GRUPO RBS. 60 ANOS DE VIDA. OU MELHOR: 60 ANOS DE VIDAS.
Quando Maurício Sirotsky Sobrinho ouviu pela primeira vez sua voz ecoar por um alto-falante em um poste de uma praça de Passo Fundo, nem de longe poderia imaginar que ali se iniciava a história da RBS. Maurício sonhava grande e, há 60 anos, provavelmente pensava em mudar o mundo, a partir da vocação que movia todos os seus passos: a comunicação. Assim como ele, todo jornalista, todo comunicador, deseja mudar o mundo. Mas, com o tempo, a gente compreende que a nossa função não é mudar o mundo: é contar como o mundo muda. O Grupo RBS tem feito isso, nessas seis últimas décadas. Cada pequeno recorte de história no Rio Grande do Sul foi, de alguma maneira, registrado, sentido, relatado pela RBS. Cada gaúcho que, em algum momento, parou para ver, ouvir ou ler o que a RBS produzia não estava vendo, ouvindo e lendo a RBS: estava vendo, ouvindo e lendo sobre si mesmo. Ao cumprir esta missão, ao informar, entreter e mostrar ao público o que está acontecendo em sua comunidade, a RBS foi mais do que agente de mudança. Contribuiu para que as pessoas mudassem o mundo. A vida mudou e continua mudando. Estamos sempre em evolução. A RBS vai estar atenta, disposta a ver, ouvir e refletir essa mudança. Sempre junto das pessoas. Compartilhando experiências. Aprendendo com elas. Transformando-se. Essa é a nossa essência. O Grupo RBS existe para conectar os gaúchos e para contribuir com uma vida melhor. Nunca nos sentimos tão interligados. Temos muito assunto para pensar juntos. Temos muita coisa para viver juntos. É por isso que a RBS não está comemorando 60 anos de vida. Está celebrando 60 anos de vidas.
ALMANAQUE
Sujismundo ensina bons hábitos
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á 45 anos nascia um dos personagens da publicidade brasileira que atraiu grande simpatia popular: Sujismundo. O boneco, criado pelo publicitário Ruy Perotti Barbosa, era o protagonista da campanha “Povo desenvolvido é povo limpo”, patrocinada pelo governo federal com o objetivo de melhorar os hábitos de higiene e limpeza dos brasileiros. Sujismundo não tomava banho, vivia rodeado de moscas e jogava lixo no chão. Nos comerciais, em animação, ele mostrava seus maus hábitos e acabava punido. Produzido pela Lynxfilm, o personagem foi ao ar em setembro de 1972, em filmes de 60 e 90 segundos de duração, exibidos na TV e no cinema. Sujismundo chegou a ter tiras diárias em jornais e, posteriormente, uma revista própria que misturava quadrinhos e passatempos em 1977.Tornou-se tão popular que acabou gerando polêmicas sobre a sua eficiência: sendo irresistivelmente simpático, não estaria ele incentivando a sujeira ao invés de combatê-la em favor da limpeza? Esta dúvida foi esclarecida com pesquisas em diversas escolas e empresas. Constatou-se que todos simpatizavam com o Sujismundo mas ninguém queria ser como ele. Funcionando como uma “carapuça”, virou tema de gozação entre as pessoas que procuravam identificar, entre os colegas, conhecidos e familiares, os verdadeiros “sujismundos”.
O VENDEDOR DE ILUSÕES The Hucksters (O Vendedor de Ilusões, na versão brasileira) é um filme de 1947 da Metro-Goldwyn-Mayer, dirigido por Jack Conway e estrelado por Clark Gable que marcou a estreia de Deborah Kerr em um filme americano. Gable interpreta Vic Norman, um executivo de publicidade de rádio que acabou de retornar da Segunda Guerra Mundial. Suas experiências de guerra o amarguraram sobre aspectos falsos de sua profissão. No entanto, ele precisa trabalha com a maior agência de publicidade da cidade, enquanto divide suas atenções entre clientes e os seus interesses amorosos.O filme é baseado na novela The Hucksters, de Frederic E. Wakeman, e mostra um olhar cômico da indústria publicitária de Nova York.
Dito
“Simplicidade é o último grau de sofisticação.” Leonardo da Vinci (1452 - 1519)
“Se você não consegue explicar algo para uma criança de seis anos, você mesmo não entendeu o suficiente.”” Albert Einstein (1879 - 1955)
“Somente um tolo aprende de seus próprios erros. O sábio aprende dos erros dos outros.” Otto von Bismarck (1815 - 1898)
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SUMÁRIO
Sumário
Diretora-Executiva NELCI GUADAGNIN
RUA SALDANHA MARINHO, 82 PORTO ALEGRE - RS CEP 90160-240 FONE/FAX (51) 3231 8181
Textos: MARCELO BELEDELI
www.revistapress.com.br comercial@revistapress.com.br
Diagramação/ Arte Final ESPARTA PROPAGANDA
Comercialização PORTO ALEGRE: (51) 3231 8181 e (51) 99971 5805 com NELCI GUADAGNIN
Diretor-Geral JULIO RIBEIRO
Imagens: Fotografia: Agência Preview Assinaturas atendimentoad@terra.com.br Impressão COMUNICAÇÃO IMPRESSA
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PRESS e ADVERTISING SÃO PUBLICAÇÕES MENSAIS DA ATHOS EDITORA, COM CIRCULAÇÃO NACIONAL, SOBRE OS MERCADOS DE COMUNICAÇÃO E IMPRENSA BRASILEIROS. OS ARTIGOS ASSINADOS E OPINIÕES EMITIDAS POR FONTES NÃO REPRESENTAM, NECESSARIAMENTE, O PENSAMENTO
DA REVISTA.
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Almanaque
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Opinião: Marcelo Beledeli
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Entrevista: Edgar Powarczuk
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Opinião: José Cesar Martins
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Capa: Publicidade em transição
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Fast Foward: Alberto Meneghetti
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Grandes Nomes: Leni Riefenstahl
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Galeria: Publicidade na Segunda Guerra Mundial
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Investimento on-line cresce no Brasil A pesquisa Digital News Report 2017, do Reuters Institute, apontou que o investimento em publicidade on-line no Brasil, em 2016, aumentou 26% quando comparado a 2015, impulsionado por um aumento de 115% nos fundos gastos em comerciais de vídeos na internet (segundo dados do IAB
Publicidade gratuita de Trump pode valer US$ 2 bilhões para o Twitter Donald Trump é responsável por quase um quinto do valor de mercado do Twitter, segundo uma análise divulgada pela Bloomberg. Desde que assumiu a Presidência, em janeiro, Trump tem usado a rede social regularmente, publicando comentários, críticas a adversários e até mesmo decisões políticas
do seu governo. O uso quase diário pelo presidente faz com que a empresa seja citada regularmente por toda a imprensa dos Estados Unidos e do resto do mundo. Segundo o levantamento, a empresa perderia o equivalente a US$ 2 bilhões do seu valor, caso o presidente parasse de usar a rede social.
Brasil e da comScore). Os bloqueadores de anúncios são um problema menor para o mercado de publicidade digital brasileira em comparação com outros países. A pesquisa mostra que os bloqueadores de anúncios foram instalados em apenas 8% dos smartphones brasileiros.
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Empresas que vendem produtos e serviços para crianças registraram queda de 13% na receita a partir de proibição da publicidade infantil, segundo pesquisa divulgada hoje (25) pelo The Economist Intelligence Unit, feita a pedido do Instituto Alana, organização sem fins lucrativos voltada à garantia da vivência plena da infância. O estudo mostra que o impacto econômico atingiu o varejo, composto por restaurantes fast food, alimentos vendidos em supermercados, bebidas não-alcoólicas, brinquedos, roupas infantis, jogos, música, vídeo e ingresso. A Associação Brasileira de Agências de Publicidade estima redução de 5% de participação da publicidade infantil no mercado do setor.
