Revista Cargo 271 Janeiro|Fevereiro

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BIMESTRAL JAN/FEV 2018

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Gigantes querem maior domínio e saem do seu habitat natural As novas estratégias dos grandes players do mar e do e-commerce

Jaime Vieira dos Santos: «Tecnologia pode potenciar espaços do Porto de Leixões» Os quatro pilares da Jungheinrich: A visão de futuro da intralogística

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BIMESTRAL JAN/FEV 2018

EDITORIAL

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MARÍTIMO 4

Entrevista com Susana Broco (Galp): «Há uma série de serviços que podem trazer mais navios aos portos nacionais»

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Entrevista com Vieira dos Santos (C.P. de Leixões): «Tecnologia pode potenciar espaços físicos de Leixões»

12 PwC Portugal apresentou a 8.ª edição do LEME - e a Cargo entrevistou Miguel Marques

ÍNDICE

Bem espremido, queremos todos o mesmo.

15 Habemus JUL: Ministra do Mar lançou Janela Única Logística 16 Portos Nacionais com novo ano recorde em tonelagem e TEU 18 Opinião de José Augusto Felício: “A Indústria Náutica de Recreio em Portugal”

22 Circle regista cinco anos de crescimento e aposta em Portugal 24 Gigantes do mar e do e-commerce em braço de ferro pelo 28

domínio da cadeia Opinião de Vítor Calderinha: “A Inteligência Artificial, um novo objectivo para os Portos”

TERRESTRE, VEÍCULOS E LOGÍSTICA 30 Bitola europeia: Sim ou não? Agora ou depois? 32 A Revista Cargo foi conhecer a visão da Jungheinrich para o futuro da Intralogística e falou com Mark Wender

36 Gás natural veicular ganha força:transportadoras rodoviárias rendidas; Dourogás diz que é «o combustível do presente»

AÉREO 38 Opinião de J.M. Pereira Coutinho: “O Monopólio Aeroportuário em Portugal”

40 Sector acredita que carta de porte electrónica esteja para breve 42 Hugo Fonseca (MAEIL): «A nível global, o eAWB tem evoluído. mas em Portugal não se passou nada»

Propriedade:

DIRECTOR Joni Francisco *CHEFE DE REDACÇÃO Bruno Falcão Cardoso *MARKETING/PUBLICIDADE Simão Rodrigues *REDACÇÃO Rui Ribeiro, Joaquim Fonseca, João Cerqueira, Romeu Barroca *COLABORADORES ESPECIAIS José Augusto Felício, J. Martins Pereira Coutinho, Vítor Caldeirinha *EDITOR FOTOGRÁFICO Rui Ribeiro *ADMINISTRAÇÃO E REDACÇÃO Ed. Rocha do C. d’Óbidos, 1º, sala A Cais de Alcântara - 1350-352 Lisboa Tel. 911 166 932 *web: www.revistacargo.pt *e.mail: info@revistacargo.pt *EDITORA Magia Azul Edições, Unipessoal Lda * Morada: Ed. Rocha do C. d’Óbidos, 1º, sala A Cais de Alcântara - 1350-352 Lisboa *Tel. 911 166 932 * DESIGN GRÁFICO Joana Sardinha * IMPRESSÃO E ACABAMENTO Grafisol, Lda Rua das Maçarocas, Abrunheira Business Center nº3, Abrunheira 2710-056 Sintra*ASSINATURA ANUAL Portugal - 30 EUR Estrangeiro - 40 EUR Depósito legal nº 6196692 *PERIODICIDADE - Bimestral *TIRAGEM - 6.000 exemplares Estatuto Editorial disponível em: www.revistacargo.pt

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Num recente debate na Ordem dos Engenheiros (OE), o tema da bitola europeia esteve em discussão pela enésima vez. E o que mais surpreende nem é a falta de diversidade no tema, afinal de contas, parece haver pouco para falar sobre um modo que continua letárgico no nosso país. Mais surpreedente é chegar ao final de mais um debate e concluir que talvez não exista essa falta de consenso que uma discussão mais acesa pode levar a crer. Vamos por pontos. Num cenário hipotético (e de ficção porque, como se sabe, não há almoços grátis), haveria alguém naquela sala da OE que rejeitaria mudar de bitola num estalar de dedos (sempre no pressuposto que Espanha teria o mesmo poder, claro!), sem encargos extraordinários para os seus bolsos? Acredito que não. Por outro lado, haveria alguém naquela sala convicto de que Portugal tem capacidade financeira para, no breve prazo, mudar a espinha dorsal da sua rede ferroviária para a bitola europeia? Ou que a Europa teria, de hoje para amanhã, milhares de milhões de euros para permitir que Portugal (e, sobretudo, Espanha, dada a dimensão da sua rede) pudesse avançar já para essa mudança de bitola? Estou convicto de que naquela sala, mais discussão menos discussão, haveria consenso nestes dois pontos. Dito isto, é difícil acreditar que é a diferença de bitola que está a inviabilizar que mais carga internacional recorra ao comboio. Que é a diferença de bitola que está a retirar competitividade ao transporte ferroviário na ligação entre Portugal e a Europa? Mas é fácil acreditar que, de entre as várias dificuldades que a ferrovia portuguesa encontra hoje, seja a mudança de bitola aquela que mais dinheiro nos vai custar - e que acabará por avançar ao ritmo que a nossa economia e a economia espanhola permitam e ao ritmo da disponibilização de fundos europeus. Não faltam exemplos, nacionais e internacionais, que retiram peso à diferença de bitola. Na Revista Cargo, temos acompanhado de perto o “boom” que se assiste na utilização da ferrovia entre a China e o centro da Europa. Curiosamente, não me recordo de uma única notícia dada sobre algum tipo de competitividade perdida com os vários transbordos que têm de ser feitos no percurso... Em Portugal, os próprios responsáveis por detrás do comboio da DB Schenker - que passados estes anos continua a ser dado como exemplo porque não temos mais nenhum para dar! - são os primeiros a admitir que o problema da bitola estava a ser ultrapassado. A carga é que manda. E o dono da carga é que escolhe o camião, o comboio ou o navio. Sem diferenças de bitola, ainda são muito poucas as cargas que seguem sequer para Espanha via comboio. Se calhar, vale mais trabalhar com máxima urgência este campo e perceber porque não está a resultar. Joni Francisco Director 3


SUSANA BROCO (GALP): «HÁ UMA SÉRIE DE SERVIÇOS QUE PODEM TRAZER MAIS NAVIOS AOS PORTOS NACIONAIS»

EM ENTREVISTA EXCLUSIVA À REVISTA CARGO, SUSANA BROCO, RESPONSÁVEL PELA ÁREA DE NOVOS NEGÓCIOS DA GALP, FEZ UM BALANÇO DA ACTIVIDADE DA EMPRESA NO FORNECIMENTO DE COMBUSTÍVEL A NAVIOS. NÃO SE MOSTROU CONVENCIDA NUMA RÁPIDA MUDANÇA DE PARADIGMA ENERGÉTICO MAS GARANTE QUE A GALP ESTÁ ATENTA E A POSICIONAR-SE PARA CONTINUAR A SER REFERÊNCIA NAS BANCAS. E MOSTRA-SE CONVICTA DO POTENCIAL DE PORTUGAL E DOS PORTOS NACIONAIS.

Conte-nos um pouco da história da Galp nesta área de abastecimento de navios. A Galp iniciou as suas operações nesta área há cerca de 50 anos, no Porto de Lisboa. Hoje abastecemos todos os portos nacionais e grande parte dos portos de Espanha, em que fornecemos gasóleo por camião cisterna. Em Portugal, fornecemos os navios por carro-tanque em todos os portos, fornecemos por barcaça em Sines, Setúbal e Lisboa e por pipeline em Sines e em Lisboa, quando possível. Por outro lado, a Galp também tem as suas associadas que abastecem navios em Cabo Verde, Guiné e Moçambique. E, claro, Açores e Madeira, onde completámos há algumas semanas o primeiro abastecimento de Gás Natural Liquefeito (GNL) a um navio numa ilha atlântica, a Madeira. Foi o navio Aida Prima, da Carnival, uma embarcação de cruzeiros que escala semanalmente o Funchal. Esta operação pioneira é um exemplo da nossa preocupação em oferecer soluções flexíveis e competitivas, capitalizando no conhecimento adquirido nestes anos de experiência, e totalmente alinhadas com as grandes preocupações mundiais de descarbonização da economia.

Quantas barcaças tem a Galp neste momento dedicadas ao serviço de bancas?

Se olharmos, por exemplo, para a Escandinávia onde a grande maioria do transporte é efetuado por ferries, o GNL tem grande implementação. Aí, justifica-se o investimento, pois é fácil ter uma instalação fixa onde os ferries recolhem para abastecer. Este mercado das frotas de transporte regulares de curta distância será a principal rampa de lançamento do gás no curto prazo, aumentando de forma progressiva ao longo da próxima década.

Quando acredita que as soluções para além do abastecimento por camião possam estar operacionais em Portugal? Diria que nos próximos cinco anos estaremos aptos a abastecer navios a GNL por outras vias que não apenas o carro-tanque.

Neste caso específico, a Galp e os portos nacionais podem chegar antes dos concorrentes espanhóis e ganhar o mercado?

Temos três barcaças neste momento. Uma que praticamente não sai de Lisboa, fazendo os abastecimentos no Porto de Lisboa. Depois, temos outras duas sediadas em Sines, mas sempre que é preciso deslocam-se para Setúbal ou para Lisboa.

Sim, podemos consegui-lo. Mas é importante referir que as Canárias estão a trabalhar ao mesmo ritmo que nós. Em Algeciras a mesma coisa. Já Gibraltar, terá tarefa mais complicada. Estamos todos a trabalhar ao mesmo ritmo porque todos pensamos que o mercado irá necessitar do gás natural.

Qual o porto nacional com maior actividade de abastecimento de navios?

O mercado dos cruzeiros também tem crescido muito em Portugal. Também é um mercado importante para a Galp?

O Porto de Sines acaba por ser o porto principal devido aos portacontentores. Hoje é o principal porto de bancas, seguido pelo Porto de Lisboa.

Os cruzeiros estão a crescer muito em Portugal, mas estou convencida que não irão crescer muito mais. Portugal está longe do cruzeiro típico. O cruzeiro típico é aquele cruzeiro de uma semana/10 dias, que começa num porto e todos os dias pára em portos diferentes. Lisboa ou Leixões estão a mais de um dia de viagem de qualquer um dos portos mais próximos. Irá crescer, mas não ao nível do que fez, por exemplo, Barcelona.

E quantos navios abastece hoje a Galp? Contando com navios de pesca, fazemos o abastecimento de cerca de 2.000 navios por ano, num total de 800 mil toneladas de combustível.

São números que agradam à Galp? Nós gostaríamos de fornecer bastante mais, até porque a nossa refinaria de Sines produz cerca de 2,2 milhões de toneladas de combustível por ano. A nossa meta seria disponibilizar essa quantidade integralmente via bancas. E, já agora, pretendemos também mantermo-nos na linha da frente do abastecimento de gás natural a navios, que será uma das grandes tendências da próxima década, à medida que são implementadas regras mais restritivas dos combustíveis marinhos, a partir de 2020.

O Governo parece apostado em tornar o país num “hub” de abastecimento de navios a GNL. A Galp já foi contatada para fazer parte desse processo? Estamos a trabalhar em conjunto. Neste momento, podemos abastecer qualquer porto nacional através de carro-tanque e já o fazemos regularmente no Porto do Funchal. Para ganharmos escala,

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temos de investir. Uma das opções poderá ser o abastecimento por pipeline em Sines que é onde já temos instalação, embora a exigir trabalhos de preparação, dado estar apetrechada para receber gás, mas não para o exportar. Estamos igualmente a analisar modelos para o abastecimento através de barcaça. Serão investimentos a desenvolver a seu tempo.

Mas para nós, os cruzeiros são óptimos clientes. É aquele que pára em Lisboa para depois cruzar o Atlântico, quando muda a estação, no Outono e na Primavera. Quando vêm do Sul para o Norte, vêm todos a Lisboa e precisam de bancas. E o mesmo se passa antes de cruzarem o Atlântico.

O GNL também tem vindo a ganhar força nos cruzeiros? Estamos ainda no início desta transformação. São ainda poucos os navios de cruzeiro a gás natural que poderiam vir a Portugal e com muito poucas escalas, mas Portugal tem aqui uma oportunidade de se posicionar e manter na linha da frente.

Em termos geográficos, que particularidades identifica nos portos nacionais para esta área de actividade das bancas marítimas? Começo por falar nas ameaças geográficas, isto porque temos portos que são concorrentes nesta geografia, desde logo em Gibraltar

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e Algeciras. São portos que cresceram substancialmente nas últimas décadas, no que toca a bancas. Assim como, os portos das Canárias, Las Palmas e Tenerife. Estes portos, ao crescerem criaram um hábito nos armadores que hoje os consideram como “portos para bancas”. Contudo, penso que Portugal tem uma grande vantagem face a esses concorrentes. Existem dois tipos de abastecimento. Primeiro, o abastecimento do navio que vem operar carga, um navio que, no porto onde está a operar, aproveita para fazer bancas. Aí não podemos crescer muito pois estamos dependentes do crescimento do volume de cargas por via marítima. A segunda forma de abastecimento tem a ver com os navios que arribam num porto apenas para os serviços de bancas. Existem muitos portos de carga onde não é possível abastecer os navios. Estes necessitam de arribar noutros portos que se encontram no percurso da sua viagem para fazer bunker only. E é aí que as Canárias e o Estreito de Gibraltar têm o seu volume de negócio. Gibraltar, por exemplo, é apenas um rochedo, mas beneficia da sua posição estratégica especial. As Canárias também não possuem portos com elevado movimento de carga mas, uma vez mais, beneficiam da sua posição. A grande vantagem que Portugal tem é para navios que precisem de algo mais para além dos combustíveis. Aí, Portugal é o ponto certo! Se um navio quiser mudar um tripulante em Gibraltar não é o sitio certo! O acesso não é fácil, não têm unidades hoteleiras, etc. Ou se o navio quiser meter uma peça sobressalente ou quiser fazer uma reparação, Portugal é a opção certa. Fazer bancas em Lisboa, por exemplo, é o mesmo que fazer bancas no centro da Europa. Há aqui serviços de valor acrescentado, estamos a falar de uma capital europeia onde se tem facilmente acesso a tudo, algo que não acontece nos portos que são nossos concorrentes nesta área. E é aí que podemos ganhar vantagem.

E o que falta para que isso seja conseguido? Os nossos portos têm de ser muito competitivos e têm que estar abertos a estas oportunidades. São os portos que têm de prestar esses serviços. Uma coisa é um navio vir operar carga, com todas as taxas óbvias inerentes, mas outra coisa é um navio

vir fazer bancas, ficando ali no meio do Tejo e podendo receber uma peça sobressalente, água, mantimentos ou mudar um tripulante. Há uma série de serviços que podem trazer mais navios aos portos nacionais e criar valor a muitas empresas em Portugal, desde hotéis, aeroportos, agentes de navegação, turismo, empresas que fornecem água, um pouco de tudo... É um trabalho que deve ser feito pelos portos e ainda não está a ser desenvolvido.

Trazendo essas vantagens óbvias, porque acha que ainda não está a ser feito? Acho que Portugal ainda não despertou para essa oportunidade de negócio. Por exemplo, todos os navios que entram no Porto de Lisboa para fazer bancas têm condições especiais de preço diferentes dos navios que entram para operar carga. São navios que ficam parados no meio do rio e que mesmo não operando trazem negócio para o país. Contudo, se quiser simplesmente mudar um tripulante o navio já perde essas regalias. É aí que se tem de trabalhar, se o navio não perder essas regalias com esses serviços, então teremos capacidade para atrair mais navios. E isto não é válido só para as bancas, é para várias necessidades que um navio possa ter como mudar tripulação, fazer reparação, levar um médico a bordo, entre outros. Os portos têm de olhar para isto e pensar que um navio que não venha operar carga deverá ter condições diferentes e que deve dar essas condições a todos os navios que façam serviços que não sejam carga. Esta é uma oportunidade que deve ser aproveitada e, ao mesmo tempo, publicitada. Há tempos, li um livro do Professor José Hermano Saraiva onde dizia que, no Século XVI, chegaram a estar 500 navios em Lisboa! Hoje vemos dois ou três, temos capacidade para muito mais.

A Galp tem defendido a necessidade de aplicar o “mass flow meter” nas suas barcaças, de forma a tornar o serviço mais competitivo. Em que consiste esse sistema e que vantagens traria? O mass-flow meter é um contador mássico. São sistemas que fazem a medição logo em massa. Já há portos onde este sistema está implementado. Por exemplo, em Singapura é obrigatório que as medições sejam

efetuadas através de um mass-flow meter. Gibraltar também quer implementar essa obrigação. Os portos mais desenvolvidos caminham nesse sentido. Com a utilização de um mass-flow meter certificado por uma entidade oficial não há possibilidade de fuga, nem de fraude. Nós gostaríamos de poder contar com este dispositivo nas nossas barcaças, pois permitiria optimizar as barcaças, o que não é conseguido hoje porque temos de carregar a barcaça como destino final, não a aproveitando ao máximo. É o mesmo que ir descarregar gasóleo num posto de abastecimento de automóveis e ter que ir já com as matrículas dos carros todos que vou abastecer. É completamente diferente ter um contador na bomba e aproveitar ao máximo a sua capacidade. A optimização da barcaça permitiria também uma redução de custos, tornando-nos mais competitivos. Seriamos mais competitivos face aos portos das Canárias ou de Gibraltar. Para além disso, como com estes contadores não podem ocorrer problemas de discrepâncias de medições, alguns dos grandes armadores só aceitam ser abastecidos através de contador mássico. Neste momento, só conseguimos contornar o problema devido à nossa reconhecida idoneidade e colocando um inspector à carga da barcaça.

Fora essas oportunidades que ainda deverão ser aproveitadas, como tem visto a evolução dos portos portugueses na atractividade de mais carga e mais navios e, por tal, mais negócio para a Galp? Fala-se muito em novos sistemas como a JUP (Janela Única Portuária), que se acredita que faz com que os armadores utilizem mais os nossos portos. Prestam um serviço importante tanto para os armadores e para quem trabalha com os navios. Toda a gente fica com a vida muito mais simplificada, sem erros. Até do ponto de vista de marketing é completamente diferente para um operador de navios chegar a um porto desenvolvido e modernizado. O armador ao chegar aqui e ver que tem um serviço moderno, eficiente e eficaz, fica satisfeito. Não é determinante, há outros aspectos importantes – como a paz social – mas também conta.

Há também indicadores que o paradigma energético no “shipping” vai mudar. Teremos novos limites de emissões já em 2020, ano que parece ser de viragem. E temos também a emergência do GNL como combustível alternativo, com o caso das recentes encomendas da CMA CGM. A Galp vê nesta mudança de paradigma uma ameaça ou uma oportunidade? A Galp vê como uma forte oportunidade! O crescimento do gás natural não está a correr com a velocidade que se esperava, mas isso não quer dizer que a Galp não esteja preparada para uma maior rapidez. A Galp está preparada para vender gás natural, fuel e gasóleo. A Galp quer estar – e estará – na linha da frente e preparada para abastecer aquilo que o mercado necessitar. A velocidade com que isto está a correr é a

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velocidade do mercado, nós não impomos nada. Por outro lado, estamos a preparar-nos para o novo fuel, com o teor de enxofre mais baixo. Antes do dia 1 de Janeiro de 2020 estaremos aptos a fornecer o novo fuel, assim como gás natural. Mas que não restem dúvidas de que será um fuel mais caro porque a sua produção será também mais cara.

O mercado tem mostrado alguma resistência, sobretudo devido a esse custo extra. Acredita que a introdução das novas regras possa ser ainda adiada para lá do início de 2020?

Os portos e as autoridades portuárias têm de olhar para as oportunidades de negócio e, eventualmente, repensar alguma coisa. Nomeadamente ao nível das tarifas. Por exemplo, quando abastecemos por camiãotanque, a tarifa das inspecções às ligações é demasiado cara. Os armadores queixam-se muito, ao ponto de deixarem de abastecer por camião-tanque em Portugal. Chegam a pagar tanto pela inspecção como pagam pelo combustível!

A IMO tem sido peremptória nesta questão! A partir de 1 de Janeiro, os navios terão de estar a queimar 0,5% de enxofre. Ou então terão que instalar um scrubber, um equipamento que tem o seu custo. É claro que o custo maior é transformar o navio para queimar gás natural, algo que só vejo viável para navios novos. Mas o problema dos scrubbers é que não existem fabricantes nem estaleiros em número suficiente para a procura. Até 2020 não se conseguirão instalar tantos quantos determina a procura.

Os portos têm de olhar para estes novos negócios como uma oportunidade, e têm de ser competitivos. É muito importante simplificar. Já simplificámos um pouco com a JUP, mas ainda há muitas entidades à volta do porto que se calhar deveriam trabalhar de forma mais articulada e unida. Nos EUA, por exemplo, há uma única entidade, o Port State Control. Em Gibraltar, é a Administração Portuária que faz tudo. Em Portugal há demasiadas entidades envolvidas, ajudaria se algumas estivessem agregadas.

Poderá estar aqui uma oportunidade para a Lisnave?

Por fim, é necessário apostar nas ligações a terra. Por exemplo, é difícil chegar a Sines sem uma autoestrada. É urgente a existência de uma cadeia logística integrada em Sines.

Se tiver capacidade para isso, certamente que sim, mas não conhecendo em detalhe o negócio da Lisnave, não posso comentar.

De uma forma mais resumida, o que

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faz falta para que Portugal e os portos portugueses possam tirar o máximo proveito da sua posição geográfica?

A terminar, que grandes desafios é que identifica para a actividade dos

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bunkers? As questões de segurança e de salvaguarda do meio ambiente são temas que temos de ter muita atenção. A segurança das pessoas que trabalham nesta área é também fundamental para nós. Depois, temos o grande desafio da nova legislação. Mas a empresa está a preparar-se e vamos conseguir. As refinarias continuarão a produzir o fuel, que sai do petróleo bruto. Não podemos evitar a sua produção sem alterações profundas no aparelho refinador. Nem podemos comprar só crudes que não deem fuel. Não se pode querer comprar laranjas sem casca, não é possível. O fuel continuará a ser produzido e vamo-nos atualizando. O nosso grande desafio está em 2020. Vamos ver quem é que conseguirá chegar lá, e quem conseguirá fornecer navios com fuel de baixo teor de enxofre, e de qualidade. Há muitos operadores no mundo que compram o fuel de vários refinadores e fazem as suas próprias misturas. A partir de 2020 isso vai deixar de ser possível. Só quem souber muito bem o que está a fazer é que irá cumprir a legislação. Estamos expectantes para ver quem é que irá sobreviver no mercado e quem se conseguirá adaptar. Até agora vingava quem conseguia ser mais competitivo. Agora, vingará quem souber fazer o fuel cumprindo as especificações impostas pela legislação internacional.


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VIEIRA DOS SANTOS (COMUNIDADE PORTUÁRIA DE LEIXÕES): «LEIXÕES PODE RESPONDER EM TERMOS TECNOLÓGICOS E POTENCIAR OS ESPAÇOS FÍSICOS QUE TEM»

NA VIAGEM QUE A REVISTA CARGO ENCETOU PELO PAÍS, COM O DESAFIO DE ENTREVISTAR OS PRESIDENTES DAS DIVERSAS COMUNIDADES PORTUÁRIAS, CHEGÁMOS AGORA A LEIXÕES. EM ENTREVISTA EM EXCLUSIVO À REVISTA CARGO, O SEU PRESIDENTE, JAIME VIEIRA DOS SANTOS, FALA DAS PARTICULARIDADES E DOS MÉRITOS DA COMUNIDADE PORTUÁRIA QUE LIDERA, MOSTRA-SE SATISFEITO COM A EVOLUÇÃO E O TRABALHO DOS VÁRIOS ACTORES EM REDOR DO PORTO NORTENHO E DIZ QUE É TEMPO DE OLHAR PARA NOVOS NEGÓCIOS - E PARA NOVAS FORMAS DE FAZER NEGÓCIO! UMA ENTREVISTA A NÃO PERDER!

