Ela domina a vidência, atributo que a divindade de todos os Oráculos, Òrúnmilá, lhe concedeu; é filha de Nanã. Na África, o rio Yewá é a morada dessa deusa, mas a sua origem gera polêmica. Há quem diga que, tal como Òsúmaré, Nanã, Òmolú e Ìróko, Iyewá era cultuada inicialmente entre os Mahi, sendo assimilada pelos Yorubá e inserida em seu Panteão de Divindades. avia uma divindade oriunda das correntes do Daomé, atual Benim, chamada Dan. A força dessa divindade se concentra em uma cobra que engole a própria cauda, o que denota um sentido de perpétua continuidade da vida, pois o círculo nunca termina. Eowá – para o povo Jeje, teria o mesmo significado de Dan ou seria uma de suas metades – a outra, Òsúmaré. Existem, no entanto, os que defendem que Iyewá já pertencia à Mitologia Nagô, sendo originária da cidade de Abeokutá. Estes, certamente por desconhecerem o Panteão Jeje – no qual o Vodun Eowá seria o correspondente da Iyewá dos Nagô –, confundem Yiewá com uma qualidade de Iyemanjá, Òyá e Òsún. É, então, uma Orixá independente, conhecida entre os Jeje como Eowá e pelo povo de língua yorubá como Ewá. Iyewá, cultuada pelos Nagô-Yorubá, vive nas matas inalcançáveis, é ligada a Ìrokó e Òsóòssi e tornou-se uma guerreira valente e caçadora habilidosa. Ao mesmo tempo é casta e conhecida como a Senhora das Possibilidades. Ela é representada pelo Ìgbá Àdó Kalabá – cabaça com tiras de ráfia. As virgens contam com sua proteção; aliás, tudo o que é inexplorado conta com a sua proteção: A mata virgem, as moças virgens, rios e lagos onde não se pode nadar ou navegar. A própria Iyewá, acreditam alguns, só é iniciada na cabeça de mulheres virgens. Iyewá é Orixá da alegria, do belo, da vida e das belezas que a vida nos dá. É quem rege todas as mutações, sejam elas
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orgânicas ou inorgânicas; é responsável pela mudança das águas, de seu estado sólido para gasoso ou vice-versa, gerando as nuvens e chuvas. Quando olhamos para o Céu e vemos as nuvens formando figuras, ali está Iyewá em suas diferentes formas. Ela é como o desabrochar de um botão de rosa, uma lagarta que se transforma em borboleta, a água que vira gelo e o gelo que vira água; é ela quem tudo faz e desfaz, além de ser a própria beleza contida em tudo o que tem vida. É o som que nos encanta, é alegria, é a transformação do mal em bem, enfim, Iyewá é a vida.
Características e Arquétipo As filhas de Iyewá são extremamente alegres, adoram cantar, dançar e aproveitar ao máximo tudo o que a vida pode lhes oferecer de bom. São generosas e bondosas, mas estão sempre modificando coisas e situações, pois detestam rotina. Costumam possuir uma beleza exótica, diferenciandose por isso. Tendem a um caráter de duplicidade: em algumas ocasiões, podem ser bastante simpáticas, em outras, extremamente arrogantes; às vezes aparentam ser bem mais velhas, outras vezes, parecem meninas ingênuas e puras. Apegadas à riqueza, gostam de ostentar, de roupas bonitas e vistosas e acompanham sempre a moda, adoram elogios e galanteios. São vivas e atentas, mas sua atenção está canalizada para determinadas pessoas ou ocasiões, o que as leva a se desligarem do resto das coisas.
Iyewá adorava ver o pôr do sol e sempre saía para passear pelos campos floridos. Certo dia, avistou um belo homem – Azansu, Vodun conhecido também como Sakpatá e pelos Nagôs como Òmolú ou Òbáluaiyé – e se encantou por ele. Iyewá enfrentou e desafiou a todos por amor a esse homem e teve como castigo o exílio, de onde teve de fugir e esconderse da fúria dos deuses. Vendo-se no meio da mata, em um lugar sombrio e sem recursos, aceitou um Ofá – arco e flecha – que Odé ofereceu-lhe. Sua beleza encantava e perturbava Odé e os demais que viviam na floresta, pois sabiam que não poderiam se apaixonar por ela. Odé, então, fez para Iyewá uma coroa de cobras e folhas de palmeira desfiadas; assim, ninguém se aproximaria dela com medo das cobras e as folhas desfiadas esconderiam sua beleza contagiante. Com o uso da coroa, Iyewá pôde sair da escuridão e apreciar o que mais amava: o pôr do sol. Passado algum tempo, Azansu foi aos deuses pedir por sua amada, que já tinha sido por demais castigada. Depois de muitos pedidos e oferendas, concederam a ele a guarda de Iyewá. O grande guerreiro embrenhou-se na mata e a encontrou junto a Odé. Como agradecimento, Azansu deu-lhe um par de chifres e o poder de chamá-lo e aos espíritos da caça quando assim precisasse. Iyewá foi morar no reino dos mortos junto a Azansu; em sua nova morada, recebeu o Caracolo/Aracolê – onde guarda os segredos dos ancestrais e os invoca quando necessário – e o Eruxim, com o qual espanta os Akututos (eguns) para o caminho de Oyá. Sempre que possível, Iyewá engana Iku (a morte) e salva uma vida.
“Eu nasci dentro do Candomblé; desde que me entendo como gente, estou na religião. Ainda criança, ali brincando, correndo, até que minha Mãe Menininha veio até a Roça e fez meu santo, junto ao meu pai carnal, Pai Nezinho de Ogum. Depois disso, fui crescendo e assumindo todas as hierarquias existentes dentro de um terreiro. Depois de me casar, vim para São Paulo e não quis mais continuar; mas depois que cheguei aqui, sofri muito, só depois que meu pai veio a esta casa, acendeu umas velas e fez umas ‘coisas aqui’ é que eu comecei a melhorar de vida e a ser conhecida por muita gente”.
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ra 1937, exatamente dia 23 de junho nasceu Juvergínia Cerqueira de Amorim dos Santos – Mãe Juju de Oxum, no Recôncavo Baiano. Quatro anos mais tarde dá-se início à trajetória espiritual desta Iyalorixá, tão querida por todos. Mãe Menininha se deslocava do bairro da Federação, na capital baiana, para a Roça de Muritiba, onde eram celebrados os festejos em homenagem a Ogum. No auge da juventude, Mãe Juju envolvia-se com as atividades da roça, mas não se sentia à vontade. A mocidade falava mais alto. Pai Nezinho mantinha
pulso firme com Mãe Juju, sua filha carnal. “Eu me sentia obrigada a seguir a religião”, desabafou Mãe Juju. Casou-se e morou em Salvador. Em meio às festividades da independência do Brasil, chega à cidade de São Paulo com o marido e o filho Valdir, o primogênito, exatamente no dia 7 de setembro de 1959. “A princípio, tudo parecia estranho: o frio, as trovoadas e a saudade da família eram companheiros constantes”. Durante dez anos, residiu na Rua Serra da Piedade, 177, no bairro da Vila Prudente, zona leste paulistana. “Eu jogava búzios escondida, meu marido não gostava da religião”, afirma a Iyalorixá. Além de Valdir, a sacerdotisa deu à luz Vera, Valmir e Vânia, nascidos em São Paulo. Pai Nezinho, vendo a dificuldade da filha, a presenteia com o terreno onde, posteriormente, foi construído o Ilé Maroketù Àsé Osún. Iyá Juju muda-se definitivamente para o Jardim Iva em Sapopemba. Apesar dos obstáculos, principalmente os financeiros, a casa é inaugurada em1974. Infelizmente, antes da inauguração, a Iyalorixá sofreu uma grande perda, em junho de 1973. Não somente ela, todos os filhos do Axé Muritiba perderam o grande Pai Nezinho de Ogum. A inauguração estava marcada para julho daquele ano, mas, devido ao luto e aos preceitos da religião, a casa é inaugurada no ano seguinte, em julho de 1974. Conta Mãe Juju que vários amigos e irmãos ajudaram muito nos primeiros anos. Ela destacou Mãe Bida e seus irmãos e grandes amigos, como
Tata Pérsio e Pai Waldomiro, que a auxilaram no início da casa, assim como seu irmão, Jorge Amorim. O primeiro filho a ser iniciado na casa foi Felix de Ogum, já falecido. Durante toda a sua trajetória, o Ilé foi frequentado por várias personalidades do Candomblé, assim como políticos e muita gente famosa: Eduardo Suplicy, Marta Suplicy, Paulo Maluf, Caetano Veloso, Léo Áquila, etc. Atualmente, Mãe Juju tem mais de 1.200 filhos espirituais, iniciados em sua casa, espalhados pelo Brasil e pelo Mundo. O advento de seus 70 anos, em 2007, proporcionou a Mãe Juju algumas marcantes homenagens. Foi agraciada, em 2010, pela Câmara Municipal de São Paulo como a maior representante das religiões de matriz africana da cidade de São Paulo. No mesmo ano, recebeu do mandato do saudoso Deputado José Cândido e do evento “As Águas de São Paulo” o título de Iyá Agbá, a Mãe Anciã do Candomblé Paulista. Hoje, com mais 70 anos de iniciação, Mãe Juju é uma das sacerdotisas mais antigas em atividade no país, agora caminhando para a comemoração de seus 80 anos. Com toda essa idade, ainda se permite acariciar os filhos e lhes proporcionar palavras de conforto e sabedoria nos momentos mais difíceis. Oito décadas deram à Mãe Juju a soberania de uma rainha, digna de toda pompa e honraria. Sua família, junto aos incontáveis filhos espirituais, é o porto seguro desta Iyalorixá que com sua graça, irreverência e autenticidade, encanta São Paulo, fazendo todos se sentirem, também, filhos de Oxum.
E hoje a senhora tem quantos anos de iniciação no Candomblé? Mãe Juju: Tenho 77 anos de iniciação e completo, neste ano, 80 anos de idade.
filhos dele e filhos de minha irmã, que tomou conta da casa dele, tocam para Ogum, fazendo a festa que meu pai sempre fez.
E a partir de quando a senhora deu prosseguimento à sua casa aqui em São Paulo? Mãe Juju: Esta casa, em princípio, não era minha, era de meu Pai, Nezinho de Ogum. Faltando 17 dias para inaugurar a casa aqui em São Paulo, ele teve um problema de saúde e veio a falecer. Mas, antes, me passou a responsabilidade de continuar tocando a casa para ele. Ele me disse, muito sério: “minha filha, tome vergonha e toque a sua casa, que nada nunca irá faltar em sua vida!”. E, de fato, depois que dei prosseguimento, tudo deu certo e estou aqui até hoje. Já estou em São Paulo há 60 anos.
E lá na Bahia, quais são os seus irmãos que continuam tocando o Candomblé por lá? Mãe Juju: O mais velho chama-se Gildásio, tem também o Boanerges, Giovane, Cacho, Djalma, Jorge, Janaíra e Josemar. E para o futuro, como estão os filhos carnais? Eles seguirão também no Candomblé?
