Ano 13 • Edição 115 • 2022
DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin EDIÇÃO . NEGÓCIOS André Fabro andre@dasartes.com MÍDIAS SOCIAIS . IMPRENSA Leandro Fazolla dasartes@dasartes.com DESIGNER Moiré Art moire@moire.com.br REVISÃO Angela Moraes PUBLICIDADE publicidade@dasartes.com SUGESTÕES E CONTATO info@dasartes.com Doe ou patrocine pelas leis de incentivo Rouanet, ISS ou CMS/RJ
Capas: Laerte Késsimos, Todo seu, 2019. © Laerte Késsimos.
MARIA MARTINS 10
LAERTE KÉSSIMOS 28 6
De Arte a Z
8
Agenda
96
Resenha
102
Livros
103
Coluna do meio
GUSTAV KLIMT
GERTRUDES ALTSCHUL
RODRIGO SASSI 80
46
64
de arte
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AZ
PELO MUNDO • Um homem atacou com um martelo a escultura de Eric Gill na sede da BBC em Londres, enquanto outro homem transmitia ao vivo um discurso sobre a história de pedofilia do artista. Diários publicados após a morte do escultor britânico em 1940 revelaram que ele havia abusado sexualmente de suas filhas e do cachorro da família. A escultura, que retrata Próspero e Ariel seminus de de Shakespeare, foi instalada pelo artista em 1933.
CURIOSIDADES • MIS e Casa das Rosas apresentam instalação de Siron Franco em São Paulo. Obra presta homenagem às vítimas da pandemia, aos profissionais de saúde e ao mesmo tempo celebra a vida; A instalação formada por 365 manequins suspensos pode ser conferida a partir de 15 de janeiro no jardim do museu Casa das Rosas.
PRÊMIOS • Os quatro finalistas do prêmio de arte mais prestigiado da França, o , foram anunciados. Eles são a pintora Giulia Andreani, o escultor Ivan Argote, a artista multidisciplinar Mimosa Echard e o artista op de nova geração Philippe Decrauzat. Os artistas estarão em exposição a partir de 4 de outubro de 2022 no Centre Pompidou. O júri internacional indicará o vencedor no dia 17 de outubro. 6
GIRO NA CENA • A National Gallery de Londres abrirá uma exposição do grande pintor realista americano Winslow Homer, que fez seu nome como artista-repórter durante a Guerra Civil Americana e cujas imagens duras confrontavam os principais problemas enfrentados pelos EUA e seu relacionamento com a Europa e o Caribe. A abertura da mostra em setembro de 2022 incluirá mais de 50 pinturas e será a primeira exposição aprofundada no Reino Unido de um artista que é um nome familiar nos EUA.
NOVO ESPAÇO • O artista Vik Muniz inaugurou, na Feira de São Joaquim, em Salvador-BA, a galeria de arte Lugar Comum, que tem como objetivo aproximar nomes consagrados da arte contemporânea do grande público. Em sua estreia, o espaço recebe um trabalho inédito do artista carioca Ernesto Neto, a instalação , feita a partir de temperos - em um diálogo direto com as mercadorias encontradas à venda na feira.
• DISSE O CURADOR
“ ”
MARCELLO DANTAS para a abertura da exposição itinerante do argentino Leandro Erlich que chegou no CCBB Rio de Janeiro. O artista faz sucesso em todo o mundo deslocando edifícios, marcos arquitetônicos e objetos de seus “lugares-comuns”. 7
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AGEnda
Igor Nunes. Régua Máxima, 2020.
Está aberta a 13ª edição do Salão dos Artistas Sem Galeria, promovido pelo portal Mapa das Artes. Duas mostras estão abertas simultaneamente, na Lona Galeria de Arte e na Zipper Galeria, ambas em São Paulo, até 19/02/2022. Os dez artistas selecionados são: Bruno Gularte Barreto, Cláudia Lyrio, Cynthia Loeb, Diogo Santos, Igor Nunes, Kika Diniz, Liz Lopes, Luiza Kons, Paulo Jorge Gonçalves e Ronaldo Marques. O Salão dos Artistas Sem Galeria tem como objetivo avaliar, exibir, 8
documentar e divulgar a produção de artistas plásticos que não tenham contratos verbais ou formais (representação) com qualquer galeria de arte na cidade de São Paulo.
SALÃO DOS ARTISTAS SEM GALERIA • LONA GALERIA DE ARTE • ZIPPER GALERIA • SÃO PAULO • 13/1 A 19/2/2022
Não se esqueça que eu venho dos trópicos, 1945. Foto: Vicente de Mello.
ALTO relevo
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MARIA martins
MARIA MARTINS É UMA ARTISTA FUNDAMENTAL NA HISTÓRIA DO MODERNISMO BRASILEIRO E NO PANORAMA DO SURREALISMO INTERNACIONAL. ELA É CONHECIDA POR SUAS ESCULTURAS EM BRONZE, SEUS DESENHOS E SUAS GRAVURAS QUE REPRESENTAM FIGURAS FEMININAS HÍBRIDAS, BEM COMO MITOLOGIAS INDÍGENAS AMAZÔNICAS, AFRO-BRASILEIRAS E DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA
EROTISMO CANIBAL ENTRE OS GRANDES TRANSPARENTES
POR RODRIGO QOHEN
Sobre o grande vão livre, o jardim das presas petrificadas de uma mulher-medusa abriga o encontro de deusas e monstros com aspectos “sensuais e bárbaros”. Nas 56 peças – objetos em bronze, desenhos, gravuras e uma pintura – da “escultura dos trópicos”, divididas em cinco núcleos, está a exposição , que se desfaz do MASP ao fim deste começo de 2022. “Tudo é calma e esplendor, nenhuma folha se move”, ecoa Maria nos visitantes que ousam descortinar as trepadeiras pubianas que entreabrem a cachoeira, portal da casa gorgônea povoada por grandes seres transparentes. 12
Uirapirú, 1944. Fotos: Vicente de Mello. Cortesia: MASP.