OPINIÃO
Desafios da publicidade on-line
Não existe almoço grátis. O problema com a tecnologia digital, porém, é que, durante muito tempo, fomos encorajados a acreditar que essa lei havia sido suspensa. Nos acostumamos a pensar que enviar emails, usar a nuvem para armazenar nossas fotografias digitais, navegar na web, baixar podcasts, assistir gatinhos no YouTube, pesquisar na Wikipedia e verificar nossos feeds de notícias do Facebook, entre outras atividades, eram todas de graça. Bem, elas são, mas até um certo ponto. Muitos já perceberam que, se o serviço for gratuito, nós somos o produto. Ou, em vez disso, nossos dados pessoais e as trilhas digitais que deixamos na web são o produto. Os dados são coletados, cortados e vendidos aos anunciantes em um sistema vasto, oculto e totalmente não regulamentado de leilões informatizados de alta velocidade que asseguram que cada usuário pode ser exposto a anúncios que correspondem precisamente aos seus interesses e dados demográficos. Bem-vindo ao mundo do "capitalismo de vigilância". Ainda assim, considere os benefícios para anunciantes. Uma vez, a
publicidade era como um bombardeio à distância. Você pagava muito dinheiro para colocar anúncios em jornais e revistas ou na televisão e outdoors, mas nunca poderia ter certeza do que funcionou. Como o magnata da loja de departamentos norte-americana, John Wanamaker, disse uma vez: "Metade do dinheiro gasto na propaganda é desperdiçada. O problema é que eu não sei qual metade". Mas, quando o Google e o Facebook chegaram, tudo isso aparentemente mudou. A tecnologia implementada por essas mídias poderia garantir que apenas as pessoas que fossem receptivas a algumas mensagens particulares as receberiam. Os “Wanamakers” podiam ter certeza de que suas verbas publicitárias estavam atingindo o local. E nesta base, o Google e o Facebook (e, por um tempo, o Yahoo) ganharam muito dinheiro. E assim, as verbas dos anunciantes, desviadas da mídia impressa e da TV, entraram em cascata nos cofres do Google e companhia. Chegou ao ponto em que, de acordo com o que Financial Times publicou no início do ano, 2017 deve ser o ano em que os anunciantes gastarão mais com anúncios on-line do que na TV. Tudo tranquilo e favorável, então? Nem tanto. Acontece que a indústria de publicidade está começando a perceber uma cilada nesse paraíso de alta tecnologia. Em janeiro, o chefe da Procter & Gamble, Marc Pritchard, disse: "Observamos um aumento exponencial em
MARCELO BELEDELI beledelimarcelo@gmail.com
... porcarias. Muitas vezes o resultado tem sido uma publicidade mais preguiçosa acompanhada de experiências de visualização ainda mais horríveis... é de se admirar que os bloqueadores de anúncios estão crescendo 40%? " Mas o crescimento exponencial da porcaria não é o maior problema, disse ele. Muito mais preocupante foi o retorno do problema de Wanamaker: quantas pessoas realmente estão vendo esses anúncios? Eventualmente, as pessoas vão perguntar: qual é a taxa de retorno da publicidade on-line? Quem se beneficia desse sistema de leilões vasto, opaco, não regulamentado, não monitorado e, em última instância, hostil ao usuário? Parte da resposta pode ser vislumbrada nos preços das ações do Google e do Facebook. Mas, principalmente, é encontrada nos lucros dos data brokers, dos rastreadores e de outras criaturas corporativas que espreitam nas sombras lançadas pelos gigantes da internet. Marcelo Beledeli é jornalista
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Os maiores anunciantes do primeiro semestre De acordo com informações da Kantar Ibope Media, os veículos monitorados pela empresa receberam mais de 40 mil anunciantes no seis primeiros meses de 2017. A Hypermarcas movimentou o equivalente a 3% do total no período e, pela primeira vez, ocupou a liderança no ranking. O empresa de produtos farmacêuticos acumulou o equivalente a R$ 1.59 bilhão em compra de espaço publicitário, valor 102% superior ao registrado na primeira metade do ano em 2016, quando ocupava a 6ª posição no ranking.
Patrocinadores fogem de clubes de futebol Dos quase R$ 130 bilhões investidos pelo setor publicitário no País em 2016, apenas 0,4% (ou R$ 550 milhões) foram aplicados diretamente em times de futebol, sem contar os aportes em televisão e nos torneios. Isso significa que os clubes não conseguem obter parcela significativa do fabuloso mercado da publicidade na indústria esportiva. Os dados integram levantamento realizado pelo Itaú BBA (sistema de análise de crédito). A fatia abocanhada pelos clubes brasileiros chama atenção quando são levados em conta os números dos times de outras grandes ligas mundiais. Na França, 2,7% de todo o dinheiro investido pelo setor publicitário em 2016 estava nas agremiações. Na Inglaterra e Alemanha, esta taxa foi de aproximadamente 5%. Os contratos de publicidade dos clubes italianos representam quase 8% de tudo que foi movimentado pelo setor. Na Espanha, a proporção chega a surpreendentes 16,6%.
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Veja o top 10 de anunciantes no Brasil: 1º – Hypermarcas 2º – Genomma 3º – Unilever Brasil 4º – Ambev 5º – Procter e Gamble 6º – Ultrafarma 7º – Trivago 8º – Divcom Pharma Nordeste 9º – Caixa 10º – Claro Valor gasto em anúncios cresce Ainda segundo o relatório da Kantar Ibope Mídia, a compra de espaço publicitário nos meios e veículos monitorados pela empresa alcançou o equivalente a R$ 61.9 bilhões, montante 2% superior ao registrado no mesmo período do ano anterior. 55,5% de todo o investimento publicitário foi feito na TV aberta.
A SEMrush, empresa de marketing digital, fez um levantamento através das ferramentas de busca na internet para identificar as palavras-chaves mais caras e que tornam o tráfego mais relevante para empresas que pretendem investir em campanhas no Google Adwords ou em anúncios pagos na internet.
CONFIRA A LISTA DE PALAVRAS-CHAVE MAIS CARAS NO BRASIL: 1º - lei de franquia US$ 179,55 2º - umbunto US$ 112,33 3º - nuvem negra US$ 107,47 4º - mydlink log in US$ 102,89 5º - web app fut US$ 81,52
ENTREVISTA
EDGAR POWARCZUK
"Precisamos aprender a viver onlife - estar ligado, mas, ao mesmo tempo, vivendo" Edgar Powarczuk é jornalista por formação, trabalhou com marketing e estudou Administração, mas foi na Filosofia que tirou as ideias para desenvolver seu método de trabalho atual. À frente da Ezuk, ele é especializado no desenvolvimento de empreendedores, por meio de técnicas de coaching e mentoring. Nesta entrevista, Zuk, como é conhecido, fala sobre empreendedorismo e a importância da solidão e do fracasso para se obter o sucesso, entre outros temas.
Quem é o Zuk? Jornalista, profissional de marketing? Mentor? Eu tenho 57 anos, fiz agora em agosto. Comecei como jornalista no saudoso "O Repórter", em Guaíba, como estagiário, e, duas semanas depois, o editor saiu e eu fiquei como editor. E aí eu fazia e turnê clássica do jornalismo do interior: tu vai no hospital, na delegacia e na prefeitura. E ali eu descobri que eu não queria ser jornalista. Não de redação, pelo menos. Porque naquela época o maior número de acidentes com mortes era naquele trecho, e ainda é, entre Eldorado do Sul e Guaíba. E morria gente ali toda semana. E eu tinha que ir lá cobrir junto com o fotógrafo, porque isso era capa de jornal sempre, para vender, né?! Essa profissão não é para mim. E aí a oportunidade que eu tive na RBS, eu comecei com o Heitor Kramer, diretor de Marketing da RBS. Ali eu comecei a tomar um prumo mais para o lado do marketing e aí fiz várias especializações nessa área até chegar na administração, e aí fiz um mestrado acadêmico em administração na Ufrgs e que me levou para essa área do empreendedorismo. Por
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trabalhar muito tempo no Sebrae, eu convivi muito com pequenos negócios iniciantes, com o empreendedor. Mas tu trabalhas, já há um bom tempo, como empreendedor... Eu fui trabalhar na XP, como empreendedor, com uns caras malucos. Só jovens e tudo nerd. Tudo pilhado e com alta tecnologia. E ali eu comecei a me aproximar da tecnologia, que é outra questão que me interessa muito. Mas, não a tecnologia pela tecnologia, mas o impacto que a tecnologia causa na gente enquanto humanos e, claro, enquanto pessoa física e jurídica. E meu trabalho, também, foi se desenvolvendo na parte mais emocional do empreendedor. Com o tempo de consultoria e lidando com empreendedores, eu fui vendo que 80% do problema do cara é a cabeça. E aí fui me especializar. PNL, coaching e etc. para tentar entender como me aproximar melhor do CPF do empreendedor. E aí o meu trabalho é, se eu pudesse resumir, psicanalista de empreendedor. Alguém a quem empreendedores recorrem para falar de seu mundo e suas di-
