Revista Press - Edição 179

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ALMANAQUE

HUNTER S. THOMPSON EXPÕE A VIDA DOS HELL’S ANGELS

H

á 50 anos, o jornalista Hunter S. Thompson lançava o livro Hell's Angels, pela editora Random House. A obra, que era seu primeiro livro, trazia um retrato brutal e violento do ano em que ele passou convivendo com a gangue de motociclistas Hell’s Angels que, naquela época mais do que em qualquer outra, aterrorizava a sociedade americana com suas motos, suas jaquetas de couro pretas, seu desafio à decência pública e um histórico de crimes violentos envolvendo seus membros. O livro começou como um artigo na edição de 17 de maio 1965 para a revista The Nation. O texto causou tanta polêmica que atraiu o interesse de editoras, que queriam um livro sobre o assunto. Thompson passou um ano preparando o texto, convivendo com os motoqueiros em seus clubes das cidades de San Francisco e de Oakland, e inserindo-se em seu modo de vida. Ele narra o tempo que passou viajando pela Califórnia de motocicleta com eles, e descreve o contraste entre o anarquismo do grupo e o medo que essa anarquia gera na sociedade. O livro lançou a carreira de escritor de Thompson, um dos criadores do “Gonzo journalism”.

EMBRIAGUEZ DO SUCESSO Em junho completaram-se 60 anos da exibição do filme Sweet Smell of Success (Embriaguez do Sucesso, na versão brasileira). Dirigido por Alexander Mackendrick e estrelado por Burt Lancaster e Tony Curtis, o filme conta a história de um poderoso colunista de jornal, J.J. Hunsecker (interpretado por Lancaster ) que usa as suas conexões com o assessor de imprensa Sidney Falco (Curtis) para acabar com relacionamento que sua irmã mantém com um músico de jazz. O personagem principal da história é inspirado na vida de Walter Winchell, um comentarista de colunas sociais e de fofocas em rádio e jornais, famoso por tentar destruir as carreiras das pessoas que ele não gostava.

Dito

“Eu acho que toda boa reportagem é a mesma coisa: a melhor versão atingível da verdade.” Carl Bernstein (1944)

“O fato de que um homem é um repórter de jornal é evidência de alguma falha de caráter.” Lyndon B. Johnson (1908 - 1973)

“Um bom jornal, eu suponho, é um país falando consigo mesmo” Arthur Brisbane (1864-1936)

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SUMÁRIO

Sumário

Diretora-Executiva NELCI GUADAGNIN

RUA SALDANHA MARINHO, 82 PORTO ALEGRE - RS CEP 90160-240 FONE/FAX (51) 3231 8181

Textos: MARCELO BELEDELI

www.revistapress.com.br comercial@revistapress.com.br

Diretor-Geral JULIO RIBEIRO

Diagramação/ Arte Final ESPARTA PROPAGANDA Imagens: Fotografias da entrevista: Jefferson Bernardes/Agência Preview Assinaturas atendimentoad@terra.com.br Impressão COMUNICAÇÃO IMPRESSA

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Comercialização PORTO ALEGRE: (51) 3231 8181 e (51) 99971 5805 com NELCI GUADAGNIN PRESS e ADVERTISING SÃO PUBLICAÇÕES MENSAIS DA ATHOS EDITORA, COM CIRCULAÇÃO NACIONAL, SOBRE OS MERCADOS DE COMUNICAÇÃO E IMPRENSA BRASILEIROS. OS ARTIGOS ASSINADOS E OPINIÕES EMITIDAS POR FONTES NÃO REPRESENTAM, NECESSARIAMENTE, O PENSAMENTO DA REVISTA.

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Almanaque

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MIX

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Aquário

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MIX

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Entrevista: Gelson Santana

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Opinião: Mario Rocha

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Capa: O fim do Ombudsman

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Cartum luta para sair da crise

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Grandes Nomes: Adolpho Bloch

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Galeria: Jornal da Tarde



MIX

O Grupo Globo anunciou a compra de uma participação minoritária na distribuidora de produtos financeiros Órama DTVM. O negócio faz parte da estratégia da empresa de mídia em investir em plataformas digitais, como inteligência de dados. "A parceria com a Órama se revela uma excelente oportunidade em finanças on-line, um setor dinâmico, que experimenta altas taxas de crescimento nos mercados brasileiro e mundial", diz o comunicado do Grupo Globo. A conclusão da operação depende da aprovação do Banco Central.

Globosat cria joint-venture com a Vice A Globosat e a Vice Media, maior companhia de mídia e produção de conteúdo para o público jovem do mundo e que tem entre os sócios a Disney, criaram uma joint-venture para operar a Vice Brasil. O objetivo é ampliar a produção de conteúdo para o público de 18 a 34 anos e oferecer novos formatos para anunciantes. Para isso, a Vice Brasil intensificará a criação, distribuição e geração de negócios e conteúdos de mídia em plataformas próprias e de terceiros, como Snapchat, YouTube e Facebook.

FUNDO PARA REPORTAGENS DE DIREITOS HUMANOS

O Fundo Brasil lançou o edital "Jornalismo Investigativo e Direitos Humanos". A iniciativa visa estimular a produção de jornalismo investigativo de alta qualidade, com reportagens que contem histórias relevantes e que contribuam para melhorar a compreensão da sociedade sobre violações de direitos humanos. Serão destinados R$ 680 mil para apoiar pelo menos 17 projetos - cinco deles devem estar relacionados a questões de violação de direitos socioambientais. As organizações e/ou indivíduos interessados devem apresentar uma proposta preliminar até o dia 28 de julho. Informações em www.fundodireitoshumanos.org.br.

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AQUÁRIO

Ombudsman x redes sociais

A matéria de capa desta edição da PRESS trata do desaparecimento, aos poucos, da figura do ombudsman nalguma das principais redações do mundo. Um tema com vários desdobramentos e análises possíveis. O primeiro ombudsman surgiu em 1967, no centenário Courier-Journal, de Louisville, Kentucky. Em 1970, o Washington Post deu um passo adiante, sendo o primeiro jornal do mundo a abrir uma coluna semanal para o ombudsman. É muito simbólico, portanto, que agora, em março passado, o mesmo Post tenha demitido o seu ombudsman. Vários veículos de comunicação mundo afora já haviam feito o mesmo. E outros deverão fazer em seguida. Por que isso? Primeiro é interessante que se tenha claro quais papéis foram atribuídos, historicamente, aos ombudsman, para sabermos quais destes foram substituídos por tecnologia, quais se tornaram obsoletos e quais, afinal, permanecem essenciais. Em 1809, o parlamento sueco criou o cargo de ombudsman, como um representante dos cidadãos dentro da casa legislativa, um "mediador" entre os interesses da população e o parlamento. Havia, portanto, essa função de mediação, de negociação, de representante. Ao ser incorporada pelos veículos de imprensa, especialmente os grandes jornais, uma outra dimensão, a de "ouvidor".

Os ombudsman na imprensa passaram a ser os representantes dos leitores (público) e os mediadores de suas demandas no ambiente interno das redações e da empresa jornalística. Pois, uma das alegadas razões para se acabar com o cargo é de que, com o advento das mídias sociais — Facebook, Twitter, Instagram, entre outros — o público atalhou caminho, podendo se co-

municar direto com a direção dos veículos e com os seus profissionais de imprensa. Um post na TL de tal colunista é muito mais rápido,

JULIO RIBEIRO

julioribeiro@terra.com.br eficiente e poderoso, que um email ou telefonema para o ombudsman. Pode ser. Mas, pode que o tiro saia pela culatra, porque as redes sociais se prestam para tudo, para a crítica bem-intencionada, correta, como também para a difamação, para a propagação de ódios (os haters sempre existiram, mas agora eles têm mídia). E como filtrar isso tudo, dentro da perspectiva do público médio do veículo? Como saber o que é crítica pela crítica, e o que é sinal para necessárias mudanças no jornal, na revista, na rádio, tevê, enfim? Daí que um especialista em ouvir, entender, filtrar, classificar e demandar internamente a partir dessas críticas, positivas ou negativas, do público, pode ser alguém insubstituível. Seja como for, se há 50 anos ter um representante do público dentro do veículo de comunicação era algo importante, hoje, com o "empoderamento" do consumidor em todas as categorias de consumo, com o aumento da noção de direitos (e os deveres?) dos cidadãos, e com a crise da mídia, talvez, seja ainda mais importante a figura do ombudsman. Não lhes parece?

