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ALMANAQUE

Revista

Fon-Fon traz modernidade ao Brasil

Em 13 de abril de 1907 foi fundada, no Rio de Janeiro, a revista Fon-Fon, uma das publicações mais marcantes da primeira metade do século XX no Brasil. A publicação surgiu numa fase de grande mudança na imprensa brasileira, quando a produção artesanal foi substituída pela industrial. A revista se declarava como um “semanário alegre, político, crítico e esfusiante, noticiário avariado, telegraphia sem arame, chronica epidê-

mica”. Ela se caracterizava por uma busca pelo modernismo e o progresso - seu próprio nome era uma onomatopeia do barulho produzido pela buzina dos automóveis. Textos falando sobre o esnobismo carioca e tecendo críticas à elite da cidade eram comuns. Ela trazia muitas fotografias, ilustrações, literatura e excelentes charges políticas e sociais da sociedade do Rio de Janeiro. O grupo fundador era integrado pelos simbolistas Lima Campos, Gonzaga Duque e Mário Pederneiras. Álvaro Moreyra e Hermes Fontes dirigiram-no posteriormente. Os ilustradores eram o que o País conhecia de melhor: Raul Calixto e J. Carlos, Correia Dias, Emílio Cardoso Aires e Nair de Tefé, a primeira mulher a fazer no Brasil ilustrações e charges. O pintor Di Cavalcanti também foi colaborador em 1914. Lima Barreto, fu-

turo criador de Policarpo Quaresma, escreveu nela com os pseudônimos de Phileas Fogg e S. Holmes. A partir dos anos 1930 a sátira política e crônica social perderam força, cedendo lugar na revista à figura feminina e à divulgação de modelos de comportamento, beleza, elegância e luxo. Foi publicada até agosto de 1958.

Cronkite assume o CBS Evening News Em 16 de abril de 1962, Walter Cronkite se tornou o âncora do programa CBS Evening News,um trabalho pelo qual se tornaria um ícone norte-americano. Comandando a equipe jornalística em momentos marcantes da história, como a cobertura do assassinato do presidente do John Kennedy, a chegada do homem à Lua e a Guerra do Vietnã, Cronkite seria considerado, em diversas pesquisas de opinião, como o homem com mais credibilidade nos Estados Unidos. Apresentou o programa até 1981, e faleceu em 17 de julho de 2009.

Dito

"Nas nossas democracias a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens praticam todas as ações - mesmo as boas." Eça de Queiroz (1845 - 1900)

"Um jornal é um instrumento incapaz de discernir entre uma queda de bicicleta e o colapso da civilização." George Bernard Shaw (1856 - 1950)

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SUMÁRIO

Sumário

Diretora-Executiva NELCI GUADAGNIN

RUA SALDANHA MARINHO, 82 PORTO ALEGRE - RS CEP 90160-240 FONE/FAX (51) 3231 8181

Textos: MARCELO BELEDELI

www.revistapress.com.br comercial@revistapress.com.br

Diretor-Geral JULIO RIBEIRO

Diagramação/ Arte Final ESPARTA PROPAGANDA Imagens: Fotografia: Jefferson Bernardes/ Agência Preview Assinaturas atendimentoad@terra.com.br Impressão COMUNICAÇÃO IMPRESSA

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Comercialização PORTO ALEGRE: (51) 3231 8181 e (51) 9971 5805 com NELCI GUADAGNIN PRESS e ADVERTISING SÃO PUBLICAÇÕES MENSAIS DA ATHOS EDITORA, COM CIRCULAÇÃO NACIONAL, SOBRE OS MERCADOS DE COMUNICAÇÃO E IMPRENSA BRASILEIROS. OS ARTIGOS ASSINADOS E OPINIÕES EMITIDAS POR FONTES NÃO REPRESENTAM, NECESSARIAMENTE, O PENSAMENTO DA REVISTA.

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Almanaque

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Opinião: Marcelo Beledeli

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Entrevista: Nando Gross

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Opinião: Mario Rocha

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Capa: A epidemia das notícias falsas

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Artigo: Nubia Silveira

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Grandes Nomes: Ibrahim Sued

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Galeria: Veja ajuda a derrubar um presidente


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MIX

RETORNO DO JORNAL DO BRASIL É SUSPENSO A negociação entre os empresários Omar Peres e Nelson Tanure para que o Jornal do Brasil volte a circular foi interrompida. O mais provável é que Peres não consiga subarrendar a marca do diário carioca de Tanure, que detém o direito de explorá-la comercialmente. Em fevereiro, Peres, mais conhecido pelo apelido de Catito, anunciou que havia se acertado com Tanure e que colocaria nas bancas uma nova versão em papel do tradicional diário carioca, fundado em 1891 e que foi um dos mais influentes do país entre os anos 1950 e 1980. Catito chegou a anunciar nomes que levaria para a nova Redação e a tiragem do novo "JB" (10 mil exemplares no começo, podendo chegar a 30 mil).

Associação Mundial de Jornais versus Donald Trump

Em carta endereçada ao presidente americano, mais de 40 editores e diretores-executivos de meios de comunicação de 25 países pediram que Donald Trump pare de atacar a imprensa. A Associação Mundial de Jornais (WAN-IFRA, na sigla em inglês) afirma estar "profundamente preocupada com os recentes comentários feitos pelo senhor [Trump] e pela sua administração em relação a meios de comunicação". O órgão cita ainda o episódio no qual jornalistas de quatro veículos críticos ao governo foram barrados da entrevista diária dada pelo porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, em fevereiro.

FALSO O GLOBO

No dia 31 de março, uma edição falsa do jornal O Globo foi distribuída perto de estações do metrô na região central de São Paulo. O material também estava disponível em algumas bancas de jornal. De autoria desconhecida e em formato tablóide, com oito páginas, a publicação trazia uma série de reportagens inverídicas. A manchete dizia: "Temer renuncia: eleições são convocadas". Com data de 1 de abril, a edição tinha ainda anúncios falsos e deturpados de empresas como Odebrecht, Friboi e Nestlé, além de uma entrevista inventada do juiz Sérgio Moro. Foi instaurado um inquérito policial para descobrir a origem do material.

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Vale lembrar No Rio Grande do Sul, o primeiro desligamento do sinal analógico será no dia 31 de janeiro de 2018, e ocorrerá em 89 municípios. Essa etapa inclui Porto Alegre, toda a Região Metropolitana, uma parte do Litoral, uma parte da Serra e uma parte do Vale do Taquari.


AQUÁRIO

Imprensa "surpreendida"

Em julho do ano passado, fizemos uma capa da PRESS com a seguinte manchete: " A imprensa que sabia de menos" e perguntávamos na matéria principal como é que podia a imprensa brasileira ser "surpreendida" pela roubalheira na Petrobrás e na maioria das estatais e órgãos públicos federais? Como não houve, entre as centenas de jornalistas que cobrem diariamente os assuntos de Brasília, um que levantasse o tapete e registrasse toda a sujeira que vinha sendo jogada para baixo, nos últimos 30 anos no país. Que durante a ditadura militar não se fizessem, ou não se publicassem, reportagens investigativas, ok, porque, afinal, estávamos sob um regime de censura e arbítrio. Mas, por que, nessas três décadas de liberdade de imprensa, não fomos a fundo na investigação da corrupção, que foi se alastrando em todas as esferas do setor público brasileiro? É claro que houve uma reportagem aqui outra acolá, a maioria detendo-se em mal gastos de verbas parlamentares, excessos de diárias em legislativos, desvios em obras municipais e outros quetais. Mas, nada sobre a grande roubalheira nas estatais, nenhuma investigação a sério e grande sobre, por exemplo,

o que o Paulo Francis já denunciava há 20 anos a respeito da Petrobras. E agora, no âmbito das delações premiadas, somos obrigados a ouvir o rei dos corruptores, Emilio Odebrecht dizer, textualmente: "O que me surpreende é quando eu vejo todos esses poderes, a imprensa, tudo realmente como se isso fosse uma surpresa". E ele diz mais: "O que me entristece, inclusive, eu digo aí a própria imprensa. A imprensa toda sabia que, efetivamente, o que acontecia era isso. Por que, agora, estão fazendo isso? Por que não fizeram isso há dez, 20 anos atrás?", pergunta. "Essa imprensa sabia disso tudo

MEA CULPA

Como a imprensa brasileira pode ter sido surpreendida com a roubalheira em Brasília?