ficuldades — tá vendo aquela caixa de lenços de papel ali? É uma caixa por semana. Os caras vêm aqui e choram mesmo, porque não têm com quem desabafar. O empreendedorismo é uma coisa meio solitária? Completamente. Se tu vais compartilhar teu problema com a tua mulher (ou marido), vais ouvir "relaxa, vamos fazer uma viagem". Se tu vais compartilhar com teu sócio, teu sócio tem um interesse. Vais compartilhar com teu advogado, ele tem um interesse. Com um amigo, o amigo tem outro. O meu interesse é resolver o teu problema. E, às vezes, o problema é que o resultado não vem na dimensão e nem no tempo que se espera... Os caras chegam aqui com uma visão do negócio que eu chamo assim de um "farol baixo", porque a atividade do empreendedor precisa ser de resolver problemas, um atrás do outro, que o farol acaba baixando. Os caras não conseguem enxergar um quilômetro à frente, mas isso dentro dele, ele como pessoa. Ele não consegue enxergar os seus
Entrevista: Julio Ribeiro Fotos: Marcos Nagelstein
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ENTREVISTA relacionamentos, a vida dele se transforma naquilo ali. O meu trabalho é tentar fazer o sujeito levantar o farol um pouquinho. Às vezes, ele chega com um problema A, e a gente descobre que é B. O que tem de gente fazendo coaching, mentoring, atualmente, é um troço impressionante. Tem até curso para ser mentoring... Tem vários cursos para ser mentoring. Tem uma rede de produção, então os caras cospem aí 200 coachings por mês, eu acho, no Rio Grande do Sul. Não sei o número, mas é em escala. E não se dão conta do seguinte: o coaching é um método, é uma prática. Por exemplo, se tu és um nutricionista, o coaching vai te ajudar e entender melhor o problema do teu paciente, para então exerceres a tua atividade profissional, que é adaptar a melhor alimentação para o teu cliente. O coaching é uma ferramenta de uso para algo que tu já dominas. Agora, quando tu faz o coaching pelo coaching... Eu vou ficar no que eu chamo de "o céu é azul", eu vou simplesmente falar num tom mais aveludado ou um pouco mais motivador e dizer obviedades. Se tu tens uma profissão, uma competência, o coaching vai te ajudar, como técnica, a potencializar tua competência. Um médico, nutricionista, engenheiro, jornalista, o coaching vai te ajudar a aperfeiçoar tua técnica num sentido muito objetivo que é poder extrair um pouco mais de informações da tua interlocução, porque o coaching não é nada mais do que uma técnica de enunciação, de fazer perguntas, um método socrático. São perguntas através de observações que tu vais recolhendo informações para ter a condição de um entendimento melhor do que tu podes resolver do problema do cara, dentro de uma competência que ele já tem. Agora, o que está
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acontecendo é o seguinte: o cara não tem nada para fazer, tá desempregado, não tem um projeto, uma competência específica, e aí vai fazer coaching para dar coaching. E aí acabou se formando uma bolha de caras que dão coaching pelo coaching. Como o cara não tem uma formação, fica tratando de obviedades, mas com uma tonalidade, uma verbalização, que, na verdade, é rasteira, rasa. Isso não tem a ver também com a capacidade das pessoas de não querer dar mergulhos mais profundos? A questão do pensamento raso é uma coisa. Mas, tem uma questão antes dessa: as pessoas querem ser ouvidas. Por isso as pessoas pagam o coaching, porque elas querem alguém que as ouça. Hoje nós vivemos numa sociedade em que tu tá falando com alguém e sentes que a outra pessoa só está esperando tu parares para ela falar o que a ela interessa. São interlocuções independentes. Não há empatia, muito menos a alteridade. Então, esse é um primeiro aspecto que já leva muitas pessoas a procurarem um profissional assim. Aí, claro, há uma demanda, que quer ser ouvida, se tu ouvires com qualidade essas questões e devolveres de uma maneira, minimante, articulada e razoável algum feedback, isso já ajuda a pessoa. Ok. Como uma terapia também ajudaria. O coaching trabalha numa forma mais superficial, menos profunda. Ele resolve problemas que não são traumáticos, resolve problemas de crenças. Crenças que acabam sendo limitantes para as pessoas. Eu não gosto de ser chamado de coaching e não me apresento como coaching. Eu uso o coaching como uma técnica. Eu sou um mentor. O que significa o mentor? Não existe universidade para mentor, não existe curso para mentoria. Eu não
acredito nisso. Porque mentoria tu tens que ter barba branca, experiência, rodagem. Porque o cara se apresenta na tua frente com um problema e tu tens que, de alguma forma, ter tido alguma experiência parecida para dizer "olha, eu tive um tipo de experiência assim, ou conheço um cara, tratei de uma experiência assim". Eu preciso dar um norte para o sujeito. Há uma grande diferença no trabalho de mentoria. A mentoria iniciou nos Estados Unidos, é clássica lá, dos caras que prestam consultoria pro bono, sem remuneração, profissionais já aposentados, na maioria das vezes, para orientação de jovens em suas carreiras. Seria quase uma consultoria sênior? É quase como uma consultoria sênior. Para jovens usar em suas carreiras. Só que começou a haver um crescimento de jovens não querendo mais carreira, mas querendo ser empresários, empreendedores. Falamos do Vale do Silício, o mais notável. Esse jovens, despreparados, ainda sem experiência de vida, foram buscar mentores para aconselhá-los. Esse mentores, que antes orientavam carreiras, tiveram que se adaptar, adequar, para tratar de jovens agora querendo ser empreendedores. Então, a minha carreira aqui no Brasil é relativamente nova, orientando jovens. Mas também não oriento só jovens, oriento os híbridos que eu falo, caras que viveram a vida antes do celular, da internet e do computador - são as três grandes revoluções. Nós somos muito hedonistas, né?! Essa conclusão de que precisamos beber na experiência alheia é uma coisa meio rara. A demanda é boa, mas eu volto para aquele ponto do não profundo. Vivemos um contexto em que
a não profundidade reina, veja o Instagram. A gente já tinha o Facebook que foi um empacotamento do conteúdo e agora nós temos o Instagram, que é o empacotamento do empacotamento. É uma imagem só e se tu botares uma frase que tenha um segundo parágrafo, já era. Então, tu tens que viajar em uma frase. E aí as frases acabam sendo "o céu é azul", provérbios que dizem tudo, mas não dizem nada ao mesmo tempo. Por isso que eu miro nessa preocupação que a gente deve ter, especialmente os empreendedores, para ampliar o seu farol e aprofundar um pouco mais. A maioria das pessoas vive numa zona mais confortável, até porque hoje discutir é muito difícil, normalmente, se parte para a polarização. Eu tava vendo a exposição do nosso grande Paulo Gasparotto e ele dizia lá que hoje cada um tem a sua coluna social, hoje a sua timeline, a minha timeline, a timeline das pessoas é uma coluna social.
Essa exposição não nos deixa mais solitários ainda? Eu escrevi vários artigos sobre isso e não publiquei ainda. Startup way oflife. Ou seja, nós estamos vivendo isso, como se nós fossemos pequenas empresas, nós temos que dar resultado rápido e exponencial. Nós temos que chegar ao sucesso antes dos 35 anos porque, senão, já passamos da idade. Nós temos que ser felizes, temos que amar aquilo que fazemos, como se o trabalho fosse um passaporte para a felicidade. Isso é recente. Até há pouco tempo, o trabalho era um meio para se ter um provento e através desse provento a gente realizava, buscava a felicidade. Então, o ser feliz com o trabalho hoje é, também, uma perspectiva complicada.
Claro. O fracasso no trabalho é a impossibilidade de ser feliz. Quer dizer, se eu fracasso no meu trabalho, eu sou infeliz. Essas duas coisas não podem estar conectadas assim dessa forma. A outra história é a seguinte: até hoje nenhum jovem veio aqui dizer que queria abrir uma empresa para tratar de velhinhos. Não. Querem abrir uma cervejaria, uma hamburgueria, uma pet, viajar o mundo. Cara, quem é que vai pilotar o avião? Quem é que vai abrir meu coração e fazer uma ponte de safena? Há um fetichismo, uma glamorização, essa é a palavra, do trabalho, como algo que me levaria a ser mais feliz. Portanto, aquele que faz um serviço não glamorizado é um ser infeliz? Então, coitado do pobre do lixeiro, coitado do pobre do pedreiro. Alguém tem que fazer aquilo. A felicidade no trabalho é uma dimensão. A outra é essa hiperconexão que faz com que a gente tenha relacionamentos muito líquidos, como diz o Zigmunt Bauman, ou seja, eu me amarro contigo com o botão de eject em cima da mesa, eu faço um laço contigo levemente atado para que eu possa desatar rapidamente. As pessoas estão mais preocupadas em se safar das coisas do que em se comprometer com as coisas. Essa condição de hiperconexão nos remete para a falta de tempo. Então, a gente trata de três coisas: a solidão, o tempo e o fracasso. Ou seja, nós lidamos, nessa lida de startup way oflife, numa condição de nos fazer buscar o sucesso muito rapidamente, ter que amar aquilo que faz, estar super conectado, e, ao mesmo tempo, não conseguir conviver ou ter medo da solidão.
Nem tudo te fará feliz no trabalho, por mais que ele seja apropriado ao teu gosto, à tua vocação, vão ter coisas no dia a dia que não te farão feliz...
