Revista Presss - Edição 180

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ALMANAQUE

Grupo RBS completa 60 anos

N

este ano, comemoram-se os 60 anos do Grupo RBS, fundado em 31 de agosto de 1957, data em que o radialista Maurício Sirotsky Sobrinho passa a ser um dos sócios da Rádio Gaúcha, de Porto Alegre.Em novembro de 1959, o grupo consegue a concessão para instalar a TV Gaúcha, que entra no ar em 1962. Já em 1970, assume o diário Zero Hora. Hoje, o Grupo RBS é o maior conglomerado de comunicação do Sul do Brasil. Mesmo se desfazendo das atividades no estado de Santa Catarina, em 2015, a RBS ainda possui como suas subsidiárias 12 emissoras de TV aberta afiliadas à Rede Globo (RBS TV), 15 emissoras de rádio (Rá-

dio Gaúcha, Rádio Atlântida, 102.3 FM, Rádio Farroupilha, CBN Porto Alegre) e três jornais (Zero Hora, Diário Gaúcho, Pioneiro). A empresa também opera a e.Bricks Digital, formada por empresas da área de tecnologia por meio das quais atua nas áreas de mídia digital e tecnologia, mobile e e-commerce segmentado. Além disso, possui a Engage Eventos, a RBS Publicações (editora), uma gráfica, a Vialog (empresa de logística), a Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, a Appus (tecnologia de big data com foco em produtos de RH) e a HypermindR (análise do comportamento do consumidor).

PARK ROW Sam Fuller (1911-1997) teve três carreiras. Como jornalista, ele progrediu de copy boy para repórter criminal. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi sargento de infantaria. Finalmente, tornou-se um escritor-diretor de filmes, muitos deles clássicos cult. Seu filme Park Row (A Dama de Preto, na versão brasileira) é uma lição sobre o jornalismo americano e a liberdade de imprensa. A história, inspirada em fatos reais, se passa na década de 1880, em Park Row, a rua de Nova York que concentrava as sedes dos jornais. O personagem central é um jornalista (Gene Evans) que está fundando seu próprio jornal, The Globe, e promovendo uma campanha pública para pagar a instalação da Estátua da Liberdade, sofrendo oposição violenta de um veículo concorrente. Darryl Zanuck, chefe da 20th Century Fox, ofereceu-se para produzir a obra como um blockbuster Technicolor com vários astros. Fuller insistiu em um filme em preto e branco, sem nomes famosos, custeou sozinho o orçamento de US$ 200.000 e gravou tudo em 10 dias. O resultado é uma obra vigorosa, fotografada por Jack Russell, cujo trabalho inclui Macbeth, de Orson Welles, e Psicose, de Alfred Hitchcock.

Dito

“Um bom jornal, eu suponho, é uma nação falando consigo mesma.” Arthur Miller (1915 - 2005)

“A diferença entre literatura e jornalismo é que jornalismo é ilegível, e literatura não é lida.” Oscar Wilde (1854 - 1900)

“Se pudesse decidir se devemos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último.” Thomas Jefferson (1743 - 1826)

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SUMÁRIO

Sumário

Diretora-Executiva NELCI GUADAGNIN

RUA SALDANHA MARINHO, 82 PORTO ALEGRE - RS CEP 90160-240 FONE/FAX (51) 3231 8181

Textos: MARCELO BELEDELI

www.revistapress.com.br comercial@revistapress.com.br

Diretor-Geral JULIO RIBEIRO

Diagramação/ Arte Final ESPARTA PROPAGANDA Imagens: Fotografias da entrevista: Jefferson Bernardes/Agência Preview Assinaturas atendimentoad@terra.com.br Impressão COMUNICAÇÃO IMPRESSA

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Comercialização PORTO ALEGRE: (51) 3231 8181 e (51) 99971 5805 com NELCI GUADAGNIN PRESS e ADVERTISING SÃO PUBLICAÇÕES MENSAIS DA ATHOS EDITORA, COM CIRCULAÇÃO NACIONAL, SOBRE OS MERCADOS DE COMUNICAÇÃO E IMPRENSA BRASILEIROS. OS ARTIGOS ASSINADOS E OPINIÕES EMITIDAS POR FONTES NÃO REPRESENTAM, NECESSARIAMENTE, O PENSAMENTO DA REVISTA.

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Almanaque

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MIX

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Aquário

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MIX

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Entrevista: Tibério Vargas

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Opinião: Mario Rocha

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Capa: A nova (e incerta) cara do Jornalismo

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Opinião: Roberto Jardim

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Grandes Nomes: Joel Silveira

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Galeria: A imprensa vai à Guerra


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MIX

Idioma russo para cobrir a Copa do Mundo Repórteres, colunistas, narradores e outros profissionais de Comunicação que trabalharão na Copa do Mundo 2018, na Rússia, poderão realizar um curso do idioma russo pela agência CI Intercâmbio e Viagem. As aulas, que terão carga de 20 horas semanais e duração mínima de duas semanas, acontecerão na escola Liden & Denz, com unidades em Moscou, São Petersburgo e Riga. Em Porto Alegre, a CI está localizada na rua Padre Chagas, 72, e na avenida Pereira Passos, 1125. A agência também tem unidades em Caxias do Sul, Erechim, Passo Fundo e Pelotas. Mais informações podem ser obtidas no site www.ci.com.br.

Pagamento por notícias 0n-line ainda é baixo Em todo o mundo, apenas 13% dos mais de 70 mil entrevistados para o relatório Digital News Report 2017, afirmaram que pagaram por notícias on-line em 2016. A pesquisa, lançada pelo Reuters Institute, consultou leitores de 36 países dos cinco continentes. No Brasil, os dados mostram que, apesar de as assinaturas de veículos digitais terem crescido, apenas 22% dos brasileiros pagam para ler notícias online. O número é o mesmo de 2015. O relatório ressalva que os resultados brasileiros foram obtidos a partir de amostras da população urbana do país. Por esse motivo, tendem a representar a parcela mais rica e conectada dos habitantes.

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Facebook perde força e Whatsapp ganha importância Ainda segundo o Digital News Report, embora as mídias sociais ainda sejam extremamente populares no Brasil, seu uso como fonte de notícias perdeu impulso no ano passado. Quase oito em cada 10 brasileiros utilizaram o Facebook para qualquer propósito em 2016, mas o uso de paywalls pelos principais jornais pode estar reduzindo o compartilhamento de notícias nas redes sociais. A pesquisa apontou que 57% dos entrevistados no Brasil usaram o Facebook como fonte de notícias, uma queda de 12 pontos percentuais em relação a 2015. Já o WhatsApp atingiu novos níveis de popularidade: 46% o classificaram como fonte de informação, um aumento de 7% ante o ano anterior.


AQUÁRIO

"Nóis" foi preso!

Em três anos da Operação Lava-Jato nós já vimos e ouvimos de tudo. Nossa capacidade de espanto, perplexidade e indignação parecia ter se esgotado. Pelo menos até a primeira semana de setembro, quando dois fatos fizeram correr rápido o que ainda nos restava de sangue nas veias. O primeiro foi a descoberta, pela Policia Federal, de várias malas e caixas repletas de dinheiro, num apartamento emprestado a Geddel Vieira Lima, a poucas quadras da sua casa, em Salvador (BA). Confesso que aquela imagem causou um impacto violento sobre mim. Inicialmente, a incredulidade. Como pode alguém guardar esse dinheiro todo, num simples apartamento? Depois se seguiram, curiosidade, dúvidas e, por fim, abatimento. Quanto haveria de dinheiro ali, amontoado displicente e grotescamente? Apostei com um amigo que seriam uns R$ 10 milhões, ele dizia que passavam de R$ 100 milhões. Depois de 14 horas sendo contado em sete máquinas próprias para isso, o volume bateu nos R$ 51 milhões. Uma Mega Sena acumulada. Essa mufunfa toda seria devolvida aos cofres públicos? Quais cofres? Afinal, Geddel vinha ocupando cargos de primeiro escalão há quatro governos e acumulava cinco mandatos como deputado federal baiano. O que ele pretendia com essa

grana toda? Precisava roubar? O que isso iria fazer diferença na sua vida? Passado este impacto inicial, me sobreveio um enorme abatimento. Como pequeno empresário, eu sei as dores, as dificuldades, as agruras para conseguir faturar alguns milhares de reais e poder pagar as contas, os funcionários, os impostos, e, quem sabe, ter algum lucri-

nho. E aí, aquelas caixas e malas, estampadas naquela foto que correu o mundo, gritavam na minha direção: babaca, babaca! O outro acontecimento impactante de setembro foi a divulgação de 4 horas de áudios de conversas entre Joesley Batista e Ricardo Saud. Havia de tudo ali. Confissões deslavadas de corrupção, compra de procuradores e ministros do STF, armações para "explodir" o Judiciário e o Executivo, sacanagens das mais diversas e até a oferta de sexo para destravar coisas de seus interesses, em diversas esferas. Mas, o que mais me amassou, vilipendiou