Até o momento, quantos filhos a senhora já iniciou? Mãe Juju: Hoje já conto com mais de 1.600 filhos de santo, entre estes, muitos que já têm suas próprias casas, já são zeladores de santo. Além disso, tenho muitos netos e bisnetos de santo também, formados e iniciados por essa imensidão de filhos que já iniciei nesta casa. Nós soubemos que a senhora foi recentemente à Bahia. Qual foi o objetivo dessa sua viagem? Mãe Juju: Eu fui para homenagear o Ogum de meu pai, todos os anos, os
Mãe Juju e seu Ilé, na zona leste de São Paulo
Mãe Juju: Estão todos dentro da religião, todos ajudando a levantar o axé.
Mãe Juju e sua filha, Mãe Vera, herdeira do seu Axé
Um dia com quatro grandes sacerdotisas do Candomblé de São Paulo, raízes das maiores matrizes africanas. O documentário histórico, realizado em 2005 com direção de José Pedro da Silva Neto e Maria Emilia Coelho, relatou a vida de algumas das Mães de Santo mais antigas de São Paulo: Mãe Pulquéria, Mãe Juju, Mãe Ada e Mãe Sessu, que, no final dos anos 1950, trouxeram o Candomblé para a cidade. De dentro dos terreiros, os documentaristas apresentaram a rotina dessas mulheres e gravaram depoimentos, mostrando como
Nos fale um pouco sobre a sua sucessora, a sua filha... Mãe Juju: Minha filha e minha sucessora no axé é Mãe Vera. Ela está aqui comigo, me ajudando, observando, para, no dia em que eu me for, não precisar pedir ajuda a ninguém, pois recebeu todos os ensinamentos.
a escolha pelo Candomblé determinou e transformou suas relações familiares e também com a sociedade que, segundo elas, não está acostumada a ver a mulher à frente de algo tão delicado como a religião. Na época em que chegaram à cidade, incompreendidas pela maioria dos paulistanos, instalaram seus terreiros em casas, casebres e casarões, todos afastados da região central. Hoje eles são, além de lugar sagrado para seus adeptos, ponto de referência e de culto a uma das religiões mais tradicionais da cultura brasileira.
E os seus netos também vão seguir o caminho do Candomblé? Mãe Juju: Sim, todos. Agora mesmo, em junho, levarei minha neta para fazer o santo dela. Que mensagem a senhora deixaria para as pessoas hoje, que vivem neste mundo tão difícil, tão tumultuado e tão violento? Mãe Juju: O mundo está todo revoltado, mas nós precisamos ter fé em nossos Orixás que tudo dará certo. E como é para a senhora o Orixá? Como a senhora sente a vibração de Oxum? Mãe Juju: Eu devo tudo à minha Mãe Oxum, minha vida inteira devo a ela.
Mãe Juju ao lado de sua família, irmãos e irmãs
Entre amigos... A juventude candomblecista reverencia Mãe Juju
Mãe Pulquéria, Mãe Juju, Mãe Ada e Mãe Sessu, no documentário “Iyalodés, Damas da Sociedade”
Esta é a história do Axé de Ogum Megegê, fundado pelo patrono Manuel Cerqueira do Amorim, mais conhecido como Pai Nezinho de Muritiba, iniciado para o Orixá Ogum, na Nação Ketu, por Maria da Glória Nazareth, mãe e antecessora de Mãe Menininha do Gantois. Foi Babá Egbé – cargo responsável pelos conselhos e a ordem da casa –, do Terreiro do Gantois, onde até hoje é lembrado e respeitado. Seu Axé continua sendo levado por suas filhas carnais: Mãe Juju e Mãe Cacho, em São Paulo. Depois de sua morte, em 1973, Mãe Juju assumiu a roça, situada ainda no mesmo local, e Mãe Cacho assumiu sua casa no Recôncavo Baiano em Muritiba. Podemos citar alguns de seu inúmeros filhos de santo, como Mãe Neinha de Nanbuku filha carnal de Mãe Baratinha, também filha de santo de Pai Nezinho, já falecida. Mesmo com a morte de seu Pai de Santo, Mãe Neinha de Nanbuku não abandonou o Axé, continua com suas obrigações junto a Mãe Cacho, levando seu Axé da forma como aprendeu com seu Pai Nezinho. Isso significa que as tradições e os segredos não foram totalmente perdidos. Outro conhecido Babalorixá que se iniciou com Pai Nezinho
foi Tata Pérsio (já falecido), do Ilê Alaketu Axé Airá, que fica localizado em São Bernardo do Campo, no Bairro do Batistine e leva adiante muitos dos ensinamentos de Nezinho. Após a morte de Nezinho, Tata Pérsio foi tomar suas obrigações no Terreiro do Gantois. Poderíamos citar várias outras pessoas iniciadas nesse Axé, mas o mais importante é que ainda temos muitos iniciados, sábios que levam a sério os ensinamentos de seu fundador. Não podemos esquecer de duas pessoas que foram muito importantes nesse Axé, como a saudosa e insubstituível Mãe Bida de Yemanjá e Mãe Baratinha de Òsún, contribuíram muito para que os filhos, netos, bisnetos e tataranetos de Pai Nezinho permanecessem unidos, fazendo com que o Axé de Muritiba resistisse por várias gerações.
Mãe Menininha do Gantois, ao lado de Pai Nezinho de Ogum, em uma de suas inúmeras visitas ao Axé de Muritiba.
Adjá, Adjarin, Ajá, Ààjà é um instrumento sagrado e sem substituição nos rituais do Candomblé, uma sineta de metal, dourada ou prateada. É comum vermos, nas rodas de Candomblé, pessoas mais antigas em iniciação tocarem esse instrumento que, tanto pode ser de uma, duas, três ou quatro câmpulas – sinetas, enquanto dançam para os Orixás.
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m algumas casas o número de câmpulas do Adjá depende da finalidade para o qual será usado. O de uma câmpula é para invocar Exu, o de duas, para invocar os Orixás masculinos e o de três para todos os Orixás, porém, usados pelos Babalorixás. Os de quatro câmpulas são usados pelas Iyalorixás e Ekédis. Seu manuseio, no entanto, é vedado aos que não são iniciados nos preceitos da religião.
Durante a dança, o instrumento serve para invocar e manter a vibração do Orixá na sala, para que a energia não saia daquele local onde está sendo realizada a festa. Quando se dança com algum Orixá, ou seja, quando uma Ekédi sacerdote ou sacerdotisa dança acompanhando algum Orixá, o som desse instrumento serve para guiar o mesmo durante o ritual. Pensando-se no adjá como um instrumento-chave da religião de matriz africana – capaz de manter a vibração do transe dos filhos da casa –, que se configura como uma crença onde a realização espiritual acontece a partir da iniciação, deve-se observar a mudança no posicionamento do neófito após a descoberta do Orixá que rege a sua vida. Ao frequentar um terreiro, as características psicológicas são
observadas com objetivo de identificar o Orixá que preside sua vida. Após essa identificação, o líder religioso procura aproximar a pessoa de sua essência espiritual fazendo com que nesse indivíduo desperte os aspectos de sua personalidade, antes adormecidos. Ao alimentar o Orixá, fortalece seu conjunto de características, colocando em prática uma nova identidade, descoberta através da religião. Já em determinadas situações, como rezas e outras obrigações, o adjá tem a função de invocar a energia dos Orixás para aquele rito e se manifestarem sem seus filhos, ou, quando for um Ogan, uma Ekédi ou ainda algum iniciado mais antigo, ele guia o Orixá até aquele local para que o mesmo possa permanecer ali invisível e, assim, dar assistência a seu filho, ouvir suas súplicas ou agradecimentos. O adjá também é usado para anunciar o início de algum ritual ou para chamar a atenção das pessoas para algum ato importante. Como tudo no Candomblé, o adjá passa pelo processo de imantação e, somente após esse ritual, esse instrumento poderá ser manuseado por um Egbomi, Babalorixá ou Iyalorixá outor-
Sineta de percussão usada pelos Bokonon, sacerdotes-adivinhos de Fá, o grande ancestral dos Orixás Iorubás. É fixado na coroa do Vodun Gú com uma corrente, acessório que segura na mão esquerda e aproxima da orelha, chamado de sineta ou ajá (adjá). Ao contrário dos vários sinos e gongos que os africanos tocam com uma vareta pelo lado externo, o ajá é percutido na parte interna próximo à base da
gado para tal. Somente seu dono consagrado pode tocá-lo. De Esù a Orunmilà, todos eles respondem ao chamado desse instrumento litúrgico, bastando que a pessoa saiba como utilizá-lo. Seu som chama a atenção dos Orixás, anunciando que alguma coisa está sendo feita naquela casa. O adjá provoca o transe das pessoas quando tocado acima de suas cabeças, pois no processo de imantação ele recebe as energias do que foi oferecido a determinado Orixá. Usado em cerimônias festivas ou não, o adjá é de suma importância nos rituais do Candomblé. O “alingle” – adjá, instrumento utilizado no culto Vodun do povo EweFon, tradicionalmente pendurado na coroa de Gú (Ogum dos Iorubás).
cavidade. Esse instrumento é indispensável para os Hunô, sacerdotes do Culto Vodun. Entre os praticantes do Vodun Fon, Gú é o senhor do ferro, aquele que tornou o mundo habitável. Vodun da guerra, do fogo, da metalurgia, dos ferreiros e da tecnologia, guarda semelhanças com o Orixá Ogum.
Trazido para o Brasil entre os séculos XVIII e XIX, por escravos de diversas regiões da África, o Tambor de Crioula é uma forma de divertimento ou de pagamento de promessa a São Benedito e outros santos vinculados ao Catolicismo tradicional, bem como a Entidades cultuadas nos terreiros. ssa manifestação da cultura popular maranhense não tem uma época fixa de apresentação, mas pode-se observar uma concentração maior nos períodos que correspondem ao carnaval, às festas de São João e a partir do segundo sábado de agosto, quando ocorrem também as rodas de Bumba meu Boi, que tradicionalmente são encerradas com um Tambor de Crioula. Consta que, em seus primórdios, as brincadeiras de Bumba meu Boi e o Tambor de Crioula aconteciam sempre juntas, eram práticas interligadas. Atualmente, vários praticantes de uma manifestação também o são da outra. Os tocadores e cantadores, denominados coreiros, são conduzidos pelo ritmo incessante dos tambores e o influxo das toadas evocadas, culminando na punga (ou umbigada) – movimento coreográfico no qual as dançarinas, num gesto entendido como saudação e convite, tocam o ventre umas das outras. Essa forma de expressão, com seus movimentos de corpo e a polirritmia dos tambores, o caracterizam como pertencente à família do Samba. Em pesquisa, o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan catalogou as práticas de 61 grupos entre os de maior destaque em São Luís. O Registro do Tambor de Crioula faz parte de um projeto de reconhecimento das formas de expressão que compõem o amplo e diversificado legado das tradições culturais de matriz africana no país. Em par-
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O Tambor de Crioula do Maranhão é uma forma de expressão de matriz afrobrasileira que envolve dança circular, canto e percussão de tambores. Seja ao ar livre, nas praças, no interior de terreiros, ou associado a outros eventos
ticular, o Tambor de Crioula pode ser associado a outras formas já registradas como patrimônio imaterial brasileiro, como o Samba de Roda do Recôncavo Baiano e o Jongo, praticado na região Sudeste. Também possui características muito próximas de certas modalidades do Samba carioca, como o Partido Alto e o Samba de Terreiro.
