Revista Advertising

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UM ACERVO ONLINE DE TENDÊNCIAS

Projetar tendências costuma ser temerário, ainda mais em se tratando de marketing digital. Mas quem lida com comunicação sabe o quanto é inevitável

fazer apostas. Para cumprir esse ritual, quanto mais consistência na informação para embasar as escolhas, melhor. Um recurso útil nessa tarefa é o acervo online da Kantar Ibope Media. Um dos conteúdos interessantes disponíveis para download em kantaribopemedia. com é As Tendências das Mídias Sociais para 2017. São 10 apostas, para conferir e avaliar. No meio desta dezena, estão questões como a "A revolução da distribuição de conteúdo na era das experiências", termos que ganham força como é o caso dos chatbots e a "economia da confiança". Para baixar este e outros arquivos disponíveis no site, o preço que se paga é compartilhar seu nome, e-mail e telefone. Pela qualidade do material, parece uma troca justa.

ALEXA

Foto: reprodução Instagram

ALMANAQUE DITO POR AÍ

"Quando se esfola um cliente, deve-se deixar que alguma pele cresça no lugar, para que se possa esfolá-lo de novo." Nikita Kruschev (1894-1971)

"Onça, quando dá o bote, é porque já olhou tudo que tinha de olhar." João Guimarães Rosa (1908-1967)

Com o avanço da inteligência artificial, tema de capa desta edição, a palavra Alexa vem sendo mais pronunciada. É o nome do assistente de tarefas da Amazon. Mas existe um outro produto da mesma companhia, que não é um robô, mas merece atenção. Pelo alexa.com, há um espaço onde você pode inserir um endereço virtual para conferir a relevância do site consultado. Há respostas úteis que podem ser obtidas gratuitamente. A opção paga oferece mais recursos, que facilitam a comparação de performance de sites e outros detalhes que radiografam a presença digital.

"Uma ideia original é como o pecado original. Ambos aconteceram muito antes de você nascer." Fran Lebowitz (1950-)

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Foto: Torsten Dettlaff

MIX Face mais transparente Em um esforço para fortalecer a relação de confiança com agências e anunciantes, o Facebook apoia uma solução da Nielsen para a avaliação de impressões. A finalidade é mostrar quem viu as campanhas de fato e analisar se a mensagem que chegou até o usuário foi interessante. Em parceria com a GfK, a Nielsen monta base de dados para permitir que os anunciantes tenham em uma mesma fonte a análise do alcance de suas campanhas em outros meios.

Nizan foca na DM9 Nizan Guanaes, chairman do ABC, passa a atuar mais na DM9DDB, uma das agências de publicidade do grupo. Ele deixou suas funções na Africa para integrar a estrutura da DM9 com a missão de “chacoalhar” a agência com base em um conceito cada vez mais digital. A presidência executiva permanece com Paulo César Queiroz. O papel de Nizan, recebido com festa em 2 de fevereiro, é estar próximo da criação e ajudar a agência a "se reinventar".

A nova casa da e21 A e21 deixa a Rua 24 de Outubro, no bairro Moinhos de Vento, e se transfere para a Avenida Independência, 1.299/4º andar. A mudança de endereço sucede à reorganização da empresa, dividida em três áreas de atuação: Estratégia, Criação e Operação, com atenção redobrada para o digital. A nova sede, que reflete a nova lógica operacional, fica no prédio da Sociedade Germânia, em frente à Praça Júlio de Castilhos, em Porto Alegre.

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AS AGÊNCIAS DIGITAIS MELHOR AVALIADAS Para saber quais são as agências digitais mais bem avaliadas no Brasil, a Scopen realizou a sexta edição do Agency Scope. Entre maio e setembro de 2016, ouviu diretores de marketing, área digital e de compras de empresas anunciantes, além de ouvir os profissionais de agências. O resultado mostrou um contraste entre a percepção de mercado e a avaliação de clientes:

Na percepção de mercado 1ª F.Biz 2ª Cubocc 3ª Wunderman Na avaliação de clientes 1ª VML 2ª W3haus 3ª Ampfy Fonte: rankings globais/Agency Scope Brasil 2016

O novo negócio da Abril Para empresas do segmento editorial e para novos mercados, o Grupo Abril coloca à disposição a sua estrutura e o know-how no gerenciamento de assinaturas. Walter Longo, presidente e CEO do grupo, e Ricardo Perez, diretor de assinaturas, anunciaram a nova estratégia, com a oferta do serviço, em

2 de fevereiro, na sede da empresa, em São Paulo. As modalidades a serem escolhidas pelos clientes podem ser de atendimento ao consumidor, criação de marketing direto, vendas de assinaturas multicanais e ações de renovação e retenção da carteira de assinantes.

O grupo tem uma carteira de quase

e conta com uma estrutura de

3,5 milhões de assinantes

2 mil operadores de telemarketing


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AQUÁRIO

Julio Ribeiro

SUMÁRIO

A vida com os robôs

julioribeiro@terra.com.br

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avia, na minha época de guri, um seriado japonês chamado Robô Gigante, que era a mais poderosa arma dos terráqueos contra a invasão do imperador Guilhotina, do planeta Gargoile. Nossas esperanças estavam nas mãos do robô, criado pelo imperador, mas controlado por um garoto, através de um comunicador em seu pulso (um smartwatch do Google?). Não sei por que, mas eu tinha medo do Robô Gigante. Talvez, por sua cabeça de esfinge e seus socos de um megaton. Também, tínhamos os desenhos dos Jetsons, que resumiam aquilo que projetávamos para o futuro: pouco trabalho, muito lazer, muita tecnologia e robôs fazendo as tarefas mais chatas por nós. Havia a empregada dos Jetsons, uma robô já fora de linha, mas muito querida pela família. Rosie tinha um pretendente, Mac (!) o robô que pertencia ao zelador do edifício onde moravam os Jetsons. O futuro se tornou menos romântico do que o dos seriados e desenhos das décadas de 60/70 nos prenunciavam, mas de qualquer sorte os robôs se tornaram uma realidade, já há algum tempo. Mais na indústria do que em nossas casas. Eles são uma realidade inarredável nas indústrias automotiva e de componentes eletrônicos, por exemplo. E estão presentes em quase todos os processos de automação de fábricas. Já chegaram à Lua, à Marte e continuam explorando a imensidão do espaço e dos mares. Eles evoluíram tanto, que hoje temos robôs que não são mais feitos de lata nem têm luzes piscantes, são apenas um programa de computador, uma sintaxe binária, os tais softwares-robôs. Eles estão a mancheias na internet, gerenciando algoritmos, customizando conteúdos, personalizando ofertas de produtos, e desenhando nossos perfis de consumo a partir do histórico de nossa navegação. Experimente consultar sobre qualquer produto no Google, ofertas e mais ofertas desse item irão persegui-lo por onde for na web. Está tudo muito bem, está tudo muito bom. Mas tem coisas que jamais um robô, por mais sofisticado e bem desenhado ele seja, poderá substituir o ser humano. Uma dessas coisas é a comunicação. Seja nas redações, seja na propaganda. Um robô não poderá entrevistar pessoas, e, se puder, não poderá ver nos seus olhos o quanto há de verdade, de emoção ou de dissimulação em suas palavras. Isso sem falar na necessária contextualização, na humanização dos textos e outros quetais. O mesmo na propaganda. Quem já não recebeu um telefonema do Moacyr Franco, programado indistintamente por uma máquina, oferecendo composto de Omega 3? Ou do Francisco Cuoco oferecendo planos funerários? Tem coisa mais irritante? Tem: as atendentes de call center e seus verbos no gerúndio.

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Almanaque

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Mix

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Aquário

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Entrevista: Susana Kakuta

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Capa: Robôs na Publicidade

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Opinião: Edgar Powarczuk

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Grandes Nomes: Julio Ribeiro

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Opinião: Alberto Meneghetti

28 Galeria: Um Novo Tempo

Diretora-Executiva NELCI GUADAGNIN

RUA SALDANHA MARINHO, 82 PORTO ALEGRE - RS CEP 90160-240 FONE/FAX (51) 3231 8181

Editor ALTAIR NOBRE

www.revistapress.com.br comercial@revistapress.com.br

Diretor-Geral JULIO RIBEIRO

Diagramação/ Arte Final ESPARTA PROPAGANDA Imagens: Fotografia: Agência Preview Assinaturas atendimentoad@terra.com.br Impressão COMUNICAÇÃO IMPRESSA

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Comercialização PORTO ALEGRE: (51) 3231 8181 e (51) 9971 5805 com NELCI GUADAGNIN PRESS e ADVERTISING SÃO PUBLICAÇÕES MENSAIS DA ATHOS EDITORA, COM CIRCULAÇÃO NACIONAL, SOBRE OS MERCADOS DE COMUNICAÇÃO E IMPRENSA BRASILEIROS. OS ARTIGOS ASSINADOS E OPINIÕES EMITIDAS POR FONTES NÃO REPRESENTAM, NECESSARIAMENTE, O PENSAMENTO DA REVISTA.