JULIO RIBEIRO

julioribeiro@terra.com.br e indignou foi a frase repetida por Joesley: "Nóis não vai ser preso!". Ali estava a segurança de um pilantra, a certeza de um cafajeste, a tranquilidade de um ladrão de que não seria preso, que as mãos longas da Justiça não o alcançariam, que a rede de corrupções que ele comandava o protegia, lhe davam salvo-conduto para sua vida nababesca em Nova York. Mas, setembro, mês de nossa independência como nação — e para nós gaúchos, de revolta — nos vingaria. Geddel seria preso, novamente (e desta vez, sem o beneplácito de nenhum juiz), sob os protestos de sua mãe: "meu filho não é bandido, ele é doente!". Joesley e Saud (e dias depois, também,Wesley) foram, igualmente, presos. Diz-se que o todo poderoso da JBS chorou na cela com cama de concreto e banho frio, em Brasília. Não sei se eles vão continuar no xilindró. Escrevo esta coluna antes de saber as suas prisões temporárias se transformaram em provisórias. Mas, já me sinto um tanto vingado. O "suíno" está de volta ao chiqueiro e "Nóis" foi preso. Obrigado, setembro!

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MIX

Mudanças na Band 1

A Band RS começou fechou o mês de agosto com novidades no quadro de funcionários. A empresa contratou Alex Bagé, Wianey Carlet, Everton Cunha (Mister Pi) e Fernanda Zaffari. Os três primeiros já estão participando de um programa de debates esportivos na Rádio Band AM/FM, das 12h30 às 14h. Além disso, Alex Bagé

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COMEÇOU O 18º PRÊMIO PRESS

vai comandar os programas de

Começou, no dia 1º de setembro, o período de indicações do 18º Prêmio PRESS, o Oscar da Imprensa Gaúcha. Qualquer pessoa pode entrar, uma vez por dia, no site www.revistapress.com.br e fazer suas livres indicações para os melhores profissionais de imprensa do ano, em 17 categorias. Este é o Voto Popular. Já os jornalistas e radialistas, devidamente identificados, podem participar, também, do Voto Profissional, uma única vez em todo o período de indicações, que se estende até 31 de outubro. Os dois nomes mais indicados no Voto Popular e os três mais votados no Voto Profissional formam uma lista quíntupla, que será submetida a um Juri de Convidados, formado por 60 personalidades convidadas pela revista PRESS. O resultado será conhecido na grande festa de premiação, marcada para 27 de novembro, no Teatro Dante Barone. A campanha do Prêmio deste ano, criada pela agência Integrada Comunicação, tem como tema "O Poder da Palavra", numa referência à ferramenta básica e essencial do jornalismo. Pela palavra se constrói alianças, se fazem guerras, com a palavra é possível emocionar e manifestar ódio às pessoas e é com a palavra que os profissionais de imprensa registram momentos e fatos históricos da humanidade. O 18º Prêmio Press tem o patrocínio de Sistema FIERGS, Sistema FECOMERCIO, SICREDI, SINDUSCON, CIEERS, STICC e o apoio de ABAP, SBT, Krim Bureau e Assembleia Legislativa.

Já Fernanda Zafffari integra,

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pré e pós jornadas esportivas. desde Londres, o programa 90 minutos, que tem André Machado no comando.

Mudanças na Band 2 A emissora também já conta

com novas instalações em Porto Alegre, resultado de uma ampla reforma no tradicional prédio do morro Santo Antônio. Um dos estúdios de televisão passou a se chamar Estúdio Bira Valdez, numa homenagem ao jornalista, apresentador e diretor da Band RS, falecido em junho de 2005.



ENTREVISTA

TIBÉRIO VARGAS RAMOS

"Nós, os jornalistas é que sabemos contar as coisas" Em março, Tibério Vargas Ramos encerrou sua trajetória de 40 anos à frente de disciplinas de Jornalismo e Relações Públicas na Faculdade de Comunicação Social (Famecos), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Atuando desde 1° de março de 1977, o mais antigo docente da faculdade solicitou demissão para se dedicar à literatura e ao conteúdo de seu site homônimo (tiberiovargasramos.com.br). Além dos 40 anos em sala de aula, o jornalista conta com 26 anos de experiência em redações, trabalhando nas editorias de polícia da Folha da Tarde, Correio do Povo e Zero hora. Tibério também é autor de dois romances, Acrobacias no Crepúsculo e Sombras Douradas, da novela A Santa Sem Véu e dos Contos do Tempo da Máquina de Escrever. Nesta entrevista para a revista Press, Tibério Vargas Ramos fala sobre suas experiências como repórter policial, a dedicação à literatura, e suas opiniões sobre o ensino de jornalismo e o futuro da atividade.

Você saiu da PUC após 40 anos como professor e agora é um escritor? Eu só quero me dedicar a isso. Quantas páginas escreve por dia? Eu tenho horário. Normalmente, eu procuro ler de manhã e escrever de noite. Mas é muito relativo. Às vezes, eu escrevo muito, e, às vezes eu apenas acerto um parágrafo. E a sua literatura é autobiográfica, é uma terapia ou tem pretensões literárias mesmo? Eu sempre gostei de escrever. Tanto é que eu entrei no jornalismo para escrever. Não entrei no jornalismo para uma missão. Eu queria escrever e por isso me dediquei ao jornalismo. Eu gostava de escrever, eu sempre disse que nunca soube se eu gostava mais de escrever ou de editar porque eu sempre gostei muito disso também. Sempre diagramei, e adoro diagramar. Então, procurei me dedicar a todas as áreas do jornalismo gráfico. Escrever

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é a minha respiração, minha vida. Eu gosto muito de ler e gosto muito de escrever. Como dizia Jorge Luis Borges, prefiro ler do que escrever, porque leio o que quero e escrevo como posso. Tem algum autor que gostaria de escrever parecido? Eu tive épocas. Sempre fui muito camaleão. Eu gostei muito do Nelson Rodrigues. Na crônica policial, eu procurava escrever como Nelson Rodrigues. Eu gosto muito mais do Vargas Llosa do que do Gabriel García Márquez. Eu acho García Márquez mais rococó. Gosto muito da elegância do Ítalo Calvino. E eu vou sempre mudando. Você esteve 26 anos trabalhando em redações, na Folha da Tarde, no Correio do Povo, na Zero Hora, especializado na editoria de polícia. Quantas pessoas trabalhavam em polícia naquela época? Naquela época, a gente trabalhava no mínimo, contando com os

editores, com 11, por aí. E fazíamos cobertura 24 horas. Hoje as equipes são bem mais reduzidas. Esse assunto deixou de ser interessante para o público ou deixou de ser interessante para a empresa jornalística ou, ainda, se tornou tão banal que não é mais notícia? O que eu vejo é que os casos são apresentados de uma maneira banal. E não se coloca mais pessoas na cobertura por medo de processo. Então, a editoria de polícia está muito mais cerceada na democracia. Quer dizer, é aquela história do "suspeito", do "teria feito", futuro do pretérito do subjuntivo... Sim, isso, naquela época, não tinha. Essa condicional não se usava. A polícia hoje é demonizada, por boa parte da população, especialmente pelos movimentos de esquerda. Como tu vê o papel da polícia na democracia? É vilão,