JULIO RIBEIRO

julioribeiro@terra.com.br

e fica agora com essa demagogia", e ainda fala que todos deveriam fazer uma "lavagem de roupa nas suas casas" para saber o que fazer a partir de agora. O que o barão dos empreiteiros diz é um escárnio, mas é, também, uma constatação. Temos que ouvir isso e fazer uma mea culpa. Muitos veículos de imprensa não investigaram porque eram agraciados com polpudas verbas publicitárias dos governos ou beneficiados com dinheiro sujo das empreiteiras, outros se acomodaram para não incomodar os poderosos de plantão, e outros, ainda, por pura preguiça ou inapetência pelo jornalismo sério e comprometido com a sociedade. Nós jornalistas, e nós dirigentes de veículos de imprensa, precisamos refletir sobre isso para não sermos, novamente, "surpreendidos" ante fatos que todos conhecem, mas que ninguém se atreve a investigar e denunciar. É isso, ou ainda vamos ter que ouvir um pulha como o Emílio Odebrecht nos chamando às nossas responsabilidades. Que vergonha!

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MIX

FACEBOOK CONTRA AS NOTÍCIAS FALSAS O Facebook resolveu investir na luta contra as notícias falsas na rede social. A companhia lançou no dia 3 de março uma iniciativa em parceria com empresas e universidades para que apenas notícias verificadas ganhem corpo dentro da plataforma. Segundo comunicado divulgado pela empresa, a News Integrity Initiative se trata de “uma nova rede diversificada de parceiros que vão trabalhar juntos para focar na veracidade das informações”. A iniciativa será liderada pela Faculdade de Jornalismo da Universidade da Cidade de Nova York, com supervisão do Centro Tow-Knight para o Jornalismo Empresarial.

Guerra do sinal digital As inscrições para edição de 2017 do Prêmio José Lutzenberger de Jornalismo Ambiental estão abertas. Profissionais e estudantes interessados em participar devem submeter seus trabalhos, produzidos entre 1º de julho de 2016 e 30 de junho de 2017, até 17 de agosto pelo site premiojornalismoambiental.com.br. A distinção reconhece três vencedores em cada um dos seis quesitos – Jornalismo Impresso, Fotojornalismo, Radiojornalismo, Telejornalismo, Webjornalismo e Prêmio Braskem de Jornalismo Universitário. O prêmio é promovido pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária Ambiental – Seção RS (Abes-RS), Associação Riograndense de Imprensa (ARI) e Braskem.

A guerra que Record, SBT e RedeTV! estão travando com as empresas de TV por assinatura pela remuneração do sinal digital ganhou batalhas mais fortes no final de março. A Simba, empresa criada para representar as três emissoras, cortou o sinal das operadoras Net-Claro e Sky na Grande São Paulo e no Distrito Federal, onde já ocorreu o apagão analógico e só há transmissão de TV aberta em sistema digital. As emissoras acusam as operadoras de se recusarem a negociar o pagamento de seus sinais, permitido pela lei 12.485, de 2011. Estima-se que as operadoras queiram mais de R$ 840 milhões das operadoras anualmente por seus sinais.

Uber investe em mídia impressa

O aplicativo de transporte Uber recorreu a anúncios em jornais para advogar pela manutenção das regras atuais do serviço de transporte privado no País, que são definidas pelos municípios. Em publicidade de página dupla, a empresa apelou aos 513 deputados federais usando o slogan "Direito de Escolha".O publicitário Nizan Guanaes foi às redes sociais para destacar a estratégia de comunicação: o uso do meio tradicional por uma empresa de tecnologia que precisa emprestar credibilidade a uma mensagem publicitária de seu interesse. "Eu, Nizan Guanaes, escrevo aqui no Facebook para vocês anotarem: o jornal e a revista de papel não vão acabar", ressaltou.

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ENTREVISTA

NANDO GROSS

problema do jornalismo esportivo

é que ele vive, basicamente, de fofoca Há três anos tu estás na Guaíba. Quais eram os teus planos para rádio quando chegaste na emissora? Completei três anos em 7 de abril, no Dia do Jornalista. Quando eu vim para cá, a situação do País era diferente. Em vim para a Guaíba antes da eleição de 2014, que foi quando o cenário econômico mudou. Quando eu cheguei na rádio, havia um projeto. Eu não gosto muito de falar a palavra “modernizar”, por que dá a entender que estaria rejeitando tudo o que a Guaíba já fez. Mas, eu ouvia as pessoas falando muito sobre a “velha Guaíba”, a rádio que eu, ainda adolescente, aprendi a gostar e me criei ouvindo, uma emissora que dava as cartas no Rio Grande do Sul, era líder. E eu vim com esse conceito para cá. Não, necessariamente, preocupado com liderança de audiência, de Ibope, mas com a ideia de resgatar aquela linguagem. Até há um tempo atrás,

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havia um conceito na população de que “se saiu na Guaíba, é verdade”. Esse sentimento se refletia até no jornalismo esportivo, um estilo que não envolvia, ao falar de uma contratação, falar “dezenas” de nomes, e se um dos citados fosse realmente contratado dizer “acertei”. Então era essa a ideia: resgatar aquela linguagem, daquela turma que fez a “Grande Guaíba”. A Guaíba foi uma das poucas rádios que já nasceram no conceito de “rádio-notícia”, ela não foi se alterando ao longo do tempo. Ela nasceu dentro do conceito de uma redação de jornal. Isso que tentei resgatar na Guaíba. E quais eram os principais empecilhos para implementar esse conceito? Quando cheguei tinha muito aquela ideia: “as coisas são feitas assim há 30 anos e não vamos mudar”. Tinha muitas pessoas que pensavam “é o meu programa, meu

horário, meu espaço”, não é o espaço da Guaíba. Então, não havia uma linha editorial entre os programas, eles não se comunicavam. Tivemos que fazer um trabalho nesse sentido, de juntar os programas em uma unidade editorial. E tinha muita gente acomodada, que parecia só estar esperando o tempo passar. Houve muita resistência a essas mudanças? Muita gente de antes de três anos atrás não está mais… Quando você chega num lugar e começa a implantar mudanças, alguns se adaptam e outros não conseguem. Não cheguei aqui pensando vou tirar esse ou aquele. Cheguei aqui aberto para ver quem estava a fim de mudar e quem não estava. Mas teve gente que rejeitou muito a mudança. Para ter uma ideia: quando cheguei aqui em 2014 a rádio Guaíba não estava no Twitter, não tinha WhatsApp para mandar reca-


do, não estava no Facebook (que a minha mãe já tem há 10 anos). Isso tudo a gente começou a implementar. A comunicação do ouvinte com a Guaíba era por email. Ninguém mais se comunica assim. Não tem agilidade, tu lê muito tempo depois que chegou. O Rogério Mendelski era quem trabalhava com torpedos, e da seguinte forma: ele tinha um telefone dele, de propriedade dele, que trazia e usava para receber torpedos. Não era da casa, era iniciativa dele! Hoje a Guaíba tem WhatsApp em todos os programas, a participação é direta, a gente recebe não só opinião como auxílio. Mas houve muito atrito? Há quem diga que o Nando Gross é arrogante. Só quem não me conhece fala isso (risos). Mas há pessoas - e eu tenho na minha família gente assim - que acredita que o mundo conspira contra elas. Pessoas que não conseguem ver que aquilo que acontece em suas vidas é resultado de suas próprias ações. Eu acredito nisso, que se colhe aquilo que se planta. Mas, tinha gente que pensava que eu ficava reunido com outros conspirando contra esse ou aquele. Eu não tenho tempo pra isso, eu estava preocupado com a rádio.

O portoalegrense Luis Fernando Moretti Gross, o Nando Gross, é uma das vozes mais reconhecidas no Estado, sobretudo para os fãs de esportes, área na qual dedicou boa parte dos seus 32 anos de carreira no rádio. Com passagens pela Difusora, Bandeirantes e Gaúcha, Gross assumiu, há três anos, a missão de comandar o jornalismo da Rádio Guaíba. Nesta entrevista, o radialista fala sobre os desafios de ser o gerente geral da emissora, os planos para o futuro da Guaíba e suas ideias sobre cobertura esportiva e jornalismo.