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MIX

WHATSAPP GANHA ESPAÇO NA DIVULGAÇÃO DE NOTÍCIAS O uso de serviços de mensagem como o WhatsApp para o acesso a notícias começa a rivalizar com o uso de redes sociais como o Facebook. É o que destaca o relatório anual sobre jornalismo digital do Instituto Reuters, da Universidade de Oxford, na Inglaterra. O Brasil registrou uma das maiores quedas no recurso à mídia social (Facebook, YouTube, Twitter e outros) para informação: menos 6%, de 2016 para 2017. A redução específica para o Facebook foi de 12%. Já o uso de WhatsApp para acessar notícias cresceu 7%. Ainda assim, o Facebook mantém-se à frente, com 57% dos entrevistados dizendo ter se atualizado sobre o noticiário pela plataforma, ante 47% que citaram o WhatsApp.

Mudanças na Rede TV! Uma das maiores novidades da Rede TV! já começa a ser preparada. Segundo Marcelo de Carvalho, um dos donos do canal, a emissora vai entrar no mundo da teledramaturgia. A empresa comprou o terreno que fica ao lado de sua sede, em Osasco, na Grande São Paulo. Com um total de 25 mil metros quadrados, a área vai abrigar a cidade cenográfica da emissora. O planejamento é para que as operações comecem a funcionar no segundo semestre do ano que vem.

Confiança em veículos ainda é forte

A pesquisa do Instituto Reuter mostra também que as pessoas continuam a confiar nos meios de comunicação para se informarem - e o Brasil é um dos países em que essa confiança é mais forte. Segundo a pesquisa, 60% dos entrevistados no Brasil confiam nas notícias veiculadas pelas empresas de comunicação - atrás apenas da Finlândia, com 62%. Foram entrevistadas mais de 70 mil pessoas em 36 países. A média dos locais pesquisados é de 43%.

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Band-RS já conta com helicóptero Desde o dia 3 de julho, os principais boletins de trânsito da BandNews e da rádio Bandeirantes, de Porto Alegre, são transmitidos de um helicóptero, que faz sobrevôos das ruas e avenidas mais congestionadas da cidade, informando alternativas para os motoristas em deslocamento nas horas de pico. A aeronave, do modelo Robinson R44 pertence à BTN, empresa especializada na cobertura de trânsito e que já é parceira da Band em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.



ENTREVISTA

GELSON SANTANA

A contribuição sindical não mantém sindicato e sim confederações, federações e centrais sindicais Gelson Santana, 55 anos, preside, desde 2015, o STICC (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil), entidade que representa mais de 100 mil trabalhadores em Porto Alegre, Gravataí, Guaíba e Canoas. Santana ingressou no sindicalismo na década de 1990. O líder sindical é reconhecido por possuir ideias inovadoras, entre elas a redução da diretoria, proibição de mais de uma reeleição, conversa com o empresariado (não na visão de inimigo, mas de uma frente para dignificar o trabalho) e a inserção do sindicato na sociedade, como projetos sociais (atividades com migrantes haitianos, jogos de futebol em comunidades carentes e Jantar do Lar Santo Antônio dos Excepcionais). Nesta entrevista para a Press, Gelson Santana fala sobre a reforma trabalhista em discussão no Congresso, o cenário do emprego no Brasil, a situação política do país e a cobertura da mídia sobre assuntos relativos às pautas dos trabalhadores. Temos cerca de 15 milhões de desempregados hoje no Brasil. Qual é a perspectiva de mudança desse cenário? Esse número, na verdade, é muito maior do que 15 milhões, por que temos muita gente na informalidade. Em relação à perspectiva de mudanças, depende de várias coisas. Quanto leva, por mês, a corrupção neste país? Quantas obras estão paralisadas desde que houve o início da Operação Lava Jato? Aqui no Rio Grande do Sul, a Refap, em Canoas, no auge dela, empregava mais de 12 mil trabalhadores. Quantas pessoas, em todo o Brasil, trabalhavam nas obras paralisadas dos estaleiros? É só retomar essas obras que estão paradas em função da Lava Jato - não é necessário nem fazer novas - e temos certeza de que irá melhorar a questão do emprego no Brasil. A construção civil sentiria esse efeito imediatamente. Mas não falta dinheiro para essas obras? Como podemos falar de falta de

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dinheiro? Basta olhar as quantias que estão sendo jogadas por Michel Temer para fazer as reformas. Tem muito dinheiro no Brasil, mas infelizmente muito mal utilizado e mal distribuído. Esses recursos tinham que ir para construções, o comércio, gerar emprego e renda. Temer quer fazer as reformas para aumentar os empregos. Mas por que, se temos tantas obras paralisadas? Temos um campo vasto para aumentar os empregos, por que temos que ter as reformas? Essas reformas foram vendidas para o setor econômico, porque a partir do momento em que você diz que o trabalhador não precisa mais fazer rescisão de contrato no seu sindicato, em que você libera que ele pode trabalhar mais do que nove meses sem um vínculo empregatício, aí fica bom para os patrões. Por que no Brasil existem cerca de 17 mil sindicatos? O berço do sindicalismo, a Inglaterra, tem apenas 168; os EUA têm 190; a Argentina, 91.

Nós somos contra esse modelo de sindicatos e centrais no Brasil, tanto em relação aos de trabalhadores quanto aos patronais. Entendemos que tem que haver uma reforma sindical. Mas essa é uma discussão ampla, que é necessária. O que acontece hoje é que uma pessoa perde uma eleição para a diretoria de um sindicato e decide então fundar outro. Ou perde uma eleição numa federação e funda outra. Esse sistema tem que mudar. Tem que haver, sim, uma redução de sindicatos no Brasil. Mas essa diminuição não pode significar o enfraquecimento dos trabalhadores. O que estão fazendo, com essas reformas, é justamente isso: enfraquecer os trabalhadores. Mas nesses países onde há menos sindicatos o desemprego também é menor. O excesso de proteção trabalhista não acaba beneficiando mais setores que não têm nada a ver com os trabalhadores? Enquanto isso, vemos líderes de centrais sindicais se aliando com


Entrevista: Julio Ribeiro e Marcelo Beledeli Fotos: Jefferson Bernardes/ AgĂŞnciaPreview

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ENTREVISTA governos e se tornando verdadeiros “pelegos”. Quando falamos de Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, falamos de países de Primeiro Mundo, onde há um respeito maior com os trabalhadores. No Brasil não há respeito. Eu represento trabalhadores da construção civil, e sei os absurdos que são feitos dentro dos canteiros de obras. Há uma obra paralisada que não paga seus trabalhadores. Nos últimos sete anos, morreram 31 trabalhadores da construção civil somente em Porto Alegre. E ainda há todos os outros acidentes que acontecem. Claro que temos que ter sindicatos fortes e combativos. O que aconteceu no país foi que, durante muito tempo, liberaram muitas cartas sindicais, e tem muitos sindicatos cartoriais. Mas é preciso proteção aos trabalhadores, pois vivemos em um país subdesenvolvido, onde o que se quer é cada vez explorar ainda mais a mão de obra. Aqui, quanto mais se tem, mais se quer. Se nossos sindicatos não fizessem o que fazem, a situação de nossos trabalhadores seria pior ainda. Vou dar um exemplo: se o trabalhador aqui no Brasil não tem mais necessidade de que seja feita a rescisão de contrato dentro do sindicato depois de um ano, o que vai acontecer com ele? Quem garante que ele terá seus direitos garantidos? Outro exemplo: o negociado sobre o legislado. Aqui temos o setor do cimento, que é controlado por empresas grandes, como Votorantim e InterCement. Esta última, em 2014, ofereceu INPC zero para seus trabalhadores. Deram somente a garantia de emprego. Mas que força tem esse trabalhador? Nenhuma! Aqui não há respeito à dignidade das pessoas. Não dá pra comparar com Inglaterra, Estados Unidos, onde quanto mais se trabalha, mais se ganha.