Consta que, em seus primórdios, as brincadeiras de Bumba meu Boi e o Tambor de Crioula aconteciam sempre juntas, eram práticas interligadas. Atualmente, vários praticantes de uma manifestação também o são da outra.
Ildener Barbosa, do Tambor Coração de São Benedito, conta: “Eu, na minha idade, entendo que o Tambor de Crioula vem dos antigos, daquela raça negra que se chamava de ‘angolas’, que viviam pelo mato e faziam toques, batendo em uma casca de pau: baque, baque, baque. Depois eles inventaram aquele tambor de bambu, né? Um tamborzinho de bambu. Desse tambor de bambu saiu o tambor de madeira, grande, feito direto do tronco.
Hoje em dia nós usamos esse mesmo tambor, mas para confeccionar vai ficando mais difícil, porque já não querem que ninguém corte as árvores, que ninguém tire, o Ibama não deixa. Então, de tempos em tempos, a gente vai recorrendo, vai improvisando. Mas o que eu quis dizer é que o Tambor de Crioula é muito antigo e é dos negros!” As narrativas sobre a origem do Tambor de Crioula, via de regra, se referem ou a São Benedito, ou ao período da escravidão. São Benedito, o santo protetor dos negros, aparece no teatro das memórias como um escravo que foi à mata, cortou um tronco de árvore e ensinou os outros negros a fazer e a tocar o tambor. Outras vezes, surge como o cozinheiro do monastério que levava comida escondida em suas vestes para os pobres. Mas, em muitos casos, não há uma narrativa sobre sua origem ancestral, e sim a história específica de
e manifestações, é realizado sem local específico ou calendário pré-fixado e praticado especialmente em louvor a São Benedito. Dela participam as coreiras ou dançadeiras, conduzidas pelo ritmo intenso dos tambores e pelo influxo das
toadas evocadas por tocadores e cantadores, culminando na Punga – ou umbigada – gesto característico, entendido como saudação e convite. Inscrito no Livro das Formas de Expressão, em 2007 esse bem imaterial inclui-se entre as expressões do que se convencionou chamar de Samba, derivadas originalmente do batuque, assim
História: São Benedito, santo protetor dos negros
determinado grupo de Tambor, demonstrando que, naquilo que costumamos chamar de cultura popular, há espaço para a individualidade, a diferenciação. Até 1978 havia menos de 20 grupos na cidade de São Luiz. A partir do expressivo fluxo migratório do interior do Estado em direção à capital, novos grupos foram criados, aumentando assim o contingente de brincantes. Hoje há mais de 60 grupos cadastrados nos órgãos de registros da cultura popular na capital maranhense.
AS NARRATIVAS SOBRE A ORIGEM DO TAMBOR DE CRIOULA, VIA DE REGRA, SE REFEREM A SÃO BENEDITO OU AO PERÍODO DA ESCRAVIDÃO. SÃO BENEDITO, O SANTO PROTETOR DOS NEGROS, APARECE NO TEATRO DAS MEMÓRIAS COMO UM ESCRAVO QUE FOI À MATA, CORTOU UM TRONCO DE ÁRVORE E ENSINOU OS OUTROS NEGROS A FAZER E A TOCAR O TAMBOR
Os Elementos do Tambor de Crioula Canto: Cada cântico se inicia com um solista, que canta toadas de improviso ou conhecidas, repetidas ou respondidas pelo coro, que é composto por homens e por mulheres dançantes. Possuem temas líricos, relacionados ao trabalho, devoção, apresentação, desafio, recordações amorosas e outros. Instrumentos: O conjunto instrumental do Tambor de Crioula é chamado de Parelha. São três tambores de madeira – ou, atualmente, também de PVC – afunilados e escavados, cobertos com couro e preso por cravelhas. São denominados Tambor Grande, o solista, Meião, que estabelece o ritmo básico de 6/8, e o Crivador, que realiza improvisos. Alguns grupos utilizam-se também de matracas, bastões de madeira que são percutidos aos pares no corpo do tambor maior. O tambor também ganha um nome, outorgado em uma cerimônia de batismo com a presença de padrinhos e familiares do tambor.
“Punga” ou umbigada, gesto aplicado pela coreira àquela dançante que lhe substituirá no centro da Roda
como o Jongo no Sudeste, o Samba de Roda no Recôncavo Baiano, o Coco no Nordeste e algumas modalidades do Samba carioca. No dia 14 de dezembro de 2012, no Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, foi realizada a cerimônia de entrega dos títulos de Patrimônio Cultural Imaterial aos grupos de Tambor
Dança: Uma dançante de cada vez faz evoluções diante dos tamboreiros, enquanto as demais executam movimentos para a esquerda e para a direita; esperando a vez de receber a Punga – a umbigada – e substituir a que está no meio da roda. Quando a coreira que está dançando quer ser substituída, vai em direção a uma companheira e aplica-lhe a Punga. A que recebe, vai ao centro e dança para cada um dos tocadores, requebrando-se em frente aos tambores, até convocar a substituta. Vestimenta: Para as mulheres, saia de chitão florido, bem rodada, para acentuar o movimento, blusa branca de renda com babado na gola, torso na cabeça e colares.
de Crioula de São Luís, com a presença de representantes de grupos da capital, que apresentaram relatórios de atividades do Plano de Salvaguarda do Tambor de Crioula nos últimos anos. Esta cerimônia constituiu importante etapa de consolidação do registro de Tambor de Crioula como Patrimônio Cultural Imaterial do país.
Para os homens, calça, camisa colorida e chapéu de couro ou de palha. Comida: A comida na festa de São Benedito adquire uma importância significativa; o ato de alimentar os convidados é seguir o exemplo de caridade do santo, que doava comida aos mais necessitados. Seu preparo, além de unir a comunidade, revela aspectos fundamentais para a continuidade dessas práticas. O cardápio é popular: galinha, carne de gado e porco, torta de camarão, tapioca, farofa e bolos. E tem a bebida, que não pode faltar. A cachaça é para esquentar os brincantes e, quando não tem, logo se reclama: “Ô, tambor seco!”
O ovo (Eyin) é o principal e maior símbolo da fertilidade, utilizado amplamente nos rituais de Iniciação, Borí e Ebós para reativar a energia positiva, assim como retirar as energias negativas.
O
ovo cru, com seu frescor, quando utilizado inteiro em oferendas tem a função de tranquilizar e refrescar. Por isso é comum vermos muitos ovos crus depositados no chão, aos pés de certos Ojùbò (assentamentos dos Òrìsás). A finalidade é atrair abundância e proteção, fazendo com que todas as divindades compreendam perfeitamente que o Èbò é uma súplica de fertilidade e germinação e, dependendo da atuação da divindade, ela ajudará tanto na fertilidade, quanto na prosperidade, sorte, saúde e desenvolvimento na vida. Se são quebrados diretamente na cabeça, os ovos têm a função poderosa de purificar e livrar de qualquer tipo de demanda ou negatividade que esteja sobre o Orí de uma pessoa. Quando, num Èbò, ovos crus são atirados no chão ou quebrados sobre o corpo, como um sacrifício de purificação – popularmente chamado de “descarrego” –, terão a finalidade de desobstruir os caminhos, tirando as dificuldades ou qualquer espírito de força contrária que esteja acoplado ao corpo. Ao ser quebrado, o ovo revela sua riqueza e seu poder, tanto sobrenatural, quanto concretamente, pois, no exato momento da quebra, não terá mais a possibilidade de germinar, ou seja, de nascer algo dele. É um tipo de substituição ou troca que acabará com o problema que aflige o adepto, possibilitando o fim de uma situação negativa. É por esse motivo que o ovo cru deve ser quebrado, principalmente, no Orí do adepto, numa preparação de cabeça que
logo receberá os ritos sacrificatórios; começando pelo Àgbo-tutu (sumo de ervas frescas); em seguida, o sangue vermelho e, finalmente, o sangue branco do Ìgbin (caracol), que é espremido por cima de tudo, purificando e possibilitando a existência de forças sobrenaturais, acalmando e fertilizando a cabeça que estará recebendo o puro àsé. A união dos três sangues primordiais e a purificação com o ovo cru traz ao adepto a possibilidade de obter sorte, felicidade, fertilidade, saúde e tranquilidade.
O ovo pertence à Orixá Oxum; eles são seus olhos e, no momento das obrigações, faz-se um corte em cruz no topo de um ovo cozido, representando a abertura dos olhos de Oxum para o que ali está acontecendo.
Quando um ovo é quebrado, em qualquer ritual, o nome ÌyàmiÒòsòróngà é respeitosamente citado e reverenciado; qualquer que seja o ovo, lhe pertencerá, como relatam vários Ìtan-Ifá. Quebrar um ovo na rua, pela manhã, por 3 a 7 dias seguidos, é um poderoso ritual do Culto às Ìyàmi com a finalidade de afastar dificuldade ou prejuízo, afastando qualquer energia avessa. Um dos Ìtán (conto) de Ifá relata a importância do Ovo. Conta que Òlódúmàré, ao dar origem ao Universo tinha, em um pote de barro, quatro ovos. Com o primeiro, deu origem a Òbátálà, surgido na explosão da luz, sem forma; com o segundo, deu origem a Ògún, a forma; com o terceiro, a Òbálúàiyé, a estrutura. O quarto ovo acidentalmente caiu, originando a primeira mulher universal, chamada de ÌyàmiÒsòróngà. Com seu poder de fertilidade, nascia, assim, a fonte mantenedora da vida.
Classificação dos Ovos O ovo de casca azul representa a cor preta, relacionada à escuridão, às profundezas da terra e dos mares. O ovo de casca branca está relacionado ao “Iwà”, a explosão da luz. O ovo de casca vermelha está relacionado ao “Àsé”, o fogo mantenedor da fertilidade, relacionado ao poder sobrenatural.
Ovo de galinha cru: purifica e tranquiliza. Ovo de galinha cozido: tira doenças. Ovo de galinha esfarinhado: neutraliza negatividade do ambiente, atrai prosperidade e abundância. Ovo de pata cru: enfraquece a força da morte, doenças graves e perdas. Ovo de codorna: Neutraliza feitiços. Ovo de galinha d’Angola: propicia dinheiro, sorte, prosperidade, riqueza e sucesso nos negócios. Ovo de pomba: propicia tranquilidade e fertilidade.
Oxum é Yábá e o dia de agradá-la é aos sábados, com o Omolokum. Feito com feijão fradinho, cebola, pó de camarão seco, sal e azeite de dendê, é enfeitado com camarões secos e ovos cozidos, inteiros e descascados, cobertos com pingos de dendê ou mel.
Pambu Njila, Aluvaiá ou Mujilo: Nkisi que gosta de gerar disputas, grosseiro e vaidoso, a tal ponto que os primeiros missionários, assustados, compararam-no ao diabo. Sua presença está no falo, na primeira célula em formação, na paixão... Mas também possui o lado bom e, se tratado com consideração, reage mostrando-se serviçal e prestativo. Se ao contrário, esquecerem de lhe oferecer sacrifícios e oferendas, podem esperar catástrofes. Desta forma, revela-se o mais humano dos Minkisi – nem completamente mau, nem completamente bom.