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ENTREVISTA

ENTREVISTA SUSANA KAKUTA

“Insiste-se em fomentar o novo com ferramenta velha” Altair Nobre e Julio Ribeiro Fotos: Jefferson Bernardes/Agência Preview

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ENTREVISTA Criada no bairro de Lomba Grande, em Novo Hamburgo, Susana Kakuta acompanhou a ascensão, a queda e a transformação do Vale Calçadista. Socióloga, mestre e doutora em Economia, dedicou a sua carreira a se antecipar à decadência de segmentos de produção e valorizar a inovação. É o que busca à frente do Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul (Badesul). Na presidência da instituição há quase dois anos, tem o desafio de recompor o rombo financeiro herdado e manter o apoio ao empreendedorismo. Gestora do Tecnosinos entre 2010 e 2015, a descendente de família germânica (o sobrenome de solteira é Strack, e o atual é do ex-marido, japonês) conta nesta entrevista o que falta para o Rio Grande do Sul sair da estagnação e se tornar uma ilha de excelência. Como está a situação do banco? Agora em abril nós completamos os dois primeiros anos de mandato. O nosso mandato veio acompanhado com a crise econômica do Brasil, e isso nos levou a um esforço muito diferenciado no Badesul. De um lado, a situação que encontramos na própria instituição, de fragilidade de seus ativos por um volume considerável de operações contratadas na gestão anterior com alta concentração, spreads baixos, e isso levou a uma situação, frente ao momento econômico, de fragilidade. Tão é verdade que, logo no início de agosto, lançamos a primeira etapa do plano de contingência. Por conta da própria fiscalização do Banco Central, não há um regramento e cuidados mínimos… A grande diferença está no modelo de desenvolvimento que foi praticado. Era um modelo brasileiro, o BNDES acompanhou esse modelo. Fazer desenvolvimento através do financiamento do investimento. Colocou-se muito dinheiro. O Brasil teve um momento de muita disponibilidade financeira por parte dos bancos, com taxas de juro bastante subsidiadas, baixas, com spreads baixos. As agências de fomento, como é o nosso caso aqui, têm permissão só para algumas tipologias de operação. Não temos um cartão de crédito, um seguro. Não temos aquelas fontes de renda que outros bancos têm. Quando você só pode trabalhar com carteira de médio e de longo prazo de financiamento, cujas

operações muitas vezes têm dois, três anos de carência para começar a pagar, e pratica spreads baixos dentro da instituição, quando vem um momento econômico como esse, balança tudo. Mas também não têm as questões de para quem tu emprestas e a concentração? Óbvio. O problema é a concentração. Esse é o modelo que foi praticado. O Badesul concentrou operações muito além do que poderia ter feito. Ainda que estivesse atendendo às regras. Mas a gente vê hoje que ele extrapolou. Em junho, a gente estava identificando um prejuízo na ordem de R$ 59 milhões. Com uma série de medidas, conseguimos baixar. Fomos a quase R$ 30 milhões. Este ano a situação se agravou sobremaneira em função das recuperações judiciais, que se tornaram um instituto comum no Estado do Rio Grande do Sul. O Badesul tem hoje 26 recuperações judiciais, que totalizam mais de R$ 350 milhões. Isso representa quanto na carteira? Temos uma carteira ativa de R$ 4 bilhões. Representa 10% da nossa carteira. Se a gente olhar sob o grau de concentração, está em 19 clientes. São operações bastante concentradas e que põem em risco porque o Badesul é uma instituição criada não para dar lucro: o objetivo é o reinvestimento do capital o tempo inteiro. Não é um banco comercial. O objetivo é fazer desenvolvimento. Os lucros históricos do Badesul giravam em torno da faixa dos R$ 20 milhões. Então, se você tem uma operação acima de R$ 10 milhões que vai a prejuízo, consome todo o lucro. Temos várias operações de R$ 40 milhões, de R$ 25 milhões, que extrapolam todo o esforço que fazemos gerencialmente. O grau de concentração dessas operações é um risco. Qual é o potencial de recuperação? No ano passado a gente fez o chamado plano de contingência. Não foi o suficiente. Em agosto, tivemos o nosso limite cortado do BNDES em função de a gente ter três trimestres em prejuízo. Nós nos obrigamos a fazer um plano de reestruturação. Com medidas muito mais profundas, de médio prazo. Esse plano está aprovado pelo Banco Cen-

tral. Pressupõe deixar o Badesul em azul em 2018. Sim, este ano a gente vai estar em prejuízo, perto dos R$ 60 milhões, mas a rota de saída se dá a partir deste ano, em um conjunto de medidas. Uma delas ataca de forma direta a venda de ativos. Que ativos o Badesul tem? É a venda de operações em prejuízo. Com deságio de quanto? Nós não temos ainda. Temos de precificar essa carteira. A nossa carteira é diferente, porque tem garantia real. É diferente de uma carteira comercial. Tem o terreno… Tem o terreno, tem a fábrica, tem o maquinário. Não sofre tanto deságio. Tem mercado comprador? Sim. A gente inclusive já tem alguma manifestação de interesse. Então vamos proceder isso para ajudar a desalavancar e trazer dinheiro de volta para o Badesul. Nos próximos cerca de três anos, a energia do banco não estará toda colocada nessa recuperação? Sobrará energia para o banco fomentar a economia do Estado? Tem de sobrar. Obviamente esse trabalho de recuperação está focado em uma questão básica, o ponto de equilíbrio. E, para chegar a ele, de um lado, a gente tem de reduzir despesas e desalavancar e, de outro lado, colocar receita para dentro. É importante lembrar que o Badesul tem um papel fundamental na economia do Estado do Rio Grande do Sul. Se você vê o anúncio da safra recorde em grãos, é porque tem papel do Badesul lá dentro. Mas o BRDE e o Banrisul não cobririam essa necessidade? Precisa existir o Badesul? Precisa existir o Badesul. O BRDE é um banco de três estados. E o Banrisul é um banco comercial, que tem outros objetivos. O Badesul é aquele agente que olha a necessidade do Estado do Rio Grande do Sul e atua sobre ela. Tanto que somos questionados dos projetos que financiamos, a respeito do impacto no emprego e na renda e no desenvolvi-

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ENTREVISTA

mento das regiões do nosso Estado. O nosso papel é atuar na descentralização do desenvolvimento. E isso ele tem feito de forma muito significativa. No Rio Grande do Sul não está faltando um projeto de uma nova matriz econômica para o Estado, em um horizonte de 20 anos, 30 anos, como foi feito pelo governador Celso Ramos em Santa Catarina na década de 1960? No Badesul, com a Secretaria de Desenvolvimento, a gente atua em três eixos. O primeiro reconhece que a gente precisa modernizar setores tradicionais. O que nos trouxe até aqui não garante o nosso futuro. Está aí o exemplo do setor metal-mecânico, o setor automotivo, e o impacto disso na serra gaúcha. É preciso injetar dinheiro para inovação tecnológica, automação de fábrica, modernização de modelos de negócio mais descentralizados. O segundo pilar é a inserção de economias portadoras de futuro. Nós lideramos um cluster de tecnologias para a saúde. É financiar

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semicondutores, indústria de TI, o setor das novas energias, a indústria criativa. Hoje temos aqui no Badesul, e são áreas que pressupõem dinheiro para inovação tecnológica, onde o ativo não é a fábrica, é cérebro, o conhecimento. Estamos atuando no cluster de tecnologia para a saúde. Atuamos com todas as frentes, desde as universidades, que fazem ensino e pesquisa aplicada nessa área, os hospitais, as empresas. O Rio Grande do Sul tem mais de cem empresas na área de tecnologia para a saúde. Temos gente que faz incubadoras para recém-nascidos com tecnologia de ponta, empresas de biocosméticos que competem a nível mundial com os maiores players na área de cosméticos com produtos 100% orgânicos.

rença do Badesul para qualquer outro banco é que não é uma linha de crédito. Nós aprovamos um projeto.

Muitas startups talvez nem saibam que existe o Badesul. Como podem chegar ao banco? É bem simples. É operação direta. Pode chegar aqui, sentar com o nosso técnico e discutir o seu projeto. Esse é o contato que a gente mais quer. A grande dife-

E o terceiro eixo de atuação? Municípios. A visão de que o desenvolvimento se dá de forma local, através dos municípios. Não existe competitividade em desenvolvimento se você não tem infraestrutura local. E a gente sabe do desafio de obtenção, por parte

E viram sócios? Em alguns casos, como é o caso dos fundos. O resto é financiamento. Para as startups, a gente tem outras iniciativas. Temos todo um trabalho que a gente faz com os parques tecnológicos. Entre fevereiro e março, vamos lançar um programa, com o Sebrae, vocacionado para micro e pequena empresa do Rio Grande do Sul, e ali dentro estarão as startups. Este programa terá condições bastante diferenciadas, porque a gente sabe do desafio do pequeno empresário de obter garantias. Esse é o papel do Badesul.


