportamento do consumidor acaba alterado por isto: a possibilidade de ter uma opinião de alguém não necessariamente próximo. Se eu achar um site especializado em televisões, que fazem review, e eu me sinta seguro, vou seguir essa opinião. Por isso que as marcas precisam ser mais genuínas na hora de falar com o seu consumidor, precisam ter um porquê de existir, para que esse cara, na hora de chegar na frente de uma televisão, ao ver duas no mesmo preço, ou uma R$ 100 mais barato, ele pense “essa marca está um pouco mais cara, mas me identifico com ela”.

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ENTREVISTA

Há empresas que investem milhões em marketing e treinamento, mas são péssimas no pós-venda. O consumidor elogia, e recebe a mensagem “Nós vamos resolver o seu problema”. A sensação é “estou sendo atendido por um robô”. Se ainda fosse um robô inteligente... O jogo mudou, e nem toda empresa tem a velocidade para se adaptar. Sou gaúcho, adoraria continuar a minha vida em Porto Alegre. Porque saí daqui? Porque chegou um momento em que a gente bateu no teto. As demandas e as oportunidades que a gente tinha fora daqui eram muito melhores e maiores do que no mercado daqui. A velocidade de mudança em um mercado como o de São Paulo é muito mais preparada para a época em que a gente vive. Aqui a gente está correndo atrás do rabo em “n” questões. E as empresas precisam evoluir nesse sentido também. Se eu ainda nem entendo todo o potencial de trabalhar as ferramentas digitais em favor da minha marca, como estarei preparado para ter o número de WhatsApp em que aquele consumidor descontente

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por algum motivo possa me contatar e eu responder a ele do jeito correto? Isso não se refere apenas às empresas gaúchas. Dei o exemplo só para mostrar um atraso. E, se existe um atraso para usar ferramentas digitais, imagina para mudar toda uma estrutura de SAC, de atendimento. Demanda uma mudança de dentro pra fora. Uma mudança de mindset. Antigamente, a agência de publicidade estava muito associada ao esforço de venda. No cotidiano da W3, seria possível comparar quanto da energia é dedicada para venda, e quanto para pós-venda? Quando se faz um filme para tevê, existe todo um trabalho de produção, de criação. No momento em que o filme está pronto, salvo em um HD, uma fita que vá para a televisão, o trabalho da agência, em princípio, encerra-se ali. Quando a gente está falando no universo de comunicação digital, no momento em que eu ponho a minha campanha no ar, é aí que o bicho pega. As respostas

são imediatas. Se as pessoas estão clicando ou não clicando na minha peça. Se não estão clicando, eu preciso fazer alguma coisa rápido para que elas passem a clicar. Ou elas estão clicando e caindo numa página, e estou tendo muita rejeição da página – estou atraindo as pessoas, mas talvez o que eu esteja mostrando não é coerente com o que as pessoas queiram ver. Uma vez a gente fez uma campanha para a Bis, que era tipos de Bis, e fazia paródia de comerciais tradicionais de varejo, e um dos trabalhos era como se fosse um canal de televisão, e o logo era parecido com o da NBC, lembrando um pavão. Só que canal Bis e um logotipo com um pavão com cinco pontas, para os maconheiros era cannabis, uma folha de maconha. Houve um recall positivo, de gente dizendo “Nossa, como o Bis é ousado”, mas a mensagem não era essa. Nesse momento, tem de ir correndo e alterar uma parte do filme. Mas o pós-venda: cliente que comprou e não ficou satisfeito. Antigamente a gente trabalhava com


ENTREVISTA flights, com as ondas: vou fazer lançamento de produto, faço campanha, faço filme, se sou uma marca de sapato, terei campanha de outono-inverno e de primavera-verão. Hoje é muito mais flat. A gente não consegue ter uma jornada padrão do consumidor “Agora estamos anunciando, agora o pessoal está indo à loja comprar, agora estamos tendo o pós-venda”. Isso é muito dinâmico. É um always on. As pessoas estão em diferentes momentos se relacionando com as marcas. A gente tem esse monitoramento, que serve para pós-venda, avaliação de campanhas, SAC. Já há inclusive scripts em que a gente orienta tanto o nosso time quanto o time do cliente a responder, ao tom que ele vai responder, mas a partir da necessidade. Esse comentário é distribuído para cá ou para lá humanamente ou algoritmicamente? A maior parte é humanamente. A gente tem experimentado algumas tecnologias. O Facebook agora tem uma tecnologia chamada de Bots, com a ideia de que consiga gerar uma conversa. A gente está começando a experimentar em alguns clientes para ver como é a acuracidade disso. E quanto é um problema e o que vocês têm feito para dar uma curva no skip ads? O que a gente tem de fazer é criar o desejo de que o cara não queira clicar naquele botão. Mas tem apenas cinco segundos. A gente tem uma campanha de Bauducco Cookies, com filmes de cinco segundos, em que a gente passa a mensagem. Para a agência é um dos melhores desafios porque estimula a ter de pensar em soluções não óbvias. Quando o Facebook mudou as regras do jogo e passou a ocultar conteúdo da timeline, como forma de estimular o impulsionamento pago, qual foi o impacto no trabalho de vocês? O Facebook foi inteligentíssimo na estratégia: “Olha, temos um canal onde as pessoas já estão, e basta a sua marca estar aqui para falar com elas”. Corrida de fãs. “Ah, vocês querem ter fãs? A