C
omo Nkisi, diz-se que veio ao mundo com um porrete – Ogó, bastão em formato fálico feito de madeira e cabaças que teria o poder de transportá-lo, em algumas horas, a centenas de quilômetros e atrair, por um poder magnético, objetos situados a grandes distâncias. Mpambu Nzila é o guardião dos templos, casas, cidades e pessoas, servindo de intermediário entre os homens e as divindades. Por esta razão é que nada se faz sem que antes lhe sejam feitas oferendas, evitando, assim, provocar mal-entendido entre os seres humanos e em suas relações com as divindades e das divindades entre si.
Mas a maior das deturpações foi a de alguns adeptos, que acreditaram que Mpambu Nzila fosse o mesmo nome de um espírito – feminino – de origem brasileira, denominado Pomba-Gira. O nome Pomba-Gira é conceituado entre os candomblecistas como uma corruptela da palavra Pambu Njila, mas o espírito que responde como PombaGira nada tem a ver com o Nkisi Pambu Njila. Muitas dessas deturpações também se originaram pela pronúncia de determinadas palavras e no modo de cantar muitas das cantigas nas rodas de Candomblé Congo-Angola, como a palavra Bombo ou Pombo Njila.
Etmologia: A palavra Mpambu tem sua origem no idioma Kikongo, cujo significado é Encruzilhada. A palavra Nzila, também do idioma Kikongo, significa Caminho. Sem a letra M antecedendo, temos Pambu, do idioma Kimbundu, com o mesmo significado de Mpambu. Njila também tem o mesmo significado de Nzila, mas sua origem é Kimbundu.
Mavambo: É o Mpambu Nzila das porteiras dos barracões, que vigia os caminhos. Traz clientes e fartura. Usa vermelho, preto e azul.
No Brasil, Mpambu Nzila ou Pambu Njila foi e continua sendo confundido como Exu pelos adeptos de outras Nações, por falta de conhecimento relacionado a essa divindade Bantu, pois aqui, a cultura Bantu acabou adotando muitos conceitos da cultura Nagô, principalmente a Daomeana – Hoje, Benim.
Caminhos de Mpambu Nzila
Apavenã: É o senhor das oferendas, o portador e o mensageiro. Sempre o primeiro a ser invocado, veste preto e vermelho e é o dono do dendê, responsável por carregá-lo na peneira. Kijanja: É ele quem recebe as oferendas de todos os Minkisi e faz a transmissão do poder a todos do terreiro. Ligado às fases lunares, veste azul e vermelho – Kijan = Lua. Mavilutango: É o senhor da dança e do movimento. Segundo as lendas, é ele quem, através das danças, permite a comunicação entre os vivos e os mortos.
Bionatan: Senhor da alegria, é um tipo jovem de Njila que recebe doces e flores. Responsável também pelos métodos adivinhatórios. Singangara: É o feiticeiro que habita o fundo das águas, ligado a Zumba e Dandalunda. Simbolizado pelo Egan – gorro em forma de cone, possui um temperamento mais calmo e acompanha os Minkisi da água. Korobo: Guardião das folhas de Katendê; rude, vive no mato e vaga pelas estradas. Tem como símbolo uma enxada velha. Manakó: O senhor da fortuna e da bem aventurança; é quem providencia a comida e a bebida de todos. Veste branco. Saudação: Kiuá Nganga Njila! – Viva o Senhor dos Caminhos. Kizilas: Seus filhos devem evitar a tangerina e óleo branco extraído do coquinho do dendê. Elemento: Fogo. Símbolo: Ogó – bastão adornado com cabaças e búzios. Mineral: Carvão de coque e mercúrio. Dia da semana: Segunda-feira. Fio-de-contas: Vermelho e preto. Roupa: Vermelha, preta, branca, cinza e roxa. Oferendas: Farinha com dendê, feijão, água, mel, aguardente (come tudo que a boca come).
Os Mbundu, também conhecidos como Mbundu do Norte ou Ambundu, são um povo de língua Bantu que vive no noroeste de Angola, ao norte do rio Kwanza, distintos dos Mbundu do Sul e dos Ovimbundu. Os Ambundu falam a língua Kimbundu, mas na maior parte de seu território, a língua oficial de Angola é o português. Os Mbundu são o segundo maior grupo étnico do país, com cerca de 2,4 milhões de habitantes.
O
s Ambundu vivem atualmente na região que se estende ao Leste da capital angolana. São predominantes nas províncias de Bengo e Malanje e nas partes vizinhas das províncias de Cuanza Norte e Cuanza Sul. O chefe principal do reino Mbundu era chamado de Ngola, que deu origem ao nome do país: Angola. Há dez dialetos do idioma Kimbundu: Ngola, Dembo, Jinga, Bondo, Bângala, Ibaco, Luanda, Quibala, Libolo e Quissama. No entanto, esta classificação é europeia, não angolana. Em 2009, foram distintos dois dialetos primários: Kimbundu próprio, ou Ngola, e Mbamba ou Njinga.
História Os Mbundu são um dos povos do grupo Bantu e chegaram à região de Angola no início da Idade Média, mas a maior parte da imigração ocorreu entre os séculos XIII e XVI, trazendo consigo o conhecimento da agricultura. Eles construíram aldeias permanentes e negociaram com os então nativos pigmeus e populações Khoi-San. A sociedade Mbundu consistia em comunidades locais até o século XIV. Sua sociedade sempre foi matrilinear – com descendência materna. A terra era sempre herdada a partir das mães das famílias ou clãs. Os meninos costumavam ir morar nas aldeias de seus tios maternos, de modo a preservar um núcleo matrilinear para a aldeia. Teoricamente, a linhagem foi projetada a partir de status, em vez de indivíduos, o que deu ao sistema alguma flexibilidade. Essa característica não é encontrada em outros povos vizinhos, como os
Ovimbundu, mais ao sul, e os Bakongo, ao norte. O nome Mbundu foi usado inicialmente pelo povo Bakongo, antes de ser adotado por eles mesmos. O primeiro rei do Congo ocupou parte dos territórios Mbundu em 1370 e os transformou em sua província, fazendo de lá sua capital. Mais tarde, o reino Mbundu de Matamba tornou-se vassalo do Congo. Por volta do ano de 1500, o Congo também tinha reivindicações em NDongo e Kisama, perto do rio Kwanza. Os portugueses fizeram contato inicial com o Reino de Angola em 1483, e estabeleceu ligações mais ao sul com Ndongo – um estado africano menos avançado, composto pelo povo de língua Kimbundu. Durante a maior parte do século XVI, as relações de Portugal com Ndongo foram ofuscadas por suas relações com o Reino do Congo. Alguns historiadores, citando as rupturas que os portugueses causaram nessa sociedade, acreditam que Ndongo se beneficiou da falta de interesse português. Foi só depois da fundação de Luanda, em 1576, que a exploração de Portugal na área da atual Angola rivalizou com o seu comércio com o Congo. Além disso, foi apenas no início do século XVII que a importância da colônia estabelecida por Portugal em Angola passou a exceder a do Congo. Após a fundação de Luanda, os exploradores portugueses fizeram uma série de campanhas militares, fundando vários fortes ao leste de Luanda, mas não conseguiu controlar com firmeza a terra em torno deles. Os sucessores do explorador Dias fizeram progressos lentos até o Rio Kwanza, encontrando resis-
tência africana constante. O fracasso dos portugueses em encontrar a riqueza mineral alterou sua perspectiva sobre a colônia angolana. A tomada de escravos, que tinha sido acessório à busca das minas, tornou-se então a principal motivação econômica para a expansão e extensão da autoridade portuguesa. Em busca de escravos, os portugueses passaram a se estabelecer em Ndongo. Após um período de iniciativas diplomáticas, as relações degeneraram para um estado de guerra. A Rainha Nzinga, ao assumir o reino de Ndongo, negociou um tratado de paz com os portugueses, dando vantagens comerciais e religiosas a Portugal. Após cinco anos, a rainha teve de fugir das tropas portuguesas para Matamba, assumindo um reino liderado por mulheres e transformando-o no estado mais poderoso da região. Os portugueses derrotaram Matamba em 1836 e avançaram para Kasanje em meados do século XIX. Sua influência real, no entanto, foi bastante limitada devido à falta de pessoas, dinheiro e eficiência militar. Os Mbundu tiveram oportunidades de se revoltar ou negociar liberdades, mas isso mudou no final do século XIX. Os países europeus forçaram, por considerações econômicas, estratégicas e nacionalistas, maior controle sobre os
territórios africanos. Para proteger seus interesses, os portugueses enviaram expedições para as áreas que consideravam suas colônias. A última tribo Mbundu a ser derrotada foi NDembo, tornando-se parte da colônia portuguesa de Angola.
Religião Para o povo Mbundu, dificuldades individuais são atribuídas à magia e aos atos de espíritos ancestrais ou da natureza. Para determinar qual o problema, existe um especialista divinatório, um sacerdote cujo poder pessoal e o uso de objetos em seus trabalhos determinam quais são os problemas e como solucioná-los. Esse sacerdote é chamado de Kimbanda, que tem também um conhecimento extenso sobre medicina natural – manipulação e aplicação de ervas para a cura. Boa parte do trabalho do Kimbanda é dedicado a isso. Diz-se que esse sacerdote herda ou adquire a habilidade de se comunicar com os espíritos, o que varia de acordo com o grau de especialização. Alguns tratam apenas de sintomas particulares, outros gozam de ampla reputação e chegam a atender mais de uma aldeia. Tão central é o papel do Kimbanda no complexo de crenças e práticas que caracterizam a maioria das religiões nativas, que algumas fontes aplicaram o termo Kimbandismo na catalogação das religiões angolanas. Efeito missionário nas crenças: A maioria dos Mbundu teve alguma exposição ao catolicismo, mas poucos tiveram a oportunidade de ouvir uma clara apresentação do evangelho de maneira que pudessem entender. O catolicismo dos colonos portugueses é a mais forte influência cristã que receberam, mais efetivas e sentidas nos séculos XIX e XX. Rituais de Passagem: Há uma cerimônia, chamada Mukanda, realizada durante a estação mais seca, entre maio e outubro, que dura de três a cinco meses. É um rito de passagem da puberdade, quando o garoto deixa de ser uma criança para tornar-se um homem. Há também o rito feminino, uma vez que a puberdade é alcançada. Ambos os rituais são públicos e toda a aldeia participa.