Também há gente que diz que, com Nando Gross no comando, a rádio deu uma “guinada para a esquerda”. Na tua percepção, o quanto disso é verdade? A rádio não tem, editorialmente, nenhum conceito de esquerda ou direita. Acho que é bastante anacrônica essa divisão. Os Estados Unidos crescem do jeito que crescem por que não perdem tempo discutindo isso. A gente perde muito tempo com isso. Temos na rádio o Rogério Mendelski, que pensa de

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ENTREVISTA

Eu não acho que a Guaíba tenha um “viés” de esquerda. Perguntem para o Rogério Mendelski se ele sofre censura nas ideias dele um jeito, o Juremir Machado, que pensa de outro, o Felipe Vieira, o Jurandir Soares, a Taline Oppitz, que são comentaristas. Apenas acho que as pessoas conseguiram se soltar mais agora, e têm mais liberdade para trabalhar. A gente vive um momento em que a crise econômica é forte e há pressão política. Eu, por exemplo, sofro pressão política do governo estadual a toda a hora, é uma pressão enorme. Eles não ligam para o gerente de jornalismo para fazer queixa de alguma coisa, eles ligam para a diretoria. Ligam para o presidente da Record, para o Luciano Araújo, que é diretor da rádio. O Secretário de Comunicação do governo do Estado, ao invés de ligar para o gerente de jornalismo, liga para o diretor. Isso é uma coisa que passou, as pessoas não querem mais saber disso. E eu convivo com isso, é complicado, difícil. Tem que ter coragem para conviver com isso. Recentemente o vice governador (José

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Paulo Cairoli) disse uma bobagem no Tribunal de Contas do Estado, falando que agora com a Lava Jato tinha ficado difícil conseguir uns trocados. Ele disse uma bobagem, mas achou ruim que os outros divulgassem a bobagem que disse. Esse é um problema antigo que parece que agora, com as redes sociais, se exacerbou, não? Muitas pessoas, ao invés de ficarem preocupadas com a mensagem, ficam preocupadas com o meio que a transmite. Hoje em dia é a coisa mais comum. Mesmo nos debates, ao invés de discutirem argumentos preferem, desqualificar o interlocutor. É muito comum isso no dia a dia. No caso do vice-governador nós ligamos para o governo antes da matéria ir para o ar para pegar a posição governamental, para que explicassem em que contexto foi dito aquilo. O que fez o governo? Disse que a matéria era desonesta, que não ti-

nha honestidade intelectual. A matéria nem tinha ido ao ar ainda! Ela estava sendo ainda construída, e estávamos ligando para eles, como fonte, para saber o que tinham a dizer sobre aquilo. Enviamos o áudio para saber o que tinham a dizer. Falaram que era uma desonestidade intelectual. Mas e sobre o assunto da matéria, o que tinham a dizer? Nada! Aí ligaram para o diretor da rádio, para o presidente da Record, isso que a gente sofre aqui. Eu não acho que a Guaíba tenha um “viés” de esquerda. Perguntem para o Rogério Mendelski se ele sofre censura nas ideias dele. E se o Mendelski é considerado de esquerda não sei mais o que é esquerda e direita. Perguntem se o Jurandir ou o Juremir foram alguma vez patrulhados em suas opiniões. Acho que hoje existe um viés maior em defender a direita ao invés da esquerda, pelo fracasso da esquerda na América do Sul, e aqui no Brasil, a desilusão com o PT foi muito grande. O


fracasso do PT revitalizou a direita, e até aquelas pessoas que defendiam a volta da ditadura renasceram, voltaram para as ruas. Antes eles tinham vergonha de defender isso abertamente. Então, existe um viés mais à direita, e qualquer manifestação que não seja à direita, chama mais a atenção. Parece que a imprensa tem mais facilidade em criticar governos do que criticar a iniciativa privada, não? As empresas, geralmente, ameaçam mais retirar anúncios. É aquela disputa, liberdade de imprensa versus liberdade de empresa. Isso também não se reflete no futebol? A imprensa não pareceu ter sido surpreendida pela roubalheira na CBF? Não faltou investigação ou coragem em trazer a publico as mazelas do futebol? Nos anos 1990 a imprensa já havia denunciado a CBF, e teve três CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) para investigar a entidade. Sabe o que aconteceu? Nada. Foi a própria imprensa que denunciou a existência da “Bancada da Bola”, que estava ali para defender a CBF. E até hoje o Brasil nunca atacou o futebol. O Marin (José Maria Marin, ex-presidente da CBF) só foi preso fora do País. O Marco Polo Del Nero (atual presidente da CBF) não coloca os pés fora do Brasil porque senão vai preso. O Ricardo Teixeira (também ex-presidente da CBF) estava em Miami, e saiu fugido de lá para o Brasil, porque aqui não acontece nada em relação ao futebol. Mas isso acontece, também, em relação aos clubes, não? Há tantas denúncias de torcedores de que um ou outro dirigente tem percentual na venda de jogadores, rouba, mas não tem

nenhuma reportagem de fundo, investigativa, sobre o tema. Pois é, falta isso. Concordo com essa afirmação. Talvez a gente nunca tenha conseguido fazer isso porque hoje falta tempo para o jornalismo investigativo. Cada vez a gente investiga menos. O problema é que o bom jornalismo precisa ter dinheiro. Deslocar dois repórteres e deixar eles investigando alguma coisa, cada vez tem menos disso no mundo, pois eles tem que ficar na redação fazendo um monte de coisa. Acho que falta isso. Eu não gosto de insinuação, se alguém fica me dizendo que fulano pega dinheiro, eu pergunto “mas o que você tem a dizer sobre isso? Qual a tua prova?”. É preciso ter uma base para fazer algo do tipo. A última grande investigação que a gente teve no futebol foi o caso de 2005, que teve como resultado uma ação paliativa, que foi a anulação de 11 jogos. Nesse caso, o repórter que fez aquela matéria teve que ficar uns seis meses investigando, trabalhando junto com a polícia, com o Ministério Público, até ter a possibilidade de divulgar. Muita gente reclama que o jornalismo esportivo, especialmente de futebol, costuma ser raso, repetitivo, com poucas informações relevantes. É muita cobertura para pouco assunto? Talvez seja. O grande problema é que muito do jornalismo esportivo vive basicamente de fofoca. Aqui, logo depois de um jogo, já começa a se perguntar como vai ser o próximo. Se você ler a repercussão de um jogo na Argentina, vai ver muito mais sobre esquemas táticos, sobre modelo de jogo, algo que se fala muito pouco aqui. Não estamos acostumados a trazer números como posse de bola, definir esquema tático. Mapa de calor, por exemplo, consegue dar infor-

mações relevantes sobre como um jogador se movimenta pelo campo. Acho que na análise esportiva a gente ainda é muito superficial. Por que não pode alguém se especializar nesses dados, assim como já fazem com setores da economia? E não é só falar futebolês, tem que saber com quem está falando, se fazer entender. Mas dominar um assunto, isso para um comentarista é obrigação. A gente não fica muito em cima de resultado de jogo? Sim, eu sou um crítico da crônica e da análise esportiva. Acho que a gente avalia muito em cima de resultados, de achismos, sem uma avaliação profunda. Eu defendo uma geração que está surgindo, que gostam mais do jogo, porque aqui parece que o jogo é um detalhe. Tem comentarista que não gosta de analisar o jogo, prefere analisar outra coisa, futura contratação, o que o técnico disse, a camisa e o sapato que ele está usando, se é verdade que fulano brigou com sicrano no vestiário, e não se tem uma análise do jogo. Eu sinto falta disso, mas é ainda uma consequência muito dessa ideia que se tem que no Brasil todo mundo joga futebol, então todo mundo entende. Você acha que falta coragem para quem cobre futebol de assumir suas simpatias por determinado clube? Existe uma questão de teoria da comunicação que é o tal do “ruído”. Eu acho que quando o torcedor identifica que uma determinada pessoa torce para um clube, ele leva isso em conta em relação ao que ela está dizendo, e causa ruído na comunicação. Mas isso não é mais honesto do que supor se ele é de um ou outro time?