Fale-nos um pouco da dinâmica da Comunidade Portuária de Leixões, desde a sua criação até aos dias de hoje, assim como das particularidades desta Comunidade face à de outros portos do país. A Comunidade Portuária de Leixões surgiu da vontade de um Governo anterior de ter em cada porto uma entidade que aglutinasse os actores que são responsáveis pelo movimento das cargas. É preciso uma dúzia de actores para que uma carga se movimente dentro de um porto, e todos eles têm que estar conjugados no momento em que a carga se move. Basta que um desses actores falhe para que a carga não ande. E os nossos portos tinham essa dificuldade de colocar à volta da mesma mesa todos esses actores fundamentais, daí a necessidade e a importância de criar as Comunidades Portuárias. Mas a Comunidade Portuária de Leixões distingue-se de todas as outras em dois pontos. O primeiro é o facto de acolher como associados apenas associações ou organizações institucionais. A segunda é que o Presidente da Comunidade Portuária está a título individual, não representa nenhuma empresa. Isto dá-lhe duas vantagens: primeiro, fala por si próprio; segundo, porque fala por si próprio, pode ser o árbitro da mesa na procura de uma vontade única. Todos os meses, pelo menos uma vez por mês, reunimos para discutir os assuntos actuais do Porto de Leixões. A APDL dános a honra de marcar presença nas nossas reuniões de Direcção, o que é enormemente facilitador visto que é a dona do porto. E temos conseguido avanços importantes, com destaque para o reforço do diálogo entre todos. Acho que temos contribuído um pouquinho para o sucesso do Porto de Leixões. Os nossos planos são discutidos com algum calor mas sempre focado no essencial: fazer crescer o porto. Também os carregadores também fazem parte da Comunidade Portuária de Leixões, seja através da Associação Empresarial Portuguesa, da Associação Comercial do Porto ou do Conselho Português de Carregadores. Trazem-nos as suas preocupações sobre o porto. Fazem também parte associações que representam prestadores de serviços que estão na linha da frente, como os agentes de navegação, terminais, despachantes, transitários, transportadores rodoviários... A ferrovia só não faz parte porque ainda não se conseguiu organizar como associação, mas sabem que, no dia que essa existir, nós temos a porta aberta. Empresas independentes não aceitamos, porque corríamos o risco de ter algum desbalanceamento na representação do sector. Com associações, procuramos ter uma política que discuta as grandes linhas mestres

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da evolução dos portos e do Porto de Leixões em particular. Não é objectivo da Comunidade Portuária de Leixões descer à problemática de cada associado.

Os objectivos da Comunidade Portuária de Leixões são os mesmos do Porto de Leixões? O tabuleiro de jogo é o mesmo. O nosso objectivo é fazer crescer o Porto de Leixões. E que o porto sirva bem a comunidade em que está inserido. Mas a Comunidade Portuária de Leixões pode ir junto de outros meios de transporte, nomeadamente a rodovia, a ferrovia ou o avião, promovendo um debate sobre a forma como todos podemos oferecer a melhor solução de transporte ao carregador, beneficiandonos uns aos outros. Porque hoje os carregadores não escolhem um meio de transporte em particular mas sim soluções de transporte, que num determinado momento podem ser marítimas mas noutro pode ser o aéreo ou a rodovia. Temos de criar para esta Área Metropolitana do Porto um plano de transportes de mercadorias, porque temos todas as soluções de transporte com as suas infraestruturas concentradas num raio de cinco quilómetros à volta do Porto de Leixões, o que favorece a multimodalidade de forma consistente. E é aqui que, aparentemente, nos afastamos um pouco dos objectivos do Porto de Leixões. Mas afastamo-nos para depois regressar com mais carga. E recordo que a União Europeia elegeu 2018 como o Ano da Multimodalidade!

Acaba por ser também um trabalho que o Porto de Leixões tem de fazer, na captação de carga no seu “hinterland”, certo? Claro que sim! Dou o exemplo da Plataforma Logística do Porto de Leixões, para a qual nós temos sugerido - com muito boa receptividade do lado da APDL - ir junto dos operadores na área do comércio electrónico, como é o caso da Amazon. Temos de tentar perceber se têm interesse em instalar-se na Plataforma Logística do Porto de Leixões. Fiquei um pouco preocupado por ver que a Amazon está a colocar o foco em Espanha, estabelecendo aí uma série de armazéns. O mercado está com muita procura por armazéns mais pequenos, precisamente pelas necessidades do comércio electrónico. O cliente quer soluções na hora! Trazer para aqui empresas que estejam na área da distribuição via comércio elecrónico é extremamente importante. A Plataforma Logística do Porto de Leixões tem estado a ser bem vendida mas não neste segmento específico que estou a falar. A Amazon, não obstante o seu gigantismo, escolhe muito criteriosamente os pontos para as suas bases porque sabe que o sucesso da entrega é o sucesso do seu negócio. No Reino Unido,

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Já nas cargas não contentorizadas, se forem granéis alimentares é ainda mais fácil porque temos a silagem perto. Se forem outros granéis sólidos como o vidro ou sucatas, aí o desafio é articular na cloud não só o espaço do Porto de Leixões e o seu hinterland mas também a própria origem, envolvendo a viagem do navio ou os espaços de recepção da fábrica. Ou seja, criar uma linha de planeamento que vá gerindo todo o stock em movimento. Assim, a capacidade actual de Leixões para estas cargas pode também multiplicar por dois ou por três.

Mas para isso é preciso trabalhar a visibilidade da informação, algo que tem apontado como uma falha em Portugal... Absolutamente, é prioritário!

Quais as razões que identifica para essa reserva na partilha de informação? Muita gente quer esconder o seu negócio. Por outro lado, as pessoas não valorizam a informação. Não há consciência do valor da informação. Mas os especialistas dizem que, no futuro, um data valerá mais que um barril de petróleo. O drama é que temos todo este “petróleo” nas variadíssimas plataformas, muitas delas do Estado, mas não estamos a aproveitar, não estamos a tratar e a utilizar essa informação.

A futura Janela Única Logística (JUL) poderia ser um dos grandes fornecedores desses dados?

por exemplo, uma das maiores plataformas que eles têm está junto do Porto de Swansea, no País de Gales. É um porto com limitações como Leixões, mas não foi por isso que a Amazon deixou de ir para lá. Qual a vantagem de estar ali? O facto de estar próximo da bacia de Londres. Não é a dimensão do porto que lhe cria o status mas sim a localização. E se o Porto de Swansea tiver desenvolvimentos na área das tecnologias de informação e comunicação que articule o porto com a própria Amazon, extraordinário! Não precisam entrar lá navios de 17 mil TEU.

Que análise faz à evolução nos resultados do Porto de Leixões? Leixões é um porto desafiante. E, por isso, sinto muita alegria por viver este porto nos vários patamares em que o faço. É um porto desafiante pelo seu perfil, por ser um porto encravado na terra e não um porto que se desenvolve ao longo da costa. A terra cercou-o, a cidade de Matosinhos envolveu-o de forma brutal. Mas é um porto que tem capacidade para aguentar os desafios do futuro. E aqui voltamos à questão das tecnologias. Este porto não pode responder em termos físicos com espaços que não tem. Mas pode responder em termos tecnológicos, de forma a potenciar os espaços físicos que tem. Dou um exemplo: nós hoje temos um terminal de contentores com capacidade para 650 mil TEU e que vai crescer para 800 mil TEU. E está previsto um terminal de 14 metros que vai elevar a capacidade para 1,5 milhões de TEU. Isto são capacidades físicas ditadas pela realidade de Leixões. Se eu introduzir aqui a componente digital, posso tentar articular a minha plataforma de parqueamento com as plataformas logísticas de fora, integrar isto num grande armazém virtual que faz a gestão dos fluxos físicos que virão para o porto segundo uma lógica de chegada do navio e não segundo uma lógica específica do carregador. Hoje, os milhares de carregadores da área de hinterland do Porto de Leixões vão enviando as suas cargas para o porto à medida das suas necessidades. E o porto tem de se organizar para acolher todos os contentores que entram, num just in time relacionado com a perspectiva do carregador. Mas, com uma plataforma virtual, eu posso ter o armazém na cloud e ter o contentor referenciado na cloud, só que parqueado algures fora do porto. É a malha de plataformas espalhada no seu hinterland que vai acolher essa carga do Porto de Leixões. Com o armazém na cloud eu posso fazer a gestão dos armazéns físicos que tenho no hinterland. Assim, a capacidade que eu tenho hoje de 800 mil TEU e amanhã de 1,5 milhões até pode vir a triplicar, sem que aumente o espaço físico.

Claro que sim. Só que os avanços que se falam na JUL têm muito de processual, sem cuidar da biblioteca. A informação está lá, os dados estão lá, mas não temos conhecimento. É preciso transformar isso em conhecimento e saber mais do negócio. E temos que levar isto ao consumidor! Os hábitos dos consumidores estão a mudar cada vez mais e a exigência que estão a colocar no produto está a configurar a cadeia logística. Não só porque a velocidade com que querem as coisas é muito alta mas também porque o próprio produto em si também está a sofrer configurações. E temos de captar essa informação toda para saber como é que os nossos portos podem reagir a isto. O armador tem que ter o perfil que a carga exigir. O armador é procura derivada, não é procura final. O consumidor quer saber tudo, quer saber de onde vem o produto e essa vontade tem que ser satisfeita. Por exemplo, hoje, o consumidor está sensível aos locais de produção e ao possível envolvimento de mão-deobra infantil, rejeitando-os. Além disso, por razões ambientais, o consumidor começa a interiorizar cada vez mais a pegada ecológica, criando limitações à cadeia logística extensa. Tudo isto tem e terá consequências na geografia dos fluxos do comércio internacional e, portanto, nas redes de transporte e nos portos.

E quem deve liderar essa mudança? O Estado tem que estar na primeira linha, não se pode refugiar em conceitos de confidencialidade descontextualizados. Dentro do Estado, diria que o Instituto Nacional de Estatística é a entidade óbvia. Mas se queremos modernidade, até podemos ter uma entidade específica para isto. Aqui ao lado, em Espanha, já há entidades a oferecer informação sobre a origem e o destino das mercadorias. Portugal tem know-how e tecnologia com maior capacidade do que Espanha. Temos o Web Summit aqui, temos Universidades bem capacitadas... Mas, em contrapartida, o marketing de Espanha levanos à palma. Falta que se valorize a informação.

Conhecer a informação permitiria trabalhar novas origens e novos destinos para o Porto de Leixões? Óbvio que sim, é esse o nosso dilema. Hoje não sabemos de onde vem a carga, para onde vai. Trabalhamos com base no senso comum, só conhecemos uma ou outra carga e é sobre isso que trabalhamos. Mas é muito pouco. A informação existe. Por exemplo, no que ao transporte rodoviário diz respeito, é preciso articular os sistemas das auto-estradas com a entrada no porto, para saber, no hinterland, quais são os grandes fluxos e de onde chegam. O futuro dos portos não será mais discutir guindastes.

O que pensa a Comunidade Portuária de Leixões da estratégia apresentada pelo Governo para aumentar a competitividade dos portos nacionais até 2026? De uma forma geral, é importante haver uma estratégia para os próximos 10 anos. Falta concretizar, essa tem sido a parte que não tem corrido bem. Posso falar do Governo anterior e do PETI ou de outros Governos. O PETI, recordo, colocava no primeiro patamar de prioridades para Leixões a expansão do terminal de contentores. Foi

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PRESIDENTE DA COMUNIDADE PORTUÁRIA DE LEIXÕES ACREDITA QUE CRESCIMENTO DO E-COMMERCE PODE TRAZER NOVOS NEGÓCIOS AO PORTO DE LEIXÕES E À SUA PLATAFORMA LOGÍSTICA. anunciado há cinco anos mas a obra só vai começar agora em 2018. O processo de decisão tem de ser mais célere. Ainda do ponto de vista genérico, é preciso discutir agora outras fases. Porque o que está nesta estratégia é muito infraestrutural, temos de perceber que estamos já numa nova fase de revolução digital. A estratégia lança o Cluster das Tecnologias, que como princípio é bom mas que acaba por ficar-se apenas pela JUL. A JUL é muito importante mas não chega! Temos de ir para além dos actores directos, chegar ao nível do consumidor final. Ou ao nível, por exemplo, da meteorologia. Toda a gente que está na gestão dos terminais sabe que no Inverno há atrasos nos navios. Mas ainda não está analisada a correlação do atraso com as suas implicações no terminal. A informação que existe ao nível da meteorologia não está articulada com os portos. Temos o Marine Traffic e as informações de meteorologia, precisávamos de pegar na informação dos dois e perceber os tempos de viagem de cada rota em cada momento do ano e em cada situação meteorológica. Isso permitiria perceber e antecipar os atrasos e fazer um melhor planeamento nos terminais. Aqui em Leixões, estamos a receber hoje navios que deviam ter chegado há uma semana atrás mas que foram afectados por uma tempestade. E era uma tempestada classificada como “rápida” em Portugal. Só que afectou em oito dias a navegação entre o Norte da Europa e Portugal. Do ponto de vista do transporte marítimo, foi tudo menos rápida. O IPMA é mais uma entidade que devia estar nesta JUL, mas é só um exemplo. O próprio calendário da JUL aponta a dois anos, mas este mundo é demolidor. Em dois anos vai acontecer tanta coisa... Outro exemplo: se tivessemos dado mais atenção aos dados que tínhamos à disposição, talvez o impacto do que aconteceu em Angola não fosse tão grande. Não é por acaso que o Dubai anda à procura de matemáticos à escala global. Os nossos portos têm de começar a interiorizar três profissionais que não têm feito parte da gestão portuária. Por um lado, o sociólogo, para nos mostrar como está a evoluir este mundo novo no que diz respeito às tendências de consumo. Por outro, o especialista de marketing, virado para a adaptação do produto a essas necessidades de consumo. E ainda o matemático para analisar a informação e produzir conhecimento. São valências do conhecimento que têm que estar dentro da estratégia e gestão dos portos. Não podem ficar para sempre na mão de engenheiros que constroem a infraestrutura, dos financeiros que pagam a infraestrutura ou dos gestores.

Estamos a assistir à entrada de uma nova era no sector portuário? Sem dúvida, estamos a entrar numa quarta era. Tivemos uma primeira 10

fase em que os portos eram um simples local de carga e descarga. A segunda fase chegou com a contentorização, com a industrialização dos portos, na qual os conceitos da indústria, nomeadamente, os conceitos de produtividade, de eficiência e de eficácia se aplicam também a este sector. A terceira é a dos portos associados ao valor acrescentado, à logística. A quarta era dos portos é o mundo disruptivo das tecnologias, os smart ports. Ou seja, a estratégia que existe para a próxima década em Portugal incide sobretudo numa terceira era, quando já estamos a entrar em força numa era totalmente diferente. Estamos substancialmente atrasados e temos de começar a debater já essa quarta era se queremos ganhar o futuro! Um dos temas a discutir é a robotização e a automação dos terminais, algo que trará grandes desafios aos portos. Vejamos o ambiente laboral no Porto de Lisboa e imagine-se o que será quando este problema se colocar... E é um assunto que se pode colocar amanhã, até porque a Lisboa chegou um operador global e poderoso como a Yilport.

Falando do Porto de Lisboa e ainda da estratégia para o aumento da competitividade portuária, o que lhe parece o projecto para o novo terminal do Barreiro? O Barreiro é uma dor de cabeça. Como foi uma dor de cabeça o aeroporto da Ota, depois Alcochete e depois o Portela+1. Somos férteis em desenhar projectos e depois não os conseguir concretizar. O projecto para um novo terminal em Lisboa já foi falado para Paço d’Arcos, Mar da Palha, Trafaria... Chegou ao Barreiro e o Barreiro percebeu que lhe tapa as vistas e, pelos vistos, não gostou. Parece que agora tem que se deslocar. Por outro lado, começámos por ouvir falar num terminal deep sea mas depois percebeu-se que não será. E também já não se perecebe se é só para contentores ou multiusos. Os investidores em Lisboa olharão com muita prudência para isto. E os potenciais novos investidores irão olhar para os terminais que já lá existem, percebendo que não há carga tão vasta que justifique isto. Por isso, não estou muito optimista com o Barreiro. Pessoalmente, tenho dúvidas que o Barreiro se justifique. Estando na margem Sul, porque não aproveitar Setúbal? Por outro lado, a grande parte da população vive na margem Norte e as cargas terão quase todas de ir para lá. O Barreiro só veio acrescentar confusão e, se calhar, atrasar o desenvolvimento de outros projectos. Participei num Estudo sobre os Portos Portugueses promovido pelo nosso Associado ACP que, em relacção ao Barreiro, concluiu que não se justifica.

E o novo Terminal Vasco da Gama, no Porto de Sines? Em Sines, sim! Estamos a falar de um hub e o Porto de Sines é um porto importante nesse mercado para a geografia do Atlântico e até

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para a geografia do Oriente. Mas eu não sei se o modelo de produção da riqueza mundial se vai manter como está hoje. Se esse modelo mudar, não sei se Sines ou Algeciras continuarão a ser o que são hoje. Não sei se toda a gente tirou as devidas ilações da forma como a China está a privilegiar a ligação por terra entre o Extremo Oriente e a Europa. E até a tentar fechar os segmentos até ao Mediterrâneo. Se eu olhar para o continente euro-asiático, essa grande massa sólida que nos liga do Cabo da Roca a Vladivostok, e se olhar para as produções locais intensificadas por este ambiente tecnológico novo, faz todo o sentido ter ligações por comboios. Já não são os produtos de fora que vão ser produzidos à China por ser mais barato. São produtos deles, cujos excedentes são depois levados para onde há procura. É o retorno à Rota da Seda. E aqui perdem sentido os navios de 17 mil ou de 20 mil TEU.

Em relação a novos terminais previstos na estratégia para o aumento da competitividade portuária, falta falar do futuro terminal de contentores de Leixões. É fundamental para o Porto de Leixões? Nós temos de chegar aos 14 metros. Não me parece que tenhamos de ir além disso, por tudo aquilo que já aqui disse. Não teremos certamente aqui navios de 500 metros. O patamar dos navios de 4 mil TEU é a dimensão adequada e para isso são necessários os 14 metros. Esse draft tem de ser feito para o presente, porque já estamos a ter problemas por não conseguir receber esses navios, sem prejuízo de olhar para o futuro. No presente precisamos de um cais a -14m. No futuro poderemos precisar de um novo terminal a -14m. Um novo terminal, pela sua complexidade, precisa de uma debate que decorrerá seguramente pela próxima década, em que será avaliado à luz do novo ambiente tecnológico disruptivo em que a robótica definirá o seu perfil mas acima de tudo as alterações expectáveis nos padrões de consumo e de produção serão determinantes. Um cais a -14m precisa de execução imediata. Infelizmente, é mais um projecto em Leixões que está com muito atraso.

Vê a Plataforma Logística do Porto de Leixões como um dos projectos com mais potencial para fazer crescer o porto? Sim, e o comprometimento que tenho visto do lado da APDL é muito substantivo. Esse projecto nasceu com um conceito de apoio ao consumo, na linha final da cadeia. Depois, veio a fase crítica, o consumo baixou um pouco e começou a virar-se para a produção, para a parte de embarque. Mas a Plataforma Logística do Porto de Leixões tem de ser um apoio substantivo à carga no que diz respeito à forma como a distribuição se está a fazer agora. Antes, a distribuição fazia-se num modelo físico onde o comércio electónico não pontificava. Mas hoje, os armazéns têm de estar lá 24 horas sobre 24 horas, articulados com as superfícies de produção e com as superfícies de distribuição, numa lógica de consumo e produção, de modo a que aqui mesmo se faça um buffer de optimização de entrada no mercado ou de ordem de encomenda para a produção. Neste novo ambiente tecnológico, o que faz sentido é que a plataforma

seja um buffer de articulação entre produtores e consumidores, em diálogo permanente, para temporizar e optimizar a produção no sentido do consumo. E descobrir novos consumos para estimular a produção. Tudo isto implica a tal componente de informação e das tecnologias de informação e comunicação. A Plataforma Logística de Leixões está já com um razoável nível de compromisso, mas ainda não temos nenhum armazém virado para o comércio electrónico. Isso é uma falha mas também uma oportunidade. Por outro lado, a Plataforma Logística deve ser totalmente independente do Porto de Leixões, embora administrada pela APDL, servindo como buffer em que partilhamos e recolhemos todos informação. Temos de admitir que às vezes vamos precisar do avião, noutras do navio e noutras do camião ou do comboio. Apesar de ser uma vantagem estar junto do Porto de Leixões e reconhecendo que o Porto de Leixões tem sido aqui o grande aglutinador de carga.

A ferrovia pode ser mais um trunfo para Leixões? A ferrovia é o modo de transporte menos avançado em Portugal. A geografia também não ajuda.Mas, para a Comunidade Portuária de Leixões há aqui um ponto crucial, que tem a ver com a plataforma de caminho de ferro existente no Porto de Leixões, a qual tem projecto de longa data para passar para a Plataforma Logística, libertando esse espaço para o Porto de Leixões. Isso vai melhorar a intermodalidade entre a ferrovia e a rodovia na Plataforma Logística e a intermodalidade entre a via marítima e a ferrovia no terminal de contentores. Isto é urgente que se faça! Mas é urgente há quase uma década.

E porque é que não avançou ainda? Parece que a extensão da linha prevista para a Plataforma Logística não era suficiente. Ok, se não era suficiente que se faça o que é suficiente! Não se faz e o tempo vai passando. É provável que falte dinheiro mas os benefícios disto são muito superiores ao custo que terá. E, seguramente, existirão fundos comunitários para algo que beneficia três modos: a ferrovia, a rodovia e a via marítima. E a articulação entre os três. Como referi, este é o Ano Europeu da Multimodalidade!

A concluir, onde espera ver o Porto de Leixões daqui por uns anos? Espero ver o Porto de Leixões como um grande porto na dimensão pequena. Um porto valorizado pelo seu ambiente tecnológico, continuando a servir de forma muito eficiente o hinterland e o foreland. Quero ver Leixões como uma referência mundial, apesar de pequeno. Num recente relatório da Deloitte sobre os serviços portuários está escrito que «é preciso uma mudança estratégica, onde o tamanho não será mais o foco principal mas sim a eficiência e a operação inteligente» e que «não serão os portos maiores que vão sobreviver mas sim os portos mais inteligentes». É neste grupo de portos avançados tecnologicamente que quero ver o Porto de Leixões daqui por uns anos.

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MIGUEL MARQUES (PWC)

«AS EQUIPAS DE GESTÃO DOS PORTOS CEDO PERCEBERAM QUE ERA IMPORTANTE SER INOVADOR E LÍDER NAS TECNOLOGIAS» A PWC PORTUGAL APRESENTOU, NO INÍCIO DE 2018, A 8.ª EDIÇÃO DO “LEME”, O SEU BARÓMETRO DA ECONOMIA DO MAR. MIGUEL MARQUES, PARTNER DA PWC, ACEITOU O DESAFIO DA REVISTA CARGO PARA UMA ENTREVISTA EM EXCLUSIVO, NA QUAL FAZ UM PONTO DE SITUAÇÃO DA EVOLUÇÃO DO MAR EM PORTUGAL E, EM PARTICULAR, DO SECTOR DOS PORTOS, TRANSPORTE MARÍTIMO E CONSTRUÇÃO NAVAL. E FALOU-NOS AINDA DA REVOLUÇÃO DIGITAL NO MAR. A NÃO PERDER!

Que principais conclusões extrai o estudo LEME sobre a evolução da Economia do Mar em Portugal?

E as entidades ligadas à Economia do Mar sentem que essa evolução que fala está a acontecer?

MIGUEL MARQUES: A primeira grande conclusão que o LEME tira do estado da Economia do Mar em Portugal é que esta tem demonstrado grande resiliência. O país sofreu uma grave crise financeira na última década, mas a Economia do Mar, como um todo, tem conseguido resistir à adversidade. Nós temos 42 variáveis medidas desde 2008 e, nos momentos de crise mais aguda, metade dessas variáveis subiram. Isso não aconteceu noutros sectores. O INE também realizou alguns estudos, como a Conta Satélite, nos quais se consegue perceber a resiliência da economia do mar em Portugal.

Nas diversas indústrias que compõem a Economia do Mar há a clara sensação de que se pode fazer muito mais. Quando apresentámos o LEME em Lisboa, fizemos essa questão e mais de 90% dos inquiridos respondeu que o país aproveita de forma insuficiente o mar. Logo, os próprios líderes do mar acham que se pode fazer melhor.