Símbolo da resistência africana à colonização, a Rainha do Ndongo, atual Angola, Nzinga Mbandi (15821663) entrou para a história como uma exímia estrategista militar e diplomata astuciosa. Chefiou pessoalmente o exército até os 73 anos de idade e era tão respeitada pelos portugueses, que Angola só foi dominada depois da sua morte, aos 81 anos. Falar de Nzinga é falar de um mundo ao mesmo tempo distante e próximo. Ela nasceu entre os africanos Bantu, os mesmos que, escravizados, chegaram ao Brasil em maior número. Seu povo está, portanto, na raiz da nossa identidade nacional. Mas a sociedade a qual ela pertenceu é ainda pouco conhecida. Além da invasão portuguesa em seu território, o reino de Ndongo teve que se defender dos ataques de inimigos mais tradicionais: os Jagas, povo de guerreiros saqueadores. Ainda assim, as guerras não eram seu único problema, havia também uma forte oposição interna por ser mulher e ter como mãe uma escrava – o que era considerado grave, já que todo o poder se baseava nas relações de parentesco. Nzinga foi criada pelo pai, o rei Jinga Mbandi, para ser uma rainha guerreira. Mas quando ele morreu, em 1617, foi seu irmão, Kia Mbamdi, quem assumiu o trono. Se iniciava ali uma agitada luta pelo governo de Ndongo. Uma das primeiras medidas de Kia foi matar o filho único de Nzinga, seu maior concorrente. Ela mesma só chegou ao reinado em 1624, após o assassinato de Kia durante uma das piores crises do reino, quando Ndongo rapidamente perdia terreno para os portugueses. É claro que não faltaram insinuações de que teria sido Nzinga a responsável pela morte do rei. Apesar de tudo, foi o próprio irmão quem abriu as portas para sua brilhante carreira diplomática de rainha. Em meio à crise, Kia precisava de alguém capacitado para negociar com os portugueses e pediu ajuda à irmã. Ela, então, partiu para Luanda com a missão de negociar um acordo de paz com os
invasores. Foi recepcionada em grande estilo, com salvas de canhões, soldados perfilados e tapetes cobrindo toda a extensão do trajeto. Mas quando se encontrou com o governador, notou que havia somente uma cadeira no recinto, sobrando para ela algumas almofadas no chão. Nzinga imediatamente ordenou que uma escrava se ajoelhasse e sentou sobre ela, para não se inferiorizar. Anos depois, já coroada, realizou sua mais bem-sucedida manobra política: a união com os Jagas. Para isso, teve de adotar costumes estranhos à cultura de Ndongo, como o canibalismo, que mantia os soldados animados para a batalha. Mas há as contradições... Nzinga lutou contra a escravidão, mas vendeu escravos – prisioneiros de guerra – para os portugueses. Defendeu a religião do seu reino, mas adotou costumes católicos. Abraçou uma cultura diferente só para aproveitar o poderio militar dos Jagas. Tinha tudo para fracassar, mas tornou-se uma das maiores governantes da história da África e hoje permanece como figura central na cultura de Angola. No Brasil, apesar de quase desconhecida, é homenageada em festas populares de origem Bantu, como a Congada.
Em um universo de luzes e cores, ao som dos tambores que invocam energias, divindades ancestrais unem-se aos seus filhos em festejo. O Candomblé, tal como outras manifestações religiosas de matriz africana no Brasil, revela um mundo em que os homens e os Orixás convivem em um espaço que não se restringe ao que os olhos podem enxergar. Os toques, realizados em diversas ocasiões e ritos, são o ápice do culto e revelam traços característicos da cultura negra no Brasil. durante os toques que os Orixás vêm à terra e manifestam sua energia em seus filhos – é o momento do Xirê , que em yorubá significa dançar, divertir-se. Por meio de gestos sutis e vigo-rosos, do som ritmado dos tambores e das cantigas que descrevem ações e atributos dos Orixás, o mito é revivido e o Orixá é vivenciado entre cores, brilhos, ritmos, movimentos e gostos.
É
(Amaral, 2005, p.48)
No contexto dessas cerimônias religiosas, é imprescindível a partici-pação do componente musical; instru-mentos, músicos e cantigas são também sacralizados. Cada toque, cada ritmo, é dedicado a uma divindade ou a um momento específico do culto, determinando assim os gestos e os movimentos. Os responsáveis por esses to-ques e os adeptos presentes compreen-dem os códigos e sabem qual Orixá está sendo
chamado e louvado por meio do som que está sendo entoado. Os tambores, sob essa perspectiva, são vistos como seres vivos, são iniciados no culto, como qualquer ser humano, em nome de al-gum Orixá, alimentados para reforçar o axé e, em dias de festa, são vestidos com um pano chamado Ojá nas cores do seu Orixá patrono. Visitantes, filhos de santo e as próprias divindades, quando em terra, sempre saúdam primeiro os tambores sagrados. Sacralizados, os atabaques são os responsáveis por “chamar” os Orixás e trazê-los em terra até a cabeça do iniciado a ele dedicado. Ao lado de Exu, Orixá mensageiro e princípio ativo da comunicação e do movimento, a música exerce a função de condutora do Axé, tornando-se elemento básico para a realização dos ritos. De modo geral, são tocados três cân-ticos para que cada Orixá desça ao terreiro. Caso nenhum deles se manifeste no espaço de tempo a eles designados, executa-se um toque conhecido por Adarrum, violento e rápido, que faz com que todas as divindades baixem de uma única vez. O batuque ritual enfatiza a identidade do grupo e expõe as hierarquias presentes no culto: se cada terreiro de matriz africana segue uma tradi-ção diferente, as formas e maneiras de tocar também são distintas, e os conhecedores das tradições religiosas entendem que se o terreiro toca os atabaques com aguidavis – varetas, canta e toca em ritmo yorubá, esse terreiro pode ser identificado como de Candomblé Nação Ketu; se os tambores são tocados à mão, em cantos
Não é somente Exu o intermediário entre homens e divindades. Os três tambores do Candomblé também o são: “Rum”, que é o maior; “Rumpi”, de tamanho médio; e “Lê”, o menor. Não são tambores comuns ou “pagãos”, foram consagrados e receberam um nome. Essa é a razão porque esses instrumentos são considerados divinos, não podendo ser vendidos ou emprestados sem cerimônias especiais de dessacralização (...). (Bastide, 2001, p.34)
Bantu e ritmo de Angola, este terreiro pode ser reconhecido como de Angola-Congo; e quando um iniciado bate o paó, ou seja, palmas ritmadas com que se reverenciam as divindades, ou quando se utiliza do mesmo ato para reve-renciar aos mais velhos na casa, denotam-se as hierarquias da comunidade. Não são apenas os atabaques sagrados os únicos instrumentos utilizados neste contexto. São também os agogôs, xequerês ou aguês e adjás. Estes últimos são sinetas portadas apenas pelos membros mais velhos no terreiro, e quando há a dificuldade da tomada do Orixá no seu filho humano em transe, são tocados próximos aos ouvidos deste, chamando a divindade ao Xirê. Os outros dois instrumentos mencionados são utilizados em toques a determinadas entidades e em ritmos di-
versos. Os responsáveis pelos toques são os Alabês, Ogans iniciados para a execução musical. Como a música é imprescindível para realização da cerimônia, eles também o são. Um terreiro recém-fundado, com poucos filhos de santo e que não tenha nenhum Alabê, deverá contar com a disposição de um alabê convidado ou deverá contratar algum. Sem toque, não há festa, e Candomblé não é Candomblé sem o toque. Pouco se sabe do nosso passado musical colonial, muito menos se conhece da participação dos negros nesse período. Em telas holandesas de Franz Post e Zacharias Wagener, pintadas durante a ocupação em Pernambuco, os negros foram retratados em sua atividade musical, festiva e religiosa. Outros relatos referiam-se sempre a sons e movimentos realizados pelos “pretos bárbaros”, que nas noites reuniam-se em volta de suas rodas de toques. Esses festejos religiosos negros foram duramente reprimidos pelas autoridades coloniais; em suma, a sociedade colonial, católica, não via com bons olhos os tradicionais batuques realizados pelos escravos, que passaram a atrair adeptos brancos e mestiços a esses festejos. São, ao todo, mais de 15 toques (ritmos) diferentes. Cada Casa de Can-domblé tem até 500 cânticos. Os versos e as frases rítmicas, repetidos incansa-velmente, têm o poder de captar as vibrações do mundo além, o Orún, onde habitam as divindades. Essa música sa-grada só sai dos terreiros na época do car-naval, levada por grupos e blocos de rua, principalmente em Salvador, como Olodum ou Filhos de Gandhi. No Candomblé Angola-Congo existem vários tipos de toques, cada um destinado a uma divindade específica. Existem vários fatores que definem os toques dos cânticos. Um dos mais importantes é o ritmo em si; cada toque possui um balanço, um ritmo característico que os tornam diferentes dos outros (por exemplo, Ijexá e Barravento, são bem diferentes). Quando um alabê ouve um cântico novo, ele tende a encaixar, entre os toques que ele conhece, o que melhor vai se adaptar àquela melodia que está sendo cantada. Por isso a variação dos to-ques depende de vários fatores. Basi-camente não existe um toque amarrado a determinado Orixá, depende de quem compõe o ponto. Os mais conhecidos são:
•Adarrum •Aguerre •Alujá •Angolão •Apaninjé •Arrebate •Barravento •Bravum •Cabula •Congo Caboclo •Congo de Ouro
NÃO SÃO APENAS OS ATABAQUES SAGRADOS OS ÚNICOS INSTRUMENTOS UTILIZADOS NESTE CONTEXTO. SÃO TAMBÉM USADOS OS AGOGÔS, XEQUERÊS OU AGUÊS E ADJÁS. ESTES ÚLTIMOS SÃO SINETAS PORTADAS APENAS PELOS MEMBROS MAIS VELHOS DO TERREIRO, E QUANDO HÁ DIFICULDADE DA TOMADA DO ORIXÁ EM SEU FILHO HUMANO EM TRANSE, É TOCADO PRÓXIMO AOS SEUS OUVIDOS, CHAMANDO A DIVINDADE AO XIRÊ •Congo Nagô •Ijexá •Iká •Ilú •Olorum •Quebra-Prato •Rufo •Samba-Cabula •São Bento •Sato •Vaninha O uso do tambor Batá, utilizado por Xangô na África, perdeu-se no Brasil, mas foi mantido em Cuba. Os ritmos chamados de Batá são ainda conhecidos por este nome na Bahia. Acontece o mesmo com o ritmo denominado Igbin, dedicado a Oxalá, que na África é batido sobre tambores que levam o mesmo nome. Outros ritmos como, por exemplo, o Ijexá, são tocados em certos terreiros sobre os Ilús, pequenos tambores cilíndricos com duas peles, durante os cultos de Oxum, Ogum, Oxalá e Logun-Edé. Existem muitos toques espalhados pelo Brasil, os citados acima são os mais conhecidos e usados.
O Transe com a Divindade Para que ocorra o transe de possessão, é necessário que sejam cumpridas várias condições contextuais; elementos de vários tipos – áudiovisual, olfativo – podem ser chamados de gatilhos para a possessão – o transe da energia do Orixá no iniciado. Para os sacerdotes, na direção do culto, esses elementos servem para chamar a divindade e aguçar os sentidos daquele que a receberá em seu Ori – cabeça, desencadeando o transe de um ou de vários iniciados ao mesmo tempo. Para isso, os cânticos pos-suem todos os fundamentos neces-sários para a chamada desta ou daquela divindade. Esses cânticos são utilizados nas variadas Nações, mas seu uso e seus efeitos variam significativamente de uma para outra. Na Nação Ketu, por exemplo, essas músicas formam um vasto repertório e a maioria está associada a uma divindade específica. Na Nação Angola-Congo, apenas um cântico, escolhido pelo Ogan em um repertório mais limitado de canções, pode desencadear o transe em todos os iniciados, no final da primeira parte da cerimônia, cuja função é estimular a vinda das divindades.