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ENTREVISTA É honesto se ele for torcedor. Mas para um profissional é diferente. O que tu sentia na infância, na juventude, não pode importar mais. É como um médico, quando jovem podia ter nojo de sangue, mas se como profissional ele ainda tem, ele não serve para o trabalho. Se o cara que está comentando um jogo, um Grenal, ainda se envolve emocionalmente com o time dele, ele vai ter dificuldade de ser honesto na análise. Eu acho isso. E eu não tenho o direito de confundir nenhum torcedor que me ouve. Os ouvintes da rádio Guaíba torcem para Grêmio e Inter, não posso privilegiar um sobre o outro. Eu digo que torço para o Barcelona não pra fugir de Grêmio e Inter, mas porque é algo novo, gosto do jeito como o time joga. Você ainda gosta do teu time de infância? O meu primeiro time de infância foi o Flamengo, porque morei no Rio de Janeiro bem criança. Eu gosto do Flamengo até hoje, mas não muda nada na minha vida. Quanto a Grêmio e Inter, confesso que não sei se estou tão focado no trabalho que faço que não altera em nada. Morei fora, em São Paulo e no Rio de Janeiro, e sempre que um dos dois jogava lá, talvez por saudades daqui da terra, sempre torcia para eles, independente de qual fosse. O que tu ouves de rádio hoje, apenas a Guaíba? Eu ouço muito mais a Guaíba porque tenho que cuidar o que acontece, mas ouço muito radionews. Não sou muito de ficar ouvindo música em rádio, se quero música eu ouço em outro momento. Mas ouço a Gaúcha, a Bandnews, a Pampa. Apenas notícias ou futebol também? Não tenho paciência para as dis-

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cussões de futebol. Aqueles debates da TV, por exemplo, da ESPN, eu não vejo. E o que tu fazes para relaxar do trabalho? Eu tenho um problema sério para desligar, de não estar trabalhando. Minha cabeça está sempre pensando, tenho um problema sério para relaxar. Mas leio muito na internet, faço pesquisas, faço música, tenho meus violões em casa, minhas guitarras, então gosto muito de tocar. Também vejo muitos filmes. Não te assusta que as novas gerações de jornalistas leiam muito pouco? Sim, assusta. Vejo isso muito no texto do rádio, na hora de falar. Para saber escrever, você tem que ler bastante. Eles lêem na internet alguma coisa, mas tem muito vídeo. A leitura te permite visualizar as palavras, ver como são escritas. Muitas coisas que tinha dificuldade de aprender em aula, de regras de português, eu assimilei pela leitura. Tu falaste da “velha Guaíba”. As rádios antigamente tinham bem menos condições tecnológicas do que hoje. Fazer uma transmissão à distância era uma epopeia, e buscar informações era muito difícil. Mas, havia jornalistas com grande substância de texto, como Sérgio Jockyman, Antônio Carlos Ribeiro, entre outros tantos, que davam credibilidade. Pode-se dizer que o conteúdo das rádios hoje está mais raso? Em relação à tecnologia a Guaíba se atualizou recentemente. Quando eu cheguei aqui ainda se transmitia futebol por linha telefônica. A gente digitalizou tudo. Mas, acho que a gente tem bons textos, e pessoas muito capacitadas. Fico impressionado com o texto do Juremir Machado, por exemplo, que

admiro desde o tempo da RBS. Temos a Taline Oppitz, da área de política, uma pessoa muito bem informada. O Rogério Mendelski, que já é dos mais antigos. Eu queria ter uns 10 como o Rogério. Ele tem 74 anos, nunca fica doente, nunca deixa de vir trabalhar, levanta às 04h. Se quer brigar com o Rogério dá uma folga pra ele. Isso tem a ver com o estilo do pessoal mais antigo. Claro. Eu, por exemplo, para adoecer só quando tive que colocar um stent no coração, fiquei 10 dias no hospital. Mas resfriado nunca. É complicado contratar bons profissionais? Complicado é contratar alguém em rádio. Não querendo falar mal do Sindicato dos Radialistas, mas existem certas coisas que não consigo entender. Não posso colocar um produtor de um programa para falar num microfone, alguém que poderia no futuro vir a ser um apresentador, porque se o fizer sou multado. E na Guaíba existe uma onda de “denuncismo”. Eu trabalhei três anos na Bandeirantes, era terceirizado e não recebia salário, mas o sindicato nunca foi lá investigar isso. Recentemente, queria contratar um repórter e apresentador da Rádio Gaúcha, e não pude porque ele só tinha registro de jornalista, não de radialista. Eu cobro isso do Sindicato dos Jornalistas: como eles não tem uma posição para defender que o registro de jornalista seja válido para trabalhar em rádio e televisão? Essa lei seria federal, mas não acontece em nenhum outro lugar do Brasil, só aqui é exigido isso. E se eu tentar fazer isso aqui a rádio é denunciada. Mas de onde partem essas denúncias? De nossos próprios funcionários.


Temos o problema de funcionários que trabalham no sindicatos e eles mesmos denunciarem. Hoje já reduziu muito isso, mas ainda tem essa cultura. E eles acham que estão fazendo um bem para os funcionários, mas estão fazendo mal. Se eu não deixo um produtor falar, como eu vou saber se ele tem potencial para se tornar um repórter, um apresentador. Se eu não fizer um plano de carreira registrado eu não posso pegar um repórter e dar um aumento pra ele por mérito,

PIOR MONOPÓLIO

"Pior do que o monopólio da audiência é o monopólio da mídia. As agências concentram suas verbas em um só lugar e isso impede a diversidade do setor"

porque outro repórter vai entrar na Justiça e pedir equiparação. Quando tu assumiste o cargo na Guaíba não sabia desses detalhes? Não, eu não me envolvia com isso. E se tornou uma fonte de muito estresse. Peguei um produtor e pedi para gravar uns boletins, para testar se poderia se transformar em repórter, ou mesmo apresentador. Depois de um tempo chega uma multa para a rádio, de uma denúncia de alguém próximo. Isso na Gaúcha nunca aconteceu. O sindicato nunca se preocupou com a Gaúcha, com a Bandeirantes, só com a Guaíba. O rádio sempre conseguiu se reinventar com o tempo, desde que começou a sofrer concorrência com a televisão até chegar a era da internet. Tu achas que os teus netos, ainda, vão ouvir rádio? Talvez, não com 20 anos, mas depois de mais velhos vão ouvir. Eu falo do radionews. O rádio musical e popular sempre estiveram em primeiro lugar em audiência, mas, hoje, as pessoas ouvem pouca música em rádio. Tem o Spotify, radiowebs, o próprio YouTube, então tu escutas o que quiseres. Hoje, o que as pessoas procuram mais no rádio são notícias, serviços, utilidade pública, opinião, debate, entretenimento, e o radionews cresce com isso. A tendência é essa. O próprio rádio musical está, cada vez mais, com programas de conversa. A Rádio Atlântida, que é uma referência nessa área, o principal programa não é de música, é o Pretinho Básico, que é um programa de conversa. Ele é divertido, engraçado, com pessoas inteligentes, mas não é de música, e é a principal audiência. Até há algum tempo não era assim, eram os programas musicais que pontuavam. Então, é uma tendên-

cia o radionews liderar audiência. Acho importante a gente fazer um rádio voltado para notícias, mas que seja capaz de falar para as novas gerações. De que forma fazer isso? Acho que radionews hoje é muito sisudo, formal. Tem que ser mais descontraído. Até os repórteres eu vejo que se transformam quando vão falar ao vivo, usando uma voz empostada. Eu sempre digo para falarem do jeito que falam normalmente. Falar no rádio não precisa ser uma coisa tensa. O que estás planejando para os próximos três anos na rádio? Acho que temos que conseguir uma linguagem que nos dê mais fôlego. Gostaria de ter mais jornalistas de uma geração mais antiga, para acrescentar com a experiência. Mas, também, estamos formando uma nova geração aqui. Quero que a Rádio Guaíba se firme, não oscile tanto. Existe uma disputa, uma distância muito grande entre primeiro, segundo e terceiro lugar, e a gente precisa mudar essa história. Isso tem um pouco a ver porque é arcaica a forma como se faz medição de audiência. Não existe medição online, por exemplo, ela é feita por rádios ligados. Nos Estados Unidos já existe a medição real time, e está na hora do Ibope importar para cá. Hoje o Ibope te liga ou te aborda na tua casa, e te pergunta o que tu ouviste nos dias anteriores. É quase um registro de memória. Mas, o nosso maior problema ainda não é este. Eu ainda espero que a gente consiga quebrar um pouco um outro monopólio muito mais difícil que o monopólio da audiência, que é o monopólio da mídia, dos patrocinadores. Hoje as agências concentram suas verbas em um só lugar. Esse é o pior monopólio, pois impede a diversidade do setor.

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OPINIÃO

Um jornal para o Brasil!

