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ALMANAQUE

RÁDIO GUAÍBA COMEMORA 60 ANOS Às 12 horas do dia 30 de abril de 1957, com 10 quilowatts em ondas médias e dois transmissores de ondas curtas, a ZYU 58 Rádio Guaíba de Porto Alegre entrou no ar. Fundada por Breno Caldas, proprietário do jornal Correio do Povo, a emissora faz parte da história do rádio nacional. Entre seus marcos, foi a única rádio do Rio Grande do Sul a cobrir a Copa do Mundo de futebol de 1958, realizada na Suécia. Em 1961, transmitiu os discursos de Leonel Brizola durante a Campanha da Legalidade e implantou uma rede no qual o sinal da rádio era transmitido para emissoras de todo o País. Era formada a

"Rede da Legalidade", que defendia a posse do presidente João Goulart. Liderou o mercado até meados da década de 1980, quando toda a Empresa Jornalística Caldas Júnior viveu um momento difícil, e foi vendida para Renato Bastos Ribeiro. Em 2007, a emissora foi adquirida pelo Grupo Record. Passou a transmitir também em FM em 16 de agosto de 2010. Já em 2014, a Guaíba estreou sua nova programação, com o objetivo de refinar e modernizar o padrão de linguagem da rádio, alinhando o conteúdo às necessidades dos ouvintes, focando no jornalismo e no esporte.

VIDA E OBRA DE BELMONTE O jornalista Gonçalo Junior lançou recentemente o livro “Belmonte” (editora Três Estrelas), que conta a vida e obra de um dos maiores cartunistas brasileiros de todos os tempos. Benedito Bastos Barreto (1896-1947) era um cara tímido, muito envergonhado e arredio. Mas, sob a alcunha de Belmonte, ficou famoso na primeira metade do século 20, produzindo cartuns, charges, quadrinhos e ilustrações, principalmente para os jornais Folha da Manhã e Folha da Noite (que dariam origem à Folha de S.Paulo). No dia 19 de abril, completaram-se exatos 70 anos da morte de Belmonte. Seu humor incomodava os poderosos da época, especialmente Getúlio Vargas, sem deixar de lado os problemas comuns do dia a dia. Seu principal personagem foi Juca Pato, representante do cidadão médio de São Paulo, que contestava as autoridades e as falhas no serviço público.

Dito

Quatro jornais hostis devem ser mais temidos do que mil baionetas. Napoleão Bonaparte (1769-1821)

Notícia é algo que alguém, em algum lugar, deseja suprimir; todo o resto é publicidade. Alfred Harmsworth (Lorde Northcliffe) - (1865-1922)

Nunca se esqueça de que se não conseguir atrair o leitor do jornal com sua primeira frase, nem precisa escrever a segunda. Arthur Brisbane (1864-1936)

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SUMÁRIO

Sumário

Diretora-Executiva NELCI GUADAGNIN

RUA SALDANHA MARINHO, 82 PORTO ALEGRE - RS CEP 90160-240 FONE/FAX (51) 3231 8181

Textos: MARCELO BELEDELI

www.revistapress.com.br comercial@revistapress.com.br

Diretor-Geral JULIO RIBEIRO

Diagramação/ Arte Final ESPARTA PROPAGANDA Imagens: Fotografias da entrevista: Marcos Nagelstein/Agência Preview Assinaturas atendimentoad@terra.com.br Impressão COMUNICAÇÃO IMPRESSA

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Comercialização PORTO ALEGRE: (51) 3231 8181 e (51) 9971 5805 com NELCI GUADAGNIN PRESS e ADVERTISING SÃO PUBLICAÇÕES MENSAIS DA ATHOS EDITORA, COM CIRCULAÇÃO NACIONAL, SOBRE OS MERCADOS DE COMUNICAÇÃO E IMPRENSA BRASILEIROS. OS ARTIGOS ASSINADOS E OPINIÕES EMITIDAS POR FONTES NÃO REPRESENTAM, NECESSARIAMENTE, O PENSAMENTO DA REVISTA.

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Almanaque

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MIX

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Aquário

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MIX

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Entrevista: João Gilberto Lucas Coelho

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Opinião: Mario Rocha

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Capa: A imprensa de antagonismos

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Nomes que fizeram a Imprensa Gaúcha

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Grandes Nomes: João Jorge Saad

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Galeria: O Bebê-Diabo



MIX

DESEMPENHO DE POSTS NO FACEBOOK CAI

Um terço dos posts de Facebook de jornais americanos como Chicago Tribune e Boston Globe não vêm sendo distribuídos pela plataforma social de maneira significativa, levando os veículos a repensar suas estratégias. O alarme foi soado por Kurt Gessler, vice-editor para digital no Tribune. O jornal, o maior de Chicago, tinha até então uma audiência "razoavelmente estável e previsível" no Facebook, com a maioria dos posts registrando alcance entre 25 mil e 50 mil usuários. Desde o início do ano, porém, vem crescendo a quantidade de posts com desempenho abaixo dessa média - e não mais com alcance perto de 20 mil, como acontecia, mas de 6 mil ou 4 mil.

Fim dos blogs na RBS RBS TV em Santa Catarina vira NSC

A RBS TV em Santa Catarina passará a se chamar NSC. Este foi o nome que os próprios catarinenses escolheram para a emissora ao longo de 13 dias de consulta popular, na qual concorriam ainda DNC e LIG. A revelação da nova assinatura da afiliada da Rede Globo no Estado foi feita no dia 16 de maio, primeiro para os colaboradores da empresa, durante videoconferência com o presidente Mário Neves, e, em sequência, a notícia foi anunciada ao público no Jornal do Almoço. A opção vencedora conquistou 66,28% dos votos, ao passo que LIG ficou em segundo lugar e DNC em terceiro.

O Grupo RBS deu mais um passo para a adoção de uma nova plataforma tecnológica, prevista para o segundo semestre. No início de maio, encerrou alguns de seus blogs, como Acerto de Conta$, da jornalista Giane Guerra; Bola na Rede, de Cléber Grabauska; e Geração Saúde, de Flávia Noal. Até a unificação, os conteúdos serão publicados nos sites da Gaúcha e de ZH.

DESTAQUES DO GAUCHÃO A diretoria da Associação dos Cronistas Esportivos Gaúchos (ACEG) realizou no dia 10 de maio a festa de premiação “Destaques do Gauchão 2017”. O evento foi realizado no Salão Diplomata do Hotel Embaixador, em Porto Alegre. Entre os mais de 250 participantes estiveram presentes representantes do EC Novo Hamburgo, o campeão gaúcho, incluindo o goleiro Matheus, escolhido o craque do campeonato, o técnico Beto Campos, dirigentes e outros profissionais. O presidente da Aceg, Edgar Vaz, e o vice social, Júlio Sortica, receberam a Comenda Cid Pinheiro Cabral como reconhecimento às ações em prol da entidade e do futebol gaúcho.

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AQUÁRIO

Governo, para quê?

Eu estava recém no meu terceiro dia de férias na Espanha, quando vieram a público as gravações de Joesley Batista, da JBS, que envolviam o presidente Temer, o senador Aécio Neves, Lula, Dilma e mais um sem número de pessoas em propinas milionárias. Confesso que nem o sol ameno e o céu azul da primavera espanhola foram suficientes para conter o desânimo que me abateu. Pombas, justo agora que a economia brasileira começava, timidamente, a dar sinais de recuperação, vem essa bomba! Quando é que vai parar essa sujeira toda e vamos poder ter esperança em um país que funcione, em que o dinheiro dos nossos impostos não seja drenado, vergonhosamente, para os bolsos de quem deveria zelar pela sua melhor aplicação? Foi preciso muitas cervezas e sangrias para eu tentar esquecer o Brasil e desfrutar dos poucos dias de merecidas férias. Mesmo assim, não deixei de conversar com um ou outro espanhol, e acabar comentando sobre os acontecimentos em Brasília. A identificação com a nossa situação era imediata. O que eu

mais ouvi foi que "Infelizmente, a corrupção não é privilégio do Brasil, aqui acontece o mesmo!". Será? Lá, como cá, agentes públicos cobram comissões para liberar obras, em várias partes do país. Os números mais tímidos sobre o custo anual da corrupção naquele país falam em 800 euros por habitante, algo em torno de 38 bilhões de euros, cerca de 4% do PIB nacional. Aqui, segundo a FIESP, a corrupção drena perto de 1,4% do nosso Produto Interno Bruto, algo em torno de R$ 42 bilhões por ano, ou mais ou menos R$ 200,00 de cada brasileiro. Se considerarmos os números relativos de tamanho da população, economia, renda per capita e tal, estamos em pé de igualdade com os espanhóis.