Cobra grande, 1943. À direita: Amazônia, 1942. Fotos: Vicente de Mello.
IMAGINÁRIOS AMAZÔNICOS “O vento que canta e uiva, a grande canção de força e de desejo, o vento que ruge e ralha, transbordante e desesperado grita seu monstruoso amor num tumulto ofegante.” ( , Maria Martins) Algo penoso, ou vegetal, recebe em toada noturna. É (1944) que guarda a entrada, um pássaro antropomorfo como os de Max Ernst, de carapaça espinhenta e postura pronta para devorar quem ousa se aproximar. Se se atentar ao lado, verás em retrato no estudo-desenho feito em carvão, como se a sombra dele fosse aprisionada pela mão mágica que suprime seu canto sedutor. Esse gorjeio ondulante ecoa nas tranças de (1942), retratando a cópula entre mulher e serpente, como se estivesse prestes a parir (1943), a Mãe do rio Amazonas com múltiplos seios rastejantes. Maria, vivendo a maior parte da vida fora do Brasil, foi se apropriando da saudade de sua terra natal, empregando elementos das culturas indígenas para forjar seu exotismo na arte. Tomada como voz representativa dessas “fantasias primitivistas”, Maria atraiu intelectuais da moda que esperavam ser recebidos pela cordialidade diplomática da embaixatriz. No entanto, a artista não criou obras para fácil digestão. Suas esculturas subvertiam o imaginário associado ao Brasil, trazendo ingredientes inquietantes e violentos para o caldo gástrico da burguesia faminta. 14
Sons of Cush, 2016. Foto: © Deana Lawson
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Glebe-ailes, 1944. Foto: Vicente de Mello.
Como uma liana, 1946. Foto: Vicente de Mello.
COMO UMA LIANA O bronze de Maria Martins dobra (1946), serpenteando igarapés incandescentes e disformes. O fogo amazônico é voraz, mas lavado pela infinita chuva selvagem da floresta tropical, onde a matéria oxida esverdeada como se bêbada da própria convulsividade. Quando se mudou para Paris, em 1928, Maria foi aprender os fundamentos da escultura com Catherine Barjansky. Tradicionalmente, esculpe-se a partir de uma massa de material de fora para dentro, mas Barjansky ensinou a revelar contornos em vez de volume ao modelar uma estrutura de arame com pedaços de argila (ou cera) prensados entre os dedos. Até Segunda Guerra, viveu entre grandes capitais na Europa. Com a tensão dos conflitos, voltou-se aos EUA, onde se aprimorou na técnica de fundição de cera perdida (ou microfusão) desenvolvida pelo escultor Jacques Lipchitz, que apelidava suas obras de “Transparentes”. Ele descobriu como simplificar o exaustivo processo original ao modelar diretamente na cera, construir uma “concha” (gesso ou argila) em volta e despejar diretamente o bronze líquido, derretendo a cera que era “perdida”. Maria esculpia com carícias pelo contorno dos corpos. A beleza não se encontra escondida na matéria dura, mas aflora do sangue-seiva. A artista explicou em entrevista que esculpia em “cera de abelha misturada com um pouco de gordura para ficar mais macia. Aí você vai ao infinito porque não tem limites”. 18
Prometeu II ou Ardendo daquilo que arde, 1948. Foto: Vicente de Mello.
POR MUITO TEMPO ACREDITEI SONHADO QUE ERA LIVRE
TER
Maria não se identificava com lugar algum, mas procurou sempre se lembrar de que vinha dos trópicos, enquanto os pés marcavam pegadas longe do Brasil. A curadora da exposição, Isabella Rjeille, escreve em que “Martins oscilava entre ser ‘muito estrangeira’ para a arte brasileira, ‘muito brasileira’ para a arte internacional; muito burguesa para o meio artístico, muito transgressora para a burguesia”. Quando questionada sobre o pertencimento às vanguardas artísticas, Maria respondeu: “sou anti-ismos. Dizem que sou surrealista”. No entanto, seu ponto de contato com surrealistas foi mais do que boato. As esculturas transparentes de Maria inflamaram André Breton, como (1948), que aniquila o pássaro sob os pés e deixa os dedos flamejantes livres para envolverem a vigorosa explosão. Tal como no coração do Sol, Maria “se libertou tanto, que até perdeu sua sombra”, como em (1944), onde o corpo não mais se enrosca, nem corre o risco de ser sufocado, mas metamorfoseia em consonância com o reino vegetal. Sua violência deixou de ser contra os homens e investiu na mais-realidade. Como sugeriu em um de seus textos, “sem a própria sombra, a figura tornou-se refém de si mesma, da própria imaginação”. 21
O Impossível, 1940. Foto: Vicente de Mello.
DUPLOS IMPOSSÍVEIS Entre os cúmplices surrealistas, Maria Martins se aprofundou no olhar selvagem e aprendeu a mergulhar mais fundo na essência do desejo. A eles ofereceu uma expansão do imaginário coletivo. Foi cópula conectada por vasos comunicantes, (1947). como em Ao que parece, conheceu os exilados em sua terceira individual, (Valentine Gallery, Nova York, 1943), ao apresentar a renovação que a cera perdida e as lendas amazônicas trouxeram ao seu trabalho. No entanto, em (1942), havia um possível sinal à medusa dos trópicos, como em um acaso objetivo: “há a maravilhosa jovem que, neste momento, tão sombreada pelas suas pestanas, gira em torno das grandes caixas de greda em ruínas da América do Sul, de quem um só olhar bastaria para suspender para todos o próprio sentido de beligerância”. O surrealismo em Maria Martins parte de seu entendimento como uma aventura da vida. Em suas obras, propõe forças antagônicas em magnetismo permanente, explora do desejo selvagem e insaciável à “embriaguez dos êxtases místicos e aos amores trágicos”. (1944), com o Maria Martins colaborou com a 4ª e última edição da revista desenho de uma vagina dentada dando o tom na capa e, em 1947, Breton assinou o texto de apresentação da sua individual (Julien Levy Gallery, Nova York), onde evidencia “o Desejo elevado ao poder de pânico” nas suas esculturas. (década de 1940), uma das máximas da escultora, aplica o beijomordida entre grito de êxtase e agonia no feminino impassível. É amor da louva-a-deus a devorar o amante durante o gozo, por cima da dominância rosnante, o rola-rabo em rala-e-rola, o caule a penetrar por baixo, nutrindo a carne petrificada até as tetas afiadas como se não aguentasse mais manter os caninos guardados. A obra, que conserva a energia invisível e desejante entre a impossibilidade de os dois opostos se conectarem, foi disposta com destaque sobre uma mesa de bilhar no centro da Sala de Chuva, na (1947), cujo tema “Os Grandes Transparentes” evocava os seres hipotéticos anunciados nos , que se “manifestam obscuramente no medo e na sensação do acaso”. 23
O Impossível, 1945. Foto: Vicente de Mello.