Sabe o que faz falta ao Brasil? Um jornal impresso com expressão nacional e distribuição idem. Imagino periodicidade variável, ajustada às dificuldades de entrega. Diário (de segunda a quinta) nas capitais e principais cidades brasileiras, mais a edição especial de sexta a domingo alcançando-as e ao restante do país. É claro que teria versão digital produzida por redação 24h. Seu título? Lembro de um anúncio antigo garantindo ao leitor que quando ele perguntava qual o maior banco do Brasil já estava dando a resposta. Pois o melhor título da imprensa escrita é, justamente, Jornal do Brasil. Foi um dos quatro grandes, junto com FSP, Estadão e Globo. Nele escreveram Barbosa Lima Sobrinho – era um tempo em que a ABI tinha importância visceral; na análise política estava o insuperável Castelo Branco; Zózimo fazia jornalismo de verdade no colunismo social. E por aí vai... O JB enfrentou percalços de gestão. Em 1º de setembro de 2010, ele, que já havia abdicado do formato standard pelo controvertido berliner (formato entre o tablóide e o standard), abandonou o meio impresso. Hoje, o cabeçalho do periódico fundado em 1891 informa que é “O primeiro jornal 100% digital do Brasil”. Se você leu o JB de propriedade de Maurina Dunshee de Abranches Pereira Carneiro (15/08/1899 – 5/12/1983), a Condessa Pereira Carneiro, vá até www. jb.com.br e descubra o significado de depressão jornalística. Mas se-

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gue imbatível como título! O novo jornal conteria cadernos segmentados por biomas – Pampa, Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado, Caatinga e Amazônia – e seus conteúdos estariam direcionados para o desenvolvimento sustentável da economia nacional. O gerenciamento de um país com as tais “dimensões continentais” passa pela discussão das vocações regionais. Indústria, agricultura e agroindústria, pesca, extrativismo, comércio, serviços (inclusive pólos tecnológicos), turismo, tudo tem hora e lugar certos para vingar. Respeitando populações autóctones, a começar por aquelas que já estavam aqui quando iniciou a ocupação portuguesa, com certeza. Parece evidente que o modelito pressupõe jornalismo impresso às ganhas, não o feito aqui e acolá que só serve para suporte do negócio da comunicação. Um negócio que já deu muito dinheiro e agora virou mico segundo o aprofundado World Press Trends 2016, da patronal Associação Mundial de Jornais. Falo de discurso jornalístico crítico, desenvolvimentista também no social. Sempre é bom ressaltar o óbvio. Que tal um novo modelo de gestão que oportunize revisitar o gráfico tradicional do Ciclo de Vida do Produto (CVP), o qual lembra o contorno do fusca, para reverter a queda? Talvez o governo federal possa contribuir com anúncios, muitos anúncios, entendendo o papel indispensável da imprensa livre numa sociedade democrática. Talvez os empresários já estejam meio vacinados contra misturar marcas

MÁRIO ROCHA

mario.rocha@ufrgs.br

valorizadas com tanta porcaria digitalizada e promovam volta às origens. Talvez os donos da mídia impressa aceitem partilhar a lucratividade obtida a partir daí para remunerar seu capital. Imagino algo como este sistema adotado pelas empresas de transporte coletivo de Porto Alegre. Ele permite tarifa única para a população independente da quilometragem do trajeto. Mas será que ainda há tempo da imprensa impressa - leia-se jornais, que a questão das revistas é diferente - agir em relação ao que está lá no capítulo Indústrias em Declínio do livro Estratégia Competitiva, de Michael Porter? Não imagino que o novo Jornal do Brasil seria o fim dos jornais estaduais, regionais e municipais. Pelo contrário. Igual arranjo econômico poderia ser adotado em dimensões geográficas reduzidas. O problema é que, independente da cobertura da distribuição, não vejo como não legitimar a atividade sem Conselho de Redação, Ombudsman e Conselho de Leitores. É aqui que preteia o olho da gateada. Mario Rocha é jornalista e professor da Fabico



A

MATÉRIA DE CAPA

epidemia das

FALSAS N O T Í C I A S

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Pós-verdade foi escolhida pelo dicionário Oxford a palavra do ano de 2016. De acordo com a publicação, ligada à prestigiosa universidade britânica de mesmo nome, ela é um “substantivo que se relaciona ou denota circunstâncias em que fatos objetivos são menos influentes para moldar a opinião pública do que apelos à emoção ou crenças pessoais”. Nesse contexto, a disseminação de notícias falsas é um dos fenômenos que têm contribuído de maneira significativa no fomento de um cenário de polarização política e animosidade nas redes sociais em diferentes partes do mundo.

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MATÉRIA DE CAPA o ano passado, por exemplo, o referendo que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia e a eleição presidencial nos Estados Unidos tiveram resultados fortemente influenciados por matérias e postagens na internet compostas por informações distorcidas ou inventadas. Diante da escalada desse tipo de publicação, até mesmo a Organização das Nações Unidas (ONU) acendeu o sinal de alerta. Em março, a ONU divulgou uma declaração na qual dizia que as notícias falsas, a desinformação e a propaganda representam uma preocupação global. Ainda criticou o fato de esse tipo de conteúdo ser propagado com o intuito de “enganar a população e interferir no direito do público em ter conhecimento dos assuntos”. O cenário visto no exterior também se reflete no Brasil, onde a maquinaria de propagação de boatos cresce rapidamente e já tem um alcance muitas vezes maior do que o dos meios de comunicação tradicionais. Situação verificada, principalmente, nos temas que costumam predominar no noticiário nacional. Durante a semana que culminou na abertura processo do impeachment da então presidente Dilma Rousseff, três das cinco notícias mais compartilhadas nas redes sociais eram falsas, segundo levantamento realizado pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) da Universidade de São Paulo (USP). Desde o início de 2016, os pesquisadores do Gpopai fazem o monitoramento diário das matérias mais compartilhadas sobre política nacional. Ao todo, são analisadas mais de 3,5 mil notícias diárias, de veículos tradicionais, alternativos e sites com diferentes nuances ideológicas. Integrante do grupo, o professor da USP Pablo Ortellado constata que a disseminação de conteúdos

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não verificados dispara em momentos de assuntos controversos, como foi o impeachment e, de maneira mais recente, nas discussões sobre as reformas da Previdência e das leis trabalhistas no governo de Michel Temer. O acadêmico define que parte da produção de notícias falsas é oriunda de erros, enquanto outra é fruto de guerra política. Não por acaso, com o acirramento da polarização política no país, páginas ligadas à direta e à esquerda estão entre as principais responsáveis por disseminar conteúdos de teor duvidoso todos os dias. “A difusão desses conteúdos é feita por pessoas comuns, que se vêem como uma espécie de soldado nessa guerra em curso. Elas lêem uma manchete que corrobora uma posição política arraigada e passam adiante sem verificar, sem tomar nenhum tipo de cuidado”, afirma. É um fenômeno que Ortellado define como “viés de confirmação”, no qual o leitor se torna pouco crítico com textos que defendem pontos com os quais ele simpatiza. “Mesmo que não seja crível, o fato de estar de acordo com as crenças dessa pessoa, faz com que ela não pense duas vezes antes de passar adiante”, complementa.

Um problema antigo Apesar de ter tomado uma grande proporção nos últimos anos, a produção de notícias falsas não chega a ser novidade. Desde que a imprensa foi inventada existem esquemas do gênero, lembra o jornalista Rosental Calmon Alves, diretor do Centro Knight para Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas, nos Estados Unidos. “Depois da prensa de Gutemberg, apareceram os panfletistas na Europa, que espalhavam notícias falsas e as pessoas acreditavam porque estava escrito naquela coisa nova, que era um pedaço de papel. Da mesma forma, agora as pessoas acreditam em coisas porque elas aparecem na timeline”, compara. No entanto, a atividade provavelmente nunca foi tão rentável como agora, já que sites produtores de material inverídico conseguem ganhar dinheiro com programas de anúncios online, como o AdSense, do Google. Além disso, existem “redações” especializadas na criação de material apócrifo. Uma delas foi descoberta em uma pequena cidade da Macedônia, através de repor-

Na internet circula de tudo, e há quem acredite em tudo, mesmo nos maiores absurdos.


tagem feita pela BBC. De lá, saíram muitos dos boatos disseminados durante a campanha à presidência dos Estados Unidos, que culminou na vitória do empresário Donald Trump. Trump e seus apoiadores souberam usar a desinformação nas redes a favor da candidatura republicana, como constata Alves. Ao longo da campanha, não faltaram histórias surrealistas, que iam desde um suposto apoio do Papa Francisco a Trump até o envolvimento da candidata democrata, Hillary Clinton, com pedofilia e assassinatos. Além disso, antes mesmo de ser um presidenciável, o empresário já utilizava seus perfis em redes sociais para espalhar boatos, como o de que Barack Obama havia nascido no Quênia. De quebra, costuma chamar de falsas as matérias críticas a sua figura e ao seu governo publicadas nos veículos tradicionais. “Trump não só chama notícias verdadeiras de falsas, como ele mesmo propaga as notícias falsas. Isso embaralha a cabeça das pessoas”, constata o professor da Universidade do Texas. Para Alves, a alfabetização digital e jornalística da população é crucial para se resolver o problema.