E por que, mesmo sendo vítima de uma roubalheira semelhante, eu sinto uma certa inveja dos espanhóis? Há muitas razões, mas a principal é que o país de Picasso e Dali funciona independente do governo. Eles passaram quase todo 2016 sem governo, porque nas eleições de dezembro de 2015 nenhum partido conseguiu maioria nas urnas, e, depois delas, não se conseguiu uma coalizão de partidos que viabilizassem a escolha de

JULIO RIBEIRO

julioribeiro@terra.com.br um Primeiro Ministro. Assim, Mariano Rajoy — até então, premier, e representante do Partido Popular, que obteve o maior número de cadeiras no Parlamento — liderou, o ano todo, um governo temporário. E sabem o que aconteceu no país? Nada. Tudo continuou andando, acontecendo, a vida dos espanhóis, parece, até ter melhorado. Alguns deles se manifestaram sobre a falta de um governo, dizendo coisas como: "Sem governo, sem ladrões"; "A Espanha ficaria bem se nos livrássemos da maioria dos políticos e de três quartos dos funcionários públicos"; "As pessoas estão exaustas, elas não querem ouvir mais nada desses políticos". Pena que aqui, ainda que a gente pense o mesmo que os irmãos espanhóis, seja tão grande a nossa dependência de Brasília. Na Espanha, o que mais conta são os governos regionais. O mesmo deveria ser aqui, com um novo pacto federativo que desse maior autonomia aos estados e permitisse que o dinheiro dos impostos ficasse mais perto dos contribuintes. Só assim, as coisas poderão mudar, de verdade, no Brasil. Até lá, haja cerveza!

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MIX

TVE-RS AMPLIA PROGRAMAÇÃO LOCAL

A emissora pública gaúcha passou a ter 4h45 de conteúdo próprio desde o dia 22 de maio. Sucessos de audiência, o Debate TVE e o Consumidor em Pauta terão o dobro de tempo. “Ampliamos para quase 5 horas diárias de programa local sobre o que acontece no Rio Grande do Sul”, afirma o presidente da Fundação Piratini, Orestes de Andrade Jr. “Fortalecemos ainda mais a nossa faixa nobre, à noite, aumentando o tempo de alguns programas e trazendo o melhor telejornal do país, o Jornal da Cultura, para informar nossos telespectadores sobre os acontecimentos de todo o Brasil”, destaca.

CORREIO DO POVO FECHA PARQUE GRÁFICO DE SÃO SEPÉ O Correio do Povo encerrou as atividades do parque gráfico de São Sepé. Entre os principais motivos para o fechamento estão os custos operacionais. Dos 30 funcionários que lá trabalhavam, 26 foram demitidos, todos da área de impressão. Os parques gráficos de Carazinho e Porto Alegre continuarão funcionando e atenderão a demanda que era feita por São Sepé. As unidades de Carazinho e Porto Alegre, imprimem, respectivamente, 30 mil e 70 mil exemplares. Quando criado, na década de 1990, o parque de São Sepé imprimia 39 mil exemplares diários. Atualmente, não chegava a 8 mil.

CEOS das empresas de comunicação estão otimistas A indústria das comunicação é uma das mais otimistas no aumento da receita nos próximos 12 meses: 93% dos CEOs da área estão confiantes com o desempenho das empresas que comandam. O número é oito pontos percentuais maior que a média global de todos os setores (85%). As informações estão na 20ª Pesquisa Global com CEOs, da PwC.

H OLMES AQUINO MORRE AOS 88 ANOS Faleceu, no dia 29 de abril, Holmes Aquino, uma das grandes figuras do rádio gaúcho. O radialista, de 88 anos, estava em casa quando sentiu um mal-estar. Aquino, que dedicou 57 anos à rádio Gaúcha, era o colaborador mais antigo do Grupo RBS em atividade. Natural de Pinheiro Machado, iniciou sua carreira em um serviço de alto-falantes de Rio Grande, onde também atuou na rádio Cultura e, mais tarde, na rádio Minuano. Em 1958, transferiu-se para a rádio Camaquense, de Camaquã. Depois, ao chegar a Porto Alegre, iniciou sua trajetória de quase 60 anos na rádio Gaúcha. Ao completar 50 anos de atividades na emissora do Grupo RBS, em 2010, foi homenageado pelos colegas e pela direção da empresa, passando a emprestar seu nome à Central Técnica da empresa.

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ENTREVISTA

JOÃO GILBERTO LUCAS COELHO

A Constituição brasileira é libertária, escrita na madrugada, após a longa noite da ditadura militar

Um dos nomes que mais marcaram a vida pública gaúcha durante o período de transição da ditadura militar para o regime democrático foi João Gilberto Lucas Coelho. Ex-deputado federal e ex-vice-governador, ele participou de momentos importantes da história nacional, como a anistia política, a campanha Diretas Já, a eleição de Tancredo Neves e a elaboração da Constituição de 1988. João Gilberto nasceu em Quaraí, na fronteira com o Uruguai, em 25 de abril de 1945. “Anos mais tarde, os portugueses fizeram a Revolução dos Cravos nessa data em minha homenagem”, brinca. Advogado, radialista e professor de história, iniciou sua carreira política, sendo eleito vereador de Santa Maria em 1972, na legenda do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição ao regime militar, sendo reeleito em 1978 e 1982. Com a extinção do bipartidarismo em 1979, filiou-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que sucedeu ao MDB. Depois de ajudar a fundar o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), nas eleições estaduais do Rio Grande do Sul em 1990 candidatou-se a vice-governador na chapa vitoriosa encabeçada por Alceu Collares, do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Empossado no cargo em março de 1991, nele permaneceu até o fim do mandato, em 1º de janeiro de 1995. Nesta entrevista para a Revista Press, João Gilberto Lucas Coelho fala de sua vida pública, da situação política nacional e sobre a crise gaúcha, entre outros temas. Passados quase 30 anos da criação da Constituição de 1988, qual sua opinião sobre ela? A Constituição de 1988, e não estou sozinho nessa afirmação, foi fruto de um momento psicossocial do Brasil. Ela construiu instituições sólidas, que permitiram ao país seu período mais longo de experiência democrática. É uma constituição com preocupações sociais muito amplas, que introduziu no constitucionalismo brasileiro muitos temas novos, como meio ambiente, cultura, cooperativismo. Então acho que é uma boa Constituição, mas refletiu um momento do Brasil. É uma constituição libertária.

O único mecanismo parlamentarista que vejo na constituição é um expediente que tem, na verdade, fortalecido o Executivo, que é a Medida Provisória. Ela foi copiada de países parlamentaristas. O texto inicial - que hoje está muito modificado - era quase uma cópia da constituição italiana. E ela é compreensível no parlamentarismo, pois, sendo o governo de confiança do Congresso, ele recebe autorização para antecipar uma legislação. Afinal, se o Parlamento não gostar da matéria, ele derruba o governo, o gabinete. Mas, no presidencialismo, com a separação de poderes, isso fortaleceu muito o Executivo.

Há pessoas que dizem que é uma constituição parlamentarista para um regime presidencialista. Estão certas?

E o Executivo não deveria ter essa força? A matriz do Presidencialismo são os Estados Unidos, que foram cria-

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dos com a ideia de que todos os poderes têm que ter força suficiente para colocar os outros em cheque, em benefício do cidadão. Essa é a chamada equipotência dos poderes. Tanto o presidente quando o Congresso e o Judiciário são fortes lá. Mas no Brasil não há uma confusão de papéis? Aqui o Judiciário assume muito o papel de legislador, por exemplo. Isso demonstra uma fraqueza da democracia? O fato do Judiciário legislar mostra uma fraqueza do poder Legislativo. Se há muita iniciativa legislativa do Judiciário, é porque o Legislativo é moroso. Mas, também temos que ver que, mesmo nos Estados Unidos, o Judiciário também legisla em algumas ocasiões. Eles mudam interpretações de leis, garantem princípios. As decisões até


podem ser a favor de pontos que governos queriam, mas não geram alterações constitucionais. Por que não somos uma democracia forte como a americana então? Aí é uma deficiência social e cultural nossa, como povo e nação. A corrupção não é algo que derive de instituições. Não basta copiar um modelo. Os EUA tem o voto facultativo. Isso seria uma solução? Acho que o voto facultativo no Brasil criaria mais crise do que solução. Ele iria tirar cada vez mais a legitimidade dos governos. O nosso problema é a legitimação de governos. Quanto à questão de ser um direito do indivíduo de não se manifestar, aí temos que ver se cidadania significa apenas direitos ou uma correspondência entre direitos e deveres. Somos uma geração que só quer direitos, e não deveres... Acho que sim, e talvez esse tenha sido um problema da Constituição. Ela deveria ter prestado mais atenção nos deveres. Ela foi uma constituição libertária, feita no momento em que o dique se rompeu, feita no fim da noite do autoritarismo. Era uma constituição da madrugada, ainda não estávamos acostumados à luz. Mas, temos que levar em conta que ela já foi muito modificada, e vários pontos foram colocados em trilhos diferentes, especialmente a parte econômica. Existem muitas letras mortas, pontos que foram colocados no texto mas nunca regulamentados… Mas isso não é uma exclusividade brasileira. A própria constituição norte-americana teve alguns princípios que levaram décadas para

