Revista Dasartes 118

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Capa: , La tentación de San Antonio, 1946. Musée Royaux des Beaux-Arts Bruselas. © Salvador Dalí, Fundação Gala-Salvador Dalí / direitos de imagem, Wien 2022.


JONATHAS DE 10 ANDRADE

SALVADOR DALÍ 6

Agenda

8

De Arte a Z

100

Livros

101

Coluna do meio

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EDVARD MUNCH 48

JACQUES LOUIS DAVID

SOPHIE CALLE 82

66


,

AGEnda

Explorando técnicas que mesclam características de pinturas e esculturas clássicas com alta utilização tecnológica, Rafael Silveira leva ao Farol Santander uma série de pinturasobjeto, instalações, vídeo-mappings e esculturas inspiradas em seu conceito de sorvete derretido. A de Rafael Silveira é uma exposição que cada centímetro quadrado foi pensado para proporcionar aos visitantes uma experiência de múltiplos estímulos sensoriais. A exposição é formada por ambientes que se conectam, integrados 6

por combinação de elementos que amplificam o impacto da imersão: iluminação, sonorização, imagens que se movem, esculturas derretidas, paredes animadas. Tudo isso forma, em seu conjunto, novos modos de viver uma exposição de arte.

RAFAEL SILVEIRA: A ESPUMA DELIRANTE • FAROL SANTANDER • SÃO PAULO • 25/3 A 7/8/2022



de arte

,

AZ

CURIOSIDADES • é uma exposição de arte digital que leva a experiência tradicional do museu a um novo nível. O projeto, em cartaz no Lighthouse Art Space, em Los Angeles, celebra a história de vida da famosa pintora mexicana e destaca os altos e baixos pelos quais ela passou, e que, como resultado, a fez criar suas poderosas obras de arte.

GIRO NA CENA • Imagens inéditas e viscerais da pandemia registradas pelo fotógrafo francês Antoine d'Agata, na França e no Rio de Janeiro, estarão reunidas nas Cavalariças da EAV Parque Lage. Fazendo uso de uma câmera térmica acoplada ao celular, Antonie documentou a dualidade que Paris vivia: a rotina nas ruas vazias e o caos dos hospitais lotados. O uso do dispositivo térmico feito permitiu retratar o calor dos corpos e objetos e os sinais de vida, e não a luz ou a superfície daquilo que está diante do sensor. De 27/4 a 19/6.

PELO MUNDO • Uma exposição de arte com obras de arte eróticas encontradas entre as ruínas de Pompeia terá como objetivo mostrar que cenas picantes estavam presentes em casas de todos os setores da sociedade. Cerca de 70 relíquias que vieram de uma carruagem cerimonial encontrada no local ano passado, estarão em exibição no parque arqueológico de Pompeia a partir de 21 de abril. 8


GIRO NA CENA • Instituto Moreira Salles São Paulo apresenta a exposição . A retrospectiva traça um panorama da obra do fotógrafo carioca, marcada, sobretudo, pelas imagens que retratam e exaltam a população e a cultura negra do país. A seleção ocupa dois andares do centro cultural e reúne cerca de 266 fotografias, produzidas desde a década de 1950, no início da carreira do artista, até 2021. De 30/4 a 11/9.

VISTO POR AÍ • Após dois anos de

expectativa, o Pavilhão dos Estados Unidos na 59ª Bienal de Veneza, com obras da artista de Simone Leigh, finalmente estreou. Simone homenageia as mulheres negras e faz uma reinterpretação de tropos racistas para fins menos opressivos. O pavilhão inclui até algumas das maiores esculturas que ela já produziu. Mas há também um filme que ela fez com Madeleine HuntEhrlich que oferece uma visão de um lado menos conhecido de sua obra. Todas as obras são inéditas.

• DISSE MOHAMMED AL-KINANI

“ ”

Chefe do departamento de artes visuais da Faculdade de Belas Artes de Bagdá, uma das duas instituições de arte do país.

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ENTREVISTA

de andrade

JONATHAS

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40 nego bom é um real, 2013. Foto: © Jonathas de Andrade.



POR MATTEO BERGAMINI

On Fire at 80. © Judy Chicago

Jonathas de Andrade se tornou internacionalmente reconhecido com o vídeo , apresentado pela primeira vez na Bienal de São Paulo, em 2016; nele se mostra a tradição-ritual que pertence aos pescadores de umas vilas à beira do rio São Francisco, entre os ESTADOS de Alagoas e Sergipe. Ao capturar os peixes, os homens os abraçam: “um abraço-limite – rito de passagem – onde o ser humano retoma sua condição de espécie e, olho no olho diante de sua presa, a acalma por meio de uma ambígua sequência de gestos: afeto, violência e dominação”, explica-se. 12

Still de O Peixe, 2016. Foto: © Jonathas de Andrade.

A REPRESENTAÇÃO DO BRASIL NA 59ª BIENAL DE VENEZA, CONTARÁ COM UMA NOVA INSTALAÇÃO DO ARTISTA ALAGOANO JONATHAS DE ANDRADE. SEU TRABALHO RESPONDE AO INTERESSE DO ARTISTA EM REFLETIR SOBRE A FORMAÇÃO E AS IDIOSSINCRASIAS DO “POVO BRASILEIRO”, LEVANDO EM CONSIDERAÇÃO EVENTOS E PROCESSOS HISTÓRICOS. LEIA ENTREVISTA EXCLUSIVA COM O ARTISTA



40 nego bom é um real, 2013. Foto: © Jonathas de Andrade.



Zumbi encarnado, 2014. Foto: © Jonathas de Andrade.



COM O CORAÇÃO SAINDO PELA BOCA

A investigação das tradições e da cultura popular é o ponto inicial da maioria dos seus trabalhos, mesmo daquele idealizado pela Bienalle, cujo título se refere a uma expressão idiomática bem marcada – – que, junto com muitas outras, desenvolverá a coluna poética do pavilhão. Eis o que nos contou o artista, antes de as portas dos jardins da Bienal abrirem.