Entrevista: Julio Ribeiro Fotos: Marcos Nagelstein

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ENTREVISTA mocinho ou nenhum dos dois? Eu acho que tem coisas que deveriam ser intoleráveis. E a polícia hoje tem medo de fazer qualquer coisa, porque ela vai responder processo, vai ser demonizada. Então, quatro ou cinco pessoas trancam uma rua e a rua fica trancada. É uma crise de autoridade que estamos vivendo no Brasil? Eu acho que é. Porque autoridade não tem nada que ver com autoritarismo. Porque a gente tinha no mínimo oito repórteres? Fazíamos cobertura 24 horas, então tinha que ter no mínimo nove para um estar de férias, o que dava oito para cobertura de seis horas, mais ou menos assim. E nós tínhamos uma frequência da rádio da polícia,que ouvíamos o tempo todo. Então, a gente cobria 24 horas e cobrava as coisas. A falta da cobrança da imprensa cria essa impunidade. A gente cobrava muito. Pegava um crime e ficava naquele crime cobrando, cobrando, se não estava resolvido.

uma convicção da própria empresa, da própria imprensa. Ela impediu uma cobertura isenta, aberta. Por quê? Porque era um comunicador? Não. O grande problema do caso Daudt é que existia uma vítima e, supostamente, um autor. E tudo foi feito para chegar no autor. O trabalho da polícia, o trabalho da imprensa, e na empresa havia essa convicção. Foi errado. Porque tinham que partir da vítima para chegar ao criminoso. A gente até ganhou um prêmio ARI pela cobertura. Mas naquela época os setoristas de polícia tinham convicção de que o autor do crime era o deputado Antônio Dexheimer? Nós não tínhamos. Tinha quem era amigo do Daudt. E amigo do Daudt era a direção.

Não foi nessa época a história do homem das mãos amarradas? Não, foi antes. Eu peguei já quando reabriram o processo. Foi em 1965, e depois reabriram no início dos anos 1970.

Hoje se fala sobre a necessidade do julgador de se declarar impedido de julgar um caso porque tem ligações com os acusados, para evitar situações como a do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal, que tem legislado em favor de amigos. O jornalista se sente impedido de noticiar em algum momento porque era um amigo ou pessoa muito próxima? Eu tive algumas experiências assim, mas passava para outro repórter, por não querer fazer. Me aconteceu duas vezes. Eu chego na delegacia e está preso um primo meu. Então, não vou fazer a matéria. Outro faça. Outra vez foi uma amiga, e não fiz a matéria, eu sabia que ela ia ser solta e de noite ia estar na Zero Hora. É um troço desagradável.

O caso do José Antônio Daudt foi depois? No caso Daudt eu já estava de volta à Zero Hora. E o caso Daudt foi

Fizemos, recentemente, uma matéria de capa sobre o jornalismo de antagonismos, o jornalismo engajado. Não acha que a gente

Vocês buscavam o curioso, o jocoso, o inusitado... Lembra de casos assim naquela época? Os jornais davam sequência às histórias. Quando se pegava um caso, nós como repórteres, às vezes nem aguentávamos mais o caso, mas o público queria. E o Antoninho (Antonio Gonzales, editor da Folha da Tarde) pedia e aquilo continuava como se fosse um folhetim, uma novela.

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se perdeu em algum momento aí? Naquela época a reportagem policial tinha três vieses. Um viés policial, que para nós gerava muita dificuldade, porque eles tinham fontes e faziam o jogo da corporação. O repórter usava revólver na cintura e tal, tinha trejeito de polícia, linguajar, e escrevia como um policial. Isso existia. E existia a Folha da Manhã, que teve um viés de esquerda: nós contra a polícia. E nós na Folha da Tarde tentávamos ficar no meio termo. Até porque tínhamos o Antoninho. Era em nome do jornalismo. A gente acabava usando o jogo, os artifícios da polícia. Teve um tempo que eu fiz reportagem com o Juarez da Silva. E ele tinha trejeito da polícia. Muitas vezes, ele passava os dados para mim para eu levar as culpas. Mas, eu já era queimado com a polícia. Muitas vezes, a informação vinha dele, porque ele tinha acesso à informação.


as duas jaquetas na folha, e nem colocamos a explicação. Explicação iria ter no dia seguinte. E o delegado foi para a rua. Uma vez, pouco tempo depois, o encontrei num restaurante e fiz que não o vi e ele fez que não me viu. E você chegou a sentir mais medo dos criminosos ou da polícia? Olha, por incrível que pareça, mesmo na época da Ditadura a imprensa era respeitada pela Polícia. Não era pelo Exército, mas nós cobríamos a Polícia. Até o delegado Newton Müller (ex-chefe da Polícia Civil), que era muito meu amigo, falava de nós e dos militares. No fundo, no fundo, nem a Brigada pressionava os jornais, ou era de tirar matéria, ainda mais na Zero Hora.

Já sofreu pressão por parte da polícia, velada ou não? Ou por parte de algum envolvido? Assim, eu nunca tive. Mas já tive medo. Houve uma grande reportagem que, modestamente, fiz. Por acaso, teve um policial que me contou que tinham matado um preso no xadrez da delegacia de furtos. E eu fui investigar e esse foi um caso rumoroso. Fui juntando as peças, era verdade, o cara foi levado para um tipo de um hospitalzinho que tinha perto de Torres, onde ele morreu, e descobriram que era ali que matavam os presos. Foi quase como um acidente, era um traficante que dava dinheiro para a polícia, e quiseram que ele aumentasse o valor. Estavam com uma madeira, quiseram dar nele nos ombros, e deram um golpe na cabeça. Era muito dolorido ver isso. E aí eu sofri porque foram expulsos vários policiais da corporação, foi fechando o cerco.

Foi um caso que rendeu 10 expulsões, ou pelo menos processos. Você sofreu ameaças? Não, eu não sofri ameaças. Mas é que tu fica com medo, pois sabe que, de certa forma, criou problemas. Naquela época eu andava na noite. A gente fica com medo. Mas medo mesmo foi uma vez que um rapaz matou um procurador de Justiça ali perto da Faculdade de Medicina da UFRGS. Era um caso, a princípio, meio estranho. Ele chegou na Polícia com uma jaqueta e o fotógrafo bateu a foto dele. E depois ele foi apresentado para nós com a jaqueta cortada. A versão oficial foi de que o procurador tinha atacado ele com uma navalha e o rapaz tinha atirado nele. Mas, a gente achou estranho um procurador de Justiça estar com uma navalha. E só quando foi revelada a foto no jornal nós vimos a jaqueta. Aí publicamos

A corrupção nas polícias era grande assim na década de 1970 e 1980? E permanece no mesmo nível ou aumentou? Eu não posso falar da polícia hoje porque estou fora. Mas, o que eu vejo é que naquela época tinha, claramente, duas facções na polícia. A que chamavam de a “facção do pau” e a “facção da corrupção”. Muitos policiais davam corretivo, muitas vezes, para que o cara confessasse, ou para forçá-lo a parar de roubar. Isso existia. Agora, existia também a da corrupção, muito voltada ao jogo do bicho, prostituição, tráfico, roubo de carro. Essa foi criando uma coisa paralela. Esses grupos se toleravam e todo mundo sabia exatamente diferenciá-los. Você acha que a reportagem, como um todo, hoje é feita por repórteres preguiçosos? Aquilo que deveria facilitar, como internet, Google e tal, acabou prendendo a bunda dos repórteres na cadeira? São essas coisas que a própria imprensa sugestiona para que aconteça. E os repórteres se adaptam.

