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Epílogo

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6 Conclusão

6 Conclusão

Criamos pontes e abrimos caminhos de diálogo pelo mundo, trouxemos toda nossa potência pro nosso território e dele falamos e nos apresentamos, seguimos bem as palavras de Bell Hooks, quando nos amamos e experimentamos a força transformadora do amor em nossas vidas, assumimos atitudes capazes de alterar completamente as estruturas sociais existentes, referindo-nos às mulheres negras, mas também a toda comunidade, que diante da mazela genocida do racismo e da lógica higienista, tentam impor e apagar nossa etnia e história. Somos redução de danos e o amor também é um forte aliado nessa construção social e coletiva.

O relatório “Limites da Correria: redução de danos para pessoas que usam estimulantes”, nasce movimentando a rede comunitária em toda sua forma, através das vivências de redução de danos no mundo, e daí podemos perceber e sentir, somos um movimento, uma força em organização, atuando em todos os campos, quer seja na rua, na academia, nas estruturas governamental e não-governamental, somos sociedade civil, somos povo, somos a potência que guiará a construção de uma nova era da nossa civilização.

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Em alguns pontos do mundo acontecem neste momento guerras de formatos variados e ampliados absurdamente a cada segundo, limitam formas e expressões de vida, onde os caminhos de vida e subjetividade estão sendo julgados e criminalizados quer seja por raça, gênero, credo ou etnia. Em meio a uma crise planetária de valores, são iniciativas e provocações coletivas que darão a rachadura para o novo tempo que está por vir.

A redução de danos vive e sobrevive pela presença contínua e da organização de trabalhadoras e trabalhadores, usuárias e usuários de drogas, da rede de atenção psicossocial, do SUS e do SUAS, de toda rede visível e invisível. Insistimos e continuaremos a criar, porque o público não é do Estado, é do POVO, e a nós cabe a retomada e a direção deste país, enquanto gente que insiste em acreditar em gente.

Esta iniciativa provoca em nós o desejo de interligar, integrar e inovar. Esta foi nossa proposta desde o início, como tornar real nossos sonhos de vida e toda essa energia de trabalho, tão potente aos nossos olhos, mais ainda distante de tantas pessoas?

Trazer à tona as práticas de redução de danos no mundo, acontecendo em diversos países ao mesmo tempo, com troca e respeito, com autonomia e liberdade, junto a encontros, desencontros e reencontros, potencializando o que há de melhor em nós, nossa regulação comunitária e social, sim, este é o nosso fazer e comprovamos isto em cada uma das experiências.

Neste ano, na Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília, Sônia Guajajara ecoou no eixo monumental e nós reafirmamos novamente: “Nós somos a Força Nacional!”, sim, nós somos, enquanto povo organizado e que luta por uma sociedade onde as mazelas do genocídio indígena e do racismo sejam erradicadas, pois só diante de um pacto civilizatório poderemos contrapor este modelo que tenta se impor a nós, povo brasileiro, e a toda América Latina.

Não iremos aceitar este modelo bélico e proibicionista por lógica de controle de territórios e de formas de vida, na tentativa contínua de eliminar populações, na manutenção de lucro e poder.

Quando Marielle Franco se posiciona e pergunta “Quantos mais têm que morrer pra esta guerra acabar?”, essa questão precisa permanecer em nós, todos os dias, questionando em como quebrar esse padrão de guerra cotidiana que o sistema atual nos impõe, com barreiras capitalistas e centradas no lucro econômico, que se estrutura com a manutenção ininterrupta do machismo e do racismo.

Acontecendo no Brasil do século XXI onde tentam impor lógicas medievais de vida, propomo-nos a apresentar as ferramentas que construímos em meio ao cenário de guerra, a exemplo das salas de uso seguro como realidade a quem deseja e sabe que pode promover qualidade de vida e garantia de direitos, a liberdade religiosa como prática e acesso a bem-estar, sem imposição de lógicas únicas e centradas num único olhar.

A necessidade de espaços integrados de convivência que possam servir de moradia passageira já nos são realidades, entretanto, não podemos deixar de falar do déficit habitacional e da desigualdade social alarmante no país, o que impedem qualquer desenvolvimento em médio e longo prazo. Moradia é cidadania e direito básico de toda pessoa. As desigualdades e vulnerabilidades provocadas pela falta de espaços de moradia dificultam processos de cuidado que necessitam de suporte adequado e preservado.

Diante da falta de ética, do centralismo branco e masculino posto na política, unidos à força de falsos religiosos, travestidos de moralidade, com referenciais racistas e escravocratas, temos que assistir, cotidianamente, rios de sangue provocados por um genocídio estatal deliberado contra jovens e mulheres cis e trans, tratados com seres sem valor e que diante das escalas brasileiras se tornam cada vez menores, de acordo com a região, religião e função social.

A imposição de formatos autoritários e contrários à liberdade não permitem discussões necessárias e relevantes a esta nossa construção, e por isso precisamos criar e construir, trazer à tona as experiências e vivências dos diversos campos de guerra pelo mundo, que de algum modo tentam preservar formas de subjetividade julgadas e criminalizadas apenas por existirem. Interligar práticas, vivências, saberes e continuidades são estratégias de sobrevivência desde sempre, e é neste lugar que nos encontramos, em todos os espaços onde a conexão com as experiências com substâncias psicotrópicas nos provocam necessidades, precisamos ter a certeza que poderemos ter alguém junto, se necessário, e em cada etapa deste processo, quer seja para o uso seguro, para proteção social, para avaliar e repensar este uso, todas as práticas terão nossa formatação e cuidado necessários.

Como aponta nosso companheiro Dênis Petuco, no Pomo da Discórdia, um fato é de que as práticas de redução de danos nos permitiram uma ampliação na atuação de trabalhadoras e trabalhadores, onde a dedicação ao trabalho junto às pessoas nos territórios nos permitiu conceber dentro da política pública atendimento e acolhimento em situações de risco ou vulnerabilidade no acompanhamento a pessoas com uso ou abuso de substâncias, inclusive em casos onde as pessoas não queriam parar o consumo e ainda assim conseguiram se cuidar e ficar vivas com qualidade. Sem desconsiderar nenhuma outra iniciativa, esta afirmativa nos mostra que conseguimos e entramos na construção do mundo que acreditamos e sabemos que podemos, no cuidado ao nosso povo e a nossa realidade biopsicossocial. Neste lugar, afirmamos e posicionamo-nos, criando formas de continuidade da educação para autonomia e para liberdade, assim como nos ensinou Paulo Freire, nosso patrono e mestre da educação brasileira.

Na perspectiva de uma sociedade decolonizada em sua forma de ser, feminista por vida e fato, antirracista por ação e saída, que possibilite vivência em comunidade, com potencialização do território e de suas práticas de cuidado, acolhimento e proteção, lançamos e chamamos pra caminhada, o povo que quer bem viver. Seguindo Chicão, nosso ancestral e cacique Xukuru – “Diga ao Povo! Avançaremos”.

Priscilla Gadelha Moreira

Psicóloga Clínica, CBT em Análise Bioenergética Cofundadora da Escola Livre de Redução de Danos Ex-trabalhadora do Programa Atitude (2011-2016) Integrante do Movimento Brasileiro de Redução de Danos (MBRD) Integrante da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionista

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