ENTREVISTA dos municípios, de recursos para investimento, saneamento básico, energia, escola, saúde… A gente financia todas as áreas de necessidade dos municípios. A otimização dos seus sistemas de arrecadação, por exemplo. Quanto o Badesul vai emprestar este ano? Vamos ter, com os municípios, na ordem de R$ 500 milhões. É um número bom. É um número bem razoável no momento em que a gente tem uma queda importante na demanda de investimentos de longo prazo. Essa crise vem após um grande estouro de oferta de financiamento. Quem queria fazer investimento fez lá atrás e agora está tendo de pagar. Ao mesmo tempo em que está tendo de pagar, essa fábrica não está lotada. A recuperação que a gente tiver, mesmo que seja um PIB positivo de 0,2% este ano, é sobre uma base ruim, portanto não haverá significativamente investimentos de longo prazo. Uma das coisas que atrapalham o desenvolvimento é a burocracia ambiental. Diz-se que o Rio Grande do Sul é um dos piores Estados do ponto de vista da aprovação das licenças ambientais. Há uma mudança muito interessante em curso. Hoje a Secretaria de Meio Ambiente e a Fepam têm feito um trabalho extremamente importante, buscando modelos, como o de Santa Catarina, de Minas Gerais, e isso tem mudado muito os prazos. O que a gente faz aqui é um sistema de prioridades. Quando recebemos uma empresa que quer se instalar no Rio Grande do Sul, ou um empresário que quer aumentar a sua planta, e busca um incentivo do tipo Fundopem, é recebido pela Secretaria de Desenvolvimento e, quando ela recebe, já chama os seus agentes. Vocês operacionalizam Fundopem? Nós fizemos a parte financeira do Fundopem. Essa empresa vai receber o tratamento de one-stop shop. Vão estar juntos o Badesul para discutir a necessidade de financiamento, a Secretaria de Meio Ambiente, a Fepam. Ali se cria uma lógica de fast track. E vêm notícias muito boas também não só do meio ambiente mas também da Junta Comercial.

TI, ferramenta de gestão, antes era custo. Hoje tem uma gama tremenda de empresas que se deram conta de que isso mexe na produtividade, no resultado final da empresa. Começou a se investir em áreas em que antes não se investia

to mais baixo, é óbvio que há o custo Brasil, a questão tributária, mas também a gente sabe, com levantamentos da CNI, que a produtividade brasileira na indústria nos últimos anos deu uma estagnada. Tudo isso pega o Brasil em um momento muito ruim. Institucional, econômico. Este é o momento em que a gente deveria estar fazendo esse tema de casa. No início do ano, participei de um evento grande na Alemanha, o Encontro Brasil-Alemanha, em que o tema central era a indústria 4.0. É a indústria onde tudo fala com tudo. O emprego como a gente conhece hoje se minimiza. Gera outras oportunidades, mas dentro da fábrica é erro zero, produtividade máxima, coisas dessa natureza. Esse tema entra num Brasil em um momento em que as empresas estão preocupadas com suas próprias entranhas. Essa é a perda efetiva que se dá em termos de arranque do Brasil.

Está se tornando 100% digital, e os prazos para abertura de empresas vão cair radicalmente. Dois ou três dias.

Isso pode representar um gap muito grande? Acho que sim. Nós patinamos. No futuro, vai exigir um esforço muito maior. E esse esforço a indústria não vai fazer sozinha.

E os bombeiros? Todo esse movimento está sendo feito de forma conjunta. Mas não é preciso uma articulação também com os municípios? Em termos de legislação de meio ambiente, já existe delegação para os municípios, o que facilitou muito. Até 10 mil metros quadrados de construção de uma planta industrial, a não ser que ela seja de alto potencial poluidor, o município é que faz o licenciamento. Isso já mudou muito. Porque tu sais de uma fila grande para uma fila menor, e para prioridade. A questão dos bombeiros diz respeito à própria capacidade física e humana frente ao volume (de pedidos de licença). A indústria do mundo está mudando com novas tecnologias. O setor produtivo gaúcho está atento? Ou, mais do que isso: está se preparando? Muita gente já se deu conta desse movimento a nível mundo. Em muitos casos, pela faceta mais perversa, a da competição. Quando a gente fala de um produto chinês que entra aqui a um custo mui-

O setor tido como tradicional, conservador, é o que mais está evoluindo do ponto de vista tecnológico: o agronegócio. A produtividade do Rio Grande do Sul em alguns setores é o dobro da média nacional. E o setor que deveria ser o mais inovador, a indústria, parece estar preso ao pensamento antigo. Falta o novo empreendedor? Esse é o ponto. No agronegócio gaúcho, estamos vivendo o momento da nova geração. Terceira, quarta geração. Todos têm nível superior. Os que fazem diferença de produtividade são os filhos ou netos que estudaram, fizeram uma pós-graduação e que começaram a olhar o tempo três dias antes, para saber como vai estar para semear, entender um trator que tenha computador para saber quantos grãos ele semeou vão fazer diferença no número final. O modelo industrial é mais arraigado nas coisas mais tradicionais. Ainda é a inovação via máquina, ou via matéria-prima. Mostram isso os números dos investimentos em inovação dentro das empresas. Enquanto

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ENTREVISTA países como Coreia e China têm taxas de 5% do seu produto em investimento em tecnologia, no Brasil estamos falando em 1%, sendo uma boa parte disso subsidiada pelo governo. Do ponto de vista mercadológico também. Sempre nos mercados tradicionais… Também. Há fenômenos interessantes acontecendo. Antes do Badesul, eu estava no Parque Tecnológico. De vez em quando converso com alguns empresários do Parque Tecnológico, o Tecnosinos. Eles me dizem o seguinte: “Olha, Susana, pra mim o ano que passou foi um ano ótimo, e 2017 está sendo muito bom pra nós”. Aconteceu o seguinte: TI, ferramenta de gestão, antes era custo. Hoje tem uma gama tremenda de empresas que se deram conta de que isso mexe na produtividade, no resultado final da empresa. Começou a se investir em áreas em que antes não se investia. Antes se comprava. Para aumentar a produtividade, comprava-se uma máquina. A Embrapa é um dos protagonistas do desenvolvimento tecnológico no campo. Não tem uma Embrapa do setor industrial, tem? Tem. Embrapi. Só que é diferente. A Embrapa tem estruturas físicas. A Embrapi é mais recente e, em vez de criar estruturas físicas, homologa centros de tecnologia. No Rio Grande do Sul, temos dois. Um de mecânica de precisão, metal-mecânica, o Senai perto da Unisinos. O outro é um Senai de polímeros. E agora a gente potencialmente vai ter o terceiro, extremamente relevante, o Ibetec, Instituto Brasileiro de Tecnologia do Calçado. Isso estava caindo de maduro. É fundamental. Quando se fala em sapato, querer concorrer com chinês é commodity. A chance é criar produto, matéria-prima, outros insumos, outras formas, para agregar valor ao produto. Que países estão preparados para este salto? Existe um grupo de tecnologias que quem dominar vai continuar jogando o jogo global, sendo protagonista, e não caudatário. TI, nanotecnologia, biotec-

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nologia, semicondutores, as novas energias. São as áreas portadoras de futuro e que, daqui a cem anos, mesmo na sua forma modificada, vão estar norteando todas as relações humanas, seja no grau mais básico, a forma como tu abres a tua porta, se é chave, dedo, íris, até como

vais fazer uma cirurgia. O jogo global vai ter três tipos de players. Aqueles que vão estar olhando tudo acontecer e vão ser caudatários, fazendo alguma forma de relacionamento naquilo que lhes convém. Muitos países da América Latina têm esse perfil, assim como da