gente pode ajudar vocês, não só organicamente mas com campanhas. É só pagar por essa campanha, e você tem fãs.” Um milhão de fãs, 2 milhões de fãs, 5 milhões de fãs… Na verdade, as empresas estavam ajudando o Facebook a ter mais gente. O Facebook já tinha uma relevância de público. Tinha audiência, as marcas queriam essa audiência. Ele disse “Aqui já tem audiência, entre aqui. Vocês querem fãs? A gente ajuda a ter fãs. Paguem. Em determinado momento, “Beleza, vocês têm fãs, mas, se querem falar com esses fãs, não é de graça. O jogo foi mudando porque o Facebook criou o espaço, e as marcas que investiram para ter 5, 10, 15 milhões de fãs, se fizessem uma postagem sem mídia, estariam falando no vácuo. Não existe mídia gratuita. Por mais que eu tenha uma conversa no Face, para iniciar essa conversa eu tenho de pagar. Para o cliente entender isso, muitas vezes é difícil. “O Facebook me dizia lá traz que o que eu precisava era ter fãs, agora diz que o que preciso é ter post pago.” É um canal de mídia que soube fazer uma estratégia. A gente tende a achar que aquilo que está vivendo é para sempre: o Facebook, o WhatsApp... Houve empresas que investiram no Second Life. A gente teve um case de Second Life. Deu resultado? Quanto desse investimento fica de residual? Vamos para a mídia impressa: quanto tempo dura uma revista, quantas pessoas vão ver? Uma revista mensal vai passar um mês na mão das pessoas. Deu resultado enquanto circulou? Mas o investimento é bem menor. O Bradesco montou uma agência dentro do Second Life. Imagina a grana. O Bradesco gastou uma grana, e tu lembras que o Bradesco gastou uma grana no Second Life. O que tem de ser avaliado? Fez o investimento? Talvez o retorno não tenha sido de correntistas mas de exposição de PR, por exemplo. No Second Life, a gente fez uma cozinha para a Dell Anno. Fez o lançamento de

uma cozinha do Olivier Anquier no Second Life. Umas 50 pessoas foram visitar a cozinha. O que teve de exposição? Saiu matéria na Zero Hora, nos portais. Não é tudo muito preto-no-branco. No Second Life foi pouco retorno, mas pelo que gerou fora valeu o investimento. O desafio é explicar para o cliente. Como é esse esforço de convencimento? Tem de trazer informação, comprovar. Às vezes, falar para o cliente: “A gente vai arriscar nisso, talvez dê resultado zero, mas pode dar um puta resultado. Quer comprar essa conosco?” Embora tudo seja muito adaptável a cada dia, todas as empresas devem ter um planejamento. A W3 tem um planejamento? O planejamento que a gente faz é em um horizonte de três, quatro anos, forçando a barra. Menos até. A gente fez um dois anos atrás, e está refazendo. A gente sabe o que tem de fazer e vai trazendo as peças para compor isso. Há 10 anos a gente trouxe os primeiros caras de agências de propaganda tradicional para trabalharem conosco, o Leo Prestes e o Rafael Macedo, que eram da Escala. O Leo era redator, criativo, e o Macedo, mídia. A gente era muito mais uns nerds de tecnologia do que de fato pessoal da propaganda. Quando precisa reforçar alguma área de conhecimento, a gente busca alguém, de um perfil que tenha a ver com o que a gente acredita não apenas como negócio, mas também como crenças pessoais. Há questão de dois anos, a gente trouxe o Moa, nosso VP de criação. Um cara premiadíssimo em Cannes e outros festivais. Eu sabia que ele tinha a nossa pegada. Não era o cara do ego gigantesco. Sabe trabalhar com time. A gente buscava ali reconhecimento em premiações de publicidade mais tradicional e fez um plano para que isso começasse a dar frutos. E neste ano aconteceu. É um exemplo perfeito de como a agência enxerga onde a empresa precisa estar e como ela se prepara. Foi até em menos tempo do que eu previa. Ele entrou em dezembro de 2014, e em junho de 2016 – um ano e meio depois – a gente atingiu esses objetivos com Cannes, com D&AD e o Ad Awards.

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NÚMEROS

Um real que vale por 10 Estudo da Deloitte para a Abap detalha o impacto do investimento em publicidade na economia

Q

ue anunciar é um bom negócio, a Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap) não tinha dúvida. Mas faltava um estudo detalhado do impacto do investimento em publicidade sobre a economia do país. A resposta veio em levantamento realizado pela Deloitte, a partir de uma iniciativa da Abap com o endosso de 11 entidades do segmento. Uma das conclusões: cada R$ 1 aplicado em publicidade gera, em média, R$ 10,69 para o conjunto da economia. Assim, os R$ 33,5 bilhões de receita no setor (no ano de 2014) impactaram em R$ 358 bilhões o PIB brasileiro. Os cálculos, feitos pela unidade brasileira da Deloitte, seguiram o modelo desenvolvido pela consultoria no Reino