Percebe-se, hoje, muito forte uma intolerância com a frustração, a dor, a contrariedade... O pessoal, especialmente os mais jovens, não lavou a louça de casa, e
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ENTREVISTA quer ganhar o mundo. E mora em casa, ainda, com os pais. Esse primeiro aspecto é a necessidade da solidão, ao invés da fuga da solidão. A outra é o medo do fracasso. Foi por causa do fracasso que a gente chegou aqui. O fracasso de milhões e milhões de pessoas, que tentaram e que erraram, que aí a gente olhou o erro deles e aprendeu. Os grandes caras, que construíram o que a gente tem aqui, erraram muito. A importância do fracasso. Qual é o contrário de frágil? Normalmente, a gente associa a uma coisa forte, rígida, resistente. Uma taça de cristal é frágil, um tijolo é forte. O frágil é algo que sob a pressão de uma agente estressor externo se deteriora, se quebra. Uma coisa forte, resistente, resiliente, sob a ação de um agente estressor, permanece igual. O forte não é o oposto do frágil, o oposto do frágil é o antifrágil. O antifrágil, sob ação de um agente exterior, melhora. Ele nem se deteriora e nem fica igual, ele melhora. Mas o que é que melhora? Quase tudo. O que tu chamas de fracasso? Temos o medo da solidão versus a importância da solidão. Outro vetor é o medo do fracasso versus a importância do fracasso. E tem mais uma que é o tempo. A culpa de eu não estar conseguindo tempo para fazer tudo. Existe uma síndrome diagnosticada sobre isso, que é eu não consigo estar naquele mesmo momento lá, curtindo aquela festa que está acontecendo lá. Eu tô nessa aqui e têm o outras pessoas curtindo uma festa lá e eu não estou conseguindo estar nesses dois lugares ao mesmo tempo. É uma síndrome. Então, a culpa do tempo versus o sabor do tempo. Eu nem falo das questões do lazer e tal, eu falo de tu entenderes que o tempo não precisa ser determinado pela velocidade da tecnologia e tu conseguires as coisas rapidamente. Tem
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uma história muito legal do Cézanne e do Picasso. O que aconteceu. O Picasso produziu adoidadamente quando jovem. As obras dele entre 20 e 30 anos valem quase 10 vezes mais do que as que ele pintou depois. É o que se chama de artistas conceituais. O Cézanne era um experimentalista, um cara que aprende com a tentativa e erro. Ele viveu, praticamente, a vida inteira dele com a angústia da frustração de ainda não ter alcançado a sua obra prima, porque para ele ainda não estava pronta a obra. Então, tu vês na obra do Picasso uma obra reta, objetiva, forte e com traços vibrantes. E tu vês na obra do Cézanne o detalhe, a harmonia, a composição, o estudo, o detalhamento. Mas o Picasso invejava o Cézanne. É a boa inveja? É. Mas porque eu tô usando o exemplo desses caras? O Cézanne, as suas obras primas e as mais valorizadas, que valem 10, 15, 20 vezes
mais, são as que ele produziu aos 60 para lá. Primeiro: se eu não fiz sucesso ainda, até os 35, acabou a minha chance de ter sucesso? Bom, o Cézanne estaria fudido então, né?! Dois: eu tenho 40, passou a minha chance ou eu estou ainda em fase de aperfeiçoamento. No startup way oflife a gente tende a achar que as coisas mais legais que existem no mundo são feitas por jovens. O Zuckerberg falou isto: acontece que os jovens são mais inteligentes. Ao mesmo tempo, o Caetano falou: o homem velho é o rei dos animais. Quer dizer, vamos com calma, porque tu tens 50, 60 anos, tu tens a capacidade que pode te remeter a uma obra prima. Por que não? Ao jovem, outra perspectiva: peraí, meu velho, tu vais viver 100 anos. Olha quanto tempo tu tem, cara! Nós estamos falando de startup, dos jovens. Mas nas grandes empresas, grandes conglomerados, tradicionais, o CEO, o cara que
toca ali, parece que ele está tão perdido quanto a gurizada que está começando agora. Bom, a questão dos caras que dobraram a curva dos 40, os que eu chamo de híbridos, o que está acontecendo com eles é uma coisa bem clara, acontece hoje que a gente tá vivendo uma situação única na história da humanidade. Um gráfico simples: tecnologia e tempo. A tecnologia veio crescendo exponencialmente. Há 50 anos, o crescimento tecnológico em uma década era sutil, podíamos ir nos adaptando gradualmente a essa nova tecnologia. O que acontece hoje é que o tempo para se adaptar é muito curto. Surge uma nova tecnologia hoje e já tem outra amanhã e outra e outra. Essa angústia da obsolescência é algo que está dentro dessa angústia do tempo. Como é que eu faço para lidar com essa questão do tempo? Então, aqui começa a nossa entrevista, cara. Isso é que é o coração do negócio. De geração para geração, elas iam tendo tempo para se adaptar às novas tecnologias e ir se modelando. Então, os presidentes de grandes empresas, iam se adaptando, os mercados iam se adaptando, e a coisa ia indo. O que acontece é que hoje essa adaptação é muito violenta. O que é hoje, a semana que vem não é mais, e ano que vem já não é mais, também. O ambiente troca toda hora. Mas tem mais uma dimensão aí dentro desse gráfico. Neste periodozinho, ao mesmo tempo do surgimento de uma tecnologia, o avô, o pai, o filho e o neto estão tendo contato ao mesmo tempo com ela. O avô tem uma reação, o pai tem outra, o filho outra e o neto outra. Cada um vai reagir à sua maneira em relação a essa nova tecnologia. E aí, é o que eu chamo de achatamento geracional. Ou seja, eu tenho que conviver junto com o meu neto ou junto com o meu filho, eu sendo pai, e com
Estamos vivendo isso, como se nós fossemos pequenas empresas, nós temos que dar resultado rápido e exponencial. Nós temos que chegar ao sucesso antes dos 35 anos porque, senão, já passamos da idade.
meu avô, diante, ao mesmo tempo, de uma tecnologia nova para nós quatro. Isso dá um atravesso em todo mundo. É uma confusão.
Há, hoje, uma disputa por nossa atenção, e isso nos dá uma certa angústia quando estamos fazendo algo que não seja "útil". Não é angústia, é culpa. Porque eu não li aquele artigo? Porque eu não fiz aquele negócio? A coisa te dominou. Então, quando a gente fala, especialmente, sobre tecnologia - e por isso eu botei startup way oflife, de uma forma metafórica, porque startup a gente liga à tecnologia e à velocidade. Nós somos quase que como empresas que têm que dar resultado, rápido, exponencial, temos que ser felizes nisso que fazemos e isso nos coloca num redemoinho em que a gente deixa de fazer coisas que não são tão fáceis, como ficar sós. Voltando para o executivo, o cara que está com 50 anos à frente de uma empresa, ele tem a capacidade de ficar só, melhor do que o jovem. O jovem não consegue ficar
só. O cara mais velho tem a condição de absorver melhor o fracasso. Ele tem condições de olhar em volta dele e ver que precisa reorganizar o próprio tempo. Se pudesse resumir a chamada para essa entrevista, seria a solidão, o fracasso e o tempo necessários nos dias de hoje, mais do que nunca? A importância da solidão e do fracasso? Nós vivemos numa zona de perplexidade. No passado, nós tínhamos mais tempo para maturar essas perplexidades, de pensar melhor sobre elas, de tratar, de aprofundar cada uma dessas complexidades que foram surgindo. Agora, a tecnologia está nos comprimindo. A gente buscar resolver essas complexidades de uma maneira bizarra e avassaladora, que faz com que muita gente caia no caminho. Então, a gente vive um momento de urgências complexas, que está levando as pessoas a ter que dar respostas muito rápidas e alguns caem pelo caminho, desistem. Então, é aprender a navegar num mar de urgências? Aprender a navegar num mar de urgências entendendo que fracassar, estar só e se sentir culpado por não ter tempo são coisas que nós vamos ter que aprender a lidar e que, por contrário ao pensamento comum, os caras que estão com um pouco mais de idade levam vantagem, porque eles viveram uma vida antes disso. Então, pô, eles conseguem viver uma vida solitariamente. A minha filha fica meia hora só e é como se tivesse um fantasma na sala, ela não sabe viver com ela mesma, ela tem medo de fracassar porque no mundo do Facebook e Instagram todo mundo é perfeito. Ninguém falha. Todo mundo é feliz, realizado e perfeito. Se eu fracassar, eu me suicido.
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OPINIÃO
É preciso repensar o Jornalismo
O Jornalismo é uma ferramenta fundamental para a sociedade. O problema, na atualidade, é que a busca por audiência e, muitas vezes, a falta de concorrência têm feito os veículos deixarem de lado o que de mais essencial eles têm a dar: Jornalismo de qualidade. Alguém ainda acredita no Brasil? Seitas ideológico-religiosas não contam. Certo é que, acreditar em caminhos propostos pelas decisões dos grupos de interesse que nos puseram onde estamos é tão útil quanto discutirmos a existência de fadas e duendes.