Jornalismo como antídoto

FAKE NEWS

Donald Trump foi acusado de espalhar notícias falsas durante a campanha presidencial americana

Nos Estados Unidos, a vitória de Donald Trump e o impacto das fake news nesse evento fez com que a procura por assinaturas de jornais como o New York Times e o Washington Post disparasse. As empresas, inclusive, começaram a realizar campanhas sobre a importância do jornalismo no combate à boataria na internet. No Brasil, a onda de notícias falsas, também tem feito que alguns meios de comunicação tradicionais se mexam. O Globo e a Folha de São Paulo são dois dos jornais que lançaram ini-

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MATÉRIA DE CAPA ciativas de valorização do jornalismo profissional em meio à era da pós-verdade. Inclusive, alguns veículos criaram grupos de checagem de dados e começaram a fazer matérias desmascarando informações equivocadas que se tornam virais na rede. “O antídoto para esse problema é a valorização dos veículos profissionais em detrimento dos pseudo sites. Mais e melhor jornalismo”, destaca o vice-presidente editorial do Grupo RBS e presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech. No Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, 3 de maio, a ANJ divulgará uma campanha dedicada ao assunto. A ideia é destacar ao público o papel certificador exercido pelas empresas jornalísticas na checagem das informações. “O fenômeno das notícias falsas é muito grave e potencialmente perigosíssimo. Está causando uma distorção muito grande na opinião pública mundial. Temos pessoas tomando decisões baseando-se em notícias falsas”, constata. Rech acredita que, em conjunto aos esforços dos meios de comunicação, Google e Facebook deveriam rever suas políticas de impulsionamento de conteúdos e de pagamento por anúncios, no intuito de apertar o cerco aos conteúdos falsos. Segundo o executivo, os próprios anunciantes começam a rever seus critérios para realizar publicidade online, temendo que suas marcas sejam associadas a informações mentirosas e páginas que estimulem racismo, homofobia e terrorismo. Os dois gigantes digitais já anunciaram que estão estudando medidas a fim de diminuir a desinformação na rede, como a criação de botões de denúncia desses materiais. Enquanto isso, em meio à enxurrada de textos, surgiram alguns sites no Brasil que tem se dedicado

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“O fenômeno das notícias falsas é muito grave e potencialmente perigosíssimo. Está causando uma distorção muito grande na opinião pública mundial."

Leandro Bissoli

Pablo Ortellado

a checar se os conteúdos compartilhados na internet procedem ou não. É o caso do Boatos.org, criado pelo jornalista Edgar Matsuki e que conta com outras três pessoas em sua equipe. Diariamente, o grupo recebe centenas de sugestões de pautas de notícias falsas para analisar. Só pelo Whatsapp chegam mais de 500 mensagens diárias, relata Matuski, que paralelamente trabalha na EBC. “A checagem depende do boato. Às vezes, uma busca simples no Google já mata a charada. Em outros casos é preciso entrar em contato com personagens da historia. Em outros, é preciso uma verificação mais profunda. Uma coisa é certa: só publicamos quando chegamos à conclusão de que a história é falsa e temos provas na argumentação”, explica. Matsuki classifica os boatos em três tipos: os que nascem em redes sociais, os que nascem em blogs e os que surgem na própria imprensa a partir da reprodução de matérias tablóides sensacionalistas e sites pretensamente jornalísticos. Mesmo com o trabalho constante de verificação, o jornalista acredita que a checagem dos dados é como “enxugar gelo”, até porque muitas vezes a repercussão do desmentido

Luiz Carlos Hauly

Rosental Calmon Alvez

Marcelo Rech


não chega nem perto de superar a quantidade de compartilhamentos das matérias falsas. De todo modo, o jornalista diz que o papel do Boatos.org é ajudar as pessoas a refletir que nem tudo o que está na internet é verídico.

As implicações jurídicas O compartilhamento de notícias falsas e boatos improcedentes na internet pode trazer consequências judiciais tanto para o autor da publicação como para quem compartilhou o conteúdo. A vítima de boato ou matéria falsa “pode buscar uma retratação, podendo receber indenização por dano moral e material. O autor e quem compartilhou o conteúdo também podem responder criminalmente por isso”, explica Leandro Bissoli, especialista em direito digital e sócio do escritório PPP Advogados. O especialista ainda lembra que há dificuldades em se rastrear a origem dos sites que propagam conteúdos falsos, já que, muitas vezes, estão hospedados em servidores fora do país. A propagação de conteúdo falso tem sido alvo de discussão até no Congresso Nacional. O deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) protocolou em fevereiro proposta de projeto de lei que prevê detenção de 2 a 8 meses e multa de R$ 1,5 mil a R$ 4 mil ao dia para quem compartilhar notícias falsas na internet. A matéria, porém, não detalha como funcionaria a identificação desses materiais e nem das pessoas que os espalham. Por outro lado, o presidente da seção gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), Ricardo Ferreira Breier, acredita que a legislação existente já ampara as pessoas e empresas atingidas pelas matérias mentirosas e, por tanto, não seria necessária uma nova lei específica sobre o tema.

PARA CHECAR SE UMA NOTÍCIA É FALSA Analise a origem: Veja onde a notícia foi publicada. Analise se ela saiu de um veículo com credibilidade ou de algum blog obscuro na internet. Procure conhecer o histórico dos meios de comunicação e dos jornalistas que propagam a informação. Desconfie de sites ou blogs com nomes parecidos com o de grandes jornais ou revistas, mas que apenas publicam conteúdos sensacionalistas. Também esteja atento para ver se a notícia não foi publicada em algum site humorístico, que faz sátiras de acontecimentos reais com uma linguagem semelhante à jornalística. Leia o conteúdo na íntegra: Às vezes, um título ou uma chamada polêmica pode levar uma pessoa a compartilhar uma matéria sem sequer lê-la. Por isso, antes de disseminar conteúdo pelas redes sociais, procure ler a matéria inteira e não apenas o título. A partir daí, verifique a estrutura do texto. A base de qualquer apuração jornalística é a consulta de fontes especializadas ou envolvidas em determinado tema. Se a notícia não tem fontes, a chance de ela ser falsa é alta. Textos com muitos adjetivos, seja para exaltar ou criticar alguém, e com título ou frases alarmantes tendem a ser mentirosos. Vá direto na fonte: Caso uma publicação em redes sociais, como Facebook ou Twitter, faça menção a alguma fala polêmica de um político ou personalidade, vá direto ao perfil oficial da pessoa em questão. Muitas vezes prints são manipulados ou tirados de contexto e perfis falsos são criados para disseminar informações erradas. Verifique a página oficial da pessoa citada e veja se ela realmente deu aquela declaração. O mesmo vale para textos ou citações suposta-

mente atreladas a algum veículo de comunicação tradicional, seja nacional ou internacional. Vá até o site do jornal ou revista e olhe se, de fato, aquela matéria está lá.

Cruze os dados: Ao se deparar com uma notícia de origem duvidosa, procure saber se mais alguém está publicando algo a respeito daquele assunto. Faça uma simples busca no Google ou uma rápida visita aos sites dos principais veículos nacionais ou internacionais. Temas de impacto, sejam relacionados à política ou outras áreas, sempre repercutem em diferentes meios de comunicação. Caso não ache nada sobre o assunto em mais de uma publicação, a probabilidade de o conteúdo ter sido inventado é elevada. Também existem alguns sites que ajudam a desmascarar boatos e a identificar a veracidade de conteúdos que se tornam virais na internet. No Brasil, dois deles se destacam, o E-Farsas (www.e-farsas.com) e o Boatos.org (www.boatos.org).

Acenda o “desconfiômetro”: Não acredite em tudo o que se vê na internet, duvide de conteúdos disseminados em redes sociais ou no Whatsapp que tenham a fonte desconhecida. A propagação de material falso fomenta a desinformação e, de quebra, contribui para que os autores das mentiras ganhem dinheiro através de anúncios em seus sites. Na dúvida, não compartilhe conteúdo de procedência estranha. Para não cair na armadilha das notícias falsas, mantenha o “desconfiômetro” ligado. Procure diversificar suas fontes de informação, busque ler sobre um mesmo assunto em publicações com diferentes enfoques para construir seu ponto de vista.