O projeto surgiu de certo estarrecimento diante do presente. Esse título vem de uma expressão usada popularmente por frente a um sentimento de vertigem sobre o que está acontecendo, ou diante da iminência de algo intenso ou grave que está prestes a acontecer. Isso para mim fala sobre o presente. Eu me dei conta de que a língua usada no Brasil tem centenas de expressões que usam o corpo para explicar sensações e sentimentos específicos. No pavilhão, uma extensa coleção de expressões vira uma espinha dorsal que percorre todo o local e se manifesta em esculturas, fotografias e um vídeo. A linguagem oferece pistas para falar do sentimento coletivo a partir do corpo, e assim tentar 18


Vista da Instalação Com o coração saindo pela boca, na 59ª Bienal de Veneza, 2022. Foto: Ding Musa/Fundação Bienal de São Paulo.

explicar o intraduzível. As expressões e suas imagens literais que jogam com o delírio absurdo do corpo tentam dar forma ao atônito que é viver no presente no Brasil e no mundo, em tantas instâncias – pessoais, afetivas, identitárias, ambientais, políticas.

Entrar em um corpo gigante era uma experiência alucinante de escala, de me sentir pequeno e olhar para o próprio corpo como um grande mistério, mas também como uma fonte de respostas. Acho que o universo das feiras de ciência de escola e a atmosfera de que é possível didaticamente explicar algum fenômeno é algo que me inspira para o projeto do pavilhão, pois estou mais interessado em ver os momentos em que o didatismo tropeça nas exceções e reencontra o mistério do inexplicável. Acredito que partir do corpo e do tanto de linguagem que ele carrega é pensar na sua capacidade de se readaptar, de se recriar, e de se reinventar em momentos de absoluta crise coletiva. . 29 19


Entendo a ambiguidade como uma potência para estabelecer um jogo com quem vê minhas obras. Preciso do repertório do outro para completar o sentido do que trago e decidir se o que mostro é ficção ou não, se o corpo é erótico, social, desejante ou desejado, representado ou atuante. Acredito nas narrativas polifônicas que se completam na leitura de quem vê, e fazem uso de jogos de pretextos como metodologias, fatos históricos, ou ainda coleções, sistemas e metodologias que tomo emprestado para conduzir imagens em movimento, fotografias que muitas vezes juntam textos e elementos gráficos, e mais recentemente podem ser também coleções de objetos e esculturas, que é um passo instigante e novo para mim, frequentemente sendo costurados por uma série de colaborações e conversas que me estimulam e me trazem uma dimensão do encontro como pulsação fundamental.

Vista da Instalação Com o coração saindo pela boca, na 59ª Bienal de Veneza, 2022. Foto: Ding Musa/Fundação Bienal de São Paulo.

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Vista da Instalação Com o coração saindo pela boca, na 59ª Bienal de Veneza, 2022. Foto: Ding Musa/Fundação Bienal de São Paulo.



Vista da Instalação Com o coração saindo pela boca, na 59ª Bienal de Veneza, 2022. Foto: Ding Musa/Fundação Bienal de São Paulo.

Salvo os contornos conservadores existentes na ideia de tradição dos quais prefiro me afastar, a cultura popular em geral carrega uma força da qual me interessa me aproximar e me misturar. Ela aponta para o passado e para o futuro, traz a potência de vozes e do gestual de uma cultura, e frequentemente explicita as contradições da existência, do trabalho, do modo de vida das pessoas de certo lugar, e em sua relação com a natureza. Costurar colaborações e beber da fonte do popular para as discussões da arte contemporânea para mim é natural e necessário quando um dos assuntos que pulsam globalmente é justamente como podemos reinventar nossa relação com a vida e com o entorno para reestabelecer uma conexão potente e respeitosa com a natureza, com o pulso das relações transformadoras enquanto coletivo. Além disso, tem um negócio radicalmente pedagógico e transformador em ver como grupos sociais respondem com reinvenção e resistência às restrições de uma sociedade desigual. A cultura no Brasil tem esse poder de ser catalisadora de subjetividades, de força política. Creio que é o que me faz querer desenvolver projetos com os carroceiros do Recife ou com a comunidade de surdos de Várzea Queimada, no Piauí.

Acredito na força poética de falar das questões e dilemas universais a partir do local, do particular, do que está próximo. Gosto de trabalhar em colaborações nesse sentido, e acredito na potência dos encontros com não atores para invocar histórias e imagens com força universal a partir de estéticas de onde eu falo e de onde venho. Ainda que eu possa fazer projetos fora do Brasil ou do Nordeste, creio que trabalhar com os elementos de um lugar e como eles conversam comigo é uma maneira de criar peças que tragam assuntos que me interessam, como contradições da natureza e da ecologia, por meio de prismas das múltiplas identidades e pela aflitiva beleza da existência. 25



Vista da Instalação Com o coração saindo pela boca, na 59ª Bienal de Veneza, 2022. Foto: Ding Musa/Fundação Bienal de São Paulo.

Acho que me permite um pouco mais de concentração e um pouco de resguardo para focar nas obras. E as viagens, exposições e residências sempre ajudam a temperar e oxigenar essa perspectiva com as trocas e a dialética de ver o fora desde dentro, e o dentro desde fora.

É uma coleção que parece tão maravilhosamente infinita, que na sua pergunta encontro já algumas pra adicionar! Para adiantar um pouco, posso dizer que entre ter o coração saindo pela boca, e um tiro no pé, existe um nó na garganta, um peito aberto e muito jogo de cintura.

Matteo Bergamini é jornalista e crítico de arte. É diretor da revista italiana Exibart, e também colabora com a portuguesa Umbigo Magazine.