ENTREVISTA África. Há um grupo intermediário que tentará fazer a diferença. E tem aqueles que vão liderar. Entre eles, não tem como excluir os Estados Unidos, porque têm as melhores universidades. Tecnologia é penso. Ter uma estrutura de formação de recursos humanos de ponta é fundamental para ser player nesse jogo. Quem são os outros? Coreia, Japão, China. Eles têm hoje o protagonismo de serem lançadores no mundo. Qual é a posição confortável para o Brasil? Sermos o do meio? Nós temos que ser no meio. A gente não tem condições de estar lá em cima. E estar no meio não será uma situação de todo o Brasil. Esse será um jogo que nós temos de começar a jogar por ilhas. Está associado a conhecimento. Tem de ter um bom engenheiro, um bom cientista. Isso não é pregar no deserto? Tem eco? Tem, mas não na força suficiente. E a força suficiente está atrelada a uma questão que a gente insiste em fazer no Brasil: tentar fomentar o novo com ferramenta velha. Vou usar um exemplo. O Brasil é um grande demandador de TI e já é um grande produtor mundial de TI. Temos empresas globais de TI, o caso da Stefanini, por exemplo. TI, no mundo inteiro, tem uma jornada de trabalho absolutamente diferente das relações de trabalho no Brasil. A legislação trabalhista precisa mudar. Tem de mudar. Não tem como, de um lado, botar na tua política nacional “setor prioritário TI”, se tu não tocar nessas coisas. Home office, por exemplo. Tudo. Terceirização. Quarteirização. No mundo inteiro, é assim que funciona. Nós queremos equalização, para poder competir. Trazendo para o Rio Grande do Sul: a população está estagnada… Não só está estagnada, mas está envelhecendo, e estamos perdendo talentos. E ela cabe toda na capital paulista, ou seja, não é um mercado consumidor gigantesco. A única saída justa-

mente não seria se transformar em uma ilha de excelência? Eu brigo por isso. A minha causa pessoal é isso. A única saída do Estado do Rio Grande do Sul é ser excelente. Isso começa pela educação. Não tem outra saída. O que nos trouxe até aqui, metal-mecânico, tal como está, plástico-borracha, tal como está, calçado, como estava, pois já tem mudado bastante... O Rio Grande do Sul perdeu fábricas, mas ganhou boas empresas que desenvolvem novos produtos, novas tecnologias. Se essa indústria tradicional não der o salto, como o agronegócio deu, tu não fazes a ilha. Como a Índia conseguiu se colocar como um ponto de excelência em software? É um país que ainda tem castas, mobilidade social próxima de zero, enormes dificuldades, inclusive de saneamento básico. Projeto-país é o nome disso. Vivi bem o caso da Índia. Em um período, até para fazer a atração de investimentos, em questão de dois anos eu fui umas seis vezes para a Índia. Estive desde com ministro de Educação, de Desenvolvimento, até dono de start-up, até professor universitário. Todos eles sabiam o que significava a indústria de TI para a Índia naquele momento. Falavam os mesmos números e sabiam aonde a Índia queria chegar. Isso é ter início-meio-e-fim em um projeto. No caso da TI, não adianta incentivar TI no Brasil se a gente não faz a reforma tributária, na terceirização, na quarteirização, nas relações de trabalho. Porque isso não dá isonomia. A Índia colocou isso como projeto: nós vamos ser bons nisso. O que ela fez: primeiro eixo, educação. Vi engenheiro de computação em dois anos ser formado lá. Bom. Sempre vinculado a um projeto de desenvolvimento, eles pegavam na região tal os jovens de tal a tal faixa que estão saindo do Ensino Médio, “Vamos dar bolsa de dois anos para estudarem Engenharia da Computação”. Para esses jovens, a bolsa significava ganhar mais do que toda a família. E, depois, como engenheiro, muito mais. Existia um projeto de futuro, e a educação era central. Não se cria ilha sem ter educação. Ouvi hoje de manhã que o Brasil perdeu nível no ensino de matemática e português. Hoje nem 9% dos alunos que saem do ensino têm as competências

básicas em matemática. Também tem o contrário acontecendo. Porque existem hoje as ilhas Tecnopuc, Tecnosinos? Porque você tem escolas de alto nível no ensino básico, escolas de nível médio, como o Liberato, o Anchieta, escolas de altíssimo nível, e universidades que fazem a diferença. Nós não temos um projeto de Nação. A minha família é de origem alemã. Conheci fases do desenvolvimento alemão. Lembro que a gente ia a uma Hannover Messe, e o conceito da feira, 15 anos atrás, era de uma Alemanha produtora e lançadora de produtos. Máquinas. Hoje a Alemanha diz o seguinte: “Nisso nós não temos como vencer os nossos competidores. Isso se tornou commodity. Vamos ser o país da inovação”. Ela quer, sim, continuar fazendo aquela máquina. Só que ela terá sempre a propriedade intelectual do último modelo e embarcar as outras coisas. É um projeto-nação. Ali ela alinha tudo. Sobre a questão do Estado do Rio Grande do Sul, é premente que se faça esse esforço de recuperação financeira do Estado… Poucos Estados estão atentos à oportunidade. Poucos Estados têm as condições que o Rio Grande do Sul tem. Temos este tecido todo implantado: indústria diversificada, as melhores universidades do Brasil, parques industriais, um empreendedor que assume riscos… Poucos têm. Como se faz para ter um projeto de Estado, e não de governo? A gente está à frente de uma instituição de fomento. Ela traz pra gente algumas experiências interessantes. Uma delas é lidar com interlocutores de diferentes cidades, setores e partidos. Pergunta para um prefeito ou um deputado do partido de mais extrema esquerda “Qual são as tuas três prioridades?”, depois faz a mesma pergunta para um da direita. Serão as mesmas. A política acima do bem-estar da sociedade. Quem está aí está se tornando profissional da política e esquecendo do bem-estar da sociedade. É uma vergonha. Se as prioridades são as mesmas, não é de chegar uma agenda comum do que é importante para o povo do Rio Grande do Sul e ele vai pra lá se tomarmos essa iniciativa pró-povo?

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Foto: WDnetStudio


REPORTAGEM DE CAPA

Robôs na publicidade A

ssim como as notícias falsas são um câncer para a opinião pública, as visualizações fraudulentas são uma ameaça para os negócios. Muita gente não se dá conta mas os dois tipos de fraude têm conexões, sob a orquestração de ciberquadrilhas internacionais. A frase parece sinopse de série do Netflix, mas não é. Separar os números de visualizações reais das robóticas é um desafio do qual depende o futuro da publicidade. A tarefa abriu um nicho, explorado por uma startup nascida no Brooklyn (Nova York) em 2012. O lema da White Ops é "queremos aproveitar ao máximo seus anúncios visíveis ao garantir que cada impressão seja vista por uma pessoa (e não por um robô)". A empresa fez descobertas estarrecedoras. A atividade da falsificação avança em uma velocidade superior à dos controles da internet. Criadores de sites fajutos com consumidores robôs são, além de um crime bilionário, uma concorrência desleal no mercado da comunicação, mas também podem ser uma oportunidade, se o mercado real demonstrar o valor da credibilidade.

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REPORTAGEM DE CAPA

Scripts que reescrevem o negócio da publicidade

A

o projetar quanto as fraudes em publicidade digital custam por ano, a associação americana de anunciantes, a ANA (Association of National Advertisers) chegou à cifra de mais de US$ 7 bilhões. Esse era o valor estimado para 2016, em um estudo lançado no início do ano, em conjunto com a White Ops, uma espécie de agência de detetives virtuais especializada na audiência de anúncios. Uma descoberta da empresa em dezembro, porém, sugere que esse rombo seja ainda mais assombroso do que o projetado. Às vésperas do Natal, a White Ops revelou "a fraude mais lucrativa e avançada já vista pela indústria". Por meio de um esquema batizado de Operação Methbot, em alusão às referências a "meth" no código do bot (robô), um único grupo de vigaristas com base na Rússia criou mais de meio milhão de falsos usuários e 250 mil sites fajutos para roubar entre US$ 3 milhões e US$ 5 milhões por dia das principais empresas de mídia e marcas em anúncios de vídeo como se estivessem sendo vistos por pessoas. Os fraudadores pegaram carona em

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6.111 endereços reais, a maioria nos Estados Unidos, mas na lista (disponível em whiteops.com/methbot) também há os "com.br", como o caso de IG, Infomoney, Jogos360, UOL e Vagalume. Não há nenhum registro que tenham diretamente prejudicado leitores desses sites, mas sim lesaram os portais, ao se apropriar de seu conteúdo como caminho para a fraude, e empresas anunciantes cuja mídia havia sido programada para esses endereços e foi desviada pelos criminosos para sites falsos "vistos" por robôs. A fraude, iniciada em setembro, e provavelmente ainda não estancada, atingiu sites como os da Fox News, da CBS Sports, do New York Times e do Wall Street Journal, além de grandes plataformas de conteúdo como Facebook e Yahoo e sites de nicho como Allrecipes e AccuWeather. O veículo da fraude era o inventário de vídeo programático premium. Gerava até 300 milhões de impressões não humanas por dia. Além do montante do prejuízo, preocupa a sofisticação do Methbot. Diferentemente de computadores residenciais infectados, a opera-