MITOLOGIAS PESSOAIS Com pleno domínio do bronze e profundo entendimento de si mesma, as obras de Maria Martins deixaram suspensos os mitos amazônicos para estabelecer suas mitologias pessoais em maiores proporções. (1948) é destaque. Ela nos Ao final, lembra de que deixamos de ser o centro do universo, assim que devorados pelo primeiro Grande Transparente. É celestial e submete seus espectadores às nuvens com apenas duas opções: vítima ou testemunha. Maria espera que “nunca se liberte, seria muito triste”. Afinal, a liberdade está sempre em equilíbrio delicado e perigoso. A cobra afrouxa a constrição e a cabeça folhosa abre suas de asas como uma bromélia sedenta indicando potencial liberdade. A deusa tenta se libertar de sua mente, mas “ainda se apega à terra, e isso é uma sorte”.
Todavia, 1944. 26
Rodrigo Qohen é poeta, escritor e formado em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Publicou e editou diversos livros que mesclam poesia e artes visuais pelo coletivo Baboon. Também pesquisa e escreve artigos relacionados ao surrealismo.
MARIA MARTINS: DESEJO IMAGINANTE • MASP • SÃO PAULO • 27/8/2021 A 30/1/2022 27
LAERTE
GARIMPO
késsimos
Todo seu II, 2019.
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PRIMEIRO VENCEDOR DO PRÊMIO DASARTES 2022, O MULTIARTISTA LAERTE KÉSSIMOS FAZ DE SEU ENCONTRO COM AS OBRAS DE JOSÉ LEONILSON O PROPULSOR PARA UMA INTENSA INVESTIGAÇÃO ARTÍSTICA. O ARTISTA É CONTEMPLADO COM ESTA MATÉRIA E UMA PARTICIPAÇÃO EM UMA FUTURA EDIÇÃO DA EXPOSIÇÃO CIRCULAR-ARTE NA PRAÇA ADOLPHO BLOCH EM SÃO PAULO, UM PROJETO DA FARAHSERVICE
POR LEANDRO FAZOLLA
Uma das coisas mais interessantes no universo dos atores é a forma como, ao pesquisar para a construção de um personagem, eles são capazes de se atirarem tão profundamente na persona pesquisada que parecem, em certa instância, abdicarem de si mesmos. Muda-se o modo de falar, de andar, os gestos, as expressões, até mesmo a forma de pensar... Porém, esse processo não traz apenas abdicações. Muitas vezes não é sobre o que você deixa para trás, mas sobre o que você inscreve em si. Laerte Késsimos é ator. Formado pela Escola de Teatro Ewerton de Castro, a maior parte de sua trajetória artística foi forjada nas tábuas dos palcos, sob o comando de renomados diretores como Christiane Jatahy e Rodolfo García Vázquez. Mas Laerte Késsimos é, também, o primeiro vencedor do Prêmio Dasartes 2022, selecionado pelo júri composto por Marc Pottier, Gabriela Kremer Motta, Ricardo Resende e Liege Gonzalez Jung. Laerte Késsimos é artista plástico. Sua produção nas artes visuais está diretamente ligada à sua história nas artes cênicas. E tem a ver exatamente com o fato de Laerte ter inscrito em si mesmo um outro, um duplo. 30
Ilha, 2019.
Dos desentendimentos e dos entendimentos, 2019.
Teus oceanos, 2018.
“ ”
Quem passava em frente à Galeria Zarvos no ano de 2019 não compreendia, a princípio, o que aquele homem fazia por trás daquelas paredes de vidro, rodeado por tecidos, botões e rolos de linha, dentre outros materiais cotidianos. Alguns transeuntes desavisados chegavam a pensar que o espaço se tratava de um ateliê de costura. Laerte, como bom mineiro que é, oferecia um cafezinho, conversava, trocava ideias e pensamentos com os que se dispunham a entrar. Em meio a tudo isso, pesquisava. Esta vivência/performance era a primeira parte de um ambicioso projeto artístico que se dividia em três partes: a performance pela qual dividiria com o público os caminhos de sua pesquisa; a temporada de um espetáculo teatral; e uma exposição com as obras resultantes de todo este processo. Assim, os botões, pérolas, fios de lã que costurava tinham relação com o mergulho profundo que fazia para viver no teatro José Leonilson. Através da arte, Laerte buscava um canal para se aproximar do artista cearense, vítima do vírus HIV no ano de 1993. E olhou tão profundamente o rio em que pretendia se jogar que, tal qual Narciso, encontrou a si mesmo do outro lado. Quando iniciou seu laboratório, Laerte tentava se apropriar e recriar algumas das principais obras de Leonilson. Fez um mergulho em sua produção e foi tentando compreender e extrair dali sua poética. Com o tempo, o contato com toda aquela gama de sensações e caminhos foi fazendo com que viajasse por mares menos seguros. 34
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Peça teatral Ser José Leonilson, 2018. Foto: Leekyung Kim.
Peça teatral Ser José Leonilson, 2018. Foto: Ligia Jardim
Autorretrato com goiaba, 2018.