Unido, onde em 2012 a Advertising Association publicou os resultados do primeiro passo do Advertising Pays: £ 16 bilhões (R$ 64,9 bi) investidos na área em 2011 repercutiram em £ 100 bilhões (R$ 405,6 bi) na economia. Para efeito de comparação, no caso dos Estados Unidos, cálculos da IHS Economics and Country Risk indicam que os US$ 297 bilhões (R$ 965 bi) investidos em 2014 resultaram no impacto de US$ 5,5 trilhões (R$ 17,9 trilhões) em vendas. As constatações reforçam outras teorias sobre a publicidade como motor do crescimento do mercado. Levantamento sobre 12 economias desenvolvidas entre 1991 e 2000, apresentado como tese na Universidade de Paris-Dauphine, comprovou a correlação direta entre os investimentos em propaganda

comercial e a expansão dos setores do mercado e do conjunto do PIB. Como exemplo dos efeitos benéficos da publicidade sobre um setor da economia e o cotidiano da população, é citada a telefonia celular. Assim como é certo que a revolução da telefonia móvel ocorreria de qualquer forma, não há dúvida de que seus efeitos foram acelerados e ampliados pela publicidade, com o estímulo à constante inovação, a disseminação de aparelhos com tecnologia atualizado e a guerra de preços. Criou-se um círculo virtuoso. "Houve evidente benefício às empresas do setor e sua cadeia de provedores e comércio, bem como ao poder público, pelos impostos gerados", destaca o trabalho, "mas o maior benefício foi para a população – não apenas pelo uso da telefonia celular em si, mas principalmente por seus efeitos indiretos sobre praticamente toda a população, milhões de pequenos comércios e empresas de serviços e a dinamização de diversos setores da economia, de táxis a delivery de alimentos, de transações financeiras a viagens, de diversões ao comércio em geral."

Onde baixar o estudo O estudo, endossado pelas associações brasileiras de Empresas de Pesquisa (ABEP), Empresas de Rádio e Televisão (Abert), Propaganda (ABP), Televisão por Assinatura (ABTA) e Editores de Revistas (Aner), associações nacionais de Jornais (ANJ) e Editores de Publicações (Anatec), federações nacionais da Publicidade Exterior (Fenapex) e das Agências de Propaganda (Fenapro), Associação dos Profissionais de Propaganda (APP Brasil) e Interactive Advertising Bureau (IAB Brasil), pode ser conferido neste endereço: http:// www.abap.com.br/pdfs/Impacto_da_Publicidade_na_Economia_do_Brasil.pdf

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"O estudo certamente surpreenderá os consumidores brasileiros que percebem muito mais a sua relação diária com os anúncios mas não se dão conta do tamanho, da extensão nem do papel que a publicidade tem em inúmeros segmentos da sociedade brasileira." A R M A N D O S T R O Z E N B E R G, Presidente da Abap

O impulso da telefonia

A PUBLICIDADE É VITAL PORQUE

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Movimenta o mercado, suporta a independência e a pluralidade dos meios de comunicação e assegura o direito de escolha dos consumidores

2

Promove e incentiva a diferenciação pela inovação

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Incentiva a competição pela qualidade e preço

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Estimula o crescimento do mercado

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Sustenta a televisão e o rádio

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Assegura a existência independente e plural dos jornais, das revistas e da mídia digital

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Mantém diversos setores econômicos e gera muitos empregos

8

Suporta as artes, a cultura e a economia criativa

9

É vital para os esportes

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Contribui com a educação pública, as causas sociais e o desenvolvimento humano

A DIVISÃO DO BOLO

O cálculo é feito sobre os R$ 33,5 bi de receita do ano de 2014: MÍDIA

É certo que a revolução da telefonia móvel aconteceria de qualquer forma, mas não há dúvida de que a publicidade acelerou e ampliou seus efeitos. O estudo de caso apresentado pela Abap acom-

panha a escalada desse serviço no país, até 2015, quando atinge 257,8 milhões de linhas para 125,7 milhões de usuários e reduz o preço por minuto de uso de R$ 0,41 (em 2005) para R$ 0,10.

R$ MILHÕES

Televisão Jornal TV por assinatura Revista Mídia Exterior Rádio Internet Guias e listas Cinema

23.162 2.882 2.023 1.477 1.346 1.332 1.064 135 109

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Créditos

REPORTAGEM DE CAPA

Um manual de sobrevivência na publicidade Para se fortalecer na revolução digital, tem mais chance quem souber ajustar a lente de macro para micro. Novos elementos entraram no jogo. Embora muitas vezes despercebidos, eles são decisivos

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REPORTAGEM DE CAPA

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ersistente no imaginário leigo, a imagem do mundo da publicidade costuma ser associada a grandes estrelas, grandes audiências, grandes contas e grandes comissões, como se na lógica da atividade só tivesse razão de ser a escala macro. A chamada revolução digital desloca o eixo. Ganham força o microinfluenciador, o microtédio, o microconcorrente e o microcliente. Fazer essa travessia entre os dois polos é o grande desafio do mercado, condicionado a um modo de operar superlativo. Não que se deva desprezar a importância do ganho de escala, mas para atingi-lo é preciso prestar atenção aos detalhes, às dinâmicas microscópicas na teia das relações, transformadas pelas novas tecnologias. Não é surpresa para ninguém que os clientes, mais do que publicidade, querem soluções de comunicação para as marcas. A responsabilidade aumentou. Não bastasse a crescente dificuldade de atrair o consumidor, é preciso incorporar outros desafios, como o de engajar público interno e externo, lidar com formadores de opinião e prestar atenção a uma concorrência multifacetada. Em paradoxo, avança a concentração de grupos de empresas no mercado, mas isso não significa menos competição. Porque outros tipos de agente entraram no jogo, tais como:

Os microinfluenciadores O espectador se acostumou a ver gente famosa, com contratos milionários, recomendar a marca de embutidos, a escolha do creme dental, ou como remediar a dor de cabeça. Fazer todas as apostas nelas e ignorar o poder dos microinfluenciadores é comportamento de risco. Isso fica claro em um estudo coordenado pelo autor do best-seller Contagious: WhyThings Catch on (em edição traduzida, Contágio: por que as coisas pegam). Professor da Wharton School (Filadélfia/EUA), Jonah Berger buscou com a pesquisa, patrocinada pela Experticity, empresa especializada no marketing boca a boca, dimensionar o poder de persuasão de usuários das redes sociais com influência restrita ao seu círculo de contatos, mas com conhecimento e paixão genuína sobre um tema.