LA BIENALLE DI VENEZIA: 59ª ESPOSIZIONE INTERNAZIONALE D’ARTE • COM O CORAÇÃO SAINDO PELA BOCA • PAVILHÃO DO BRASIL • 23/4 A 27/11/2022 27


Cisnes refletindo elefantes, 1937. Esther Grether Family Collection. © Salvador Dalí, Fundação Gala-Salvador Dalí / direitos de imagem, Wien 2022.

PELO mundo


SALVADOR ,

dalí


POR REDAÇÃO

PRIMEIROS ANOS

Como o próprio artista explica em sua autobiografia , escrita em 19401941, seu ambiente familiar na infância e adolescência – ou seja, o período entre seu nascimento em maio de 1904 e sua mudança para Madri, em setembro de 1922 – foi particularmente propício ao desenvolvimento de uma personalidade complexa. Seu pai distante, Salvador Dalí Cusí, um notário de Figueres, sempre representou o paradigma da autoridade implacável, uma presença poderosa, cuja moralidade e tabus tiveram um impacto duradouro na psique de Dalí. Após a morte da mãe, Felipa Domènech, quando Dalí tinha apenas 17 anos, seu pai se casou com a irmã, “La Tieta” Catalina. Uma mulher que, para Dalí, nunca poderia compensar a perda de sua mãe, que o afetou profundamente e de maneira bastante perturbadora. A irmã, Ana María, quatro anos mais nova, era a mais próxima dele na família, e cultivavam uma relação intensa e complexa. A esse ambiente se somava o espectro de um irmão falecido com apenas 22 meses, nove meses antes do nascimento do futuro artista, e de quem herdou o nome Salvador. Dalí desenvolveu uma curiosa relação imaginária com a presença fantasmagórica desse irmão, que durou muitos anos. 30

A solidão, 1931. Wadsworth Atheneum, Hartford, CT, Henry e Walter Keney. © Salvador Dalí, Fundação Gala-Salvador Dalí / direitos de imagem, Wien 2022.

NOVA MOSTRA EM VIENA ILUSTRA A OBSESSÃO E FASCÍNIO DO PINTOR ESPANHOL SURREALISTA SALVADOR DALÍ PELAS TEORIAS DE SIGMUND FREUD



“ ”

O significado dessa complexa situação familiar também é aparente em muitas das obras de Dalí, como em seus primeiros autorretratos, que o representam como alguém que sofre de uma doença ou como um jovem cujo olhar expressa introspecção e desconfiança. Também aparece nos retratos de seu pai, consistentemente representado como uma figura poderosa, quase aterrorizante, e nos retratos inquietantes da irmã, que parecem carregados de conotações sinistras.

Abaixo: Retrato de meu pai, 1925. Museu Nacional de Arte da Catalunha, Barcelona. Retrato de minha irmã, 1925. Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia, Madrid. À direita: Auto-retrato com “l’Humanité”, 1923. Câmara Municipal de Figueres, em empréstimo permanente na Fundació gala-Salvador Dalí, Figueres. © Salvador Dalí, Fundação Gala-Salvador Dalí / direitos de imagem, Wien 2022.

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O burro fedorento, 1928. Centro Pompidou - Museu Nacional de Arte Moderna - Centro de criação industrial, Paris. © Salvador Dalí, Fundação Gala-Salvador Dalí / direitos de imagem, Wien 2022.

No entanto, há certas memórias específicas de sua infância e adolescência que fornecem a maior parte do pano de fundo para os trabalhos posteriores do artista: por exemplo, a estadia com o pai perto de um lago nas montanhas dos Pireneus, que aparece em inúmeras composições depois de 1929; as imagens estereoscópicas que vira na escola; a impressão deixada nele pelo traseiro do colega Burchaque, ocasionalmente provocando nele tontura e sentimentos sexuais conflitantes; elementos do parque Güell e outras obras de Antoni Gaudi e da , cujas formas eram tão fluidas e caprichosas quanto um e que se tornariam parte integrante de seu trabalho depois de 1929; as paisagens de Cadaqués e as surpreendentes formações de falésias do Cabo de Creus, cuja memória inspirou inúmeras duplas imagens; a imagem chocante, perturbadora e obsessiva do pai de cueca, com o pênis saindo pela braguilha aberta, imagem que se havia gravado irreversivelmente na complicada sexualidade do jovem Dalí; sua atração pelas mulheres e meninas que conheceu quando jovem, incluindo Julia, a filha adotiva de Ramón Pichot, um artista amigo da família cujas pinturas pontilhistas o fascinavam particularmente; as manchas de água no teto de sua escola primária, nas quais ele conseguia discernir imagens fascinantes; seu medo paralisante de gafanhotos; suas obsessivas experiências masturbatórias. 34



Paranóia, c. 1935. Museu Dali, São Petersburgo (Flórida). © Salvador Dalí, Fundação Gala-Salvador Dalí / direitos de imagem, Wien 2022.



Sem título. Mulher adormecida em uma paisagem, 1931. Coleção Peggy Guggenheim, Veneza © Salvador Dalí, Fundação Gala-Salvador Dalí / direitos de imagem, Wien 2022.