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Por isso, se quisermos avançar como país, vamos ter de tirar da cartola coelhos imprevistos ou subestimados. Um exemplo é a universalização de smartphones na população brasileira. De acordo com a 28ª Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação, realizada pela FGV-SP, até outubro deste ano a base instalada no Brasil será de 208 milhões de aparelhos. Ou seja, teremos um smartphone por habitante. Além disso, somos have users, os mais intensos do planeta. Peguemos o número de horas por habitante para multiplicar pelas populações do Brasil e dos Estados Unidos. O resultado mostra que, mesmo com uma população significativamente menor, o volume total de horas de uso de smartphone no Brasil é maior. Vivemos 940 milhões de horas/dia com a cara na telinha. Lá, “somente” 758 milhões. Na América, o dark side da hiper conectividade é uma preocupação disseminada: pais, professores, pesquisadores, notam que os efeitos não são neutros e que falta distanciamento histórico, além de referências científicas, para avaliar todos os impactos e prevenir riscos. No Brasil, dado o volume de uso, deveríamos nos preocupar em dobro. Especialistas falam em dependência equiparável à uma substância química, em que a "recompensa" imediata de um like
JOSÉ CESAR MARTINS jcesarmartins@gmail.com
obtido nas redes sociais opera nos mesmos caminhos neuronais por onde opera a cocaína. Entre tantos possíveis males, é razoável ter cautela frente a problemas causados pelo uso sem limites do badulaquinho digital. Mas será que é só isso? Será que o potencial positivo do smartphone não está sendo subestimado e negligenciado? Há vários anos o Brasil sinaliza características de uso de ferramentas digitais e redes sociais particulares. O Orkut tinha no país a maior penetração de usuários no mundo. No Whatsapp somos campeões. É possível que a razão para a indiferença diante do capital social hiper conectado que dispomos tenha a ver com a natureza antiga das "locomotivas" de nossa economia, tradicionais e virtualmente alheias aos avanços que vão pelo mundo. Mas temos lá nossas particularidades. Os dados indicam que gostamos de conectar, conversar. Éramos assim quando em 1936 Sergio Buarque de Holanda conceituou o homem-cordial brasileiro, e nos entendemos melhor nos anos 60
quando Gilberto Freyre anuncia "um novo mundo nos trópicos". Em linha com isso, sem qualquer intencionalidade e quase nenhuma consciência, o Brasil se viu envolvido em um ambiente tecnológico que parece pensado para seu caráter. Por isso, ao deparar-se com tecnologias sociais que tão bem se assentam com a cordialidade brasileira, eis que nos vemos no pódio digital como a sociedade mais conectada do planeta. Essas características não afastam riscos, mas são uma fortaleza esperando para ser utilizada. A indiferença ao fato de que somos um oceano de pessoas militando 5 horas por dia nos nossos dispositivos não se justifica. Fossemos 5 milhões, seria um fato curioso a ser melhor entendido. Em uma população de 210 milhões é critico que se pense na utilização dessa rede poderosa para a solução de problemas em que estamos empacados. E se cada smartphone tiver um
botão de pânico conectado a polícia? Se as crianças puderem acessar literatura infantil de primeiro nível? E se todo pai de criança em idade de vacina fosse lembrado e tivesse que clicar "ciente"? Em tempos de fenótipo digital, deixamos "pegadas" ao interagirmos com o Google, o Waze ou o Kindle. Dezenas de "bots" surgem para extrair daí conhecimento, ajudando a descobrir alguém deprimido do nosso lado, avisando que um vizinho precisa de um remédio que está nos sobrando. Existem centenas de aplicações que podem melhorar a vida, sobretudo dos mais vulneráveis, a custo marginal. Vejo todos os dias startups batendo cabeça em mercados pequenos, nichos pouco promissores e, sobretudo, divorciadas do ecossistema onde operam e que podem obter tração. Por curioso que soe, esse divórcio notável não é a exceção. Se centros de inovação e jovens empreendedores mirarem nos
grandes problemas da população ao invés de nichos menos relevantes e tirarem partidos dos recursos abundantes que já dispomos, sou capaz de apostar meus caraminguás que isso irá impactar significativamente a taxa de sucesso de nossos empreendimentos nascentes. Em tempos de empresários "campeões' na ponta doméstica, e negócios inovadores bilionariamente capitalizados na ponta internacional, olhar para aplicações aderentes às necessidades do país é uma premissa que se impõe. Criar tração com aplicações para melhorar a saúde, a educação e a segurança de dezenas de milhões de usuários pode ser o leapfrog (o pulo do sapo) ao nosso alcance. E o Brasil, bem debaixo do nosso nariz, tem um diferencial competitivo único, pronto para ser usado.
José Cesar Martins é empresário e investidor em startups
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MATÉRIA DE CAPA
Publicidade
Q
uem não guarda um slogan ou jingle como memória afetiva? Há campanhas que marcaram gerações, seja pelo produto anunciado que hoje tem um apelo nostálgico ou pelas mensagens cativantes, em que o bom humor e a emoção estão presentes. Daí vem o clichê de que a publicidade mexe com “corações e mentes”. E dele, vem o desejo de participar ativamente desse processo. Em 2015, mais de 53,5 mil jovens ingressaram na universidade com o objetivo de serem os novos profissionais da área. Destes, nem todos irão concluir o curso, e parte dos que chegarão à formatura não será absorvida pelo mercado de trabalho. A constatação vem do quantitativo de vagas formais geradas nos últimos anos. De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), declarada pelas empresas, o número de profissionais empregados formalmente em 2015 (dado mais recente disponibilizado pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social – MTPS) é menor do que o registrado em 2005. Foram 53.202 vínculos ativos em 2015 contra quase 56 mil registros há 10 anos.
MERCADO DE TRABALHO
Em 2015, mais de 13 mil jovens concluíram o curso para um mercado em que a oferta de vagas alcançou 40 mil postos de trabalho formais, distribuídos entre profissionais experientes e recém-saídos das universidades
DA TEORIA À PRÁTICA
No decorrer da década que separa os dois dados, houve um período de ascensão até 2012, quando o número de empregos formais chegou ao maior patamar (173.509). Porém, no ano seguinte (2013), o número de profissionais empregados formalmente caiu drasticamente para pouco mais de 40 mil. O declínio abrupto é sintoma da crise econômica enfrentada pelo Brasil. Além disso, parte dos profissionais pode ter migrado para trabalhos autônomos ou informais (sobre os quais não há informações consolidadas disponíveis).
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MATÉRIA DE CAPA O mais grave nessa situação é a incongruência em relação ao quantitativo de publicitários que são formados anualmente. Em 2015, mais de 13 mil jovens concluíram o curso para um mercado em que a oferta de vagas alcançou 40 mil postos de trabalho formais, distribuídos entre profissionais experientes e recém-saídos das universidades. Conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) dos últimos cinco anos, são formados, em média, 12 mil novos publicitários por ano. A realidade que os espera é complexa: engloba a mudança de paradigma da própria profissão, uma sociedade que responde ativamente às novas formas de interação consolidadas pelas ferramentas digitais de comunicação, novos modelos de contratação e o difícil fim de uma acentuada crise econômica, cujos efeitos irão ser sentidos ainda no decorrer dos próximos anos.
DO FASCÍNIO ÀS NOVAS RELAÇÕES DE TRABALHO O curso de Publicidade e Propaganda há muito tempo está no rol dos mais procurados pelos vestibulandos. No maior vestibular do país, o da Fuvest, o curso é o quinto mais concorrido, e no campo da comunicação social é o mais disputado. Foram 44,26 candidatos por vaga na última seleção. Volta e meia a carreira aparece com a mais concorrida, como aconteceu nos vestibulares da Fuvest de 2003, 2004, 2005, 2006, 2007 e 2009. A procura elevada não fica restrita à Universidade de São Paulo (USP). No último vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), por exemplo, a carreira foi a nona mais concorrida e a mais disputada entre os cursos na área da comunicação social. A Universidade Federal
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“Na década de 1960, era uma profissão extraordinária. Acho que o publicitário já teve seu auge, mas esse momento não voltará”, acrescenta.
do Paraná também tem a profissão entre as dez mais procuradas. “É uma profissão que exerce muito fascínio”, justifica a coordenadora do Curso de Publicidade e Propaganda da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da PUCRS, Márcia Pillon Christofoli. A atração que a carreira exerce não é recente, avalia o presidente da Associação dos Profissionais de Propaganda (APP), Ênio Vergeiro. Para ele, faz parte do imaginário criado no ápice da publicidade. “Na década de 1960, era uma profissão extraordinária”, comenta. “Acho que o publicitário já teve seu auge, mas esse momento não voltará”, acrescenta.
e exige que as empresas se ajustem à redução de custos impostas pelos clientes”, argumenta. A coordenadora de PP da Famecos descreve que existe uma condição comum no meio profissional, que é a das agências que contratam profissionais como pessoas jurídicas (PJ) para exercer atividade com as mesmas regras de um funcionário celetista, com dedicação integral ao trabalho, porém sem as mesmas garantias como férias e 13º Salário. “Até há pouco tempo, os profissionais se sujeitavam a essa realidade, hoje, não mais. O mercado também precisa enxergar esse lado.”