Agora que a economia nacional tem crescido, essas mesmas variáveis encontram-se com uma percentagem de crescimento bem acima dos 50%. O LEME anterior apresenta 83% das variáveis a crescer, em 2015, o LEME actual revela que 60% das variáveis analisadas cresceram. Ou seja, a Economia do Mar é resiliente e, embora no sector se diga que há muito a fazer pelo mar - o que é verdade! -, isso não significa que o mar seja pouco relevante em termos de economia. O mar é relevante! O INE quantificou em 3,1% a importância da Economia do Mar no panorama nacional, 3,1% do PIB nacional. Numa primeira nota, as entidades entenderam que era pouco. Só que no mesmo estudo do INE, a Conta Satélite, é revelada uma comparação de sectores que informa que são muito poucos os sectores que têm um contributo para o PIB nacional superior ao contributo da economia do mar. 12

Isso demonstra que as pessoas estão atentas ao potencial do mar em Portugal?

Sim, e que acreditam que é uma via. Acho que seria mau se estivéssemos satisfeitos com 3,1% ou se estivéssemos convencidos que isso é o máximo que se pode atingir. Na última década ficou demonstrado que o mar é resiliente e nos últimos anos temos crescido. Mas, mesmo assim, os líderes acham que se pode fazer melhor! Parece-me que isto é prova suficiente de que temos uma grande oportunidade no mar. Agora, se me perguntar se será fácil aproveitar essa oportunidade, eu respondo que não. E que grandes dificuldades são essas?

Primeiro, porque o mar é um ambiente estranho para qualquer ser terrestre. Muitas vezes ouvimos dizer em Portugal que é um país de costas voltadas para o mar. Mas, nas viagens que tenho feito, vejo muitos da mesma opinião. O Brasil acha que o país está de costas para o mar, a Turquia também... Faz parte do ser humano considerar o ambiente aquático estranho. Só com educação e treino de ambiente e cultura marítima é www.revistacargo.pt

que conseguiremos aproveitar o mar. E aí há muito por fazer... Dos estudos que temos feito, tem ficado evidente a necessidade de uma aclimatização ao mar. Todas as nações que tenham comunidades costeiras robustas estão melhor preparadas para ter sucesso no mar. As sociedades que não tiverem essas comunidades terão maior dificuldade em encontrar as pessoas que de facto aproveitarão e trarão valor à Economia do Mar. Para se fazer crescer a Economia do Mar é preciso gente que seja capaz de estar no mar. Focando agora nos Portos e Transporte Marítimo, qual foi a evolução desta área nestes últimos tempos?

Esse é um sub-sector e uma fileira muito relevante da economia nacional. Para se transportar são necessários navios, ou seja, é necessária Construção Naval. São necessários transportadores, o Shipping. É necessária carga. São necessários Portos. No que diz respeito ao Shipping nacional, é comum ouvir-se dizer que nós somos muito pequenos. Há um trabalho imenso a fazer em relação ao shipping. Mas também é bom recordar que, a nível global, o shipping é tomado por poucos players. Não tenhamos ilusões. O shipping nacional será aquilo que nós quisermos, mas também aquilo que nos deixarem ser. Mas não considero que esteja esgotado o potencial do shipping nacional, podemos ser muito mais do que somos hoje. Um dos primeiros pontos a trabalhar será perceber o que é o shipping nacional, o que é o shipping mundial e o que é que


significa o shipping. Será que shipping é ter propriedade de navios? Ou ter tripulações que naveguem os navios? Acho que é necessária uma reflexão sobre o que é que é ter shipping. Vejo países que se focaram em ter tripulações, outros na propriedade de navios e há ainda países que se focaram em ter o controlo de navios. Temos de perceber o que queremos ser. Já em termos de Construção Naval, passou por um período bastante instável onde foi muito afectada pela crise. Mas é um sector que tem vindo a crescer nos últimos dois anos. Tem carteira de encomendas e isso merece destaque porque, actualmente, a construção naval está muito concentrada na Ásia. Portugal está a conseguir construir tendo o mercado asiático como concorrente. Isso só acontece porque os operadores portugueses estão a fazer um esforço enorme, até porque são pouco apoiados... Em relação aos Portos, na última década tem sido um dos sectores que mais cresce. E cresce consistentemente, o que é importante referir! Isso resulta de uma estratégia sólida e de um conjunto de actores que se tem mantido relativamente estável, o que tem dado a possibilidade de pensar, decidir e executar. A nossa geografia também é muito propícia para o Shipping, para a Construção Naval e para os Portos. Mas, de entre os três, quem tem conseguido aproveitar melhor esse facto é o sistema portuário. Estava a dizer que no Shipping devemos perceber que Shipping se quer para Portugal. Que Shipping deveria ser aposta na sua opinião?

Penso que o que podemos fazer no Shipping será um pouco semelhante aquilo que podemos fazer na Economia do Mar. Ou seja, ter um pouco de tudo. Nós dificilmente seremos os líderes da mão de obra do Shipping, por uma razão simples: não temos muitos habitantes. Mas se calhar valia a pena apostar em ter as melhores tripulações e ter pessoas, a trabalhar em companhias internacionais, em cargos de direcção. É comum ouvir-se dizer que é fundamental dar experiência a quem sai das escolas. E isso é muito importante, dar oportunidades de experiência prática. Contudo, não se pode esquecer o que referi anteriormente: temos que ter gente de comunidades marítimas! Porque quem sai das escolas tem que ter capacidade para aguentar estar meses no mar... Se não estiver preparado, se não vier de uma comunidade marítima, será muito difícil. Em relação à propriedade de navios, penso que também há espaço para

Portugal. Não seremos um player com muitos navios à escala global, mas se olharmos para a exposição do nosso território emerso em relação ao mar, faz falta mais propriedade de navios até por uma questão de gestão de crise. Se necessitarmos de abastecimento não possuímos muitos navios aos quais possamos dar a instrução de estarem ao serviço da Nação. Faz falta um número mínimo de navios, quer em propriedade quer em registo nacional. E penso que existe consenso dos players, mesmo naqueles que não têm os navios no registo nacional. Acredito que se nos sentarmos todos à mesa, vamos encontrar uma solução. A tonnage tax que está prometida pode ser parte dessa solução?

É uma iniciativa importante e positiva. No entanto, uma só solução pode não resolver a questão. É uma iniciativa louvável e que encaixa numa série de iniciativas que procuram que a nossa indústria de Shipping não fique fora do mercado. Se todos os mercados desenvolvidos têm isso, nós já devíamos ter há mais tempo. É uma iniciativa que nos alinha com os outros. Agora serão necessárias mais medidas para ficarmos mais atrativos que os nossos concorrentes. Há pouco falava nos cargos de direção, esse ponto é importante. Se o Shipping está focado em grandes empresas internacionais, é importante perceber o posicionamento de portugueses nessas empresas. Nós sempre fomos bons a trabalhar com outras culturas. Devemos ter portugueses a trabalhar nessas empresas, a dar valor a essas empresas e a ganhar know-how e experiência dentro das empresas. Em suma, devemos estar em todos os tabuleiros, sabendo que em nenhum deles vamos ser dominantes. Teremos, pelo menos, que cumprir os mínimos importantes para a salvaguarda dos interesses do país e, acima de tudo, estar na vanguarda da mudança do Shipping e ser influente nela. Por isso, saúdo também a evolução do Registo Internacional de Navios da Madeira, que nos pode dar algum soft-power se nos permitir vir a ter assento na IMO ou noutras entidades de relevo no Shipping. Ou seja, estar no Shipping é também ter representantes na liderança das entidades de topo. É possível pensar em Portugal como um potencial player importante no Shipping mundial?

Neste momento, ainda não nos estamos a aproximar dos melhores. Não o somos ainda e temos poucos factores de atracção para além da geografia. O Shipping é um sector muito importante para o mundo e está muito relacionado com o poder económico e geopolítico. www.revistacargo.pt

Portanto, se queremos ser grandes no Shipping ou se queremos desempenhar uma função de relevo no Shipping teremos de focar nestes pontos. E, nisso, Portugal tem uma diplomacia muito forte, temos representações diplomáticas em todo o mundo. Se mostrarmos às entidades internacionais que é bom estarem localizadas cá porque teremos uma fiscalidade atractiva, porque temos uma segurança de contratos efectiva ou porque teremos contratos sofisticados aceites em todo o mundo e teremos arbitragens dinâmicas, então temos argumentos para que possamos ter um cluster de serviços de Shipping em Portugal. Mas não tenhamos ilusões, não se consegue destronar da noite para o dia grandes centros como Londres e Hamburgo. Poderemos começar devagar e perceber onde podemos servir Londres e Hamburgo. Até porque esses grandes polos precisam de mão-de-obra de serviços. Cada vez mais a mão-deobra é mais cara e talvez não seja mau ter centros de serviços partilhados em Portugal. O Registo Internacional de Navios da Madeira pode ser um primeiro passo nesse sentido?

O Registo Internacional de Navios da Madeira é um tema que não é unânime. Há pessoas que acham que não faz sentido e há quem ache que faz. Nós temos uma abordagem pragmática da questão. A verdade é que ele existe e está a crescer. Dito isto, em que é que o país pode beneficiar? Se for aquilo que é actualmente, beneficia o que beneficia... Mas se pudermos fazer mais alguma coisa, ganhamos todos com isso. Considera que beneficia pouco o país?

Para além do que de bom já se conseguiu, a nível de colecta de impostos, de desenvolvimento de serviços ou de retorno, falta agora o passo seguinte. Tentar aproveitar o soft-power que é ter muitos navios no registo internacional para ter mais influência no shipping internacional e aproveitar externalidades positivas. Chegados a este ponto, seria um desperdício não aproveitar para algo mais. Aproveitar para embarcar praticantes nesses navios, por exemplo? Sem dúvida. Dar oportunidade de ganhar experiência é fundamental. Mas temos também outra situação, que é a relação deste registo com o Security. Com este Registo, temos “partes do nosso território” a flutuar por todo o mundo. Mas temos também que garantir a salvaguarda da vida humana e a segurança das pessoas. Como é que isso se interliga com as funções essenciais do Estado? Sei que a Marinha tem investido nisso, tem células a trabalhar nessa questão, já estamos a ter aí mais um ganho, mais uma experiência. Com isto, estamos a 13


preparar ou a tentar capacitar a nossa Marinha para um desafio mais exigente. Mas também temos que a apoiar e dotála de meios. Ou seja, o facto do Registo estar a evoluir também está a provocar mudança e desenvolvimento. O LEME deste ano tem o foco na Revolução Digital. Porque foi escolhida esta temática?

A Economia do Mar também evolui e é uma resposta às megatendências do mundo. Temos megatendências relacionadas com o crescimento demográfico, envelhecimento da população... E também a da disrupção tecnológica, dentro da qual temos a economia digital ou revolução digital. Já vamos com oito edições do LEME e este era o ano do digital. Decidimos dedicálo a este tema para tentar perceber se isto será apenas uma moda, algo sem substância, ou não. E tentámos saber o que os líderes da Economia do Mar pensam. A resposta foi inequívoca, isto não é uma moda, tem substância e existem coisas a acontecer. Percebendo isso, há que saber que rumo se está a seguir e como é que podemos beneficiar disto. Para além de identificar os riscos que estão associados. O Desenvolvimento Digital é um meio e não um fim em si mesmo. Nos inquéritos que fizemos, percebemos que há alguma confusão neste tema. Algumas entidades estão a colocar a Revolução Digital como um fim em si mesmo, o que é um grande risco. A Revolução Digital não vai resolver nada, nem vai trazer problemas adicionais. Somos nós que resolvemos e nós que provocamos problemas, a Revolução Digital é apenas um meio. O que é comum na Revolução Digital é a velocidade da mudança. Não estamos a perceber se é uma grande mudança tecnológica ou se uma pequena mudança tecnológica que provocou uma grande mudança de processos. As evidências indicam que grande parte das alterações que a Revolução Digital traz são de processos, permitindo-nos fazer determinada operação de uma outra forma. Portanto, temos de ter algum cuidado ao usar a tecnologia. Ela

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é importante, mas tão importante quanto isso é o factor humano que, infelizmente, não está a ser valorizado. Muitas vezes ouvimos falar em substituir recursos porque estes já não dão resposta ao que há para fazer agora. Mas, afinal, qual é o propósito do desenvolvimento económico? É que todos os cidadãos evoluam ou que façamos as coisas mais rápido e só 5% das pessoas evoluem? Deixo a pergunta no ar... Queremos uma Revolução Digital que faça as coisas o mais rápido possível e que deixe para trás a maioria da sociedade, ou queremos uma Revolução Digital que ajude a população a evoluir? Por outro lado, é necessário algum contraditório sobre este tema. Ou seja, a Revolução Digital é importante e é inevitável, mas a forma que terá, depende de nós, as pessoas é que formatarão muito do que será o digital, através de escolhas activas ou por inacção. Mas, infelizmente, de forma geral, parece-me que existe mais reação do que proactividade. Falando em contraditório, todos nós nos lembramos de há décadas atrás ter havido grande contestação em relação ao tema das alterações da genética. Aí houve um grande contraditório, houve bastante debate que moldou a revolução genética. Na revolução digital vejo pouco debate e pouco contraditório. A tecnologia e a evolução já permitem quase tudo. Diria que a pergunta neste momento é até onde queremos ir ou até onde poderemos ir?

Talvez a melhor pergunta seja, “Para onde queremos ir?”. Como referi, somos nós, seres humanos, que fazemos as escolhas. O digital é um meio e não um fim em si mesmo. Falta escolhermos para onde queremos ir. A Revolução Digital pode ser uma área onde Portugal pode assumir o comando ou estar na linha da frente para ganhar força no sector dos Portos e Transporte Marítimo?

As equipas de gestão dos Portos cedo perceberam que era importante ser inovador e liderar nas tecnologias

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associadas à redução de tempo em porto e à desburocratização. Por isso, existe caminho feito, aqui estamos no pelotão da frente. Mas não será fácil manter essa posição porque existem outros países que têm trabalhado muito na redução da burocracia e até dos impostos. Basta olhar para o Médio Oriente e para alguns portos que eram "becos sem saída" mas que estão a crescer e a evoluir imenso com a Revolução Digital. Temos grandes operadores a utilizar esses portos, que hoje são quase livres de impostos e com grande tecnologia associada, conseguindo inverter a tendência natural das coisas. Hoje, existem grandes navios a percorrer muitas milhas para chegarem a esses "becos sem saída" só para aproveitar a tecnologia e as vantagens fiscais. Dito isto, Portugal tem feito muito nesta área, está no pelotão da frente, mas terá de continuar a progredir. Caso contrário, outras geografias com outras medidas podem ultrapassar-nos. Falou também dos riscos associados a esta Revolução Digital. Os acontecimentos de 2017, nomeadamente os ataques de que foi vítima a Maersk, mostram que a segurança não está a evoluir à mesma rapidez da evolução tecnológica?

Estamos todos com pressa. Depois, quando acontece algum desastre é que percebemos que não investimos tempo suficiente para nos protegermos. Está muita gente a fazer a transformação digital das suas entidades e a deixar a porta escancarada para os piratas informáticos. Se calhar Portugal também tem aqui uma grande oportunidade. Porque não potenciar o país como o mais desenvolvido em matéria de cibersegurança? Isso sim, seria revolucionário! No mundo, não vejo muitos países preocupados com a cibersegurança. Poderá estar aí uma grande oportunidade para Portugal tentar ser grande nalguma coisa. Podíamos liderar nesta área com os softwares e os processos mais robustos em relação a ciberataques.


“HABEMUS” JUL: MINISTRA LANÇOU JANELA ÚNICA LOGÍSTICA EM SINES E ANTECIPOU BENEFÍCIOS DIRECTOS DE 50 MILHÕES

Habemus JUL! Ou seja, já está em andamento a criação da Janela Única Logística (JUL). No início de Março, a Ministra do Mar presidiu, no Porto de Sines, à cerimónia de lançamento da ferramenta que vem alargar as funcionalidades e virtudes digitais da Janela Única Portuária (JUP). O evento contou com uma grande representatividade do Governo, demonstrando também a abrangência do projecto da JUL. Para além da Ministra do Mar – devidamente acompanhada pelo Director Geral da DGRM, José Simão, que lidera este projecto -, estiveram também presentes o Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e o Ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, aos quais se juntaram o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Mendonça Mendes, o Secretário de Estado da Defesa, Marcos Perestrello, e Guilherme d’Oliveira Martins, Secretário de Estado das Infraestruturas Ministra estima «benefícios directos» de 50 milhões nos primeiros três anos Na sua intervenção, Ana Paula Vitorino referiu que foram já feitos estudos relativamente aos benefícios da Janela Única Logística para o sector, adiantando que se estimam «50 milhões de euros de benefícios directos» durante o primeiro triénio de operação da JUL. Porém, recorda que o mesmo estudo foi feito «há 12 anos» relativamente à JUP, onde se estimavam «benefícios directos de 14 milhões no primeiro triénio» mas que os números acabaram por ir «muito mais além». «Espero daqui a uns anos estar aqui alguém a dizer que também ultrapassámos os 50 milhões de benefícios directos no primeiro triénio e que o benefício foi muito maior nos anos seguintes», salientou a Ministra. Mas os benefícios não se ficam por aqui. «Menos tempos de espera, menos tempos de burocracia, menos papelada, ou seja, é o exemplo puro daquilo que é diminuição de custo por aumento da eficiência»,

enumerou também Ana Paula Vitorino. Ainda a este respeito, a Ministra salientou também que não são muitos os projectos em que se tem um investimento de 5,1 milhões e se estimam benefícios directos de 50 milhões apenas nos primeiros três anos de operação. Por outro lado, recorda que no investimento de 5,1 milhões de euros, 85% é financiado «a fundo perdido pelo Compete 2020, portanto o Estado paga menos de um milhão de euros». Ana Paula Vitorino recordou longo caminho de digitalização de processos A Ministra do Mar não deixou de recordar o longo caminho de digitalização e agilização da comunicação que se veio assistindo no sector, em particular o trabalho feito no desenvolvimento da Janela Única Portuária (JUP) – ferramenta para o âmbito portuário que acaba por anteceder a JUL, a qual abrange já também o hinterland ferroviário e rodoviário. Ana Paula Vitorino recorda que o processo começou há vários anos, contando com o trabalho proactivo e de colaboração entre Portos, Capitanias, Autoridade Tributária, Autoridade Sanitária ou Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF), um «núcleo essencial que fez um trabalho notável, com pessoas notáveis». A esse núcleo juntam-se agora ainda mais entidades, públicas e privadas, no alargamento dos processos de digitalização ao hinterland. JUL dá passo decisivo no sentido dos Portos 4.0 Lembrando que Portugal esteve na vanguarda europeia e mundial com a introdução e o sucesso da JUP, Ana Paula Vitorino salientou os trabalhos desenvolvidos agora no âmbito da JUL, mas também com a Factura Única Portuária (FUP), vincando que «estas duas iniciativas fazem com que os portos portugueses entrem no melhor que há da economia digital». «Os Portos 4.0 são os portos digitais que agora estamos a fazer», acrescentou. www.revistacargo.pt

Indra lidera grupo de empresas que ganhou concurso para implementação da JUL Depois de ter implementado, com grande sucesso, a Janela Única Portuária (JUP) nos portos nacionais, a Indra lidera agora o grupo de seis empresas que tem a tarefa de desenvolver e implementar a Janela Única Logística (JUL). À empresa liderada por Hélder Alves juntam-se a MITMYNID (mais em voga nos últimos tempos pelo lançamento da plataforma BIZCARGO), a MARLO (conhecida pelo desenvolvimento de projectos como o Mix Move Match), a EGAPI, a Experience e a Sociedade de Advogados Andrade Dias & Associados. Várias entidades já confirmaram adesão à Janela Única Logística A cerimónia contou ainda com um momento formal em que várias entidades assinaram, com o Director Geral da DGRM, o documento que formaliza a sua adesão à JUL, entre operadores privados, associações e até entidades de ensino, a saber: Medway, Takargo, Infraestruturas de Portugal, ALB – Área Logística da Bobadela, TVT – Terminal Vale do Tejo, SPC – Serviço Português de Contentores, Aicep Global Parques, Plataforma Logística do Sudoeste Europeu (PLSWE), Zaldesa, Luís Simões, Transportes Três Mosqueteiros, AGEPOR, APAT, APOL, ANTRAM, Ordem dos Despachantes Oficiais, Instituto Politécnico de Setúbal e ENIDH – Escola Superior Náutica Infante D. Henrique. Na sua intervenção, Ana Paula Vitorino mostrou-se satisfeita com a iniciativa destas entidades. Agora, o conjunto de empresas escolhido para desenvolver a Janela Única Logística terá dois anos para ter a ferramenta totalmente operacional nos principais portos do continente - chegando mais tarde aos portos mais pequenos e aos portos da Madeira e dos Açores. Contudo, até ao final deste ano terá de estar operacional em Sines e Leixões o primeiro piloto do projecto! 15


PORTOS NACIONAIS COM NOVO ANO RECORDE 95,9 MILHÕES DE TONELADAS E QUASE 3 MILHÕES DE TEU

Os portos continentais portugueses terminaram o ano de 2017 com uma movimentação de 95,9 milhões de toneladas de carga, um registo que marca um novo máximo histórico nacional. De acordo com os dados da AMT, «o ano de 2017 fica também marcado como o ano em que Leixões e Aveiro ultrapassaram os seus máximos anteriores» e no qual Lisboa «atingiu o valor mais elevado dos últimos seis anos». Como seria de esperar, Sines manteve a liderança indisputada do sistema portuário, com 52% do valor global.

Volume de carga histórico com Leixões e Aveiro a quebrarem seus máximos de 2015 O balanço de 2017 dá conta, como explica a AMT, do volume de carga «mais elevado de sempre no sistema portuário do Continente, tendo sido atingidos 95,9 milhões de toneladas», um registo máximo que supera, em 2,2%, o resultado final obtido em 2016. Com resultados históricos, os portos de Leixões e Aveiro quebraram os respectivos recordes anteriores (ambos obtidos em 2015) e gozaram de acréscimos de 3,8% e 10,7%, respectivamente. O melhor Porto de Lisboa dos últimos 6 anos deu «o maior impulso» ao resultado de 2017 Fulcral no resultado de 2017 foi o desempenho do renovado e energizante Porto de Lisboa, que emerge de um período de estagnação para se tornar essencial na performance nacional do sistema portuário – «o maior impulso é proporcionado pelo Porto de Lisboa, que, face a 2016, observa um crescimento de 19,2% (quase mais 2 milhões de toneladas), elevando para cerca de 12,2 milhões de toneladas o seu volume de carga movimentada», informou a AMT. O valor atingido pelo Porto de Lisboa «constitui o valor mais elevado dos últimos seis anos e representa um aumento de 1,8% na sua quota», que sobe para os 12,7%, acrescentou a AMT no documento que relata o desempenho portuário nacional entre Janeiro e Dezembro do ano transacto. Não só Lisboa fez a diferença: também o Porto de Leixões teve «impacto positivo» no balanço de 2017: «com um acréscimo de movimento de cerca de +1,2% milhões de toneladas, passa a representar 20,3% da quota do mercado»; Aveiro mereceu igualmente nota de destaque, denotando «um significativo crescimento de +13,5%, elevando a sua quota para 5,4%». Quebra de Sines em 2017 não espelha «inflexão da trajectória de crescimento», lembrou a AMT Quanto ao crónico líder nacional, o Porto de Sines, este «registou em 2017 uma quebra de -2,5%», uma tendência que, justificou a AMT, «reflecte tão somente a incapacidade de Sines anular o efeito travão associado ao transbordo circunstancial de 3,4 milhões de toneladas de Petróleo Bruto que teve que efectuar (extraordinariamente) em 2016 para possibilitar o 16

abastecimento da refinaria de Matosinhos». Com uma quota nacional de movimentação de carga que chega aos 52%, o desempenho do porto alentejano não espelha «qualquer inflexão da sua trajectória de crescimento», lembrou a AMT, já que o volume de carga processada durante o ano passado é superior em 4,4% «ao valor de 2016 do movimento extraordinário referido». Acrescentou ainda a AMT que o restante panorama portuário contou com a recuperação de Viana do Castelo (com +5,1%) e com os decréscimos do Porto da Figueira da Foz (-0,2%), de Setúbal (-5,6%) e de Faro (-47%). Quase 3 milhões de TEU: portos nacionais conseguiram melhor ano de sempre nos contentores O ano de 2017, além de histórico para o contexto marítimoportuário nacional, fica também marcado pelo registo no mercado nacional de contentores, revelou a AMT no relatório que analisa o desempenho dos portos lusos durante o ano passado. Assim, a carga contentorizada seguiu as pisadas da performance global, apresentando «igualmente o valor mais elevado de sempre». Sines roçou 1,7 milhões de TEU, a melhor marca de sempre O relatório da AMT dá assim conta de «um volume de cerca de 3 milhões de TEU, superior em +8,4% ao registado em 2016», um crescimento constatado, principalmente, nos Portos de Sines e Lisboa, «que apresentam um aumento respectivo de 10,3% e 26,6%, e com acréscimos de 150 e 100 mil TEU». Desta feita, Sines fechou 2017 com a obtenção da «melhor marca de sempre», perto dos 1,7 milhões de TEU. O término de 2017 viu o Porto de Sines apresentar uma quota (referente ao movimento de contentores) nacional de 56,1%, mais um ponto percentual face ao ano anterior, revelou a AMT. O Porto de Leixões viu a sua quota decrescer em -2,7% até aos 21,3%, ao passo que o Porto de Lisboa experimentou uma subida de 2,4%, rumo aos 16,7%. Quanto ao Porto de Setúbal, este registou um abrandamento de -0,6% para uma quota de 5,1%; o Porto da Figueira da Foz baixou para os 0,8%. Desempenho dos contentores intensamente influenciado pelo “transhipment” de Sines O desempenho do segmento dos contentores nos portos comerciais do Continente foi intensamente afectado pelo tráfego de transhipment ocorrido no Porto de Sines, recorda a AMT – em 2017, esta tipologia de tráfego «representou 44,5% do volume global de TEU movimentado, e cerca de 79,4% do movimento efectuado no próprio porto». O volume de TEU movimentado nas operações de transbordo em Sines significou cerca de 94,7% do efectuado neste tipo de operações em todo o sistema portuário continental.