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"Muitos hoje tentam usar celebridades com o poder de influência de marketing para vender um produto, mas estão perdendo uma oportunidade muito maior", alerta Brad Fay, cofundador, COO e principal pesquisador do Keller Fay Group, que aplicou os questionários em conjunto com a Wharton School. "Nossa pesquisa mostra que influenciadores da vida real apaixonados sobre o que estão recomendando têm significativamente mais conversas que levam à compra, e os consumidores estão mais propensos a agir conforme suas recomendações." No universo democratizado da internet, todo mundo tem um fórum para opinar sobre praticamente qualquer coisa, lembra Tom Stockham, CEO da Experticity. Quando alguém pode dar uma opinião, independentemente de quanto sabe sobre o assunto, a verdadeira questão torna-se qual recomendação é autêntica e confiável. O desafio de marketing é como separar o ruído e valorizar a consistência. Chegar aos influenciadores reais, em uma ação com alcance, é uma missão mais complexa do que apostar em popstars. Microinfluenciadores escrevem em blogs, utilizam as mídias sociais no dia a dia, mas normalmente são pessoas comuns que trabalham num setor específico ou têm conhecimento profundo de um assunto e, quando recomendam algu-

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ma coisa, fazem isso com autenticidade. Mostram sua paixão sobre determinado tópico do qual são especialistas. Há quem percebeu o valor dessas vozes ouvidas em seus segmentos e transformou em negócio. Fundado em abril de 2015, o GoVyrl, por exemplo, "permite a influenciadores do Instagram descobrir oportunidades de promover marcas e companhias". O criador da plataforma, Jason Goldberg, 22 anos, parte do pressuposto "Traditional ads don't work anymore. Influence does" ("Publicidade tradicional não funciona mais, mas influência sim"). Se a conclusão é correta e se a GoVyrl estará viva na próxima estação, são perguntas ainda envolvidas em incerteza, mas sem dúvida é preciso diversificar o cardápio de táticas, em uma era com novos fronts estratégicos. Um cada vez mais relevante é:

O microtédio Na era do WhatsApp, acabou o drama do microtédio. Acabou para o usuário, não para o estrategista de vendas. O smartphone é um aliado irresistível em intervalos de espera ou de ócio, a ponto de se tornar onipresente. Como aproveitar essa oportunidade, em um momento bem pessoal, de uma forma não invasiva? O uso do telefone celular para acessar a internet ultrapassou o do computador


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tráfego qualificado por um custo menor. É um exemplo de que, onde há ameaça, existe também oportunidade. É o caso de quem souber decifrar uma figura empoderada na relação comercial nos últimos anos:

O microcliente

no Brasil, confirmou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em abril de 2016, ao revelar curiosos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2014. • No Nordeste, em 92,5% dos domicílios com acesso à internet a conexão foi pelo celular. • O número de pessoas que acessou a internet por equipamentos eletrônicos diferentes do computador saltou 155,6% de 2013 para 2014 e alcançou 10,5% da população de 10 anos ou mais. • Mais da metade da população rural passou a contar com telefone celular em 2014 (52,4%). O dispositivo vem primeiro, mas há outros ambientes a serem usados de maneira criativa pela publicidade, como o tempo de espera nas salas de cinema (como destacado na matéria de capa da Press &Advertising 166). Embora tenha participação de 1% no bolo publicitário apresenta vantagens como a do maior grau de concentração, impacto e público segmentado e qualificado. São inúmeras as possibilidades, e o orçamento deixa de ser um diferencial tão poderoso como na disputa por espaços comerciais na TV, por exemplo. A parte amarga é o acirramento da competição, com a expansão da mídia digital. Em 2017, nos Estados Unidos, os gastos com publicidade no meio digital podem supe-

rar os anúncios em TV, projeta a empresa americana de pesquisa eMarketer. No Brasil, a TV ainda é hegemônica. Abocanhou 69,6% dos R$ 132 bilhões investidos em publicidade em 2015, de acordo com dados da Kantar Ibope Media, mas as redes sociais são uma tendência a ser acompanhada de perto, e com elas ganha espaço um competidor:

O microconcorrente Claro que budget é um fator importante numa campanha, mas nas redes sociais deixou de ser uma vantagem decisiva. Pequenas empresas entraram no jogo para divulgar os próprios produtos sem recorrer a agências de publicidade. Passaram a ser, em vez de potenciais clientes, concorrentes na produção de mídia e disputa de atenção da audiência. Como convencer essas empresas das vantagens de recorrerem a agências de publicidade? Nesse vácuo, brotaram agências de marketing digital especializadas em atender pequenas contas e maximizar o investimento em sistemas como o AdWords, do Google, calibrados em centavos conforme o tamanho do anunciante. Pequenos escritórios oferecem gestão da ferramenta com economia no investimento e evolução de performance com a mesma verba de mídia, com a promessa de elevar a relevância dos anúncios para o público alvo e ampliar o