NOVA SAFRA DE PUBLICITÁRIOS PRECISA SER VERSÁTIL
Ao longo das décadas, a profissão mudou, e muito. Da mesma forma, os jovens que, hoje, escolhem a carreira nutrem novas expectativas para a profissão. Ainda que muito influenciados por todo o imaginário que circunda a área, os recém-formados esperam mais do que o mercado tem oferecido. Além da sonhada vaga nas poucas agências do país que concentram grandes clientes e contas milionárias, não querem se submeter a condições precárias de trabalho ou a baixas remunerações, e enfrentam, ainda, o desafio de ter serem gestores de si mesmos. “Existe, realmente, o problema da recessão que impacta no mercado
A discussão da contratação é comum à maior parte das profissões: em uma ponta, empresas reclamam dos custos elevados, e, na outra, trabalhadores buscam melhores condições. O ajuste entre as duas necessidades está longe de se resolver com facilidade. Mas, no caso da publicidade, essa é uma questão um pouco mais complexa. Hoje, a estrutura necessária para a realização dos trabalhos é menor. As agências conseguem atender seus clientes com uma equipe enxuta, e têm buscado cada vez mais esse formato. Na verdade, nem a agência mais é uma necessidade. “O profissional, sozinho, pode assumir a gestão de um contrato, e subcontratar parceiros para realizar serviços específicos dos quais ele depende”, salienta Márcia Pillon Christofoli. Essa é a realidade que está colocada aos novos profissionais. Mas os estudantes da área, pontua a coordenadora, ainda se sentem um pouco perdidos nesse novo cenário. “Eles entram na faculdade já com a
convicção de que não querem atuar em agências, mas, ao mesmo tempo, não sabem muito bem qual vai ser o caminho profissional que querem percorrer.” Certo é que as possibilidades de atuação se multiplicaram com novos meios de interação, como as redes sociais, mas ainda há brechas nesses mecanismos, sobretudo, relacionadas à remuneração de atividades que ainda estão devidamente consolidadas. Ao final, resta uma certa frustração em parte desses formandos, o que não é exclusividade da publicidade. “Não acredito que o mercado irá assimilar todos os formandos, assim como ocorre nas demais atividades. Todos os formandos em direito se tornam advogados? Todos os engenheiros recém-formados ingressam no mercado? Acho que não. Em publicidade ocorre o mesmo. Apenas os melhores, mais perseverantes e mais pacientes com os obstáculos normais da profissão irão se colocar”, destaca Mario D'Andrea, presidente da Associação Brasileira de Agências de Propaganda (Abap). Em um momento de mudança de paradigma, em que se estão consolidando novas formas de relacionamento com o público, e em que a própria sociedade se transforma, definir os rumos das empresas de publicidade e dos profissionais da área é um desafio a ser vencido. “O que é esse profissional que o mercado precisa hoje? Esse perfil não está definido, nem mesmo as empresas conseguem definir”, reflete Ênio Vergeiro, presidente da Associação dos Profissionais de Propaganda. Se parte dos novos formandos não será o incorporada ao mercado, aos que, de fato, vão seguir na carreira, cabe a tarefa de se ajustarem a uma nova realidade, que ainda não está claramente colocada. No entanto, há um caminho cada vez mais evidente: é preciso, cada vez mais, conhecer bem todas as etapas produtivas
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MATÉRIA DE CAPA da publicidade. O profissional com perfil muito específico, como era comum até há pouco tempo, é coisa do passado. “Antes, você tinha um profissional que atuava com criação, outro com planejamento, outro com mídia, e assim por diante. Só que tudo mudou. Não há mais essa distinção. O atendimento, por exemplo, é praticamente inexistente”, demonstra Vergeiro. Compete às universidades preparar seus alunos para um contexto mais exigente, concorda Márcia. “Já não existe mais o profissional que só atuava com vídeos ou com fotografia publicitária”, afirma. A versatilidade, atualmente, é determinante para a colocação profissional.
O DESAFIO DA QUALIFICAÇÃO
Fernando Silveira, presidente do Sindicato das Agências de Propaganda do (Sinapro-RS), observa que tem chegado ao mercado uma leva de “estudantes mais fracos”. É perceptível que existem os estudantes e recém-formados mais interessados, mas também há um número significativo de apáticos, pondera. Essa visão não destoa dos dados de avaliação do conhecimento dos formandos. Basta verificar as duas edições mais recentes do Enade. Para o curso de Publicidade e Propaganda, houve uma elevação no percentual de cursos com a pior avaliação (Conceito 1) e queda nos que estão com os melhores desempenhos (Conceito 5). Ainda que seja uma alteração percentual discreta, é uma mudança emblemática por comportar pontos extremos. Na média, os cursos se concentram na faixa intermediária, com Conceito 3. Os dados também sacramentam algo de que o mercado tem se queixado: há muitos cursos de graduação. Nem sempre com a qualidade que as empresas gostariam. Em 2012, por
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exemplo, 329 instituições obtiveram pontuação entre os conceitos 1 e 5 para o curso de publicidade e propaganda. Desse total, cinco receberam a pior avaliação (conceito 1) e 90, a melhor (conceito 5). Três anos depois, em 2015, o número de instituições avaliadas aumentou para 346 para o mesmo curso. Também aumentou a quantidade de cursos com a pior colocação, que subiu de cinco para oito. Entre os melhores, houve uma queda de 90 para 80 cursos com Conceito 5. “Nas faculdades, existe pouca formação para o digital”, exemplifica Silveira. “Eu recebo muitas pessoas que querem trabalhar com comunicação digital, mas o rendimento é bem menor, porque a turma vem com uma capacidade de redação muito baixa, com português ruim, e as campanhas agora têm muito conteúdo”, descreve.
ACADEMIA BUSCA SOLUÇÕES Para a comunicação social, quatro anos, o período de duração do curso universitário, é praticamente uma eternidade, dadas as mudanças aceleradas que ocorrem na área. Assim, o aluno que ingressa no curso vislumbra um mercado no momento da escolha do curso, mas se forma, possivelmente, com uma modelagem distinta. “Um espaço de quatro anos é gigantesco para as novidades que acontecem”, avalia o professor Nelmar Vaccari, coordenador da incubadora da ESPM-Sul. “Se a gente for falar de quatro anos atrás, era uma realidade diferente da atual, e daqui a quatro anos será distinta, novamente.” Mudar a estrutura curricular não é tarefa simples. Há toda uma burocracia a ser vencida e exigências a serem cumpridas que fogem até mesmo da alçada das instituições de ensino.
A saída é a busca incessante pela atualização, na medida do que for possível. No Rio Grande do Sul, faculdades com cursos de publicidade e propaganda bem avaliadas pelo mercado, como a PUCRS e a ESPM-Sul, têm como praxe a realização de cursos complementares e de atualização como uma das formas de manter os alunos sintonizados com as práticas do segmento. É um desafio constante, que não depende mais só da renovação das instituições do ensino. Hoje, o papel a ser exercido pelos graduandos requer mais agilidade e interesse em buscar conteúdos e caminhos para complementar a formação. Segundo Vaccari, o docente exerce, atualmente, a função de um mentor, curador de conteúdo, do que de mero provedor da informação, que estão facilmente à disposição de todos. Para o professor da ESPM-Sul, boa parte dos alunos tem o perfil voltado para as novas práticas de mercado e de ensino. São estudantes que buscam o preparo e a atualização para obter melhor destaque na disputa acirrada por uma colocação profissional. Outros, no entanto, ainda são muito dependentes do conteúdo que lhes é passado, seja na academia ou no ambiente de trabalho. Recentemente, o que se tem notado, demonstra Vaccari, é a procura dos estudantes pelo empreendedorismo, uma característica que se manifesta, sobretudo, na incubadora de negócios da faculdade. “Ao invés de usarem as boas ideias que têm para alavancar empresas, estão eles mesmos criando novos negócios na indústria criativa.” O professor acrescenta que há muitas oportunidades colocadas, que não existiam até pouco tempo, os meios digitais já são uma realidade para boa parte dos formandos, e vão criar melhores condições de remuneração, projeta. Outros caminhos envolvem o estudo mais apro-
Nelmar Vaccari Coordenador da incubadora da ESPM-Sul fundado das relações de consumo, como o uso das ferramentas de levantamento e análise de dados, a exemplo do Big Data. “Temos preparado nossos alunos para esse novo cenário, em que ele serão, cada vez mais, donos da própria carreira”, reforça Márcia Pillon Christofoli, coordenadora da PUCRS. A realidade do profissional que atua de forma autônoma, avalia, é uma das apostas que faz sobre os rumos da profissão.
MERCADO GAÚCHO PRECISA VENCER BARREIRAS Se no geral a publicidade enfrenta desafios grandiosos, regionalmente eles são ainda mais acentuados. “O Rio Grande do Sul vem diminuindo de tamanho há mais de 40 anos, não é de agora”, critica Nelmar Vaccari,
Fernando Silveira
Márcia Christofoli
Presidente do SINAPRO-RS
Coordenadora do Curso de Publicidade e Propaganda da Famecos
da ESPM-Sul. Na avaliação dele, o Estado não se renovou. E essa falha cobra seu preço no momento mais crítico da crise econômica. “A primeira dificuldade é o raciocínio do gaúcho”, sustenta Fernando Silveira, presidente do Sinapro-RS. “Nosso orgulho pelo jeito de fazer as coisas, impediu que a gente percebesse a mudança de mercado”, diz. Isso fica evidente, por exemplo, quando ele compara o Rio Grande do Sul com outros estados, que até há pouco tempo tinham menor expressividade, tanto na publicidade quanto na inovação. “Em Pernambuco, as coisas estão acontecendo, as agências estão organizadas de maneira mais profissional, com uma competição saudável em que todas se unem pelo crescimento de mercado”, demonstra. Reverter esse quadro é urgente, mas as condições não são as mais favoráveis. A publicidade é uma
peça dentro de uma estrutura gigantesca que é a economia, e que está há algum tempo praticamente travada. Embora a comunicação seja estratégica para as empresas, campanhas publicitárias só existem se há consumo, do contrário, vêm os cortes que atingem, primeiramente, as áreas de comunicação. Mesmo que o país esteja dando passos para sair da recessão, ainda é difícil prever como o mercado gaúcho e nacional irá se comportar no curto e médio prazo. “Se eu sou um investidor em Londres procurando um lugar para investir, qual vai ser a minha resposta em relação ao Brasil? Não”, descreve Vaccari. Mas a boa perspectiva existe, acrescenta. E ela vem do “exército de empresas que está surgindo”. Parte desse empreendedorismo emergente terá como força motora os próprios publicitários.