CONHECENDO FREUD Depois de passar no vestibular da Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, Dalí se mudou para Madri, em setembro de 1922, onde se alojou na Residencia de Estudiantes. Ele ficou lá até a expulsão da escola em julho de 1926, depois de ter declarado seus examinadores como incompetentes. Durante esses quatro anos, sua personalidade artística e intelectual emergiu plenamente, e ele se alinhou com as últimas novidades da época. Um fator decisivo foi o acesso, a partir de 1926, à obra de Sigmund Freud, publicada em tradução espanhola pela Biblioteca Nueva desde 1922, que o levou ao desenvolvimento de uma poética visual com qualidades surrealistas. Em suas primeiras leituras de Freud, Dalí encontrou explicações para muitas das fantasias, obsessões, desejos e ansiedades que o perseguiam desde a infância. Como consequência, ele começou a desenvolver um sistema de símbolos visuais para traduzir e ter acesso a esse mundo interior. “Nessa época, eu tinha apenas começado a ler a , de Sigmund Freud. Este livro apresentou-se a mim como uma das descobertas capitais da minha vida, e fui tomado por um verdadeiro vício de autointerpretação, não só dos meus sonhos, mas de tudo o que me aconteceu, por mais acidental que possa parecer à primeira vista”, disse Dalí. Depois de várias tentativas frustradas de visitá-lo em Viena, o primeiro é único encontro entre o artista e seu ídolo finalmente aconteceu enquanto Freud estava exilado em Londres. 38


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Rosto do grande masturbador, 1929. Museu do Centro Nacional de Arte Reina Sofía, Madri. © Salvador Dalí, Fundação Gala-Salvador Dalí / direitos de imagem, Viena 2022 Bildrecht, Wien 2022.



SOB O FEITIÇO DO SURREALISMO (1927-31) Já em 1927, Dalí percebeu que a versatilidade do Surrealismo oferecia um caminho potencial para suas próprias criações (1927), artísticas e literárias. Em pintura cujo paradeiro é desconhecido e só se conhece por fotografias antigas, já são aparentes muitos dos elementos que mais tarde se tornariam típicos da linguagem formal que lhe trouxe fama internacional. Em 1927-1928, suas pinturas mostram uma convergência de influências de Giorgio de Chirico, Yves Tanguy, Max Ernst, René Magritte e Jean Arp. No entanto, esse cruzamento de potencialidades formais acabou chegando ao fim, e sua linguagem visual se consolidou em uma direção singular, como pode ser visto em sua emblemática obra (1929). Nos anos de 1927 a 1929, produziu obras importantes revelando sua inclinação para o subconsciente e mostrando as influências mencionadas anteriormente, incluindo (1927-28), (1928) e o (1928). Seu imaginário freudiano alcançou independência formal e poética ao revelar os (1929), possivelmente contendo um retrato simbólico de Freud, (1929), (1929), a (1929) e o (1929). 42


Acima: Mel é mais doce que sangue, 1927. Homem Peixe, 1930. Museu Meadows, Dallas, comprado com fundos da Meadows Foundation, Holly Bock, Doug Deason, Sra. eugen McDermott, linda P. e William A. Custard, e Gwen e Richard Irwin. © Salvador Dalí, Fundação Gala-Salvador Dalí / direitos de imagem, Wien 2022.

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Homem Peixe, 1930. Museu Meadows, Dallas. Pág. anteriores: O nascimento da angústia líquida 1932, Hamburger Kunsthalle e Gradiva encontra as ruínas antropomórficas, c. 1931/32. Museu Nacional ThyssenBornemisza, Madrid. © Salvador Dalí, Fundação GalaSalvador Dalí / direitos de imagem, Wien 2022.

Pouco a pouco, Dalí lançou as bases do que mais tarde se tornaria seu “método crítico-paranoico”, exemplo fundamental de sua associação com a psicanálise freudiana. De 1927 a 1931, Dalí refinou não apenas as características formais, mas também os temas centrais de suas futuras pinturas. O tema do desejo sexual e suas várias manifestações — obsessão, perversão, masturbação, ambiguidades morais e frustrações agonizantes — têm um significado particular nisso. Gala, sua esposa, tornou-se o epicentro de seu universo pessoal. O mundo dos sonhos se revelou a arena perfeita para o surgimento de associações, revelando as paisagens escondidas no reino inacessível da consciência, algumas delas aparentemente contraditórias: Eros e Tânatos, alegria e dor, atração e repulsa, por exemplo. Os conflitos de sua família, especialmente aqueles com a figura de seu pai, desdobraram-se em uma verdadeira mitologia. O desenvolvimento “paranoico” das duplas imagens, com suas figurações ambíguas, também teve um papel significativo.

DALÍ - FREUD: AN OBSESSION • BELVEDERE • AUSTRIA • 28/1 A 20/5/2022 46



Nu feminino reclinado, 1912/13. © Munch museet. Cortesia Galleri F15.

EDVARD

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munch

CAPA



MOSTRA INÉDITA EXIBE UMA RARA SELEÇÃO DE OBRAS DE ARTE DE EDVARD MUNCH INCLUINDO RETRATOS E PAISAGENS, CRIADOS OU INSPIRADOS EM LUGARES QUE MUNCH FREQUENTOU

MUNCH E O “COMÉRCIO PROFANO”

POR ALECSANDRA MATIAS DE OLIVEIRA

”. Edvard Munch. Filho de um médico e fanático religioso, Edvard Munch, aos cinco anos de idade, viu a mãe morrer de tuberculose e, tempos mais tarde, presenciou a morte da irmã mais velha. E seus problemas não cessaram nesses episódios: outra irmã foi internada devido a problemas mentais (alguns biógrafos atestam que ela sofria de esquizofrenia), o pai faleceu de maneira precoce e, por fim, o pintor teve alguns surtos agravados pelo alcoolismo. Os males do corpo e da alma surgem com frequência nas suas telas e desenhos. Porém, a obra de Munch segue além dos fatos trágicos; seu fazer artístico modificou os fundamentos do expressionismo e da práxis do artista moderno. 50

Madonna, 1894-1895. © Munch museet. Cortesia Galleri F15.