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SINES: O 5.º EUROPEU QUE MAIS CRESCEU EM 2017 E SEM RIVAL NA ÚLTIMA DÉCADA No ano 2017, o Porto de Sines manteve a posição número 15 do ranking dos maiores portos europeus no que diz respeito à movimentação de contentores. Com um crescimento de 10,3% neste segmento, o porto português aproximou-se um pouco mais de Southampton, porto que manteve a mesma movimentação do ano anterior. A análise é do especialista Theo Notteboom. Os números compilados por Theo Notteboom deixam ainda claro que o top3 europeu na movimentação de contentores permanece intocável – Roterdão (13,735 milhões de TEU em 2017), Antuérpia (10,451 milhões de TEU) e Hamburgo (8,820 milhões de TEU) mantêm os seus lugares no pódio, bem distantes de todos os outros. De resto, Roterdão reforçou de forma clara a sua liderança, com um aumento de 10,9% na sua movimentação face a 2016 – sendo o quarto porto que mais cresceu no top-15 europeu. No total, os números mostram que, em 2017, os 15 maiores portos europeus de contentores acumularam um crescimento de 4,2% face a 2016 – uma evolução bem mais animadora do que o ligeiro aumento de 2,1% do ano anterior. A crescer a dois dígitos estiveram apenas cinco portos nesta lista, entre os quais o Porto de Sines. O Porto de Barcelona foi, a grande distância, aquele que mais cresceu entre os maiores europeus, com um aumento de 32,7% face a 2016! Com 14,8%, o Porto de Génova foi o segundo europeu que mais cresceu, seguido de perto pelo Porto de Le Havre (14,5%). Roterdão e

Sines, com os crescimentos já referidos, fecham esta lista dos cinco que mais cresceram. Em quebra aparecem apenas quatro portos: Gioia Tauro (-12,4% face a 2016), Algeciras (-8%), Felixstowe (-5,1%) e Hamburgo (-1%). Porto de Sines “pulveriza” rivais na última década A análise de Theo Notteboom é feita também com um horizonte temporal mais amplo, comparando a evolução registada pelos 15 maiores portos europeus nos contentores entre o ano 2007 (pré-crise) e 2017. Ora, nessa análise o Porto de Sines não encontra rival. Entre 2007 e 2017 o porto português aumentou a sua movimentação de contentores em mais de 1000% (!), sendo o grande exemplo de porto europeu emergente na última década. O que mais se aproxima desse crescimento é o Porto do Pireu, na Grécia, que cresceu 195% face a 2007. Todos os outros já tinham grandes movimentações de contentores há 10 anos atrás. Top-15 sem grandes alterações em 2017 A análise deixa ainda claro que foram poucas as alterações significativas neste top-15 europeu. O destaque terá de ser dado ao Porto de Barcelona, que é já o 10.º maior da Europa, saltando da 13.ª posição que ocupava em 2016. O Porto de Sines chegou a esta lista apenas em 2016 mas parece que veio para ficar.

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OPINIÃO A INDÚSTRIA NÁUTICA DE RECREIO EM PORTUGAL José Augusto Felício

Resumo A indústria náutica de recreio, no caso da Europa, tem grande importância económica e social por se tratar de produtos associados à indústria do turismo. Hoje em dia, as embarcações de náutica de recreio dispõem de grande inovação tecnológica, nomeadamente no campo da motorização e do modelo e design. A França é o grande fabricante deste tipo de embarcações. Em Portugal é um sector em franco desenvolvimento, mas ainda muito imberbe por razões estruturais da actividade e pela necessidade de apostar em mercados internacionais, o que obriga a olhar para esta actividade industrial com ambição. Esta abordagem pretende reflectir sobre alguns aspectos desta actividade industrial. 1.Enquadramento A costa portuguesa com a extensão de cerca de 2830 Km, mais 620 quilómetros quadrados de bacias interiores, possui belíssimas condições para a prática de atividades náuticas. A realização de alguns grandes eventos internacionais, por exemplo, a Volvo Ocean Race, entre outras, confirma essas condições para a prática náutica e do turismo náutico. Considera-se a oferta nacional nas áreas da náutica de recreio ainda numa fase imberbe e de menor maturidade empresarial. Porém, na indústria do turismo, a maior indústria do mundo (11% GDP Mundial), o turismo náutico no qual se inclui a náutica de recreio é o que apresenta maiores taxas de crescimento. Em Portugal, o turismo náutico representa cerca de 1,2% da indústria. A náutica de recreio é uma importante forma de afirmação da imagem diferenciada do país e reforça fortemente a marca «Made In Portugal». Apresenta elevada importância para o desenvolvimento económico e para o desenvolvimento de uma forte cultura marítima. Observa-se a náutica de recreio na perspectiva das actividades de serviços de turismo náutico ou de construção e reparação das embarcações. Neste campo, a aposta permite encarar a possibilidade de potenciar e desenvolver capacidades na criação de design e investigação associada ao produto, possibilitando, nomeadamente, a reconversão de estaleiros de menor dimensão, tradicionais e outros, desenvolvendo as actividades de reparação e/ou construção de embarcações de recreio. Estas aptidões podem servir para orientar a actividade

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José Augusto Felício é Doutorado em Gestão no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Na mesma instituição, é hoje professor e Presidente do Centro de Estudos de Gestão. É ainda investigador nas áreas de gestão empresarial e gestão portuária e tem várias obras e textos publicados nesses âmbitos.

para os mercados europeus da náutica, por exemplo, Espanha, Reino Unido, França, Holanda, Bélgica e países nórdicos. Para isso, é relevante, por exemplo, apoiar a criação de novas ou impulsionar as empresas existentes de construção e reparação náutica, conceder condições que facilitem as actividades de pequenas e médias empresas comerciais para o turismo especializado e serviços, nomeadamente no seu processo de acesso aos mercados internacionais. Tenha-se presente que a construção naval é uma atividade industrial tipo, enquanto que a reparação naval tem a vertente de serviços e conversão. Ambas as indústrias abrangem os sectores da marinha mercante, da pesca e de recreio. ‘Estima-se que 2,3% das viagens realizadas por escandinavos têm uma motivação náutica. Os 5 principais mercados emissores europeus de turismo náutico são a Alemanha (24%), a Escandinávia (15%), o Reino Unido (9%), a Holanda (7%) e a França (6%)’ (AEP, 2015). Em 2014, estavam registadas em Portugal 30 marinas, 15 portos de recreio e 6 docas de recreio, que, no conjunto, somavam 13.785 postos de amarração, estando mais de 50% localizadas em Lisboa e Algarve e o restante espalhadas pelo continente e Ilhas. De notar que as embarcações de recreio vão desde os 2,5 aos 24 metros de comprimento, compreendendo, nomeadamente, a) as embarcações para navegação oceânica, b) a navegação ao largo até 200 milhas de um porto de abrigo, c) a navegação costeira até 60 milhas de um porto de abrigo e 25 milhas da costa, d) a navegação costeira restrita até distância não superior a 20 milhas de um porto de abrigo e 6 milhas da costa (cerca de 6.343 embarcações) e e) a navegação em águas abrigadas (cerca de 76.152 embarcações) (DGAM, 2015). Em 2018, em Portugal, estão registadas 80.121 embarcações de recreio e 3.525 embarcações diversas, excluindo os navios de pesca e os navios sujeitos a convenções internacionais (DGRM, 2018).

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Marina refere-se ao “conjunto de infraestruturas exclusivamente dedicadas à náutica de recreio e desporto, enquadrado por complexo hoteleiro e residencial, integrado em plano de água abrigado e dispondo dos apoios necessários às embarcações e tripulações” (Esaguy, 2001). Doca de recreio refere-se à infraestrutura em rampa, que permite o acesso das embarcações ao plano de água ou, dito de outra forma, consiste numa simples área no interior dum porto, com condições no plano de água e serviços médios de apoio em terra. Porto de recreio refere-se ao conjunto de infraestruturas marítimas, fluviais e terrestres, num plano de água abrigado, destinado à náutica de recreio e dispondo dos apoios necessários às tripulações e embarcações. “Os portos (…) de náutica de recreio (…) têm não só de organizar uma oferta de serviços de qualidade e ajustada às necessidades, como também melhorar as condições físicas da sua atividade, o que nalguns casos implica reformular e noutros fortalecer a sua infraestrutura logística” (DL n.º 16/2014, de 3 de Fevereiro). A distinção entre marina e porto de recreio, no essencial, deve-se à existência ou não de um complexo hoteleiro ou residencial. Segundo Teixeira (2001), a capacidade de uma marina determina-se com base na área líquida do plano de água, dependendo da distribuição do número total de embarcações por classes, ou seja, n.º postos de amarração X 80 a 100m2 = Área do plano de água. A área do plano de água engloba postos de amarração, fairways, canais de entrada e de acesso. Para harmonizar a linguagem técnica foi estabelecida uma classificação universal para aferir as infraestruturas de recreio com base na classificação de embarcações de acordo com a sua dimensão (Quadro 1). Quadro 1 - Classificação de embarcações Classe

Comprimento (m)

I

0-6

II

6-8

III

8-10

IV

10-12

V

12-15

VI

15-18

VII

18-25

VIII

25-35

IX

35 ou mais

Fonte: Costa (2012:6)

2.Desenvolvimento da náutica de recreio As infraestruturas náuticas como marinas e portos de recreio são a base para as actividades marítimo-turísticas e de pesca desportiva, entre outras, centradas em embarcações à vela e embarcações a motor. Este trabalho orienta-se, em especial, para a indústria de construção e manutenção de embarcações no aproveitamento de recursos e desenvolvimento de tecnologias e competências no sector da náutica de recreio. Estima-se que a actividade da náutica de recreio na Europa cresça a uma taxa de 8 a 10% ao ano. No Portugal Náutico (AEP, 2015) refere-se que a ‘Europa possui mais de 5.000 marinas, com mais de 500.000 pontos de amarração (ADAC: “Marinaführer, Deutschland, Europe”, 2010). Este mercado, que agrega desde os portos de atracagem até às instalações de apoio, pode representar, na Europa, cerca de 60 biliões de euros (Lukovic, T. & Grzetic, Z., 2007)’. Seguindo esta publicação, centrando a informação na Alemanha, desde os anos 70 e 80 até hoje que se verifica expansão significativa e o envolvimento de mais de 1,8 milhões de pessoas activas e utilizadoras regulares de embarcações de recreio, onde mais de 8 milhões de pessoas têm interesse nos desportos ligados a embarcações de recreio, a motor (50%) e outros (ADAC, 2008). Na Alemanha os desportos náuticos e a indústria do turismo náutico têm recebido apoio acentuado por parte das autoridades, visando induzir o aumento na procura de barcos e um crescimento de vendas na indústria naval. Cerca de 43% dos alemães, do total ligados a actividades náuticas, declaram navegar com barco de recreio a motor. É interessante conhecer como se repartem os grupos etários nas actividades náuticas recorrendo à utilização de barco a motor e à pesca desportiva, respectivamente, jovens entre 15-29 anos (31%, 34%), maduros entre 30-49 anos (42%, 47%) e seniores entre 50-70 anos (28%, 20%). Constata-se que o maior número de proprietários de barcos situa-se na faixa entre 60-64 anos, mas que 50% destes adquiriram a primeira embarcação na faixa dos 30 anos. Em 2010, os alemães possuíam 190 mil barcos a motor, 160 mil barcos tipo iate a motor ou à vela. mais de 115 mil lanchas a motor e 35 mil barcos à vela. Os barcos à vela representam 39% do total de barcos, destes 90 mil têm menos de 7,5 metros de comprimento e 105 mil com mais de 7,5 metros, e os barcos a motor 61%, dos quais 160 mil com menos de 7,5 metros e 145 mil com mais de 7,5 metros de comprimento. Baseados no estudo Portugal Náutico (AEP, 2015), a Suécia possui 1.107 marinas, a Finlândia 1.040 marinas, a Dinamarca 721 marinas e a Noruega 390 marinas. Com referência a 2006, o índice de embarcações por 1.000 habitantes é, respectivamente, a Finlândia com 139 embarcações (731.200), a Noruega com 169 embarcações (793.000) e a Suécia com 83 embarcações de recreio (753.000) (Quadro 2). A Dinamarca, em 2010, registava a existência de 57.000 barcos de recreio, sendo 57% barcos à vela e 43% barcos a motor, com 30 empresas de construção de barcos de recreio e 150 empresas de reparação e manutenção. A Suécia tem uma indústria de construção

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País

População

Nº de embarcações de recreio

Rácio de embarcações de recreio/1.000 hab.

Alemanha

82.4000.000

441.530

5

Croácia

4.442.000

105.00

24

Finlândia

5.277.000

731.200

239

França

61.533.000

483.823

8

Grécia

10.964.020

130.522

12

Holanda

16.570.000

280.00

17

Irlanda

4.062.235

25.830

6

Itália

57.900.000

592.000

10

Noruega

4.681.000

793.000

169

Portugal

10.585.900

55.000

5

Reino Unido

60.209.500

541.560

9

Suécia

9.113.257

753.00

83

Quadro 2 – Embarcações de recreio em países europeus Fonte: UCINA (2008) naval altamente desenvolvida. Em 2010, regista-se a existência de 18.4% de abertos com motores até 10 metros, 32.0% de barcos a motor com motores de pelo menos 10 metros sem cabine, 2.6% de veleiros e botes sem acomodações para dormir, 2.2% de veleiros com acomodações para dormir temporariamente e 13.6% barcos com acomodações para dormir (AEP, 2015). Em 2011, a Suécia vendeu ‘cerca de 19.100 barcos e 12 mil motores exteriores para barcos, além disso, exportaram cerca de 3.700 barcos e importaram aproximadamente 5.100 barcos’. Em 2013, fabricaram cerca de 5.413 barcos, exportaram 2.736 e importaram 10.018 embarcações de recreio. A GrãBretanha têm, no seu total, 84 marinas. Em 2013, cerca de 3,5 milhões de pessoas adultas participam em atividades náuticas com barcos de recreio (Watersport Participation Survey). A Espanha possui 355 marinas com 126.963 postos de amarração, com referência a 2009 (Federación Española de Puertos Deportivos). Em 2012, os barcos a motor representam 46,49% no mercado da náutica de recreio. Do total das embarcações de recreio 67,3% são para uso privado. A França possui cerca de 470 portos e instalações de recreio no mar e 50 portos e abrigos fluviais, com cerca de 165 mil lugares de amarração. A frota de embarcações fluviais e lagos interiores estima-se em cerca de 35.000 unidades. Prevalecem as 20

embarcações entre 6 e 10 metros de comprimento, mas cerca de 90% do total de embarcações tem até 14 metros. A França é o segundo maior fabricante de barcos de recreio do mundo e o maior na Europa, sendo mais de 63% da produção exportada. A náutica de recreio é constituída por cerca de 979.918 embarcações e destas 731.117 com motor, em 2013, excluindo territórios ultramarinos, dos quais 74,6% são embarcações a motor e 20,2% embarcações à vela. Do total cerca de 75% das embarcações possuem menos de 6 metros (737.307) e cerca de 4,5% possuem mais de 10 metros de cumprimento (16.688). Destacam-se no campo industrial 38 empresas de iates de luxo, 153 empresas de comércio e manutenção de Embarcações, 13 produtores de motores Portugal apresenta algumas vantagens competitivas importantes para o desenvolvimento da náutica de recreia das quais destacam-se, nomeadamente, a sua posição geoestratégica no cruzamento de rotas e fluxos turísticos, algumas infraestruturas e equipamentos náuticos de qualidade, imagem de destino náutico derivada da visibilidade de alguns eventos internacionais e oferta de turismo náutico. Entre outras, destacam-se como fragilidades a insuficiente e pouco desenvolvida rede de portos e marinas, a menor qualidade de várias das infraestruturas e equipamentos náuticos e serviços prestados e a www.revistacargo.pt

reduzida dimensão das indústrias de construção e manutenção náutica. O essencial do ‘contingente de nautas que utilizam as marinas e portos de recreio de Portugal é constituída por franceses (21%), portugueses (21%), Reino Unido (16%), alemães (9%) e espanhóis (6%) representando cerca de três quartos dos check-in novos de visitantes’. ‘As duas regiões com mais registos de check-in novos são o Algarve e os Açores, registando mais de 8 mil check in, num total nacional de cerca de 17,2 mil check in novos realizados no ano de 2015’, mas existe uma elevada margem de progressão nas marinas e portos de recreio, em Portugal. (PwC. 2016). Em 2015 registam-se cerca de 12.900 postos de amarração. Entre os meses de Maio a Setembro, ocorrem mais de 75% dos check-in novos. 3.Indústria náutica de construção em fibra de vidro A indústria náutica de embarcações de recreio recorre ao processo de fabrico de cascos em fibra de vidro, o que permite desenvolver enorme criatividade no campo do desenho de cascos. Enunciam-se as empresas fabricantes de embarcações de náutica de recreio no país que recorrem ao processo baseado em fibra de vidro (Figura 1). Em paralelo referem-se os estaleiros navais de grandes embarcações em aço (Figura 2) A construção de embarcações recorrendo a resina e materiais compósitos é actual e recomendada para embarcações até 50m, para obter menor peso e melhor eficiência. Trata-se de um processo baseado num molde, repetitivo e específico em cada empresa para construir o casco. A partir de um molde pré-definido, realizam-se vários processos, como sejam a laminação manual e a spray-up, obtendo-se o casco para acabamento e instalação dos equipamentos para navegação. Antes do mais, há processos que envolvem propriedade intelectual específicos de cada empresa, como sejam, por exemplo, a elaboração do projeto, processo de produção do plug e a obtenção do molde para fabricação de cascos. Em muitos casos, con-


Figura 1 - Industria náutica de barcos fibra e Figura 2 - Industria construção naval

soante a complexidade do projecto, são realizados moldes a escalas reduzidas para simular o modelo e aferir do seu desempenho face à construção real. Por outro lado, é relevante que os técnicos especialistas e investigadores assegurem os conceitos teóricos de construção, cálculos para propulsão, resistência ao avanço, estabilidade, resistência em ondas, análise dimensional e o trabalho com escalas para testar dados reais através de modelos e estudo do comportamento efectivo. Os moldes são construídos quando se pretende construir peças em série, num número mínimo, neste caso cascos de embarcações, para viabilizar o projecto. Porém, o método de construção dos moldes depende da escolha de materiais, do número de peças a produzir, das condições e características de utilização, da qualidade final da superfície e do custo. Os moldes são construídos em fibra de vidro e resinas especiais, depois feita a laminação manual, sucessivamente com camadas de fibra e resina que secam através de um processo químico que lhe confere durabilidade dentro ou sobre um modelo, em geral de madeira, espuma sintética ou gesso. Dependendo do lado do acabamento o molde pode ser macho ou fêmea. Os moldes fêmeos são quase sempre usados para construir cascos, para obter melhor acabamento da superfície externa. Os moldes machos são em geral usados para produzir peças secundárias para obter melhor acabamento interno. Esta é uma breve referência à produção de embar-

cações em fibra de vidro, de elevada resistência e durabilidade, possibilitando embarcações muito mais leves. 4.Conclusões A indústria do turismo é actualmente a maior indústria do mundo, com forte impacto económico e social em muitas economias. No caso português verifica-se essa importância

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com enorme cito das actividades turísticas a náutica de recreio tem grande valia económica por duas razões, em especial, por um lado, porque apoia o desenvolvimento de muitas indústrias, nomeadamente a indústria marítimo-turística e, por outro, porque suporta a actividade industrial de construção, reparação e manutenção de embarcações náuticas. No caso português verifica-se tratar-se de um desafio muito relevante para modernizar as empresas industriais existentes e permitir desenvolver novos projectos de construção de novos modelos de embarcação. Apoiadas em pesquisa e desenvolvimento, em especial, orientadas para mercados internacionais. Neste particular, os países europeus são destinos de grande valor, muito embora a competição existente, desde que se aposte na inovação, investigação, design e se encarem estratégias comerciais e de marketing internacional adequadas e de forma consistente e persistente.

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TECNOLÓGICA CIRCLE DE OLHOS EM PORTUGAL: «UM PAÍS QUE ESTÁ AVANÇADO NA DIGITALIZAÇÃO»

FUNDADA HÁ MEIA DÉCADA, A ITALIANA CIRCLE TEM GANHO PRESTÍGIO NO SECTOR DOS TRANSPORTES E LOGÍSTICA, EM PARTICULAR EM ITÁLIA. A ESPECIALISTA TECNOLÓGICA FALOU À REVISTA CARGO DOS DIVERSOS PROJECTOS EM QUE ESTÁ ENVOLVIDA E ADMITIU QUE PORTUGAL - ONDE JÁ TEM ALGUNS PROJECTOS - É UM DOS PAÍSES PRIORITÁRIOS NA SUA AGENDA.

REVISTA CARGO: Conte-nos, de forma resumida, a história da Circle.

usada em vários projectos nacionais e internacionais nos últimos cinco anos.

A Circle nasceu em 2012 com sete pessoas que vinham de uma empresa de TI maior, e o foco esteve, desde o início, nas áreas de transporte e logística. Nessa altura, começámos a trabalhar com alguns actores chave da cadeia logística, tanto do lado da administração pública italiana (Alfândega) como do lado privado, dos portos e terminais no inland.

Um desses casos de sucesso diz respeito à cooperação com a Alfândega Italiana no desenho e colocação em prática dos chamados “fast customs corridors”. O conceito implicou, inicialmente, uma revisão completa dos procedimentos aduaneiros, seguido da sua simplificação e transformação digital. Isto, claro, apoiado por um procedimento legal que está agora em vigor na Itália. Para bens importados, permite o desembaraço aduaneiro no destino final, desde que determinadas condições sejam cumpridas nos portos e na cadeia multimodal até esse destino final. Todo o processo é controlado de forma digital e monitorizado, interligando os sistemas de TI dos actores logísticos - desde portos, terminais, operadores rodoviários e ferroviários - e a National Single Window italiana.