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ENTREVISTA ser aplicados. Esse processo de maturação é normal. Quando foi criado o habeas corpus no Brasil demorou muito tempo até ser aplicado. Há coisas que a Constituição tentou avançar mas a realidade brasileira impede isso. Uma delas é a estrutura federativa do país, onde ela reconhece a autonomia dos municípios como entes da federação. Mas, o Supremo Tribunal Federal (STF) não costuma reconhecer isso, ele até retrocedeu na autonomia dos estados. Tem coisas ridículas, na minha opinião pessoal. O STF, por exemplo, impôs que fosse aplicado para as viagens de governadores para fora do Estado as mesmas regras impostas ao presidente da República quando ele sai do território brasileiro. Estabelecer verdadeiramente a federação no Brasil enfrenta dois problemas. Um é de cultura: fomos criados como um Império unitário, e nunca perdemos essa cultura de centralização. O outro é de jurisprudência, pois o Supremo sempre tende a ir contra a autonomia. O senhor disse que temos hiatos longos na nossa democracia. Estamos vivendo uma crise política forte, no rastro da Operação Lava Jato, que tenta estancar a sangria de corrupção no país. Isso pode, em algum momento, desembocar em uma interrupção institucional? Espero que não, mas esses riscos sempre existem. Há muita gente que afirma que não há mais espaço mundial para isso, mas há. Grandes nações passaram, recentemente, por mudanças significativas e fora da ordem constitucional. Claro, não há um intervencionismo externo como ocorreu no passado, em favor de mudanças de rumo antidemocráticas. Antes tínhamos o patrocínio de potências, dentro do contexto da Guerra Fria. Hoje, a opinião pública mundial, dentro

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de países mais poderosos, impede esse tipo de intervenção. Mas, para pegar um exemplo, o Egito, que é o principal país do Oriente Médio, teve um golpe militar. E os olhos do mundo se fecharam. Na Turquia houve um golpe institucional, recentemente. Então, a possibilidade existe. Mas não pressinto que haja algo em andamento. A Lava Jato vai ajudar o sistema político a entrar nos rumos certos? Tenho certo cuidado em analisar a Lava Jato. Vejo coisas acontecendo que no passado queria ter visto acontecer, como desvendar toda essa corrupção e práticas lesivas. Mas, me preocupa que não estamos indo a um dos pontos-chaves dessa questão, sobre o qual tenho uma visão diferente do resto das

pessoas. Conduta errada, crimes, sempre vão existir na humanidade. Na França, Alemanha, Israel, Coréia do Sul, você tem casos de dirigentes condenados por corrupção. Mas, não são coisas generalizadas. Em qualquer lugar sempre vai haver alguém cometendo um ato ilícito. Agora, quando a coisa se generaliza no tecido político, se complica bastante, é o caso brasileiro neste momento. E um dos pontos de onde partiu isso se chama financiamento de campanha. Nós não temos uma regra que garanta competitividade de candidaturas para os cargos majoritários se não aceitar Caixa 2 ou outra forma de financiamento ilegal. Isso cria uma situação em que político honesto hoje é o que aceita esse dinheiro ilegal apenas para financiar sua campanha, sem usar para proveito próprio. Sem isso, a


sua campanha não se viabilizaria, ele não seria competitivo. Temos que pensar em como possibilitar campanhas apenas com recursos legais. Precisamos de uma reforma nas fontes. Quando alguém defende o financiamento público, ele não vai acabar com Caixa 2, mas ele viabiliza a candidatura do honesto. Existe algum defeito que apontaria na Lava Jato? Uma das insuficiências da Lava Jato é que até aqui ela ficou no setores empresarial e político. O Judiciário, controladorias, ainda não entraram nessa investigação. E o Judiciário não é imune a isso. Essa onda de notícias negativas, de corrupção, não cria uma amargura, uma desilusão da população com a política? Há uma grande desilusão com a política. Mas a mídia, hoje, trabalha como se tudo fosse um espetáculo. Você não consegue mais ouvir um programa só com a essência da informação, precisa o espetáculo, que busca a paixão, e não o racional. O escândalo, na política, é o espetáculo possível. Em contrapartida a isso estaria uma mídia, como em regimes autoritários, fazendo o espetáculo da louvação. Esse lado escandaloso como é tratada a política pela mídia cria no povo uma grande desilusão, uma amargura. Compare o tratamento que é dado às questões políticas da Lava Jato ao tratamento dado às carnes adulteradas, na Operação Carne Fraca. Nesse caso, fizeram o escândalo, mas a mídia teve que se recolher, ou ameaçaria o mercado internacional de carnes do Brasil. Onde a mídia deveria se recolher então no caso da Lava Jato? Acho que deveria esclarecer determinados pontos. Por exemplo, ao ver a divulgação de algumas de-

clarações, pode-se ver claramente que é a manipulação de um trecho, que há um contexto maior. Não há uma análise aprofundada, ou sequer o direito à dúvida. Tenho certeza de que há muita gente culpada, mas terá muita gente inocentada também. A imprensa tem sua parcela de culpa na corrupção? O capitalismo brasileiro foi construído à sombra do Estado. As grandes empresas só se tornaram grandes com o auxílio do Estado. Nessa operação já foram levantadas grandes empreiteiras, bancos. O setor da grande comunicação não é imune a isso. Ele também tem relações tão promíscuas com o aparelho estatal como os demais. Para o senhor, o quanto os presidentes sabiam ou foram coniventes, partícipes, da corrupção? Tem algumas coisas que todos sabem. Sem o dinheiro irregular não se disputa eleições no Brasil. As melhores figuras políticas tiveram que conviver com essa situação. Compactuar com a corrupção, fazer drenagem pessoal, são menos casos. Foi uma tendência a se tornar sistêmica. Acho que há uma corrente política no Brasil que organizou tudo, desde a militância. E sistematizou isso, que sempre existiu, nessa grandeza. E o Fernando Henrique Cardoso criou o presidencialismo de coalizão. Os partidos participavam do poder decisório, por que ele precisava de apoio para fazer as reformas que queria. Mas, ele tinha uma ascendência muito forte. E esse presidencialismo de coalizão pode funcionar no campo programático, das ideias, mas pode ser uma adesão meramente fisiológica. Quando você transborda a aliança para segmentos que não tem a ver com o programa ideológico, então você

parte para uma relação fisiológica. Havia alguma maneira de evitar a criação dessa relação fisiológica? Meu sonho era que o PSDB criado em 1988 e o PT daquela época tivessem se entendido e feito um governo de coligação entre eles. Teria sido uma coligação muito interessante e de alto nível. O problema do Brasil começou quando ambas essas forças tiveram que recorrer ao “baixo clero”. O PSDB chegou muito cedo ao governo. E o PT conseguiu convencer a opinião pública e até a própria militância tucana - algo que nunca vi acontecer em lugar nenhum - de que o PSDB era de direita. Foi daí que o PSDB, que nasceu centro esquerda, virou isso que se tornou hoje. Como o senhor compara os políticos de agora com os do seu tempo de deputado? Não gosto de saudosismos. E como estou velho, e afastado completamente da política, não tenho filiação partidária há muitos anos, é ruim de fazer uma análise. Mas quem ler hoje os meus discursos de despedida da Câmara dos Deputados, quando tomei a decisão de não concorrer mais depois de três mandatos, vai dizer que eu estava prevendo o está aí hoje. Eu fiz discursos críticos de tendências que eu via que estavam se acentuando naquele momento. Você tinha iniciativas minoritárias, mas que já cresciam. Que tendências seriam essas? Uma das mais importantes é o clientelismo. Em 1982 o regime militar teve a maravilhosa ideia de fazer uma coincidência geral de eleições. Governador, senador, deputados, prefeitos e vereadores. Aí abriu-se a porta para o circo que vemos hoje. Eu não remune-