Se observar a pintura dele é conhecer as motivações de sua obra, perceber as miudezas do ateliê pode revelar o modo como artista entende seu ofício. O que se espia pelo buraco da fechadura do ateliê de Munch? Essa é a proposta da exposição (em tradução livre: ), que está ocorrendo na Galleri F15, na ilha de Jeløya – um pequeno paraíso da cidade de Moss, costa da Noruega. A exposição inaugurada em 12 de fevereiro, segue até 4 de maio de 2022 e tem uma documentação bastante completa, incluindo um rico catálogo sobre esse momento do artista. O que torna essa mostra especial? De partida, coloque na lista que Munch viveu e trabalhou na fazenda Grimsrød em Jeløy, de 1913 a 1916. Então, se o intuito é saber mais sobre o espaço físico destinado à criação e ao trabalho do artista, a exposição está no lugar certo. Os curadores da mostra, espertamente, trouxeram as cores e os objetos decorativos do interior da sede da fazenda para as salas da Galeria. Então, esqueça as paredes brancas e assépticas. Nada de “cubo branco”! A intensidade das cores e o mobiliário sóbrio nos levam para o interregno entre o século 19 e 20 – uma atmosfera distante do discurso organizado das exposições e museus modernos; bisbilhotar o ateliê do artista é adentrar em sua dimensão mais íntima.

Ludvig Karsten, 1905. © Munch museet. Cortesia Galleri F15. 53



A menina doente, 1886. © Munch museet. Cortesia Galleri F15.

Outro ponto de destaque é a ideia de trabalho. Dificilmente, pensamos nessa questão quando se trata de arte. Na vida de Munch, esse aspecto é marcante. Em 8 de novembro de 1880, ele escreveu em seu diário: “Minha decisão está tomada, serei pintor”. Porém, forçado pelo pai, aos 16 anos, matriculou-se em Engenharia na escola técnica de Khristiana. Mas o gosto pelo estudo do desenho e da perspectiva deu coragem ao jovem para enfrentar a autoridade paterna. Ele desistiu do curso e anunciou seus planos de ser pintor; o pai declarou que esse ramo era um “comércio profano”. Mesmo assim, o filho rebelde se inscreveu na Escola Real de Arte e Design de Oslo, onde conviveu com escritores boêmios e políticos. Assim, a firme decisão de ter a arte como meio de vida era algo crucial no seu percurso. No início de sua trajetória, os obstáculos ao desejo de viver de arte não eram restritos à censura familiar. O jovem artista também enfrentou críticas ásperas. Em 1886, por exemplo, a tela foi severamente reprovada pela crítica norueguesa. O tema – inspirado na memória de Sophie, sua irmã mais velha que morreu aos 15 anos – não era o problema. O ataque era destinado ao seu estilo impressionista considerado uma afronta ao gosto local. Essa pintura foi a primeira de uma série de seis outras com o mesmo tema. A partir daí, o sofrimento e o corpo afligido por doença se evidenciaram no seu repertório. 55


O Grito, 1893. © Munch museet. Cortesia Galleri F15.

Foi na Alemanha, onde viveu de 1892 a 1908, que Munch obteve reconhecimento. Curiosamente, sua obra mais famosa, , 1893, é dessa fase. A tela integra uma coletânea de quatro obras intitulada com o mesmo nome. A angústia e o desespero da figura fantasmagórica aludem à infância trágica do próprio pintor. Durante um passeio com dois amigos na doca de Oslofjord, Munch sofreu um ataque de ansiedade. Era fim de tarde e o céu estava avermelhado. Ele recorda: “(...) o céu ficou vermelho como sangue. Parei e encosteime à cerca … tremendo de medo. Então ouvi o enorme e infinito grito da natureza.” Fato é que o estado de perturbação do nosso artista se confunde com seu trabalho artístico. Novo exemplo, tem-se em 1908, quando Munch começou a escutar vozes e foi internado em um sanatório. Após esse evento, ele incluiu, entre seus trabalhos, paisagens bucólicas. 56




Homens de banho, 1915. © Munch museet. Cortesia Galleri F15.


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Realmente, seu período alemão firmou as bases de sua trajetória, inclusive lhe trazendo seguidores entre os vanguardistas. Nesse ponto, destaca-se a admiração de: Erich Heckel, Ernst Ludwig Kirchner, Max Beckmann e Karl Schmidt-Rottluff na Alemanha; Egon Schiele e Richard Gerstl em Viena. Esses artistas o viam como um modelo do expressionismo. O que eles viram em seu exemplo? Algo semelhante visto nos repertórios de Gauguin e Van Gogh: a compulsão de usar a arte como veículo de emoção. Ademais, Munch inseriu em seu trabalho atitudes do novo século em relação ao sexo, distúrbios psicológicos e espiritualidade. elege Quando a mostra obras do período de 1900 a 1916, está selecionando trabalhos de uma fase madura e coroada pelo êxito. Destaca claramente o apoio à obra de Edvard Munch, concentrando-se em grandes mecenas e colecionadores, tais como, o cônsul Christen Sandberg, Max Linde, Ernst Thiel, Rasmus Meyer, Carl Steinbart, Hugo Perls e outros. Mas, não somente! Seus amigos e ajudantes também surgem nas telas ou nos desenhos, mostrando o exercício do trabalho em ateliê e o círculo de afetos do pintor. Não se deixe levar pela ideia de uma mostra repleta de retratos. Isso não é verdade! Paisagens que rememoram os lugares de Munch, como por exemplo, Åsgårdstrand, Kragerø, Hvitsten e Moss, bem como de visitas a Lübeck, Estocolmo e Copenhague, também estão presentes na mostra.

À esquerda: Vida, 1920. Acima: Paisagem de Inverno, 1915. © Munch museet. Cortesia Galleri F15.

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Christian e Hjørdis Gierløff, 1913-14. © Munch museet. Cortesia Galleri F15.


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Ato sentado, 1913. © Munch museet. Cortesia Galleri F15.