Desde o início que a nossa abordagem, que colocou a Circle numa posição distintiva no mercado, foi centrada no apoio ao desenvolvimento do negócio dos nossos clientes, com três componentes essenciais: a reengenharia dos complexos processos de transporte e logística; a sua simplificação e digitalização, com módulos específicos de software na procura de tornar a logística intermodal mais simples; e potenciando a inovação relacionada com a utilização de fundos nacionais e europeus. Hoje, somos uma equipa de aproximadamente 50 pessoas que oferece variadas soluções na cadeia logística para uma grande variedade de stakeholders (portos, terminais, carregadores, operadores de transporte multimodais e outros), com actividade em vários países na região do Mediterrâneo e no Médio Oriente. Que projectos destaca nestes mais de cinco anos de actividade da Circle? A combinação dessas três componentes que falei anteriormente tem sido

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Este processo permite aos grandes carregadores a completa monitorização da sua cadeia logística, poupando tempo e dinheiro, nomeadamente através de uma menor perda de tempo em porto, e tudo isto com um elevado nível de segurança. Foi com a IKEA que demos o pontapé de saída deste novo procedimento que é hoje amplamente utilizado em Itália e será brevemente alargado a cooperações transfronteiriças dentro da UE. Para além deste, temos outros projectos que são casos de sucesso relacionados com extensões das funções dos “Port Community System” com uma

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prospectiva de corredor, a completa automação das gates rodoviárias e ferroviárias nos portos e terminais, o desenvolvimento de “Terminal Operating Systems” inovadores, operações inteligentes de carga e descarga em terminais e outras iniciativas relacionadas com a integração entre diferentes modos de transporte. E em Portugal, a Circle tem já algum projecto que mereça destaque? Entre os anos 2012 e 2015 trabalhámos em vários projectos europeus de Autoestradas do Mar (MIELE, WIDERMOS, ANNA), em conjunto com as Administrações do Porto de Lisboa e do Porto de Leixões. Os projectos tinham como foco a integração dos sistemas de TI entre actores da cadeia logística e o apoio à implementação da Directiva 65 da UE. Depois, em 2015 começámos também a apoiar o desenvolvimento da Via Navegável do Douro, com a APDL, com foco particular na implementação de novíssimos “River Information Services”. Na Primavera, vamos organizar um workshop em Portugal, no qual os participantes serão profissionais vindos dos portos e empresas logísticas, desafiados a apresentar as suas ideias e requisitos para criar o Porto do Futuro, com foco específico na digitalização - um campo em que Portugal está bastante avançado. Estamos a ouvir falar cada vez mais em digitalização e tecnologias disruptivas neste sector. É o momento da indústria 4.0 assumir o papel de destaque?


A disrupção tecnológica é já hoje uma realidade, temos muitos grandes players - como a Maersk, a Hapag-Lloyd e os portos de Roterdão ou Antuérpia - já a trabalhar em soluções globais nas quais estão a abraçar a era da digitalização, oferecendo a oportunidade de reduzir custos na ordem dos 30% através de uma melhor coordenação da interacção entre os navios e terra, colectando mais dados em tempo real e oferecendo novos serviços com uma abordagem de análise preditiva. Neste contexto, o paradigma da indústria 4.0 é também uma realidade. Um dos nossos casos de sucesso é um exemplo perfeito da combinação da logística da indústria e da logística de transportes onde o mesmo objecto de IoT (uma etiqueta de RFID) é utilizado para gerir a logística da indústria e a produção de carros, mas, ao mesmo tempo, é uma etiqueta reconhecida nas portarias portuárias que acciona procedimentos aduaneiros simplificados e digitalizados. Como é que vê o Porto do Futuro? Vejo um porto com zero-emissões, totalmente responsável e sustentável, perfeitamente conectado com as áreas urbanas nas suas redondezas e, obviamente, totalmente digitalizado. Mas estes são apenas alguns conceitos. Nós estamos actualmente a liderar um projecto chamado “DocksTheFuture”, sob a égide da iniciativa da DG MOVE “Port of the Future”, onde vamos, nos próximos três anos, envolver um grande número de especialistas e todas as partes interessadas dos sectores marítimos e logísticos na definição da visão do Porto do Futuro, de um conjunto de indicadores de desempenho, que deverão ser atendidos em 2030 e 2050, e num roteiro para a Comissão Europeia apoiar os portos de forma a que estes alcancem essa visão. Dentro das várias disrupções tecnológicas que falámos, qual acredita vir a ter um maior impacto neste sector? Big Data? Automação? Blockchain? Outros? São tecnologias que estão em níveis de desenvolvimento diferentes. O Blockchain, por exemplo, é o tema mais quente em todas as áreas. Na logística, tem um grande potencial uma vez que pode combinar os fluxos físicos e documentais dos bens com contratos inteligentes e as respectivas transacções sem intermediários e seguras, levando a uma simplificação disruptiva. Contudo, a tecnologia Blockchain exige novos modelos de negócio e um novo esquema de governação confiável. E este é o ponto chave que pode tornar uma

arquitectura inteligente num sucesso ou num fracasso! Por outro lado, o potencial da análise Big Data ainda está amplamente subestimado. No sector logístico existem ziliões de dados que podem ser transformados em conhecimento e valor. Nós estamos a trabalhar em módulos específicos para portos que, no âmbito das Janelas Únicas, normalmente tratam uma grande quantidade de dados muito valiosos.

os nós logísticos cooperam, usando o mesmo conjunto de tecnologias. Porém, actualmente nem todos os modos estão ao mesmo nível de desenvolvimento. Por exemplo, por diversas razões o sector ferroviário está ainda menos desenvolvido nalgumas áreas da automação. Ainda há muito trabalho a ser feito para integrar a informação ferroviária no conjunto da informação logística, especialmente em terminais ferroviários portuários e em portos secos.

Já a automação está já aí e tem provado trazer benefícios quando é inteligentemente combinada com a simplificação dos processos subjacentes.

Já falámos das vantagens destas novas tecnologias, mas temos novos desafios como a ciber-segurança. Está o sector preparado para proteger os seus sistemas e informação?

Nesta transformação tecnológica e digital, os vários modos deverão estar todos ao mesmo nível de desenvolvimento?

O recente ciber-ataque que afectou a Maersk mostra que não está. Por outro lado, a forma como se devem proteger os sistemas interconectados globalmente ainda tem o seu caminho a percorrer. É um tema chave que também estamos a tratar no nosso projecto do Porto do Futuro.

Sim. O conceito de internet física deve estar suportado numa abordagem multimodal, na qual os diferentes operadores de transporte multimodal e www.revistacargo.pt

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GIGANTES DO MAR E DO E-COMMERCE EM BRAÇO DE FERRO PELO DOMÍNIO DA CADEIA | Desengane-se quem persistir na consideração de que o futuro da Logística global comportará barreiras, estratificações, fronteiras ou domínios de actividade atomizados: a retumbante chegada de retalhistas digitais como a Alibaba ou a Amazon foi o primeiro passo de um estilhaçar de realidades estáticas que, ao invés de dividir, integrou e absorveu – multiplicando – mundos que outrora se julgavam perpetuamente à parte. Antes apenas fantasmática, porque produto de uma aparição linguística de códigos binários e linhas de comando, a digitalização no sector rapidamente se corporalizou, não num corpo externo aos fenómenos da Logística e dos Transportes, mas neles próprios, para hoje ser, e continuar a ser cada vez mais, a energia que lhes percorre o âmago e os faz desencadear, tudo conectando em seu redor. Arrastada pelo fulgor do comércio electrónico e pelas infinitas potencialidades da ‘Big Data’, da ‘Internet of Things’, do ‘Blockchain’ e das análises preditivas, a cadeia global de abastecimento foi-se metamorfoseando, de uma ponta à outra, ora experienciando os impactos da ascensão e triunfo transversal de gigantes como a Amazon (que se dissemina pelos elos logísticos), ora sentindo as suas forças magnetizantes que obrigam a concorrência a dois destinos: a resistência ou a obliteração. É neste contexto de incorporação e assimilação que chegamos a 2018, vislumbrando um futuro no qual as potências do sector se organizam em dinâmicas cada vez mais abrangentes, 24

tocando todos os pontos da cadeia de abastecimento e estendendo a sua influência a ramos de actividade que outrora não ousariam estender, com a ambição de controlar cada vez mais fases dessa mesma interligação logística. Dois dos casos que espelham, na perfeição, todas estas propensões, são as estratégias da retalhista norteamericana Amazon e a da especialista marítima dinamarquesa Maersk, quais reacções em cadeia, dentro de uma cadeia logística cada vez mais globalizada. ‘Shipping with Amazon’, ou como transformar custos em oportunidades Fundada em 1994, a Amazon de Jeff Bezos passou, em duas décadas, de modesta retalhista online a gigante mundial do e-commerce, da computação em nuvem e até do retalho físico, após adquirir a cadeia de supermercados Whole Foods Market (por 13,4 mil milhões de dólares) e fundir o potencial digital à capacidade ‘brick and mortar’ através da aposta em armazéns, centros de distribuição estrategicamente localizados e relações comerciais sólidas com retalhistas independentes que desempenham o papel de intermediários na sua relação com o cliente final. As vendas saltaram dos 511 mil dólares em 1995 para uns estonteantes 22.7 mil milhões apenas no primeiro trimestre de 2015, e, durante esse tempo, o colosso de Seattle manteve-se atento à integridade da cadeia de abastecimento onde se integra, constantemente procurando formas de a tornar mais eficiente e de maximizar a satisfação do novo consumidor, o exigente e-client, www.revistacargo.pt

em torno do qual giram as estratégias logísticas de referências mundiais como a UPS ou a FedEx. Em 2017, o serviço ‘Prime’ da Amazon (subscrição anual que dá acesso, entre outros benefícios, a entregas em dois dias sem custos adicionais) foi responsável por mais de 5 milhões de envios e demonstrou o sucesso que a retalhista poderia ter caso enveredasse pela aposta integral no mercado das entregas – o passo seguinte não se fez esperar, e, já em Fevereiro de 2018, a companhia anunciou o lançamento do serviço ‘Shipping with Amazon’, que a aproximará ainda mais desse mesmo desígnio. A notícia caiu como uma bomba no mercado das entregas de encomendas dos EUA e teve reflexos imediatos nas cotações em bolsa das duas líderes do segmento de last mile: a UPS e a FedEx. Ao que tudo indica, a Amazon pretende, assim, entregar directamente aos seus clientes as encomendas feitas no seu portal, encurtando a rédea face à sua dependência de 3PL’s (empresas thirdparty logistics), reduzindo os custos operacionais inerentes a essa mesma dependência (actualmente nos 10-15% das suas vendas líquidas) e controlando, com autonomia, os tempos de entrega e a qualidade do serviço prestado. Terciarizando menos e chamando a si o controlo do processo, a companhia de Jeff Bezos ameaça transfigurar a competitividade no segmento, aventurando-se na logística para, de uma vez por todas, mostrar ao mundo que, se existe uma corrida ao expansionismo inter-mercados, a Amazon poderá


fugir do pelotão antes dos crónicos e tradicionais vencedores. Como escrevia o analista Devin Leonard no seu espaço semanal na Bloomberg Businessweek, ainda em 2016, «para a UPS e FedEx, a Amazon tem sido excelente para o negócio. Agora preparase para lhes roubar negócio» – num extenso artigo, Leonard antecipava os recursos logísticos que a retalhista digital vinha recrutando (leasing de dezenas de aviões Boeing 767 à Air Transport Services Group e à Atlas Air, a compra de 4 mil camiões e obtenção de uma licença de transitário ou NVOCC para o território chinês e posterior transporte para os EUA) e já a caracterizava como «uma espécie de e-commerce Walmart com uma FedEx associada». Sobre a evolução da empresa, dizia John Rossman, antigo membro executivo da Amazon: «Espero com naturalidade que a Amazon construa uma cadeia de abastecimento logístico que outros possam utilizar. Nos próximos cinco anos? Duvido. Nos próximos 10 a 15? Sem qualquer dúvida». A previsão do agora director da firma de consultadoria empresarial Alvarez & Marsal está em consonância com o relatório de Junho de 2016 do Deutsche Bank, que antevia a estruturação de uma «operação global capaz de movimentar produtos desde as fábricas localizadas na China até aos clientes situados nos EUA e na Europa», recorrendo não apenas a Boeings 767 e a navios porta-contentores mas também a tecnologias de ponta como drones e veículos autónomos; lembrou ainda o documento que a Amazon possui já uma valiosa patente relativa à tecnologia de «envio antecipado de embalagens», suportada por técnicas de análise preditiva que antecipam os comportamentos dos clientes: quando um assinante ‘Prime’ encomenda um produto, a Amazon já o tem armazenado, pronto para rotular e enviar, naquilo a que o banco germânico apelidou de «exercício gigante de matemática» destinado a optimizar a vertente logística. Com o anúncio do lançamento do serviço ‘Shipping with Amazon’ a retalhista quebra novas fronteiras e passará a concorrer (por enquanto apenas em Los Angeles) com a UPS e FedEx no segmento, mantendo-se taco a taco com a rival Walmart, que há poucos dias publicitou a aquisição da empresa Parcel, com o objectivo de agilizar e intensificar as entregas no próprio dia, na cidade de Nova Iorque.

Para o analista David Ross, da Stifel Financial Corporation, o ‘Shipping with Amazon’ permitirá fugir à unilateralidade da fixação de preços de que as operadoras gozam face à retalhista de Seattle, tornando aquilo que outrora seria dispendioso num negócio potencialmente rentável: «A UPS tem crescido muito bem (mais graças à Amazon que apesar dela) em todos os segmentos e agora vem aumentando os seus gastos com o crescimento da capacidade», explicou. «Confiamos num conjunto limitado de transportadoras para efectuarem as entregas do nosso stock. Se não formos capazes de negociar termos aceitáveis com essas companhias ou se estas enfrentarem problemas de desempenho ou outras dificuldades, sentiremos impactos

Apesar das ondas provocadas pela Amazon, nem todas as análises antevêem um tsunami no horizonte – ao recordar que a UPS apenas deve cerca de 7% das suas receitas à procura da Amazon e a FedEx somente 3%, a Trefis (grupo composto por engenheiros do MIT e analistas de Wall Street) defende que as líderes do ‘last mile’ não serão apanhadas na enxurrada: «Que impacto terá tal alteração na UPS e FedEx? Surpreendentemente, não muito», elucidou, numa dissertação publicada na revista Forbes, intitulada ‘Porque a FedEx e a UPS não precisam de se preocupar com a Amazon’.

negativos nos resultados operacionais e na experiência do cliente», admitiu a Amazon no seu último relatório anual, ao qual a Revista Cargo teve acesso. «Os custos do transporte (que incluem classificação e custos inerentes aos centros de distribuição) foram de 11,5 mil milhões de dólares em 2015, 16,2 em 2016 e 21,7 em 2017. Prevemos que nossos custos de envio continuem a aumentar na medida em que nossos clientes aceitem as nossas ofertas de frete a uma taxa crescente, reduzimos as taxas de envio, usamos métodos de envio mais caros e oferecemos serviços adicionais. Procuramos mitigar os custos de envio ao longo do tempo, em parte através do aumento de volumes de vendas, optimizando nossa rede de atendimento, negociando melhores condições com nossos fornecedores e alcançando melhores eficiências operacionais», acrescentou.

Às transformações no mundo logístico não poderia, claro está, ficar indiferente a líder de mercado do transporte marítimo contentorizado, Maersk Line – as últimas semanas foram bastante reveladoras quanto às perspectivas do Grupo A.P. Moller-Maersk para o futuro, plasmadas, tanto nas palavras do CEO Soren Skou como nas do CFO do grupo, Jakob Stausholm. Durante uma entrevista à Bloomberg, o líder do grupo dissertou sobre as metamorfoses logísticas provocadas pelo impulso do comércio electrónico e sobre o extravasar de fronteiras levado a cabo por potências como a Amazon ou a Alibaba, admitindo que esse agigantamento não passa despercebido, estrategicamente, ao conglomerado nórdico – poderá vir a estar em causa o domínio marítimo da Maersk Line? «A Amazon pode tornar-se uma ameaça caso não lhes prestemos um bom serviço. Se não efectuarmos

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Amazon: uma semi-deusa da Logística que colocou em sentido a poderosa Maersk

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um serviço competente, não há dúvidas de que as grandes e fortes empresas como a Amazon ponderarão a hipótese de serem elas mesmas a executar esses mesmos serviços», comentou Soren Skou, na mesma semana em que foi anunciado, nas parangonas de jornais de todo o mundo, o lançamento do serviço ‘Shipping with Amazon’: coincidência? Certamente que não. A questão, avançou a própria Bloomberg Businessweek num posterior artigo de reflexão, prender-se-á com a extensão do controlo que a Amazon pretende adquirir no futuro – poderá a retalhista vir a tomar conta também do processo de transporte marítimo de mercadorias, até aos seus armazéns? A pergunta da agência de notícias ganha pertinência, não só tendo em conta o desenvolvimento estratégico orquestrado por Jeff Bezos, mas também tendo presentes as crescentes necessidades – bem discerníveis no relatório de 2017 – da retalhista, não só em termos de fluxo de despesas mas também no que toca flexibilidade logística e ao controlo da congestão nos seus próprios armazéns. Antecipando assim a iminente ameaça do expansionismo da Amazon, a Maersk tem já um plano para impedir que um parceiro de negócio se torne num competidor directo, algo que estará prestes a acontecer a empresas como a FedEx ou UPS no ramo das entregas porta-a-porta – para domar o ímpeto controlador da retalhista, a Maersk irá, assegurou Soren Skou, trabalhar rumo a uma solução que ofereça uma resposta combinada capaz de agregar a actividade de linha operada pela companhia, a gestão portuária

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e os serviços de encaminhamento de frete e transitários. Dessa forma, explicou o CEO, a Maersk Line poderá dar à Amazon aquilo que esta deseja no contexto das suas necessidades logísticas, que vão desde a eficiente e pontual entrega até ao exaustivo relatório de dados providenciados, para futuras análises preditivas, gestão de inventários e das decisões a serem feitas no plano logístico. A incorporação da vertente digital é também outro dos trunfos que a Maersk Line vem lançando no jogo logístico, na tentativa de acompanhar o progresso global, marcar o ritmo do desenvolvimento do shipping e convencer as retalhistas de que poderá ser o parceiro de futuro que estas irão necessitar: «A Amazon não está interessada em telefonemas ou e-mails. Ela quer estar ligada electrónica e digitalmente para que o negócio aconteça por si mesmo», explicou Soren Skou. «Isso vai ao encontro da nossa nova estratégia: ela pretende transporte de contentores de uma ponta à outra e nós queremos providenciar o serviço completo», rematou. O império contra-ataca: Maersk responde com ambição para lá do mar Fevereiro foi, indubitavelmente, um mês de estrondosas revelações no meio logístico: depois da nova e arrojada aposta da Amazon, surgiu, quase como golpe de contra-ataque, a notícia de que a líder mundial do mercado do transporte marítimo contentorizado está pronta, também ela, para expandir o seu raio de acção, entrando, nos próximos 3-5 anos, no segmento das entregas de encomendas. A informação foi

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desvendada pelo próprio CEO do Grupo A.P. Moller-Maersk no passado dia 20 de Fevereiro, durante uma reunião com diversos investidores e traduz a ambição de alargar os horizontes competitivos da Maersk para lá da linha do mar. O grupo havia-se já despojado de activos entretanto considerados dispensáveis (recorde-se a alienação da Maersk Oil à Total, por cerca de 7,5 mil milhões de dólares), dando a entender que o foco do futuro estaria centrado na divisão Transportes & Logística; a decisão de penetrar o mercado das entregas de encomendas integra as directrizes de desenvolvimento e reestruturação da companhia para os próximos anos – «Estamos a construir esta companhia, que é um segmento global integrado de contentores, numa empresa similar à UPS e à FedEx», anunciou, ao plenário, Soren Skou. «Como parte do processo de reestruturação, a Maersk pretende expandir os seus serviços a todas as componentes da cadeia de abastecimento, assim oferecendo aos seus clientes a possibilidade de apenas terem que lidar com uma entidade quando pretendem movimentar as suas mercadorias, do ponto de partida ao destino, mesmo que esse destino final seja numa distante parte do globo», acrescentou Soren Skou. Às declarações do CEO juntaram-se as de Jakob Stausholm, líder financeiro do grupo, dando conta de um plano de aquisições já em marcha que permita à Maersk ganhar escala rapidamente, de modo a poder ombrear com referências como a UPS ou a FedEx. Para Stausholm, a Maersk deve multiplicar as suas


valências para suprir necessidades de actuais clientes que ameaçam transformar-se em rivais futuros caso essas necessidades não sejam eficientemente satisfeitas – «Somos bastante dominadores no segmento dos oceanos, e por isso preferimos crescer fora desse habitat, daí ser boa ideia procurar fusões e aquisições nesses segmentos», declarou o CFO do grupo à Reuters, não considerando, para já, a competição directa com as operadoras norte-americanas: «Não pretendemos competir directamente com empresas como a UPS ou a FedEx, mas pretendemos que nos vejam como seus pares. Eles são os integradores globais da sua indústria e nós queremos ter esse estatuto na nossa indústria», esclareceu, sem levantar o véu sobre quais as empresas que serão alvo da nova política de aquisições.

Gigantes buscam cada autonomia logística

vez

mais

Se há conclusão consensual que podemos retirar destes novos desenvolvimentos, é a de que as grandes potências do ecossistema logístico, da terra ao mar, buscam, cada vez mais intensamente, um domínio acentuado da cadeia de abastecimento da qual fazem parte, numa tentativa de controlarem de perto os resultados técnicos, os tempos, os desempenhos, a visibilidade e a satisfação do cliente final, encurtando assim a preponderância da terciarização e chamando a si uma manipulação mais personalizada do processo logístico, desde o transporte à entrega derradeira, na porta do consumidor. Num contexto de consolidação (no qual o meio marítimo é perfeito reflexo), o observador dos fenómenos da Logística e www.revistacargo.pt

do Transporte depara-se agora com uma nova tendência aglutinadora, também ela derivada do poderio financeiro, mas que, ao contrário da tradicional consolidação, não é horizontal, mas sim vertical, atravessando diferentes etapas do processo. A jogada planeada pela Amazon colocará a gigante retalhista mais perto da ‘empresa total’ que parece ambicionar ser no futuro; a essa concorrência com a FedEx e a UPS junta-se nova intromissão, da Maersk, também ela interessada em espalhar a sua influência, saltando do mar para terra. Quem diria que o palco do ‘last mile’ se tornaria, tão rapidamente, na arena onde os colossos se digladiarão pela autonomia logística? Bruno Falcão Cardoso

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OPINIÃO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, UM NOVO OBJECTIVO PARA OS PORTOS

Vítor Caldeirinha

aprender e saber prever o que os humanos nunca imaginaram. Nenhum ser humano poderia dedicar tanta atenção a uma transação e tomar uma decisão tão complicada, em pouco tempo e com base em enormes quantidades de dados. A avaliação rápida e exaustiva das possibilidades fará a diferença na cadeia logística e nos portos.

Vítor Caldeirinha é Doutorado em Gestão Portuária e Mestre em Gestão/MBA, sendo hoje professor de Gestão e Estratégia Portuária no Instituto Superior de Economia e Gestão - ISEG (UTL).