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ENTREVISTA rava ninguém pra trabalhar nas minhas campanhas. As pessoas eram militantes porque queriam ser. E aquela eleição, ao vincular as eleições, mudou tudo. O candidato a vereador viu a chance de ter a sua campanha paga pelo candidato a deputado estadual ou federal. Quando o vereador se tornou clientelista em relação ao deputado, isso afetou a militância também. Eu vejo com muita tristeza essa tendência de querer fazer eleições coincidentes. Os próprios militares arrependeram-se disso, pois viram o mal que criaram. Existem partidos demais no Brasil? Deve ser livre a criação de partidos. Mas, temos que ter travas adiante, e o Brasil nunca teve isso. Eu sou a favor de proibir coligações na eleição proporcional. Por quê o Brasil não chega a adotar cláusulas de barreira? A dificuldade está que alguns partidos ideológicos e antigos não venceriam isso, como o PCdoB. Por quê, então, não se faz uma exceção? Não seria casuísmo. Outros países adotam cláusulas de barreira, a Alemanha tem uma severíssima. Mas, eles concedem que alguns partidos que representam minorias étnicas em algumas regiões não tenham cláusula de barreira, pois é o jeito para integrar essas minorias no Estado. Então, existem exemplos para realizar ações semelhantes. O poder político do Rio Grande do Sul, no cenário nacional, está mais fraco? O Rio Grande do Sul perdeu peso político. Mas tenho medo de fazer certas comparações. Por exemplo, já fomos o maior produtor de soja do Brasil, e agora não somos mais. Isso é bom ou ruim? Tem gente que diria que é ruim, mas é bom, pois isso aconteceu porque o país ga-

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CLIENTELISMO

"Em 1982 o regime militar teve a maravilhosa ideia de fazer uma coincidência geral de eleições. Aí abriu-se a porta para o circo que vemos hoje" nhou a produção do Mato Grosso, que tem uma extensão de terras que não podemos competir. Era o caminho natural do país. Então, tem que ter cuidado com isso. Há uma perda, mas há uma emergência de novas regiões no Brasil. Mais uma vez, destaco: temos uma certa

redução de poder político pelo fortalecimento de outras regiões. Até mesmo somos uma das bancadas que tende a diminuir se fizer uma correlação entre habitantes e número de deputados, por que populacionalmente reduziu nosso peso na federação. Frente à crise, o governo gaúcho decidiu reduzir a máquina estatal. Foi uma decisão certa ou errada? Acho que precisamos reduzir algumas participações estatais. Mas sou absolutamente contra a ideia de que o poder público deve cuidar apenas de educação, saúde e segurança. Isso não é verdade. Não existe desenvolvimento sem indução do poder público. A própria classe média, que é quem defende esse


discurso, não depende da saúde pública, tem seus planos de saúde, e mantém seus filhos em escolas privadas, não estaduais. Então, educação, saúde e segurança devem ser prioridade, mas não exclusividade. O papel estatal vai além disso. Não existe, no mundo inteiro, um Estado tão ausente nas outras questões. Mas, acho que o Estado deve se afastar de algumas coisas. O que deveria ser mantido? Me assustou um pouco o caminho escolhido pelo governo gaúcho de fechar fundações. Várias delas são ligadas a questões essenciais. O poder público é o principal indutor do desenvolvimento científico e tecnológico, temos escassa tradição de participação privada nisso. Estamos retirando de forma muito acelerada o Estado desse papel de indução, e isso é um risco enorme. Quais são os grandes gargalos para as contas públicas do Estado? Os problemas principais do Rio Grande do Sul são a dívida e o pessoal, esse último incluindo a Previdência. São os principais focos da crise financeira do Estado. Na dívida já está sendo mexido, mas por caminhos que são arriscados. Esse é um problema mundial. O capitalismo vai entrar em colapso se não tratar dessa questão do mercado financeiro. Sou adepto da corrente de novos cientistas sociais e economistas que afirmam que se trata de dívida eterna, ou seja, foi feito no mundo um sistema de transferência de renda. A dívida não é pra ser paga, é para continuar para sempre, porque ela é o mecanismo diário de transferência de renda, e o mundo está montado em cima disso. Hoje, o Brasil ter 60% de sua arrecadação comprometida para pagar a dívida é uma barbaridade. E chega na hora de se fazerem sa-

crifícios, todos os setores os fazem, menos os credores. Do que o senhor se arrepende e do que se orgulha na sua carreira pública? Sobre me arrepender, poderia ter sido mais lutador em algumas situações. Hoje tenho dúvidas se fiz certo em ser vice-governador no período em que fui. Mas, me orgulho dos meus mandatos de deputado federal. Existe alguém que o senhor acha que deveria ter sido presidente e não foi? Tem um nome que apostei muita esperança. Acho que o Brasil teria sido muito diferente se o Mário Covas tivesse ganhado a eleição de 1989. Hoje, fundaria um novo partido político? Eu duas vezes depositei minhas esperanças na fundação de partidos políticos e fracassei. Sou de uma parte da minha geração que percebeu que a insuficiência da democracia brasileira se chama “partido político”. Um pouco porque historicamente eles eram fechados por incidentes institucionais. Não temos partidos longevos, enraizados. Venho da fronteira, e vivi historicamente olhando o Uruguai, onde os dois partidos eram centenários, Colorado e Blanco, com bases históricas. Queria isso para o Brasil, depositei muita esperança em partidos, e até mudei minha vida, renunciei a algumas coisas na construção de partidos, e isso não deu certo. Passado a empolgação libertária de sua criação, não seria preciso reformar a Constituição? Foi uma pena que não foi adotado para a Constituição brasileira o que foi feito com a portuguesa, para a qual foi criada uma revisão

periódica. Portugal voltou aos trilhos normalmente, após o ímpeto libertário da Revolução dos Cravos. Mas, não é só na Constituição. O Brasil precisa mudar as regras da Previdência, alterar um pouco a legislação trabalhista, que está engessada, mas sem atingir direitos. Com as denúncias todas trazidas pela delação dos irmãos sócios da JBS, e que fragilizaram o presidente Temer, qual o melhor caminho para o país? Manter o presidente até as eleições do ano que vem, eleger um presidente temporário ou convocar eleições diretas já? Sou pelo cumprimento do preceituado na Constituição, como garantia a todos os cidadãos e ao funcionamento das instituições. Se o atual Presidente vai continuar ou não, quem vai dizer é o devido processo legal nas instâncias competentes: TSE quanto à campanha, STF quanto aos crimes comuns, Congresso quanto ao crime de responsabilidade. Aliás, o impedimento pelo Congresso seria a solução mais longa e traumática, como já presenciamos antes. A Constituição trata para o caso de vacância a partir da metade do quadriênio, do que é usualmente chamado de mandato tampão, ou seja, a escolha de alguém apenas para completar o atual período presidencial. Creio que alterar as regras da sucessão, com o processo em andamento, seria casuísmo tão presente na história do século passado e combatido fortemente pela soberania dos constituintes. Estesinclusive fixaram uma regra preventiva contra casuísmo, aquela que determina que qualquer disposição legal sobre eleições deve ser feita até um ano antes do pleito evitando alterações ao sabor do interesse de algum segmento. As instituições devem cumprir o seu papel.