Na Nação Jeje, os transes geralmente ocorrem antes da cerimônia, durante um rito reservado a alguns membros da comunidade, de modo que os iniciados já entram no salão sob o transe de suas divindades – Voduns. Gaiaku Luisa, conhe-cida Mãe de Santo da Nação Jeje-Mahi dizia, a este respeito, que uma palavra era suficiente para desencadear o transe entre os iniciados. O “entrar em transe” manifesta alguns arquétipos de comportamento. Quando se trata de uma pessoa da assistência, a entrada em transe é, muitas vezes, precedida por sinais de alerta: o indivíduo parece se desconectar do contexto cerimonial, seu olhar se torna vago, boceja, esfrega as mãos. Alguns se levantam e saem do barracão para escapar de um inevitável transe. Muitas vezes, é exatamente nesse ponto que o indivíduo é subitamente “apanhado” por sua divindade. Os visitantes ou iniciados que participam ativamente na cerimônia de-monstram sintomas como tremores nos ombros e na cabeça, o corpo se arqueando e as mãos se unindo junto às costas ou de lado; esse indivíduo é, então, apoiado por uma Ekede – que auxilia no trabalho do Baba-lorixá ou da Iyalorixá, cujo papel é o de cuidar daquele que recebeu o transe de determinada divindade. Além do contexto litúrgico – cânticos e padrões rítmicos – o primeiro sinal que identifica a divindade em questão é o grito do iniciado: para a comunidade do Candomblé, isso significa que a divindade respondeu ao chamado.
Tambor “Djembé”, ao lado, utilizado como complemento em algumas ocasiões, além dos Ilús ou Atabaques; o Batá, acima, muito comum em Cuba, mas que no Brasil perdeu seu uso. E o Xequerê, chocalho de contas percutidas na madeira.
Nasceu em 1894, no dia de Santa Escolástica, na Rua da Assembleia, Centro Histórico de Salvador, tendo como pais Joaquim e Maria da Glória. Descendente de escravos africanos, ainda criança foi escolhida para ser Iyalorixá do terreiro Ilê Iyá Omi Axé Iyamassê – Terreiro do Gantois, fundado em 1849 por sua bisavó, Maria Júlia da Conceição Nazaré, cujos pais eram originários de Abeokutá, sudoeste da Nigéria. Foi apelidada Menininha, talvez por seu aspecto franzino; foi iniciada no Culto aos Orixás aos 8 anos, por sua tia-avó e madrinha de batismo, Pulchéria Maria da Conceição (Mãe Pulchéria). Menininha seria sua sucessora na função de Iyalorixá do Gantois. Com a morte repentina de Mãe Pulchéria, em 1918, o processo de sucessão foi acelerado. Por um curto período, enquanto se preparava para assumir o cargo, sua mãe biológica, Maria da Glória Nazareth, permaneceu à frente do Gantois. Foi a quarta Iyalorixá do Terreiro do Gantois e a mais famosa de todas as Iyalorixás brasileiras. O terreiro, que inicialmente funcionava na Barroquinha, na zona central de Salvador, foi, posteriormente, transferido para o bairro da Federação. Situado em um lugar alto e cercado por um bosque, o local de difícil acesso era bem conveniente numa época em que o Candomblé era perseguido pelas forças da ordem. Em 1922, por meio do jogo de búzios, os Orixás Oxossi, Xangô, Oxum e Obaluaiê confirmaram a escolha de Menininha, então com 28 anos. Em 18 de fevereiro daquele ano, ela assumiu definitivamente o terreiro. “Quando os Orixás me escolheram, não recusei, mas balancei muito para aceitar”, contava. “Mãe Menininha abriu as portas do Gantois aos brancos e católicos, modernizou o Candomblé sem permitir que se transformasse em um espetáculo para turistas”, analisa o professor Cid Teixeira, da Universidade Federal da Bahia. Mãe Menininha faleceu em 1986, de causas naturais, aos 92 anos de idade.
João Alves Torres Filho nasceu em 27 de março de 1914 em Inhambupe, Bahia. Sua família era católica e chegou a ser coroinha da paróquia de sua cidade. Mas o menino parecia realmente predestinado a vivenciar o mundo das tradições religiosas afro-brasileiras, mesmo antes de se iniciar em uma casa de culto.
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a pequena cidade onde nasceu, distante 153 km da capital, aos dez anos já demonstrava sua forte personalidade, como bom filho de Iansã. Aos 17 anos, deixou a família e rumou para Salvador, onde fez de tudo para sobreviver. No armazém onde trabalhou, conheceu uma senhora que muito lhe ajudou e que considerava como sua madrinha. Foi ela quem o levou ao terreiro de Severiano Manuel de Abreu, que recebia a entidade conhecida como Caboclo Jubiabá. Após a feitura com Severiano Manuel, aos 18 anos Joãozinho já tinha seu terreiro, onde mantinha os padrões do Candomblé de Caboclo e Angola, cultuando Orixás, Encantados e Espíritos de ameríndios. Com a morte de seu Pai de Santo, segundo alguns relatos, Joãozinho “refaz” o santo no Terreiro do Gantois com Mãe Menininha, de Nação Ketu. Começa então a polêmica que o cercaria em relação a seus trabalhos – a mistura de Nações.
Mas “Seu” João da Pedra Preta foi de fato importante para a consagração do Candomblé de Nação Angola e sua popularização. Intelectuais como Jorge Amado e Édison Carneiro projetaram o Terreiro da Gomeia para o resto do Brasil. Joãozinho foi importante colaborador de Édison Carneiro durante a realização do II Congresso Afro-Brasileiro, realizado em 1937, em Salvador. Segundo o escritor e pesquisador das tradições africanas, Joãozinho era, aos 24 anos, um Pai de Santo que se destacava no ambiente conservador da época. Mesmo consciente da genealogia e hierarquia dos demais terreiros, conseguiu impor sua autoridade, legitimando-se ao longo dos anos. Assim escreveu Ruth Landes, em seu livro “A Cidade das Mulheres”, com relação às polêmicas levantadas por pesquisadores ou mesmo Pais e Mães de Santo da época em torno de sua iniciação e de seus trabalhos como sacerdote pelo fato de incorporar também entidades ameríndias – Caboclos e Encantados: “Caboclos não são Orixás, mas Espíritos Encantados, originários das religiões indígenas, sem relação com a África”. Os chamados Candomblés de Caboclo eram desprezados sob a alegação de que era preciso preservar a pureza com relação às raízes africanas. Mas a associação e a permanência dos Caboclos nos cultos de Angola não se devia à “falta de pureza” africana. O povo Bantu também tem fortes tradições em sua religiosidade, e uma das mais importantes é o Culto aos Ancestrais. Foi para preservar a ancestralidade dos donos da terra – os índios, que esse povo
incorporou em seus cultos os Caboclos. Outra citação preconceituosa de Landes: “Há um simpático e jovem Pai Congo, chamado João, que quase nada sabe e que ninguém leva a sério, nem mesmo as suas filhas de santo (...); mas é um excelente dançarino e tem certo encanto. Todos sabem que é homossexual, pois espicha os cabelos compridos e duros e isso é blasfemo. – Qual! Como se pode deixar que um ferro quente toque a cabeça onde habita um santo!” O que incomodava os sacerdotes em Joãozinho era sua visão de futuro e sua grande contribuição para o crescimento e aceitação do Candomblé em outras áreas da sociedade – as classes artística e política. Foi um homem que soube usar sua imagem à frente do tempo, divulgando a si mesmo e à sua roça. Quantas vezes ele não afrontou sacerdotes e sacerdotisas ao se apresentar em público com seu Orixá, atitude proibidíssima, mas que tornou sua dança famosa e fez dele um bailarino respeitado, pois não se envergonhava diante da repressão naquelas primeiras décadas do século XX.
O QUE INCOMODAVA OS SACERDOTES EM JOÃOZINHO ERA A SUA VISÃO DE FUTURO E SUA GRANDE CONTRIBUIÇÃO PARA O
CANDOMBLÉ SOCIEDADE, COMO
CRESCIMENTO E ACEITAÇÃO DO EM OUTRAS ÁREAS DA
AS CLASSES ARTÍSTICA E POLÍTICA Jovem ainda, Joãozinho enfrentou a supremacia dos cultos Jeje e Nagô na antiga Salvador. Foi também por ser tão jovem e desafiador que acabou provocando nas tradicionais Mães de Santo baianas um sentimento de repulsa ao seu trabalho – aos 26 anos de idade já havia assumido a chefia de seu terreiro, o primeiro, que ficava na Ladeira da Pedra. Logo depois, mudou-se para a rua que o tornaria famoso – a Rua da Gomeia – que ficava no bairro de São Caetano, Cidade Baixa, onde tocava Angola e Ketu, o que aumentava ainda mais o desprezo por seu nome. A verdade é que Joãozinho da Gomeia se tornou um Pai de Santo famoso em uma cidade dominada pelas mulheres, e em torno de sua trajetória criou-se muita lenda. Mas sempre foi muito respeitado por seus inúmeros filhos de santo, com quem sempre foi muito rígido e autoritário. Sua fama como Pai de Santo atingiu realmente o auge com a mudança para o Rio de Janeiro, onde se instalou na cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Sua voz rouca, firme e afinada saudava de Exu a Oxalá, e foi o mais importante agente na época em que começou a divulgação de termos usados no Candomblé por meio da mídia e das artes, que sempre foram seus grandes aliados. Ao ir para a região Sudeste com seu culto, sabia da importância e das vantagens de tornar conhecidos os cultos afro-brasileiros. E sua influência se estendeu para outros estados; segundo pesquisa realizada em 1983, dos 24 mais antigos terreiros da capital e do litoral paulista, oito haviam sido fundados por seus filhos e filhas de santo. Da década de 1950 em diante, Joãozinho já era muito famoso no Rio de Janeiro e, até sua morte, em 1971, era o Pai de Santo mais conhecido do Brasil. Apesar de tudo, nunca conseguiu ser unanimidade entre o povo de santo – para muitos era um transgressor das ordens e falava demais, características de um filho de Iansã. Quando perguntado em entrevistas com relação às Iyalorixás baianas, Joãozinho se referia a todas com certo rancor por nunca terem aceitado sua condição como importante sacerdote do culto. A única a quem
se referia com mais respeito era Mãe Menininha, pois sempre manteve um relacionamento melhor com ela. Sobre Mãe Senhora, à época poderosa sacerdotisa do Ilê Axé Opô Afonjá, certa vez disse: “Conheço Senhora, mas nunca tive
maior contato com ela e não lhe sou simpático. É um tipo de mulher muito orgulhosa; não é bem orgulho, é um pouco de ignorância...”. Joãozinho estabeleceu-se definitivamente no Rio de Janeiro em 1946, com apenas 32 anos de idade, quando já era bastante conhecido na Bahia. Sua festa de despedida foi assunto comentadíssimo na época – montou, no Teatro Jandaia, um espetáculo com danças típicas do Candomblé, apresentando-se como um excelente bailarino. Nem é preciso dizer que essa comemoração também acabou gerando controvérsia no meio do povo de santo, que sempre criticava os “desmandos” do babalorixá-artista. Mas, segundo relatou o próprio Joãozinho a um jornal carioca, sua mudança para o Rio se deu por acaso, quando foi à cidade de Duque de Caxias para “dar comida” ao santo na casa de uma de suas filhas. “Depois de concluído o ritual, voltei para a Bahia, mas não tive sossego; os amigos insistiam para que eu voltasse e não tive outra saída senão mudar de vez. Cheguei, gostei e fui ficando”. Assim que fundou seu terreiro em Duque de Caxias, toda a beleza e riqueza de seus rituais chamaram a atenção. Várias pessoas passaram a frequentar sua casa,
e não só o povo de santo – todos, dos mais diferentes segmentos sociais queriam aprender mais sobre o Candomblé. Joãozinho tornou-se famoso e tinha uma clientela que vinha das mais altas camadas da sociedade carioca. Depois de sua morte, em 19 de março de 1971, o terreiro de Salvador e o de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, não foram mantidos. O Caboclo Pedra Preta, sua Entidade mais famosa, não teve um sucessor para representá-lo.