A essa altura, não é difícil perceber que os organizadores da mostra norueguesa conhecem as potencialidades da temática envolvida. Confessadamente, essa de experiência veio de duas exposições anteriores: 2013 e , de 2016. E aqui, cabe uma digressão: nos últimos dez anos, recentes pesquisas, publicações e exposições vêm mostrando intenso interesse acerca das relações de trabalho e dos processos de produção e recepção da arte. Nesse sentido, tais exposições estão de acordo com essa vertente de investigação em voga nos estudos dedicados à história da arte. Em síntese, a exposição 1900-1916 mostra o ateliê como espaço concreto e, simultaneamente, de representação. O de Munch, em Jeløya, tornou-se recinto privilegiado, onde ocorreram relações ligadas o processo criativo, as obras de arte e a imagem do artista. Juntem-se aos argumentos da mostra, questões como, a experiência íntima do artista; o ensino e a aprendizagem e a comercialização da arte.

Alecsandra Matias de Oliveira é Doutora em Artes Visuais pela ECA USP (2008) e pós-doutora pela Unesp (2018). Atualmente, é especialista em cooperação e extensão universitária do MAC USP, membro da ABCA e pesquisadora do Centro Mario Schenberg de Documentação da Pesquisa em Artes. Autora do livro Schenberg: crítica e criação (Edusp, 2011).

MUNCH’S PATRONS AND COLLECTORS, FRIENDS AND HELPERS 1900-1916 • GALLERI F15 • MOSS • NORUEGA • 12/2 A 4/5/2022 65


FLASHBACK


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JACQUES louis david Madame Récamier, 1800. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art.


O CÉLEBRE ARTISTA FRANCÊS JACQUES LOUIS DAVID ATRAVESSOU VASTAS DIVISÕES ARTÍSTICAS E POLÍTICAS AO LONGO DE SUA VIDA. SUAS OBRAS ICÔNICAS CAPTURARAM AS ASPIRAÇÕES E O SOFRIMENTO DE UMA NAÇÃO, ABORDANDO TEMAS ATEMPORAIS QUE CONTINUAM A RESSOAR ATÉ HOJE

Neoclassicismo...se tu, que estás a ler este texto, já tiveste algum contato com este tema, seja por meio de estudos escolares e acadêmicos ou por meio de um livro, documentário, ou ainda por qualquer outro formato, provavelmente associaste este nome ao do pintor JacquesLouis David. Lembrado como um nome máximo do movimento acadêmico neoclassicista, David é um caso de destaque na história da arte por ser sozinho, arrisco dizer, maior ou tão significante quanto o movimento em si. Não é questão de polemizar, colocando-o acima de Gainsborough ou de Ingres, por exemplo, mas ressaltar a dominância de David como um mestre da arte acadêmica, que, apesar de conhecida por seus padrões severamente rígidos, teve deste artista uma contribuição em relação à clareza, temas e técnica que o põem em posição privilegiada na história dos grandes pintores da história humana. Em 1748 Jacques-Louis David nasceu em Paris, no seio de uma família pequeno-burguesa tradicionalmente dedicada ao comércio. Por volta de 1770, o jovem David começou a tomar aulas de pintura com o velho mestre Vien, que alguns anos mais tarde viria a ser nomeado diretor da Academia de França em Roma. O discípulo acompanhou o mestre à Itália. Na década seguinte, em 1780, o artista retornou a Paris, já totalmente fascinado por uma concepção ideal da Antiguidade romana, a característica mais marcante da arte que viria a ser chamada de Neoclássica. Cinco anos após 68

Autorretrato, 1794. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art.

POR EDVALDO CARVALHO



O Juramento dos Horácios, 1784. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art.


retorno dele, David expôs ao público, em Paris (e mais tarde em Roma), aquela que é uma de suas grandes obras, figura marcada em livros de História da Arte e importantíssima por sua simbologia e composição impecavelmente academicista: . Neste óleo sobre tela de notáveis dimensões (3,30 m x 4,25 m), o artista demonstrou domínio e segurança difíceis de serem comparados e, até mesmo, relatados por meio de palavras. É talvez a possível primeira obra-prima do Neoclassicismo, na qual os irmãos Horácios, que nomeiam a obra, juram, motivados por um espírito nacionalista, derrotar seus inimigos, a família Curácios. As poses rígidas dos guerreiros, inspiradas nas

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Acervo Cabra, Coleção Márcio Teixeira.amena, o cenário arquitetônico, o vermelho, esculturas greco-romanas, a coloração Foto: Vicente de Mello. azul e branco que predominam nas vestimentas e o contorno precisamente perfeito fazem dessa obra um signo, um marco, algo que demarcará a História da arte. A partir dessa obra, o renome de Jacques-Louis David cresceu ininterruptamente. Mas esta é apenas uma de suas obras magistrais. Anos mais tarde, um de seus , que, tal mecenas teria o privilégio de ter em sua posse a tela , ilustra a cultura clássica de um modo sem igual. qual A obra, que narra as últimas horas do pensador grego que defendia a imortalidade

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da alma, tornou-se, da mesma forma, imortal. Condenado, o filósofo, relutante e convicto de seus ideais, chama a atenção ao centro da tela, onde levanta uma das mãos e com a outra toma de um discípulo o cálice com o veneno que viria a beber. Os gestos são vigorosos, rígidos, severos como a atitude radical de Sócrates de preferir a morte a trair suas ideias. Ambientada em um cenário romano, David compôs a cena do seu jeito, com a força sincera e coesa de sua pincelada. A atitude de Sócrates era, de certa forma, política. A política fez parte da vida de David e influenciou a arte dele. Ele viria a ser eleito deputado à Convenção

A Morte de Sócrates,1788. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art. 73 49



As Sabinas, 1799. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art.