ção ganhou uma escala enorme ao usar centenas de servidores nos EUA e na Holanda (Amsterdã) e um navegador web personalizado para reduzir a probabilidade de detecção. "A Methbot elevou a fraude de anúncios a um novo nível de sofisticação e escala", definiu Michael Tiffany, cofundador e CEO da White Ops, ao apresentar os resultados da pesquisa, em 20 de dezembro. "A publicidade mais cara na internet são anúncios em vídeo full HD, em sites de marcas, exibidos aos usuários conectados às mídias sociais e que mostram sinais de 'engajamento' Os operadores russos por trás do Methbot segmentaram as categorias de anúncios mais rentáveis e editores. Eles construíram sua infraestrutura e ferramentas e comprometeram peças-chave da arquitetura dos sistemas de internet para maximizar o seu alcance." Empresa concorrente da White Ops, a Integral Ad Science observa que a Methbot é só uma mostra dos novos predadores do ecossistema de publicidade online atual. "Há novos bots e novas maneiras pelas quais os maus estão tentando descobrir formas de contornar


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passos do golpe Como funciona a Operação Methbot:

Os falsificadores simulavam o registro de endereços numéricos de internet em provedores de internet conhecidos.

nossa tecnologia o tempo todo", alertou David Hahn, vice-presidente executivo de estratégia, ouvido pelo New York Times. O autor da matéria, Vindu Goel, repórter de tecnologia do NYT, lembrou que as redes de anúncios automatizados de compra e venda de acesso ao espaço publicitário em sites populares operam em um mundo "turvo e acelerado, e muitas vezes não é claro para os anunciantes quem esses intermediários realmente representam". "Você precisa saber com quem está fazendo negócios", observou Neal Richter, ex-diretor de tecnologia do Projeto Rubicon, rede de vendas de anúncios automatizados. Este é o grande desafio da indústria de comunicação no momento. A Trustworthy Accountability Group (TAG), ao revisar os critérios para premiar sites com o selo Certified Against Fraud ("Certificado contra Fraude"), repensa o sistema, para conectar o pagamento de um anúncio diretamente ao editor do site, certificado, de forma a evitar operações como a Methbot.

Depois, associaram esses sites a 571.904 bots (robôs) desenhados para imitar o comportamento de usuários de internet. A eles estavam associados dados de localização, histórico, sites visitados e login a redes sociais como Facebook. Todos falsos. Como se fossem uma pessoa de carne e osso, os robôs estavam programados para começar e parar cada vídeo e mover o mouse e clicar.

Os criminosos conectaram esses robôs a redes de publicidade automatizada formadas por milhares de sites.

Ao visitar um site como o CNN.com, assim como ocorre com uma pessoa real, o robô despertaria uma guerra de lances de microssegundos para a exibição do anúncio em vídeo de uma marca. Mas, em vez de ir para a CNN real, o navegador jogaria o anúncio para um site falso que ninguém podia ver.

Com uso de dados falsos, esse site fajuto reportaria às redes de anúncios automatizados visualizações feitas por robôs como se tivessem sido reais e assim recolhiam o valor pago pelos anunciantes, cujos nomes foram preservados na divulgação do golpe.

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Foto: Kaboompics

REPORTAGEM DE CAPA

A máquina vai prever o que você vai comprar

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omo aliada de vendas, a inteligência artificial ajudará a publicidade a refinar o conhecimento sobre os hábitos do consumidor, a partir de suas pegadas na internet. Aperfeiçoados, os algoritmos vão montar um perfil mais profundo do comportamento do usuário e calcular com mais precisão seu potencial de compra. Em resumo, o computador vai prever o que você vai comprar antes mesmo de você saber. Os robôs vão ditar a próxima geração da publicidade e do e-commerce, atividades mais próximas. Google, Facebook, Apple e Amazon aceleram os projetos baseados em antecipar e as decisões de consumo e a elas atendê-las. No centro dessa lógica, está o retargeting *, a que se dedica a RTB House, pro-

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vedora com base em Varsóvia (Polônia) e atuação em 40 países que acaba de lançar um novo modelo de cálculo para o potencial de compra dos clientes. Daniel Surmacz, diretor de operações da companhia, escreveu no portal clickz.com sobre o avanço da tecnologia que abre o caminho para dar ao marketing o mais perto possível de uma bola de cristal. "Uma perspectiva apaixonante no futuro próximo da aprendizagem mecânica", observou, "é que os algoritmos de aprendizagem profunda (um ramo do aprendizado de máquina baseado em um conjunto de algoritmos que tentam modelar abstrações de alto nível em dados usando um gráfico profundo com várias camadas de processamento) serão capazes de criar características que reconhe-

cem a atitude, a intenção e o estado geral de cada usuário que visita um site, mesmo os usuários que ainda não clicaram em um anúncio". Ao estimar a probabilidade de que um usuário agirá de uma forma desejada, os algoritmos darão mais impulso e importância a esse potencial cliente. É o mesmo princípio do atual retargeting, mas com uma rapidez de avaliação em unidades de tempo na casa do milissegundo (milésimo de segundo) e abastecida com um mais amplo conhecimento sobre o potencial do cliente. "Graças à tecnologia que utiliza estruturas matemáticas inspiradas pelos neurônios biológicos em nossos cérebros (redes neuronais recorrentes)", explicou, "é possível obter descrições de usuários mais


O PRIMEIRO ANÚNCIO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Quando for contada a história da inteligência artificial na publicidade, entre os marcos iniciais estará uma iniciativa da agência M&C Saatchi, em Londres. Em julho de 2015, ela instalou em paradas de ônibus um pôster digital para a fictícia marca de café. A inovação é o fato de que o painel adapta o anúncio de acordo com a reação de quem vê a imagem. Um sensor acima do painel consegue rastrear o rosto de quem olha para a tela e determinar se reagiu bem ou mal. A partir da reação, um programa decide se algum elemento do anúncio, como o texto, a fonte, o tamanho da fonte, a imagem de fundo e até o layout, ou mesmo a peça completa, deve ser reformulado. A formulação partiu de uma base "genética" com dezenas de formulações de anúncios. As mais bem-sucedidas passavam para uma nova bateria de exposição à crítica do olhar dos pedestres. As que não tinham êxito eram removidas. "É a primeira vez que um anúncio é liberado para se escrever baseado no que funciona, em vez de apenas o que uma pessoa acha que pode funcionar", disse David Cox, diretor de inovação da agência, em declaração destacada pelo jornal The Guardian.

confiáveis, mais ricas e interpretáveis do potencial de compra do cliente sem depender de qualquer expertise humana." Atualmente, o histórico de atividades do usuário em um site de comércio eletrônico é descrito como um número fixo de recursos criados manualmente confiados para ajudar a prever a rentabilidade da conversão. Em geral, os dados são relacionados à impressão do anúncio, portanto ignoram usuários que nunca viram a publicidade mas são potenciais consumidores. A aprendizagem profunda muda o foco: em vez do leitor que viu ou clicou no anúncio, o comportamento rastreado passa a ser o de quem ainda nem viu a peça de publicidade mas, por seu padrão na internet, é o alvo principal a ser alcançado. Ao visitar o site de um anunciante, cada usuário percorre centenas de pequenas etapas. Os algoritmos identificam cada uma dessas pegadas e formam padrões na tomada de decisões, ao processar um conjunto maior de dados, não apenas aqueles conectados a impressões clicadas, mas também com a navegação de ofertas particulares, categorias de interesse, comportamento de cesta e táticas de busca. Com essas informações, pode-se tentar responder a perguntas como qual é a próxima ação, quanto tempo vai demorar para fechar o próximo negócio ou qual será a categoria do próximo produto visualizado. Essas previsões fortalecem as campanhas, ao serem direcionadas aos mais prováveis consumidores, nos canais por eles preferidos, e com o volume de investimento mais próximo do necessário para atingir o alvo sem desperdício em quem provavelmente está desinteressado. "O aprendizado profundo nos permite aprender não só sobre compradores, mas também sobre aqueles que não compraram", resumiu Surmacz.

Retargeting, do inglês target (alvo) significa voltar a “mirar” um alvo, impactar um usuário da web mais uma vez com uma peça de comunicação dirigida baseando-se em seu histórico de navegação.