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ENTREVISTA Antigamente, às 14h, saia da Caldas Júnior não sei quantas Kombis lotadas, com repórteres das editorias. E a editoria de polícia tinha uma kombi quase só para ela. O repórter na época saia para entrevistar. Porque uma coisa é entrevistar uma pessoa e ver o gesto e ver as dúvidas, ao vivo. A outra é, pior ainda, pela internet, por e-mail, telefone. Responde por e-mail e pronto. Isso barateou e o repórter foi ficando mais na redação. Mas isso também não diminuiu a importância da imprensa e a capacidade de atrair o público em si? Isso não está um pouco na gênese da crise que os veículos de comunicação enfrentam? Não é uma regra. Eu não gosto da Folha de S. Paulo porque eu não gosto do texto da Folha. Quase não leio, mas leio o Estadão. E gosto do Estadão. Então, tu vês uma matéria no Estadão assinada por três repórteres. Eles têm um correspondente em Paris, que foi meu aluno, escrevendo diariamente. Isso sai caro. Os jornais, especialmente, mais do que o rádio, a televisão e a revista, passam por uma crise, pois hoje não podem mais dar o fatual. Amanhã de manhã, o fato já é velho, a internet já deu. A matéria mais elaborada, analítica, com mais informação, não seria o caminho para o jornal? Mas, é tudo isso num espaço mais reduzido. Aquela matéria que nós fazíamos em cinco laudas, essa não tem mais como fazer. Aquela matéria de cinco laudas tu vai ter que fazer em 40 linhas. Todo mundo cita o exemplo do The New York Times como jornal que se reinventou, mas ele continua desse mesmo jeitão. São pequenas mudanças que ele vem fazendo, mas é uma diagrama-

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ção graciosa. Por exemplo, o título é corpo 36 no máximo. Ele é um jornal que não grita. É uma concepção de jornal. E aquilo é o The New York Times. Mas aí é que tá: antigamente, por exemplo, o Papa só morreu quando saiu no Correio do Povo. Como os jornais perderam essa credibilidade? Restringiu. Naquela época, por exemplo, o Breno Caldas tinha um orgulho de ter um dos cinco maiores jornais do país. Hoje, o país tem dois jornais: o Estadão e a Folha. Há 20 anos, quando veio a internet, dizia-se que ia acabar com o jornalismo. Depois, não, vai continuar só o jornalismo de qualidade. E hoje o fenômeno que se tem é o do jornalismo de qualidade, esse do Estadão e da Folha. E tem um jornalismo popular, que não estava previsto no Brasil, pois é não sensacionalista, um jornalismo que presta serviço. Isso é um

fenômeno. Já nas revistas, as com maior tiragem do País não são Veja e Isto É, são as de fofoca de televisão. Em meio a onda das fake news, será que a gente tem capacidade de saber o que não é verdade e valorizar o que é verdade? Hoje, tu acreditas em alguns sites. Isso é um desiderato do Jornalismo, que vem junto da educação e tal, que tem que ser feito. A concepção do Diário Gaúcho, por exemplo, foi errada desde o início. Ah, tem que fazer um jornal que as pessoas que não leem consigam ler. Esse é o primeiro ponto, é preciso se aproximar das pessoas, mas, ao se aproximar delas, tem que fazê-las crescer. É o caso da educação. Então, eu sempre sacaneio eles porque, na verdade, a receita de peixe na Semana Santa começava assim: lave as mãos. Isso é de uma crueldade monstra. É preconceituoso, um absurdo.


O jornalismo tem futuro? Ou virá outra coisa parecida com o jornalismo? Eu acredito que o jornalismo tem futuro. Alguém tem que fazer a mediação entre a emissão e o receptor. Esse é um ponto. Alguém tem que dizer se aquilo pode ser verdade ou não, contextualizar, fazer uma leitura daquilo e isso vale para o jornalismo e para as relações públicas. As redes sociais obrigaram as empresas a responderem imediatamente. Isso é um mercado. Eu sempre dei aula também para relações públicas. Eu estava fazendo uma revista e com o desenvolvimento a gente fazia uma versão eletrônica e uma impressa. Uma das melhores cadeiras, porque fazia duas mídias em uma mesma aula. Nem o Jornalismo tinha. Eu gostava muito. E a gente tinha uma dificuldade de fazer os alunos escreverem. Eles diziam que isso era coisa de jornalista, quem tem que escrever é jornalista. E isso mudou. Foi mudando pelas mídias sociais. Eles começaram a pegar estágio para atender mídias sociais, em que tinham que escrever. Então, mudou a preocupação em aprender a escrever. Eu sou muito fissurado no jornalismo, dou uma dimensão imensa para ele, mas eu acho que só nós sabemos contar as coisas de uma maneira atraente e rápida. Aí, entra tudo o que a gente discutiu: o texto tem que ter 20, 30 ou 40 linhas? E tu vai tentar escrever da maneira mais atraente possível. O lead não é algo antigo para sacanear. É para abrir a matéria com o mais importante, para prender o leitor na primeira frase. Depois, para manter o leitor, é preciso outra coisa. Por exemplo, hoje, os cadernos de cultura dos jornais de Porto Alegre não são feitos por jornalistas, e os textos são cansativos, enfadonhos. O jornalista é quem sabe fazer. Tinha a revista Bravo!, que terminou. Eu começava

a ler uma matéria da Bravo! e via, "essa é feita por jornalista", "essa não é feita por jornalista", porque nós sabemos contar as coisas. Você percebeu alguma mudança no perfil dos alunos no entendimento do que é o jornalismo, no interesse pela atividade e na disposição em se qualificar para ela? Desde que eu fiz a faculdade até agora, que eu deixei de lecionar, as aulas sempre foram assim: tem um grupo de destaque e um outro grupo que não quer nada com nada. Sempre foi assim. Claro que na minha época tudo era mais direcionado para o jornal impresso, depois começou a crescer muito o rádio, hoje é a televisão (que antes era pouco), mas tem grupos que queriam fazer jornalismo e muitos abandonaram o jornalismo, pelo mercado e pelos baixos salários. Tem uma ex-aluna minha que é talentosíssima, ela é uma microempresária hoje, não tem como trabalhar em jornal.

Uma coisa é entrevistar uma pessoa e ver o gesto e ver as dúvidas, ao vivo. A outra é, pior ainda, pela internet, por e-mail, telefone. Responde por e-mail e pronto. Isso barateou e o repórter foi ficando mais na redação.

Mas o conteúdo não era mais denso do que hoje? O que eu sempre observei é que em todas as aulas um grupinho me procurava para ter mais informação. Um grupinho, dois, três, quatro. Sempre foi assim. E, agora, eu vejo também o pessoal sentado, no bar, no saguão, lendo livros, e não são livros obrigatórios. A maioria não lê, mas tem quem lê. Em todas as turmas saem futuros profissionais diferenciados. Gente acostumada a ler, que leu a vida toda. Uma coisa que percebo é que hoje, por exemplo, um publisher há 25 anos, como eu, jamais vai dar aula em universidade porque não é mestre, nem doutor. Essa reserva de mercado que se criou na academia me parece que afastou um pouco a academia da realidade do dia a dia. Hoje tem gente que tem como profissão estudar. Se formou em jornalismo, já entra no mestrado, no doutorado e depois vai dar aula, sem nunca ter entrado em uma redação. Esse relato é uma realidade absurda e que não tinha antigamente. Quem se destacava no mercado a faculdade fazia questão de levar para dar aula. Esses que se formam, que fazem toda uma carreira acadêmica, procuram escrever, na maioria das vezes - vão ficar bravos comigo - de uma maneira ininteligível. E é tudo uma colagem. As teses são todas colagens. Não têm nada original. E a primeira coisa que eles fazem quando vão dar aula é fazer a crítica da mídia: a mídia não presta, mídia isso, mídia aquilo. Vão lá defender essa comunicação comunitária. E eu gozava, eu brincava, eu quero escrever para milhões de pessoas, porque aí tem um troço político e tal, não, é uma atividade macropolítica a da imprensa, mas não é uma atividade política, um partido político ideológico. É muito mais que isso.