Quando estreou o espetáculo , Laerte abriu, simultaneamente, a exposição Segundo o catálogo da mostra, que fez circulação pela Galeria Zarvos e pelo Centro Universitário Maria Antônia / USP, “inspirações, traduções e revisitas à obra de Leonilson são materializadas em obras visuais que constituem, além da exposição, o alicerce temático do solo autoral inspirado na vida e obra do artista cearense”. As obras expõem toda a comunhão entre os artistas. Se, na obra que dá título à mostra, vemos claramente referências a obras icônicas de Leonilson , como em ou , a própria biografia de Laerte está impressa. Percebemos a relação íntima que esta produção começa a ter, inevitavelmente, com o próprio Laerte, suas memórias e questões. Algumas, inclusive, tal qual um diário de bordo, remetem diretamente a dúvidas nesse caminho denso que decidiu trilhar, como é o caso de , onde, em tom aparentemente confessional, questiona a validade de sua criação. É importante ressaltar que Laerte nunca pretendeu interpretar José Leonilson, mas, como o próprio título do espetáculo indica, ele buscava se aproximar de José Leonilson, ser, de alguma forma, José Leonilson. Há aqui também um tom complexo que parece 41
Primeiro encontro, 2019. À direita: Como se desenha um coração?, 2019.
Mau começo, 2019.
prescindir de toda a produção de Késsimos. Ao se apropriar de uma poética tão intensa quanto a do artista cearense, ao se colocar enquanto artista, performer e ator tão próximo a alguém já falecido ao ponto de suas produções se misturarem, Laerte dá a seu próprio trabalho um inevitável tom de flerte com a morte. Parece haver uma aura de pesar nas obras que se espalham pela galeria, uma espécie de melancolia, fantasmagoria que nos remete a tempos idos, memórias passadas, a um outro ausente. Ao mesmo tempo em que se exalta a vida de Leonilson, se espreita toda a tragédia de sua trajetória e do próprio estar no mundo. Artista jovem no circuito, a produção recente de Késsimos parte de um encontro simbólico e poético do artista com Leonilson, mas se funda realmente em outro encontro, o dele com sua própria história e seu próprio íntimo. Uma vez encerrado este mergulho profundo em si mesmo, Laerte funda uma nova persona para si, o artista visual que nasce do ator, que se funde ao performer. Com uma trajetória tão promissora e instigante, fica no público a expectativa do que o artista criará daqui para frente, sendo Larte Késsimos, sendo José Leonilson, sendo Kessy Moss (sua drag queen), não importa. Ancorado completamente em si mesmo, Laerte pode ser quem e o que quiser.
Leandro Fazolla é ator, historiador e crítico de arte. Doutorando em Artes Cênicas. Mestre em Arte e Cultura Contemporânea, na linha de pesquisa de História, Teoria e Crítica de Arte. Diretor Geral do Instituto Cultural Cerne.
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Dama com leque, 1917-1918.
PELO mundo
GUSTAV klimt ,
QUEM ERA A BELDADE POR TRÁS DE DAMA COM LEQUE? QUAL É O SIGNIFICADO DA REFERÊNCIA À ÁSIA ORIENTAL? KLIMT FOI FASCINADO PELA ARTE ASIÁTICA AO LONGO DE SUA VIDA, COMO MOSTRA ESTE RETRATO NÃO FINALIZADO, DAMA COM LEQUE. PELA PRIMEIRA VEZ EM MAIS DE UM SÉCULO, A OBRA ESTÁ EM EXIBIÇÃO EM VIENA
GUSTAV KLIMT, A DAMA COM LEQUE E A ARTE DO LESTE ASIÁTICO
Fevereiro de 1918. Uma fotografia do estúdio de Gustav Klimt, provavelmente tirada logo após a morte dele, mostra dois cavaletes com as últimas pinturas nas quais o artista havia trabalhado: e . Outra fotografia documenta a antessala do estúdio, onde ele mantinha peças de sua extensa coleção de arte do Leste Asiático – cerâmicas chinesas e japonesas, obras de arte têxteis e, acima de tudo, xilogravuras. Klimt mudou sua visão poética da arte e seus princípios de decorativo. A arte oriental influenciou os últimos trabalhos do artista de maneiras que são óbvias e multifacetadas. Suas últimas pinturas não só incorporam figuras, motivos e ornamentos asiáticos, mas também revelam as combinações de cores típicas que podem ser encontradas em suas porcelanas e bordados. foi criada no final de 1917. Quando Klimt sofreu um derrame – do qual nunca se recuperou –, em 11 de janeiro de 1918, a pintura estava quase completa. A modelo não identificada, com a cabeça erguida, os ombros expostos, o seio nu coberto por um leque e uma expressão confiante nos olhos, entrega um jogo de sedução. 48
Amalie Zuckerkandl, 1913-1914 © Belvedere, Wien, Foto: Johannes Stoll.
POR MARKUS FELLINGER
Com os retratos de mulheres e paisagens idílicas, Klimt buscou oferecer um paradigma de harmonia e amor em contraste com a escuridão da realidade da guerra – da mesma forma, vestidos e decorações chinesas foram uma oferta de reaproximação entre culturas. Gustav Klimt começou a estudar arte do Leste Asiático já na década de 1890, inicialmente interessado principalmente na arte japonesa. Mais tarde, ele se voltou para os estilos chinês, coreano e às vezes até persa ou indiano. Dessas culturas, o artista adotou elementos decorativos, além de estratégias composicionais, como os esquemas de cores aplicados às fotos dele. Outra referência, especificamente à pintura japonesa, é a própria mulher com leque: , ou retratos de belezas famosas (cortesãs e gueixas) feitos na técnica de xilogravura japonesa ( ), que também faziam parte da extensa coleção de objetos de arte asiática de Klimt. 50
À esquerda: As forças do mal e as três górgonas,1902. Abaixo: Esperança II, 1907-1908.