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REPORTAGEM DE CAPA

Alexa, o ouvido do robô

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rticulada com os esforços para encurtar o tempo entre a decisão e a realização do consumo pelos usuários, as experiências de inteligência artificial dos gigantes da internet prometem um cotidiano de interação robotizada. Essa nova realidade ganhou ouvidos com o Alexa, o assistente doméstico a comando de voz lançado pela Amazon. Além de vendido pela própria empresa na forma de um alto-falante cilíndrico (o Amazon Echo) , está aparelhando produtos de outras empresas, alguns deles no formato de robôs com formas humanizadas. Dois anos depois de lançado nos EUA, o Echo protagoniza histórias curiosas, como a de uma menina de seis anos que por acidente encomendou pela internet uma casa de bonecas e dois quilos de biscoitos, uma história contada pela emissora CW6 News San Diego, em janeiro. Depois da repercussão, a Amazon anunciou bloqueios no Alexa que a impedem de realizar compras por falas e a inserção de senhas para confirmar transações. Com 33 mil tarefas, entre comandos simples e mais específicos, como pesquisar informações, descobrir a música e ler as notícias, os recursos do Alexa foram destaque na maior feira de tecnologia e inovação do mundo, a Consumer Electronics Show (CES) 2017, realizado em Las Vegas (EUA) em janeiro. A real missão do assistente pessoal é utilizar outros objetos inteligentes compatíveis, como geladeiras, robôs, fornos, sistemas de iluminação e televisão, para com comandos de voz regular a temperatura da casa, trancar as janelas e portas, mudar o canal da TV e ajustar as luzes, por exemplo. É o que se convencionou chamar de a "internet das coisas". Começam a surgir robôs com formas análogas às humanas comandados pelo sistema da Alexa. Um deles é o LG Hub Robot. Conecta-se a outros aparelhos inteligentes em casa e completa tarefas domésticas, como ligar o ar-condicionado ou alterar um ciclo de secagem com comandos verbais simples, além de reproduzir música, definir alarmes, criar lembretes e fornecer atualizações de tempo e tráfego. Ele pode se mover e girar no lugar e até "expressar emoções", exibindo um rosto em sua tela. Foi projetado para responder aos consumidores usando a linguagem corporal, como assentir com a cabeça quando responder a perguntas simples, e para distinguir os rostos de diferentes membros da família com sua câmera. Pode ser programado com uma saudação diferente para cada membro da família. Os avanços da inteligência artificial, combinados, inspiram futurólogos a projetar rotinas como esta, descrita por Andrei

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Neagu, especialista em retargeting: "Imagine que seus clientes estão prestes a sair de casa para jantar. Quando se vestem, ouvem uma voz da cozinha: 'Parece que você só tem um iogurte na geladeira e o leite está por vencer. Gostaria de pegar um pedido da Whole Foods por um total de US$ 7,12?' Eles dizem que sim, e a Alexa da Amazon confirma". Em breve, a expectativa mudará para o comércio on-demand e previsível, e as lojas terão de investir nessa mágica de atender cada um como se fosse seu cliente único. A internet das coisas é uma revolução tecnológica que, graças aos avanços em campos tecnológicos como os sensores wireless, a inteligência artificial e a nanotecnologia, conecta dispositivos eletrônicos utilizados no dia a dia (como aparelhos eletrodomésticos, eletroportáteis, máquinas industriais, meios de transporte) à internet.

UM NOVO VEÍCULO PARA A PUBLICIDADE

Entre as transformações trazidas pela inteligência artificial, está a criação de novos canais de exibição de publicidade. Um deles começou a nascer em outubro, quando a General Motors e a IBM fecharam parceria para colocar inteligência artificial dentro dos seus carros inteligentes. Essa tecnologia, apresentada como "a primeira plataforma de mobilidade cognitiva da indústria automotiva", inclui publicidade direcionada aos motoristas enquanto se deslocam, para conectá-los “com suas marcas preferidas”. Colocará o Watson, da IBM, dentro do OnStar, serviço da GM que oferece

soluções como navegação e rastreamento. O OnStar Go prevê experiências personalizadas no iHeartRadio com base no que o motorista costuma ouvir, a possibilidade de realizar pagamentos dentro do carro usando o sistema Masterpass, da Mastercard, o direcionamento a postos Exxon e Mobil quando o combustível estiver acabando e fazer um pedido em um café no caminho. O OnStar seria capaz de dar dicas de acordo com os costumes do motorista. Sabendo seu destino diário, poderia avisá-lo para sair mais cedo num dia de tráfego intenso, ou até lembrá-lo de comprar fraldas para o filho na farmá-

cia mais próxima antes de ir para casa. Questões éticas já foram levantadas. Na iminência da falta de combustível, o motorista seria automaticamente guiado ao posto mais próximo, mesmo que não fosse dos parceiros Exxon e Mobil? Em relação à publicidade, o Wall Street Journal considerou que, se a IBM e a GM vão dividir o que for arrecadado, seria injusto para o motorista, que pagaria de forma duplicada: com a mensalidade e com a inserção dos anúncios. As perguntas devem começar a ser respondidas até o fim de 2017, quando 2 milhões de carros terão essas novidades à disposição, conforme previsão da GM.

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OPINIÃO

Ser feliz sem lavar a louça O empreendedorismo deveria ser uma matéria fundamental nas escolas. Ensinaria que errar é uma frustração necessária para arrumar as coisas e ajudar pessoas. Edgar Powarczuk

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controle remoto é a maior invenção da humanidade, disse Luis Fernando Verissimo. Sua opinião mudou com o tempo: “Hoje mais velho e mais vivido - sei que foi a escada rolante”. LFV nos provoca reconhecer que os triunfos da tecnologia nos dão pequenos confortos cotidianos e aliviam os desassossegos da alma. Há quem veja no desconforto um pré-requisito para a satisfação: nem tudo que nos faz sentir melhor é bom para nós. Nem tudo que magoa pode ser ruim. “Considerar os estados de infortúnio em geral como obstáculo, como algo que deve ser abolido, é… quase tão estúpido como a pretensão de se abolir o mau tempo ”, na visão de Nietzsche.

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A psicologia positiva mostra que a tentativa de eliminar totalmente as emoções negativas de nossa vida teria a consequência não intencional de perder a variedade e a sutileza de nossas experiências emocionais mais profundas. Então, afinal, que tipo de conselho você busca de verdade: como estabelecer um relacionamento ou — só por precaução — entender como rompê-lo sem dor e com a consciência limpa? Você quer buscar a felicidade ou (assim como o mau tempo) abolir a tristeza? Neste enorme vão pelo qual descambam tantas pretensões ilusórias, quando tentamos viver apenas o lado confortável dos nossos relacionamentos ou do nosso trabalho, me dei o direito

de alinhar alguns desconfortos sobre a nossa noção de conforto, alguns deles inspirados no livro de Nassim Taleb, Antifrágil:

Felicidade de mercado O baixo astral geral da moçada preocupa as empresas porque reflete na falta de produtividade. O futuro do mercado dependerá da capacidade de se combater o stress e colocar no lugar a felicidade e o bem-estar. Nem que seja artificialmente, como uma indústria da felicidade. Pebolins, pufes, salas de relaxamento, convivência com os pets… as empresas vão introduzir espaços de lazer para que o trabalho pareça menos penoso. Um lado acredita que está


ótimo assim, o outro tem motivos para esperar mais produtividade. Quem iria reclamar em ver seu próprio prazer ser usado para o lucro?

Melhor o agudo que o crônico No mercado financeiro aprendi sobre a importância da volatilidade como forma de mensurar o risco de uma ação. Volátil é aquilo que está sujeito a mudanças frequentes. Nossa vida é volátil. Ao tentar reduzir a variabilidade e as oscilações na vida estaremos construindo fragilidades. É a variabilidade que espanta o estresse crônico. Para nossos ossos, andar sobre pedras irregulares é melhor que galgar uma esteira na academia. Lidamos melhor com os agentes estressores agudos do que com os crônicos. Um intenso choque emocional (com tempo suficiente para se recuperar) é melhor que o estresse leve, porém contínuo, de um chefe no expediente diário.

Personal canvas Existem pessoas que fazem de sua vida um projeto. Existem até livros sobre como fazer um personal canvas. A estabilidade é uma meta geral. O negócio de cursinhos para concursos públicos, por exemplo, é milionário. Há no Brasil uma enorme (e crescente) demanda para a anulação da variabilidade, que

anestesia o crescimento. Ao declinar da variedade de possibilidades que o futuro pode trazer – já que isso será informação útil para o crescimento – vamos incentivando a fragilidade ao invés de alimentarmos a disrupção.

O lance furtivo Vá a um estádio de futebol e sinta que a excitação está associada à aleatoriedade. É o único esporte no mundo jogado com os pés, espetacularmente propenso, portanto, à volatilidade (sujeito a mudanças frequentes). Lançamos os argumentos técnicos, planejamos os movimentos táticos, organizamos o que pode ser organizado. Mas o que deixa a torcida com a respiração suspensa, num jogo de futebol, é o lance furtivo, o drible imprevisível, o resultado imponderável. Torcer é desconfortável.

Os ruídos brancos Algum desconforto nos dá força para sobrecompensar. Quando o palestrante fala mais baixo, prestamos mais atenção, aguçamos nosso foco. O som da chuva ou o radinho no volume baixo nos fazem dormir melhor. O esforço para neutralizar esses “ruídos brancos” nos faz entrar em nós mesmos e adormecer mais rápido. De outro lado, a ausência de desafios nos faz subcompensar. É entrar de salto alto contra um

Anestesia: a indústria do concurso mostra a enorme e crescente demanda para a anulação da variabilidade

time inferior. Segundo a Federal Aviation Administration, a automação dos aviões está se tonando perigosamente confortável, pois desestimula o sentimento de desafio dos pilotos.

Um pouco de veneno pode fazer bem Uma dose pequena de uma substância nociva pode ser benéfica ao organismo, agindo como um medicamento. Isso tem o nome de Hormese. Plantas se protegem dos danos e afastam os predadores com substâncias tóxicas que, se ingeridas por nós, nas quantidades certas, podem estimular nossa saúde. Outra: cientistas afirmam que a restrição calórica (permanente ou episódica) ativa reações saudáveis e mudanças que, dentre outros benefícios, prolongam a expectativa de vida em animais em laboratório. Eis o desconforto: a ausência da fome pode nos fazer viver menos do que nosso potencial completo. Pessoas infelizes com “o que estão fazendo” têm uma certa idealização do trabalho. Buscam uma oportunidade que dê mais tempo livre, onde possam fazer aquilo que amam, com o mínimo desconforto. Nos mais jovens, sua autoestima exagerada não os faz conseguir lidar com as frustrações do mundo real. Querem ser felizes sem lavar a louça. O empreendedorismo seria um bom caminho para mostrar o desconforto da realidade. Mas o ato de empreender também foi glamourizado. Pareceria um caminho complacente, onde a ideia vale mais que o esforço. Os negócios poderiam ser escambos simbólicos, que neutralizariam a rudeza do mercado com um pozinho mágico do bem. O empreendedorismo deveria ser uma matéria fundamental nas escolas. Vivenciar as dores e as incertezas de um negócio próprio ensinaria que errar é uma frustração necessária para entender sua posição no mundo. Para que se possa, realmente, arrumar as coisas e ajudar pessoas. *Edgar Powarczuk (www.ezuk.com.br) é mentor de starters e empreendedores

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JULIO RIBEIRO 24 | AD 175


GRANDES NOMES

O criativo mestre do planejamento

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m 1958, o mercado publicitário no Brasil não era nenhuma Brastemp. Um jovem de 25 anos, recém-formado em Direito pela Universidade de São Paulo, tendo cursado também Ciências Sociais, ingressou na McCann e se desdobrava para tocar ainda um escritório de advocacia em frente à agência. Seis décadas depois, o paulistano continua na ativa, aos 84 anos, em sua empresa de planejamento batizada sob as iniciais JRP. Mesmo avesso a holofotes, Julio Ribeiro é uma das marcas mais preciosas da publicidade brasileira. É um dos responsáveis pela profissionalização da atividade no Brasil e por campanhas consagradas no imaginário popular em bordões como “Bonita camisa, Fernandinho” (para a USTOP), “Não é uma Brastemp” e “Pergunta no posto Ipiranga”. O berço dessas inesquecíveis frases é a Talent, da qual Julio Ribeiro foi fundador e, por mais de três décadas, presidente. Ao lançar a agência, em 1980, consolidou-se no mercado como referência na área de planejamento – como base, e não limitador da criatividade. Conduzidas com o rigor da gestão responsável, as normas éticas da Talent recusavam campanhas para o cigarro, as bebidas destiladas e o governo – "os três fazem mal à saúde", repete Julio, às gargalhadas. Em entrevista a Sonia Racy, do Estadão, em junho de 2012, complementou: "No que diz respeito à política, sigo um lema: Quem dorme com cachorro acorda com pulga”. O primeiro cliente da Talent foi a Grendene. Ao conhecer a fábrica no Rio Grande do Sul, ouviu do proprietário: “Estou começando a fazer tênis, porque as sandálias de plástico venderam bem enquanto estiveram na moda, mas, ago-

ra, não vendem nada”. Ao pesquisar a reação das pessoas, Julio concluiu que, tampouco seriam vendidas se a sandália fosse redesenhada e o preço baixado pela metade. O problema não estava no produto e, sim, no preconceito de que "sapato de plástico era coisa de pobre". De forma didática, e bem humorada, Julio disse a Alexandre Grendene: “Existem duas verdades: a primeira é o que os olhos veem; a segunda, a tela da TV Globo”. Acrescentou que, se ele colocasse as melissas nos pés das protagonistas das novelas, ninguém mais acharia que "eram sapato de faxineira". Ao aceitar a proposta, a Grendene se tornou em dois anos o maior fabricante de calçados plásticos do mundo. Ao longo de três décadas, outros cases de sucesso fortaleceram o patrimônio da Talent, até os sócios perceberem o momento de vender a empresa, a partir de uma conclusão objetiva: "Meus sócios disseram que eu estava ficando velho e que, se eu morresse, a empresa passaria a valer 10% do que vale". Em 2010, em um dos maiores negócios da história da publicidade brasileira, especulado em US$ 110 milhões, a Talent vendeu 49% do seu controle ao grupo francês Publicis. Em dezembro de 2014, Julio afastou-se da função de CEO para lançar a JRP - Julio Ribeiro Planejamento de Empresas, uma consultoria de gestão e relações corporativas com o foco em valorizar a interação afetiva dentro e fora do ambiente corporativo. A empresa foi criada num momento dramático para o Brasil. O Valor Econômico retratou a rotina de Julio e a criação de seu novo projeto, em 1º de julho de 2015: "A bordo de seu helicóptero Augusta, acompanhado do piloto Marco Antonio Augusto Infante, vai

prospectando clientes pelo país. Desde que despediu-se da função de chairman da agência Talent em 31 de dezembro, Ribeiro está construindo uma empresa de planejamento estratégico com um foco inusitado. Em meio à retração da economia e diante da pressão do mercado para flexibilizar as leis trabalhistas, ele defende que só a afetividade fará as companhias crescerem". As crises financeiras são cíclicas, ele bem soube em seis décadas de profissão. Foi a necessidade de superar a maior delas – não agora, mas no distante 1975 – que reforçou nele a consciência do valor de planejar. O colapso nas contas na sua primeira agência própria, a JRM – Julio Ribeiro Mihanovich Propaganda, que fundou em 1967 com o amigo Armando Mihanovich depois de ter passado por Denison e Alcântara Machado. "Tive uma agência de propaganda que quase faliu, e jurei que nunca mais passaria por aquilo", contou à revista Brasileiros, em fevereiro de 2015. Ele havia se dado conta de que, apesar de terem bons clientes e Armando ser "um ótimo criador", estavam cheios de dívidas porque faltava aprenderem a administrar. Julio escreveu para a melhor agência do mundo na época, a de Carl Ally, para sondar a possibilidade de com a sua equipe de criação passar uma semana na empresa, em Nova York. A viagem e a aproximação com o estrangeiro abriram uma oportunidade. O americano tinha a conta da Fiat nos Estados Unidos. Julio sabia que a montadora estava vindo para o Brasil. Propôs-lhe que, se conseguisse fazer com que ele fosse a Turim, para apresentar o mercado automobilístico brasileiro, e da Itália voltasse com a conta da Fiat

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no Brasil, daria ao americano um percentual generoso. Julio contou que, quando fez a apresentação na Itália, “aprendeu” italiano em uma noite. Havia preparado os textos em inglês. Ao saber que este idioma era ignorado por um dos diretores, pediu a um professor que traduzisse o texto, e o decorou durante a noite. "No dia seguinte, ganhei a conta da Fiat no Brasil", contou. Como a situação financeira da JRM era ruim, procurou a MPM, então a maior agência do Brasil, e propôs uma parceria para viabilizar a campanha do Fiat 147. "Fiquei ao lado da MPM por dois anos, mas jurei que nunca mais passaria por esse problema. Foi então que aprendi o quanto era importante fazer uma administração cada vez mais séria da agência", resumiu. Ao construir a sua próxima agência, a duradoura Talent, os alicerces de gestão foram outros. Tanto que, quando resolveu vendê-la para a Publicis, os compradores ficaram impressionados, e incrédulos, porque não havia um centavo de dívida. "A Talent era uma empresa à prova de auditoria", costuma dizer. "Todo fim de ano distribuíamos 20% dos lucros para os funcionários. Não sofríamos nem com inadimplência, nossos clientes eram todos pontuais. Os funcionários estavam satisfeitos, não tínhamos nenhum cliente em atraso e ainda havia um fundo de US$ 10 milhões no banco. Foi então que as ofertas começaram a subir e vendi a Talent muito bem." O aprendizado, desde as técnicas de criação até a gestão, lapidado em estudos como o de Creativity in Business, na New York University, e Business Management, na Harvard Business School, é compartilhado em livros sobre técnicas de publicidade e marketing: Tudo o que você queria saber sobre propaganda e ninguém teve paciência para explicar, Fazer acontecer, que se tornou título permanente da bibliografia dos cursos de propaganda, marketing e administração e foi reeditado em 2010 como Fazer Acontecer.com. br, Marketing de atitude e Dá para consertar? Em Marketing de Atitude – Como Fazer Suas Equipes e Seus Clientes Gostarem de Você, Julio demonstra o valor de criar "links afetivos" entre o profissional e a empresa. "As pessoas passam o horário nobre de suas vidas no escritório", observou. "Imagina: o funcionário tem um dia a dia horrível, chega em casa dizendo 'eu vou acabar pedindo demissão' ou 'eu não aguento mais aquele lugar, aquelas pessoas' e ouve da mulher que ele tem de pensar nas contas, na escola das crianças… Uma pessoa que vive assim não consegue brincar com os filhos, com o cachorro, não consegue ser atencioso com a esposa. Porque não existe a cabine do super-homem. Agora, quando você trabalha numa empresa em que as pessoas gostam de você, te respeitam, fica tudo mais fácil. São vantagens que mudam uma companhia." De perfil mais low profile, comparado a outros grandes da propaganda, chegou a declinar convite para ser jurado em Cannes. Assim como prega em seus textos, busca a harmonia entre a vida pessoal e a profissional. Um duro golpe foi a perda do mais velho de seus três filhos, o também publicitário Rubens César Ribeiro, 50 anos, atropelado por uma moto na 9 de Julho, no Jardim Paulista, em agosto de 2011. Julio diz que hoje fica mais com a família, cultiva mais os

