6 minute read

1 Introdução

Com frequência, quando pensamos em redução de danos (RD) para pessoas que usam drogas (PQUD), nós pensamos primariamente em prevenção contra HIV entre os usuários de heroína injetável, por exemplo, através de programas de trocas/ distribuição de seringas (PTS) (needle and syringe programmes), testes e tratamento de HIV, e tratamento com metadona. No entanto, a redução de danos é muito mais ampla do que isso. A meta da redução de danos é reduzir todos os danos associados com o uso de drogas. Estes podem ser danos à saúde, os quais certamente se estendem além do HIV, mas também inclui os danos sociais ou econômicos tais como crimes contra o patrimônio, corrupção, encarceramento excessivo, violência, estigmatização, marginalização ou assédio policial (IDPC, 2016).

Devido à sua natureza pouco conhecida, este estudo é direcionado exclusivamente à redução de danos para aqueles que usam drogas estimulantes ilícitas de forma não injetável. Isto inclui engolir, cheirar, fumar e a administração retal (booty-bumping) de substâncias. Quanto aos estimulantes, são considerados especificamente: estimulantes do tipo anfetamina (ETA), cocaína e catinonas.

Advertisement

As intervenções que atendem aos danos associados com o uso de estimulantes incluem as terapias de substituição; os serviços de kits de testes de drogas; suporte psicossocial; distribuição de preservativos, lubrificantes e instrumentos para o uso de drogas; serviços de prevenção a infecções sexualmente transmissíveis; suporte para a geração de renda e empregabilidade; habitação, bem como a ampliação de serviços para pessoas que usam estimulantes injetáveis. Os modelos baseados em pares são mecanismos importantes para colocar as intervenções de RD em prática, especialmente para a prestação de serviços fora do horário comercial (IDPC, 2016). Ademais, o empoderamento de pessoas que usam drogas injetáveis (PUDI) para mudar a via intravenosa para outras rotas de administração mais seguras (tais como cheirar ou fumar) também é visto como uma importante intervenção de RD (IDPC, 2016). Uma vez que, com frequência, os grupos marginalizados de pessoas que usam estimulantes (PQUE) encaram comumente uma gama diversa de problemas sociais e de saúde, idealmente, as intervenções de RD devem oferecer um “serviço multidisciplinar e multiespecializado” (TNI, 2014).

1.1 Redução de danos no mundo de hoje

Em anos recentes, várias regiões no mundo testemunharam um aumento no uso de estimulantes. De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas 2018, as substâncias do tipo anfetamina (ETA) são a segunda droga ilícita mais comumente usada – após a maconha – com uma estimativa de 34,2 milhões de usuários em 2017. A predominância mais elevada de ETA é vista na América do Norte e na Oceania, e apesar de uma falta de dados confiáveis na Ásia, o uso de metanfetamina é visto como preocupante em muitos países e no Leste e no Sudoeste da Ásia, e possivelmente também na Ásia Ocidental (UNODC,

2018b; EMCDDA, 2018b). O surgimento de estimulantes sintéticos, e primariamente catinonas sintéticas, apresenta desafios adicionais (UNODC, 2018a, 2018b). O uso da cocaína, com uma estimativa de 18,2 milhões de usuários em 2017 em nível mundial também parece estar aumentando em algumas partes do mundo. Na América Latina, América do Norte e no Caribe, a cocaína tem uma longa presença (GOOTENBERG, 2009), e permanece como a droga de maior preocupação, após a maconha, para pessoas que buscam tratamento na América Latina e no Caribe (UNODC, 2018b). Na Europa, o uso de cocaína parece estar ressurgindo tanto em quantidade quanto em qualidade (pureza) (EMCDDA, 2018b).