Na era digital, o cliente da agência não é apenas o "Cliente", com maiúscula, o dono da caneta. Existem o cliente anônimo, uma massa de consumidores que exige tratamento individual. O atendimento não segue o horário comercial, nem pode dar chá de banco. A expectativa do consumidor é encontrar um canal permanentemente aberto para se comunicar com a empresa ou serviço. Não significa necessariamente estar trabalhando para o cliente 24 horas por dia, mas sim receber as demandas a qualquer momento, de forma descomplicada, e resolver o mais rápido que puder. Ou seja, a agência tem de se preocupar com o contratante, convencê-lo a aprovar uma campanha, mas quando as peças estão na rua há um novo cliente a ser satisfeito, o destino da mensagem, o consumidor. O negócio da publicidade vai além da entrega de uma campanha. O publicitário interfere no negócio, como explicou Eduardo Simon, presidente da DPZ&T, do grupo Publicis, em entrevista à Folha de S.Paulo: “A gente não está mais aqui só pra ajudar as pessoas a darem risada com um comercial de cerveja. Eu preciso ajudar a marca de cerveja a encantar e a resolver os problemas de distribuição. A ajudar a entender se ela está ou não errada no posicionamento de preço. Esse é mundo novo que a gente está vivendo.” O planejamento tem de levar em conta essa nova relação, de empoderamento do cliente. Não basta "empurrar" um produto, sem se preocupar com os potenciais reações e como a empresa anunciante está interagindo com essa manifestações. O monitoramento do impacto da marca junto ao seu público é um campo a explorar cada vez mais, uma mostra de como é possível sobreviver no negócio na nova era.

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Foto: Divulgação

DO WHAT YOU LOVE

A felicidade dá trabalho Se você foi demitido ou está pensando em largar seu emprego para finalmente fazer aquilo que ama, espere um pouco. Pode ser uma ilusão. Afinal, fazer aquilo que se ama torna o trabalho um passaporte para a felicidade? Por Edgar Powarczuk

R

epare na próxima vez que alguém te perguntar “O que você faz?”. Estará embutida a sensação de que deves responder com alguma alegria, com um propósito que vai muito além do provimento. Uma vida formidável parece ser resultado de um trabalho formidável. Algo está errado se você não está fazendo aquilo que ama. Se você tem um trabalho unlovable, prepare-se para ouvir que você é infeliz. Por que, em plena crise de empregos, precisamos tanto trabalhar naquilo de que gostamos? Se milhões de pessoas ralam pelo próprio sustento, porque o trabalho ganha um status de elevação quase espiritual? Porque o trabalho é uma excelente fonte de prazer, seria o único passaporte para uma vida plena?

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Indústria da felicidade As economias ocidentais têm um problema: dependem, crescentemente, do envolvimento psicológico e emocional dos seus cidadãos no trabalho. A depressão de funcionários tem um gigantesco custo econômico. Por isso, a felicidade foi industrializada; “o futuro do capitalismo de sucesso dependerá da nossa capacidade para combater o stress, a miséria, a doença e colocar o relaxamento, a felicidade e o bem-estar no local certo”. (2)

A tendência “Do WhatYou Love” (DWYL) gera inquietações desafiadoras:

Armadilha do mercado É mais fácil explorar trabalhadores convencidos de que fazem o que amam. O DWYL é uma armadilha do mercado


Trabalho não glamoroso é algo menor

Foto: Carol Gherardi / Band divulgação

O DWYL é uma recompensa necessária ao “pessoal não muito afeito a aceitar ordens e cumprir prazos”. (3) Os trabalhadores da indústria ou escritórios corporativos que façam a parte menos glamorosa! Essa visão classifica o trabalho não glamoroso como algo menor e os trabalhadores nesta posição incapazes de amar o que fazem.

Alguém tem que fazer a parte não adorável

Masterchef: o sonho do publicitário Raul é ser chef

para explorar os incautos, “talvez a mais elegante ideologia contra o trabalhador”. (1) Nesse embalo, faturam em cima do “amor” do funcionário. Empresas de moda, mídia e artes são especialistas nisso. Estes negócios estão acostumados a lidar com trabalhadores dispostos a trabalhar por moeda social em vez de salários reais, em nome do amor. Seria crueldade imaginar que usem isso na sua comunicação? Tipo: “Compre o meu produto, porque aqui nesta empresa nós amamos o que fazemos!”

Síndrome de Estocolmo O DWYL não está necessariamente associado a um chefe amável, trabalhar menos ou manter uma rotina extraordinária. Fosse isso, a rapaziada não largaria o emprego na agência de publicidade para seguir a carreira de chef de cozinha. O Hell’s Kitchen nos mostra que a rotina de um restaurante é hard, insalubre e com longas horas de trabalho. Há uma hierarquia rígida e difícil de ser galgada. Sim, todas essas formalidades terríveis de uma empresa comum. No entanto, os participantes lutam com unhas e dentes para terem a chance de serem massacrados por um chef nazista

O DWYL existe porque outras pessoas mantêm o funcionamento da sociedade, uma grande maioria de trabalhadores que é invisível para aqueles em suas ocupações adoráveis. Pense no crucial trabalho dos que cuidam de doentes, dos que instalam a internet ou que se penduram num caminhão para recolher o lixo, nestes que estão ralando para que outros concretizem o seu amor.