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A Morte de Marat,1793. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art.

revolucionária de 1792, e se tornou membro do Comitê de Arte e do Comitê de Instrução Pública da então recémimplantada República Francesa. JacquesLouis David tinha uma alma revolucionária, apesar de fazer parte da Academia Real, pois apoiou veementemente a revolução, e se dedicou inclusive a criar obras de propaganda para o novo regime. Uma de suas obras mais conhecidas, e que acabou se tornando símbolo desse período, representa a morte do revolucionário Jean-Paul Marat (1743-1793), assassinado durante o banho por uma inimiga política, Charlotte Corday, que se fez passar por aliada. Apesar de morto, David apresentou Marat de forma heroica, como um mártir, que morreu por uma causa nobre. Nessa obra, em que David deixou de lado a mitologia e olhou para o seu tempo, é possível perceber toda a clareza e sobriedade do estilo Neoclássico, convertendo um momento trágico em heroísmo e mostrando de forma racional e ordenada um acontecimento contemqualquer porâneo. Não há em elemento supérfluo na imagem e nada é meramente decorativo.


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Napoleão cruzando os Alpes, 1801. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art.

Diante das rupturas políticas entre os membros da revolução, David chegou a ser preso, acusado de manter ligações com elementos do e infidelidade à causa republicana, mas, em 1799, depois que Napoleão tomou o poder, ele se tornou seu pintor oficial. Daí vêm pinturas como , que exaltam a grandeza e heroísmo do governante. O maravilhoso trabalho no desenho e na cor da capa vermelha de Napoleão é um destaque voraz nessa obra. Mas há uma outra vertente artística de David que, apesar de menos conhecida, nem por isso é menos esplêndida: o seu lado desenhista. do , exposição iniciada em fevereiro e que se estenderá até o dia 15 de maio de 2022, é a primeira exposição 79


Abaixo: Eugène David e sua esposa, Anne-Thérèse, 1825. À direita: O juramento da quadra de tênis, 1791. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art.


dedicada às obras de desenho em papel desse célebre artista, que revelará um pouco mais de suas produções artísticas e ativismo político ao longo de sua vida – desde seu nascimento em Paris, até sua morte no exílio em Bruxelas, em 1825. O visitante poderá ver vários desenhos de David e assim, entender, dentre outras coisas, como ele conseguia obter na pintura um contorno, que era ao mesmo tempo muito delicado e bastante preciso. Segundo os organizadores da exposição, as mais de oitenta obras serão cronologicamente organizadas, contando com desenhos e esboços a óleo, inclusive alguns que foram raramente emprestados ou recém-descobertos, provenientes das coleções do The MET e de dezenas de credores institucionais e privados.

Edvaldo Carvalho é professor de arte na rede estadual de ensino do Estado do Amapá e MBA em História da Arte.

JACQUES LOUIS DAVID: RADICAL DRAFSTMAN • THE MET • 17/2 A 15/5/2022 81


O Hotel,1981-1983. © Sophie Calle. Cortesia Centre Pompidou.

SOPHIE

REFLEXO


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calle


( , 1995), que A exposição abre com a série narra a relação sentimental entre Sophie Calle e seu exparceiro Greg Shephard, com quem dirige o filme , um filme autobiográfico sobre a jornada que fizeram juntos pelos Estados Unidos em 1992. ( , 1981-1983) mostra uma nova faceta de Sophie, que entra na pele de uma camareira de hotel e expõe a intimidade de estranhos sem que eles saibam. Com a série ( , 1984-2003), a artista examina uma difícil ruptura sentimental vivida em 1984, que equilibra com os relatos da dor de pessoas anônimas. A digressão termina com (2018), uma das suas últimas obras, apresentada pela primeira vez na Espanha. A artista relata a perda de seu gato Souris (que se traduz como Rato e Sorriso) e o vazio de sua ausência por meio de um vídeo e um álbum de música. Sophie Calle nasceu em 9 de outubro de 1953, em Paris. Seu pai, Robert Calle, era médico e colecionador de arte. Desde a infância, visitava regularmente a Camargue, região do sul da França de onde vem a família paterna, pela qual sente um carinho especial. No início dos anos 1970, ela deixou a França e viajou pelo mundo. Ao regressar, em 1979, começou a seguir estranhos na rua, gesto artístico que deu origem ao seu primeiro projeto, . 84

Take care of yourself, 2009. (Mostra no Sesc Pompeia). Foto: Daniel Klajmic,

O CENTRE POMPIDOU MÁLAGA REVISA QUASE 40 ANOS DE CRIAÇÃO DA FRANCESA SOPHIE CALLE POR MEIO DE UMA EXPOSIÇÃO INÉDITA QUE RELEMBRA CERTOS TEMAS HABITUAIS DA ARTISTA: RELAÇÕES AMOROSAS, AUSÊNCIA OU MESMO PERDA




Em 1981, mudou-se para Malakoff, ao sul de Paris, e estabeleceu seu estúdio em uma fábrica abandonada, que dividia com os artistas Christian Boltanski e Annette , no Centro Messager. Sua retrospectiva Pompidou, em 2003, aumentou sua notoriedade entre o público em geral. Realizou inúmeras exposições em todo o mundo e, em 2007, representou a França na Bienal de Veneza. Sophie Calle também é autora de vários livros, , traduzido em seis idiomas. incluindo Em 2009, no Brasil, a mídia cobriu extensamente a exposição , de Sophie Calle, que esteve em cartaz em várias cidades do país. Afinal, o que pretendia essa artista, que foi abandonada pelo namorado e transformou isso em um trabalho de arte? Muitos condenaram os temas íntimos e pouco ortodoxos abordados por Calle, mas não o público, que reagiu com compaixão à situação dela. Em entrevista exclusiva à Dasartes, Calle falou de sua obra.

A cirurgia plástica, 2013. © Sophie Calle. Cortesia Centre Pompidou. 87


TRECHOS DA ENTREVISTA POR MARIANA GOMES PAULSE

Take care yourself (Cuide de você, 2007) © Sophie Calle. Cortesia Centre Pompidou.