A Internet das coisas (IoT) é agora um slogan nos portos, juntamente com a Big Data. Mas, mais recentemente, a AI, inteligência artificial, em especial a ML, Machine Learning, também começaram a capturar a imaginação das empresas que procuram reduzir custos e aumentar a eficiência. Juntos, a IoT e a AI anunciam uma nova era na comunidade A relação entre o IoT e o AI é análoga ao funcionamento do corpo. A IoT alimenta o corpo de dados brutos do mundo físico, assim como nossos sentidos nos alimentam de informações. AI é o cérebro. A AI dá sentido aos dados e decide quais ações executar. Não faz sentido recolher dados sem sistemas inteligentes para os compreender e mandar executar as melhores ações de melhoria com base na previsão. Há pouco tempo algoritmos de ML venceram o melhor jogador de Go, pela primeira vez, um jogo muito mais difícil que o xadrez. Outro conseguiu prever com exatidão a data de morte de milhares de doentes terminais em hospitais a partir dos seus dados iniciais. Com informações suficientes sobre uma cadeia logística, uma plataforma habilitada com AI pode aconselhar uma empresa de transporte a economizar tempo e dinheiro tomando as decisões mais inteligentes. A AI depende da aprendizagem de máquinas (ML) e da análise de dados atuais, e estabelece regras para ações futuras. Por exemplo, uma pessoa que trabalha num porto pode saber, por experiência própria, que 80% das entregas geralmente chegam atrasadas através de um determinado transportador com origem em Roterdão. Mas não há tempo suficiente ou informações disponíveis para fazer qualquer coisa, além de informar o cliente sobre o atraso, quando isso acontece. No entanto, uma plataforma de logística habilitada com ML pode prever a probabilidade de um único contentor poder estar atrasado na vinda de Roterdão em certa data. Se esse valor for 89%, a plataforma redireciona o contentor para evitar o atraso. Como? Como o algoritmo pode ter acesso a centenas de dados logísticos históricos, acesso a centenas de variáveis provenientes do IoT e pode utilizar vários modelos previsionais milhares de vezes, até ter relações de previsão fiáveis, 28

Com a AI, um sistema de booking de veículos na portaria do terminal portuário e de slots de navios torna-se mais do que apenas uma forma de controlar os contentores. É um sistema de gestão de capacidade e qualidade de serviço completo. O sistema pode tornar-se tão sofisticado que as reservas podem ser otimizadas e alocadas pelo algoritmo, que comandará as ações dos motoristas de camiões (ou dos algoritmos de condução destes) e dos equipamentos de parque e cais do terminal portuário, assim comos os slots dos navios. Isso reduz o tempo desperdiçado. Ao planear o equipamento e as reservas de pessoal, meios para suportar apenas a carga de trabalho recebida, o porto torna-se mais lean, mais flexível e mais capaz de responder a ambientes e mercados em mudança. A maioria das organizações carece de transparência em locais críticos como os portos e em processos da cadeia logística, bem como a visibilidade necessária para prever melhor e prevenir perturbações, alterações e desequilíbrios de inventário. Isso decorre em grande parte duma incapacidade para cruzar e compreender uma grande quantidade de dados espalhados por diferentes processos, fontes e sistemas. Se utilizar a AI na cadeia logística, esse problema é resolvido. A previsão é parte integrante da logística da cadeia logística. As previsões começam quando se tem de optar por um modo de transporte ou um operador: E quando um navio deixa o Porto X para o Porto Y. Será que ele chegará numa determinada data? A que horas? Quanto tempo demorará o contentor Z para passar pela alfândega? Quantos meios terrestres são necessários e quando? A Internet das coisas (IoT) é responsável pela enorme quantidade de dados que temos. Mas deixa um problema. Para que servem? Como analisar tantos dados? Como prever? Que decisões mais inteligentes tomar? A IoT conecta tudo e todos em rede, desde os pesos dos contentores e as datas de expedição, até à velocidade do navio e as condições climáticas - tudo em tempo real. Esses dados brutos são então tratados e processados, e é aqui que a ML e a AI entram. ML é a sala de máquinas da Inteligência Artificial - é onde ocorre a recolha e análise de dados, com recurso a milhares de dados e muitas ferramentas e hipóteses, com milhares de variáveis de input e output, que levam à tomada de decisão não humana, a que chamamos AI. A ML reconhece padrões na cadeia logística que os humanos nunca poderiam imaginar. Um algoritmo de AI pode prever que um contentor de certo tipo, que deixa

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um porto por certa rota, daqui a seis semanas terá 65% de probabilidades de desaparecer ou atrasar, do que outro normal. Uma rota alternativa pode ser encontrada e recomendada em poucos minutos ou antecipadamente. A ML pode já hoje mover um e-mail da nossa caixa de entrada para o lixo ou alertar para a sua importância. A ML usa dados de decisões anteriores para fazer previsões sobre decisões futuras. As mesmas técnicas podem ser usadas na comunidade portuária, razão pela qual já existem empresas de logística preditiva que utilizam a AI para melhorar a eficiência da cadeia logística, usando tecnologia sofisticada para resolver os problemas operacionais mais complexos no transporte, nos portos e na logística. O objetivo é ajudar os operadores da cadeia logística a superar a complexidade irresistível do sistema. Existe sempre muita incerteza em relação ao comportamento do cliente, cancelamentos, mudanças e em torno do mercado: os preços, os custos, as encomendas, as preferências e a ML ajuda a prever com exatidão as nuances. Uma das ferramentas é o cálculo do risco preditivo. Isso ajuda os operadores a compreender por exemplo a probabilidade de uma embarcação se atrasar. Centenas de modelos de simulação são gerados por embarque para fornecer a probabilidade de uma mudança de status e o resultado pode ser por exemplo que 87% das 130 simulações preveem que este embarque chegará tarde. Todos portos que dependem do comércio internacional estão a investir em ML. Uma empresa da Califórnia está a trabalhar para modelar matematicamente o processo que envolve o reencaminhamento dum navio ou carga em caso congestionamento num porto ou desastre natural. Usando métodos tradicionais, pode-se levar oito horas para avaliar o potencial de um porto alternativo. Com ML, isso pode ser feito em minutos. A empresa acede a um banco de dados de todas as rotas oferecidas pelas 30 maiores operadoras do mundo. Possui também cinco anos de dados de movimento dos navios do sistema de identificação automática (AIS). O sistema pode prever, a qualquer

momento, se é provável que um navio chegue no dia e hora certa. Gradualmente os portos estão a receber informação sobre o destino ou origem dos contentores no hinterland, passando a recolher informação sobre para onde vão ou de onde são oriundos os contentores, que modo de transporte utilizaram, tempos, demoras, trajetos. Todo este manancial de informação pode ser usado pelo porto para melhores decisões, sincronização, deteção de padrões e otimização de fluxos e do uso dos meios. Pode ajudar a tomar as melhores decisões no terminal com base nas previsões de navios e cargas, escolher os melhores locais de parqueamento, prever o melhor passo a cada momento com as mudanças e alterações constantes, comandando os equipamentos e até o escritório e os clientes. Os pórticos de contentores da APMT em Maasvlakte 2, no porto de Roterdão, não são tripulados e são praticamente totalmente automatizados. Robots, com uma altura superior a 125 metros. A força motriz por trás de um terminal automatizado é a inteligência artificial: a criação de dispositivos que exibem inteligência (humana). No terminal RWG, quase tudo é automatizado. Por exemplo: os navios são carregados e descarregados por pórticos automáticos. Existem operadores de processos remotos, trabalhando a partir do escritório, que monitoram os movimentos dos pórticos na sua interação de carregamento do contentor nos veículos automatizados (AGVs), que transportam os contentores para a área de armazenamento. Quando a bateria está quase vazia, eles dirigem-se para a estação de troca de bateria onde um robô os equipa com uma bateria nova. No transporte marítimo, a inovação manifesta-se em desenvolvimentos como embarcações não tripuladas e controladas remotamente. A preocupação de engenharia da RollsRoyce, por exemplo, é desenvolver navios de carga que não precisam de tripulação e são controlados a partir de terra, os chamados “navios de drone”. Isso pode ser mais seguro, mais barato e mais eficiente que os navios tripulados. As vantagens dos robots são evidentes.

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Eliminam tarefas que são perigosas, não se importam em fazer um trabalho que seja maçante ou repetitivo, e são mais eficientes, precisos e fortes do que as pessoas. Hoje, 80% dos armazéns no mundo ainda são operados principalmente por pessoas. A DHL está na linha de frente para torná-los mais automatizados, com 15% dos armazéns já operados mecanicamente. A DHL agora está experimentando o robot Sawyer, da Rethink Robotics. Este é um robot colaborativo que funciona em conjunto com pessoas. Ele também aprende copiando pessoas: movemos os braços e isso o ajuda a entender o que é pedido. Muitas das novas inovações que envolvem inteligência artificial e robots são originárias de start-ups. Por isso o Porto de Roterdão tem vindo a atrair start-ups e a ajudar o seu desenvolvimento, investindo em programas de aceleração. Por exemplo, com a YES! Delft lançou o programa Port Innovation Lab. Novas start-ups portuárias de AI estão atualmente a trabalhar para tornar suas ideias de negócios escaláveis. Os portos são um terreno de testes ideal para os robots. A Navis, uma empresa da Cargotec Corporation, juntamente com a Microsoft China, fabricante de equipamentos terminais ZPMC e a empresa global de consultoria de infraestrutura Moffatt & Nichol, anunciaram a formação de uma equipe de trabalho conjunta para explorar oportunidades e soluções de automação e integração de infraestruturas e sistemas de terminais portuários existentes, proporcionando caminhos mais rápidos para melhorar produtividade, segurança e sustentabilidade. Em conclusão, os tempos são de mudança rápida e uma autoridade portuária hoje deve atuar como um maestro cujos músicos são companhias de navegação, fabricantes de fluxo e integradores logísticos. A autoridade portuária deve coproduzir e compor questões técnicas e tecnológicas. O desafio é criar ecossistemas, comunidades de interesses e práticas que tornem o porto mais inteligente e competitivo. As autoridades portuárias muitas vezes tendem a permanecer na sua torre de marfim, mas é hora de mudança ou ficar para trás.

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BITOLA EUROPEIA: SIM OU NÃO? AGORA OU DEPOIS?

A Ordem dos Engenheiros (OE) foi palco de uma animada sessão intitulada “A Solução Ferroviária”, impulsionada pelos subscritores do Manifesto “Portugal: Uma Ilha Ferroviária na União Europeia”. Com o auditório principal da sede da OE totalmente esgotado (e mais duas salas cheias de participantes via streaming), o tema da bitola proporcionou um intenso e acalorado debate, com cerca de 200 participantes. Henrique Neto: «Temos de olhar para a questão ferroviária como concorrentes de Espanha» Henrique Neto é um dos signatários do Manifesto “Portugal: Uma Ilha Ferroviária na União Europeia” e foi um dos grandes promotores deste debate na Ordem dos Engenheiros. Na sua intervenção, começou por defender que o tema da ferrovia deve ser debatido sob o ponto de vista da economia nacional, tentando perceber se o que se vai fazer «vai ajudar a crescer a economia ou se a vai atrasar» – e vinca que «investimos todos os nossos recursos numa logística interna e não externa», algo que contribuiu fortemente para um «crescimento muito reduzido da economia portuguesa entre 2000 e 2016». «Não há uma verdadeira estratégia nem um verdadeiro planeamento para a ferrovia em Portugal», defendeu Henrique Neto, acrescentando que «precisamos de uma estratégia de exportação». Por outro lado, o signatário do Manifesto deixou ainda o alerta de que «Portugal e Espanha foram e são concorrentes no mercado internacional», pelo que defende que Portugal deve olhar para Espanha nesta questão ferroviária como concorrente, não devendo «esperar que Espanha nos facilite a vida». «Os espanhóis não estão muito interessados em facilitar as exportações portuguesas», realçou, deixando o exemplo do que Espanha está a fazer para ligar a sua rede à nossa fronteira: «Porque é que Espanha vai apostar na electrificação em bitola ibérica nas ligações à fronteira com Portugal? Porquê em bitola ibérica se está a apostar na bitola europeia na sua rede? É para condicionar as exportações portuguesas». «Nenhum operador internacional virá para cá concorrer em bitola ibérica» – Henrique Neto Na sua intervenção, Henrique Neto também apontou a mira ao grande operador ferroviário português – a Medway, antiga CP Carga -, admitindo perceber que este insista em argumentar que a bitola europeia não faz falta. «A empresa portuguesa que 30

comprou a CP Carga, em bitola ibérica, tem o monopólio em Portugal porque não terá nenhum operador internacional que venha para cá concorrer em bitola ibérica», apontou. A concluir a sua intervenção, Henrique Neto lembrou que a Europa apostou forte na ferrovia através da Rede Transeuropeia de Transportes (RTE-T), no qual Portugal aparece enquadrado no Corredor Atlântico. «Em bitola europeia», recorda, lembrando ainda os «85% de comparticipação europeia» para estes projectos. «Mas não se fez um único quilómetro de bitola europeia em Portugal», lamentou. «Gastámos o dinheiro onde? No excesso de portos, temos portos a mais na óptica da exportação. Ou no excesso de autoestradas», apontou ainda, deixando um recado final: «O Governo disse que ia fazer um debate alargado a toda a sociedade sobre o Ferrovia 2020 mas este foi o primeiro debate que tivemos». Mário Lopes: «Em 2030, a bitola europeia estará nos principais portos e plataformas logísticas espanholas» Outro dos signatários do Manifesto “Portugal: Uma Ilha Ferroviária na União Europeia” é Mário Lopes, o qual também marcou presença neste debate com uma intervenção sobre os investimentos ferroviários que se estão a fazer do lado espanhol. Na sua intervenção, Mário Lopes antecipou um cenário onde estima que, em 2030, a bitola esteja já «nos principais portos e plataformas logísticas espanholas». Ora, segundo o orador, esse momento marcará uma mudança de paradigma modal no país vizinho, que afectará fortemente Portugal: «Em 2030, Espanha vai ter uma alternativa competitiva à rodovia para o comércio com a Europa e pode começar a fechar os tráfegos rodoviários». Ainda a este propósito, Mário Lopes salientou também que um dos grandes objectivos da “Y Basca”, linha em bitola europeia que Espanha está a construir para ligar o País Basco a França, é precisamente «tirar da estrada cerca de 6.500 camiões por dia», concluindo assim que «o tráfego de longo curso vai sair das estradas espanholas» – algo que, na sua opinião, não foi já feito porque «ainda não têm alternativas». «Vamos depender só da via marítima para os transportes para lá de Espanha?», questionou Mário Lopes. Ainda a respeito da “Y Basca”, Mário Lopes recusa-se a olhar para esse investimento www.revistacargo.pt

espanhol como um acto isolado e não o início de algo que se alastrará por toda a Espanha. E justifica o seu ponto de vista: «Espanha não ia investir 5 mil milhões de euros só para dotar o País Basco de bitola europeia, que como se sabe até é uma das comunidades menos leais a Espanha. A bitola europeia virá por aí abaixo…». «Material ferroviário em bitola ibérica será muito mais caro» – Mário Lopes Outro ponto focado por Mário Lopes na sua intervenção diz respeito ao material ferroviário, mais concretamente às diferenças nos custos. Partindo do princípio da mudança de bitola em Espanha, o orador lembra que nesse caso Portugal será o único país que precisará de material circulante em bitola ibérica. «O material ferroviário em bitola ibérica será muito mais caro quando só Portugal utilizar a bitola ibérica», defende. Por fim, e desafiado a analisar concretamente as perdas de tempo e de dinheiro inerentes à diferença de bitola no transporte ferroviário de Portugal para a Europa, Mário Lopes vinca que «quando dizemos que não faz falta bitola europeia porque se perde pouco tempo e é barato o transbordo de um comboio de bitola ibérica para bitola europeia, temos de contar com outros custos». Sobre o caso do comboio da DB Schenker, que ligava Portugal e Alemanha mas cuja operação terminou, Mário Lopes admitiu que o mesmo «não acabou propriamente pela questão da bitola mas que a bitola não ajudou», recordando que tinham de ser utilizados dois comboios, um em bitola ibérica até à fronteira de França e outro em bitola europeia a partir da fronteira, numa logística que considera «inviável» porque está sujeita a complicações e atrasos, levando por exemplo à perda de canal ferroviário para operar nas congestionadas linhas ferroviárias francesas. Carlos Fernandes defende que não foi a bitola que acabou com o serviço da DB Schenker e dá exemplo do China-Europa Opinião diferente em relação ao comboio da DB Schenker tem Carlos Fernandes, responsável da Infraestruturas de Portugal (IP) que marcou presença no debate. Na sua intervenção, Carlos Fernandes vincou que não foi a diferença de bitola que inviabilizou o serviço Portugal-Alemanha mas sim «o boicote» de França ao comboio, a qual não abria canais para que o mesmo fizesse o percurso de forma natural. Ainda a propósito dos fretes ferroviários que

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exigem mudança de bitola no seu percurso, Carlos Fernandes recordou o exemplo da cada vez mais potenciada ligação ferroviária entre a China e a Europa, a qual exige quatro mudanças de bitola no caso do comboio que chega a Madrid. E não é isso que retira a procura por estes serviços, vinca. Dito isto, o responsável da IP reagiu a uma série de tópicos do debate. Uma delas sobre a possibilidade de Portugal construir uma uma nova rede em bitola europeia, deixando uma resposta clara: «Se o país tiver capacidade, óptimo. Mas eu duvido que tenha…». Já sobre o facto do material circulante ficar mais caro em bitola ibérica, questão levantada por Mário Lopes, Carlos Fernandes contra-argumentou referindo: «muito mais caro ficaria deitar fora todo o material circulante actual e comprar tudo novo». Na sua intervenção, o responsável da IP aproveitou ainda para fazer uma síntese do Plano Ferrovia 2020, que recordou estar assente em quatro grandes objectivos: a renovação da Rede Ferroviária Nacional; o

aumento de competitividade no transporte ferroviário de passageiros e mercadorias; a aposta nas ligações internacionais; a criação de condições de interoperabilidade ferroviária. Mira Amaral: «Se Portugal não se preparar para a bitola europeia, ficará dependente dos portos secos espanhóis» Mira Amaral é outro dos signatários do Manifesto “Portugal: Uma Ilha Ferroviária na União Europeia” e esteve encarregue de encerrar o debate desta quarta-feira, na Ordem dos Engenheiros. Na sua abordagem, recordou a mudança de política energética na Europa, onde a «a Comissão Europeia decidiu privilegiar o transporte ferroviário e marítimo», em grande parte para que o petróleo saia do sector dos transportes – deixando a rodovia «reservada para o last mile». Na opinião de Mira Amaral, «Espanha está a construir um modelo de sistema ferroviário em bitola europeia que terá, naturalmente, que coexistir com a bitola ibérica por muito tempo», pelo que admite uma fase de transição em que coexistirão duas bitolas e Portugal continuará, na sua opinião, dentro

do mercado. «Ninguém está aqui a pedir que se mudem as linhas todas para bitola europeia de um dia para o outro», ressalva. Porém, Mira Amaral acrescenta que «quando Espanha tiver completa a sua rede básica em bitola europeia, vai colocar restrições à rodovia», algo que traria sérias implicações para Portugal. «Portugal não se pode alhear das construções em bitola europeia de Espanha», refere ainda o signatário do Manifesto, acrescentando que «se Portugal não se preparar para a bitola europeia, ficará dependente dos portos secos espanhóis, aumentando os custos de transacções à economia portuguesa». Já sobre os estudos da Infraestruturas de Portugal e as suas projecções para o tráfego ferroviário no futuro, Mira Amaral mostrou-se bastante céptico em relação aos resultados apresentados – até porque, recorda, já esteve do outro lado e sabe «como são feitos estes estudos». E alertou para a necessidade de se colocar na equação a transferência modal: «Têm de ser feitas projecções de tráfego com base na transferência modal da rodovia para a ferrovia».

CARLOS VASCONCELOS (MEDWAY) DEU 4 EXEMPLOS QUE «DEMONSTRAM QUE BITOLA É FALSA QUESTÃO»

ainda mais o alcance do primeiro: «Em Enquadrado neste debate da Ordem dos Portugal, a bitola da rede ferroviária é a Engenheiros, o presidente do Conselho ibérica. Tal como no tráfego transfronteiriço, de Administração da Medway, Carlos também no mercado interno a ferrovia Vasconcelos, apresentou, num artigo de tem uma quota marginal no transporte de opinião para o jornal ‘Público’, «quatro mercadorias, de cerca de 6%. Verifica-se, exemplos concretos que demonstram não por conseguinte, e uma vez mais, que não ser a bitola uma questão». é a existência da bitola ibérica que constitui No primeiro argumento, denominado um entrave à competitividade da ferrovia», ‘Tráfego fronteiriço Portugal/Espanha’, explica. Carlos Vasconcelos explica que «Espanha Com o terceiro raciocínio, o presidente da continua a ser o maior parceiro comercial Medway utilizou o exemplo da parceria português, representando cerca de 50% das entre a Deutsche Bahn e a então CP Carga, nossas trocas comerciais com o exterior», para evidenciar, recorrendo ao sucesso mas, deste volume de carga movimentado da solução ferroviária, que a bitola não é entre os dois países, «somente cerca de 4% um factor impeditivo da competitividade é movimentado por caminho-de-ferro» – ora, da ferrovia – lembra Vasconcelos que tendo ambos a mesma bitola, «facilmente se o comboio ‘Autoeuropa’ «circulou nas conclui o que é óbvio: não é por causa da duas redes ferroviárias, a ibérica e a bitola que a ferrovia não é competitiva. Nem europeia, ou seja, entre Portugal e a é a incapacidade competitiva da ferrovia fronteira hispano-francesa eram utilizados que retira competitividade às nossas os nossos comboios (de bitola ibérica) e exportações para Espanha», finaliza. A-F Alfala-faldon21x7,5PT-130218.pdf 1 20/2/18 17:20 entre esta fronteira e o destino final, na O segundo argumento serve para reforçar

Alemanha, eram utilizados os comboios da Deutsche Bahn. As mercadorias eram, por conseguinte, transbordadas na fronteira de uns comboios para os outros». O quarto e último argumento utiliza a tendência de transbordo ferroviário posta em prática nos serviços ferroviários entre a China e alguns países europeus no que toca à circulação de contentores: «Estes comboios atravessam quatro bitolas diferentes e estão a funcionar, sem quaisquer problemas. O facto de terem de transbordar as mercadorias em quatro momentos não constitui qualquer entrave», sublinha, apontando que «a competitividade da ferrovia depende unicamente de outros factores, designadamente do traçado das linhas». Elencados os quatro argumentos, Carlos Vasconcelos conclui que não faz «qualquer sentido investir vários milhares de milhões de euros em linhas de bitola europeia, como propõem os subscritores do manifesto»,

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MARK WENDER (JUNGHEINRICH PORTUGAL): «2017 FOI UM ANO HISTÓRICO» A JUNGHEINRICH ASSINALA EM 2018 O SEU 20.º ANO DE ACTIVIDADE EM PORTUGAL. A REVISTA CARGO ENTENDEU QUE A DATA MERECIA UMA ENTREVISTA EM EXCLUSIVO E O SEU MANAGING DIRECTOR, MARK WENDER, ACEITOU O DESAFIO. NUM APONTAMENTO QUE FAZ UM APANHADO DE DUAS DÉCADAS DE CRESCIMENTO, MARK WENDER MOSTRA-SE MUITO ENTUSIASMADO COM O CRESCIMENTO DA ECONOMIA PORTUGUESA, O QUAL FEZ DE 2017 O MELHOR ANO DE SEMPRE DA EMPRESA NO NOSSO PAÍS. E FALOU-NOS AINDA DOS DESAFIOS DA INTRALOGÍSTICA, ALGO QUE CONHECEMOS MELHOR, “IN LOCO”, EM HAMBURGO.

Ainda não são conhecidos os resultados da Jungheinrich relativos à ‘performance’ de 2017. No entanto, pergunto-lhe como tem sido a evolução da Jungheinrich nos últimos anos à escala global?

Em Hamburgo reparei que foram vários os membros da Jungheinrich a dar-lhe os parabéns pelos resultados alcançados em Portugal. Sente que os objectivos traçados pela casa-mãe foram atingidos?

das empresas para que possam satisfazer essa confiança. Isso traz procura de empilhadores porque as mercadorias têm de ser movimentadas de alguma forma.

MARK WENDER: É verdade que os resultados de 2017 ainda não foram divulgados mas posso dizer que alcançámos os nossos objectivos no ano passado, assim como o crescimento que tínhamos previsto, tanto a nível de facturação como a nível de encomendas ou máquinas produzidas. Foi mais um ano positivo para a Jungheinrich, no seguimento de anos anteriores.

Mais do que atingidos, foram superados! Havia uma previsão de crescimento para Portugal mas conseguimos superar as estimativas em quase todas as áreas de negócio. Foi um ano bastante positivo para a Jungheinrich Portugal e reconhecido como tal.

Eu acredito que a dinâmica positiva se mantenha este ano e acredito que poderemos voltar a crescer. Mas a verdade é que 2017 foi um ano histórico no volume alcançado pelo mercado em Portugal. Cresceu 30% e será difícil voltar a crescer a esse ritmo. Mas acredito que possa crescer na ordem dos 5%. Foram introduzidoas 4070 máquinas em Portugal no ano 2017 e esperamos que possam ser introduzidas entre 4100 e 4200 em 2018, o que já seria muito bom.