Durante o curso de sua carreira, Klimt explorou repetidamente o tema da mulher sedutora representada por suas modelos. Ele constantemente variava suas poses, olhares, roupas e estilos de cabelo. O foco do pintor em temas de erotismo feminino e paisagens idílicas no meio da Primeira Guerra Mundial foi frequentemente considerado decadente. No entanto, seus esforços para contrariar a dura realidade com uma visão de harmonia e amor se tornam, especialmente em suas últimas obras, uma mensagem de paz – assim como as roupas e a decoração chinesas celebram o intercâmbio intercultural. “… ” Gustav Klimt, carta para Mizzi Zimmermann, agosto de 1902. 51
IMPRESSÕES DE XILOGRAVURA JAPONESAS Klimt amava e colecionava gravuras em xilogravura japonesas ( ). Apenas algumas cópias de sua coleção sobreviveram, embora mais xilogravuras possam ser vistas na fotografia de Moriz Nähr da antessala do estúdio. O fundo de foi possivelmente inspirado na gravura , de Utagawa Kuniteru. Ele retrata uma tela dobrável chinesa embelezada com um padrão de animais e plantas em um fundo amarelo. Essa impressão foi adquirida pelo Museu de Artes Aplicadas de Viena (MAK), em 1909. Um dos gêneros populares nas gravuras japonesas ( ) era a representação de belas mulheres conhecidas como . Os artistas japoneses atribuíam grande importância à representação perfeita de pele delicada, penteados graciosos com alfinetes e roupas elegantes. As infinitas variações de poses e gestos, contornos sinuosos e padrões marcantes certamente inspiraram as últimas pinturas de belezas anônimas de Gustav Klimt, nas quais todos esses traços estilísticos das gravuras japonesas podem ser encontrados.
Retrato de Maria Munk III, 1917-1918. 53 53
A Noiva, 1917-1918.
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Retrato da Baronesa Elisabeth Bachofen-Echt, 1914-1916.
“ ”
EMBLEMAS “Depois do bordado chinês ... aqui”, foram as palavras de Klimt ao apresentar a um jornalista seus retratos de Adele Bloch-Bauer II e Paula Zuckerkandl, comparando-os a uma vestimenta de seda chinesa requintada de sua coleção. “É incrível como os [artistas] chineses são vibrantes, muito mais do que os japoneses”, acrescentou. A túnica usada em foi baseada em uma dessas roupas do Leste Asiático de sua coleção, orgulhosamente mostrada por Klimt a todos os visitantes de seu estúdio. Embora sua coleção tenha se perdido em um incêndio, em 1945, os temas de suas pinturas podem ser detectados em trabalhos têxteis. Por exemplo, o retrato de Elisabeth Lederer e incorporam um leão semelhante aos encontrados nos emblemas bordados dos oficiais chineses. 57
Peixinho dourado , 1901-1902.
Beardary, 2016. Courtesy of Gilbert & George.
Esperança I , 1903.
Judith II , 1909.
Of All The Seasons, 2017. © Courtesy of Lynette Yiadom-Boakye and Jack Shainman Gallery, New York.
As Amigas, 1916-1917.
PORCELANA CHINESA O plano de fundo de de Klimt compreende um padrão de animais e plantas espalhados por uma superfície amarela. Esse tipo de desenho é presente, sobretudo, na decoração da porcelana chinesa. A porcelana com fundo amarelo só foi feita para a corte imperial, já que essa cor era reservada exclusivamente ao imperador. Os temas na pintura mostram uma fênix chinesa ( ), uma garça, um faisão dourado e flores de lótus – todos símbolos populares de boa fortuna, prosperidade e beleza na China. 60
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Scapegoating Pictures, 2013-2014. Courtesy Gilbert & George. O cavaleiro dourado, 1903.
Cobras d'água I, 1904-1097.
É claro que a cerâmica chinesa forneceu a Klimt uma riqueza de temas decorativos para os fundos de suas pinturas. Além disso, ele também imitou as combinações típicas das cores de esmalte mais comuns, como amarelo napolitano, azul cobalto, vermelho ferro, verde cobre ou roxo de Cassius. Klimt também usou as cores ousadas e suas combinações específicas em pinturas que não incluem nada ou muito pouco da arte do Leste Asiático. As cores são quase todas não misturadas ou são iluminadas com branco, mantendo o mesmo brilho vívido desses tecidos e peças de cerâmica.
Markus Fellinger é curador da coleção de arte do século 19 e 20 do museu Belvedere de Vienna.
LADY WITH FAN: GUSTAV KLIMT AND EAST ASIAN ART • UPPER BELVEDERE • VIENNA • 7/10/2021 A 13/2/2022 KLIMT: LA SECESSIONE E L’ITALIA • MUSEO DI ROME • 27/10/2021 A 27/3/2022 63
FLASHBACK
G E R T R U D E S
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a l t s c h u l Sem título. Foto: Eduardo Ortega.
GERTRUDES ALTSCHUL, ALEMÃ RADICADA NO BRASIL, FOI UMA FIGURA PIONEIRA NO CONTEXTO DA FOTOGRAFIA MODERNISTA BRASILEIRA. EMBORA ELA SEJA BASTANTE ADMIRADA NO MEIO FOTOGRÁFICO NO PAÍS, SUA OBRA AINDA É CONHECIDA APENAS EM CÍRCULOS ESPECIALIZADOS, TENDO SIDO ESCASSAMENTE PUBLICADA E EXIBIDA — ALGO QUE A MOSTRA NO MASP, A PRIMEIRA EM UM MUSEU, PRETENDE MODIFICAR
Quando do seu surgimento e desenvolvimento, a de arte, gerando fotografia logo procurou ganhar o diversos embates na história da arte. É possível que ainda hoje haja quem tente atiçar o fogo dessa discussão, mas, para a maioria dos teóricos, estudiosos e apreciadores das artes visuais, isso já é assunto encerrado. Caso uma minoria ainda insista em questionar, então é provável que estes jamais tenham se deparado com as brilhantes obras fruto das lentes, câmeras e genialidade de, por exemplo, Sebastião Salgado ou Henri Cartier-Bresson. O fotógrafoartista sempre tem algo de muito particular e peculiar em suas produções, sua marca registrada, sua forma de se comunicar com o mundo e o público. Este texto tratará de uma dessas geniais e singulares visões de mundo: a de Martha Gertrudes Altschul (Alemanha, 1904 – São Paulo, São Paulo, 1962), pioneira da fotografia modernista brasileira. Sabe-se que sua obra transcende o universo fotográfico, mas foi por meio da fotografia que ela se revelou ao mundo artístico. No Brasil, sua obra ainda não é amplamente conhecida, tendo sido ainda pouco exibida e menos ainda publicada, mas essa dívida com a carreira da artista por aqui já está sendo amenizada pelo MASP por meio da mostra Gertrudes Altschul: Filigrana, que iniciou em agosto de 2021 e está prevista para se encerrar em 30 de janeiro de 2022. 66
Arquitetura ou triângulo ou composição. Foto: Eduardo Ortega.