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OPINIÃO

Colunas em ruínas

Arredai, orientais de mãos miraculosas, quiropráticos, ortopedistas, educadores físicos, reumatologistas, personal trainers e quejandos, pois o que vem por aí não é pro vosso bico! O tema deste mês - leia a palavra tema como sinônimo de assunto, nunca de aula que dá tarefa para casa - é o colunismo de opinião. Generalizo para os setores da política, do esporte, da cultura, do lazer, da vida urbana e rural, da economia, de todo espaço onde se acoita a opinião. Pois o tema, ou assunto, vá lá, questiona aquelas plataformas de conteúdos que mais se parecem com o Coliseu Romano: em ruínas, mas cheias de colunas apresentadas como se de opinião fossem (Creio que já escrevi esta imagem em algum lugar, tão boa ela é.). Pois é, estou farto de achismos que surgem como verdades categóricas. Estão travestidas de opinião. “O tambor faz muito barulho, mas é vazio por dentro.” Elas, as colunas repletas de achismos e produzidas para serem ouvidas, vistas e lidas, por vezes tudo junto, apresentam identidade completa com o ar que nos envolve. Estão por toda parte. Dia e noite. Com uma diferença significativa, abissal: são tão desnecessárias à vida inteligente quanto é imprescindível sua composição de nitrogênio (78%), oxigênio (21%) e outros gases para nossa existência. A primeira constatação crítica termina logo após ouvir, ver ou ler um exemplar acometido pela síndrome da falta de conteúdo. Você espreme,

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espreme, espreme e descobre que não extraiu nada de útil. Por vezes, acontece algo muito pior. O que sai é semelhante ao resultado da inflamação de folículos pilosos. A segunda começa quando a gente passa a comparar o que ali está com os demais espaços assemelhados, no mesmo ou em outros suportes da mídia. Você descobre que não há nada de novo no front da notícia. Ouviu, leu ou viu um, viu, ouviu e leu todos. “De onde menos se espera, daí é que não sai nada.” Recostado na cama e olhando para a tela, absorto junto à janela do ônibus com fones de ouvido, singrando no éter ou manipulando páginas impressas, tudo o que procuro é informação nova e contextualizada, uma interpretação diferente para o que sempre pintou e bordou como conceito definitivo, o tal de furo, aquilo, enfim, que vem somar ao que já sei e sobre o que posso até ser radicalmente contra, mas não consigo permanecer indiferente. É pedir muito? Tá difícil. Tá difícil. Os problemas do jornalismo que parou no tempo começam pelo reumatismo na apuração e produção de conteúdos acerca do que rola por aí. Cresce nas veias da distribuição destes conteúdos o comprometimento pela aterosclerose. A falta do exercício profissional bem orientado, ético, intimorato, enche as artérias com as gordurinhas da acomodação. Escrevo como leitor, ouvinte e vedor. Humildemente – e olha que exercícios de humildade são muito difíceis para mim! – informo que há um número cada vez maior de

MÁRIO ROCHA

mario.rocha@ufrgs.br

carinhas e nominhos de colegas recebendo apenas alguns instantes de atenção. Outras e outros, já passo batido. Sei que, em relação à frase anterior, posso estar perdendo um momento ímpar, qualificado, profundo. É pena. Fazer o quê? “Tudo é relativo: o tempo que dura um minuto depende de que lado da porta do banheiro você está.” A depressão pela constatação dos declínios é de sobejo confrontada pela euforia das descobertas. Estou encontrando espaços que começam a se incorporar na minha garimpagem diária por informação de qualidade e opinião idem. Crise? Que crise? O jornalismo renova-se. Para renovar-se, prescinde de quem não acompanha seus desafios viscerais. Quanto às três frases de Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly (1895-1971) que recheiam esta coluna (de opiniões ou de achismos?), elas servem para lembrar que o humor é indispensável nestes tempos tacanhos em que a indignação assoma e pode comprometer a produção jornalística. Mario Rocha é jornalista e professor da Fabico



MATÉRIA DE CAPA

por uma

imprensa

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NÃO POLARIZADA

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greve geral, realizada no final do mês passado, foi um fracasso ou um sucesso? Se a resposta para essa pergunta estiver amparada no bom senso, ela indicará que a greve não foi nem um sucesso absoluto, nem um fracasso. No entanto, as informações propagadas em tempo real sobre o que acontecia naquela sexta-feira poderiam levar a inúmeras e conflitantes conclusões, dependendo da fonte de informação. É aí que uma questão mais crítica se impõe: porque um mesmo fato gera abordagens tão distintas? Nos meios de comunicação tradicionais, o dia 28 de abril foi noticiado sob o mesmo prisma, uma característica que não surpreende quem se dedica à crítica da mídia. É o caso de Sylvia Moretzshon, professora de jornalismo aposentada da Universidade Federal Fluminense (UFF), que discorda da ideia de que a imprensa convencional no Brasil apresente abordagens distintas para um mesmo fato. “Os enfoques da mídia hegemônica têm sido muito similares, às vezes até com manchetes idênticas”, afirma. “O que a imprensa fez foi classificar a greve como um protesto”, avalia. Essa visão apresentada ao vivo, no rádio e na TV, foi preponderante e, segundo a pesquisadora, cumpriu o efeito ideológico de desqualificar o movimento grevista. Ao optar por uma cobertura meramente declaratória, a imprensa, de maneira geral, foi incapaz de informar adequadamente a população sobre a pauta dos grevistas e manifestantes. Nem mesmo a presença do jornalista no local dos acontecimentos foi cumprida, exemplifica Sylvia. “O que aconteceu no Rio de Janeiro foi absurdo: a polícia nem deixou a manifestação começar. A concentração começou na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, mas assim que os manifestantes iniciaram a passeata a região já estava cercada. Eu sofri essa situação na ditadura.” Quem assistiu a essas cenas ao vivo pela televisão se deparou com imagens do alto, de onde uma repórter relatava que não sabia explicar o que estava acontecendo. “A imprensa deveria estar na rua cobrindo. Aí começaram aquelas cenas e, depois, nenhum jornalista questiona de onde surgiu a ordem para reprimir a manifestação e nem porque.” “O acontecimento do dia 28 foi mais um episódio que demonstra o quanto o jornalismo convencional precisa aperfeiçoar a sua cobertura”, pondera o doutor em Ciências da Comunicação, Rogério Christofoletti, professor do Departamento de Jornalismo da UFSC e um dos criadores do ObjETHOS. “É esperado e desejado que haja pluralidade de cobertura, mas algumas coisas são objetivas, como, por exemplo, a paralisação em si. Ora, a paralisação afetou as pessoas? Afetou. Qual era a queixa em si? A imprensa não conseguiu abordar esse aspecto.” Ao dar ênfase apenas aos transtornos causados pela greve, sem debater os diversos pontos questionados pela população acerca das reformas do governo federal, a mídia fez prevalecer a polarização que se observa nas redes sociais. “A imprensa tem que separar o joio do trigo, mas publicar o trigo e não o joio”, determina Christofoletti.

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MATÉRIA DE CAPA

Bolhas sociais recheadas de fake news Joio e trigo se confundem nas redes sociais. O que tem prevalecido nas novas mídias são vieses muito particulares da realidade que raramente se confrontam com seus contraditórios. Nessa seara, ainda impera o agendamento da mídia hegemônica, já que os assuntos debatidos na esfera digital tendem a repercutir a cobertura da imprensa convencional, observa Sylvia Moretzsohn. Após a greve geral, em 1º de Maio, o site Brasil 247 já sacramentava o fim de Michel Temer, com direito a julgamento de ministros investigados pela Lava Jato. “Greve geral e Datafolha antecipam fim de Temer”, proclamava o título. “Michel Temer não serve mais para nada e não tem serventia nem para as forças econômicas que o colocaram no poder por meio do golpe parlamentar de 2016”, diz o texto sem assinatura e sem fontes. “Se ele não for afastado antes de 2018, seu governo se resumirá a afastar os oito ministros investigados na Lava Jato que, mais cedo ou mais tarde, serão denunciados pelo Ministério Público”, prossegue, finalizando com a impactante conclusão: “Ou seja: a única saída honrosa é a renúncia”. Segundo os critérios jornalísticos, o texto se aproxima mais de um editorial, porém, não há nada, além da interpretação de um leitor mais atento, que sinalize para isso. Para o senso comum, sobretudo entre os que estão predispostos a confirmar com as ideias defendidas, cada frase é uma verdade em potencial. Enquanto leitores do Brasil 247 assumiam a ideia de que a greve foi um sucesso, capaz de gerar efeitos no cenário político brasileiro, o site O Antagonista publicava o oposto. Ainda com a greve em curso, em 28

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de abril, afirmava, em um texto curto, que o “fracasso da greve ajuda reforma previdenciária”, sustentando essa ideia com uma imagem gerada pelo jornal O Estado de S. Paulo que mostrava um pequeno e disperso grupo de manifestantes diante do Congresso Nacional. “Michel Temer já pode votar a reforma previdenciária, pois sabe que ninguém vai para as ruas”, dizia o texto. Igualmente, os leitores deste, inclinados a minimizar o movimento grevista, tendem a crer que estão diante de um fato verdadeiro. Fato é que a greve não pode ser ao mesmo tempo as duas coisas. Ambas as concepções não cabem ao mesmo evento. “As redes atraem interesses difusos e conflitantes, o que pode contribuir mais para a desinformação do que para a informação”, analisa Rogério Christofoletti. Diferentemente da mídia tradicional, que, historicamente, assumiu compromissos éticos (ainda que nem sempre alcançados), a maioria dos grupos das redes sociais negligenciam, completamente, qualquer regra nesse sentido. “As pessoas recorrem ao 247 e ao antagonista, a esses extremos, não para se informar, mas porque eles vocalizam suas crenças”, define. Essa é a representação máxima da pós-verdade, fenômeno em que, simplesmente, se ignora o que é verificável e provável. “Esse ambiente é inflacionado pelo conjunto grande da viralização das informações falsas”, evidencia Christofoletti. Por trás desse mecanismo, há um componente comportamental importante a ser considerado. Diante da dificuldade em distinguir entre verdade e mentira ou entre opinião e fato, as pessoas ficam confusas. “A tendência é procurarmos informações que reforcem o que acreditamos porque há um desconforto quando estamos desorientados.”