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OPINIÃO

O Jornalismo Fênix

Puxa vida, está difícil, mas muito difícil meeeesmoooo, enfrentar semblantes irônicos de alguns coleguinhas quando afianço que a prática da nossa atividade vai bem, obrigado, e manda lembranças. É que não parecem dispostos a terçar armas usando argumentos e preferem estocadas fisionômicas. Esgrima bem jogada, é sempre bom lembrar, surge quando alguém com habilidade prévia a desenvolve mediante técnica apurada no treinamento diário. Fim da metáfora. Prefiro mil vezes a companhia de jovens estudantes em cujas carinhas a afirmação otimista gera olhares que unem um pouco de perplexidade com muito de esperança. Quero que acreditem quando garanto que estamos vivendo um momento fantasticamente desafiador, um momento de esboroamento das certezas, de experimentação que produz descobertas – inclusive a de que estamos bem sujeitos a errar, aqui e ali, embora na melhor das intenções. Desesperançados encolhidos e arautos do apocalipse apontam para as quedas das tiragens dos jornais impressos. Chamam a aten-

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ção para a dramática redução no volume de anúncios classificados e destacados. Mostram que as tabelas de preços do cm/col são, cada vez mais, apenas referências na negociação da inserção publicitária. Identificam cortes na entrega domiciliar em “pontas de rede” onde é caro chegar. Alertam contra a migração de cadernos segmentados para as edições dos fins de semana. Documentam a redução dos postos de trabalho nas redações e o achatamento salarial. Sim, os incêndios estão se proliferando e há labaredas nos atuais, brasas nos mais recentes, cinzas nos mais antigos. O que talvez não estejam enxergando é que nem todos os empreendimentos jornalísticos “tradicionais” sucumbirão às chamas. Muitos estão reinventando o próprio modelo de negócio. Diversificam o conteúdo na cesta que agora contém ovos de galinha, de pata, de avestruz, de marreca piadeira... Basta ter pena... O problema é achar quem possua competência para chocar. Outros empreendedores estão obcecados em encher novas cestas até mesmo com algum dodô extinto e mais aquilo que só com muito boa vontade ou miopia poderíamos classificar de ovos jornalísticos. O problema é achar quem tenha estômago para chocar. O Jornalismo Fênix já está renascendo das próprias cinzas. Coleciono incontáveis exemplos de novas formas de contar histórias relevantes para as pessoas; de valorização extrema da reportagem investigativa precisa a ponto de desafiar retaliações; de parcerias com a popu-

MÁRIO ROCHA

mario.rocha@ufrgs.br

lação para identificação e produção das pautas legítimas e necessárias; de desapego ao lucro fácil proveniente de conteúdos que dizem ou omitem o que foi acertado em acordos espúrios. São textos para onde há confluência da ética, competência, criatividade, domínio das ferramentas que novas e “velhas” plataformas possibilitam, estilo atrativo e correção gramatical que preserve a última flor do Lácio. A audiência seleta os está descobrindo. O que o leitor espera de um texto para ser feliz? Que apresente um pouco de saber, bastante sabedoria e muito sabor.

Mario Rocha é jornalista e professor da Fabico



MATÉRIA DE CAPA

A nova

( e incerta )

cara do

jornalismo

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E

squeça a imagem que a ficção e até mesmos momentos históricos construíram sobre o jornalista. Esqueça o furo de reportagem. Esqueça as fontes misteriosas e cheias de segredos a revelar. A figura do investigador, que vai atrás da notícia quase que de forma heroica, escancara segredos de estado e muda os rumos da sociedade é tão icônica quanto antiquada. A realidade da profissão, para a maioria dos jornalistas, está longe de contemplar tanta ação, se aproxima mais do drama. E ele reside nas incertezas quanto ao próprio futuro. De acordo com dados do Inep, mais de 326 mil pessoas se matricularam no curso de jornalismo, entre 2009 e 2015. No mesmo período, 53,5 mil concluíram a graduação. Esses números contrastam com os dados do mercado de trabalho. Na última década, o maior nível de vínculos trabalhistas formais no jornalismo foi alcança-

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MATÉRIA DE CAPA do em 2013, com 67.305 postos, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Em 2015, as vagas formais regrediram para 62.577. Em apenas dois anos, mais de 4,7 mil contratos foram encerrados, número equivalente ao total de jornalistas empregados em Minas Gerais, o terceiro maior mercado empregador na área, no ano de 2015. A constatação evidencia uma contradição. Se, hoje, há mais meios de distribuição da informação, propiciados, sobretudo, pela revolução digital, como justificar a redução de postos de trabalho? Não existe uma única e definitiva resposta para esse questionamento. Mas ela, sem dúvida, passa pela adaptação da grande mídia aos novos modelos de negócios. São formatos que ainda não estão claramente definidos, fato que dificulta a tomada de decisões sobre investimentos, no caso das empresas, e que leva profissionais, dos mais jovens aos mais experientes, a se depararem com escolhas difíceis. Por exemplo, investir no talento para a reportagem ou optar por uma vaga no serviço público? Mídia tradicional ou o universo digital? Comunicação corporativa ou de massa? Carreira acadêmica? Jornalismo alternativo? Independente? De dados? Blogue? Entre fazer o que se gosta, correndo o risco de obter uma baixa remuneração ou de ser dispensado em um dos tantos “passaralhos”, e buscar estabilidade profissional e financeira, o jornalista, inevitavelmente, fica em cima do muro. O mundo ideal, em qualquer profissão, seria aliar as duas demandas. No caso do jornalista o desafio é ainda mais acentuado. Muitos profissionais valorizam e se guiam pela função social do jornalismo. E quando um destes vocacionados jornalistas abandona a profissão, a

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ética e a informação de qualidade definham um pouco mais. Ao final, não é só ele quem sai perdendo. A profissão tende a sofrer ainda mais com a desvalorização, a informação repassada à sociedade fica um pouco mais comprometida e aquele jornalista icônico vai se dissipando cada vez mais do imaginário e da vida das pessoas.

O diretor do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul (Sindjors), Milton Simas Júnior, avalia

No entanto, durante a formação, emergem novos olhares sobre o papel que o jornalista desempenha na sociedade. Para Sean Aquere Hagen, coordenador da comissão de graduação em jornalismo da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Fabico/Ufrgs), os “alunos esperam poder trabalhar plenamente aplicando os conhecimentos que construíram em sala de aula”, uma perspectiva que é a mais constante entre os graduandos. “Isso não muda, é objetivo de todo formando. Mas entender a realidade em que estão inseridos, vivenciar as contingências de merca-

que os grandes veículos de comunicação exercem uma forte influência sobre os vestibulandos. “O que a gente vê na televisão traz essa falsa ilusão de sucesso e boa remuneração, mas esses profissionais nos quais os estudantes se espelham são minoria na nossa categoria”, salienta ele.

do, traz certa apreensão e angústia.” Nem sempre o recém-formado encontra oportunidade para exercer a atividade, sinaliza Fábio Henrique Pereira, doutor em Comunicação. “A inserção profissional varia muito de acordo com o local: há cidades em que o mercado, apesar de difícil, ainda é dinâmico, como Brasília,

Imaginário versus realidade


“A inserção profissional varia muito de acordo com o local: há cidades em que o mercado, apesar de difícil, ainda é dinâmico, como Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e as grandes capitais, mas nas cidades médias e pequenas, com um ou dois veículos de mídia, tem turmas inteiras que saem da faculdade sem conseguir entrar no mercado de trabalho.”

São Paulo, Rio de Janeiro e as grandes capitais, mas nas cidades médias e pequenas, com um ou dois veículos de mídia, tem turmas inteiras que saem da faculdade sem conseguir entrar no mercado de trabalho.” Tanto os formandos que não conseguem colocação quanto os profissionais que atuam na área se

deparam, em algum momento da carreira, com obstáculos difíceis de serem superados. Pereira revela que boa parte dos jornalistas desiste da profissão no momento da inserção profissional, ainda nos primeiros anos de formados. “Outro momento que percebi de abandono da carreira é na faixa entre 30 e 32 anos,

quando o profissional que se colocou no mercado vê uma dificuldade de progresso na carreira, sobretudo em relação aos planos que esses jornalistas têm para a vida familiar.” O mercado mais restrito é fruto de um ajuste do setor em busca de adequação a uma nova realidade imposta por meios de transmissão da informação mais ágeis e com menores custos de produção. As empresas têm reduzido suas estruturas (grandiosas no caso dos jornais impressos e dos meios eletrônicos, como rádio e TV) para se manterem competitivas frente aos negócios que proliferam no mundo virtual. O grande desafio é que os cortes ocorrem sem que, até o momento, essa operação mais enxuta resulte em ganhos financeiros. “A verdade é que ainda não se aprendeu a ganhar dinheiro com a internet”, avalia Simas. Há mais de cinco anos, os maiores grupos de comunicação do país vêm promovendo demissões em série, conforme demonstra o levantamento “A conta do passaralho”, realizado pela agência Volt Data Lab, especializada em apuração de dados. De 2012 a julho de 2017, só entre jornalistas que atuam nos principais veículos de comunicação do país a conta já se aproxima de 2 mil profissionais. Em 2017, com pouco mais de um semestre, grandes grupos (como Folha, Estado, Infoglobo, entre outros de grande visibilidade) já demitiram mais do que em todo o ano passado. Esse é um quadro que eleva a pressão sobre os que estão empregados, para que preservem seus postos – sujeitando-se a baixas remunerações ou a contratos com menos garantias –, e também sobre os que estão desempregados, que se vêm sem opção e acabam aceitando as condições impostas. “O que nós propomos é desenvolver o senso crítico dos alunos para que estejam

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MATÉRIA DE CAPA capacitados a negociar, a entender quais os limites de uma relação abusiva com o empregador e como se posicionar frente a essas questões”, descreve Hagen. Compete também à academia reforçar valores que devem ser imutáveis na carreira em meio a onda de transformação pela qual ela passa. “O curso entende a importância das novas mídias, e está investido no debate sobre elas, mas acredita que justamente pelo excesso de informação, interesse público, verdade, objetividade e ética são fundamentais para garantir a cidadania”, pondera Hagen.