POR EDVALDO CARVALHO
Folha morta. Foto: Eduardo Ortega. Todas as obras: Comodato MASP Foto Cine Clube Bandeirante
Foi por fugir da violência e perigo causados pela perseguição aos judeus e pessoas de ascendência judaica, devido ao nefasto regime nazista, que a família Altschul teve seu destino cruzado com o de nosso país. Gertrudes e o marido, Leon Altschul, chegaram ao Brasil em 1939, vindos de Berlim. Fixaram-se em São Paulo, onde o casal administrou uma pequena fábrica de produção de chapéus, o que não impediu Gertrudes de se dedicar à fotografia, inicialmente como atividade recreativa, um . Ela acaba assim mantendo relações com o histórico (FCCB), ao que se sabe, sendo uma das primeiras mulheres que passou a fazer parte do grupo e, por sua vez, estava associado ao movimento conhecido como , precursores da fotografia moderna brasileira. Após algumas submissões de suas fotografias, que passaram por avaliações dos membros do grupo na década de 1940, ela foi aceita definitivamente no FCCB em 1952. 69
Concreto abstrato. Foto: Eduardo Ortega.
Ritmo. Foto: Eduardo Ortega.
Talentosa, de olhar apurado e esteticamente atento às belezas cotidianas da cidade, Gertrudes Altschul começou a enquadrar nas lentes das suas câmeras e a paisagem urbana paulista, nos objetos em diferentes escalas e em temas botânicos, principalmente folhas, com as quais, utilizando uma técnica de sobreposições do negativo, Altschul gerou padronagens que se assemelham a estamparias e criam interessantes texturas visuais. O interesse artístico e a curiosidade criativa dela não se restringem a captar imagens. Ela focava também na pós-produção delas, produzindo inclusive fotomontagens em um laboratório que ela mesma montou em na casa onde morava. A produção artística de Gertrudes Altschul se encontra sempre em sintonia com a fotografia moderna brasileira, que tinha por objetivo primordial a ruptura com os moldes e princípios clássicos da composição fotográfica por meio de construções geometrizadas, tanto abstratas quanto figurativas. Para tanto, os fotógrafos modernos do Brasil faziam experimentos com ritmos, linhas, planos e o belo e interessante contraste entre luz e sombra, que, apesar de clássico, pode ser sempre explorado e reinventado. As condecorações e o reconhecimento são quase imediatos, visto que, já durante a mesma década de adesão ao FCCB, e, precisamente no ano de 1954, ela recebeu a menção honrosa no 2º Salão de Arte Fotográfica, organizado pelo Foto Cine Clube de Jaboticabal e, em 1955, o diploma de honra no 1º Salão Nacional de Arte Fotográfica da cidade de Santos. Ainda em 1955, Altschul participou de uma exposição de Fotografia e Cinema na Alemanha e, dois anos depois, foi reconhecida com honras no 6º Salão de Arte organizado da Sociedade Fluminense de Fotografia. 72
Acima: Young Woman Sewing, 1655 e The Account Keeper, 1656. © St. Louis Art Museum.
“ ”
Recentemente o MoMa, Museu de Arte Moderna de Nova York havia exposto obras fotográficas de Gertrudes, contando com a curadoria de Sarah Meister. Já , a exposição organizada pelo MASP, apresenta 62 fotografias primeiras ampliações fotográficas feitas por Altschul. Os temas dessas fotografias são os que consagraram e marcaram boa parte do trabalho da artista, como a arquitetura urbana, a botânica (principalmente flores e folhas) e naturezas-mortas. O público também poderá presenciar experimentações produzidas pela autora que demonstram que ela esteve em sintonia com os experimentos fotográficos mais avançados de sua época, como o fotograma (técnica em que a imagem é fixada diretamente no papel fotográfico por meio da luz) e a chamada “solarização”, técnica que resulta na inversão dos tons de preto e branco na imagem final. Quem for ao MASP, verá que, no olhar de Altschul, uma folha morta ou o último andar de um prédio em contraste com o céu são bem mais do que demonstram ser. , exposição homônima a uma de suas mais famosas obras, é a mostra da absurda liberdade criativa de uma mulher, uma artista e 74
Jogo de linhas. Foto: Eduardo Ortega.
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Jogo de linhas. À direita: Sem título. Fotos: Eduardo Ortega.
Filigrana. Foto: Eduardo Ortega.
uma modernista que não tinha medo de experimentar e revelar ao mundo como seus olhos e seu intelecto viam a cidade a natureza e os objetos. Conforme a ideia abordada no começo deste texto, é impossível não reconhecer o valor artístico da fotografia após conhecer a obra daqueles que transformam um processo que deveria ser essencialmente mecânico ou automático em arte e poesia visual. Gertrudes Altschul e suas obras são a prova de que a fotografia moderna brasileira foi um marco na história da arte e ainda exerce influência e peso na contemporaneidade.
Edvaldo Carvalho é professor de arte na rede estadual de ensino do Estado do Amapá e MBA em História da Arte.