O “quinto poder” aparece como alternativa à mídia tradicional Se à mídia, como consagrado, compete fiscalizar as forças que sustentam um Estado democrático, quem fica imbuído de fiscalizar a imprensa, que também não deixa de ser um mecanismo de força nessa engrenagem? A imprensa convencional, ou o quarto poder, tem se afastado de seus propósitos, dependendo, neste início do século 21, de fiscalização, adverte o jornalista e sociólogo Ignácio Ramonet. Foi ele quem cunhou o termo “quinto poder”, ao anunciar, em 2003, a criação do Observatório Internacional da Mídia. Autor de diversos livros, entre eles “A tirania da comunicação”, Ramonet analisa que a globalização afetou o contexto da mídia. No artigo publicado em 2003, no jornal Le Monde Diplomatique, do qual era diretor-presidente, justificou que “à medida que se acelerava a globalização liberal, este ‘quarto poder’ se viu esvaziado de sentido, perdendo, pouco a pouco, sua função fundamental de contrapoder”. Isso porque, na avaliação de Ramonet, a tendência que se observou na mídia não fugiu à regra da criação de conglomerados empresariais, o que culminou com a concentração dos meios de comunicação em “hiperempresas”. “Portanto, a globalização econômica é também a globalização da mídia de massa, da comunicação e da informação”, defende. O quinto poder, hoje, é exercido pelos observatórios e grupos que debatem a ética jornalística, mas cada vez mais se propaga como uma força plural que se dissemina na internet. Se, no aspecto negativo, as redes têm propagado canais de pouca credibilidade amparados em fake news, por outro, crescem as propostas de um jornalismo sério e alternativo aos conglomerados midi-


PERIGO O potencial das informações, nem sempre verídicas, que circulam nas redes, alheias a ética jornalística e à defesa da democracia, não pode mais ser ignorado.

áticos. E esses canais se fortalecem, justamente, fazendo o que preconiza o bom jornalismo: dando voz a públicos distintos; checando informações ao invés de meramente publicar declarações; analisando criticamente os três poderes do Estado e mais a imprensa; gerando e buscando dados ainda não divulgados; ampliando abordagens sobre um mesmo tema. Esse caminho tem sido percorrido por grupos criados recentemente, como a Agência Pública de reportagem e jornalismo investigativo, lançada em 2011; a Lupa, autodenominada primeira agência de fact-checking do país, a partir de 2015; Justificando, portal que produz e publica informações e artigos sobre justiça e poder (2014); Congresso em Foco, especializado na cobertura do Congresso Nacional, criado em 2004. Todas essas iniciativas, entre outras (sempre excetuando blogs), fazem parte do mapa do jornalismo independente, cujas iniciativas estão sendo compiladas pela Agência Pública. A maior parte desses canais vive da colaboração de seus leitores ou da realização de cursos, como é o caso do coletivo Nonada, de Porto Alegre, que também faz parte do mapa do jornalismo independente brasileiro. Thaís Seganfredo, uma das editoras do Nonada, conta que a iniciativa surgiu há sete anos, com a proposta de cobrir a área cultural de forma distinta da grande mídia, dando espaço para artistas que nem sempre estão contemplados pelos principais veículos de comunicação. No início de maio uma reportagem da Thaís para o Nonada denunciou a falta de remuneração dos artistas cujos projetos foram contemplados pelo Fundo Municipal de Apoio à Cultura (Fumproarte), mas que estão sem receber desde 2016. Segundo apuração do grupo,

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MATÉRIA DE CAPA o Fumproarte acumula uma dívida de cerca de R$ 2 milhões. Mais do que assegurar espaço à cultura que não circula nos meios de comunicação tradicionais, o grupo também se volta para políticas públicas culturais, cumprindo, assim, o papel fiscalizatório do poder público. Longe de ter abrangência da mídia convencional, iniciativas como essas provam que nas redes, ainda que impere a falta de ética, é possível fazer jornalismo sério e comprometido com funções sociais, ampliando o pluralismo da mídia. O desafio é a manutenção desses canais, fragilizados pela falta de verbas. O caminho da colaboração, por exemplo, é complexo, avalia Sylvia Moretzsohn. “São muitas iniciativas importantes, mas é inviável colaborar com todas elas”, explica. É um dilema para os atuantes a favor das informações verificáveis nas redes. Para Thaís, esse é um ponto de entrave a essas iniciativas, mas que exige soluções novas, que não contrariem a ética desses grupos. No ano passado, o Nonada lançou o curso de jornalismo alternativo, com duração de três meses, abordando conteúdos que ainda não são contemplados na graduação. “Isso tem mantido a sustentabilidade do Nonada só que ainda não conseguimos remuneração para a equipe.” Em 2016, o curso contou com 40 participantes, e, no segundo semestre deste ano, uma nova turma se forma.

EXTREMOS

Checagem de fatos e uso de dados fortalece imprensa De acordo com Rogério Christofoletti, este é um momento precioso para empresas e profissionais da área. “Quando se tem checagem de fatos amparada em dados, isso clareia a nossa mente e nos dá a sensação de alento. Esse tipo de

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prática está crescendo.” Não só está crescendo como está levando os meios de comunicação de massa a reverem seu papel em meio a onda de fake news. Prova disso vem dos Estados Unidos, com a eleição de Donald Trump, desacreditada pela

"As pessoas recorrem ao 247 e ao antagonista, a esses extremos, não para se informar, mas porque eles vocalizam suas crenças” Rogério Christofoletti


mídia até sair o resultado das eleições. A esfera que assegurou a vitória de um candidato controverso para o posto de presidente do país mais poderoso do mundo foi, justamente, a mídia social. O potencial das informações, nem sempre verídicas, que circulam nas redes, alheias a ética jornalística e à defesa da democracia, não pode mais ser ignorado. Por outro lado, vem dos próprios cidadãos a preocupação em buscar notícias melhor apuradas, o que pode ser notado com o aumento na assinatura de jornais nos Estados Unidos – o The New York Times, por exemplo, divulgou no início deste ano aumento de 46% nas assinaturas digitais em 2016. Outro fato decorrente do fenômeno Trump, analisa Christofoletti, é o fortalecimento da imprensa como contrapoder. “Os veículos tradicionais passaram anos em uma tremenda lua de mel com Obama, e sempre é preocupante quando o jornalismo entra na valsa do poder”, destaca. Quando Trump rompe com a imprensa, desqualificando-a, abre um espaço para que ela retome seu papel. Grandes empresas do meio digital, como Facebook, hoje investem em um fundo para coibir as notícias mentirosas. Já são US$ 14 milhões aportados em iniciativas que ajudem o público a diferenciar entre informações falsas e conteúdo jornalístico. A rede social lançou, em abril, um relatório admitindo o uso das redes para propagação de notícias falsas com fins políticos e assumindo compromissos para combater a prática. Esse esforço vem sendo apoiado e perseguido por outras gigantes, como Google. A checagem de fatos tem se projetado como um dos principais aliados nessa batalha.