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“Recebi uma carta de rompimento que não soube responder. por Era como se não fosse a mim destinada. Terminava com as seguintes palavras: Cuide bem de você. Tomei essa recomendação ao pé da letra. Pedi a 107 mulheres, escolhidas por sua profissão, seu talento de interpretar a carta sob um ângulo profissional. Analisá-la, comentá-la, interpretá-la, dançá-la, cantá-la. Dissecá-la, esgotá-la. Fazer-me compreender. Falar no meu lugar. Uma maneira de sentir o tempo do rompimento. No meu ritmo. Cuidar bem de mim. Primeiro, eu não sabia como responder a essa carta, então, eu pedi conselhos a uma amiga. Talvez porque eu esteja acostumada a usar elementos da minha vida na arte, rapidamente me veio a ideia e já tentei visualizar o que poderia ser feito em termos de imagem. A partir daí, o trabalho tomou forma bem rapidamente.”

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Exquisite pain (Dor apurada, 1984-2003) © Sophie Calle.Cortesia Centre Pompidou. 90


“Em 1984, ganhei uma bolsa do Ministério de Relações Exteriores francês para ir ao Japão por três meses. Parti em 25 de outubro, sem saber que essa data marcava o começo de uma contagem regressiva de 92 dias para o fim de um caso amoroso. Nada extraordinário – mas para mim, na época, o momento mais infeliz de minha vida, e um pelo qual eu culpei a viagem em si. Voltei à França em 28 de janeiro de 1985. A partir daquele momento, sempre que as pessoas me perguntavam sobre a viagem, eu pulava a parte sobre o oriente e contava sobre o meu sofrimento em vez disso. Por minha vez, passei a perguntar aos amigos e pessoas com quem cruzava: ‘Quando foi que você mais sofreu?’ Fiz isso sistematicamente até que superei minha dor, comparando-a com a de outras pessoas, ou gastando minha estória por simples repetição. O método se provou radicalmente eficaz: três meses mais tarde, eu estava curada. No entanto, temendo uma possível recaída, decidi não explorar o experimento artisticamente. No momento em que voltei a ele, 15 anos haviam se passado.” 91


No sex last night (Sem sexo na noite passada, 1992) © Sophie Calle. Cortesia Centre Pompidou.

“Cada um de nós falou quase exclusivamente para a câmera, porque nosso relacionamento se deteriorou tanto que não nos falamos mais. Falta de diálogo, falta de técnica, tudo se resume a isso. Em (Dor apurada, 19842003), fiz um trabalho a partir do término de uma relação amorosa, propondo às pessoas que falassem sobre a experiência mais dolorosa da vida delas. Esses são os dois únicos trabalhos, de todos que eu fiz, em que há alguém que eu conheço como tema, além de (1992), que foi feito em conjunto. Normalmente, os sujeitos são anônimos.” Em , Sophie Calle iniciou uma viagem de carro pelos Estados Unidos com seu parceiro, Greg Shephard, da Costa Leste à Costa Oeste, rumo a Las Vegas, cidade onde planejavam se casar, apesar do fato de que seu relacionamento estava desmoronando. O filme mostra as perspectivas entrelaçadas dos dois protagonistas, que se filmam durante as três semanas de viagem, em seu Cadillac e nos muitos motéis onde passaram a noite. 92


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Silence, 2012. © Sophie Calle.Cortesia Centre Pompidou.



( , 1981-1983). © Sophie Calle. Cortesia Centre Pompidou.

"Observei em detalhes vidas que me eram estranhas", explica a artista na tentativa de definir essa ambivalência entre a descoberta e a impossibilidade de captar, mesmo no mais íntimo, a essência do outro. Em 16 de fevereiro de 1981, Sophie Calle conseguiu um emprego como empregada doméstica em um hotel veneziano. Durante três semanas, ele analisou o sono e a intimidade dos hóspedes. A fotografia a cores de cada sala está associada a um texto semelhante a um boletim de ocorrência, salpicado de reflexões pessoais e ilustrado com fotografias em preto e branco. Fotografia e pesquisa coincidem aqui geminados em um desejo de representar a realidade. 97


“ ”

(1979), em que eu sigo um desconhecido, eu não procuro qualquer evento extraordinário. Se algo extraordinário acontece, acaba para mim, porque se torna jornalístico. Imagine se o cara que eu estou seguindo mata alguém: é o fim, o tema me pregou uma peça. Eu só posso trabalhar com a banalidade.”

SOPHIE CALLE • CENTRE POMPIDOU MALAGA • ESPANHA • 01/11/2021 A 30/4/2022 98

Suite Vénitienne, 1979 © Sophie Calle. Cortesia Centre Pompidou.

“Nos registros de eventos cotidianos de


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LIVros

Reunindo doze ensaios inéditos produzidos por especialistas em design e arte, infográficos detalhados e uma extensa pesquisa iconográfica, o livro, organizado por Livia Debbane e com coordenação geral de Fernando Ticoulat e João Paulo Siqueira Lopes, lança nova luz sobre as origens do design brasileiro, nos anos 1950 e 1960, ligando-as ao movimento de arte concreta e às ideias defendidas pela Escola de Ulm, na Alemanha, herdeira da Bauhaus. BOA FORMA GUTE FORM: DESIGN NO BRASIL 19471968 • Org. Livia Debbane • EDITORA ACT • R$ 169,00 • 224 páginas

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Fotos: Sonia Balady

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COLUNA do meio

Emanuelle Araujo e Fernando Diniz

Art Lab Foto 2021 Art Lab Gallery

Stefano Viola e Diana Bouchardet

Fábio Martins

Fotos: Gabi Carrera

Juliana Monaco e Eduardo Monaco

Carolina Kasting

Antonio Bokel Espaço Cultural Correios Niterói

Kaiene Reis

Luiz Zerbini

Saulo

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Antonio Bokel

O Real Resiste Mul.ti.plo Rio de Janeiro

Vanda Klabin

Carolina Kasting e Antonio Bokel


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