Renovação desconsidera bagagem dos mais experientes De acordo com a professora aposentada da Universidade de Brasília, Zélia Leal Adghirni, o jornalismo de qualidade no atual cenário é ainda mais importante do que nunca. Pós-doutora pela Université de Rennes I (França), a professora tem a atividade jornalística como foco de suas pesquisas. Em um dos estudos mais recentes, Zélia realizou entrevistas em profundidade com jornalistas acima dos 50 anos de idade e que atuam em grandes veículos de comunicação. O olhar experiente dos que acompanharam nas últimas décadas um processo cada vez mais célere de adoção de novas ferramentas e tecnologias digitais demonstra que, apesar do amplo campo que se abriu para a atuação do jornalista, as práticas que asseguraram ao profissional da imprensa credibilidade vêm se perdendo. Informações são, cada vez

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Fábio Henrique Pereira

Milton Simas Júnior

Professor da Universidade de Brasília (UnB)

Diretor do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul (Sindjors)

mais, buscadas na internet. O problema não é ter a internet como ferramenta de trabalho, mas quando ela se configura como a única ligação do repórter com o “fato”. Essa é a percepção que está presente tanto nas redações quanto na sala de aula. “Os alunos chegam à universidade achando que tudo o que acontece está na internet”, avalia Zélia. Entre os jornalistas seniores que participaram do levantamento, a visão é similar. A opinião de Rosamaria Urbanetto, editora de núcleos especiais da Globonews, dada à professora é um exemplo: “Jovens buscam tudo na internet, não saem às ruas”. Na análise da pesquisadora, “uma fronteira invisível e intransponível separa jovens e veteranos”. Os mais jovens são bem preparados, dominam idiomas e ferramentas tecnológicas. Os mais velhos, por sua vez, carregam os valores nobres que consagraram o imaginário icônico do jornalista. “Os valores ideológicos e românticos desapareceram

para dar lugar ao profissionalismo pragmático”, reflete Zélia. Embora cada geração congregue qualidades que somadas podem aprimorar a produção jornalística, as empresas têm frequentemente optado, na redução de seus quadros, pela demissão dos trabalhadores com mais tempo de atuação. Essa movimentação tem o objetivo de reduzir salários, critica o presidente do Sindjors, Milton Simas Júnior. A constatação se confirma de acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Em 2005, a faixa de maior salário para profissionais do jornalismo era superior a 20 salários-mínimos, patamar que concentrava 8% dos profissionais com vínculos formais. Dez anos depois, em 2015, apenas 2,6% do total recebiam mais de 20 salários-mínimos. “O recém-formado é maleável e adapta-se mais facilmente as normas político-editoriais assim como a salários mais baixos na escala profissional”, explicita a professora no estudo.


Obrigatoriedade do diploma em questão Entender uma profissão que sofre com precarização e com a recen"OaJornalista te, volta e contínua, onda de demissões diferente exige um de olhar multifocal. Muidepois tosexercer se questionam se o número de a formandos não seria incompatível função, ele com tamanho do mercado. Essa é seotorna uma visão que se verifica na realiombudsman dade. “Amesmo" gente observa uma multide si plicação dos cursos de jornalismo dos anos 70 até 2010”, ressalta o professor da Universidade de Brasília (UnB) Fábio Henrique Pereira, doutor em Comunicação pela mesma instituição. Até 1970, o Brasil contava com apenas 18 cursos de graduação em jornalismo, esse número foi aumentando gradativamente até atingir 317, em 2010, conforme levantamento para elaboração da pesquisa “perfil profissional do jornalismo brasileiro”, coordenada pelos pesquisadores Alexandre Bergamo, Jacques Mick e Samuel Lima, e apoiada pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Sobre esse dado, Pereira destaca que por muito tempo a demanda do mercado absorvia praticamente todos os recém-formados. “Entre as décadas de 1970 e 1980 temos um profissional que vai quase automaticamente para o mercado de trabalho”, observa. Esse é um resultado da renovação das empresas jornalísticas no fim da ditadura militar. Na década seguinte, 1990, a quantidade de empregos se mantém compatível com o número de formando graças ao crescimento do setor. No entanto, o número de graduados seguiu em elevação depois disso sem que a geração de postos de trabalho tenha crescido no mesmo patamar. Ainda que o número de cursos oferecidos tenha se mantido

no mesmo nível, houve uma redução significativa no número de formandos a partir de 2010. Um fato que coaduna com esse período e que teve efeito sobre os graduandos foi o fim da obrigatoriedade do diploma, definida em 2009, quando quase 10 mil estudantes concluíram o curso. No ano seguinte, esse número havia sido reduzido para 7,1 mil. Desde então, tem se mantido em uma média de 7,2 mil formandos por ano.

Entre as décadas de 1970 e 1980 temos um profissional que vai quase automaticamente para o mercado de trabalho”, observa. Esse é um resultado da renovação das empresas jornalísticas no fim da ditadura militar

“Desde que começou a movimentação, que data de 2001, para a retirada da obrigatoriedade do diploma, nós já vislumbrávamos essa condição”, frisa Milton Simas Júnior, presidente do Sindjors. Para ele, esse é um ponto marcante para a precarização das condições de trabalho dos profissionais. Simas critica, também, o fato de a questão ter avançado sem uma mobilização ampla que barrasse a mudança. “Nós, enquanto dirigentes sindicais, estávamos fazendo a luta para derrubar a decisão. Por diversos momentos, buscamos as universidades e os coordenadores dos cursos e quase não houve adesão à causa”, aponta. Na percepção do coordenador do curso na Fabico, Sean Hagen, não houve menor procura pela carreira após 2009. “Quem acredita que

pode fazer a diferença nesta profissão não se deixa influenciar pela desregulamentação do diploma.” Ele reconhece que, no mercado de trabalho, a questão se reflete em salários abaixo da qualificação real dos profissionais, jornadas abusivas de trabalho, insegurança e instabilidade. “Este é um projeto político e econômico que somos frontalmente contrários, e vamos continuar fazendo toda a pressão social possível para que seja revertido em nome de um jornalismo livre, inclusivo e qualificado”, defende. “Diariamente, recebemos no sindicato pessoas pedindo registro como jornalistas, e não temos nem como negar porque não houve uma definição de pré-requisitos a serem atendidos”, relata Simas. O dirigente analisa que isso leva para o mercado de trabalho pessoas sem qualquer comprometimento com a profissão e que interferem no contexto dos profissionais graduados, ainda que as empresas tradicionais continuem dando preferência pelos diplomados. “A pessoa pega o registro como jornalista, monta um site e passa a copiar e colar matérias publicadas por veículos de comunicação que tentam se rentabilizar cobrando acesso pelo conteúdo. Esse cara põe de graça na internet e ainda ganha dinheiro com publicidade. E quando você vai questionar, ele diz que está dando crédito para o autor, como se isso bastasse”, exemplifica. Apesar do cenário perturbador, há o reconhecimento de que novos caminhos podem gerar frutos promissores. Jornalistas que estão dando voz às pessoas relegadas na cobertura tradicional, uso das novas ferramentas na geração de dados, checagens aprimoradas e negócios voltados para a geração de conteúdo exemplificam o potencial desta geração, que construirá a realidade futura da profissão.