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Nosso reconhecimento a uma geração de notáveis que ajudou a construir a

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revista Press lançou, no último dia 1º de junho, Dia Nacional da Imprensa, o 3º volume da série Nomes que Fizeram a Imprensa Gaúcha. Com pesquisa e textos do jornalista Antônio Goulart, a publicação é o reconhecimento e uma homenagem a profissionais que ajudaram a construir uma das imprensas mais admiradas e respeitadas do país. Este 3º volume traz os perfis de dez jornalistas/radialistas com destaque a partir de meados do século passado. Integram a lista, por ordem alfabética: Alberto André, considerado um jornalista símbolo pelo papel múltiplo que desempenhou na sociedade, além de ter seu nome ligado à Associação Riograndense de Imprensa, por ele presidida ao longo de 34 anos. Aos 21 anos, começou na imprensa, apresentando um pequeno noticiário da cidade, duas vezes por semana na rádio Gaúcha. Depois, trabalhou no jornal A Nação, no Correio do Povo. Alberto André foi vereador de Porto Alegre por diversas legislaturas. Amir Domingues, com amplo trânsito na mídia impressa, mas que se projetou como exímio entrevistador em programas de rádio, ele comandou por quase 30 anos o programa Agora, da rádio Guaíba, emissora em que realizou milhares

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de entrevistas. Comissário de Polícia concursado, jovem ainda, Amir iniciou na imprensa como locutor da rádio Gaúcha no início da década de 50. Em 1957, quando foi inaugurada a rádio Guaíba, Amir se transfere para a emissora da Caldas Jr., onde permaneceu por quase 50 anos. Cândido Norberto, um comunicador por excelência, com perfeito domínio do microfone e da câmeras, com passagem pela política e pela radionovela da década de 1940. Ele começou na rádio Difusora, como radioator e locutor de notícias, em 1945 transferiu-se para a rádio Gaúcha, onde, entre tantas coisas, foi responsável pela criação do programa Sala de Redação. Cid Pinheiro Cabral, o mais destacado e completo cronista esportivo do Rio Grande do Sul, um mestre que inspirou as gerações que o sucederam. Ao longo de 42 anos de carreira, cobriu sete Copas do Mundo, a maioria para a Folha da Tarde e Correio do Povo. Ele faleceu em 1983, deixando já redigida parte sua coluna diária em Zero Hora. No dia seguinte, o jornal o homenageou, deixando o espaço em branco. Edison Pires, repórter esportivo, sem formação especializada, mas que deixou sua marca caracterizada pelo codinome com que sempre foi tratado: o “Rei do furo”. Ele iniciou no jornal Última Hora (não o de Samuel Wainer, mas um matutino que circulou nas décadas de 20/30, em Porto Alegre). De 1936 a 1952, trabalhou na rádio Gaúcha, mas foi na Folha da Tarde Esportiva que teve sua ascensão profissional. Ele ingressou no jornal no ano de sua inauguração, em 1949 e ficou até próximo de morrer, em 1973. Eunice Jacques, dona de um estilo ao mesmo tempo rigoroso e elegante, que passou pela reportagem, pelo editorial e pela crônica. Ela teve seu primeiro emprego como repórter da Revista do Globo, no início dos anos 60. Em 1967, depois de uma breve passagem pela Folha da Tarde, ingressou na sucursal gaúcha do Jornal do Brasil. Em, 1979 foi admitida como repórter especial pela Zero Hora, onde permaneceu por 22 anos, tendo chefiado as editorias de Economia e Opinião e o Programa de Jornalismo Aplicado da RBS. Flávio Alcaraz Gomes, profissional múltiplo com presença especial nas grandes coberturas jornalísticas, no país e no Exterior. Foi um repórter, acima de tudo. O nosso "Hemingway" cobriu diversas guerras nas décadas de 60/70. Assinou coluna diária no Correio do Povo, foi um dos fundadores da rádio Guaíba, onde comandou entre outros os programas Agora e Guerrilheiros da Notícia e teve passagens brilhantes pela Zero Hora e rádio Gaúcha, sempre inovando e mantendo fiel uma legião de leitores e ouvintes. Justino Martins, outro grande repórter que depois se especializou na área


dos periódicos. Foi o principal impulsionador da gaúcha Revista do Globo, nas décadas de 1940/1950, antes de firmar seu nome nacionalmente no comando da revista Manchete. Um revisteiro por excelência. Morou em Paris por muitos anos, sendo correspondente da Revista do Globo e, depois, da Manchete. Ele adorava cinema, chegando a ser chamado de "Cidadão Cannes" de tantas vezes que cobriu o festival na Riviera Francesa. Ele faleceu em agosto de 1982, apenas três meses depois de lançada a TV Manchete, que ele previa seria o começo do fim do império de Adolpho Bloch. João Aveline, um sindicalista que fez da imprensa sua principal trincheira, sem se deixar contaminar pelas suas convicções políticas, como homem ligado historicamente ao Partido Comunista. Começou como no Tribuna Gaúcha, um jornal de orientação comunista, no início da década de 50. Em 1957 foi ser chefe de jornalismo da rádio Gaúcha. Dois anos depois, participou da instalação em Porto Alegre da sucursal de Última Hora, o jornal do lendário Samuel Wainer. Em 1971 foi convidado para ser secretário gráfico de Zero Hora, chegando a chefe de reportagem. Múcio de Castro, jornalista, empresário e político, que ingressou na profissão, ainda menino, na mesma empresa da qual veio a ser o proprietário aos 24 anos de idade. Foi o grande condutor do jornal O Nacional, de Passo Fundo. Em 1954, aos 39 anos resolveu entrar na política, sendo eleito deputado estadual pelo PTB. Este foi o único período em que esteve afastado do dia-a-dia do jornal. Faleceu, precocemente, em agosto de 1981, aos 66 anos. Os perfilados nas edições anteriores foram: I - Antônio Gonzalez, Arlindo Pasqualini, Breno Caldas, Carlos Nobre, Ernesto Corrêa, Jenor Jarros, Maurício Sirotsky, Paulo Sérgio Gusmão, SamPaulo e Santos Vidarte; II - Archymedes Fortini, Arnaldo Ballvé, Dilamar Machado, Ênio Melo, Erico Verissimo, Josué Guimarães, Jorge Alberto Mendes Ribeiro, José Antônio Daudt, Gilda Marinho e Pedro Carneiro Pereira. A publicação, que teve pesquisa e textos do jornalista Antônio Goulart, conta com o apoio de Celulose Riograndense, Corsan e Assembleia Legislativa. Sua distribuição será gratuita, entre jornalistas, veículos de comunicação, bibliotecas públicas, líderes dos setores público, empresarial e institucional, agências de propaganda, escolas de comunicação, entre outros.

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O

GRANDES NOMES

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JOÃO JORGE SAAD

mascate que comandou a Bandeirantes

m maio, o Grupo Bandeirantes completou dois importantes aniversários: os 80 anos da Rádio Bandeirantes (6 de maio de 1937) e os 50 anos da TV Bandeirantes (13 de maio de 1967). Hoje, a companhia é um conglomerado com mais de 40 empresas integradas nas mais diversificadas plataformas de comunicação, entre emissoras de tevê e rádio, mídia impressa e outros canais de comunicação. Em grande parte, essa trajetória de sucesso se deve à condução de negócios exercida pelo fundador do grupo: João Jorge Saad. Descendente de libaneses, João Jorge Saad nasceu em 22 de julho de 1919 em Monte Azul Paulista (SP), hoje Olímpia. Era filho de Jorge João Saad, que havia começado a vida no Brasil como mascate, e de Raquel Amate Saad. Três anos depois do seu nascimento, a família mudou-se para São Paulo, e seu pai abriu uma loja de tecidos na rua 25 de Março, que já, naquela época, reunia lojas de comércio popular. Depois que concluiu o antigo ginásio (hoje equivalente ao ensino fundamental), João Saad foi trabalhar com o pai. Aos 17 anos, começou a viajar para vender tecidos no interior de São Paulo e no sul de Minas Gerais e comprou seu primeiro carro, um Ford 29. Com 25 anos, conheceu Maria Helena Mendes de Barros, filha do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros. Casaram-se dois anos depois e tiveram cinco filhos: Maria Leonor, João Carlos - conhecido como Johnny -, Ricardo, Marisa e Márcia.