Ebó é um ritual que visa corrigir várias deficiências na vida de um ser humano (saúde, amor, prosperidade, trabalho, equilíbrio, harmonia familiar, etc.) A composição de cada um desses rituais depende da sua finalidade, e os seus componentes vão desde bebidas a frutas, folhas, velas, adornos, alimentos secos, mel, óleo de palma, louças, artefatos de barro ou de ágata, etc. Oferendas são rituais compostos de frutas, alimentos, carnes, bebidas, flores, louças e adereços, para serem oferecidos aos Orixás como uma súplica para se alcançar uma graça, bem como para homenagear e cultuá-lo, de forma a fortalecer o vínculo com o mesmo. Cada Orixá tem os seus respectivos alimentos, suas flores, suas cores, suas bebidas e sua forma particular de culto, orações e invocações. O Adimu – oferendas aos Orixás, têm por finalidade manter o equilíbrio das relações entre divindades e seres humanos. Por meio das consultas ao Oráculo de Ifá, adeptos, iniciados ou não, podem conhecer as exigências de seus Orixás, principalmente de Exu, relativas às ofertas que desejam receber. Nem sempre as exigências são estabelecidas pela relação entre o ser humano e seu Orixá de cabeça, algumas vezes é um outro Orixá quem se oferece para solucionar determinado problema ou alguma dificuldade que está
sendo vivenciada e, em troca, exige algum tipo de sacrifício em seu louvor. Algumas vezes, pessoas atormentadas pelos mais diversos tipos de dificuldades recorrem aos préstimos de algum Orixá, oferecendo um tipo de oferta – Ebó ou oferenda – como prova de sua confiança e de sua fé, da mesma forma que católicos recorrem aos seus santos implorando graças e fazendo promessas que, invariavelmente, são pagas somente após a obtenção da graça solicitada. Os ebós ejenbalé (sacrifício com derramamento de sangue) dividem-se em diversos tipos, exigindo sempre o derramamento de sangue de algum tipo de animal; uma ave, um quadrúpede ou até
mesmo um simples caramujo. Dentre os mais conhecidos estão: Ebó ejé: Oferenda votiva que tem por finalidade obter determinado favorecimento ou graça de uma divindade. Ebó etutu: Sacrifício de apaziguamento. Este tipo de sacrifício é geralmente determinado pelo Oráculo e tem por finalidade acalmar a ira ou o descontentamento de uma divindade. Ebó a ye ipin ohun: Tem por finalidade substituir a morte de alguém pela oferenda determinada pelo Oráculo. No Brasil, é vulgarmente conhecido como Ebó de Troca. Ebó ba mi d’iyá: Visa atenuar punição de morte imposta a uma pessoa. Neste caso, um carneiro é sacrificado em substituição ao ser humano. Ebó Ogúnkojà: Sacrifício preventivo público ou individual. Tem por finalidade evitar qualquer tipo de acontecimento nefasto que ameace uma pessoa ou até mesmo uma cidade ou aldeia.
Oxalá
Tudo branco: Ebô de milho branco sem sal, clara de ovos, acaçá branco, rodelas de inhame cozido com mel e ekô.
Iansã
Acarajé redondo frito no dendê, rodelas de inhame cozido, refogado com dendê e cebola, amalá, feijão fradinho e ekô.
Ogum
Inhame, feijoada, fígado, coração de boi, feijão fradinho, preto, bagre com molho de camarão, ekô e axoxô.
Nanã
Acaçá, arroz, inhame, feijão fradinho, Omolocum de feijão branco, efó, ekô, mungunzá, sarapatel, pirão de batata roxa.
Xangô
Amalá, acarajés longos, rabada com camarão seco, cebola ralada, quiabos, azeite de dendê, caruru e ekô.
Obaluaiê
Aberem, pipocas, feijão fradinho, preto, bisteca de porco, ewa dudu, buruku e ekô.
Logun-Edé Oxumaré
Axoxô, omolocum, inhame, ekô. Aberem, feijão com milho, feijão fradinho com ovos, inhame, ekô, gaari pupá ni eyin. Feijão preto, farofa, mel, acaçá, ekô, ewa Ossain e fumo.
Oxossi
Axoxô, frutas, espiga de milho cozida, pamonha, olelé-ewa-akará e ekô.
Ossain
Iemanjá
Ebô de milho branco com azeite doce, peixe cozido com pirão de farinha de mandioca, arroz doce, manjar e acaçá.
Obá
Acarajé, amalá, abará, ovos e ekô.
Oxum
Omolocum, xinxim de galinha, ipeté, ovos cozidos, milho com coco e ekô.
Exu
Farofa de farinha com dendê, farinha com mel, bife no azeite de dendê, bofe, fígado, coração de boi, acaçá amarelo.
Ebó para Oyá Ònirá Ingredientes: – 1 abóbora moranga – 4 búzios abertos – 4 nozes-moscadas – 4 moedas – 4 acarajés – 4 metros de fita branca e vermelha – 1 saco de morim
Modo de preparo: Faça um buraco na abóbora e passe no corpo da pessoa. Depois, ponha dentro as fitas e coloque sobre o saco de morim. Entregue a Oyá Onirá no alto de um morro, às 18 ou às 24 h. Acenda velas e faça seus pedidos.
Ebó para o amor Ingredientes: – 7 maçãs vermelhas – 7 botões de rosas vermelhas – 7 velas vermelhas e brancas – 4 galhos de pitangueira – 4 acarajés – 7 papéis com os nomes escritos – Mel
Modo de preparo: Coloque os nomes em cada maçã; forme um círculo de maçãs numa bandeja. Coloque as velas e os galhos de pitangueira por fora do círculo de maçãs; despeje mel por cima. Despache no mato, faça seus pedidos e acenda as velas oferecendo à Iansã.
Para amizade e família Ingredientes: – Canjica amarela cozida – 4 quindins – 8 balas de mel
Modo de preparo: Escreva os nomes em um papel; arrume tudo em uma bandeja e despache na praia fazendo seus pedidos a Oxum
Acarajé preto para Ogum Ingredientes: – 1 alguidar grande – 3 kg de feijão preto – 2 cebolas médias – 200 g de camarão seco – Azeite de dendê – Sal e pimenta
Ingredientes: – Milho vermelho – Coco – 1 alguidar
Modo de preparo: Deixe o feijão de molho. Depois, moa com a cebola e o camarão; tempere com sal e pimenta. Bata a massa até ficar consistente; frite os acarajés no azeite de dendê. Lave o alguidar com água e mel; ajeite os acarajés pretos e enfeite com coco ralado e rodelas de cebola.
Modo de preparo: Cozinhe o milho vermelho somente em água; deixe esfriar, coloque em um alguidar e enfeite por cima com fatias de coco.
Ingredientes: –1 kg de quiabo cortado em cruz –1 cebola grande ralada – 2 dentes de alho – Gengibre ralado – 1/2 kg de camarão seco moído – 200 g de castanha de caju moída – Azeite de dendê Modo de preparo: Refogue o alho e a cebola em azeite de dendê; em seguida, acrescente o gengibre. Junte o quiabo e deixe refogar; adicione o camarão seco, as castanhas e deixe cozinhar por mais alguns minutos. Coloque água quente aos poucos e deixe cozinhar até que as sementes do quiabo fiquem rosadas. Cuidados no momento do preparo: Ao cortar os quiabos, não se deve conversar; mantenha-se sereno, pois é nesse momento que se deve fazer os pedidos que se deseja alcançar.
Fundada em 1954, a Casa Fanti-Ashanti, ligada à nação Jeje-Nagô, está sediada no bairro Cruzeiro do Anil, em São Luiz, capital maranhense, desde 1964. Além de ser um dos mais importantes terreiros do Brasil, é mais que um templo das religiões de matriz africana, constitui-se em verdadeiro patrimônio cultural brasileiro, um celeiro de manifestações da cultura popular do Maranhão.
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Casa Fanti-Ashanti foi fundada por Euclides Menezes Ferreira – Pai Euclides Talabyan, que iniciou sua vida sacerdotal no antigo Terreiro do Egito – Ilê Nyame, fundado em 12 de dezembro de 1864 por Massinokô Alapong – Basília Sofia de Cumassi. Toda informação recebida por Pai Euclides foi-lhe repassada, de acordo com a tradição oral, por sua Mãe de Santo, Maria Pia dos Santos Lago – Akô-Vonunkô. Essa mesma tradição oral fundamenta a Casa de Nagô Abioton e a Casa das Minas – Querebentan de Zomadonu. Após longo período de aprendizado, foi dada a Pai Euclides a permissão para abrir seu terreiro em 1958, dedicado ao Culto de Orixás, Voduns, Caboclos, Gentís e Nobres. Além disso, teve o privilégio de obter orientações que lhe foram trazidas por Vodunsis importantes à época. A casa foi inaugurada com o nome de “Tenda de São Jorge Jardim de Ueira”, mas tornou-se conhecida pelo nome que recebeu em referência aos povos Fanti e Ashanti da antiga Costa do Ouro, na África, atual República de Gana.
A cultura popular do Maranhão é muito rica, mas é ainda pouco conhecida e valorizada fora do Estado. Em São Luís, essa cultura aparece aglutinada e de forma muito expressiva nos terreiros de Mina, principalmente nos que têm Linha de Caboclo e que,
O Tambor de Mina da Casa FantiAshanti é dançado principalmente por mulheres trajando saia longa acetinada nas cores relacionadas com a divindade ou entidade espiritual festejada, usando várias guias e rosários.
Um dos muitos rituais da casa é o chamado Baião de Princesa, festividade popular que se originou no Terreiro do Egito e é realizada em 13 de dezembro, data que a tradição católica dedica à Santa Luzia. O ritual celebra as princesas e outras entidades femininas cultuadas no Tambor de Mina. A festividade é celebrada ao som de cânticos entoados e acompanhados por todos os presentes.