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FAST FORWARD
Alberto Meneghetti é publicitário meneghetti@gmail.com
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epois de baixada a poeira dos ensinamentos captados durante o último Festival de Cannes, observo que muitas marcas, como o sabão em pó Omo, da Unilever, a Natura, o Boticário e outras beberam na fonte das tendências apontadas no maior festival de criatividade do mundo. Este sinal de transformação, que aponta para uma maior ênfase na diversidade, na verdade, na tecnologia e no uso dos dados, tem marcado a nova forma de se comunicar. Os exemplos são vários. Agora, pela primeira vez em 60 anos, a Omo terá um comercial sem atores. Pessoas comuns serão as protagonistas. E, ainda por cima, no início da peça, a locução fala o seguinte: “Este NÃO é um comercial...”, reforçando que o estilo “reality show” pegou de vez os anunciantes. A Natura estreou uma campanha da perfumaria feminina que evoca o protagonismo e a força da mulher brasileira, personificados pela cantora Elza Soares, enquanto o Boticário apostou no vínculo fundamental na relação entre pais e filhos, numa bela campanha para marcar o Dia dos pais, com o conceito “Você e seu pai têm ainda muita coisa em comum para descobrir”. Todas são campanhas que evocam causas e propósitos, evidenciam a autenticidade das marcas, os seus propósitos verdadeiros e o seu engajamento às causas, tal e qual seus premiados congêneres. Mas, na contramão desta tendência, que prega a verdade e a autenticidade na comunicação, todos os dias vemos também exemplos que, digamos, não seguem o desejado “walk the talk”. Esta semana, num vôo da Gol, apertadíssimo na minha poltrona, leio o slogan “Gol. Voe com conforto”, no encosto da cabeceira da poltrona à minha frente. O que se sabe é que hoje o espaço entre as poltronas das categorias econômicas da Gol é de míseros 78,7 cm de distância. Conforto? Brincadeira. Bom, voltando à Cannes, além das 5 tendências que listei na última matéria (Tecnologia/Realidade Virtual/
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Diversidade/Empoderamento Feminino/Mídia como um conceito bem amplo), anotei outras 6, que refletem muito bem o atual momento da comunicação mundial. Vamos a elas: #6: A VITÓRIA DA CAUSA E DO PROPÓSITO SOBRE O PRODUTO NO PROTAGONISMO DA COMUNICAÇÃO: Palavras-Chave: Consistência e trabalho a longo prazo #7: O ORIGINAL E O INUSITADO COMO RESPOSTA AOS DESAFIOS DE COMUNICAÇÃO: Desconstruir o convencional e trilhar um caminho original. #8: A ”BIG IDEA” PODE – E DEVE – SER SIMPLES: Soluções minimalistas e inteligentes para públicos também inteligentes. #9: CONSISTÊNCIA CRIATIVA AO LONGO DO TEMPO: As campanhas de marketing que são corajosas e inovadoras, constantemente desafiando os limites da excelência criativa, são as que vencem num cenário supercompetitivo. #10: A REINVENÇÃO PERMANENTE DAS MARCAS COMO CONDIÇÃO DE SOBREVIVÊNCIA: As marcas que param no tempo não duram. #11: MOBILE-FIRST: Caminhando para o futuro da comunicação, baseado no mobile
PARTE 2
Mas não se vê mais, em táxis, aquele tradicional aparelho fixado no painel do motorista. O smartphone passou a ser o principal equipamento de acesso ao GPS e muitos aplicativos exploram essa funcionalidade. Dois apps reinam soberanos: o Waze e o Google Maps. O que tenho notado é que, apesar do Waze ainda ser o preferido entre os motoristas, vários relatos de pessoas que acabaram em quebradas, favelas e desvios perigosos por causa desta principal funcionalidade do aplicativo, de sugerir o caminho mais rápido, a partir de seu sistema colaborativo e interativo, estão fazendo com que ele esteja sendo trocado pelo Google Maps. Este, mais conservador e minimalista, faz o serviço, na minha opinião, muito melhor e, principalmente, de maneira mais segura. E não é um comedor de bateria como o Waze. Fica a dica. Vantagens do Waze
Cabe também destacar que, na opinião de vários publicitários que ouvi, no Palais, a campanha mais inovadora e surpreendente desta edição do Cannes Lions foi “Meet Graham”, da agência ClemengerBBDO, de Melbourne, Austrália, criada para seu cliente Transport Accident Commission, que foi distinguido, merecidamente, com 2 Grand Prix pelos jurados de Cyber e Health & Wellness Lions. O case, que pode ser conferido aqui: https://youtu. be/7FQpjCauL0w, é um trabalho multidisciplinar, imaginativo, e uma demonstração de divulgação de uma mensagem importante de maneira extremamente engajadora, como poucas que vimos em Cannes. A agência australiana criou um humanoide baseado em pesquisas científicas e mecânicas, que representa, perfeitamente, como o corpo humano deveria ser para conseguir resistir a acidentes de trânsito. O grotesco Graham ganhou disparado a preferência do público presente às premiações, recebendo ovações a cada apresentação. E, de quebra, a ClemengerBBDO ganhou o título de “Agência do Ano”, reunindo impressionantes 56 Leões neste Festival.
Dicas de Apps de trânsito O GPS, um instrumento de navegação por satélite, criado para fins militares, no início da década de 1960, se tornou um equipamento comercial só no começo dos anos 2.000. Hoje, o sistema está presente em incontáveis dispositivos e é praticamente indispensável na vida de muitas pessoas.
Maior interatividade com os usuários Facilidade de encontrar pontos de engarrafamento Sinalização de contratempos no caminho Vantagens do Google Maps Já vem instalado nos aparelhos Android Consome menos bateria e dados de internet Possui outras funções como Street View e Google Earth O app usa um algoritmo inovador para traçar a rota mais curta e segura
Dica de série na Netflix: OSARK: Para os saudosos de “Breaking Bad”, estreou na Netflix outra baita série, que lembra um pouco aquela e lida também com questões ligadas aos cartéis de droga mexicanos. Jason Bateman, produtor executivo e diretor, estrela como Marty Byrde, junto à atriz indicada ao Oscar, Laura Linney, como sua mulher, Wendy. Os dois são consultores financeiros que vivem num subúrbio de Chicago. A trama aborda o capitalismo, as dinâmicas familiares e modos de sobrevivência através dos olhos de dois americanos que fogem completamente do tradicional. Os Byrde e seus filhos adolescentes, Charlotte e Jonah, são, para todas as intenções e propósitos, uma família comum com uma vida comum. Mas, quando as coisas ficam feias, Marty precisa se mudar com ela para a região bucólica dos Lagos Ozark, no Missouri. Com o sucesso desta primeira temporada, a Netflix já anunciou sua sequência, em 2018. Fica a dica.
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GRANDES NOMES
LENI RIEFENSTAHL
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ara Alfred Riefenstahl, proprietário de uma empresa de aquecimento e ventilação bem sucedida, com sede em Berlim, e sua esposa, Bertha Scherlach, o dia 22 de agosto de 1902 foi a data do nascimento orgulhoso de sua primeira filha, que
eles chamaram de Helene Bertha Amalie (também conhecida por Leni) Riefenstahl. Os jovens pais não poderiam imaginar que seu bebê acabaria por se transformar em uma das mulheres mais controversas e influentes no campo das artes das comunicações, especialmente pelos seus impressionantes filmes de propaganda em apoio ao Partido Nacional Socialista (Nazista). Leni iniciou sua longa e extraordinária carreira como dançarina interpretativa. Depois de uma lesão no joelho temporariamente interromper sua vocação, ficou fascinada com as possibilidades do meio cinematográfico, especialmente os filmes da natureza. Ela tornou-se a estrela de um grande número de filmes mudos do diretor alemão Arnold Fanck, tipicamente ambientados nos Alpes (o estilo chamado Bergfilme), em que a jovem Leni apresentava sua lide-
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rança atlética e audaz. Popular como atriz com o público alemão, Leni Riefenstahl dirigiu seu primeiro grande longa-metragem, Das blaue Licht (A Luz Azul), em 1932. O filme foi bem recebido e, mais importante, atraiu a atenção de um político em ascensão que se orgulhava ele mesmo em ter ambições artísticas: Adolf Hi-
Triunfo da Vontade, com suas imagens evocativas e técnica de filme inovadora, classificada como uma obra épica de filmagem documental, e é amplamente considerada como um dos filmes de propaganda mais magistrais já produzidos
tler. No mesmo ano, Leni ouviu Hitler falar em uma manifestação pública e foi arrebatada pelo seu estilo oratório e sua capacidade de hipnotizar o público. Hitler viu Leni Riefenstahl como uma diretora que poderia usar a estética para produzir uma imagem de uma Alemanha forte, imbuída de motivos wagnerianos de poder e beleza. Em 1933, ele pediu a Riefenstahl que dirigisse um curta-metragem, Der Sieg des Glaubens (A Vitória da Fé), filmado no Encontro do Partido Nazista em Nuremberg. O filme foi um modelo para seu trabalho mais famoso, Triumph des Willens (Triunfo da Vontade), filmado no Encontro de Nuremberg no ano seguinte, em 1934. Leni inicialmente rejeitou a comissão de Hitler para o filme,pois queria dirigir uma obra baseada em uma das óperas favoritas do Führer, Tiefland (Terra Baixa), de Eugen d’Albert. Ela recebeu financiamento