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No Brasil, temos a impressão de que se você quiser poder precisa fundar um partido político, uma igreja ou um sindicato. E o excesso de proteção trabalhista acaba inibindo o empreendedor. Coibir o desrespeito ao trabalhador é um objetivo óbvio, mas a situação atual não lembra uma “casa da mãe Joana”? O Brasil hoje é uma “casa da mãe Joana”. Temos um presidente da República em uma situação ridícula, em que, ao invés de governar o país, está governando o direito de permanecer no poder. Temos um presidente da Câmara dos Deputados que não libera um processo de impeachment contra o presidente da República. Isso é uma “casa da mãe Joana”. E quem mais perde com isso? Três em cada quatro deputados eleitos para o Congresso recebeu dinheiro da JBS para as suas campanhas. Mas quem está lá no Congresso para representar os direitos dos trabalhadores? Quem disse que essas reformas que estão sendo apresentadas protegem os

seus direitos, ou foram discutidas com os trabalhadores? O que precisa mudar na legislação trabalhista brasileira? Com a aprovação pelo Senado, dando aval à Câmara dos Deputados. O problema é que mudou para pior. Em 2012, 2013 no auge do pleno emprego, as mudanças não foram ventiladas pelos parlamentares. Quero dizer que não houve aumentos substanciais de salários. Agora, na crise em que vivemos, o que vem primeiro são os cortes das conquistas dos trabalhadores. Claro, deve haver uma mudança. Uma reforma em certos pontos da legislação. Porém, não da forma que estamos vivenciando. No atropelo que são tomadas decisões erradas. O aumento da carga horária, o legislado sobre o negociado, entre outros remendos que podem ser prejudiciais nos próximos anos à população. Um exemplo é a redução dos 30 minutos para o horário de almoço. Imagine alguém da construção civil que está no décimo andar de uma


obra. Até ele descer, no mínimo, 10 minutos foram perdidos. Outra questão, o trabalhador não poderá comer no décimo andar, por exemplo, por riscos de sofrer um acidente, além de ser insalubre. Outro exemplo, as homologações de rescisão de contratos não serão feitos mais nos sindicatos. A empresa que demitiu o trabalhador irá protege-lo? Nós poderíamos ter feito primeiro uma reforma tributária, pra que os empresários pagassem menos impostos e investissem mais em contratação. A reforma política é outro ponto importante. A prova real são os mandos e desmandos dos últimos anos. O 'quem dá mais' para votar em um projeto A ou B. O Brasil precisa se reinventar e terminar com os retrocessos. Um lema constante de reivindicações no movimento sindical é “nenhum direito a menos”. Mas se direitos não podem ser negociados, isso não prejudica o diálogo? Precisamos ver até onde isso é verdade. O que temos que fazer agora é negociar o que é melhor para todos. Essa reforma que está aí, por que tanta urgência para fazê-la? Por que não se discute? Uma grande parcela do movimento sindical está aberta ao diálogo, e entende que tem que haver mudanças. Mas tem uma outra parcela - talvez porque o país esteja altamente dividido politicamente - que está mais preocupado com o “Fora Temer”. Os sindicatos deveriam ser prestadores de serviços e defensores do trabalhador, mas boa parte deles se transformou em palanques políticos ou feudos. Nesse sentido, o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical não poderia ser um “basta” para esse tipo de sindicato que não presta serviço? Infelizmente, em uma parte sim,

em outra não. Eu também sou favorável que se acabe a contribuição sindical, porque ela não mantém o sindicato. Ela mantém as confederações, federações e centrais sindicais, e não um sindicato como o nosso, e nenhum outro. A contribuição aqui representa menos de 8% dos nossos recursos. Acho um absurdo o que se cobra dos nossos trabalhadores. Em relação aos feudos: as igrejas evangélicas têm uma bancada grande no Congresso, existe a “bancada ruralista”, a “bancada da bala”, “bancada do futebol”... E os trabalhadores? As reformas estão passando do jeito que estão passando por que não eles não têm representantes no Congresso. Por que não têm? Por que, infelizmente, durante muitos anos os líderes trabalhistas ficaram sentados numa cadeira de conforto achando que tudo seria uma maravilha. O sindicato não pode se partidarizar, mas nós podemos sindicalizar os partidos. Temos que discutir as questões referentes aos trabalhadores no Congresso. Por que as igrejas não pagam imposto? Por que o Blairo Maggi, um dos maiores proprietários de terras do Brasil, é ministro da Agricultura? Os trabalhadores têm sim que buscar seus direitos politicamente. Quem conhece as questões trabalhistas somos nós, sindicalistas, que moramos nas comunidades, periferias, e sabemos as necessidades dos trabalhadores. E o que impede o movimento sindical de lançar candidatos? O que impera muito nesse meio é a vaidade pessoal. Por que temos sete ou oito centrais sindicais no Brasil? Porque cada um se acha melhor do que o outro. O que acontece no movimento sindical lembra muito o futebol. Antes de 1994 os europeus diziam que tínhamos o melhor futebol do mundo, mas nos-

sa última Copa do Mundo tinha sido conquistada em 1970. Desde então a gente não ganhava nada, mas tinha “o melhor futebol do mundo”. Eles nos enganavam e nós gostávamos de ser enganados. Já em 1994 não tínhamos uma seleção brilhante, mas todos os jogadores entenderam que tinham um objetivo de ser campeões. Eles entravam no campo dando as mãos, com uma unidade entre eles. É isso que buscamos, a unidade entre as pessoas. Mas isso não é só um sonho? Nelson Mandela sonhou muito e conseguiu. Martin Luther King, Gandhi, também sonharam coisas que outros achavam impossíveis, mas conseguiram vencer. Aqui, podemos ser apenas um que sonha com isso, mas, se o sonho for bom, pode arrastar milhões juntos. Existe uma massa crítica importante, um número considerável de sindicatos e líderes sindicais que pensem assim? Sim, existe. A situação requer isso. Os sindicatos precisam se reinventar. O que está acontecendo hoje está abrindo os olhos deles pra isso. Alguns não entenderam ainda. Esses são os mais antigos. Mas, grande parte já se deu conta que é preciso mudanças. Um exemplo, hoje, é a UGT (União Geral dos Trabalhadores). O presidente da UGT, Ricardo Patah, defende que haja reformas, mas sem tirar a essência. Por exemplo, se tirar a contribuição dos sindicatos, como assegurar que tenham recursos? Ninguém gosta de desconto em salário. Mas não tendo a obrigatoriedade desse desconto dos trabalhadores, para que eles possam manter o seu sindicato forte, como vai ser? Hoje há um movimento forte para acabar com o movimento sindical e os sindicatos.

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ENTREVISTA Os trabalhadores não têm sido, historicamente, massa de manobra para interesses de líderes sindicais e partidários? Os interesses do trabalhador não têm sido relegados para segundo ou terceiro plano? O trabalhador sempre tem sido usado como massa de manobra por todos os partidos, os políticos e centrais sindicais. Por isso dizemos que precisamos nos reinventar. Temos que fazer uma autocrítica. Mas o trabalhador precisa de sindicatos fortes para defendê-lo, senão, quem fará isso? Os empresários? Mas os sindicatos têm sido usados como braços de partidos políticos, não? Sendo claro, estamos falando da CUT? Sim, ela é um braço do PT… A Força Sindical também é ligada a partido… Na verdade, a Força foi, por muito tempo, uma central independente. As pessoas que estão lá, nem todas são do Solidariedade. O secretário-geral, o Juruna (João Carlos Gonçalves) não é filiado ao Solidariedade. A maioria dos sindicatos ligados à Força Sindical não são do Solidariedade. A única que posso dizer certo que é braço político de partido é a CUT. Mas, infelizmente, a mídia coloca todos no mesmo saco: “se é sindicato é da CUT, é do PT”. Isso não é verdade. O STICC nunca foi filiado à CUT. O que fazemos é defender nossos trabalhadores, e queremos levar nosso modelo pelo Brasil todo. Mas é difícil, a partir do momento em que você já é rotulado. Como vê a cobertura que a mídia dá às questões trabalhistas? Penso que ela poderia ser mais imparcial. Ela poderia olhar pelos dois lados. Recentemente estava ouvindo um programa de rádio em que estavam falando que está ocorrendo