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ARTIGO

por Nubia Silveira nubiasilveira46@gmail.com

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moção, alegrias e lembranças se transformaram no prato principal do almoço que reuniu jornalistas de 80 anos (ou quase) e de 90 anos, no sábado, 8 de abril, num dos salões do Restaurante Copacabana, em Porto Alegre. Darci Demétrio, o último a ser encontrado, foi o primeiro a chegar, com seu largo sorriso e simplicidade de sempre. Carlos Bastos, Ibsen Pinheiro e Nubia Silveira, coordenadores do evento, recepcionaram o amigo lembrando dos tempos em que trabalharam juntos nos jornais Última Hora e Folha da Manhã. Logo depois chegou Jesus Afonso, munido de crachás e recortes de jornais que comprovam a cobertura de oito Copas do Mundo. Aos poucos, os cabeças brancas foram chegando e tomando conta do salão preparado para 90 pessoas, que lotou totalmente com jornalistas, acompanhantes e alguns bicões que não se conformaram em ficar de fora da histórica reunião. A cada reencontro, grandes e fortes abraços, alarido de criança solta em pracinha, sem a supervisão das mães e das babás. Alguns não se viam há 50 anos. “Tem gente que vi por último quando tinha 30 anos de idade”, recordou Lauro Quadros. Na chegada todos foram devidamente etiquetados, com seus nomes de guerra, para não serem subme-

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tidos, pelos que não o reconhecessem, à indagação: “quem és?”. Mas o crachá improvisado se mostrou desnecessário. Todos exibiram ótima memória. Os nonagenários – Ari dos Santos, Hugo Hammes, Ib Kern e Lucídio Castelo Branco –foram duplamente aplaudidos, quando citados por Ibsen e Flavio Tavares, nas falas que deram início ao almoço. Ib pedia que falassem próximo ao ouvido pelo qual ouve melhor e não deixou ninguém sem resposta. Lucídio lembrou do tempo em que debatia com Ib. “Ele era comunista e defendia o comunismo”. No entanto, no livro Não há anjos no poder, publicado em 2007, Ib faz um defesa tímida do sistema. Ari dos Santos apontou para Lauro Quadros e revelou: “Esse começou comigo”. Ansioso, Ibsen Pinheiro controlava a porta de entrada, consultava o relógio e perguntava: “quantos dos confirmados já chegaram?” Enquanto ele se preparava para pôr um pouco de ordem na balbúrdia dos veteranos, eu pensava como da tristeza da morte pode surgir um encontro que celebra a vida e a amizade. Um sábado pela manhã recebi o telefonema de Walter Galvani avisando que Floriano Corrêa, o Florianão, havia morrido. A tristeza de não tê-lo reencontrado vivo foi imensa. Repassei a notícia a seus velhos amigos da Rádio Gaúcha e da Folha da Manhã, que

demonstraram a mesma dor. Pouco tempo depois, perdemos mais três grandes profissionais: Sampaio, Adroaldo Streck e Jayme Copstein. Num encontro, regado a cafezinho, com Carlos Bastos, comentamos as perdas e eu disse que gostaria de reunir os oitentinhas e noventinhas em um almoço. “Essa ideia é do Ibsen”, exclamou Bastos. “Ele me disse a mesma coisa, num telefonema ontem”, reagiu surpreso. “Bem, então, vamos deixá-lo promover o almoço”, respondi. “O melhor é nos reunirmos os três”, falou Bastos, que fez a ponte entre mim e o jornalista-deputado. Na primeira reunião de pauta cada um listou seus conhecidos nessa faixa etária. Faltava o contato de uns e outros. Pedi ajuda para a Thamara da Costa Pereira e o Luís Adolfo Lino de Souza, ambos da ARI – Associação Riograndense de Imprensa. João Borges de Souza e Floriano Soares sugeriram mais nomes. À medida que a lista crescia e aumentava a dificuldade em localizar os veteranos, recorri aos amigos do Facebook, que me passaram nomes e telefones. Aos poucos, assumi o que Flavio Tavares denominou de “secretária do Comitê Central”, elaborando tabelas com os encontrados e seus nomes de guerra, dando telefones, enviando e-mails e fazendo o papel de assessora de imprensa. Nós três conversamos com todos. Bastos era o mais apreensivo. Ligava todas


Foto: Alfonso Abraham Foto: Alfonso Abraham Foto: Ricardo Giusti

1) Flávio Tavares, ao lado de Ibsen Pinheiro e Carlos Bastos , fala aos colegas veteranos 2) Nubia Silveira e o noventão Lucidio Castelo Branco 3) Encontro reuniu jornalistas veteranos no restaurante Copacabana

as noites para conferir a lista e sugerir novos nomes. Ficamos felizes ao saber dos que estavam bem e tristes ao tomar conhecimento das mazelas de outros. Das mulheres, só três puderam comparecer: Fé Emma Xavier, Martha Geralda D'Azevedo e Gladis Fichbein. A primeira lançou, recentemente, um livro sobre sua vida pessoal e profissional. Gladis se bandeou para a publicidade, depois da experiência em jornal. “Os anos que passei na Última Hora foram importantes para a minha vida”, afirma. Lygia Nunes, Gemma Generalli e Célia Ribeiro não puderam estar presentes. Elas eram poucas nas redações, que só foram invadidas pelas mulheres, feito um tsunami, a partir da segunda metade dos anos 1960. Do Rio de Janeiro, veio José Silveira, para a alegria dos velhos companheiros. Foi ciceroneado pelo Bastos. Cada um tinha algo para contar do tempo em que os encontros se davam na Praça da Alfândega durante toda a madrugada sem risco de violência. O que lembras ao ver toda esta turma reunida?, perguntei a Índio Vargas. “De um domingo, em frente ao Cine Imperial, em que o Ibsen, que era do Partidão, começou um discurso e foi interrompido por um gaiato que gritou: ‘Fala aí, bom cabelo’”. Bom cabelo? “Os moços que andavam de cabelo arrumadinho para conquistar as moças eram chamados assim. E ao ouvir o gaiato, o Ibsen perdeu a graça e não continuou o discurso”. Gladis recordou a repreensão recebida por escrito do diretor da Última Hora, Neu Reinert, reclamando que os repórteres ficavam conversando ao redor dela em vez de trabalharem. Loira, olhos verdes, a bela repórter chamava a atenção dos colegas. Mas não era apenas linda. Também era inteligente. Não aceitou o pito. Entrou na sala do chefe e foi clara: “Tu só sabes disto porque ficas me olhando, me controlando!”. Permaneceu no jornal, em que também trabalhavam Iára Bendati e Gilda Marinho, sem mais problemas. A intensa conversa não cedeu nem quando começou a ser exibido Estranhos na Noite, ótimo filme de Camilo Tavares, sobre a censura no jornal O Estado de S. Paulo. Os convidados queriam usufruir de tudo ao mesmo tempo. Só reclamaram da demora no serviço do restaurante, que estava lotado e não reforçou seu grupo de garçons. Com fome, se mostraram impacientes. O bom humor voltou tão logo a comida foi servida. Dois desejos ficaram no ar. Primeiro, o gritado por Marco Aurélio Carvalho – “Vamos sair daqui e tomar nossos lugares nas redações” – e o outro, externado por muitos dos participantes: “queremos outros encontros”. O evento deve se repetir. “Não se sabe se com a mesma turma e coordenação”, diz Ibsen, pensando no que a vida nos reserva.

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GRANDES NOMES

o c r i a d o r d o c o l u n i s m o s o c i a l m o d e r n o n o B ra s i l

ai do colunismo moderno no Brasil, Ibrahim Sued elevou a coluna social a um novo patamar. Com um texto descontraído e uma série de informações exclusivas, fez história nas páginas do jornal carioca O Globo, onde manteve um espaço durante 41 anos, entre 1954 e 1995. O Turco, apelido que ganhou devido a sua descendência árabe, transitava como poucos entre personalidades, políticos e empresários brasileiros e estrangeiros. A partir dessa rede de contatos, abastecia a “Reportagem Social”, seção do diário que em pouco tempo se tornou uma das mais lidas e de maior relevância no país. Nascido no Rio de Janeiro em 23 de junho de 1924, Ibrahim criou-se nos bairros Tijuca e Vila Isabel e chegou a morar em quartos de pensão em Copacabana na juventude. Após concluir o antigo curso ginasial, aos 17 anos de idade, conseguiu um emprego no comércio carioca. Seus constantes atrasos ao trabalho fizeram com que decidisse repensar sua escolha profissional. A partir daí, resolveu tentar a sorte no jornalismo. No entanto, sua trajetória nesse ofício não começou no gênero que acabou o consagrando. Em 1946, iniciou sua carreira na imprensa exercendo a função de repórter fotográfico. Sua tarefa consistia em fazer plantão nas redações das sete da noite às sete da manhã. Conseguiu