GERTRUDES ALTSCHUL: FILIGRANA • MASP • 27/8/2021 A 30/1/2022 78
REFLEXO
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RODRIGO sassi
Gótica,2021. Foto: Ana Pigosso.
GARIMPO DA DASARTES EM 2017, RODRIGO SASSI GANHA SUA MAIOR MOSTRA EM BRASÍLIA, REUNINDO TRABALHOS TRIDIMENSIONAIS QUE TESTAM OS LIMITES PLÁSTICOS DE MATERIAIS “BRUTOS” COMO CONCRETO, MADEIRA, FERRO E PEDRAS NA CRIAÇÃO DE FORMAS FLUIDAS E CURVILÍNEAS
POR RODRIGO SASSI
Ouriço Tcheco, 2020. Foto: Ana Pigosso.
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“ é uma obra que, por suas características formais, pode representar bem meu início de pesquisa, assim como introduzir um corpo de trabalho que vem sendo desenvolvido ao longo dos últimos dez anos. Meu trabalho evidencia o diálogo de corpos transitórios com o espaço urbano que nos circunda. Meu trabalho explora a relação entre escultura, espaço e espectador e evidencia o diálogo estabelecido com o universo urbano que me circunda. Reutilizando madeiras oriundas da construção civil, originalmente usadas para a fabricação de caixarias, crio releituras de formas de concreto armado que, sem funcionalidade prática, criam sua própria arquitetura e se relacionam diretamente com o espaço, ora se fundindo às especificidades locais, ora criando ruídos que interferem em sua estrutura. foi pensado para ocupar o cofre localizado no subsolo do edifício do CCBB de São Paulo e, dentro desse contexto, sua composição foi inspirada em um esqueleto ou carcaça de um animal que se decompôs há tempos e, em camadas subterrâneas, manteve sua estrutura intacta, serena e em posição de descanso. Metaforicamente, a obra nos remete a ruínas urbanas, típicas de uma sociedade que encontra dificuldades em preservar seus patrimônios e história, muitas vezes priorizando a ideia de transformação como sinônimo de progresso.”
2018.
Foto: Daniela Ometto.
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“ ” Foto: Monica Ogaya.
86
2019.
“Seguindo essa pesquisa, em que as obras muitas vezes são contextualizadas pelo local em que se é um instalam, desenvolvido para o FAMA, cuja sede ocupa uma das primeiras fábricas têxteis do Estado de São Paulo. A ideia da instalação era “costurar” as paredes da antiga fábrica, unindo visualmente algumas salas por meio do conceito de Gestalt. A composição permeia sobre a estrutura do edifício, ignorando suas especificidades arquitetônicas ao atravessar suas paredes, entrar e sair do edifício e fluir sobre essa estrutura rígida, que não limita ou inibe as vontades da própria obra. A edificação que ainda guarda vestígios de sua função originaria é, por si, escultórica no seu estado de abandono. As ruínas, que poderiam anular a identidade do trabalho por se assemelharem com a estética recorrente de minhas obras, reforçam o diálogo entre o suporte e a intervenção, como se ao longo do processo de deterioração do espaço a , como uma obra buscasse seu natureza parasita que brota no concreto ornamentando a velha construção.” 87
INFINITIES, 2017
“Assim como o ponto de partida de uma composição instalativa é direcionada conforme as especificidades arquitetônicas do espaço que ocupa, nas esculturas que independem deste contexto, muitas vezes, esse ponto de partida se dá de algum material incorporado na composição, podendo este ser facilmente reconhecível por sofrer poucas ou nenhuma alteração em sua estrutura característica, como também pode se fundir com o restante da obra, criando uma unidade quase imperceptível ao olhar mais desatento. 88
2017.
é um exemplo onde podemos perceber a pesquisa de materiais que englobam minhas obras. O garimpo desses materiais pelos lugares onde transito evidenciam o processo criativo de cada obra e a matéria que assimila as marcas de desgaste e/ou interferências de utilizações passadas se torna pistas que informam e evidenciam trajetórias que se iniciam nas ruas, passando por distintas transformações até que definida sua composição final. ” 89
ODISSEIA, 2017
, como o nome já a associa, é uma instalação inspirada na arquitetura do inglês Norman Foster, mais especificamente no edifício 7 More London Riverside, localizado em Londres (Inglaterra). Feito para ocupar o espaço expositivo do Centro Brasileiro Britânico em São Paulo, a composição da instalação segue as linhas do projeto de Foster e sua relação com conceitos arquitetônicos vai além de sua referência formal. Explorando o espaço 90
2016.
local ao ponto de desconfigurar nossa noção real de onde estamos, o corpo da obra, caracterizado por estruturas lineares minimalistas, obriga-nos a percorrer um trajeto a fim de proporcionar apenas uma ideia de sua composição total. Durante o percurso ao redor da obra, suas paredes variam de largura em relação ao distanciamento das paredes da sala, ora nos exprimindo, ora ampliando abruptamente seu espaço, alterando nossa perspectiva tanto em relação à obra, quanto à sala.” 91
2021.
“Na edição de três obras posicionadas ao longo da ciclovia da marginal Pinheiros, a escultura atua entre os limites das artes plásticas, arquitetura e design. Feita de concreto armado, a obra dialoga com a estética paulistana e suas construções, e se apresenta como um equipamento urbano. Mesmo sendo uma escultura a ser contemplada, pode ser utilizada como banco pelos ciclistas que frequentam esse espaço. Sua composição foi pensada para que a sua base atue como assento, plano e horizontal. O volume central dessa base é “extraído” do plano e “deslocado” para cima de nossas cabeças, explorando as características dos materiais e ao mesmo tempo criando uma narrativa de equilíbrio, onde os opostos complementares se alinham na composição como macho e fêmea, e .” ”
78 92
Foto: Ana Pigosso.
Queda suave, 2021. Foto: Estúdio em obra.