Essa evolução tem sido constante ao longo dos últimos anos? No ano 2009 tivemos uma grande quebra, devido à crise mundial. Mas, daí para cá, temos vindo a recuperar e nos últimos cinco anos tivemos crescimentos anuais muito interessantes. E em Portugal, como correu o ano 2017? Estamos muito satisfeitos com a evolução registada no ano passado. Alcançámos um ano muito bom ao nível de facturação, onde tivemos um crescimento entre os 10% e os 20%. Alcançámos a maior facturação anual de sempre em Portugal! Também registámos o maior número de encomendas de sempre no país, para além do maior número de máquinas introduzidas no mercado. Os lucros em 2017 também foram bastante positivos e dentro daquilo que tinhamos planeado. Por tudo isso, acredito que estamos num óptimo caminho. 32

A crise que falou há pouco afectou de forma bastante forte o mercado português. Sente que o nosso mercado já está outra vez dinâmico e devidamente recuperado dos efeitos da crise? No ano passado sentimos uma grande evolução, com esse crescimento muito importante que já referi. Mas do ano 2014 para 2015, o crescimento foi mais ténue, entre 3 a 5%, num mercado pequeno e com pouca dinâmica. O crescimento de 2016 foi quase nulo. Acho que o mercado começou a recuperar nesses anos e em 2017 conseguimos este grande crescimento de 30%. Há alguma razão que justifique esse crescimento depois de um período de estagnação? Há vários factores. Por um lado há o factor que já falámos da economia em si. Portugal saiu um pouco do modo crise, algo que podemos ver já nas taxas de desemprego e na evolução da economia. Por outro lado, a confiança dos consumidores aumentou, o que levou a mais investimentos por parte www.revistacargo.pt

Espera que em 2018 essa dinâmica positiva se mantenha?

Ao nível da procura de equipamentos, há algumas particularidades que identifica no mercado português? No passado, existia em Portugal uma grande procura por máquinas térmicas, ou seja máquinas a diesel e a gás, quando comparado com mercados da Europa Central, caso da Alemanha. Porém, o mercado português tem acompanhado a dinâmica do mercado mundial e há uma tendência cada vez maior de aposta nas máquinas eléctricas. Mesmo indústrias que eram típicas para as máquinas diesel olham agora muito mais para as máquinas eléctricas. Isso deve-se, sobretudo, à evolução da tecnologia, onde devo destacar também a evolução das baterias de iões de lítio, na qual a Jungheinrich é líder e pioneira. O mercado português tem registado


muita procura pela tecnologia baterias de iões de lítio?

de

Sim, tivemos um rácio muito bom de vendas de máquinas equipadas com essa tecnologia. E as vendas foram em todo o tipo de cliente, clientes de várias indústrias, empresas com grandes frotas e empresas com pequenas frotas. E a nível mundial, como tem sido a evolução da procura das baterias de iões de lítio? A nível mundial, quase que quadruplicámos as máquinas vendidas com estas baterias durante 2017. Somos líderes de mercado. A Jungheinrich Portugal apostou recentemente em novas instalações no Norte do país. Que razões justificaram esse investimento? Por um lado, foi a exigência do próprio mercado. Temos tido grande procura de máquinas usadas e de aluguer a Norte do país e era importante estar lá fisicamente com um espaço destes. Por outro lado, tínhamos requisitos e exigências internas relacionadas com o grande crescimento que estamos a registar, quer a nível de facturação quer a nível de volume. Criámos novos postos de trabalho nos últimos tempos e também tivemos de nos adaptar e adaptar as nossas instalações. Esse trabalho começou nas nossas instalações em Mem Martins, há dois anos e meio. E agora também o fizemos na Maia. Por outro lado, queremos também oferecer aos nossos colaboradores as condições adequadas ao seu trabalho. Isso não se faz só com um escritório bonito, precisamos também de um espaço para outras acções, nomeadamente para realizar formações a Norte. E falo não só das formações à equipa Jungheinrich mas também aos nossos clientes. O nosso volume está a crescer e precisávamos de mais espaço no Norte, onde podemos agora ter mais máquinas disponíveis e encurtar os prazos de entrega. Para além de ter os recursos para melhor preparar a nossa frota de aluguer e não estar tão dependente da nossa sede em Mem Martins. Por fim, também a localização deste novo espaço a Norte é agora melhor do que o anterior espaço que tínhamos nessa região. Agora, temos a Norte tudo aquilo que temos em Mem Martins, à excepção das centrais de recursos humanos ou contabilidade. Tudo o que é departamento comercial, técnico, assistência, temos a Norte também. E há o departamento de segurança e qualidade que só temos no Norte. Ao invés, a coordenação dos técnicos está centralizada em Lisboa. O que é que identifica na oferta da Jungheinrich face aos seus concorrentes?

São vários factores. Mas começo por destacar a própria empresa, o nome Jungheinrich. É uma marca forte em Portugal e no mundo, com a mesma estratégia forte de venda directa. Com isso, proporcionamos aos nossos clientes uma experiência premium e homogénea, para além de uma assistência técnica e comercial diferenciadas. Tudo com o selo de excelência “Jungheinrich”. E isso é muito importante, sobretudo quando falamos de grandes clientes, grandes multinacionais que esperam o mesmo nível de atenção em França, no Chile ou em Portugal. Temos um departamento central que coordena toda a comunicação, de forma a que se faça a mesma proposta em todos os locais. Mas também temos o foco nas empresas mais pequenas, sabemos dizer o que mais importa para uma empresa local. O que todos sabem é que a confiança que a Jungheinrich transmite é a mesma em todos os países. Por outro lado, destaco também os produtos e a formação. Para todas as empresas, a formação dos técnicos é feita directamente pela Jungheinrich. Os nossos centros de formação são certificados, e assim marcamos um standard. Não vendemos apenas produtos, também prestamos todos os serviços asssociados. Outra coisa que faz a diferença na nossa oferta é a nossa visão 360 graus do cliente. Não vendemos apenas o serviço técnico, apenas as máquinas ou apenas soluções de armazenagem. Nós englobamos tudo na nossa oferta, do início ao fim, incluindo a consultadoria. Temos, por exemplo, cada vez mais consultadoria de soluções energéticas, para poder dizer ao cliente qual é a melhor fonte de energia para os www.revistacargo.pt

seus equipamentos. Em Portugal também há outra novidade recente: a loja ‘online’. Como tem corrido esta experiência nestes poucos meses de actividade? Tem corrido bem. Aliás, já ampliámos a gama para quase 2.000 artigos, depois de termos começado com um portefólio mais reduzido. E começámos com esse número de produtos mais reduzido numa primeira fase para conseguir garantir aos nossos clientes que para esses artigos teriam o serviço que realmente esperam de uma loja online e da Jungheinrich. O que posso dizer é que o conseguimos fazer, garantindo prazos de entrega e de gestão interna. Agora que ampliámos a gama podemos dizer que começámos verdadeiramente. A Jungheinrich assinala este ano o seu 20.º aniversário em Portugal. Que balanço faz a empresa da actividade no nosso país? Nos três anos que estou em Portugal, posso dizer que a actividade tem corrido bastante bem. Mas também conheço bem a evolução desses 20 anos e sei que, no geral, tem corrido bem. Começámos com três pessoas, em Janeiro de 1998. Agora somos quase 90 pessoas e queremos mais, muitas mais pessoas. A nível da própria organização, é uma evidência que correu bem. E tenho que dizer que um dos pontos que nos deixa orgulhosos foi o facto de, durante a crise, não despedimos nenhum colaborador. Isto apesar da redução muito forte nas encomendas e no volume de negócio. Por outro lado, faço também um balanço muito positivo das parcerias com os nossos clientes, muito estreitas ao longo

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de muitos destes 20 anos. E essa também é uma garantia de que podemos continuar a crescer. E queremos fazê-lo não só ao nível de volume de máquinas vendidas, colaboradores, facturação, mas também a nível de infra-estruturas.

será também visível ao nível da ergonomia ou da maior capacidade de carga dos equipamentos.

Em suma, o balanço é muito positivo. Fomos pioneiros nalguns pontos, caso da loja online onde Portugal foi dos primeiros países em que foi introduzida dentro do grupo Jungheinrich.

A automação é claramente uma tendência de futuro, em conjunto com a digitalização e a conectividade. No passado, quando se falava de automação olhava-se sobretudo para os cálculos do retorno do investimento com a automatização. Hoje, pensamos num futuro onde poderemos não ter pessoas para trabalhar com as máquinas. Teremos menos espaço nos armazéns e uma solução automatizada permitirá reduzir esses espaços ao mesmo tempo que não precisaremos dos recursos laborais para mover durante 24 horas estas máquinas. Acaba por ser uma tendência para fazer frente à situação laboral que temos, onde faltam cada vez mais operadores, e também que aumentará o nível de segurança.

Na apresentação em Hamburgo, a Jungheinrich destacou quatro grandes pontos para o futuro dos seus produtos: a aposta nas baterias de iões de lítio; a automação; a digitalização e conectividade; e a segurança. Vou começar por lhe perguntar em que consiste essa aposta nas baterias de iões de lítio? Nesse campo, temos de fazer uma distinção clara entre a comum bateria de iões de lítio e a bateria de iões de lítio da Jungheinrich. De uma forma geral, a vantagem da tecnologia de iões de lítio está relacionada com a produtividade que a mesma traz para a máquina. Com estas, poderemos utilizar a máquina durante quase 24h, sem manutenção e sem trocar baterias. Garante ainda as zero emissões, o que permite que sejam utilizadas em ambientes onde máquinas com baterias tradicionais e com combustíveis fósseis não podem operar. Mas a tecnologia de iões de lítio da Jungheinrich é distinta. Somos nós que fabricamos as nossas baterias, mas também o carregador e ainda o sistema de gestão da bateria. A bateria está conectada e saberá exactamente qual a temperatura da máquina ou quando será necessário utilizar mais energia. Isso permite optimizar a tecnologia. Contudo, diria que nesta área ainda veremos muita evolução, seja ao nível de tecnologia, seja no próprio preço destas baterias. O preço ainda está muito dependente da falta de escala. Quando esta aumentar, como se espera para os próximos tempos, serão muito mais baratas. Mas a evolução das baterias

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E em relação à automação, de que forma tem a Jungheinrich trabalhado nesta área?

Já começou por falar de um terceiro ponto, a segurança... A Jungheinrich assume a sua responsabilidade, tanto perante os seus clientes como perante os seus colaboradores. E damos muita importância a essa responsabilidade. Isso acaba por fazer com que consigamos uma maior confiança dos nossos clientes e parceiros. Acredito que o nível de segurança muito elevado dos produtos Jungheinrich é também um dos nossos trunfos. Não interessa apenas quanto vendemos ou o nível de assistência, temos de garantir que o cliente pode utilizar os equipamentos com total tranquilidade. Por fim, sobre digitalização e conectivdade, o que destaca no trabalho da Jungheinrich? Power buy The Hour, e que o Mark me tinha explicado que vai evoluir até para um conceito de ‘truck sharing’, isto esta tudo relacionado a parte da conectividade e digitalização. É por ai que a Jungheinrich espera evoluir, na partilha de equipamentos entre empresas? A Jungheinrich já tem a sua própria fábrica

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de digitalização, uma empresa dentro do grupo Jungheinrich que tem colaboradores que estão apenas dedicados a este tipo de soluções. Como resultado disso temos, por exemplo, a APP que pode ser usada já em Portugal. Uma aplicação com a qual o cliente pode, através do seu smartphone, solicitar assistência técnica para o seu empilhador. Mas esse departamento é responsável por coisas simples como essa APP mas também de soluções mais complexas como o “Power buy the Hour” ou o “Truck Sharing”, ambos falados em Hamburgo. Estas duas soluções são fantásticas, acredito que poderão ter sucesso também em Portugal porque temos pontos onde estão várias empresas com muitas máquinas, casos dos Mercados Abastecedores, das Feiras, dos Business Parks... Uma zona como Palmela, onde temos a AutoEuropa, empresas de manutenção, etc., pode aproveitar este serviço para optimizar as suas operações. As empresas podem pagar apenas pelo tempo que realmente utilizam as máquinas.

Na prática, como é que a Jungheinrich disponibilizará essa solução no mercado? A Jungheinrich terá de alugar os espaços, dependendo das características. Depois, terá de decidir que tipo de máquinas pode e deve colocar à disposição. O cliente chegará e com o seu cartão recolhe a máquina para operar, entregando-a quando terminar o que tem para fazer. E será facturado apenas o tempo em que a máquina foi utilizada por esse operador que está registado. Já há uma previsão para a chegada dessa solução a Portugal?

Ainda não. Para já, implementámos em Inglaterra e de seguida será implementado na Polónia. Depois do Verão, veremos como correram estas experiências e decidiremos em que países vamos implementar a seguir.


FUTURO DA INTRALOGÍSTICA ASSENTE EM QUATRO PILARES A REVISTA CARGO ESTEVE EM HAMBURGO A CONVITE DA JUNGHEINRICH PORTUGAL A convite da Jungheinrich, a Revista Cargo esteve em Hamburgo para o evento “Innovations and Highlights 2018”, iniciativa que contou com 68 jornalistas de 18 países europeus. No evento, a Jungheinrich falou sobretudo do futuro – um futuro que, em muitas casos, já se começou a construir de forma consolidada. A fabricante alemã enalteceu quatro grandes pontos como referências e linhas orientadoras do seu trabalho e dos seus produtos: a aposta nas baterias a iões de lítio; a Automação; a Digitalização e Conectividade; e a Segurança. Baterias de iões de lítio

E a fabricante destacou mesmo que tem cada vez mais clientes que pedem soluções totalmente autónomas, nomeadamente porque não têm recursos humanos disponíveis para operar as máquinas.

como uma das áreas em que continuará a apostar forte, garantindo a máxima segurança nos armazéns e para quem trabalha com os seus produtos.

A Jungheirich recordou que é na intralogística que se encontram alguns dos maiores desenvolvimentos ao nível de Automação entre todos os subsectores da cadeia logística. Ainda assim, recorda que o seu leque de produtos conta com um pouco de tudo: sistemas manuais; sistemas semiautomatizados; sistemas totalmente automatizados.

No “Innovations and Highlights 2018”, a Jungheinrich apresentou também uma das suas mais recentes novidades: o “Power buy the hour”. A solução tem por base o conceito de sharing (partilha) que vem ganhando força em diversas áreas de actividade – potenciado por nomes como a Uber, Car2Go ou Airbnb -, aplicando-o aos equipamentos da fabricante alemã.

Uma das quatro apostas chave apresentadas pela Jungheinrich no seu “Innovations and Highlights 2018” diz respeito a uma área na qual a especialista alemã em intralogística já vem dando cartas: a aposta em baterias de iões de lítio.

No campo das soluções semiautomatizadas, a Jungheinrich promoveu no evento demonstrações de desempenho do seu modelo EasyPilot Follow – que apresenta como «o novo nível do order picking».

Nesta área, a Jungheinrich lembra que é já líder no sector e admite que as baterias de iões de lítio não são apenas algo a pensar para o futuro – «estão já a mudar o rumo do nosso mercado», admite a empresa. E recorda que foi a si que foi submetida a maior encomenda de equipamentos com baterias de iões de lítio (mais de 1.000 unidades), por parte de uma empresa cujo nome continua por revelar.

A área da Digitalização e Conectividade assume cada vez mais importância dentro do ambiente natural da intralogística e a Jungheinrich mostra-se ciente de que os seus produtos terão que estar cada vez mais adaptados a essa realidade.

Automação Ainda segundo o “Innovations and Highlights 2018” da Jungheinrich, a Automação será outra das áreas que fará cada vez mais a diferença na intralogística e, por tal, área chave da sua actividade e de desenvolvimento das suas soluções.

Digitalização e Conectividade

Neste campo, a Jungheinrich destaca o seu “Logistics Interface”, ferramenta que já hoje conecta vários sistemas dentro das várias actividades da intralogística. E apresentou ainda o sistema “Power buy the hour” (sobre o qual falaremos mais à frente). Segurança Já o tema da Segurança é daqueles que esteve sempre presente na estratégia da Jungheinrich e nos seus produtos. Ainda assim, a fabricante apresenta-o

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“Truck Sharing” – a Uber equipamentos de intralogística

dos

O primeiro nível do “Power buy the hour” já está a ser aplicado no Reino Unido. Com a solução, a Jungheinrich disponibiliza aos seus clientes a hipótese de pagar apenas as horas (pay per hour) em que estes estão a operar o equipamento – podendo sempre acrescentar mais horas de utilização, se assim o necessitar. A empresa desenvolveu uma app que permite fazer a localização exacta do equipamento via-GPS assim como os períodos de actividade do mesmo. A solução está hoje em testes no Reino Unido e será depois alargada a mais países. Por outro lado, ainda só disponibiliza equipamentos com motores a diesel e gás, devendo no futuro alargar este serviço a todo o seu portefólio de produtos. Numa segunda fase, o serviço evoluirá para uma solução de “Truck Sharing”, com a qual várias empresas poderão partilhar os mesmos equipamentos sabendo que operador utilizou em cada momento o equipamento que estará disponível para vários utilizadores e várias entidades.

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GÁS NATURAL VEICULAR GANHA FORÇA: TRANSPORTADORAS RODOVIÁRIAS RENDIDAS

O gás natural veicular vem ganhando força como alternativa aos combustíveis tradicionais. Em Portugal, pese embora ter ainda uma quota reduzida entre os combustíveis mais utilizados no sector dos transportes e logística, o ano de 2018 começou da melhor forma ao mostrar que os operadores estão cada vez mais atentos às inúmeras vantagens do Gás Natural Comprimido (GNC) e do Gás Natural Liquefeito (GNL) para as suas frotas. Ainda no final de 2017, aquando da apresentação dos seus resultados, a Santos e Vale dava conta que 2018 seria um ano de forte aposta na diminuição da sua pegada ecológica, nomeadamente através de um «investimento total de 5,5 milhões de euros» na renovação da sua frota, algo que será feito através da «aquisição de veículos pesados de transporte (40 toneladas) movidos a gás natural, os quais, diminuirão em 35% o impacto da empresa no meio ambiente», admitia a empresa. Já em Fevereiro deste ano, a empresa começou a materializar essa aposta com a

chegada dos seus primeiros veículos movidos 100% a gás natural (ver foto acima). A Santos e Vale deu mesmo conta que realizou uma fase de testes com veículos híbridos e veículos a gás natural, «onde estes últimos se mostraram a melhor opção neste momento para esta renovação». Quem também começou 2018 a apostar nos veículos a gás natural foi a Transportes Paulo Duarte, a qual anunciou a aquisição de cinco novos camiões Iveco a gás natural (foto na página seguinte), numa aposta que, defende, vai ao encontro da sua política de sustentabilidade. E a mesma adiantou ainda que mais unidades a gás natural se juntarão no futuro à sua frota. A Transportes Paulo Duarte enalteceu duas grandes vantagens do gás natural veicular: o facto de proteger o meio ambiente; e o facto de ser uma energia bastante económica em relação ao consumo de outros veículos. «Podemos efectuar uma determinada rota a um custo mais reduzido», concluiu a transportadora.

NUNO AFONSO MOREIRA (DOUROGÁS): «GÁS NATURAL É O COMBUSTÍVEL DO PRESENTE» Embora se veja um mercado do gás natural veicular mais dinâmico do que nunca, ainda existem passos importantes por dar em Portugal. Em declarações à Revista Cargo, o Presidente Executivo da Dourogás GNV, Nuno Afonso Moreira, enumera o vasto leque de vantagens do gás natural mas admite que há ainda um caminho a percorrer, nomeadamente em matéria de incentivos. REVISTA CARGO: Como tem visto a evolução do mercado do gás natural veicular, quer em Portugal quer a nível internacional? NUNO A. MOREIRA: O gás natural veicular é tipicamente um negócio B2B, ou seja, prioritariamente vocacionado para o segmento do transporte profissional em três segmentos de mercado: transporte de mercadorias, recolha de resíduos sólidos urbanos e transporte público de passageiros. O segmento do transporte de mercadorias e da logística tem evoluído de forma consistente e em linha com a tendência europeia. Actualmente, o nível de penetração de viaturas pesadas movidas a gás natural é ainda inferior a 1% do parque de veículos pesados matriculados no território nacional, mas este é claramente um sector em early stage, o que significa que temos hoje taxas de crescimento muito expressivas , acima dos 20% anuais, quando comparada à evolução registada nos últimos três ou quatro anos. Estamos convictamente convencidos que 36

Portugal e a Península Ibérica poderão, no curto prazo, ser uma caso de sucesso exemplificativo a nível europeu. Considerando os estudos que a nível internacional vão validando as políticas dos Governos centrais, existe hoje uma expectativa clara que, dentro de poucos anos, 10% das viaturas pesadas que circulam nas estradas europeias possam ser movidas por combustíveis alternativos, e neste contexto, a maturidade tecnológica, a relação custo/benefício e a viabilidade operacional que é exigida, apontam claramente para o gás natural como solução consensual enquanto combustível de transição. É um logro pensar-se que nos próximos 5 ou 10 anos uma viatura de 40 toneladas de peso bruto possa, por exemplo, fazer o percurso Lisboa-Madrid com uma bateria de lítio compatível com autonomias que permitam validar a dita viabilidade operacional. Se pensarmos que, hoje em dia, são registadas anualmente cerca de 3,5 milhões de passagens transfronteiriças nos dois sentidos entre Portugal e Espanha e que Espanha é, de há longa data, o principal parceiro comercial do nosso país, então só poderemos ter uma expectativa francamente optimista no que respeita à evolução do parque de viaturas movidas a gás natural no transporte de mercadorias à escala nacional e ibérica. À escala europeia, existe hoje já uma substancial penetração deste tipo de viaturas. Segundo dados oficiais, estamos a falar num valor superior a 1,3 milhões de viaturas, prevendo-se que em 2030, 20% nas vendas de novas viaturas sejam movidas a

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gás natural. Sem sobranceria, podemos hoje dizer que o gás natural é o combustível dos profissionais, e se há uns anos o sector falava no “combustível do futuro”, hoje não temos dúvidas em afirmar que estamos a falar do “combustível do presente”. Qual a abrangência actual da rede de abastecimento de veículos a gás natural da Dourogás, em particular de veículos comerciais pesados? O Grupo Dourogás tem uma missão clara no negócio da mobilidade sustentável: estarmos presentes onde o mercado reclamar a nossa presença. Equivale isto a dizer que não obstante os planos de investimento que neste momento temos relativamente claros no nosso plano de prioridades, estaremos sempre na linha da frente para acompanhar as dinâmicas do mercado e os requisitos de mobilidade dos nossos clientes. Actualmente, temos postos em Elvas, Carregado e Picoto (estes três combinando a tecnologia de GNC – Gás Natural Comprimido e GNL – Gás Natural Líquido) e Santo António dos Cavaleiros, Vila Real e Mirandela (estes últimos apenas com tecnologia GNC), e com estes cobrimos os principais eixos rodoviários do transporte de mercadorias e damos resposta a um número já substancial de operações de transporte público de passageiros e de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos (RSU), dois sectores onde a dimensão económica e a dimensão ambiental têm vindo a demonstrar substancial adesão ao Gás Natural. Em termos objectivos, a nossa estratégia passa claramente por promover a utilização do Gás Natural Líquido (GNL), a par do Gás Natural Comprimido (GNC), em postos de abastecimento localizados nos principais eixos rodoviários com maior tráfego de viaturas pesadas de mercadorias. Para 2018 temos prevista a abertura de quatro novos pontos de abastecimento em Portugal, sobretudo em geografias onde notamos algum défice de cobertura. E vamos ainda apostar no mercado espanhol que neste momento tem já um peso simpático no nosso negócio doméstico, com a abertura de um Posto de GNL/GNC. Queremos continuar no trilho dos nossos clientes e do mercado transportador. Acreditamos nas parcerias de longo prazo e é por esse caminho que queremos continuar a conduzir a nossa estratégia de crescimento sustentado.

a 25% de dióxido carbono, eliminação das emissões de dióxidos de enxofre e -95% de partículas poluentes. Se pensarmos que o transporte rodoviário é responsável por cerca de 1/3 das emissões de passivos ambientais da União Europeia e que, anualmente, segundo a Organização Mundial de Saúde, morrem em todo o mundo cerca de 6,5 milhões de pessoas devido às várias formas de poluição atmosférica, então o gás natural é definitivamente um combustível versátil, seguro e que simultaneamente é mais amigo do ambiente. Também na vertente económica, o gás natural é uma alternativa rentável, sobretudo no transporte profissional onde a redução de custos de combustível face ao diesel pode facilmente atingir os 40%. Em suma, existe hoje um reconhecimento consensual por parte do mercado que o gás natural é, não só, do ponto de vista ambiental um combustível mais ecológico e gerador de uma menor pegada de carbono, como, acima de tudo, permite uma contenção de custos de combustível na ordem dos 30% a 40%, o que, na actual arquitectura de mercado, permite às empresas do sector do transporte e logística, não só recuperar o sobrecusto das viaturas, como subtrair ganhos financeiros mês a mês em termos de custo de combustível, para além do dividendo reputacional inerente à utilização de um combustível mais amigo do ambiente. No futuro, vê a mobilidade eléctrica como o grande obstáculo à evolução do gás natural enquanto solução sustentável? A mobilidade eléctrica ocupa um espaço de posicionamente diferente face aos veículos a gás natural. Vemos o futuro, no curto e médio prazo, numa lógica de segmentação e complementaridade. Por um lado o gás natural, mais vocacionado para o transporte de longo curso, quer de mercadorias e carga geral, quer de passageiros, quer também no desenho de operações específicas como é o caso da

recolha e tratamento de RSU´s. O veículo eléctrico, no actual estado da arte da tecnologia, e seguramente nos próximos anos, estará sobretudo vocacionado para uma mobilidade mais inter-urbana e em redor dos pontos de carregamento, cuja capilaridade é ainda incipiente no mercado. Que grandes obstáculos enfrenta hoje o gás natural veicular que estão a impossibilitar uma maior adesão em Portugal? Por um lado, em Portugal a falta de incentivos, a exemplo do que existe em Espanha, com a moldura regulamentar do Plano Movalt, o qual financia à cabeça, não só os veículos a gás natural, como todos os restantes meios de transporte mais ecológicos. Por outro lado, até aqui a cobertura de pontos de abastecimento de GNC e GNL era ainda manifestamente reduzida, face às necessidades do mercado ibérico, o qual incontornavelmente tem de ser encarado como um todo, atenta a sua elevada inter-relação. Neste quadro, o Projecto ibérico do Consórcio ECO-GATE, do qual o Grupo Dourogás é parte integrante, vai permitir, no espaço de dois anos, dar uma resposta holística ao mercado: maior número de pontos de abastecimento de GNL e GNC, desenvolvimento de inovações tecnológicas que permitam atenuar custos operacionais e maximizar eficiências tecnológicas, e suporte à procura, por via de incentivos que cobrem parcialmente o sobre-custo, mormente das viaturas pesadas. Registamos igualmente com muitíssimo agrado e expectativa a recente iniciativa legislativa no sentido de reduzir a carga fiscal do ISP dos combustíveis menos poluentes como o gás natural. Trata-se de uma elementar medida de justiça que, vem de alguma forma repor competitividade ibérica no GNL e GNC, a exemplo do que havia já sucedido com o chamado gasóleo profissional.