tos jovens sem noção. Mas, o ato de empreender também foi glamourizado. Pareceria um caminho complacente, onde a ideia vale mais que o esforço. Os negócios poderiam ser escambos simbólicos, que neutralizariam a rudeza do mercado com um pozinho mágico do bem. Vivenciar as dores e as incertezas de um negócio próprio ensinaria que errar é uma frustração necessária para entender sua posição no mundo. Para que possam, realmente, arrumar as coisas e ajudar pessoas. E isso não é nada confortável. O trabalho pode ser cansativo e drenar nosso propósito de vida. A felicidade no trabalho pode ser uma ilusão mercadológica. Não vamos fingir que o trabalho nos faz sempre felizes. Não vamos fingir que há um passaporte para sermos felizes. A felicidade dá trabalho. *Edgar Powarczuk (www.ezuk.com.br) é mentor de starters e empreendedores

Um ato de amor-próprio O DWYL é uma visão de mundo que disfarça o elitismo de alguns privilegiados em sua nobre busca de auto-aperfeiçoamento. De acordo com esta maneira de pensar, o trabalho não é algo que se faz para uma compensação, mas um ato de amor-próprio. Ou seja, se servir a mim mesmo nem precisa servir ao mercado.Vemos vários exemplos por aí. São empreendimentos em série com diferenciais nada inovadores entre si: hamburguerias, foodtrucks, cervejas artesanais, blogs de moda, nômades digitais... Enfim, minha convivência profissional com pessoas infelizes com “o que estão fazendo” me mostra uma idealização do trabalho. Buscam uma oportunidade que dê mais tempo livre, onde possam fazer aquilo que amam, com o mínimo desconforto. Naqueles mais jovens a autoestima exagerada não os faz conseguir lidar com as frustrações do mundo real. Querem ser felizes sem lavar a louça. O empreendedorismo seria um bom caminho para mostrar a realidade a mui-

REFERÊNCIAS: (1) MIYATOKUMITSU. In the name

of love. Em https://goo.gl/9JEj8L (2) WILLIAM DAVIES. Happiness I

ndustry. Em https://goo.gl/ph7Ds3 (3) PEDRO BURGOS. Não se ache melhor porque

você ganha a vida com o que gosta. Em https://goo.gl/mCN756 CYNTHIA D. FISHER. Happiness at work. Em https://goo.gl/l9kUmD ANDRÉ SPICER E CARL CEDERSTRÖM. The Research

We’ve Ignored About Happiness at Work. Em https://goo.gl/wPVY5g JOSEPH P. FORGAS. On being happy and gullible:

Mood effects on skepticism and the detection of deception. Em https://goo.gl/HrzxZw OTT JAN. Did the Market Depress Happiness

in the US? Journal of Happiness Studies , Volume 2 (4) – Dec 1, 2001. Em https://goo.gl/8mf1Vn

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JAMES WALTER THOMPSON 24 | AD 173


GRANDES NOMES

Um navegador sem fronteiras

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ara um navegador extraordinário, não existem fronteiras. É uma forma de interpretar a história de um marinheiro que, depois de servir na Guerra de Secessão (1861-1865), arrumou emprego em uma agência em Nova York e mudou o rumo não apenas da sua vida mas também o da publicidade. Com seu espírito desbravador, James Walter Thompson conduziu o mundo ao modelo consagrado no século 20. Nascido em Pittsfield, Massachusetts, em 1847, cresceu em Ohio, onde o pai, empreiteiro, encarregou-se da construção de uma ponte no rio Sandusky. Nos anos finais da guerra civil, o adolescente saiu de casa para servir à Marinha. Ao fim do serviço militar, desembarcou do USS Saratoga e tentou a vida em Nova York. Contratado pela Carlton and Smith aos 21 anos, vislumbrou mais potencial no negócio do que vender espaço em revistas metodistas. Com a voz de tenor com que cantava em igrejas no Brooklyn, convenceu William J. Carlton a irem às ruas para buscar outras contas além das publicações religiosas. As revistas para a família na época tinha apenas uma ou duas páginas de anúncios em cada edição. "Esta publicidade vinha não solicitada e quase indesejada", lembrou, em declaração reproduzida por Stephen R. Fox em The Mirror Makers: A History of American Advertising and Its Creators (University of Illinois Press, 1984). "Os editores recebiam e imprimiam (os anúncios) quase sob protesto e com um sublime indiferença aos resultados. Compensava ao anunciante? Ele aumentaria o espaço? Renovaria o seu anúncio? Tais questões

não perturbavam as mentes dos editores de revistas." Não eram óbvias essas perguntas para a época. Thompson percebia que as revistas, em vez de ignoradas como sinais ao ar livre ou jogadas fora como folhetos ou lidas e descartadas diariamente como jornais, eram itens de prestígio que entravam na casas das pessoas e adornavam mesas de leitura o mês inteiro, sendo pegas, lidas e relidas, muitas vezes pela dona da casa que fazia as compras domésticas.