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No imaginário popular: Julio Ribeiro esteve à frente de campanhas consagradas com bordões como “Bonita camisa, Fernandinho” (para a USTOP), “Não é uma Brastemp” e “Pergunta no posto Ipiranga”.

laços, além das paixões da pintura, a que voltou a se dedicar, e do estudo do piano e do jazz, estilo com que se identifica pelo gosto do improviso. "Eu me casei com a primeira namorada. Tive filhos, netos, escrevo meus livros, gosto do que faço", afirmou na entrevista a Sonia Racy, em 2012. "Acho que tudo pode conviver, sim, em harmonia. Mas depende, claro, de você. Tem gente que está no paraíso e reclama da qualidade das toalhas."


OPINIÃO

Ideias que valem ouro

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este ano que foi tão complicado para a indústria da comunicação, alguns trabalhos me inspiraram e me fizeram acreditar que uma boa ideia deve se sobrepor a qualquer novidade tecnológica ou digital que, porventura, se gabe de ser o último grande grito do mundo da publicidade. Entre os que foram mais marcantes para mim, em 2016, cito o case do banco holandês ING, que patrocinou a criação de uma nova pintura de Rembrandt, 347 anos após a sua morte, a proposta indecorosa e genial do Burger King para seu mega-rival McDonald’s para criarem o McWhopper, a iniciativa da rede de lojas de artigos esportivos outdoor REI de fechar suas lojas no Black Friday (e repetirem a dose este ano) e a campanha “Espelhos do Racismo”, da gaúcha W3Haus, vencedora de 2 Leões de Cannes. Eu estava lá, no anúncio dos prêmios da categoria Outdoor, na Press Conference do Cannes Lions 2016, e os comentários de jornalistas do mundo inteiro eram que este case foi um dos mais relevantes e com melhor uso da tecnologia de dados. Para entender um pouco mais sobre este case, entrevistei o criativo por trás da ideia, o Moacir Netto, o Moa. Vamos à entrevista: 1) Moa, este ano a W3Haus se superou no quesito prêmios, com destaque absoluto para o case “Espelhos do Racismo”, que faturou diversos prêmios pelo mundo, incluindo 2 inéditos Leões de Cannes, para a agência. Este sucesso todo já era esperado, na idealização da campanha?

A intenção da campanha sempre foi ter uma ampla repercussão para colocar um holofote sobre o racismo virtual no Brasil. Nós planejamos cada uma das 3 grandes ondas de reverberação na imprensa da campanha. A primeira com o lançamento dos primeiros outdoors, a segunda com um evento para a imprensa na semana da consciência negra e a terceira com a participação de um dos autores de posts racistas. Posso dizer que esperávamos sucesso sim, mas o fato da campanha ganhar o mundo e ter 4,39 bilhões de impressões, principalmente nos EUA e na Europa nos surpreendeu, pois o investimento dela era baixo para um retorno de 48 milhões de dólares em mídia espontânea. Eu acho que o bom desempenho em premiações acaba sendo um reflexo dessa onda que a campanha gerou, fazendo as pessoas refletirem sobre o racismo virtual e reverem seus comportamentos. 2) Nos fala um pouco como se deu o start da ideia. Como foi o insight? Na semana em que ocorreram os ataques à Maju, o Brasil inteiro só falava disso. Aquilo me incomodava profundamente, pois a cultura digital estava sendo usada de forma prejudicial, os racistas se escondiam atrás do anonimato da tela e faziam ofensas puramente pelo incômodo com o sucesso de uma mulher negra. A W3haus tem um histórico social de campanhas como o Causa Brasil, quando criou um site que monitorava o que as pessoas diziam nas redes sobre as manifestações políticas de junho de 2013 e traduzia as principais demandas do povo em tempo real. Nesse caso do racismo, o meio digital estava sendo usado para o mal e a gente precisava fazer alguma

Alberto Meneghetti

coisa. Lembro que na época tinha um quadro no CQC em que um repórter confrontava na rua autores de posts homofóbicos, machistas etc… aquilo me marcou bastante, era uma quebra ao anonimato virtual. Então o que fizemos foi usar um formato clássico de propaganda para confrontar o anonimato racista, achei que transformar simples posts em outdoors escancarados perto de onde o autor morava teria um impacto ainda maior que o quadro do CQC. Também pensamos em outros caminhos mas achamos esse o de maior potencial de gerar conversas. Na execução, tomamos cuidado de não mostrar o rosto nem a identidade dos autores racistas, a ideia não era promover uma caça às bruxas, mas sim fazer todos ali refletirem sobre o quão perto da gente o racismo está. O pessoal da criação fez as pesquisas braçais da origem dos posts até o roteiro do documentário, a turma da mídia negociou muito bem os espaços, a produção viabilizou as impressões e filmagens, o atendimento orquestrou o processo, os sócios acreditaram e apoiaram muito, a diretora Lívia Gama, que trouxe muita sensibilidade pro projeto e, principalmente, a Ong Criola aprovou instantaneamente a ideia com uma coragem e uma força incríveis. Na minha visão o grande mérito disso tudo é do cliente, que teve coragem e disposição para bancar uma ideia ousada assim, num tema que ele sabe que é delicado e que mexe com questões culturais sensíveis no mundo inteiro.

*Alberto Meneghetti é jornalista

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GALERIA

Da agência de três talentosos compositores, nasceu a bem-sucedida vinheta de fim de ano

E

ra um novo dia de um novo tempo que começou, e a TV Globo encomendou um jingle para veicular no final do ano, com os atores das novelas e outros artistas da emissora cantando, ou dublando um coro. A missão foi destinada à Aquarius. À frente da agência publicitária, estavam dois irmãos celebrados pela bossa-nova, Marcos e Paulo Sérgio Valle, e outro talentoso compositor, Nelson Motta, talvez hoje mais conhecido como escritor, colunista de O Globo e autor de reportagens biográficas de grandes nomes da música. Os três haviam fundado a empresa em sociedade com o então presidente da Philips, André Midani, como lembraria à Revista Trip, em 2011, Marco Valle, autor de sucessos como Samba de Verão (1964). Em vez de uma atração passageira, conceberam uma canção que resistiu a uma época generosa em acentos cir-

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Hoje é um novo dia / De um novo tempo que começou / Nesses novos dias, as alegrias / Serão de todos, é só querer / Todos os nossos sonhos serão verdade / O futuro já começou Hoje a festa é sua / Hoje a festa é nossa / É de quem quiser / Quem vier / A festa é sua / Hoje a festa é nossa / É de quem quiser / Quem vier...

cunflexos, como os exibidos em "Um nôvo tempo" e "Rêde Globo" na capa e no verso do disco compacto lançado em 1971 pela Som Livre. Nos estúdios da gravadora, no Rio de Janeiro, a música foi gravada com a regência de Hugo Bellard. O maestro arranjador, que também trabalhava para a Aquarius, assim como para a Zurana (empresa de jingles mais ligada a Paulo Sergio Valle), se inspirou em Burt Bacharach, particularmente em What The World Needs is Love. A música também resistiu a insinuações de que seria uma ode à ditadura militar, ao mencionar Nesses novos dias, as alegrias / Serão de todos, é só querer. Quarenta e cinco anos depois do seu lançamento, a presença da vinheta na televisão nas semanas anteriores ao Natal é mais confirmada do que a troca de presentes na ceia.


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