Segundo Mundicarmo Ferretti, Antropóloga e professora de Psicologia da UFMA – “Embora o Candomblé tenha sido introduzido na Casa Fanti-Ashanti sem sacrifício do Culto Mina e sem o abandono da Cura – Pajelança, provocou ali muitas mudanças. A casa passou a cultuar mais Orixás e a receber maior número de Boiadeiros – Entidades antes mais conhecidas na Cura e atualmente homenageadas no Samba de Angola – Candomblé de Caboclo. Apesar das introduções, a casa sempre continuou recebendo Voduns e Caboclos no Tambor de Mina. No Culto Mina da Casa Fanti-Ashanti, a ordem de louvação aos Voduns foi também aproximada a dos Orixás no Candomblé, o que levou o terreiro a alterações em seu espaço físico, disponibilizando locais para os assentamentos dos Orixás. Mas a Casa Fanti-Ashanti continuou a ser procurada por pessoas em busca de iniciação no Tambor de Mina e a realizar rituais tradicionais como o Mocambo – Festa de Pagamento dos Tocadores e a receber grande número de Entidades Caboclas do Tambor de Mina. Continua realizando, anualmente, a Festa do Espírito Santo e a Cura, há muito introduzidas nos terreiros de Mina de São Luís”.
além da realização de atividades ligadas à religião de origem africana, promovem rituais de cura e pajelança, como o “Baião de Princesas”. Foi no Terreiro do Egito que surgiu esse ritual,
onde pai Euclides fez sua iniciação no Tambor de Mina. Antes de dar início ao ritual, há todo um preparativo da casa e dos filhos; o terreiro é todo enfeitado e o altar vai para a sala principal, onde são dispostas imagens de santos como São Gonçalo, Santa Luzia e São Miguel Arcanjo, muito venerados nesse ritual. É servida uma comida de obrigação aos presentes no terreiro – pão embebido em vinho e açúcar, oferenda
Além dos rituais de Tambor de Mina, Culto aos Voduns e Orixás, a casa realiza o Samba de Angola para os Boiadeiros e rituais ligados à Pajelança, ao Catolicismo Popular – Espírito Santo e danças folclóricas como o Tambor de Taboca.
Pai Euclides Talabyan, iniciado no Terreiro do Egito, uma das mais antigas casas de Tambor de Mina, fundou a Casa Fanti-Ashanti em 1954.
... os toques da Casa Fanti-Ashanti começam com uma louvação a Exu em língua africana, mas sem a entrega de padé – oferenda, seguida de cantos para Ogum e outras divindades africanas. A Casa FantiAshanti aproximou a louvação às divindades africanas do “Xirê dos Orixás” no rito Nagô. O toque de Tambor de mina, em seus diversos modelos, é um culto a Entidades africanas – Voduns e Orixás, Fidalgos e Caboclos. Alguns desses modelos aproximamse bastante do Babaçuê, do Pará e do Terecô de Codó – Tambor da Mata, do Maranhão, também conhecido por Tambor de Santa Bárbara ou Encantaria de Bárbara Soeira. No Maranhão, os Caboclos são recebidos em todos os terreiros de Mina e de Mata, com exceção da Casa das Minas. Os toques são realizados em homenagem a determinada entidade ou divindade cultuada; têm como instrumentos musicais dois ou três tambores – Ilús, uma campanuda de ferro percutida com madeira e uma ou várias cabaças revestidas com malha de contas – aguê. No Tambor de Mina da Casa Fanti-Ashanti, as Vodunsis dançantes recebem uma toalha branca bordada no estilo da blusa, geralmente em Richelieu e, às vezes, algum instrumento especial da entidade ou divindade. Como na Nação Nagô, os toques da Casa Fanti-Ashanti começam com uma louvação a Exu em língua africana, mas sem entrega de padé – oferenda, seguida de cantos para Ogum e outras divindades africanas. A Casa Fanti-Ashanti aproximou a louvação às divindades africanas do Xirê dos Orixás no rito Nagô.
chamada “Bela do Pão”. Por volta das 20 h inicia-se a ladainha em frente ao altarmor. No Baião, as Vodunsis dançantes usam as roupas do ritual de mina; depois de entrarem em transe, são recolhidas e voltam paramentadas com uma capa de renda ou de cetim e muitas guias. Outro aspecto relevante são os instrumentos musicais presentes, como violão, banjo, cavaquinho e o pandeiro, instrumento indispensável em um ritual ligado à Cura.
O império de Ashanti (17011957) constituiu-se no Reinado de Akan, hoje República de Gana. Expandiu-se, incluindo a região central, oriental e ocidental da Gana atual. Os Ashanti se beneficiaram da adoção precoce de armas de fogo; combinadas com uma estratégia eficaz, formaram um império que se estendeu desde o Gana central até a atual Costa do Marfim. Devido às proezas militares, à riqueza, à arquitetura, à hierarquia sofisticada e à cultura do império, Ashanti foi extensivamente estudado, mais do que qualquer outra cultura da África subsaariana. O rei Osei Tutu (1695-1717) supervisionou uma expansão territorial maciça, introduzindo uma nova organização e transformando um exército real e paramilitar disciplinado em uma máquina de combate eficaz. Em 1701, o exército de Ashanti conquistou Denkyira, abrindo acesso ao Golfo da Guiné, ao Oceano Atlântico, e ao comércio costeiro com Europeus, notadamente os holandeses. O Reino Ashanti é o lar do Lago Bosumtwi, único lago natural de Gana. A renda econômica atual é derivada principalmente do comércio de barras de ouro, cacau, nozes de cola e agricultura. Hoje, a monarquia Ashanti continua como um estado constitucionalmente protegido dentro da República de Gana. O atual rei de Ashanti é
Otumfuo Osei Tutu II Asantehene. O nome Asanti deriva de duas palavras: asa, que significa “guerra” e nti, que significa “por causa de”. A origem do nome vem do reinado criado para lutar contra o Reino Denkyira. A variante “Ashanti” vem de relatórios britânicos, que transcreveram o nome da forma como ouviram sendo pronunciado, e assim permaneceu. Antes do Reino Ashanti ter contato com os europeus, mantinha comércio florescente com outros africanos, por conta da riqueza em ouro.
Kwaku Dua III Asamu ou Nana Akwasi Agyeman Prempeh I (1872-1931), rei da Confederação Ashanti na África Ocidental.
O comércio com os europeus começou após o contato com os portugueses, no século XV. No auge do Reino Ashanti, seu povo tornouse rico através da negociação de ouro extraído de seu território. A organização política era centrada em clãs, liderados por um chefe supremo ou “Amanhene”. O forte de São Jorge da Mina foi erguido no final do século XV pelos portugueses para servir como entreposto, visando proteger o comércio do ouro na costa do rio Benya – Costa do Ouro. Em 1637, os holandeses tomaram o forte, transformando-o em “senzala” e principal local de partida dos escravos da região.
Dizem que a saga dessa mulher, negra, africana, é feita de pura magia. A fé em suas divindades representa a força dos elementos naturais e a sua luta em vida, que se transformou em culto. São Luiz do Maranhão, Brasil, era agora o novo lar da rainha africana do Reino do Daomé; feita escrava e levada ao outro lado do Oceano, aqui fundou um novo culto e assentou os seus Voduns. esde tempos imemoriais, cultuam-se os Voduns da família real do Daomé, hoje Benim, Clã mágico e místico iluminava o continente negro, época de uma África conturbada por guerras tribais em busca do poder. Muitos reis passaram e o Daomé, que era apenas uma cidade, tornou-se um país. No Palácio Danxomé, reinava Agongolo. O rei tinha como segunda esposa a rainha Agotimé e dois filhos: Adandozan, do primeiro casamento, e Gezo, nascido de Agotimé. No momento de sua morte, o rei elegeu seu segundo filho para sucedê-lo no trono, mas sua ordem foi desconsiderada e Adandozan assumiu o trono como tutor de Gezo. Abomey tornou-se vítima de um governo tirânico e cruel. A rainha era conhecida em seu reino pelas histórias que contava sobre seus ancestrais e sobre o culto aos reis mortos. Guardava segredos do culto a Xelegbatá, a peste. Detentora de tais conhecimentos, o novo rei tratou de mantê-la isolada, acusando-a de feitiçaria, e não hesitou em vendê-la como escrava. Em Ouidah – Ajudá em Português ou Uidá, grande porto de venda de escravos, Agotimé foi jogada nos porões de um navio negreiro e trazida para o Brasil. O sofrimento físico da rainha, traída e humilhada, era uma realidade menor, pois seu espírito
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continuava liberto e, sobre as ondas, a rainha liderou um grande cortejo atravessando o mar. Desse episódio se forjou um dos elos que une a África ao Brasil; chegou ao novo continente um corpo escravo e um espírito livre, prontos para cumprir sua saga e fazer ouvir daqui o som dos tambores chamando os Voduns. Seu primeiro destino foi Itaparica, na Bahia, terra santa do conhecimento. Vinda de uma região onde poucos escravos se destinavam ao Brasil, Agotimé se deparou com muitos irmãos de cor, mas não de credo. Em seu encontro com os Yorubá teve o primeiro contato com os Orixás, por meio dos quais a rainha teve notícias de seu povo. Por eles, soube que sua gente era chamada de “Negros-Mina” e que haviam sido levados para São Luís do Maranhão. Não tinham local para celebrar seu culto, mas esperavam um sinal dos ancestrais. Agotimé logo entendeu por quem seu povo esperava. Após comprar sua alforria, chegou ao Maranhão, terra da Encantaria e de forte representação popular. Percorreu vilarejos, desbravou matas e alojou-se em quilombos em busca do sinal de seu Vodun. Certa noite, na fazenda Paraíso, tomou contato com o Bumba meu Boi, festa com volteios dançantes e cantorias. Os tambores eram afinados a fogo e tocados com alma pelos Ogans, inspirados por antigos espíritos africanos; seu som ecoava por ocasião das festas. No Maranhão, Agotimé, trazida como escrava, voltou a ser rainha. Sob orientação de seu Vodun, fundou a “Casa das Minas” em meados do século XIX, terreiro hoje tombado pelo Patrimônio Histórico. Querebentan de Zomadonu ou Casa das Minas, terreiro Mina-Jeje dos mais antigos do Brasil, teve grande expansão em fins do século XIX e primeira metade do século XX. Sua mais importante matriarca foi Mãe Andresa, falecida em 1954 aos 100 anos.
Agotimé seguiu as instruções do seu Vodun e providenciou os recipientes necessários aos Voduns, enchendo-os com as águas da Fonte do Apicum, consagrada a eles. Reservou recinto para os Voduns e, respeitando a hierarquia daomeana, foram escolhendo entre as mulheres Mina-Jejê aquelas que os receberiam em suas cabeças, chamando-as de Vodunsis. Agotimé recebeu no novo mundo o nome de “Maria”, da lembrança de seu continente distante, na costa da Mina, juntou-se “mineira” e do seu Vodun recebeu o nome de “Naê”. Maria Mineira Naê, senhora do Querebentan de Zomadonu, a Casa das Minas.
Rei Gezo, filho da Rainha Agotimé e do Rei Agongolo, destronou seu meio-irmão Adandozan e reinou sobre o Daomé, hoje Benim, de 1818 a 1858.
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