Thompson ficou surpreso "que o mundo empresarial e editorial até então não tinha captado as possibilidades do meio no negócio de publicidade". Com a profissionalização do departamento de pesquisa, descobriu, por exemplo, que os homens comiam muito mais bacon, mas quem comprava eram as

mulheres. Assim, identificou o mercado feminino, sendo o pioneiro a promover o produto em revistas para mulheres. Em revistas femininas da época, a Godey's Lady's Book e a Peterson's, Thompson ousou publicar anúncios para telhas de amianto. Parecia um meio improvável para um produto presumivelmente comprado por homens. Os anúncios venderam mais telhas do que qualquer promoção na história da empresa. Sucessos como este o aproximaram de revistas literárias prestigiadas. Por volta de 1876, a Scribner dedicava 20 páginas para publicidade por edição, sem perder a integridade literária. Por ter enxergado antes as oportunidades, Thompson conquistou um certo monopólio sobre publicações especializadas. Com pouco mais de 30 anos, em 1878, deixou a posição de empregado, comprou a empresa fundada em 1864 e a rebatizou como J. Walter Thompson Company. Pagou US$ 500 (em valores da época, pois se atualizados para 2016 seriam uma quantia maior), mais US$ 800 pelos móveis. Os anunciantes se multiplicaram, atraídos pelo portfólio de revistas sob o seu contrato de exclusividade, incluindo as top revistas americanas: Atlantic, Century (successora da Scribner’s), Harper’s, Lippincott’s, Godey’s, Peterson’s e North American Review. Seu prestígio abriu as portas para melhorar a imagem de produtos vistos com mais desconfiança, como por exemplo medicamentos. Thompson tinha prosperado, e não por aniquilar concorrentes, mas por inventar o próprio domínio.

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Talvez por essa razão não era uma pessoa de inimigos. "Nenhum homem é mais simpático ou acessível, e há anos tem sido amigo e conselheiro de grandes e pequenos, às vezes pacificador", publicou a Printers' Ink, a primeira revista americana sobre publicidade, lançada em 1888 por George P. Rowell. Levemente surdo, preferia jantar com um ou dois amigos, de forma a acompanhar a conversa, a uma vida social mais agitada. No escritório, mantinha uma sala, chamada de "Pickwick Club", onde vendedores podiam esperar e trabalhar com conforto. Os seus olhos azul-acinzentados observavam um horizonte bem. O campo de ação da J.Walter Thompson era "qualquer lugar na Terra onde há mercadorias para serem vendidas pela publicidade". Para definir a operação na sede, evocava o termo náutico com sentido semelhante ao de "carro-chefe". Era a "flagship" (navio almirante) de uma empresa sem limitações geográficas. Em 1891, começou a expansão, com um escritório em Chicago. Pouco antes da despedida do século 19, em 1899, abriu uma base no outro lado do Atlântico, em Londres. Estudava o negócio como se estivesse elaborando um mapa cartográfico. A rota principal a ser percorrida era o caminho mais curto entre o fabricante e o consumidor. Ainda antes da virada do século, já oferecia serviços de redação, layout, design de embalagem, criação de marcas e o embrião de um departamento de pesquisa de mercado futuramente aprimorado. Como meio de treinamento da equipe, publicou manuais com conceitos, táticas e estratégias, muitas ainda em vigor. Em um guia confeccionado em 1900, explica o que hoje é conhecido como branding. Em 1908, em uma decisão ousada para a época, contratou a primeira mulher a assumir a direção criativa. Ao notar que poderia aumentar a venda de espaço comercial caso incrementasse o conteúdo, contratou escritores e artistas para o primeiro departamento criativo da História. Pelas décadas seguintes, passariam pelo departamento autores como Fernando Pessoa e Gabriel García Márquez. Sua agência próspera acumulou uma reserva de caixa grande o suficiente para absorver perdas ocasionais. A agência criou o cargo de executivo de contas, uma das inovações que instituíram os alicerces de uma agência de publicidade moderna. Cultivou a paixão de marinheiro a ponto de acumular uma pequena frota pessoal. Ao liderar o New York Yacht Club, ganhou o título de comodoro. Com o uniforme, é retratado em tela que encomendou ao pintor James Gale Tyler em 1910.A imagem é um dos símbolos da agência. Em 1916, um ano antes de completar 70, J. Walter Thompson vendeu a empresa por US$ 500 mil a um grupo de investidores liderados por Stanley Resor. O pioneiro morreu em 16 de outubro de 1928, 12 dias antes de completar 81 anos. Meses depois, em 1929, a J.Walter Thompson instalou-se no Brasil. Cem anos depois da aposentadoria do gênio que a tornou uma das maiores do mundo, a empresa, que por um tempo abreviou sua marca em JWT e voltou a abrir o nome do antigo proprietário, valoriza o DNA do navegador visionário, reverenciado em 200 escritórios em mais de 100 países pelos sete mares.

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Visionário: James viu nas revistas especializadas um grande canal de publicidade.


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OPINIÃO

Transparência faz bem para os negócios

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egundo a Wikipédia, entende-se por propaganda enganosa aquela que induz o consumidor a um erro, mostrando características e vantagens que um determinado produto não tem. Nunca se falou tanto na necessidade de transparência das marcas como no momento atual da publicidade global. Em todos os grandes festivais e eventos que aconteceram em 2016, este tema pontuou os debates. Numa época do politicamente correto, a comunicação truncada e que transgrida o princípio da transparência, desinformando ou induzindo os consumidores a erro, não tem vez. E, como dizem os especialistas, a

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empresa ou entidade que não se comunica ou tem pouco para contar ou tem muito para esconder. Os maus exemplos, aqui no Brasil, são inúmeros. As campeãs são as operadoras de telefonia, que costumam não informar as restrições, exceções e limites, com igual destaque e pronta visualização ao consumidor, em todas as ofertas relativas aos planos ou a qualquer outro que venham a promover na sua comunicação. Outro exemplo, que, inclusive, conquistou bronze no último Festival Cannes Lions, foi o trabalho “Jantar da Vingança”, criado para o Reclame Aqui, que teve grande repercussão em