Isto pede por uma ampliação das medidas de redução de danos e de evidência para a sua efetividade. Observa-se que as práticas mais inovadoras de RD têm sido realizadas por organizações de base. Elas tendem a ter um profundo conhecimento do contexto e das necessidades das pessoas que usam drogas. Muitos desses programas de redução de danos, no entanto, não divulgam seus sucessos, apesar de terem excelentes práticas no campo. Os programas mundo afora tendem a serem projetos isolados, com algumas exceções exemplares que oferecem uma integração abrangente da RD junto aos sistemas de saúde. Nem todos os países oferecem redução de danos. Com frequência, em países com políticas de drogas mais progressistas, a RD é integrada dentro dos serviços nacionais de saúde e sociais, mas em países com regulamentos de drogas mais rígidos, os projetos de redução de danos sofrem com falhas estruturais, financiamento e/ou suporte político. Apresentam falta de sustentabilidade, de perspectiva em longo prazo e compromisso político, e em grande parte são financiados por doadores internacionais. Poucos projetos conseguem sobreviver a mudanças políticas e financeiras, deixando as pessoas que usam drogas em muitos países em circunstâncias adversas. Uma melhor documentação das práticas de RD bemsucedidas e inovadoras pode fornecer suporte a estes projetos, potencialmente fortalecendo o tão necessário suporte político e financeiro.

1.2 Foco tradicional de evidência: prevenção de HIV para as PUDI

Globalmente, a maioria das intervenções de redução de danos é financiada sob as perspectivas da prevenção de HIV, focando em intervenções tais como troca de agulhas e seringas, testes e tratamento de HIV. Isto visa primariamente as pessoas que usam drogas injetáveis, infelizmente deixando de fora aqueles que fumam, cheiram ou ingerem suas substâncias. Os pesquisadores têm tradicionalmente preenchido a lacuna deixada pelos prestadores de serviço ao documentar algumas destas práticas, porém, a maioria do financiamento de pesquisa ainda é direcionada para a prevenção de HIV (e em uma menor extensão HCV/HBV) entre as PUDI.

Os usuários dos serviços são geralmente pessoas que injetam opioides. E a redução de danos desta forma torna-se associada com o uso de heroína. Mesmo nos países onde a redução de danos para os usuários de heroína está integrada dentro do sistema de saúde, políticas sólidas de redução de danos para os novos grupos de pessoas que usam drogas (PQUD) (com frequência usando estimulantes) são escassas.

Felizmente, nos anos recentes se observa um aumento, ainda que lento, dos projetos oferecidos e do corpo da literatura analisando estratégias de RD para drogas não-injetáveis e para estimulantes. Devido ao aumento de volume de estudos é que esta revisão sistemática da literatura sobre a redução de danos para o uso de estimulantes possui um grande valor.

1.3 Objetivos do presente estudo

Este estudo constrói e coleta a evidência existente sobre as intervenções de redução de danos para os usuários de estimulantes por vias não injetáveis. Considerando as diferenças sociais, culturais, políticas, legislativas e religiosas, parece improvável que uma única intervenção irá atender as muitas questões vivenciadas pelas pessoas que usam drogas estimulantes ao redor do mundo. Consequentemente, este estudo olha para drogas, rotas de administração, grupos de usuários, e tipos de intervenções específicas, além de variações contextuais.

O presente estudo: ◊ Fornece uma revisão de literatura global das atividades de redução de danos para as PQUE; ◊ Documenta, descreve e analisa sete exemplos de boas práticas de redução de danos para as

PQUE em diferentes regiões do mundo; ◊ Contribui para a orientação no suporte à redução de danos para as PQUE; ◊ Estimula uma narrativa de redução de danos que se move para além do HIV, com orientação do foco sobre os direitos humanos e a qualidade de vida para as PQUE.

No Capítulo 2 descrevemos nossa metodologia. O Capítulo 3 fornece mais informações sobre o contexto. Isto inclui as informações sobre os estimulantes, os riscos e os danos do uso de estimulantes, e o ambiente de risco nos quais se dão os consumos. O Capítulo 4 descreve os achados de nossa revisão de literatura, apresentando doze formas diferentes de intervenções de redução de danos para as PQUE. Por último, no Capítulo 5, descrevemos sete destas intervenções através de estudos de caso em profundidade, em diferentes regiões do mundo.

This article is from: