AYRSON HERÁCLITO RENÉ MAGRITTE ALFREDO JAAR LUIZ BRAGA GERALDO DE BARROS
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Capa: Ayrson Heráclito, Bori: Iansã, 2011. © Ayrson Heráclito. Imagens cortesia: Museu de Arte do Rio - MAR.
AYRSON HERÁCLITO 10
LUIZ BRAGA 26 6
De Arte a Z
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Agenda
RENÉ MAGRITTE
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Livros
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Coluna do meio
GERALDO DE BARROS
ALFREDO JAAR
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de arte
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AZ
PELO MUNDO • Depois de atrasos, protestos e uma pandemia, o museu Guggenheim Abu Dhabi tem uma nova data para sua abertura: 2026. O Guggenheim já anuncia planos para seu novo espaço nos Emirados Árabes Unidos desde 2006. Quando o museu projetado por Frank Gehry finalmente abrir suas portas, será o maior projeto do Guggenheim, com 97 mil m2. Também será um dos centros do nascente distrito cultural e turístico na Ilha de Saadiyat.
CURIOSIDADES • Depois de mais de dois anos de trabalho de limpeza e estabilização, a Catedral de Notre Dame da França está pronta para ser reconstruída. A notícia foi confirmada pela empresa de pela força-tarefa encarregada de restaurar a estrutura gótica de 850 anos, em um comunicado no Facebook. O grupo diz que está a caminho de terminar o projeto na primavera de 2024, bem a tempo para os Jogos Olímpicos de Verão de Paris.
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MERCADO • Esta é a obra de arte mais cara na Art Basel? Um negociante levou uma pintura de US$ 40 milhões de JeanMichel Basquiat para venda. Obras do falecido artista continuam a dominar as listas de desejos dos colecionadores. Pintada em 1983, é oferecida pela galeria Van de Weghe de Nova York, e torna-se um dos itens mais caros da feira, que retorna presencialmente este mês, pela primeira vez em 18 meses. .
GIRO NA CENA • 2º edição do NaLata Festival Internacional de Arte Urbana transforma a cidade de São Paulo em museu a céu aberto. Participam 11 artistas, entre eles o americano Obey (imagem), um dos mais influentes do mundo que fará dois painéis no Largo da Batata, além de outros nomes brasileiros de grande peso no cenário artístico como Bicicleta Sem Freio, Zéh Palito e Verena Smit que vão espalhar obras também pelos bairros de Pinheiros e Avenida Faria Lima. A partir de 20/9/2021.
NOVO ESPAÇO • Galeria Kogan Amaro Zurique se expande com a abertura de um espaço independente na Rämistrasse, coração cultural da cidade, com as mostras individuais NKENDA afroindígena, de Josafá Neves, e Prelúdio, de Mirela Cabral. O novo endereço passa ser o principal espaço da galeria, com um vasto repertório de artistas contemporâneos jovens e consagrados da cena artística brasileira. Rämistrasse, 35, Zurique.
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• DISSE A CURADORA SARAH ROBERTS, sobre nova mostra da artista Joan Mitchel no Museu de Arte Moderna de São Francisco. A pintora expressionista abstrata ganhará uma importante mostra em museu dos Estados Unidos, reunindo mais de 80 trabalhos dos seus alunos até suas pinturas finais, antes de sua morte. 7
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AGEnda
Rosângela Rennó, Série Corpo da Alma, 2006-2009.
A exposição da artista Rosangela Rennó, na Pinacoteca, apresenta os principais argumentos que a artista desenvolveu em torno da "fotografia expandida", aquela que extrapola a criação de imagens autorais e inclui seus processos técnicos e sociais. Além de obras que pontuam toda essa trajetória, a curadoria inclui trabalhos que serão vistos pela primeira vez e um projeto comissionado pela Pina. O ineditismo no Brasil fica por conta da instalação (2021), resultado da residência artística de Rennó em Colônia, na Alemanha, e a 8
série (20142021), produzida em Las Palmas, Espanha. Ainda faz parte da seleção, a videoinstalação (2021), uma reunião de videoaulas distribuídas pela igreja católica, em 1980, no tocante a luta do cidadão comum pelos direitos políticos e civis, que foi comissionada pela Pinacoteca de São Paulo para esta exposição. ROSANGELA RENNÓ: PEQUENA ECOLOGIA DA IMAGEM • PINACOTECA DE SÃO PAULO • 2/10/2021 A 2/3/2022
SOU DOS TRÓPICOS Praça Benedito Calixto, 103 Pinheiros São Paulo
CAPA
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AYRSON heráclito
Vodun Agbê II, 2010. © Ayrson Heráclito.
Ayrson Heráclito representa a grande reinvenção poética e política desse Brasil Yorubano. Artista visual, curador, professor e doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, Heráclito lida com frequência com elementos da cultura afro-brasileira, explorando em suas obras temas como o dendê, a vida no Brasil-Colônia, o charque, o açúcar, o esperma, o sangue, o corpo e a dor, assim como os arrebatamentos, e sonhos de liberdade. Em sua produção, Ayrson refaz a memória para secar feridas históricas coloniais, abertas pela exploração dos corpos em busca de riquezas na cultura canavieira. Rememorar a história, nos trabalhos do artista, ganha um sentido de expurgação, despacho. As feridas se juntam ao gesto de evidenciar algumas biografias, trazer rostos jamais conhecidos, rostos imaginados. Muitas vezes, as obras apresentam um caminhar performático e sagrado em luta, êxtase, revolta. 12
Yaô, 2007 da série Banhistas © Ayrson Heráclito.
COM TRABALHOS EM DIVERSOS SUPORTES, COMO FOTOGRAFIAS, VÍDEOS, INSTALAÇÕES E OBJETOS QUE EVIDENCIAM A CULTURA YORUBÁ, A EXPOSIÇÃO INDIVIDUAL DO ARTISTA BAIANO AYRSON HERÁCLITO CHEGA AO MUSEU DE ARTE DO RIO – MAR
Bori: Tempo, 2008-2011. © Ayrson Heráclito.
A CURA POR MARCELO CAMPOS A cultura yorubá foi uma das últimas a ser implementada no Brasil da diáspora, do sequestro e da escravidão de povos africanos. Um país que dizimava, explorava e marcava a carne dessa população. Chegando somente no século 19, os povos da África subsaariana, por outro lado, eram compostos de reis e rainhas, lideranças espirituais e políticas que permaneceram como fontes de saberes ancestrais, detentores de diversas tecnologias. Assim, a rede de trocas e ensinamentos, os ritos e as visões de mundo compuseram a vitalidade e a herança da população afrodescendente que se espraiou pelo país. 14
Bori: Nanã, 2008-2011. © Ayrson Heráclito.
Os saberes se amalgamaram. Aos mitos nagôs se somaram os jejes, gerando tradições compostas, jejes-nagôs. Tais mitologias conquistaram a mais ampla penetração na história do Brasil. Uma mitologia repleta de cores, elementos da natureza e dramatizações que seduzem anciãos e crianças. Estamos falando da cosmovisão encantadora que deu origem aos candomblés, cotidianamente ameaçados e perseguidos, ainda hoje. As diversas lendas e ìtàn nos apresentaram os deuses africanos, os orixás. Essas histórias, até hoje, são vividas nas ruas de nossas cidades, nos romances, nos livros, nos enredos de escolas de samba e, sobretudo, na oralidade. A partir das lendas, ficamos sabendo de um mundo sem 15
Bori: Ogum, 2008-2011. © Ayrson Heráclito.
pecado, em que a natureza dos seres e dos bichos se complementa. A consanguinidade, conceito restritivo, foi desafiada por constituições de outros tipos de parentescos relacionados às famílias de santo. De outro modo, a constituição do eu se relaciona a características herdadas dos deuses que nos coroam como filhos e filhas prodigiosos. Essa mesma mitologia nos apresenta caminhos (odus) repletos de amores e traições, revoltas e encantamentos, além das múltiplas possibilidades de vitória frente a toda e qualquer adversidade. Logicamente, esse enredo poderoso não passou despercebido pelas artes brasileiras.
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À esquerda: Barrueco Colar da Série Sangue Vegetal), 2005. À direita: Odé com Ofá da Série Banhistas, 2007. Abaixo: Oxum. © Ayrson Heráclito.
Ayrson Heráclito vem de uma Bahia nagô que incorporou em seu cotidiano os oúnjẹ, as comidas, os temperos, o iyọ̀, o sal, e, sobretudo, o epo, azeite de dendê, que, segundo o artista, compõe nossa impossível mistura no Atlântico, na qual azeite (epo) e água salgada (omi iyọ̀) se separam. O dendê, então, se liquidifica em componentes corporais, como a saliva, o sêmen, o sangue. E, ainda hoje, os deuses e as deusas yorubanos são recorrentemente temperados em ritos de maruim. 19
© Ayrson Heráclito.
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Desse Brasil, Ayrson Heráclito refaz a memória para secar feridas históricas coloniais, abertas pela exploração dos corpos em busca de riquezas na cultura canavieira. Rememorar a história, nas obras do artista, ganha um sentido de expurgação, de despacho. As feridas se juntam ao gesto de evidenciar algumas biografias, trazer rostos jamais conhecidos, rostos imaginados. Muitas vezes, os trabalhos apresentam um caminhar performático e sagrado em luta, em êxtase, em revolta. O povo de origem nagô, desde a própria denominação negativa “anagonu”, precisou reverter o estigma da subalternidade. A representação dos orixás, nas obras de Ayrson Heráclito, ganha a complexidade e o orgulho necessários na observação dos corpos, ara, das danças, ijo, dos gestos, da condição fenotípica que culminam em cenas e encenações lendárias, em que cada corpo se apresenta, ativando jogos de correspondência em um misterioso diálogo com a beleza, ewá.
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História do futuro - Corpo e Sal: o capítulo da hidromancia, 2015. © Ayrson Heráclito.
Bori: Oxalá, 2008-2011. © Ayrson Heráclito.
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Por diversas vias, Ayrson Heráclito atravessa a história da arte, incorpora o impacto da obra de Joseph Beuys e exercita o entendimento atualizado da condição espiritual da arte em contato com forças ancestrais, em conexão com o invisível. Por isso, ao “regressar à pintura” baiana, imagina a cidade de Salvador tingida de dendê, um tempero-unguento, um óleoamuleto. Ayrson Heráclito se torna, cada vez mais, um dos mais significativos artistas do Brasil a elaborar ritos de cura, guardando uma obra singular que negocia as relações entre um passado nefasto, constantemente sacudido e ritualisticamente eliminado em banhos de ervas (ìwẹ̀ orí) com águas frescas (omi odò tó ń sàn) ou no alimento constante às cabeças (borí) para que se mantenha o equilíbrio do corpo e do espírito.
Marcelo Campos é crítico de arte, curador e professor adjunto do Departamento de Teoria e História da arte do instituto de artes da UERJ.