Alberto Meneghetti

nosso país – o filme mostrou executivos sendo mal atendidos em um restaurante para exemplificar como os consumidores se sentem desrespeitados pelas empresas. Depois de um tempo, ficou-se sabendo que algumas “vítimas” eram, na verdade, atores contratados. Teve também o caso recente de uma marca de sorvetes que dizia que sua origem vinha do avô do fundador da empresa que fazia o produto artesanalmente na Itália, mas tudo não passava de uma “narrativa ficcional”. As mentiras sempre têm uma vigência histórica que depende do resto do mundo em desmascará-la. E, neste ponto, as redes sociais possuem uma


OPINIÃO

vantagem considerável por sua instantaneidade e altíssimo poder de compartilhamento. Dos bons exemplos de uso da transparência aplicada à comunicação, não consigo me lembrar de um projeto mais impactante e genial do que o Grand Prix deste ano na categoria Direct, no Cannes Lions, que foi o “Swedish Number”, criado pela agência Ingo, uma joint-venture da Grey e da Ogilvy. Pela primeira vez um país criou um número de telefone para que qualquer pessoa do mundo pudesse ligar para um cidadão sueco, que foram as mídias e os porta-vozes do projeto. Poucos países do mundo poderiam ter executado essa ideia porque é uma ação que baseia-se em algo que todo mundo espera das marcas hoje: transparência. “Você será conectado em breve a um sueco aleatório, em algum lugar da Suécia”, é a mensagem que se ouvia ao ligar para +46 771 793 336. O número foi divulgado pelo Ministério do Turismo da Suécia e os suecos que

Uma campanha que talvez só um país como a Suécia poderia ter feito

participam da campanha, baixaram um aplicativo específico em seus smartphones que, quando é ativado, recebia ligações — direcionadas aleatoriamente para qualquer um dos "embaixadores". A intenção da inusitada campanha foi incentivar o turismo para o país, tendo como pano de fundo a celebração dos 250 anos desde que a Suécia se tornou a primeira nação a instituir uma lei que proíbe a censura. No total, a campanha recebeu 128.392 ligações, que chegaram de 178 países. Talvez só um país como a Suécia

poderia ter feito esta campanha, acreditando tanto nos seus “embaixadores” e, dando a eles tamanha responsabilidade. Aliás, um país que vem se destacando muito quando o assunto é criatividade. Esta iniciativa da Suécia foi o mais perfeito exemplo de “Place Branding”, que é a construção e o gerenciamento da marca de países, cidades ou regiões. Mas todas as empresas e entidades podem – e devem – optar pela total transparência na sua comunicação para o mercado, até como uma estratégia permanente de um bom marketing. Exatamente como prega o Instituto Ethos, uma das mais importantes organizações não-governamentais do nosso país, que afirma: “Empresas cujos valores são percebidos como positivos pela sociedade tendem a ter uma vida longa. Do contrário, tornam-se frágeis, sem competitividade e ficam suscetíveis a riscos de imagem e reputação.”

*Alberto Meneghetti é publicitário

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GALERIA

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s belas que nos perdoem, mas criatividade é fundamental. Com a licença de Aline Riscado, Ellen Roche e Juliana Paes, o mais clássico anúncio de cerveja tem como protagonista um garoto-propaganda com feições de avô. Aos 62 anos, em 1972, Adoniran Barbosa ergueu uma taça e perguntou diante de uma garrafa de Antartica: "Nós viemos aqui pra beber ou pra conversar?" A frase se tornou um bordão. "É uma obra-prima da cultura popular brasileira", sentenciou Washington Olivetto. A imagem, em uma campanha também composta de comerciais de televisão, é a mais marcante que muitos têm de um dos maiores compositores brasileiros. Em declaração reproduzida no livro Adoniran: Dá Licença de Contar…, de Ayrton Mugnaini Jr. (Editora 34, 2002), o artista conta os bastidores: “Eu gosto de fazer publicidade, quando me pagam direitinho. Aquela da cerveja, a empresa de propaganda Alcântara Machado tirou de uma anedota de um casal que foi para um motel e deu de conversar, conversar… Até que o homem falou: Nós viemos equipara conversar ou pra…” É um caso em que a publicidade inspirou a música. O autor de sucessos como Trem das Onze e Saudosa Maloca gravaria naquele ano a marchinha “Nós Viemos Aqui pra Quê?” Para estrelar a campanha, o filho de imigrantes do Vêneto nascido em Valinhos (SP) com o nome de batismo João Rubinato recebeu o convite de outro descendente de italianos, Alex Periscinoto. Ao citar esse trabalho em uma entrevista ao blog putasacada.com.br, o publicitário recomenda: "A cabeça do cara de criação tem que funcionar como se fosse uma máquina maluca somando drone, satélite e radar tudo junto pra saber captar e interpretar comportamentos sociais, linguagens, gestos, hábitos, enfim, conhecer a alma

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Uma pergunta que se tornou bordão popular do consumidor. Quanto mais rico for esse arquivo de conteúdos, mais vivo e antenado será o resultado criativo pois

campanha publicitária que funciona é a que gera empatia e até vira bordão de sucesso popular."


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