RODRIGO SASSI: FORA DOS PLANOS • MUSEU NACIONAL DA REPÚBLICA • BRASÍLIA • 17/12/2021 A 6/3/2022
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Resenhas
POR MARIA TERESA SANTORO DÖRRENBERG
Inaugurado em 1969, na cidade portuária Rostock, ao norte da Alemanha, durante o longo e severo regime socialista, a Kunsthalle Rostock é um museu de arte contemporânea. A instituição é valorizada e famosa por ter abrigado tanto exposições de artistas da época da antiga DDR, como por ser representante de exposições de artistas nacionais e internacionais do lado ocidental do muro que separou o país em dois estados até 1989. É essa produção artística do leste alemão, mesclada com uma produção de arte contemporânea que é apresentada na Fundação Reinbeckhallen Berlim. 96
Mais de 30 anos depois da reunificação das duas Alemanhas, o visitante é convidado a explorar um galpão reformado, uma antiga fábrica de transformadores, que atua agora como instituição de arte. Cinquenta e sete artistas são apresentados ao público, com trabalhos entre pinturas, instalações, fotografias, esculturas e colagens, sendo 15 as obras contemporâneas. Logo na entrada da exposição, avista-se um mural composto de pôsteres e de exposições anteriores e da época do socialismo, marcados pela ideologia do sistema e que agora, despidos dos antigos valores, mostramse também como produção de arte.
Chiharu Shiota, Fora do meu corpo, 2020. © VG Bild-Kunst, Bonn, and the artist 2021. 97
Sergei Tchoban, Cidade Invertida # 4, 2020. © Sergei Tchoban
Para o visitante, fica evidente a reflexão sobre a existência dos habitantes locais, de como era viver inserido nas estruturas político-culturais da era DDR, o diálogo com a liberdade do ocidente, as mudanças ao longo do tempo até o cenário atual. São trabalhos, por exemplo, de uma classe operária e rural em ascensão que encenam o sistema político vigente, como os do artista Heinz Wodzicka-Dispatcher, de 1964; ou obras que satirizam e criticam o sistema de opressão, como a tela , do artista Wolfgang Skoluda-Meine, de 1974/75, até obras mostrando alguma mudança, ou um cenário utópico de uma sociedade livre. Há ainda a criação de obras que projetam o futuro de cidades, de sua arquitetura, apresentando grandiosas cidades idealizadas, como na série , do artista Sergei Tchoban, de 2020. A curiosidade pelo que a exposição apresenta, o contexto e a atmosfera de Rostock e do que a cidade, seu museu e seus artistas transmitem, fazem o visitante mergulhar e conhecer outro mundo, outros artistas, sua existência, história e seu discurso. 99
Konrad Mühe, Leonhardt, 2019. © Anna Ko
A possibilidade de conhecer e vivenciar uma produção artística construída sob as amarras de um estado fechado e sem liberdade da população gera enorme curiosidade e profundo interesse. Sob a curadoria de Tereza de Arruda, em trabalho conjunto com as duas fundações, a exposição
) pode ser visitada até 20 de fevereiro 2022. Uma viagem em uma exposição documental e bem arquitetada, que pode ser seguida no www.kunsthallen.com e no Instagram da mostra Kunstundthallen.
Maria Teresa Santoro Dörrenberg vive em Berlim, Alemanha, é escritora, curadora e pesquisa a relação do corpo com a arte, as mídias e as tecnologias contemporâneas.
KUNST & HALLEN: SENSO DE ARTE ATRAVÉS DOS MUROS • FUNDAÇÃO REINBECKHALLEN • BERLIM • 19/11/2021 A 22/2/2022 101
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LIVros
Carlos Vergara e Cacique de Ramos, Maurício Barros de Castro, escritor, professor e curador, traz ao leitor uma análise crítica do encontro entre Vergara e o Cacique, e reflete sobre as questões que levaram o artista a olhar para fora de seu ateliê e buscar a cultura popular. Nos anos 1970, Carlos Vergara voltou o seu olhar e sua câmera fotográfica para o carnaval de rua do Rio de Janeiro, mais precisamente, para o bloco Cacique de Ramos. As imagens que Vergara produziu com o Cacique constituem uma das séries mais importantes de sua carreira. CARNAVAL-RITUAL: CARLOS VERGARA E CACIQUE DE RAMOS • Maurício Barros de Castro • Editora Cobogó • R$ 52,00 • 192 páginas Idealizado e produzido durante a pandemia, no início de seu isolamento voluntário, em abril de 2020. A artista Gabriela Noujaim desenvolveu a série , serigrafias com o mapa da América Latina sobre máscaras cirúrgicas. Os trabalhos foram enviados para profissionais da saúde e para mulheres de diversas regiões e áreas de atuação. A ação com esta obra se completava no ato de vestir a máscara nos apresentando estratégias de coletividades humanas e enfatizando um estado de atenção para as questões sociais e humanitárias. LATINAMERICA • Gabriela Noujaim • Lançamento na ArtRio 2021 Foi do romance , de Italo Calvino, que o fotógrafo Tom Lisboa tirou inspiração para seu novo livro. A relação com o livro de Calvino encontra-se no título. Maurília, na obra do escritor italiano, é uma cidade que oferecia aos seus visitantes, uma certa quantia de cartões-postais para que estes pudessem comparar a cidade atual com imagens que mostravam como ela havia sido. NOVAS MAURÍLIAS • Tom Lisboa • R$ 70,00 • 180 páginas • tom.lisboa@hotmail.com 102
Fotos: Sonia Balady
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COLUNA do meio
Emanuelle Araujo e Fernando Diniz
Art Lab Foto 2021 Art Lab Gallery
Stefano Viola e Diana Bouchardet
Fábio Martins
Fotos: Gabi Carrera
Juliana Monaco e Eduardo Monaco
Carolina Kasting
Antonio Bokel Espaço Cultural Correios Niterói
Kaiene Reis
Luiz Zerbini
Saulo
Paula Villoria
Antonio Bokel
O Real Resiste Mul.ti.plo Rio de Janeiro
Vanda Klabin
Carolina Kasting e Antonio Bokel
Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente para tablets e celulares no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil. Para ficar por dentro do mundo da arte, siga a Dasartes.
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