Quais os principais benefícios da utilização do gás natural veicular, em comparação com os combustíveis tradicionais? É vastíssimo o acervo de benefícios. Seria um lugar comum não começar pelas vantagens ambientais e pelos próprios impactos ao nível da saúde pública. Com efeito, a característica mais conhecida dos veículos a gás natural é serem amigos do ambiente, pois o contributo para a redução das emissões poluentes é notório: -35% de óxidos de nitrogénio, -20

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OPINIÃO

O MONOPÓLIO AEROPORTUÁRIO EM PORTUGAL J. Martins Pereira Coutinho José Martins Pereira Coutinho entrou em 1958 na KLM Royal Dutch Airlines. Foi depois Director da KLM Cargo para Portugal, lugar que ocupou até à aposentação. Publicou inúmeros artigos e livros sobre a indústria de transporte aéreo.

Cremos ser do domínio público, que qualquer monopólio só tem sucesso num país se tiver a cobertura e a assistência, directa ou indirecta, do respectivo governo. Doutro modo, parece-nos extremamente difícil haver monopólios com sucesso e que resistam à concorrência internacional e à liberdade de escolha, que são apanágio dos países onde a economia de mercado e o comércio livre contribuem para o progresso económico e o bem-estar social das populações. No nosso País, apregoa-se muito as virtudes do comércio livre e da iniciativa privada, mas, curiosamente, pouco ou nada se faz para que seja possível verificar e confirmar os efeitos práticos e positivos dessas virtudes. Possivelmente por ignorância e incapacidade dos governantes, ou porque tudo funciona em circuito fechado… E é isto que se verifica no Governo PS/PCP/BE e nas empresas públicas sob o seu domínio, as quais, devido à incompetente gestão de gestores públicos da sua confiança política, estão falidas, ou a caminho da falência. Apesar disso, continuam a viver à custa do Estado, através de avultados subsídios para pagar os prejuízos causados pela sua deficiente gestão. Por esta razão, sempre defendemos a privatização de empresas públicas, sorvedouros de dinheiro público, desde que não fossem substituídas por monopólios privados, como acabou por acontecer no caso da ANA-Aeroportos. Este e outros monopólios estatais sempre foram albergues de oportunistas e desempregados políticos, porque os governantes sempre tiveram a preocupação de proteger os seus “boys” e de escolher administradores pela cor do seu cartão partidário - e não pela sua competência profissional e isenção política. Sobre a ANA-Aeroportos, em 2010, quando José Sócrates era primeiro-ministro, Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, escrevia: “O Governo vai entregar a concessão de todos os aeroportos – à excepção dos da Madeira – à ANA. Em seguida irá privatizar a empresa, impondo a construção do novo aeroporto de Lisboa como condição e contrapartida do negócio. O Estado estará a transferir um negócio público rentável, para um monopólio privado.” E Ramiro Moreira acrescentava: “Assim, o elevado custo de encerrar a Portela e construir Alcochete antes do tempo será, como é óbvio, amortizado através do aumento da taxa por passageiro a cobrar em todos os aeroportos, que já hoje é muito superior à espanhola”. Apesar destas denúncias não atraiçoarem a verdade dos factos, o cabeça-de-lista do PS pelo Porto, Alberto Martins - que integrava o Governo – 38

tinha garantido na campanha eleitoral, que a ANA não seria privatizada. Esta falsa garantia do ex-ministro Alberto Martins, estava eivada de hipocrisia para acalmar os eleitores portuenses, nas eleições autárquicas. E mentia, porque, no Memorando de Entendimento com a Tróica, assinado pelo seu chefe José Sócrates, constava a privatização da ANA-Aeroportos, da Galp, Empordef, CP-Carga, INAPA, ENVC, REN, EDP, EMEF, TAP e CTT. Além disso, em relação aos transportes, a Tróica impôs várias exigências e objectivos para serem cumpridos, nomeadamente adoptar um plano estratégico para racionalizar as redes de mobilidade e logística; reforçar a concorrência no sector ferroviário; integrar os portos, os comboios e os serviços de transporte aéreo, no conjunto do sistema logístico e de transportes. A privatização da ANA-Aeroportos e de outras empresas públicas foi imposta pela Tróica, e não - como tem apregoado o primeiro-ministro António Costa – pelo Governo de Passos Coelho, que teve de cumprir o que José Sócrates negociou e assinou. Doutro modo, não seriam enviados os 78 mil milhões de euros que ele tinha pedido, para evitar a bancarrota de Portugal. Nesta privatização, a exploração aeroportuária deixou de ser um monopólio estatal, para ser um monopólio privado. Assim, não há concorrência entre os aeroportos nacionais e os agentes económicos e passageiros, que continuam a ser abusivamente explorados. E também continuam a não poder escolher o aeroporto A ou o B, em função de melhores preços, ou de condições logísticas mais favoráveis. Logo, nada se alterou em termos de monopólio aeroportuário. No entanto, a situação pode agravar-se, porque o concessionário pode recusar-se a manter aeroportos em pleno funcionamento, se os resultados operacionais forem sistematicamente negativos. Até porque, qualquer empresa privada, quando é bem gerida, não aceita ter prejuízos crónicos. Em 2010, o Governo de José Sócrates decidiu integrar o Aeroporto do Porto na privatização da ANA e recusou uma proposta do consórcio Sonae/Soares da Costa para a concessão do aeroporto, que passaria a ter uma gestão privada e autónoma. Numa iniciativa empresarial do Norte de Portugal, esta proposta era apoiada pela região nortenha, Junta Metropolitana do Porto e associações empresariais AEP, ACP, AIMinho e AIDA.

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Curiosamente, esta movimentação começou num jantar do ex-primeiroministro José Sócrates com empresários, no Palácio da Bolsa, no Porto, onde lhes lançou o seguinte repto: “A Região Norte devia mobilizar-se e apresentar propostas para a gestão privada e autónoma do Aeroporto Sá Carneiro.” O repto foi aceite, mas José Sócrates não honrou a sua palavra e os seus compromissos, nem respondeu a uma carta da Junta Metropolitana do Porto e associações empresariais.

Isto prova que tudo foi feito no maior secretismo dos gabinetes ministeriais e do Palácio de S. Bento, à revelia dos Portugueses e do interesse nacional. Além disso, o modelo de José Sócrates, para privatizar a ANA e financiar a construção do novo aeroporto, condenava os restantes aeroportos ao estatuto de secundários e a retrocederem no seu desenvolvimento, devido aos interesses económicos do monopólio privado, na gestão do novo aeroporto.

Depois desta inacreditável cena política, o então presidente da Associação Comercial do Porto afirmou que a transferência do monopólio do Estado para os privados, como estava previsto no âmbito da privatização da ANA, não salvaguardava o interesse público e o interesse regional do Aeroporto Sá Carneiro.

Em Abril de 2010, o ex-ministro das Obras Públicas, António Mendonça, contrariando o seu antecessor Mário Lino, anunciou a privatização de uma parcela minoritária do capital da ANA - Aeroportos. Porém, depois de admoestado pelo chefe José Sócrates, António Mendonça deu o dito por não dito e afirmou que, afinal, a privatização da maioria do capital da empresa aeroportuária voltava a estar sobre a mesa…

A ACP e a JMP defendiam que o Aeroporto Sá Carneiro devia ser transformado numa empresa de âmbito regional e a concessão da sua gestão dada a uma entidade privada. Depois, denunciaram o que poderia estar camuflado nesta privatização, afirmando: “Se o Sá Carneiro for gerido de forma central pela ANA privada, o principal objectivo é o de rentabilizar o Novo Aeroporto de Lisboa. É esse o objectivo pelo qual os investidores compram a ANA.” Entretanto, à socapa, o Governo de José Sócrates incluiu na privatização da ANA-Aeroportos a construção do Novo Aeroporto de Lisboa, no Campo de Tiro de Alcochete, a 50kms de Lisboa. Estranhamente, ainda hoje estão por explicar as razões porque não houve então um concurso público, para a privatização individual dos aeroportos nacionais.

Após esta cambalhota circense, o Conselho de Ministros aprovava a minuta do contracto de concessão a celebrar entre o Estado e a ANA, que atribuía à ANA a concessão por 40 anos da operação dos aeroportos de Lisboa, Porto, Faro, Beja, Ponta Delgada, Horta e Flores, nos Açores, ficando ainda com a responsabilidade de construir e explorar o Novo Aeroporto de Lisboa, que o então ministro António Mendonça queria que estivesse pronto, em 2017!... Como era falsa a saturação do Aeroporto da Portela, esta pressa do ministro António Mendonça era muito estranha. A prova era o seu evidente entusiasmo pela construção do NAL, em Alcochete, o que, aliás, confirmou publicamente, quando disse: “já estamos atrasados nesta matéria. Temos de acelerar www.revistacargo.pt

para Portugal recuperar uma posição geoestratégica fundamental”... Por isso ou não, a Brisa e a Mota–Engil manifestaram interesse na privatização da ANA-Aeroportos, mesmo que o Estado vendesse menos de 50% da empresa, como António Mendonça anunciou em 17 de Fevereiro de 2010. Em Março de 2009, curiosamente, o tráfego de passageiros nos aeroportos da ANA baixava 11,3%, em relação ao período homólogo de 2008. Ou seja, planeava-se a construção de um novo aeroporto, num período de crise económica e de tráfego aéreo, a nível mundial. Depois de vários anos a discutir-se a localização do novo aeroporto e a destruição da Portela, a privatização da ANA-Aeroportos e a separação de aeroportos rentáveis dos não rentáveis, é fácil verificar a incompetência dos governantes para gerirem o dinheiro do Estado e as empresas públicas, nomeadamente aéreas e aeroportuárias. A nível aeroportuário, a prova da sua negligência está no abusivo aumento de taxas aeroportuárias, no boicote a uma segunda pista na Portela e na anunciada construção de um novo aeroporto, que custará centenas de milhões de euros ao Estado e não à ANA – Aeroportos. Tudo isto com o beneplácito do Governo de António Costa, apoiado pelo PCP e BE, que não actua na defesa do interesse nacional. Se actuasse, não seria necessário um novo aeroporto e o contrato de concessão do monopólio aeroportuário privado, seria escrupulosamente cumprido... coutinho.mp@gmail.com

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SECTOR ACREDITA QUE CARTA DE PORTE ELECTRÓNICA ESTEJA PARA BREVE

A REVISTA CARGO TEVE DUPLO PAPEL - DE MEDIA PARTNER E DE MODERADOR - NO MAIS RECENTE EVENTO SOBRE A CARTA DE PORTE ELECTRÓNICA (E-AWB), PROMOVIDO PELA MAEIL. À MESA ESTIVERAM COMPANHIAS AÉREAS E A OPERADORA DE HANDLING PORTWAY, TODOS CONVICTOS DE QUE A DIGITALIZAÇÃO DA CARTA DE PORTE ESTÁ PARA BREVE NO NOSSO PAÍS.

O evento “eAWB – Carta de Porte Electrónica’, realizado na Gare Marítima da Rocha, em Lisboa, contou com o alto patrocínio da MAEIL e da CHAMP e agregou em torno do tema central da carga aérea importantes agentes do sector como as companhias aéreas Emirates SkyCargo e Lufthansa Cargo, a empresa de handling Portway e vários transitários – cuja representação máxima não se fez rogar, marcando também presença na figura de Paulo Paiva, presidente da APAT. A intervenção inaugural de Hugo Duarte da Fonseca, líder da MAEIL, sublinhou o atraso nacional no que concerne à implementação da Carta de Porte Electrónica, que vem colocando, por todo o mundo, um fim à tradicional e obsoleta carta de porte em papel, em vigor – de forma inalterada – há cerca de 80 anos. Com o galopar imparável da digitalização, Bart Jan Haasbeek, representante da CHAMP, reforçou a necessidade de mudança no âmago do sector luso, num passo essencial rumo à harmonização da relação expedidortransportador numa plataforma comum de diálogo digital – fluído, célere, sem redundâncias ineficientes ou papelada à mistura. A necessidade deste passo marca o desejo de abraçar o suporte digital para mediar – e agilizar – a comunicação entre expedidores, transitários e companhias aéreas num contexto de constante 40

transformação tecnológica onde a competitividade das grandes potências globais se faz, cada vez mais, pela via digital. E onde novos players digitais como a Amazon ou a Alibaba parecem ser cada vez mais ameaças e cada vez menos parceiros. Rumo ao e-freight, foi realçada a necessidade da carga aérea adoptar o booking online e ainda demonstrada a eficiência do sistema multi-modal “Logitude”, desenvolvido pela CHAMP Cargosystems. A sessão prosseguiu, já no fim da manhã, com o debate ‘e-freight – desafios e oportunidades‘, mediado por Joni Francisco, director da Revista Cargo. «O maior impasse é causado pela parte legislativa» – Fernando Gomes

A pergunta que abriu a troca de ideias tentou explorar as razões que têm, nos últimos três anos (período que intermedeia o evento de hoje e outro realizado em 2015, subjugado ao mesmo tema), impedido a natural implementação da Carta de Porte Electrónica em Portugal – «o maior impasse é causado pela parte legislativa», afirmou Fernando Gomes, Gestor de Carga da Emirates SkyCargo, enfatizando, por outro lado, a receptividade das autoridades alfandegárias: «A Alfândega mostrou óptima receptividade, mas a legislação não permite total implementação da eAWB», explicou. «Se a legislação não muda, o e-freight nunca vai ser www.revistacargo.pt

implementado com a velocidade que se desejaria», concluiu. Já Maria Luísa Santos, Consultora de Vendas da Lufthansa Cargo, colocou a tónica na importância de um arranque sem reservas nem mais demoras, até porque «o eAWB é o primeiro passo para o e-freight», afirmou, corroborando a positiva receptividade da alfândega revelada por Fernando Gomes e adiantando que «existem muitas cargas que já podem ser tratadas via Carta de Porte Electrónica». O entrave da legislação foi argumento partilhado também por Bruno Tomaz Costa, Coordenador de Carga da Portway. «O que se pretende é fazer desaparecer o papel no que toca à carta de porte», comentou, durante uma das sua intervenções no debate, o representante da Emirates, relembrando que a parte da documentação é a base de todo o processo futuro de implementação, no qual «99% da carga aérea será processada por meio electrónico». «Queremos dar o primeiro passo», afirmou Fernando Gomes, deixando o exemplo – a seguir – do transporte marítimo. «Há muitas pequenas e médias empresas que ainda não estão ligadas a qualquer plataforma» – Maria Luísa Santos

Os efeitos positivos deste passo foram, depois, analisados pelo representante da Portway: «Eliminar o papel deste processo reduz erros, poupa tempo e


dinheiro e aumenta a fluidez do negócio», caracterizando-o como «uma solução de competitividade» a favor das pequenas e médias empresas. A necessidade dos transitários aderirem ao método digital é, concordaram os membros do debate, premente e cada vez mais fulcral para o desenvolvimento do sector; «há muitas pequenas e médias empresas que ainda não estão ligadas a qualquer plataforma», comentou Maria Luísa Santos. No encontro promovido pela MAEIL, as companhias aéreas e a Portway deram conta de uma recente reunião com a Alfândega, em Novembro passado. Essa reunião provocou optimismo no sector uma vez que, tal como referido acima pelo representante da Emirates, foi mostrada grande receptividade do lado da Alfândega. Então, de que lado está a bola? «De todos», vincou o responsável da Emirates Sky Cargo, lembrando que as companhias aéreas terão de começar a trabalhar com vários agentes para testar a transmissão de dados por via electrónica, mesmo que num primeiro momento isso signifique que os dados serão transmitidos a dobrar (em papel, como ainda é obrigatório, e em formato digital). «Mas isso vai acelerar o processo porque quando o eAWB for introduzido já saberão como trabalhar com isto, já estaremos avançados, não começaremos do zero a partir daí», realçou Maria Luísa Santos. Estabelecer metas temporais parece mais difícil neste momento. Hugo Duarte da Fonseca recorda o exemplo da carga marítima, sector onde foi definido que a JUP estaria operacional num dia específico e todos teriam de operar na plataforma a partir daí – admitindo não saber se será feito algo semelhante com o eAWB no aéreo. Ainda assim, o responsável da MAEIL identifica aqui algo que deve ser tido em conta por todos, porque quanto mais cedo começarem a comunicar via digital menos probabilidade terão de ser surpreendidos com eventuais datas de cumprimento do eAWB muito rígidas. Ainda sobre previsões relativas a avanços, o Coordenador de Carga da Portway, Bruno Tomaz Costa, admite que a Alfândega espera que o processo esteja mais consolidado do lado do mercado, o que implica mais parcerias e mais testes entre os diversos agentes, com mais informação transmitida e maior qualidade da informação transmitida entre transitários, companhias aéreas ou agentes de handling. Para esse trabalho desafiou a plateia composta maioritariamente por transitários para submeterem informação via digital o mais rapidamente possível, de forma a que se possa apresentar algo mais substancial e para aprovação da Alfândega «ainda durante este primeiro trimestre». Paulo Paiva (APAT): «Do ponto de vista operacional este passo ainda não se justifica» A troca de perspectivas alastrou à plateia, com o presidente da APAT a projectar a visão dos transitários: «A introdução da eAWB depende antes de mais da legislação. É vital uma resolução», explanou, garantindo não se tratar «de falta de investimento» por parte das empresas na vertente digital. «Do ponto de vista operacional este passo ainda não se justifica,

pois temos o entrave da alfândega», para depois concluir: «Não há adesão dos transitários porque os ganhos são ténues». Lembrando que «a colaboração dos transitários é fundamental para o desenvolvimento do processo», Paulo Paiva deixou a garantia de que as empresas pretendem «fazer parte do planeamento». Sobre a incerteza dos transitários quanto à adesão, Bruno Tomaz Costa deixou um conselho: «devem começar a ligar às plataformas digitais e a introduzir dados de carga, para assim permitirem uma adaptação e recolha de informação» que resulte numa optimização do desenvolvimento do eAWB e numa eficaz transmissão de dados, enaltecendo os «ganhos da informação, sem retype. Pequenos passos fazem a diferença». «É preciso transmitir dados e avaliar a qualidade da transmissão de dados dos transitários para as companhias aéreas», reforçou Maria Luísa Santos, recordando que esta é uma das preocupações centrais das autoridades alfandegárias no que toca à implementação do projecto.

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O evento “eAWB – Carta de Porte Electrónica”, organizado pela MAEIL, serviu também para fazer um ponto de situação da evolução da penetração da Carta de Porte Electrónica a nível global – e da falta de novidades para Portugal. Com a entrada em vigor da resolução electrónica 672 (MeA), que retirou a obrigação da apresentação de uma carta de porte (basilar documento de carga aérea que constitui o contrato de transporte entre expedidor e transportador) em suporte de papel, o sector do transporte aéreo de carga abriu caminho para a uma nova linguagem digital comum entre os expedidores, transitários e as companhias aéreas. A MAEIL e a CHAMP Cargosystems estão na vanguarda desta nova comunicação, apresentando as soluções necessárias para que a introdução generalizada da carta de porte electrónica possa mimetizar o sucesso de similar processo ocorrido no sector marítimo. A intervenção inicial coube a Hugo Duarte da Fonseca – feita a retrospectiva de três anos de estagnação do processo de implementação da eAWB em Portugal, o líder da empresa de soluções informáticas MAEIL descreveu «um sector dos transportes avesso à

mudança» mas deixou a garantia de que «a digitalização irá mesmo acontecer», a reboque de transformações imparáveis, como tão bem demonstra o caso de ascensão inquebrantável da retalhista Amazon, cujo sucesso se estende, cada vez mais, a todos os elos da cadeia de abastecimento e cujo desenvolvimento não será alheio ao sector aéreo. Perante este cenário, um dos primeiros passos rumo ao e-freight é a «desmaterialização da carta de porte» e a adopção da eAWB, esclareceu. Resistência em Portugal não encontra correspondência a nível internacional

A denotada «resistência em Portugal» não encontra correspondência com o comportamento evolutivo global: «registou-se, entre 2015 e 2017, uma duplicação da penetração das cartas de porte electrónicas» no âmbito internacional, comentou Hugo Duarte da Fonseca. «No nosso caso, estamos numa linha flat, o que não faz sentido. Não se justifica o facto de não existir evolução porque temos pessoas capazes e potencialidades para avançar», alertou. «A nível global a situação tem evoluído, mas, em Portugal, não se passou nada», reforçou.

«Se queremos abordar o futuro, teremos que estar interconectados», diz responsável da CHAMP

A sessão prosseguiu com a intervenção de Bart Jan Haasbeek, iniciada com um ‘toque a reunir’: «Se queremos abordar o futuro, teremos que estar interconectados», afirmou, relevando o «aumento do e-awareness». «Todos estamos conectados enquanto pessoas privadas, mas se formos expedidores também temos essa mesma necessidade de interconexão, até num ambiente business-to-business», realçou, considerando critérios como os da visibilidade, transparência e simplificação como pilares essenciais da estrutura moderna que engloba todos os elos da cadeia logística – para Bart Jan Haasbeek, o eAWB e as inerentes soluções informáticas Logitude e CargoHUB, oferecidas pela CHAMP, configuram uma oportunidade que o sector deve agarrar: «Enquanto indústria temos de melhorar, não podemos esperar muito mais», afirmou, lembrando ainda o avanço que o sector do transporte marítimo adquiriu – nacional e internacionalmente – face à carga aérea. Chegou o tempo de Portugal abraçar a mudança também.

HUGO FONSECA (MAEIL): «A NÍVEL GLOBAL, O E-AWB TEM EVOLUÍDO. MAS EM PORTUGAL NÃO SE PASSOU NADA»

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