privado para Tiefland, mas as filmagens na Espanha foram atrasadas e o projeto cancelado. Com isso, resolveu ceder ao apelo de Hitler quando recebeu recursos ilimitados e licença artística completa para o registro do encontro nazista. Triunfo da Vontade, com suas imagens evocativas e técnica de filme inovadora, classificada como uma obra épica de filmagem documental, e é amplamente considerada como um dos filmes de propaganda mais magistrais já produzidos. Ganhou vários prêmios, mas sempre ligou o tema do filme, o nacional-socialismo, com o nome de Leni Riefenstahl. Igualmente impressionantes foram os esforços de direção da diretora em Olympia, que capturou com grande eficácia as imagens dos Jogos Olímpicos de 1936 em Berlim. Foi o trabalho em Olympia que fez de Leni Riefenstahl uma pioneira em numerosas técnicas cinematográficas, como a realização de filmagens com câmeras montadas em trilhos (conhecida hoje como travelling), e o uso de imagens em câmera lenta. A mistura vigorosa de estética, esportes e propaganda de Olympia ganhou novamente elogios e prêmios para Leni, incluindo as honras de melhor filme estran-
geiro no Festival de Cinema de Veneza e um prêmio especial do Comitê Olímpico Internacional (COI) por retratar a alegria do esporte. A chegada da Segunda Guerra Mundial e a rápida escalada de violência sob o regime nazista tiveram um efeito desfavorável tanto em Leni Riefenstahl quanto em sua carreira. No início da campanha alemã contra a Polônia, um incidente abalou a confiança dela no movimento nazista, que a diretora havia glorificado em imagens cinematográficas. Enquanto acompanhava os exércitos perto de Konskie, a cineasta testemunhou a execução de civis poloneses em retaliação por um ataque da resistência contra as tropas alemãs. Leni, aparentemente, abandonou suas filmagens naquele dia, a fim de fazer um apelo pessoal a Hitler contra essa violência arbitrária. O incidente pode ter plantado uma semente de dúvida na mente da diretora, mas não a impediu de filmar o desfile triunfal de Hitler em Varsóvia apenas algumas semanas depois. Após as obras sobre Nuremberg e Olympia, Riefenstahl começou a trabalhar no filme que tentou e não dirigiu uma vez antes, ou seja, Tiefland. Por ordem direta de Hitler, o governo alemão pagou sete
Foi o trabalho em Olympia que fez de Leni Riefenstahl uma pioneira em numerosas técnicas cinematográficas, como a realização de filmagens com câmeras montadas em trilhos (conhecida hoje como travelling), e o uso de imagens em câmera lenta
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GRANDES NOMES milhões de Reichsmarks como financiamento. De 23 de setembro a 13 de novembro de 1940, ela filmou em Krün perto de Mittenwald. Os extras que interpretavam mulheres e agricultores espanhóis foram arregimentados de ciganos detidos em um campo em Salzburg-Maxglan, que foram forçados a trabalhar com ela. As filmagens nos estúdios Babelsberg, perto de Berlim, começaram 18 meses depois, em abril de 1942. Desta vez, ciganos do campo de detenção de Marzahn foram obrigados a trabalhar como extras. Quase no final de sua vida, apesar da evidência esmagadora de que os ocupantes do campo de concentração foram forçados a trabalhar no filme de forma não remunerada, Leni continuou a afirmar que todos os extras do filme sobreviveram e que conheceu vários deles após a guerra. Ela processou a cineasta Nina Gladitz, que disse que Leni escolheu pessoalmente os extras em seu campo. A Justiça alemã decidiu em grande parte a favor de Gladitz, declarando que Riefenstahl sabia que os extras eram de um campo de concentração, mas também concordaram que Leni não tinha sido informada de que os ciganos seriam enviados para Auschwitz depois que a filmagem foi concluída. Em outubro de 1944, a produção de Tiefland mudou-se para os estúdios Barrandov em Praga para a filmagem interior. O filme só foi lançado quase 10 anos depois. A última vez que Riefenstahl viu Hitler foi quando ela se casou com Peter Jacob em 21 de março de 1944. Leni e Jacob divorciaram-se em 1946. À medida que a situação militar da Alemanha se tornou impossível no início de 1945, Leni saiu de Berlim e estava pedindo carona com um grupo de homens, quando foi detida pelas tropas americanas. Ela saiu de um campo de prisioneiros, começando uma série de fugas e prisões. Finalmente, voltando para casa em uma bicicleta, ela descobriu que as tropas americanas haviam tomado sua casa. Ela seria novamente presa em janeiro de 1946 por tropas francesas ocupando a região do Tirol,na Áustria, quando teve todo o seu material cinematográfico confiscado.
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Nos anos do pós-guerra, Leni Riefenstahl foi sujeita a quatro processos de desnazificação, até ser finalmente declarada uma simpatizante nazista (Mitläufer). Ela tentou separar-se da natureza criminal do regime nazista, sugerindo que seu dever era para seu ofício e não necessariamente para as autoridades nazistas que encomendaram seus filmes. Embora nunca tenha sido membro do Partido Nazista, Riefenstahl achou difícil superar sua associação com os filmes de propaganda que ela havia feito para o regime. Ela procurou muitas vezes fazer mais filmes durante os anos 1950 e 1960, mas encontrou resistência, protestos públicos e críticas agudas. Sua experiência foi bem diferente da de seu colega Veit Harlan, que havia dirigido tais obras seminais de propaganda nazista como Jüd Süss e Kolberg, mas que retornou a uma carreira de diretor florescente na década de 1950. Com a carreira no cinema acabada, Riefenstahl voltou-se para a fotografia, publicando na década de 1970 um volume ilustrado sobre a tribo Nuba, do Sudão. No final dos anos 1970, ela empreendeu um novo interesse na cinematografia subaquática, prática que seguiu executando mesmo quando já tinha completado 90 anos. Em 2000, Leni sobreviveu a um acidente de helicóptero no Sudão enquanto tentava aprender o destino de seus amigos Nuba durante a Segunda Guerra Civil Sudanesa. Ela morreu de câncer em Pocking, na Alemanha, em 8 de setembro de 2003, algumas semanas depois do seu 101º aniversário. Ao longo de sua longa carreira, Leni Riefenstahl alcançou uma nova estética no cinema e introduziu técnicas cinematográficas inovadoras, mas nunca poderia escapar de sua associação passada como propagandista nazista e permaneceu uma figura controversa até o fim de sua vida. Ela chegou a dizer que seu maior arrependimento na vida era ter conhecido Hitler. Pouco antes de morrer, Riefenstahl expressou suas últimas palavras sobre o assunto de sua conexão com Adolf Hitler em uma entrevista para a BBC. “Eu era um dos milhões que achavam que Hitler tinha todas as respostas. Vimos apenas as coisas boas, não sabíamos que coisas ruins estavam por vir”.
GALERIA
Publicidade durante a Segunda Guerra Mundial Na época da Segunda Guerra Mundial, em meio ao afundamento de navios civis brasileiros, à declaração de guerra do Brasil contra a Alemanha e Itália, aos preparativos para a defesa, os blackouts, à ida da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e do 1º Grupo de Caça para lutar na Itália, muitos foram os jornais e revistas que ficaram repletos de propagandas que evocavam vários aspectos bélicos daqueles dias sombrios.
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cenário da propaganda brasileira, na época da guerra, era formado por agências norte-americanas grandes e importantes, que vinham para o país e se estruturavam em agências pequenas porque o mercado nacional não comportava um aparato muito grande. Sua presença aqui era solicitada pelos clientes internacionais localizados no Brasil, que tinham necessidade de uma propaganda profissional. No início da guerra, poucos anunciantes brasileiros preocuparam-se com o evento a ponto de inserir em suas mensagens comerciais referências a ele. A partir de 1942, com a declaração de beligerância do Brasil contra as potências do Eixo, é que realmente o assunto passou a ocupar de modo marcante a mente das pessoas, especialmente após a formação da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Em geral, prevalecia as mensagens institucionais das empresas que gostavam de mencionar suas contribuições à guerra e afirmavam que, após o período de batalhas, as linhas de produção voltariam ao normal e os clientes, em breve, os encontrariam novamente à venda. Esses foram os casos da Higgins, produtora de lanchas; a Northrop Aircraft, a Boeing e a Jacobs, produtoras de
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aviões e motores; a Ford Motor Company produtora de motores para aviões e veículos; a Studebaker, produtora de veículos domésticos e caminhões; a Esso Standard Oil Company of Brazil e Texaco, distribuidoras e beneficiadoras de petróleo e seus derivados. Entre 1943 a 1944, as palavras tornam-se ríspidas. Termos fortes que, hoje, seriam polêmicos, eram utilizados com naturalidade principalmente nos anúncios de aviões bombardeiros; eram mencionados com clareza os termos “total destruição dos inimigos” e “uma excelente arma mortífera”, referindo-se em destruir completamente os países do Eixo. Ao final de 1944 os anunciantes começam a transmitir na publicidade todo o cansaço e descontentamento da sociedade. Como exemplo, num anúncio a Kodak mostra um soldado machucado, recebendo uma correspondência das mãos de uma enfermeira com os dizeres: “Vital para os que têm lutado pela Liberdade”. Em 1945 é certo o final da guerra e os anúncios começam a falar do pós-guerra assim como refletem as esperanças do que farão quando tudo acabar. Na maioria dos anúncios é possível perceber um enorme otimismo, lembrando que tudo relacionado à produção e entrega das mercadorias voltaria ao normal após a “Vitória” que serie em breve.