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RÁDIO DO SOGRO

João Saad iniciou na comunicação trabalhando na Rádio Bandeirantes, emissora comprada pelo sogro, Adhemar de Barros , em 1947

Eleito governador de São Paulo em 1947, Adhemar de Barros ofereceu um cartório ao genro, que, para surpresa do sogro, recusou. Logo depois, Adhemar pediu que ele fosse resolver alguns problemas na rádio Bandeirantes, que ele havia comprado. A emissora, criada em 1937 por José Nicolini, havia sido adquirida em 1945 por Paulo Machado de Carvalho, dono da Record, que a revendeu em 1947 para Adhemar de Barros. Saad não queria administrar a rádio, já que continuava com suas viagens de negócios e tinha começado também a adquirir fazendas, e estava se dedicando ao gado leiteiro. No entanto, devido à insistência do sogro, aceitou o convite. Em 1950, a rádio apoiou as campanhas vitoriosas de Getúlio Vargas, para a Presidência da República, e de Lucas Nogueira Garcez, para o governo do Estado. Um ano depois, João Saad fez um trato com o sogro: ele assumiria definitivamente a rádio e ajudaria Adhemar de Barros nas suas futuras campanhas. Quando Adhemar assumiu a Prefeitura de São Paulo, em 1957, João Saad foi nomeado presidente da CMTC. Foi a sua única passagem por cargo público. Sua gestão durou pouco porque trombava frequentemente com o sogro. Não aceitava indicação de apadrinhamentos. Já a rádio Bandeirantes, sob seu comando, começou a se estruturar como rede. Foram compradas estações no interior de São Paulo e em outros estados. Em 1952, João Saad conseguiu com o presidente Getúlio Vargas a concessão de um canal de televisão em São Paulo. Durante o governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), a concessão chegou a ser cancelada e entregue a outro empresário. Mas Saad conseguiu, já na época do governo João Goulart (1961-1964), recuperar a TV. Em 1967, a TV Bandeirantes começou a operar. O prédio da emissora, primeiro no país a ser concebido para receber uma TV, levou cerca de cinco anos para ser construído e ficou conhecido como o "Palácio Encantado". Saad adiou várias vezes o início das operações: "Não era ainda o tempo... Inaugurei a estação só em 67, fincada numa base sólida", disse. Quando a TV Bandeirantes foi fundada, já existiam na cidade de São Paulo as TVs Cultura, Record e as extintas Tupi, Excelsior e Paulista. Dois anos depois, João Saad teria sido aconselhado por uma cartomante a vender a emissora por prever um incêndio. Em entrevista, ele teria dito que não acreditou porque achou que ela estivesse a serviço de algum concorrente. Coincidência ou não, a empresa pegou fogo três dias depois. O incêndio, que teria sido criminoso, destruiu o prédio e todo o equipamento. O prejuízo foi grande, já que não havia seguro. A emissora se manteve no ar com um caminhão de externas, e transmitiu seu próprio incêndio. Mas Saad soube tirar proveito da situação. Em vez de comprar novos equipamentos em preto-e-branco, a Bandeirantes foi a primeira a ter equipamento para TV em cores e saiu da crise em vantagem. Em 1975, a TV Vila Rica, de Belo Horizonte, é adquirida pelo gru-

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GRANDES NOMES

O "seu João"com José Paiva Neto, da LBV, e o filho Johnny po. Como a aquisição da emissora mineira, inicia-se o processo de formação e de expansão da Rede Bandeirantes. A emissora passa a adotar o nome "Band" em 1989, junto com o lançamento de uma nova marca. No mesmo ano, é criada a Bandsat, primeira rede de rádio via satélite do Brasil A Bandeirantes investiu desde o início em esporte, filmes e jornalismo. Para Saad, a programação tinha de ser "eclética". Segundo ele, não se podia "elevar muito o nível dos programas, senão não haverá audiência". João Saad tinha não só senso de oportunidade comercial, mas também habilidade para transitar no meio político. Ele adequou seu discurso público à realidade histórica do momento. Em 1972, por exemplo, durante o regime militar (1964-85), disse que a censura oficial "deve e precisa existir, para a defesa da família, das instituições e do menor". Apesar de cultivar relações com políticos mais conservadores, como Paulo Maluf, Orestes Quércia e José Sarney, durante o regime militar abriu espaço em sua TV para longas entrevistas com líderes de oposição, como o então secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, Luís Carlos Prestes, e Leonel Brizola. Já em 1987, em plena redemocratização, pediu em um discurso: "Menos Estado e mais indivíduo, menos Estado e mais sociedade, menos Estado e mais liberdade". Saad classificava sua emissora de "apolítica". "A dívida que tinha com meu sogro paguei mil vezes. Depois, a Bandeirantes não fez mais campanha política", dizia. Nas campanhas para eleições de presidente, governador ou prefeito, a Bandeirantes liderou os debates e abriu espaço para a oposição se manifestar. João Saad era conhecido na Bandeirantes por ter sempre a porta aberta para funcionários de qualquer escalão. Também tinha a fama de cobrar de seus auxiliares erros cometidos no noticiário da rádio Bandeirantes nos horários mais improváveis, inclusive de madrugada.

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Podia acompanhar toda a programação da emissora porque era caseiro, avesso às badalações. Seu passatempo preferido era visitar suas fazendas e, enquanto a saúde permitia, costumava fazer esses passeios pilotando o próprio avião. Em 1985, teve uma de suas fazendas, a Vereda Grande, desapropriada pelo Incra. Foi a primeira fazenda em Minas Gerais a ser desapropriada para a reforma agrária. Em maio de 1993, João Saad foi operado pelo cardiologista Adib Jatene para o implante de quatro pontes de safena. Três anos depois, sua mulher, Maria Helena, morreu de câncer. Para homenagear sua esposa, João Jorge Saad deu o nome dela para uma de suas última realizações: a Torre da Band. Inaugurada em 1996, a torre de transmissão de TV possui 219 metros, sendo a maior da cidade de São Paulo e uma das mais altas da América Latina. Foram consumidas 650 toneladas de metal para sua construção. O presidente fundador da Rede Bandeirantes morreu aos 80 anos, de câncer generalizado em 10 de outubro de 1999, em sua residência no bairro de Higienópolis, São Paulo. Após sua morte, a presidência do grupo passou para seu filho Johnny Saad, que ocupa o cargo até hoje. Em 2007, João Jorge Saad foi homenageado pela escola de samba Nenê de Vila Matilde, durante o desfile do Carnaval de São Paulo, por conta de sua importância para a comunicação no Brasil O último pedido de João Jorge Saad à redação da Bandeirantes foi feito cinco dias antes de sua morte. Diante de tantas notícias sobre o fim do mundo - devido à proximidade com o ano 2000 -, João Jorge Saad lembrou-se de uma música de Assis Valente intitulada "...E o Mundo Não se Acabou". Com essa música, a rádio Bandeirantes AM encerrou no dia de seu falecimento a edição dos programas "Manhã Bandeirantes" e "Ciranda da Cidade".



GALERIA

O Bebê-Diabo do Notícias Populares Fala-se muito hoje de notícias falsas, mas a prática não apenas é antiga como chegou a ser incentivada por alguns veículos. No Brasil, o caso mais célebre foi o do Bebê-Diabo, noticiado pelo extinto jornal Notícias Populares, de São Paulo.

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m maio de 1975, um boato começou a circular na Grande São Paulo que, em um hospital de São Bernardo do Campo, havia nascido o “filho do diabo”. O Notícias Populares enviou o repórter Marco Antônio Montadon foi enviado ao local, e descobriu que o tal “anticristo” nada mais era do que uma criança que havia nascido com um prolongamento no cóccix e duas pequenas protuberâncias na cabeça, que foram extraídos por cirurgia. Ele decidiu escrever apenas uma crônica de horror sobre o caso, acreditando que a notícia do nascimento de um bebê com uma deformidade não teria nenhuma relevância. Porém, no dia seguinte, a manchete "Nasceu o diabo em São Paulo" dava título à crônica e o assunto tomou um rumo desproporcional. A história virou uma bola de neve, e o Notícias Populares bateu recordes de vendas, chegando a atingir 200 mil exemplares. Com o sucesso da história, o jornal decidiu fazer uma série de “cascatas” fantasiosas sobre o caso. As notícias seguintes relataram de tudo, que o Bebê-Diabo infernizava as pessoas subindo em seus telhados, que pedia

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sangue, tocava campainhas e que até chamou um táxi no meio da noite dizendo que o destino final seria o Inferno. O caso ficou na primeira página por 27 dias, e algumas das manchetes que foram divulgadas ao longo dos dias foram: "Bebê-Diabo inferniza padre do ABC", "Procissão expulsará o Bebê-Diabo", "Viu o Bebê-Diabo e ficou louca", "Mais 7 viram o Bebê-Diabo", "Bebê-Diabo foge para o Nordeste", entre outras. Enquanto isso, as pessoas ligavam para a redação jurando que tinham visto o Bebê-Diabo e informando seu paradeiro. Somente em junho o caso começou a perder destaque. Por fim, em julho de 1975, o jornal aos poucos parou de publicar notícias do Bebê-Diabo. Uma das últimas manchetes do "Notícias Populares" sobre o caso alegava que Zé do Caixão iria caçar a criatura no Nordeste. Após quase um mês de sucesso comercial e fracasso moral, a redação decidiu assassinar o assunto. Mas, com isso, conseguiram criar uma lenda urbana que sobreviveu por muito tempo na memória da população da Grande São Paulo, e um dos maiores marcos negativos na história do jornalismo brasileiro.


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