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É preciso repensar o Jornalismo

O Jornalismo ĂŠ uma ferramenta fundamental para a sociedade. O problema, na atualidade, ĂŠ que a busca por audiĂŞnciae,muitas vezes, a falta de concorrĂŞncia tĂŞm feito os veĂ­culos deixarem de lado o que de mais essencial elestĂŞm a dar: Jornalismo de qualidade. Voltemos alguns anos no calendĂĄrio. 8 de setembro de 2001, um sĂĄbado. O DiĂĄrio GaĂşcho teve como manchete um assunto nada usual para um jornal popular.“Vida em Marte?â€?, gritavam as letras em corpo garrafal na primeira pĂĄgina. Corta para hoje. 17 de agosto de 2017, uma quinta-feira. Programas de grande audiĂŞncia nas rĂĄdios e tevĂŞs deram um espaço para um vĂ­deo do YouTube, produzido no Interior gaĂşcho. As imagens mostram um filho assustando a mĂŁe com um drone. Curioso. E sĂł. Interesse social? Nenhum. Interesse comunitĂĄrio? Nada. Zero. O que mais surpreende ĂŠ que a repercussĂŁo aconteceu em programas noticiosos, aqueles de anĂĄlise polĂ­tica e econĂ´mica como as rĂĄdios fazem tĂŁo bem.Na tevĂŞ, a situação foipior ainda, jĂĄ que os telejornais sĂŁo tĂŁo curtos que ĂŠ um desperdĂ­cio perder tempo com uma nĂŁo-notĂ­cia.

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Se você chegou atÊ aqui, deve estar se perguntando: o que os dois fatos têm em comum? Vejamos. Em 2001,nos dias seguintes àquela estranha manchete a redação do DG se inquietou. Por que um jornal que jå tinha uma forte ligação com seus leitores e contava histórias fantåsticasteria de manchete um assunto que não era sequer chamada de capa de nenhum jornal do País?

ANO 2 - NÂş 436 - PORTO ALEGRE, SĂ BADO, 8/9/2001, E DOMINGO, 9/9/2001

CIENTISTAS EUROPEUS DIZEM QUE TĂŠM PROVAS O chamado Planeta Vermelho seria povoado por pequenos organismos

Vida em Marte?

R$

0,50

A combinação estå de volta com a nova estação, depois do sucesso nos anos 80

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ROGÉRIO SILVEIRA, ESPECIAL/DIà RIO GAÚCHO

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ANDRÉA GRAIZ/DIà RIO GAÚCHO

MĂŁe e dois filhos nascidos no dia 7 de setembro!!

Leonardo nasceu na sexta-feira e farĂĄ aniversĂĄrio junto com a mĂŁe ClĂĄudia e o irmĂŁo Samuel

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DUPLA EXECUTADA EM DISPUTA DE PONTO DE

TRĂ FICO EM ESCOLA PĂ G. 33

EMPREGOS & ESTĂ GIOS PĂ GINA 6

Renato Dornelles: “Chora, cavaco!�

Esse incômodo gerou um håbito saudåvel: seminårios anuais para discutir as ferramentas e meios de melhor fazer Jornalismo. Uma vez por ano, a redação inteira, do boy ao editor-chefe, parava para discutir. Desses encontros saíram manuais e guias que mostravam a inquietação natural que todo jornalista tem. Ou, melhor, deveria ter. Uma das conclusþes a que chegamos naquele primeiro encontro foi de que os números do sucesso de venda haviam acomodado a equi-

ROBERTO JARDIM bobgarden@gmail.com

pe. A tal zona de conforto. O piloto automĂĄtico. Saiu dali com um compromisso pelamanutenção da inquietude. Como bons jornalistas, aquele grupo tinha que ter sangue nos olhos para o bem do leitor. Dezesseis anos depois, parece que outras redaçþes precisam fazer o mesmo que o DG fez. Ou seja, ĂŠ hora dos jornalistaspararem para pensar na profissĂŁo. Principalmenteo futuro dela. É preciso redescobrir onde estĂŁo a atenção aos fatos, a inquietude, o questionamento e, acima de tudo, o sangue nos olhos. Torço para que a transformação desse vĂ­deo do YouTube em notĂ­cia incomode os colegas que estĂŁo Ă frente dos veĂ­culos. Tomara que o espaço dado a esse factoide inquiete os profissionais de hoje da mesma forma que aquela manchete inquietou a equipe do DG lĂĄ atrĂĄs. Afinal, ĂŠ preciso saber o que vale mais: a audiĂŞncia que um vĂ­deo sem valor comum geram ou a credibilidade que o Jornalismo bem feito pode dar?

Roberto Jardim ĂŠ jornalista



GRANDES NOMES

JOEL SILVEIRA

N

o dia 15 de agosto completaram-se 10 anos do falecimento de um dos nomes mais importantes do jornalismo brasileiro e premiadíssimo autor de mais de 30 livros: Joel Silveira. Um dos principais repórteres brasileiros, deixou uma ficha extensa em relatos jornalísticos com contornos literários. Segundo ele, o estilo foi moldado por uma necessidade. “Senti que precisava romancear o texto para me diferenciar do que era escrito na imprensa dos anos 30 e 40”, contava Silveira, que acreditava na eficácia de uma boa pesquisa para a produção de uma reportagem confiável. Nascido em 22 de setembro de 1918, em Lagarto, estado de Sergipe, Silveira desde jovem se considerava militante de esquerda. Por diver-

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gências com seu pai, o qual considerava um burguês, mudou-se de Aracaju para o Rio de Janeiro em 1937, a pretexto de estudar Direito. De fato, cursou até o segundo ano da faculdade, mas confessa, em suas memórias, ter sido um estudante relapso. De fato, estava disposto a trabalhar como jornalista. Seu primeiro emprego foi no semanário Dom Casmurro, de propriedade de Brício de Abreu e Álvaro Moreyra. Depois foi repórter e secretário da revista Diretrizes, semanário de propriedade de Samuel Wainer, onde permaneceu até a redação ser fechada pelo DIP, em 1944. Escreveu também para os Diários Associados, Última Hora, O Estado de S. Paulo, Diário de Notícias, Correio da Manhã e Manchete. Foi na Diretrizes que Silveira tornou-se uma estrela do jornalismo nacional com a reportagem “Eram Assim os Grã-Finos em São Paulo”, publicada em 1943, na qual apresentava sua impressão do high-society paulistano em uma narrativa irônica e debochada. Sua “língua ferina” rendeu-lhe o apelido de víbora, dado por Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, que logo contratou o talentoso repórter. A mudança de empresa não foi planejada, mas provocada justamente por um texto seu - ao destacar como título uma frase dita por Monteiro Lobato durante uma entrevista - “O governo deve sair do povo como a fumaça sai da fogueira” - , Silveira despertou, dessa vez, a ira de Getúlio Vargas, que mandou fechar Diretrizes. “Não me sobrou alternativa senão aceitar o chamado do Chatô”, comentou ele em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, na qual explicava o sarcasmo de seus textos daquela época como uma tentativa de escapar da censura imposta pelo Estado Novo.