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tanta coisa na política e não há movimentação nas ruas. Como não? Ou uma colunista que disse que teve mais de um milhão de pessoas na comemoração do Dia do Trabalhador porque as pessoas foram ver a Daniela Mercury, Martinho da Vila… Como se as pessoas que estavam nos shows não estivessem lá também pelas mudanças políticas neste país. Mas para essa colunista as pessoas não estava lá reivindicando direito, estavam apenas pela música. Mas o quanto de consciência real tem o trabalhador brasileiro, de que ele está num evento desses por reivindicação de direitos, para mudar o país, e não pra ver um show? Hoje um pouco mais do que ontem. Vivemos num país onde um ministro da educação em 1975, Jarbas Passarinho, disse que o brasileiro não precisava mais do que a terceira série primária. Então nosso povo foi mal educado. Ele não teve ensino para discutir e buscar seus direitos como deve. Aí é óbvio que as pessoas mais esclarecidas tem que buscá-los, conduzi-los para tanto. Não é como na Argentina, no Uruguai, na Europa, onde as pessoas são educadas. Vivemos num país onde o índice de analfabetismo é muito alto. Então, como podemos cobrar do povo que ele tenha plena consciência de tudo? O que estão vendo hoje é essa questão da corrupção endêmica no país, e é contra isso que estão lutando. Essa sensação de que a corrupção atinge a todos os políticos, não pode fazer com que o povo resolva aceitar um aventureiro qualquer, que se diga incorruptível, como se fosse algo novo? É uma preocupação. O Lula já foi o novo, era a grande esperança, a salvação do país. Mas ele causou uma grande decepção, e o povo vol-

tou a parar de sonhar. Ele trouxe o sonho das pessoas de que um país melhor poderia surgir, e isso não aconteceu. Sobre a situação atual: existe uma revolta silenciosa das pessoas em relação a muitas coisas. Um pouco como a situação que levou à vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. Mas lá já estão voltando atrás naquilo que fizeram. Aqui no Brasil, a esquerda brigou contra todos os grandes partidos tradicionais, e quando assumiu o poder deu espaço para praticamente todos eles. Isso acaba dando oportunidade para uma pessoa como Jair Bolsonaro aparecer. No entanto, na política, as discussões precisam ser mais amadurecidas. O Brasil não pode mais apostar. Nós falamos no povo, mas o verdadeiro povo ainda não saiu às ruas. Quem mora na periferia, nos bairros mais pobres, ainda não se deu conta de tudo o que está acontecendo aí. Pode ser o caso de que se deu conta, mas se sente impotente diante de tudo isso que está aí? Eu conheço esse povo. Nasci e me criei no meio deles. Eles não estão preocupados. Infelizmente, eles não foram educados para isso. Quando, na época do governo petista, tentaram oferecer curso profissionalizante para quem tinha Bolsa Família, uma menina falou para mim “não vou fazer, porque se fizer o curso vou perder o Bolsa Família”. Nessa hora lembrei da frase que um camelô me falou em São Paulo: “o Brasil é o país mais paternalista do mundo, mas não te dá direito à cidadania”. E o que precisamos é de cidadãos. Ela recebe o Bolsa Família, mas não tem saúde, educação, segurança, emprego. Ou seja, não tem o direito de ter os seus direitos garantidos. É isso que temos que mudar. E eles foram educados para viver pensando dessa forma. Então é preciso reformar


o Brasil. E quem estiver no governo não pode ter um projeto de poder, mas um projeto de país. Onde reside a esperança de que isso possa acontecer? O primeiro lugar é na consciência das pessoas. Temos que mudar essa consciência. No Rio Grande do Sul existem dezenas de obras paradas por causa da corrupção. É preciso honestidade. Não dá mais pra ter esse “jeitinho” brasileiro. Em 1992 houve o impeachment de um presidente por corrupção. Acreditávamos na época que tínhamos alcançado uma maturidade institucional. Mas hoje, muitos dos que gritavam “Fora Collor” estão se lambuzando em corrupção. Que esperança podemos ter que, dessa vez, aprendemos a lição? Vou dar um exemplo. Na última eleição apoiamos uma candidata a vereadora. Estava no Campo da Tuca, na periferia, Zona Leste de Porto Alegre, e um rapaz de lá, que me conhece, disse “minha família é grande, tem vários votos, preciso de cinco sacos de cimento”. Eu disse: “nós não vamos te dar. Vai ter candidato que vai te dar. Mas nós queremos o teu voto consciente”. O que aconteceu é que a candidata não se elegeu, porque, infelizmente, nessas comunidades, eles veem a eleição como uma oportunidade para vender o voto. Quem tiver mais condições de pagar pelos votos lá, ganha. Como se muda isso? Com educação. Mas que tipo de educação? Todos esses que vilipendiaram o patrimônio público tem curso superior… Existem valores que a gente aprende em casa. Mas é preciso uma educação que abra os olhos para as coisas que estão aconte-

cendo. Quem recebe Bolsa Família, a maioria não tem Ensino Fundamental. Nos Estados Unidos, a maioria das pessoas tem, no mínimo, o Ensino Médio. Aqui não investimos nisso. Se eu tiver, no mínimo, o Fundamental, eu tenho uma visão de mundo, das coisas, da sociedade. O dinheiro da corrupção, que seria de cerca de R$ 200 bilhões por ano, quantos empregos poderia gerar? Como essa situação pode ser revertida? O voto vai mudar? Imediatamente, não. As pessoas ainda estão embriagadas, divididas entre esquerda e direita. O Brasil não pode ter direita, esquerda ou meio, o Brasil tem que ser das pessoas. O nosso sindicato não é de esquerda, direita, centro, ele é das pessoas, é para as pessoas que trabalhamos. Estamos chegando num ponto em que os valores estão ficando invertidos. Vejo postagens em redes sociais dizendo que “quanto mais conheço as pessoas, mais amo meus animais”. Mas enquanto não amarmos mais as pessoas, essa situação não vai mudar. É preciso mudanças de

comportamentos. E falo muito da imprensa, porque sei que ela pode ajudar a depurar esse país. As grandes melhorias só ocorrem quando há divulgação. Passa muito pela imprensa a mudança de comportamento das pessoas no Brasil. E o papel dos sindicatos nessa mudança? O sindicato não pode ser só reivindicativo, ele tem que ser propositivo. Nós, no STICC, nos preocupamos em propor soluções. Temos um decreto lei em Porto Alegre, o “Obra Pública Legal”, que cuida dos direitos dos trabalhadores, da segurança e da saúde, e também sobre os cuidados com as verbas públicas empregadas. Geralmente numa obra pública o mais caro são os aditivos. Nosso projeto controla isso. Então nossa preocupação, além das questões trabalhistas, foi com o patrimônio público, porque isso é dinheiro dos trabalhadores, dos contribuintes, recursos que podem retornar para eles. O que queremos é um país digno dos brasileiros, que dê condições de emprego e renda para sua população.

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OPINIÃO

Verissimos na ARI

O primeiro de julho de 2017 resvalou e caiu em um sábado. Às 8h30min da manhã eu madrugava no Salão Nobre da Associação Riograndense de Imprensa. Ele encarapita-se no 8º andar do Edifício Alberto André, número 915 da Avenida Borges de Medeiros, Centro Antigo de Porto Alegre – a inscrição na fachada do térreo atesta que é a Casa do Jornalista. Este primeiro parágrafo é totalmente irrelevante para você, leitor ou leitora. Inclusive a frase final, e eu sei disso.

Mas preciso contar que lá ouvi uma médica falar sobre a importância do Teste do Olhinho. Detecta problemas de visão em recém-nascidos que possam levar à cegueira. Mencionou o Instituto VER e lembrou Hesíodo Andrade, bom amigo já falecido que era o Andrade da agência de publicidade Martins & Andrade. Só por isto já teria valido a pena atender ao convite do João Firme de Oliveira, transmitido aos conselheiros e demais associados pelo presidente do Conselho Deliberativo da ARI, Batista Filho. O pequeno grande guerreiro João Firme é um batalhador incansável por tal ação de incontestável mérito que busca ser lei federal. Creio que o relato emocionou também a dois ex-governadores, Jair

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Soares e Pedro Simon, ao ex-prefeito José Fortunatti, ao ex-deputado federal Ibsen Pinheiro, entre muitas pessoas mais que foram receber diplomas conferidos pela ALAP – Associação Latino-americana de Publicidade. Depois, confraternização no Bar Social com suco de uva natural e outros produtos orgânicos levados por pessoal de assentamento do MST via intermediação do colega Wálmaro Paz. Excelentes, por sinal. Realidade multifacetada... Ah! Não posso esquecer, pois aí o título mais acima perderia todo o sentido. Também estavam lá dois Verissimos: o pai, Erico, na eterna memória de primeiro presidente da ARI, uma jovem anciã que completará 82 anos em 19 de dezembro; o filho, Luis Fernando, outro dos homenageados, cada vez mais vivo, lúcido, perspicaz, coerente e que outros adjetivos quiserem acrescentar a seu talento para ir da amenidade profunda à crítica arrasante. Creio que faz bem ao filho ver a obra do pai persistir no tempo. A ARI tem Luiz Adolfo Lino de Souza, professor da FAMECOS-PUC, como novo presidente da Diretoria Executiva. É o terceiro com vivência acadêmica: Alberto André e Antônio Firmo de Oliveira Gonzalez foram professores e diretores daquele curso. Ciro Machado e Cristiane Finger (também professora na Famecos) são vice-presidentes e completam o triunvirato. Na primeira reunião de Diretoria estavam mais de duas dezenas de colegas, cabendo registrar que todo o trabalho é voluntário. Enfim, há fortes indicativos de uma gestão participativa, integradora e assentada so-

MÁRIO ROCHA

mario.rocha@ufrgs.br

bre as bases éticas sólidas, patrimônio maior da Associação. Haverá, atrevo-me a antecipar, continuidade de gestão identificada com a missão da ARI, mas aliada a aportes de renovação administrativa. Imprescindíveis, ambas. Não porque as tecnologias mudaram e, com elas, teriam mudado as expectativas da sociedade quanto à produção e consumo de informação qualificada. O que realmente mudou é o surgimento de opções, mais do que isso, a multiplicação desenfreada de opções com larguíssimo espectro no quesito confiabilidade. Leitores, telespectadores e radiouvintes, hoje somados aos digitalizados na internet e compondo o que passou a ser denominado genericamente de audiência, sempre quiseram jornalismo de qualidade. Ele precisa ocupar seu lugar ao sol sem permitir que lhe façam sombra. A ARI, aqui no Rio Grande do Sul, tem compromissos com neste desafio. Com a sociedade, com os jornalistas, com os estudantes de jornalismo...

Mario Rocha é jornalista e professor da Fabico



MATÉRIA DE CAPA

o mediador na berlinda

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H

á um espaço nebuloso entre o emissor e o receptor de uma mensagem. Na imprensa, esses extremos são o jornalista e o público. A área cinzenta está onde a prática jornalística se confronta com a expectativa dos consumidores de notícias. É aí que atua o ombudsman. O Brasil encarava a primeira eleição direta depois de três décadas de regime militar quando a Folha de S.Paulo criou o cargo de ombudsman. Faltava cerca de dois meses para o pleito, marcado pela disputa entre mais de 20 candidatos, quando o jornal assumiu o risco de ser criticado de uma forma que até então não existia no País. Em sua primeira coluna, publicada em 24 de setembro de 1989, o ombudsman Caio Túlio Costa, o primeiro a assumir o posto no jornal, se posicionou como alguém “pago para defender o leitor”. Ao longo da apresentação, no entanto, mostra que a função recém-assumida iria além disso. Citando o modelo inaugurado pelo The Washington Post – primeiro grande jornal a criar o cargo, em 1970 –, revela que seu papel é, também, o de fazer uma crítica da mídia. Estava firmado, ali, o compromisso que a “Folha” assumia perante seus leitores e que mantém até hoje. Passados quase 30 anos, o ombudsman ainda é uma figura rara na imprensa nacional. E, mundialmente, cada vez menos frequente. A Organização dos Ombudsman de Notícias (ONO, na sigla em inglês) conta, hoje, com 55 membros. Em 2013, eram 106. Os números da entidade não podem ser interpretados como um quantitativo exato de profissionais, já que nem todas as empresas jornalísticas que possuem ombudsman ou cargos similares se associam a ela. Mas a redução é emblemática. Foi evocando “novos tempos” que, em 2013, a publisher do The Washington Post, Katharine Weymouth, justificou a decisão de acabar com a função que perdurava há mais de quatro décadas no jornal. Recentemente, o The New York Times, que instituiu o editor público em 2003, seguiu os mesmos passos, recorrendo às mesmas alegações.

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MATÉRIA DE CAPA Os dilemas impostos ao jornalismo são inúmeros, mas credibilidade, foco da atuação do ombudsman, continua imprescindível. Em tempos de “fatos alternativos” e “fake news”, contra os quais a imprensa estadunidense tem se insurgido, soa contraditória a afirmação de que o ombudsman se tornou desnecessário.

Separando o joio do trigo Em Fortaleza (CE), o jornal O Povo instituiu o cargo de ombudsman em 1994, se espelhando na Folha de S.Paulo. A perenidade desses profissionais é reflexo de dois aspectos basilares das empresas: o espaço ao contraditório e o estímulo à participação dos leitores. “Aqui no jornal O Povo, além do ombudsman, temos o conselho de leitores que se reúne todos os meses, e também faz críticas ao jornal”, demonstra Tânia Alves, ombudsman da publicação. “Já existe essa cultura.” São mais de 20 anos da função no jornal, algo que, segundo a jornalista, revela uma certa ousadia, mas que também demonstra transparência na relação com o público. Nas duas publicações, o trabalho do ombudsman – cargo ocupado por jornalista experiente e que tem assegurada estabilidade durante e após o mandato – se divide em três tarefas principais: fazer uma crítica interna diária, atender a demanda dos leitores e produzir a coluna semanal. “A análise diária é um ponto que as pessoas não veem, mas que é fundamental para o trabalho da redação, talvez seja o mais importante do ponto de vista do efeito prático na qualidade do jornal”, destaca Paula Cesarino Costa, ombudsman da Folha de S.Paulo. Paula, que está no jornal desde 1987 e acompanhou a evolução do cargo ao longo do tempo. “Hoje eu

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Adísia Sá

Caio Túlio Costa

Primeira Ombudsman do Jornal O Povo, de Fortaleza, em 1994

Primeiro ""Ombudsman" da Folha de S.Paulo, em 1989

tento observar as críticas não só dos leitores que mandam e-mail, mas também os que se manifestam nas redes sociais”, conta. Tânia relata vivenciar a mesma preocupação. É um trabalho de separar o joio do trigo para ver o que é realmente relevante do ponto de vista da crítica do jornal. Afinal, há de tudo: desde usuários que leem apenas o título, desconsiderando todo o conteúdo, aos que interpretam a informação de uma forma muito peculiar, às vezes distinta do que de fato está sendo noticiado, passando

pelas avaliações bem fundamentadas e pertinentes, o ouro garimpado pelo ombudsman. “O leitor vai muito pelo que ele quer, pelo que interessa a ele, e o jornalismo não é isso. É papel do ombudsman fazer a mediação”, esclarece Tânia. Diante desse desafio, publicações tradicionais têm abdicado da função do ouvidor. O baque mais recente veio com o anúncio do The New York Times, no início de junho. Paula Cesarino, na mesma semana, classificou a medida como “um passo atrás”.


O leitor vai muito pelo que ele quer, pelo que interessa a ele, e o jornalismo não é isso. É papel do ombudsman fazer a mediação

Joseti Marques

Paula Cesarino Costa

Tania Alves

Ombudsman da EBC

Atual Ombudsman da Folha de S.Paulo

Atual Ombudsman do Jornal O Povo

O que muitos tentavam entender era o que havia por trás da justificativa apresentada pelo publisher do jornal, Arthur Sulzberger Jr. “Nossos seguidores na mídia social e nossos leitores na internet constituem, juntos, uma forma moderna de fiscalização, mais vigilante e mais poderosa do que uma pessoa trabalhando sozinha jamais poderia ser”, argumentou. Mas, afinal, quem vai coletar, analisar e aprofundar a opinião dos leitores? Quantificar as mensagens endereçadas à publicação, seja pelos pró-

prios canais ou pelas redes sociais, não é o suficiente para levar adiante a visão do público, como mecanismo de autoavaliação. Para a Paula Cesarino, o leitor não substitui o ombudsman, assim como é impossível o inverso. “Esse novo contexto em que todo mundo crítica, de fato, traz vários ombudsmans para o jornal. Só que são coisas absolutamente diferentes”, pondera. “A crítica do leitor é sempre contaminada por uma opinião prévia, o ombudsman ouve todas elas.” A FSP apesar da crise e dos cortes

mantém o cargo, e já se manifestou publicamente que o ombudsman fica. O Povo também tem reforçado a sinalização positiva ao cargo.

Comunicação pública e a obrigação de ouvir o cidadão A imprensa tradicional e a comunicação pública se distinguem em muitos aspectos, mas compartilham a busca pela credibilidade. Se nos veículos privados o trabalho do

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MATÉRIA DE CAPA ouvidor é um instrumento a mais fortalecer a sua presença no mercado, na comunicação pública, ele é obrigatório. O principal exemplo vem da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), criada em 2008 pela Lei 11.652, que já previa a ouvidoria, responsável por fazer a crítica interna do conteúdo produzido, como parte de sua estrutura. Atualmente, o cargo é ocupado pela jornalista Joseti Marques, que está em seu segundo mandato. Na EBC, o mandato é de dois anos, podendo ser prorrogado pelo mesmo período. “Em linhas muito gerais, a diferença (entre comunicação pública e privada) está em quem é o patrão e qual é a missão da empresa – uma empresa pública está a serviço do cidadão, que lhe sustenta através do dinheiro público”, justifica. Em suas colunas, Joseti evidencia que os veículos da EBC devem perseguir a isenção e a autonomia, como fez, recentemente, ao criticar a cobertura da empresa sobre a divulgação das gravações do empresário Joesley Batista com o presidente Michel Temer. No texto, a ouvidora alerta que o conteúdo destoava da imprensa nacional, que, agilmente, noticiou o efeito devastador dos fatos revelados. “Mas para a mídia pública o conteúdo bombástico parecia não ter a dimensão de gravidade e interesse público reconhecido por toda imprensa”, argumentou, trazendo exemplos que corroboravam a crítica. “O governo é apenas o administrador, perante o Estado, do bem público, e não seu dono. Legislar sobre a comunicação pública com esse desprendimento, sem dúvida, aumentaria o capital de prestígio e credibilidade de qualquer governo”, defende. É com esse foco e com persistência que a ouvidora-geral da EBC contorna o principal desafio que enfrenta na função: “con-

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vencer alguns gestores de que as críticas da Ouvidoria são construtivas, um instrumento de gestão pela qualidade e conferem prestígio à empresa pública”.

Ombudsman de si mesmo Com mais de 60 anos dedicados ao jornalismo, Adísia Sá foi a primeira ocupante do cargo no jornal O Povo, em 1994. Exerceu a função por três mandatos, em 1994, 1997 e 2000, quando nomeada ombudsman emérita da publicação. “É uma lição de jornalismo. O bom ombudsman é um professor na redação”, descreve. Integrante do grupo que fundou o curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), Adísia conta que quase todos os colegas de trabalho foram seus alunos. “Eu sempre fui jornalista e professora. Meu papel como professora sempre foi ouvir o aluno, que considero uma voz extremamente importante para o educador.” Para quem iria criticar os profissionais que ajudou a formar, transpor o vínculo seria o maior desafio. “A parte mais difícil foi comigo mesma, porque não era um aluno, era o meu colega. Então, a sua própria análise fica um pouco embaçada porque tem um sentimento, mas a gente tem que passar por cima dessas emoções e ver que o seu trabalho é bom não só para si, pela experiência, mas aquele que é analisado.” Em pouco tempo o jornal assimilou essa figura com naturalidade, a ponto de os próprios jornalistas da empresa cobrarem os retornos da ouvidora, relata. Na visão da professora Adísia, o ombudsman traz ganhos para os leitores, para o jornal e seus profissionais, mas também é beneficiado. “O jornalista volta diferente depois de exercer a função, ele se

torna ombudsman de si mesmo”, sacramenta. “Eu não sei porque não pegou bem essa figura do ombudsman, se é pelo peso de aceitar as críticas, se é pelo custo, não sei... ele não foi compreendido”, lamenta, reforçando que se o profissional cumprir, realmente, seu papel, sempre será indispensável.

Quem critica o crítico? Plínio Bortolotti, diretor institucional do O Povo, já foi repórter, editor, ombudsman por três mandatos e coordenador do Conselho


Tudo muda "O Jornalista volta diferente depois de exercer a função, ele se torna ombudsman de si mesmo"

de Leitores. Essas funções permitiram a ele observar a produção jornalística de uma forma bastante abrangente, e sempre muito crítica, inclusive em relação ao ombudsman. Quando fala da experiência que adquiriu como ouvidor dos leitores, Bortolotti logo esclarece que antes de ocupar o cargo já havia feito uma crítica sobre o tema, publicada no Observatório da Imprensa, em 2002. No texto, Bortolotti condena a forma como os ombudsmans se revestem de um certo messianismo diante da “missão” que assumem. “Assumir o cargo não implica automática purificação. Se os jornalistas são tudo aquilo que o ombudsman diz, por que este não é a mesma coisa, já que também é um deles?”, refletiu. O questionamento inevitável, agora, é: essa visão mudou? “Não mudou o que eu pensava do jornalismo do ombudsman, antes de exercer a função e durante o exercício da função”, responde. “Eu ironizo um pouco essa história do ombudsman ser aquele herói solitário com uma espada da verdade.” Para o jornalista a função não se distância da prática dos profissionais que estão na redação. “Eu procurei fazer o trabalho da melhor maneira possível, como se eu estivesse cumprindo uma pauta jornalística. Não posso deixar de observar o método, também, quando estou fazendo um trabalho de crítica.” Durante o exercício do cargo, o jornalista adotou uma postura particular, ajustada, evidentemente, à conduta estabelecida para a função. Em geral, quem já foi ou é ombudsman revela uma certa solidão, já que há um distanciamento da redação, algo com o qual o próprio jornalista tem que aprender a lidar, porque, de fato, é uma mudança significativa na rotina. Bor-

tolotti conta que, embora sua sala fosse isolada, manteve (e mantém até hoje, como diretor) o hábito de frequentar a redação diariamente. Assim, falava diretamente com os colegas, quando necessário, e também poderia ser acessado por eles. “Um bom jornalista tem que saber ouvir, mas eu aprendi mais ainda a importância de ouvir as pessoas”, avalia. “Uma vez me ligou um ouvinte, ele fez várias queixas, umas procedentes, outras não. Eu ouvi e ao fim disse que havia anotado tudo e que iria repassar para os jornalistas responsáveis e depois daria uma resposta. Ele disse: não, eu não quero que você faça isso, eu só queria que alguém me ouvisse.” A história narrada mostra que para o leitor o ombudsman é de fato um ouvidor, alguém que está lá para ouvir as impressões que ele sobre o jornal. “Sendo certo ou errado, ela tinha o direito de dizer aquilo, e eu, o dever de ouvir e dar sequência, se fosse o caso”, resume Bortolotti. Como diretor institucional do grupo, o jornalista mantém a tarefa de ouvir. Lidar com as críticas que chegam à direção, tendo que buscar solução para elas, é o novo desafio. “Algumas questões vão sendo resolvidas aos poucos, mas há erros que são difíceis de solucionar”, admite. “As redações hoje são muito jovens e têm uma rotatividade alta.” Segundo Bortolotti, treinamentos são feitos, critérios são estabelecidos, mas em três a quatro anos, aqueles jornalistas treinados deixam o jornal. As dificuldades, como evidenciam os ouvidores, não se limitam aos profissionais: atingem as empresas e a prática jornalística. Alguém tem que levantar essas questões, propor o debate e trazer apontamentos que venham de fora das redações. Quem está mais preparado para essa tarefa do que o ombudsman?

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CARTUNS

Cartum luta para sair da crise

O

uso de cartuns e charges nos jornais sempre foi uma estratégia para emitir opiniões de uma forma simplificada. Muitas vezes, o que um texto tenta explicar com páginas e mais páginas de frases difíceis e enfadonhas, uma imagem consegue sintetizar e explicar muito mais claramente. O desenho de humor tem a função de ser uma crítica mordaz, satírica, irônica e principalmente humorística do comportamento do ser humano, das suas fraquezas, dos seus hábitos e costumes. Porém, é uma arte que luta para sobreviver. O termo original em inglês - cartoon - veio da língua italiana - cartone - e quer dizer “cartaz”. A expressão surgiu em 1841 na revista inglesa “Punch”, a mais antiga revista de humor do mundo. No tempo em que circulou (de 1841 a 1992 e 1996 a 2002), publicou cerca de 8000 caricaturas que hoje estão em acervo em um website. Aos poucos, os cartuns começaram a ficar famosos também em jornais e outras plataformas. No Brasil o termo foi neologizado para “cartum” em fevereiro de 1964, na revista Pererê, de autoria de Ziraldo. No entanto, o desenho

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Colaboração: Márcia Tomás

de humor foi visto pela primeira vez no País em 1864. Ângelo Agostini - italiano radicado em São Paulo - e Luís Gama fundaram o primeiro jornal ilustrado da capital paulista, Diabo Coxo. A partir da década de 1930 os cartuns foram ficando cada vez mais populares no Brasil, que veria surgir talentos como Belmonte, Péricles, Ziraldo, Laerte e outros. No entanto, o momento atual em que os cartunistas se encontram é preocupante para a categoria, com uma forte crise do mercado editorial, que historicamente sustentava os profissionais. Segundo pesquisa divulgada pelo IBGE em fevereiro deste ano, a mídia impressa teve recuo de vendas de 16,1%, um dos mais acentuados de sua história. Segundo Rodrigo Rosa, cartunista que já passou por veículos como Zero Hora, Estado de São Paulo e Diário Gaúcho e ex-presidente da Associação Brasileira dos Cartunistas, muitos colegas têm sido demitidos dos veículos jornalísticos onde trabalhavam. “Outros têm encontrado saída nas agências de publicidade, no desenho publicitário, na ilustração e nos salões internacionais (espécie de competição, onde vários desenhistas enviam suas artes e concorrem a prêmios em dinheiro e viagens)”, explica Rosa.

A internet tem sido abrigo de artistas que antes viam seus desenhos ilustrar as páginas dos jornais diários e as revistas mensais. No entanto, o meio virtual ainda não gerou uma fórmula segura de renda para os profissionais da área. “Ninguém paga por um desenho na internet. Apesar de lá o espaço ser infinito, voltamos a ser desenhistas amadores, que trabalham apenas pelo “aplauso”, lamenta o cartunista gaúcho Neltair Abreu, conhecido como Santiago. Os cartunistas ganham muita visibilidade na internet, mas isso não representa rentabilidade. Santiago conta que ele e os colegas de profissão acabam fornecendo conteúdo jornalístico gratuitamente para o Facebook vender anúncios às custas de seu trabalho. Considera um retrocesso para quem, assim como ele, veio do mundo editorial, onde eram pagos por seus desenhos com regularidade. “As redes sociais são excelentes canais para mostrarmos nosso trabalho, mas representa uma exploração da mão de obra de profissionais qualificados que se submetem a dar de graça o seu talento para não ficarem completamente esquecidos do público”, afirma Santiago. O atual Presidente da Associação


rodrigo rosa

santiago

Brasileira dos Cartunistas, José Alberto Lovetro tem uma visão menos negativa a respeito dos caminhos de sua profissão. Reconhece a crise que o cartum vive e acredita que ela é fruto de uma ignorância editorial que está acabando com os impressos muito antes do que deveria. “Os editores de jornais e revistas impressas parecem estar cegos ao que o leitor gosta e eliminando as ilustrações, charges e quadrinhos desses veículos só aceleram a sua morte”, afirma. Lovetro também tem uma visão mais otimista a respeito do mercado de trabalho de um cartunista. Segundo ele, a internet paga muito pouco aos profissionais, entretanto é uma ótima vitrine. “Está na hora dos próprios desenhistas mudarem sua forma de buscar mercado de trabalho”, comenta o presidente, que acredita que tem muito espaço e serviços a serem desenvolvidos, basta observar para criar algo que chame atenção. O presidente da associação lembra uma exposição de quadrinhos da Amy Winehouse que fez com outros desenhistas em 2011, logo após sua morte. A cantora estava na mídia por conta de seu falecimento e o sucesso foi tão grande que o trabalho dos artistas ultrapassou fronteiras: a exposição foi para a Espanha. Em vídeos no Youtube, Lovetro dá várias dicas para outros cartunistas driblarem a crise e não dependerem de empregos nos veículos convencionais. “Temos que ir até nosso público e não esperar que nos procurem”, incentiva o cartunista.Quando questionado sobre a probabilidade de sobrevivência da arte do desenho de humor, Lovetro lembra que o ser humano é o único animal que ri. E tudo começou com pinturas nas paredes das cavernas. “Lá já eram as primeiras caricaturas e sequências de quadrinhos que existem até hoje. O humor é a essência de nossa autocrítica e o desenho não é dom mas sim mais um instinto humano”, ressalta ele. Santiago também concorda que a arte do cartum não vai morrer. “O desenho de humor vai sobreviver porque a ânsia humana de criticar e de consumir crítica é vital e instintiva”. O cartunista, porém, acredita que o novo veículo que irá ponderar, a internet, terá que dar um jeito de remunerar os profissionais, que assim como ele já estão exaustos de espalhar seus desenhos e não receber nada em troca. “Estou cansado de divulgar meu trabalho na internet sem um retorno que me permita ir ao supermercado”.

José alberto lovetro

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GRANDES NOMES

U

ADOLPHO BLOCH

m dos maiores grupos de mídia no Brasil do século XX foi fundado por um imigrante refugiado cuja família fugiu de sua terra natal para não passar fome. Essa é a origem de Adolpho Bloch, fundador das empresas Bloch e da rede Manchete de rádio e televisão. Registrado originariamente como Avram Yossievitch Bloch, nasceu a 8 de outubro de 1908, em Jitomir, a 120 quilômetros de Kiev, capital da Ucrânia (então parte da Rússia), filho dos judeus Josef e Ginda Bloch. O pai tinha uma gráfica e orientou os três filhos homens (Adolpho, Arnaldo e Bóris) nas artes gráficas. Aos nove anos, Adolpho assistiu aos primeiros pogrons contra os judeus e a Guerra Civil que se instalou em 1917 na Rússia, após a queda do czar. Durante o regime provisório de Alexander Kerensky, a família imprimiu o dinheiro que circularia nos primeiros tempos da Revolução Russa. Ainda em Kiev, Adolpho tomou gosto não só pelas artes gráficas como pelo teatro, ajudando na impressão de cartazes e vendendo libretos com o resumo das óperas encenadas no teatro local. Em 1921, com a Ucrânia sofrendo os efeitos da Guerra Civil Russa, especialmente a fome, e devido ao forte preconceito contra os judeus, a família Bloch saiu do país, indo viver, inicialmente, em Nápoles, na Itá-

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lia. Após nove meses, embarcaram na terceira classe do navio Reggio d'Italia, chegando ao Rio de Janeiro em 1922. Foram morar em Aldeia Campista (zona norte da cidade). Com os poucos recursos trazidos da Rússia, Josef Bloch instalou uma pequena gráfica. Já em 1923 comprou uma pequena impressora manual com a qual rodava folhas numeradas para o jogo do bicho. Adolpho estudava à noite no Colégio Pedro II e, durante o dia, batia o comércio procurando encomendas. Frequentava as redações do Rio de Janeiro, conhecendo boêmios, jornalistas e escritores. O primeiro grande negócio para a firma foi obtido por Adolpho quando, na redação de "A Vanguarda", soube que um exportador precisava embalar laranjas num papel de seda especial. Nenhuma gráfica no Rio tinha condições de imprimir. Adolpho aceitou a encomenda, providenciou máquinas e tornou conhecida a gráfica dos Bloch. Na década de 1940 Adolpho trabalhou na editora Rio Gráfica, pertencente a Roberto Marinho. Na mesma década, costumava frequentar as gafieiras do Grêmio Recreativo Familiar Kananga do Japão, na área boêmia do Rio de Janeiro. O lugar

inspiraria a novela Kananga do Japão, da Rede Manchete, em 1989. Com a morte de Josef, seus três filhos, Adolpho, Arnaldo e Bóris, assumiram o comando da gráfica, e logo Adolpho revelou qualidades que o tornariam líder.Em 1952, vencendo a resistência dos irmãos, lançou a revista "Manchete" — o que foi considerado um rasgo de loucura, uma vez que o mercado era pequeno e havia um gigante na praça, a revista "O Cruzeiro", que imprimia 700 mil exemplares por semana. Os primeiros anos da "Manchete" foram difíceis, embora a revista reunisse uma equipe de jornalistas de primeiro time: Carlos Drummond de Andrade, Magalhães Júnior, Rubem Braga, Sérgio Porto, Lúcio Rangel, Vinícius de Moraes, Henrique Pongetti, Otto Lara Resende, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. Com o governo de Juscelino Kubitscheck — de quem foi amigo pessoal — e o início da construção de Brasília, Adolpho decidiu apostar tudo na onda de otimismo e desenvolvimento. A maior parte da imprensa continuava pessimista. Enviou uma dupla de repórteres e abriu a primeira sucursal jornalística no Planalto Central. Simultaneamente, reequipou o parque gráfico e criou novas revistas, como "Fatos e Fotos", "Jóia", "Pais e Filhos", "Ele Ela", "Desfile", "Amiga", "Sétimo Céu" e outras. A densidade de Manchete com o programa de metas de JK fez com que o já então ex-presidente se aproximasse do editor, justamente no momento em que a política dava uma reviravolta e JK era cassado e obrigado a se exilar, sendo seu nome proibido de receber menção na imprensa. Adolpho não tomou conhecimento da proibição e continuou a dar ampla cobertura e corajosa defesa a JK. Com o nascimento da primeira neta de Juscelino, em Portugal, Adolpho foi convidado a ser padrinho de batismo. Quando o ex-presidente faleceu, em 1976, Adolpho quase obrigou para que o corpo fosse velado no saguão do prédio-sede de sua editora. Em 1968, inaugurou a nova sede da editora, na Praia do Russel (zona sul do Rio), com três prédios projetados por Oscar Niemeyer. Ali funcionam as redações do grupo, emissoras de AM e FM, um museu, um teatro, além de restaurantes, piscina, ambulatório e salões de recepção. A fidelidade a JK não impediu que "Manchete" se tornasse entusiasta do "Brasil Grande" que o regime militar promovia. No governo estadual do bri-

REVISTA MANCHETE

Capa da primeira edição, lançada em 1952

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GRANDES NOMES gadeiro Faria Lima, Adolpho foi nomeado presidente da Fundação dos Teatros do Estado do Rio de Janeiro, quando realizou obras de restauração no Municipal e no João Caetano, construindo em tempo recorde o Teatro Villa Lobos. Até os anos 1970, a comunicação eletrônica nunca havia despertado o interesse do empresário. Mas, em 1980, pelas mãos dele e de seu sobrinho Pedro Jack Kapeller, foram lançadas a Rede Manchete de Rádio FM, com cinco emissoras pelo Brasil e a Rádio Manchete AM, no Rio de Janeiro. Depois, em 1983, compraria a Rádio Clube do Pará, que manteve até 1992. No mesmo ano que Bloch adquiriu suas primeiras rádios, o governo federal anunciou a abertura da concorrência para duas novas redes de televisão que surgiram das sete concessões da Rede Tupi e duas da Rede Excelsior, ambas já extintas. Em março de 1981, o presidente João Figueiredo anunciou as concessões aos grupos de Adolpho Bloch e Silvio Santos. Das nove emissoras cedidas, quatro ficaram com o Grupo Silvio Santos e as cinco restantes com o Grupo Bloch. Em 19 de agosto de 1981, Adolpho Bloch e Silvio Santos assinaram os contratos definitivos das concessões. O SBT foi lançado nesta data, enquanto o Grupo Bloch decidiu adiar o lançamento da futura emissora, Rede Manchete, para poder preparar o projeto da nova rede. Foram investidos US$ 50 milhões em instalações, equipamentos e enlatados e contratar 800 profissionais. Pedro Jack Kapeller seguiu para os Estados Unidos e Japão, trazendo os equipamentos mais modernos. Em 1983, inaugurou a Rede Manchete de Televisão, buscando uma programação de alta classe. A primeira emissora afiliada, ainda no mesmo ano, foi a TV Pampa, de Porto Alegre. Os primeiros anos da nova televisão foram de sucesso, culminando com a apresentação das novelas "Kananga do Japão" e "O Pantanal", em 1989 e 1990. No entanto, a empresa estava afundada em dívidas. Ainda em 1986, apenas três anos depois de sua fundação, a emissora acumulava um prejuízo de US$ 80 milhões de dólares e uma dívida que chegava a US$ 23 milhões de dólares. Apesar disso, entre 1986 e 1992, chega a ser a segunda maior rede de televisão do Brasil e a terceira maior na

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TV da América Latina (perdendo apenas a Rede Globo e a rede de televisão mexicana Televisa). Problemas de gerenciamento passaram a influir na programação, e as dívidas só se acumulavam, obrigando Bloch a vender, em 1992, a rede de televisão ao grupo paulista IBF, que fez fortuna com a impressão de raspadinhas. O negócio envolveu a compra de 49% do capital acionário da Rede Manchete de Rádio e Televisão por US$ 25 milhões, e o IBF e assumiu uma dívida de US$ 110 milhões da empresa junto a diversos credores. A nova administração não conseguiu resolver os problemas financeiros crescentes. Em 1993, a IBF teve cassada a sua gestão pela justiça. Adolpho Bloch recebeu de volta o encargo de uma rede nacional, com os salários dos funcionários atrasados em seis meses. Pedindo um tempo aos empregados, ele conseguiu, em quatro meses, normalizar o pagamento da folha. Mas o esforço de caixa continuou repercutindo na programação. Adolpho continuou lutando para equilibrar receita e despesa. Ao conseguir esse equilíbrio, em meados de 1995, lançou uma nova novela, "Tocaia Grande", construindo uma cidade cenográfica em Maricá (RJ) ao preço de R$ 2 milhões. No início de novembro de 1995, Adolpho Bloch foi internado no hospital da Beneficência Portuguesa, em São Paulo, para tratar dois problemas: embolia pulmonar e disfunção da prótese da válvula mitral do coração. Na madrugada do dia 18 para o dia 19, seu quadro agravou-se, e ele precisou ser operado, mas não resistiu. "Seu Adolpho" faleceu no dia 19 de novembro de 1995 aos 87 anos. Com isso, as empresas de seu grupo passaram para o controle do sobrinho de Bloch, Pedro Jack Kapeller (conhecido como Jaquito), que ficou no comando destas até o ano 2000, quando o Conglomerado Bloch foi à falência. A emissora de televisão, que chegou a ter uma recuperação entre 1995 e 1997, sofreu nova crise e foi vendida em 1999 para o grupo TeleTV, de Amilcare Dallevo Jr, criando a RedeTV. Foi casado duas vezes: com Lucy Mendes Bloch e Ana Bentes Bloch. Não teve filhos. Foi condecorado com a Legião da Honra, da França, e com títulos honoríficos de diversos países. Publicou dois livros de memórias e artigos, sob o título "O Pilão".


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GALERIA

Jornal da Tarde resume a tristeza do País na Copa de 1982 O futebol, como grande paixão esportiva nacional, sempre rendeu grandes imagens e textos jornalísticos. Um dos grandes desafios para a cobertura esportiva é mostrar uma informação que vá além do fato, mas que reflita os sentimentos profundos que o esporte traz aos torcedores. Há 35 anos, uma das capas mais famosas já publicadas no Brasil conseguiu esse feito.

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a tarde de 5 de julho de 1982, no estádio do Sarriá, em Barcelona, a Seleção Brasileira de Futebol se despedia da Copa do Mundo da Espanha com uma derrota por 3 a 2 contra a Itália, na segunda fase da competição - equivalente hoje às quartas de final. O resultado foi uma surpresa, porque a Seleção Brasileira, comandada por Telê Santana, era considerada a melhor daquela Copa, contando com nomes como Sócrates, Zico, Falcão, Toninho Cerezzo, entre outros. Naquela ocasião, o garoto José Carlos Vilella, de 10 anos, foi clicado pelo fotógrafo Reginaldo Manente nas arquibancadas do estádio enquanto chorava a eliminação brasileira. No dia seguinte, seu rosto triste estampava a capa do “Jornal da Tarde”, na edição de maior tiragem da história de um dos mais importantes jornais de São Paulo. Somente a fotografia, ampliada, sem texto nenhum além da data da tragédia do Sarriá. A foto foi difícil de fazer. Após pular alambrados e ultrapassar barreiras de proteção, Manente ficou a um metro e meio de mãe e filho. Mas ele não gostou da primeira foto

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que fez de José Carlos, pois estava chorando demais. Passou a clicar a mãe, se esforçando para não parecer intrometido. Quando o garoto se distraiu, o fotógrafo fez o registro. Em São Paulo, Mário Marinho, o editor do caderno de esportes do “Jornal da Tarde”, estava preocupado com a forma como noticiaria, um dia depois, a derrota da seleção que o Brasil todo já conhecia. O diferencial apareceu quando um aparelho ligado à linha telefônica (transmissor de fotografias) começou a apitar. Era Manente enviando as fotos daquela cobertura, incluindo a única de José Carlos. Depois de mandá-la à redação, o fotógrafo fez uma cópia e mostrou a Roberto Avallone e Vital Bataglia, outros jornalistas que cobriam aquela Copa do Mundo. Ao olhar pra ela, Bataglia chorou copiosamente, incapaz de conter as lágrimas diante da contenção do garoto de dez anos. O repórter acabou ganhando de presente aquela foto, com uma dedicatória do autor. Manente ganharia o Prêmio Esso de Fotografia pela imagem. Desde então, a foto foi usada para diversos fins, de campanhas publicitárias a livros sobre futebol. Já o Jornal da Tarde deixou de circular em 31 de outubro de 2012.


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