AYRSON HERÁCLITO: YORÙBÁIANO • MUSEU DE ARTE DO RIO (MAR) • RIO DE JANEIRO • 7/8 A 12/2021 25
Barqueiro azul em Manaus, 1992.
LUIZ
ALTO relevo
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braga
CRONISTA DAS CORES E DOS SIGNOS COTIDIANOS DO PARÁ, LUIZ BRAGA GANHA EXPOSIÇÃO NO INSTITUTO TOMIE OHTAKE, QUE REÚNE PELA PRIMEIRA VEZ UM CONJUNTO DE RETRATOS EM CORES FEITOS NAS ÚLTIMAS QUATRO DÉCADAS
Não fosse a teimosia, a obra de Luiz Braga teria tomado caminhos muito diferentes. Nascido em Belém, no Pará, esse artista sabe que viajantes construíram grande parte do imaginário fotográfico do último século, mas teimou em seguir vivendo e trabalhando onde cresceu. Suas viagens, por assim dizer, começaram na cercania de seus trajetos cotidianos, adentrando casarios ribeirinhos pouco visitados pela classe média paraense e, quando muito, se estendendo até a ilha de Marajó, a poucas dezenas de quilômetros da capital. Braga percebeu na periferia belenense uma forma própria de colorir, distinta do restante da cidade, e dessa percepção também se sobressaíram as nuances de uma sabedoria e estética popular muitas vezes negligenciadas. Essa percepção foi motora de sua escolha, na década de 1980, por fotografar em cores utilizando filmes , o que implicava mandar os negativos para o exterior e aguardar três meses até conhecer o resultado de cada clique. 28
Rapaz e cão em Carananduba, 1990. © Luiz Braga.
POR PAULO MIYADA E PRYSCILA GOMES
A soma das teimosias de Luiz Braga levou à identidade que o tornou amplamente reconhecido dentro e fora do Brasil: cronista das cores e dos signos cotidianos do Pará, de sua singular imbricação da inventividade popular com a densidade atmosférica amazônica. Isso é muito, mas não é tudo. Esta exposição reúne pela primeira vez um conjunto de retratos em cores feitos por Luiz Braga nas últimas quatro décadas. Diante deles, é possível ver outros desdobramentos das insistências do artista. Em primeiro lugar, nota-se como a adoção da cor levou seus retratos a manterem um diálogo constante com a história da pintura. Isso se anuncia pela relação cromática entre personagens e ambientes e se aprofunda com a tensão constante entre o que entra e não entra em foco, o que ocupa o centro e as bordas dos enquadramentos e, especialmente, entre as linhas de força que ligam o olhar dos retratados e o ponto de vista do fotógrafo.
Raylana, 2013. © Luiz Braga.
Garçonete no Ver-o-Peso, 1985. © Luiz Braga.
“ Mulher no bar rosa, Belém 1990. © Luiz Braga.
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”
Em segundo lugar, percebe-se como a constância no envolvimento de Luiz Braga com certos territórios permitiu que ele alcançasse cumplicidade com retratadas e retratados, de quem costuma escutar muitas histórias e com quem constantemente volta a se encontrar outras tantas vezes ao longo dos anos. Tal cumplicidade atua nas dinâmicas que tornam os retratos possíveis, nem sempre explícitas ao observador das imagens. A fotografia, escreveu Luiz Braga, é máscara, espelho e escudo. É uma mediação, uma zona de contato em que aquele que registra e seu retratado estabelecem um diálogo complexo. Refletir sobre a complexidade desse diálogo se torna especialmente instigante na elaboração imagética dos retratados eleitos por Braga. São traços locais de uma existência popular em que diferentes etnias, costumes, ritos e contextos sociais se entrelaçam em uma região que teve sua centralidade muitas vezes negligenciada. Em um país de desenvolvimento desigual e combinado, a Amazônia é síntese prolífica da vivacidade de indivíduos, seus saberes e hábitos, frente ao escasso acesso a infraestruturas básicas e a políticas 35
comprometidas pela predação do seu entorno. Os exemplos são inúmeros: as queimadas desertificantes, o contrabando madeireiro, o garimpo venenoso, o “manda matar e deixa morrer”, o genocídio dos povos indígenas... que impactam a vida das populações ribeirinhas interpeladas há décadas por um discurso de progresso cujas benesses nunca as alcançam senão como miragem. A vitalidade resiliente do diálogo que Luiz Braga estabelece com essas populações, ainda que não explicitamente dada, emerge no encontro íntimo com cada indivíduo. Por isso, destacamos cada uma das imagens produzidas para que seu encontro com o público se dê em sua singularidade. Frente a frente, um olhar de cada vez.
Paulo Miyada é curador e pesquisador de arte contemporânea e atua no Instituto Tomie Ohtake como coordenador do Núcleo de Pesquisa e Curadoria.
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Priscyla Gomes é curadora associada do Instituto Tomie Ohtake e coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Curadoria.
Vendedor de pamonha, 1986. © Luiz Braga.
LUIZ BRAGA: MÁSCARA, ESPELHO E ESCUDO • INSTITUTO TOMIE OHTAKE • SÃO PAULO • 13/8 A 12/12/2021 37
O Terapeuta, 1948.