Foi Assis Chateaubriand quem lhe deu o apelido de "a víbora" por seu estilo ferino e impactante. Joel Silveira recorda: "Nunca tinha visto o Chatô... Aliás, não gostava dele, não concordava com os processos, a maneira dele como jornalista. E fiquei lá estatelado. E o Chatô veio: 'Seu Silveira, o senhor é um homem terrível! Seu Silveira, o senhor é uma víbora! O senhor vai trabalhar comigo! Desça lá e procure o seu Carlos'. Era o Carlos Lacerda (jornalista e político). Aí, fiquei." Sua primeira grande missão para os Diários Associados foi cobrir a 2ª Guerra Mundial e, antes de embarcar para a Itália como pracinha da Força Expedicionária Brasileira, Silveira ouviu a célebre frase do patrão: “O senhor vai para a guerra, mas não me morra, seu Silveira! Repórter é para mandar notícia, não é para morrer. Se o senhor morrer, eu o demito.” Na guerra, com a patente de capitão, Joel Silveira aproximou-se dos pracinhas para conseguir mais notícias. Mais de uma vez chegou ao campo de batalhas. “Certo dia, o mais terrível deles, vi a morte de um sargento brasileiro, metralhado pelos alemães. Só conseguimos resgatar seu corpo quatro dias depois.” Como tinha franquia telegráfica pela amizade com os soldados, Silveira enviou diversos relatos. “Enfrentei os momentos pesados e não fiquei em Roma, como os correspondentes mais velhos, como Ernest Hemingway.” Quando retornou ao Brasil,

“Senti que precisava romancear o texto para me diferenciar do que era escrito na imprensa dos anos 30 e 40”

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GRANDES NOMES disse que havia ido à guerra com 27 anos e que, apesar de ter ficado onze meses, voltou com 40. “A guerra amadurece”. Os relatos estão em seu livro O Inverno na Guerra, editado pela Objetiva. Dez meses depois, o repórter retornou e foi recrutado para outra guerra: Chateaubriand comprou briga com o conde Francisco Matarazzo Jr., que pediu de volta o prédio que os Associados ocupavam no Viaduto do Chá. O troco veio com a cobertura do casamento da filha do milionário, Filly, a cargo de Joel Silveira, que narrou tanto o faustoso matrimônio como o enlace de um casal de operários, trabalhadores justamente das indústrias Matarazzo. A matéria, com o título A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista, seria uma das mais consagradas reportagens do jornalismo brasileiro. Conheceu, conviveu ou privou da intimidade de praticamente todos os presidentes do período democrático anterior ao golpe militar de 1964. Para conseguir uma entrevista com Getúlio Vargas, quatro meses antes do suicídio, mentiu ao chefe da Casa Civil, Lourival Fontes, dizendo que queria um emprego. É que o presidente não queria, de maneira alguma, dar entrevistas. Como se tratava de um pedido de trabalho, o presidente recebeu o repórter, a quem disse: “Oi, doutor Silveira, que prazer.” Ele esclareceu que não era doutor, pois só estudara até o segundo ano de Direito, mas Getúlio retrucou dizendo: “Não, doutor é quem é douto em alguma coisa e o senhor é douto em jornalismo”. No entanto, o presidente, ao perceber que a intenção do encontro era uma entrevista, irritou-se e deu as costas ao repórter. Com Jânio Quadros, a aversão inicial transformou-se em admiração e amizade. Silveira conviveu intimamente com o presidente, viajaram juntos e, sobretudo, beberam juntos. No livro Viagem com o Presidente Eleito, Silveira conta os dias que passaram num navio, logo depois da eleição. Conta que o presidente às vezes bebia duas garrafas de uísque numa noite. Com Juscelino, a convivência foi quase fraterna. Dividiram uma namorada, a Osmarina, que fora secretária do então deputado e que um dia Silveira levou em casa, tarde da noite, a pedido de Juscelino. Anos depois, já presidente, ele perguntou: “Como vai a nossa Osmarina?” “Nossa não, senhor presidente. Minha.”, respondeu o jornalista. Após o golpe de 1964, foi preso por duas vezes, duran-

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te o governo Castelo Branco, por ser considerado comunista. Já no governo Médici, foi preso mais cinco vezes. Em 2001, indignado com a candidatura de Zélia Gattai à vaga do marido, Jorge Amado, na Academia Brasileira de Letras, não apenas se lançou candidato como a criticou pesadamente. Para ele, Zélia era “uma escritora medíocre”, feita à custa do marido, e este só vendeu milhões de livros por suas ligações com o Partido Comunista. Na disputa, porém, Zélia teve 32 votos contra 4 de Silveira, em uma das mais rápidas eleições da ABL: durou apenas 20 minutos. Silveira é considerado hoje um dos expoentes no Brasil do “Novo Jornalismo”, movimento que surgiu nos Estados Unidos nos anos 60 – com nomes como Truman Capote, Gay Talese e Norman Mailer – propondo reportagens de fôlego escritas a partir de pesquisas extensas e com linguagem que mais se aproximava da literatura do que do jornalismo – por isso o movimento é conhecido também como “jornalismo literário”. Embora o gênero tenha se consolidado apenas na segunda metade do séc. XX, em muitas reportagens de Joel Silveira escritas na década de 40 já se nota a força da linguagem literária na sua produção. Publicou cerca de 40 livros. Foi agraciado com o prêmio Machado de Assis, o mais importante da Academia Brasileira de Letras, em 1998, pelo conjunto de sua obra. Foi ganhador dos prêmios Líbero Badaró, Prêmio Esso Especial, Prêmio Jabuti e o Golfinho de Ouro. Em 2005, em uma de suas últimas entrevistas antes de falecer, falou sobre o orgulho que tinha de sua carreira profissional. “Eu nunca fiz do Jornalismo escada para subir, para a política, para me vender. Sempre fui um jornalista, ou melhor ainda, um repórter. Nunca traí minha profissão.” Joel Silveira faleceu em 15 de agosto de 2007, em seu apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro, em decorrência de um câncer de próstata. Na época, o jornalista Geneton Moraes Neto, que fez várias entrevistas com ele para um documentário, escreveu: “Joel tinha inveja de um personagem de Vitor Hugo que, minutos antes de ser guilhotinado, dizia, resignado, que estava pronto para a execução,mas ‘gostaria de ver o resto’. Ou seja: o personagem gostaria de descrever a própria morte. Que palavras Joel usaria?”


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GALERIA

A imprensa vai à Guerra Em 22 de agosto de 1942, o presidente Getúlio Vargas declarou “estado de beligerância” entre o Brasil e a Alemanha Nazista e a Itália Fascista. Era a entrada oficial do país na Segunda Guerra Mundial. Em edições extra no mesmo dia, os principais jornais informaram ao público em letras garrafais: Guerra!

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declaração foi celebrada pela população, indignada pelo afundamento de navios brasileiros pelos submarinos alemães. Os ataques foram apenas o empurrão final que levou o Brasil a passar totalmente para os Aliados. O Brasil já havia se alinhado com os EUA em janeiro de 1942, após a Conferência do Rio de Janeiro, quando decidiu romper relações com o Eixo – formado por Itália, Alemanha e Japão. Desde então, o governo Getúlio Vargas havia concedido a permissão para que os Aliados usassem portos e bases aéreas no Brasil. Após a declaração de guerra, a opinião pública passa a se mobilizar para o envio à Europa de uma força expedicionária. Por diversas razões de ordem política e operacional, somente quase dois anos depois, em 2 de julho de 1944, teve início o transporte rumo ao front do primeiro contingente da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Ao esforço militar, juntou-se também o trabalho da imprensa em registrar as ações das tropas brasileiras. Os correspondentes de guerra estavam previstos na organização da FEB, só que a seleção e a escolha inicial de quem iriam acompanhar as tropas não coube ao Exército e sim ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) órgão do go-

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verno que controlava todos os meios de comunicação durante o Estado Novo. Através dele, o governo manipulava a opinião pública em favor de seus interesses políticos. A ida dos correspondentes só se deu depois de ameaças de boicote por parte dos dirigentes dos principais veículos de comunicação da época: Roberto Marinho e Herbert Moses, diretores de O Globo; Assis Chateaubriand e Austregésilo de Athayde, dos Diários Associados; Paulo Bittencourt, do Correio da Manhã; e Horácio de Carvalho, do Diário Carioca. Foi uma guerra que durou quase dois meses, mas afinal os seis venceram. Diante do ultimato, endossado pelos diretores dos jornais (“ou mandamos nossos próprios correspondentes ou não publicamos mais nada do DIP referente à FEB. Usaremos apenas o serviço de agências internacionais”), o governo se rendeu. Após o processo de escolha, embarcaram para à Itália como correspondentes de guerra: Rubem Braga, do Diário Carioca; Rui Brandão, do Correio da Manhã; José Carlos Leite e Joel Silveira; dos Diários Associados; e Egídio Squeff, de O Globo. A Agência Nacional, órgão governamental, enviou: Thassilo Campos Mitke e Horácio Gusmão Sobrinho, como repórteres; Fernando Stamato, Sílvio da Fonseca e Adalberto Cunha como cinegrafistas.


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