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destacar-se a partir da cobertura que fez da visita do general Dwight Eisenhower ao Brasil, comandante das tropas aliadas na Segunda Guerra Mundial. Uma foto sua na qual o líder da UDN Otávio Mangabeira aparentava beijar a mão de Eisenhower, que viria a ser presidente dos Estados Unidos, gerou forte repercussão. A foto captava um aperto de mãos entre os líderes, mas por um efeito de ótica, parecia que Mangabeira se curvava ao militar estrangeiro, o que gerou críticas por passar uma imagem de servilismo perante os norte-americanos. Foi durante os anos 1940 que Ibrahim começou a construir uma série de contatos que viriam a ser fundamentais para a criação de sua coluna social. Nesse período, iniciou amizades com pessoas de diferentes áreas da sociedade, com as quais fundou o Clube dos Cafajestes. Na década seguinte, trabalhou com Joel Silveira na revista Diretrizes, onde começou a transitar nas festas e eventos que ocorriam no hotel Copacabana Palace. Logo, começou a publicar pequenas notas em um espaço chamado “Vozes da Cidade”, na Tribuna da Imprensa, publicação de Carlos Lacerda. Em 1951, passou a fazer uma coluna intitulada “Zum-Zum”, no jornal A Vanguarda. Nos primeiros anos de colunismo, Ibrahim já


mostrava algumas das características que o tornaram famoso posteriormente. Em 1954, recebeu convite para assinar uma coluna n’O Globo. A primeira edição de “Reportagem Social”, publicada em 18 de agosto de 1954, ganhou chamada de destaque na capa do jornal. Naquele dia, o diário anunciava que passaria a noticiar “muito mais do que os comentários sobre os vestidos e menus da sociedade carioca.” Com um faro aguçado para encontrar notícias de impacto, o jornalista divulgava em primeira mão fatos sobre economia e política, além dos acontecimentos envolvendo a elite do Rio de Janeiro. Tudo isso em formato de pequenos textos e com um vocabulário recheado de bordões, o que fez com que seu estilo caísse no gosto de leitores de diferentes classes sociais. Por conta de sua atividade profissional, Ibrahim Sued colecionou fotos ao lado de celebridades, como Getúlio Vargas, John Kennedy, rainha Elizabeth II, o rei espanhol Juan Carlos I, Ginger Rogers, Doris Day, entre muitos outros. Uma das principais características de Ibrahim Sued era a realização das listas das “dez mais”, as dez mulheres mais belas, as dez mais elegantes, as dez melhores anfitriãs, entre outras relações que costumavam causar polêmica na época. A inspiração principal de Ibrahim para o seu trabalho veio dos colunistas norte-americanos, que mesclavam as notícias sobre a alta sociedade com acontecimentos políticos e econômicos. O jornalista dava até mesmo conselhos de etiqueta, já que convivia entre as personalidades mais famosas do Brasil e do mundo. O destaque no papel fez com que Ibrahim também ganhasse um espaço na televisão. Em um primeiro momento, realizou o programa “Ibrahim Sued e Gente Bem” pela TV Rio. Na atração entrevistava famosos, fazia comentários e mostrava imagens sobre os acontecimentos da época. Em 1966, estreou o programa Ibrahim Sued Repórter, na TV Globo. Nele, procurou manter a fórmula utilizada no jornal, recorrendo a ditos populares e expressões pitorescas, muitas das quais ele mesmo inventava. Na televisão, informou em primeira mão a morte do senador dos Estados Unidos Robert Kennedy, em 1968, e o derrame do ditador Arthur da Costa e Silva, no ano seguinte. A cada vez que encerrava o programa, dizia “E agora que vocês estão informados, durmam bem e ademã, de leve, porque eu vou em frente”.

A inspiração principal de Ibrahim para o seu trabalho veio dos colunistas norte-americanos, que mesclavam as notícias sobre a alta sociedade com acontecimentos políticos e econômicos.

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GRANDES NOMES

A lista de termos utilizados e popularizados por Ibrahim Sued era extensa. Em 2 de outubro de 1995, um dia após a sua morte, O Globo publicou um glossário das principais expressões. “Bomba! Bomba! Bomba!”, anunciava quando anunciava um furo de reportagem. “Cavalo não desce escada”, alertava quando era para se ter cuidado. “Caixa alta” era o sujeito endinheirado, enquanto “caixa baixa” era o metido a rico. “Sorry, periferia”, emendava sempre que anunciava uma informação que os concorrentes não tinham. "Os cães ladram e a caravana passa", era um repto à inveja. Ao todo, a relação contava com quatro dezenas de termos e frases. O Ibrahim Sued Repórter durou por oito anos, saindo em agosto de 1974 da grade de programação da Rede Globo. Com o término da atração, Ibrahim passou a fazer inserções todos os domingos no Fantástico. Seu carisma junto ao povo, consolidado a partir da ida para a televisão, fez com que o Turco virasse tema de samba enredo da escola de samba Acadêmicos de Santa Cruz, no carnaval de 1985. Na mesma década, um dos principais acontecimentos sociais do Brasil foi o casamento de sua filha Isabel Cristina, que contou com mais de quatro mil convidados. Mesmo atuando como colunista social, nunca ficou em cima do muro em relação às suas posições políticas. Após a revolução cubana liderada por Fidel Castro, em 1959, foi um dos maiores críticos da implantação do comunismo na ilha caribenha. Por outro lado, não hesitou em apoiar os presidentes militares durante o

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período da ditadura brasileira. Também apoiou publicamente o então candidato à presidência da República Fernando Collor de Mello nas eleições de 1989. Chegou ainda a lançar sete livros e brincava que era um imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) sem fardão. Apesar disso, sempre dizia que não queria se tornar membro da academia. Já na década de 1990, diminuiu o ritmo das atividades. Em 1993, passou a publicar somente uma coluna dominical n’O Globo. No ano seguinte, a Faculdade da Cidade do Rio de Janeiro lhe concedeu o título de professor emérito do curo de Jornalismo. No momento da entrega da comenda, o diretor acadêmico da instituição, Paulo Alonso, fez um discurso falando de sua relação com o colunista, do qual havia sido colega no jornal, e lembrou que Ibrahim sempre soube superar as adversidades. Ibrahim Sued faleceu em 1 de outubro de 1995, vítima de um infarto agudo do miocárdio e edema pulmonar. Morreu em sua casa em Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro. No dia seguinte à sua morte, O Globo publicou como manchete “Ademã, Ibrahim”, fazendo menção a um dos bordões mais famosos do colunista. Seu corpo foi velado na Assembleia Legislativa do Rio. Políticos, jornalistas, artistas, socialites, empresários e cidadãos comuns foram se despedir de Ibrahim. Ele foi sepultado no cemitério São Joao Batista, no bairro Botafogo. Em 2003, foi homenageado com uma estátua instalada em frente ao hotel Copacabana Palace. Seu trabalho influenciou alguns dos maiores nomes do jornalismo brasileiro na atualidade, entre eles Ancelmo Gois e Ricardo Boechat.



GALERIA

Com uma entrevista, Veja ajuda a derrubar um presidente Há mais de duas décadas mantendo circulação superior a um milhão de exemplares vendidos todas as semanas, Veja segue como a maior e mais influente revista do Brasil. A publicação da editora Abril, que começou a circular em setembro de 1968, marcou a história do País com reportagens de grande impacto social e político.

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ma dessas histórias, que ajudou a revista a crescer em circulação e a manter seu patamar como líder dos periódicos brasileiros, está completando 25 anos em maio: a entrevista com Pedro Collor, irmão do então presidente Fernando Collor de Mello. Em 27 de maio de 1992, a edição 1236 trazia uma entrevista bombástica de Pedro Collor ao jornalista Luís Costa Pinto, onde o irmão do então presidente da República fez revelações que mudariam o curso da história política do País e que representaram um marco do começo do processo que levaria ao de impeachment de Fernando Collor. Ex-diretor das organizações Arnon de Mello, que controlava boa parte da imprensa alagoana, Pedro afirmou que Paulo César Farias, o PC Farias, ex-tesoureiro da cam-

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panha de Collor, era "testa-de-ferro" do presidente e possuía grande influência nas decisões tomadas no governo. Ele disse também que o jornal Tribuna de Alagoas, que PC pretendia lançar em Maceió, era, na verdade, de Fernando Collor. Cinco dias depois da publicação da entrevista, o Congresso Nacional instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar os negócios de PC Farias no governo Collor. As revelações de casos de corrupção no governo levariam multidões às ruas em protestos, o que culminaria com a abertura do processo de impeachment do primeiro presidente democraticamente eleito no País após a ditadura militar. Durante os quatro meses até o afastamento de Collor, no final de setembro, a revista publicou diversas reportagens de capa com mais revelações contra o governo e o esquema PC Farias. Roberto Civita, presidente da editora Abril e editor de Veja, sempre afirmou ter muito “orgulho” dessa série de capas contra Fernando Collor. “Acho que Veja prestou um grande serviço ao País”, declarou.


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