FLASHBACK
RENÉ
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MAGRITTE
MOSTRA EM MADRI DESTACA O COMPONENTE REPETITIVO E COMBINATÓRIO NA OBRA DO POPULAR PINTOR SURREALISTA RENÉ MAGRITTE. SEUS TEMAS OBSESSIVOS VOLTAM REPETIDAMENTE COM INÚMERAS VARIAÇÕES EM SUAS CURIOSAS E ENVOLVENTES PINTURAS
A IRONIA DAS IMAGENS
O Museo Nacional Thyssen-Bornemisza, em Madri, abre no mês de setembro uma retrospectiva de René Magritte, o célebre pintor belga ligado ao surrealismo. A exposição permanece aberta até 30 de janeiro de 2022 e, em seguida, segue para Barcelona, onde será abrigada pelo Caixaforum, entre 25 de fevereiro e 5 de junho de 2022. Intitulada (“A Máquina Magritte”), e curada por Guillermo Solana, diretor artístico do Thyssen-Bornemisza, a mostra conta com mais de 90 pinturas trazidas de várias partes do mundo e termina em uma instalação de fotografias e filmes caseiros feitos pelo próprio Magritte. Nascido em Lessines, na Bélgica, em 1898, René Magritte começou a pintar por volta de 1915 com influências impressionistas. A partir de 1916, durante sua formação na Academia Real de Belas Artes, de Bruxelas, o artista passou a caminhar entre o futurismo italiano e o cubismo figurativo de Jean Dominique Metzinger – mas logo perdeu o interesse. Foi em 1922 o primeiro encontro dele com uma tela de Giorgio de Chirico, o grande pintor metafísico italiano, e, diante de (1914), Magritte foi às lágrimas: “meus olhos viram pensamento pela primeira vez”. Quatro anos depois, ao conseguir um contrato com a galeria Le Centaure, ele deixou o emprego de ilustrador de pôsteres e propagandas, pintou aquele que é tido como seu primeiro quadro surrealista, (1926), e fez uma exibição solo no ano seguinte. Mas a exposição foi um fiasco. 40
Os dias gigantes, 1928.
POR NICHOLAS ANDUEZA
Abaixo: O jóquei perdido, 1926. À direita: La astucia simétrica, 1928.
Em busca de alternativas, Magritte rumou a Paris com o objetivo de se aproximar dos surrealistas, liderados por André Breton. Dessa vez, sucesso: em pouquíssimo tempo, já era tido como membro fixo do grupo, participando, em 1929, de uma exposição conjunta na qual constavam Salvador Dalí, Jean Arp, Max Ernst, Picasso, Picabia, Yves Tanguy, Joan Miró e o próprio Giorgio de Chirico. Todos produzindo a seu modo o estranhamento tão necessário ao surrealismo: a subversão do real para a construção de uma visão maior, capaz de ir muito além das obstruções racionalistas e obsessivas, tanto individuais como sociais, da linguagem e do pensamento. Vislumbra-se com isso a possibilidade de acesso a uma sobrerealidade, daí , segundo o termo cunhado por Guillaume Appolinaire, em 1917, apropriado por Breton. E um dispositivo central para essa busca é a colagem, pensada em sentido amplo: não só como recortar e colar elementos materiais em uma tela (Braque e Picasso fizeram isso antes mesmo dos surrealistas), mas como descontextualizar e recontextualizar elementos para formar composições insólitas – gesto já sugerido pela pintura metafísica de Giorgio de Chirico. Fora do lugar, tudo muda, tudo parece estranho e ameaçador. A colagem, em suas diversas formas, vem como meio para um profundo assassinato da familiaridade. 42
É certo que há muitos surrealismos possíveis, basta compararmos os nomes citados anteriormente: as paisagens amplas, oníricas, desérticas de Dalí, Ernst e Tanguy a bidimensionalidade de Picasso e Miró; as criaturas fantásticas de Ernst e Miró contra os amontoados orgânicos de Arp e Dalí e contra as figuras , mecânico-orgânicas, de Tanguy; a textura quase hiper-realista, entre pele e veludo, desses ciborgues os olhos fechados, vaginais, de Dalí, ou então contra os elementos vibrantes e monocromáticos de Miró. Ao mesmo tempo que algo os une, muita coisa os diferencia. Assim sendo, não é possível reduzir esses artistas ao surrealismo se lermos tal rótulo como homogêneo – o que é ilustrado pela inclusão de Giorgio de Chirico na mostra de 1929: mesmo sendo fonte inspiradora dos surrealistas, ele vem do movimento metafísico. E nem é possível, aí menos ainda, reduzir o surrealismo a esse pequeno grupo de homens europeus – lembremos de Frida Khalo, Maya Deren ou Murilo Mendes, cada um ao mesmo tempo passeando pelo surrealismo ou dele se desviando a seu modo. E, como nos casos anteriores, o surrealismo de René Magritte traça uma via própria. Com uma abordagem altamente filosófica e meta-representacional, Magritte tende à mimesis para atacar a mimesis. Ele reencena dispositivos pictóricos do regime 43
Personal Values, 1952.
representacional da arte, como o nomeia Jacques Rancière, para atacar esse mesmo regime. Sua pintura, portanto, de fato traz uma profundidade tridimensional, distingue figura e fundo e tende a um traço “realista” das formas, luzes e texturas, mas faz tudo isso para minar precisamente tais dispositivos, para colocá-los no centro do debate. Ao mesmo tempo, contudo, Magritte também se encanta com o poder humano da representação, essa estranha capacidade de conjurar seres e coisas em sua ausência por meio de convenções verbais e não verbais. Assim, o artista pousa na encruzilhada: ele se apoia em um nó autoconsciente da representação a partir do qual identifica os limites desta, mas não pode se expressar senão por meio dela – eis a ironia. Afinal, a impressionante força de um (1952) se quadro como deve precisamente à sensação de podermos quase tocar os objetos ali representados, tamanho o empenho técnico do artista em fazer . Mas engasgamos: as proporções não batem com a expectativa – há algo errado. Magritte habita esse engasgo; é essa a ferida que ele aperta com o pincel. O ganha aqui sua máxima carga estética e epistemológica, alçando voo para além do mero efeito de real por se autodenunciar. Nos termos do próprio artista, suas pinturas “pensam’, porque se colocam em questão; e, ao se colocarem em questão, é a nós que elas devolvem o problema da representação. Afinal, aquela imagem pintada primeiro em 1929, e depois retrabalhada outras vezes mais, é ou não é um cachimbo?
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O aniversário, 1959.
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Tentando o Impossível, 1928.
“
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Somadas em uma retrospectiva como a do Museo Nacional ThyssenBornemisza, as obras de Magritte sinalizam um imenso trabalho reflexivo. Um que revolve em torno do mesmo mistério central, o da representação, e o reencena a cada nova tela. Vem daí o magnetismo das situações absurdas propostas por Magritte: a janela que é quadro; o olhar que não tem rosto; a figura que é fundo – o cachimbo que é ideia. Como propõe o curador Solana, por meio do título da mostra é o nome de uma máquina. Repetindo quase de Madri, incessantemente os mesmos raciocínios pictóricos (vários cachimbos, jóqueis perdidos, homens de chapéu-coco, figuras-céu) a máquina Magritte é uma que não para de propor paradoxos viscerais, não para de refazer as perguntas que afligem. Na curadoria, portanto, Guillermo Solana propõe as sete seções da mostra tentando destilar certas questões de fundo, geradoras dessas , vemos repetições pictóricas. Na primeira parte, Magritte usar autorretratos para pôr em questão a figura do artista e, com ela, a do autor, a do gênio. (1928) é particularmente interessante, ao mostrar o pintor de frente para uma mulher que ele pinta: ambos parecem ser de mesma natureza, até que notamos o braço incompleto da mulher, ainda sendo concluído pelo artista. Na segunda parte, , observamos os insistentes jogos entre o verbal e o não verbal, um dos carros-chefes de Magritte – está nesta seção aquela tal pintura que levou Michel Foucault a escrever certo livro intitulado (1973). Vale lembrar que a contribuição de Magritte ao último número da revista (outubro de 1929) é precisamente um ensaio intitulado , no qual o artista ao mesmo tempo escreve e desenha, formando quase um manual em que testa certos limites do verbal e do não verbal. 49
Os amantes I, 1928.
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A chave dos campos, 1936.
Na terceira parte da exposição, , vemos alguns trabalhos de corte colagem e outros em que há uma inversão entre o fundo e a figura, onde o céu pode, por exemplo, ganhar um contorno humano – (1965). Trata-se de um jogo visual que mina a noção de perspectiva, um dos pilares do regime , representacional. Na quarta seção, constam telas que trabalham o ideal da transparência nas representações, fortemente vinculado ao oculocentrismo ocidental, que lê o mundo como imagem e gera imagens a serem lidas como “janelas” para o mundo. Em (2010), Georges Didi-Huberman nos lembra que o oculocentrismo entende o “ver” como “ter”, sugerindo relações com o imperialismo. E Hans Belting, no artigo (2015), propõe uma interessante comparação entre os dispositivos da janela no ocidente e do muxarabi no oriente, comentando os conceitos de representação ao qual ambos estão atrelados. Assim, quando Magritte pinta “A condição humana” (1933) ou “A chave dos campos” (1936), é a própria episteme ocidental que está em questão, e não “só” a pintura. , são as figuras Na quinta seção, sem face que reinam, seja por estarem de costas ( , 1954), seja por terem um tecido sobre as cabeças ( , 1928), ou por não haver exatamente um rosto, mas um olhar tão somente ( , 1950). Se em nossas sociedades o rosto tende a ser o centro da identidade individual, uma figura sem face se torna um vácuo, um fantasma. Cria-se um pesado ponto gravitacional de onde emana um olhar obscuro, sem origem. Logo, sendo a representação a presença de uma ausência, o olhar sem rosto pode ser lido como a perturbadora ausência de uma presença – o próprio mistério da antirrepresentação.
À direita:Bum Holes, 1994. Eight Shits, 1994 (Série The Naked Shit Pictures) Fotos: Cortesy Gilbert & George.
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Beardary, 2016. Courtesy of Gilbert & George.
Of All The Seasons, 2017. © Courtesy of Lynette Yiadom-Boakye and Jack Shainman Gallery, New York.
Scapegoating Pictures, 2013-2014. Courtesy Gilbert & George.
A sexta e a sétima seções, respectivamente e , são gêmeas. Talvez lembrando aquela seção sobre , ambas trabalham a lida dos corpos com o meio em que se situam. Mas agora, por caminhos diversos: , o corpo visa a se camuflar, sendo consumido pelo em espaço ( , 1932); enquanto em , o corpo se destaca além da conta e acaba por dominar o espaço, seja pelo tamanho ( , 1962) ou pelo posicionamento ( , 1963). E a exposição enfim se encerra com uma instalação de fotografias e filmes feita pelo próprio Magritte. A curadoria organiza esta seção como uma espécie de álbum de família, mas as produções podem não ser tão ingênuas quanto parecem à primeira vista – aliás, é possível assistir aos filmetes caseiros de Magritte no site do MOMA de São Francisco: https://www.sfmoma.org/watch/magritte-home-movies/. Tanto as fotografias quanto as filmagens reencenam certas composições pictóricas do artista, com encenações feitas por amigos, pela esposa ou pelo próprio Magritte. A imagem da câmera, por sua precisão técnica, coloca em cena ainda mais um fetiche ocidental, a máquina, de modo que Magritte se reencontra com aquela sua natureza maquínica, insistente repetidora de profundas perguntas representacionais. Seus filmetes lembram uma estranha mistura de Charles Chaplin, Maya Deren e Jean Vigo, considerando uma versão bastante caseira dos três. Frente a uma retrospectiva com tamanhas inflexões ao redor da representação, dentro e fora da pintura, fica fácil nos realmente não convencermos de que a tal para nunca.
Megalomania (La Folie des grandeurs), 1962.
Nicholas Andueza é doutorando em Comunicação e Cultura/UFRJ, com especialização em cinema, corpo e imagem de arquivo. Mestre em Comunicação Social/PUC Rio (2016).
RENE MAGRITTE: THE MAGRITTE MACHINE • THYSSEN-BORNEMISZA • MADRID • 14/9 A 30/01/2022 57
PANORAMA Trevira, 1975.
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GERALDO barros de
MOSTRA NO ITAÚ CULTURAL EXIBE A MAIS EXTENSA SELEÇÃO DE OBRAS DE GERALDO DE BARROS QUE TRANSITOU COM NATURALIDADE E ORIGINALIDADE POR DIFERENTES ÁREAS DE EXPRESSÃO: DA PINTURA E DA FOTOGRAFIA AO DESIGN DE MÓVEIS, SEMPRE IMPELIDO POR UMA PAIXÃO PELA EXPERIMENTAÇÃO
Artista de inegável importância, Geraldo de Barros atuou no circuito artístico brasileiro trazendo aspectos heterogêneos, que passavam do pensamento concreto ao experimentalismo fotográfico, para firmar seu apreço pela visualidade moderna. A profusão de meios artísticos que utilizava derivava mais do pleno exercício de racionalidade do que propriamente um pendor pela entropia. Com rigor moderno, o artista permitiu envolverse em todas as dimensões de projeto. De uma etapa deduzia, via processos inventivos, o próximo passo, estabelecendo sequências poéticas que modulavam, com inteligência, infinitas variações da Forma. No caso desse artista, não era a Forma – em sua razão e determinações finais – seu objetivo, mas os processos de mutações. Curiosamente, não parece se tratar da validação de um objeto em si, talvez seja a qualidade mesma da transmutação da Forma, esta, sim, pura e simplesmente. O trabalho de Geraldo de Barros, decorrente de cinco décadas produtivas, firmou-se com a comunhão entre desígnio e práxis na qual se evidenciava certa adesão ao mundo. Da conformação positiva entre ética e poética, Geraldo de Barros percorreu os principais movimentos artísticos do nosso século 20. De saída, pode-se perceber seu engajamento ao circuito artístico por sua participação 60
Leão do AngloLatino, 1976. Foto: Gustavo Scatena.
POR TATIANA MARTINS
Fotoforma, 1950-2001. Foto: Geraldo De Barros. (IMS Reproducão João L. Musa. Itaú Cultural)
nos importantes coletivos: XV, Ruptura, Rex e Foto Cine Clube Bandeirantes. O artista reuniu certos traços expressivos, da sua prática inicial com a pintura, ao fotográfico que, por sua vez, já assimilava o procedimento da técnica da gravura. Sua passagem pelo design, seguido da fabricação de móveis, permitia uma percepção aguda da produção colaborativa – cadeia inclusiva: do consumidor ao trabalhador não mais alienado da sua produção. Os cartazes e os folhetos de propagandas e marcas – Unilabor e Hobjeto – funcionavam a partir de dois registros: por um lado, aproximaram-no da imagética pop, de outro, reforçaram a poética combativa do projeto de funcionalidade dos objetos, ambos os registros enlaçados à produção em massa; a verve concreta na combinação aritmética nos múltiplos dados recobrindo o mundo de linha, plano e lidavam com o volume; já as ambiente literário das poesias visuais e, por fim, os traços sensíveis e afetivos da memória visíveis na série , último conjunto produzido pelo artista.
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Perceber os modos de vida se tornou tarefa para o artista, que manteve uma sintonia fina com a racionalidade visual. Nas superfícies dos objetos, havia formas que eram enfatizadas por um dos métodos de Barros: a Gestalt. Mas, para além da psicologia da forma, o artista nos legou um modo de ver, por assim dizer: o visível como traço constitutivo. O panorama de atuação do artista coincidiu com nossos principais movimentos artísticos. Todas as suas incursões poéticas se tornaram vias expressivas a partir das quais reflete-se sobre nosso sistema de arte. Considerando o ponto de partida, nosso projeto construtivo, pode-se redimensionar o papel desse artista em nossa história recorrendo, desse modo, à multiplicidade do fenômeno da Forma. Não sem motivo, celebra-se sua produção na retrospectiva , em São Paulo. O conjunto de 55 peças de , série produzida em 1980, são formas que flutuam bem ao gosto do manejo casual das mãos no lance de dados. Geraldo de Barros havia pensado essa série para homenagear o poeta francês Stéphane Mallarmé, que solicitava da linguagem o jogo entre sentido e acaso. Assim, o poeta favorecia o acaso como vórtice da linguagem porque, a partir dele, o encontro casual de sílabas, sons, frases formavam sensos e dissensos. Nos dados de Geraldo de Barros, as cores das superfícies parecem em permanente proposição visual e a combinatória provoca certa indecisão. Não se sabe se se percebe o plano ou o volume. Não se sabe se se optou por um ou outro. Ao certo, pode-se intuir que nosso raciocínio visual é provocado. Uma vez assegurada, nossa intuição visual busca seguir a lógica da linguagem: a geometria bem poderia ser tomada como sintaxe.
À direita: Três metades e um círculo,1950. G-14, 1990. Foto: Arquivo Geraldo De Barros. Sem título, da série Jogos de Dados (48), 1986-2016. 66
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Sabonete Francis,1977.
Cadeira, década de 1960 (reedição da década de 2010). Acervo do Instituto John Graz.
Acima e à direita: Negativo da Série Sobras, 1996-1998. Reproducão Michel Favre.
Um conjunto de fotografias que faz parte da exposição é , produzida entre os anos de 1996 e 1998, que reúne momentos afetivos. As imagens fotográficas, em princípio, destoariam da produção de Geraldo de Barros porque, como resultado final, diferem dos trabalhos que se apresentam em módulos – , por exemplo. No entanto, o procedimento incluía rigorosa montagem que, na acepção artística dele, resultava de radical experimentação. São imagens sem uma categorização fixa, pois delas sobram, quer dizer, um pedaço de visão, um lance de objeto, um tempo. Nomeada assim, a série parece afirmar o rastro: tempo e espaço não definidos, porém conhecidos por nós.
Tatiana Martins é formada em museologia e pós-graduada em História da Arte pela PUC-RIO.
GERALDO DE BARROS: IMAGINÁRIO, CONSTRUÇÃO E MEMÓRIA • ITAÚ CULTURAL • SÃO PAULO • 11/8 A 7/11/2021
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ALFREDO
DESTAQUE
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The Cloud, 2015. © Alfredo Jaar
EM MOSTRA NO SESC POMPEIA, INSTALAÇÕES DE GRANDE ESCALA FÍSICA APRESENTAM A FORMA DO ARTISTA CHILENO ALFREDO JAAR PENSAR, SUA POLÍTICA DAS IMAGENS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO, E REVELAM TAMBÉM REFLEXÕES EM TORNO DAS FORMAS DE CONTROLE SOCIAL E MANUTENÇÃO DE DESIGUALDADES
POR MOACIR DOS ANJOS
Nascido em Santiago, no Chile, Alfredo Jaar é artista, arquiteto e cineasta, e atualmente vive e trabalha na cidade de Nova York. Em quatro décadas de atividade, seu trabalho já foi mostrado extensivamente em todo o mundo. é a primeira apresentação extensa da obra de Alfredo Jaar no Brasil. Obra que escapa a classificações rígidas em termos de filiações ou procedimentos construtivos, ainda que mantenha, em meio a tal diversidade, o propósito de demonstrar a permanência, no mundo contemporâneo, de violências antigas. Violências que subalternizam muitos, restituindoos da humanidade garantida aos que detêm poder de mando. Sem pretender ser retrospectiva abrangente de trajetória já longa, a exposição afirma, por meio de conjunto coeso de trabalhos, um programa artístico com indissociáveis implicações éticas. E firmemente fundado no que já foi chamado de “política das imagens”. Alfredo Jaar várias vezes identifica e destaca, em sua obra, formas de domínio social baseadas no uso seletivo de imagens ou na sua subtração do espaço público, e não apenas em atos de força explícita. Imagens que servem à 74
Six Seconds, 2000. © Alfredo Jaar
ATAQUE À INDIFERENÇA
criação de um consenso falsamente apaziguado sobre a distribuição desigual dos recursos necessários à existência, submetendo parcelas amplas da população do mundo aos interesses de grupos reduzidos. Consenso que demarca a fronteira entre aquilo que é socialmente visível e inteligível e o que seria opaco à vista ou incompreensível em certa conjuntura histórica e política. É justamente por serem parciais e excludentes, porém, que esses arranjos dominantes de representação da vida estão sempre sujeitos a contestações, sendo irremediavelmente provisórios. Situação irresoluta que faz com que imagens importem, nos trabalhos do artista, não somente para o entendimento da emergência e manutenção de hegemonias causadoras de danos, mas também no combate a essas composições restritivas, tornando-as mais inclusivas e justas. Práticas de representação entendidas, assim, como espaços de disputas abertas no campo da ordem simbólica e da imaginação política. Disputas para criar as imagens (inclusive as formadas por textos) que, apesar das tantas que já existem, ainda faltam no mundo. Trata-se de uma obra, portanto, que considera o poder de as imagens tanto cegarem quanto informarem seus destinatários; tanto controlarem quanto emanciparem corpos em variadas situações. Uma obra que oferece entendimentos dissidentes do estado do mundo e promove a emergência de incertezas quanto aos acordos sociais vigentes – condições necessárias para imaginar outras formas de organizar a vida. Que percebe a arte como lugar de combate à indesculpável indiferença diante do sofrimento de tantos. 76
I Can’t go on. I’ll go on, 2016. © Alfredo Jaar.
Shadows, 2014. © Alfredo Jaar ..
Em , de 2006, Jaar constrói uma espécie de teatro para uma única imagem: o impactante registro do fotojornalista sul-africano Kevin Carter (1960-1994) de um garoto faminto no Sudão sendo observado por um abutre. Na instalação, o público assiste a um filme de oito minutos que reflete sobre os vários aspectos por trás de uma imagem. Jaar costuma dizer que “imagens não são inocentes”. Em de 2013, ele coloca em evidência esta frase do fotógrafo americano Ansel Adams (1902-1984) justamente para reforçar a , de 2014, o importância delas. Em artista se debruça novamente sobre uma imagem de dor e sofrimento. Desta vez, uma fotografia feita pelo holandês Koen Wessing (1942-2011) na Nicarágua, em 1978, no fim do regime autoritário de Somoza. Nessa instalação, uma sequência de outras imagens antecipam a exibição da potente fotografia principal. Um jogo de luz e sombras destaca a silhueta de duas mulheres que lançam seus braços no ar, em coreografia de luto e agonia. Não há texto, justamente como no livro , em que o próprio Wessing elaborou um retrato puramente visual do golpe militar na terra do artista.
Já em , de 2002, que nomeia a exposição, o artista reflete sobre os poderes que controlam a feitura e a circulação de imagens. A instalação apresenta três textos curtos que introduzem as implicações políticas do tema em contextos diversos para, em seguida, temporariamente cegar o público com a luz forte vinda de uma grande tela em sala escura. Ofuscação que serve de metáfora de processos de ocultação de imagens e da consequente necessidade de combater tal violência. Moacir dos Anjos é Pós-Doutorado em arte transnacional, identidade e nação na Camberwell College of Arts em Londres. É pesquisador e curador de arte contemporânea da Fundação Joaquim Nabuco, Recife.
Lamento das imagens, 2002.© Alfredo Jaar
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Oswald de Andrade VOLTA!, 2017.
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Garfo e Gancho, 2002. Série Armarinhos.
Outras pessoas pensam, 2012.
O OLHAR E SUAS POTÊNCIAS POR DANILO SANTOS DE MIRANDA Diretor Regional do Sesc São Paulo
No território da arte, as sucessivas permutas de experiências transitam entre a decantação de memórias e o aceno para novos arranjos. Diante das inquietações contemporâneas, com a polifonia de reivindicações e a urgência de variadas demandas, a expressão artística oferece pontes entre passado, presente e futuro e propõe meios para expandir reflexões, abraçando uma resistência humanista. Nesse sentido, no atual cenário de incertezas, Alfredo Jaar constrói sua poética, tomando como matéria-prima a densidade dos acontecimentos ancorados na realidade e nos episódios históricos. Predominam em sua obra temas sociais, políticos e humanitários, desnudando jogos de força da estrutura capitalista, relações de poder, processos de colonização, além da violência decorrente de tais conjunturas. Sua abordagem referente ao sistema de produção e circulação de imagens visibiliza implicações múltiplas envolvidas no ato de olhar, e sinaliza nossa corresponsabilidade enquanto espectadores e sujeitos da história, considerando, assim, uma nova potência discursiva.
ALFREDO JAAR: LAMENTO DAS IMAGENS • SESC POMPEIA • SÃO PAULO • 28/8 A 5/12/2021 85
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LIVros
Carlos Vergara e Cacique de Ramos, Maurício Barros de Castro, escritor, professor e curador, traz ao leitor uma análise crítica do encontro entre Vergara e o Cacique, e reflete sobre as questões que levaram o artista a olhar para fora de seu ateliê e buscar a cultura popular. Nos anos 1970, Carlos Vergara voltou o seu olhar e sua câmera fotográfica para o carnaval de rua do Rio de Janeiro, mais precisamente, para o bloco Cacique de Ramos. As imagens que Vergara produziu com o Cacique constituem uma das séries mais importantes de sua carreira. CARNAVAL-RITUAL: CARLOS VERGARA E CACIQUE DE RAMOS • Maurício Barros de Castro • Editora Cobogó • R$ 52,00 • 192 páginas Idealizado e produzido durante a pandemia, no início de seu isolamento voluntário, em abril de 2020. A artista Gabriela Noujaim desenvolveu a série , serigrafias com o mapa da América Latina sobre máscaras cirúrgicas. Os trabalhos foram enviados para profissionais da saúde e para mulheres de diversas regiões e áreas de atuação. A ação com esta obra se completava no ato de vestir a máscara nos apresentando estratégias de coletividades humanas e enfatizando um estado de atenção para as questões sociais e humanitárias. LATINAMERICA • Gabriela Noujaim • Lançamento na ArtRio 2021 Foi do romance , de Italo Calvino, que o fotógrafo Tom Lisboa tirou inspiração para seu novo livro. A relação com o livro de Calvino encontra-se no título. Maurília, na obra do escritor italiano, é uma cidade que oferecia aos seus visitantes, uma certa quantia de cartões-postais para que estes pudessem comparar a cidade atual com imagens que mostravam como ela havia sido. NOVAS MAURÍLIAS • Tom Lisboa • R$ 70,00 • 180 páginas • tom.lisboa@hotmail.com 86
Fotos: Sonia Balady
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COLUNA do meio
Emanuelle Araujo e Fernando Diniz
Art Lab Foto 2021 Art Lab Gallery
Stefano Viola e Diana Bouchardet
Fábio Martins
Fotos: Gabi Carrera
Juliana Monaco e Eduardo Monaco
Carolina Kasting
Antonio Bokel Espaço Cultural Correios Niterói
Kaiene Reis
Luiz Zerbini
Saulo
Paula Villoria
Antonio Bokel
O Real Resiste Mul.ti.plo Rio de Janeiro
Vanda Klabin
Carolina Kasting e Antonio Bokel
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Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente para tablets e celulares no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil. Para ficar por dentro do mundo da arte, siga a Dasartes.
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