Revista Dasartes 123

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Capa I: , Retrato g (série Retratos), 2013.

E por que haverias de querer minha alma na sua cama

Monica ©Succubus,Piloni,2021.MonicaPiloni.

Capa

DIRETORA Liege Gonzalez Jung EDITORIALCONSELHO Agnaldo FariasArtur VandaMarceloGuilhermeLescherBuenoCamposKlabin EDIÇÃO . REDAÇÃOAndré andre@dasartes.comFabro MÍDIAS SOCIAIS . IMPRENSA Leandro dasartes@dasartes.coFazollam DESIGNER Moiré moire@moire.com.brArt REVISÃO Angela Moraes PUBLICIDADE publicidade@dasartes.com SUGESTÕES E CONTATO info@dasartes.comDoeoupatrocinepelasleisdeincentivoRouanet,ISSouCMS/RJfinanceiro@dasartes.com

Foto: © Monica Piloni. II: , (Série No Meu Quarto), 2014.

Foto: © Monica Piloni.

10AMOAKO BOAFO HENRY MOORE 46PAUL CEZANNE 6 8 28 AgendaDeArte a Z 64DI CAVALCANTI MONICA PILONI 94 78 James M. Whistler 114 ColunaLivros do meio117

Com trabalhos de 35 artistas representantes de todas as cinco regiões brasileiras, o Salão Nacional de Arte Contemporânea de Goiás além de se colocar como instrumento de reinserção do estado na cena brasileira novamente, se mostrou uma vitrine capaz de evidenciar e referenciar a potência do que se produz nas terras quentes do Cerrado. Dos cinco premiados, três são do Centro-OesteLucélia Maciel e Valdson Ramos, ambos de Goiás, e João Angelini, do Distrito Federal -, e duas referências especiais entregues pela Comissão de Premiação também o são - Alice Yura, do Mato Grosso do Sul, e José Lisbran, do Mato Grosso. Os outros dois artistas premiados são Marcela Bonfim, de Rondônia, e Desali, de Minas Gerais.

• MAC GOIÁS • GOIÂNIA • ATÉ 8/10 AGENDA,

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SALÃO NACIONAL DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE GOIÁS

João Angelini.

O Salão tem a intenção de se tornar um emblema para a inauguração de um novo momento para a arte contemporânea do Planalto Central, em especial a de Goiás, em seus múltiplos diálogos com a produção das demais regiões do Brasil, ressalta seu curador Paulo Henrique Silva. Esse prêmio de arte nasce de um desejo pessoal, mas também coletivo, de acompanhar as grandes mostras e eventos sudestinos, sob a perspectiva de se sedimentar como registro e como parte da história atual das artes visuais brasileira", afirma Paulo Henrique.

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LUTO • Fotógrafo americano William décadasqueInternacionalexposiçãoSuatambéminfluenteParisdaKlein,quedeixousuamarcacomimagensmodaedavidaurbana,morreuemaos96anos.Celebradocomoumartistadoséculo20,Kleintrabalhounocinemaenamoda.morteocorreunoúltimodiadeumaretrospectivanoCentrodeFotografiadeNovaYork,celebrouacarreirademaisdeseisdoartistamultifacetado.

• ocupaRetrospectivaosextoandar do MoMA Nova York e exibe 417 peças de mais de 30 anos da carreira do fotógrafo experimental, músico e escritor alemão Wolfgang Tillmans. Suas fotografias mais famosas estão lá; as fotos que são tidas como talismãs subculturais – como seus editoriais para a bíblia da moda iD ou erevistaBUTTeimagensíntimasdeamigosamantesnosanos90. arte

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CURIOSIDADES • Um colecionador de arte comprou uma foto emoldurada em uma pequena casa de leilões de Connecticut por US$ 2 mil no ano passado. Ele ficou surpreso ao descobrir que dentro do quadro, não havia uma, mas duas gravuras originais raras do deaNacionalimagemAlfredséculo19dofamosofotógrafoamericanoStieglitz.TrêsgravurasdamesmaestãonacoleçãodaGaleriadeArteemWashingtoneagoranovadescobertaelevaonúmerototalgravurasexistentesparacinco.

• DISSE A JORNALISTA

, mostra de Emanuel Nassar, no Museu de Arte do Rio (MAR), apresenta um panorama da produção do artista –com obras de 1990 a 2022. O título aproxima as noções contraditórias de precariedade e de progresso: Por um lado, "lataria", material utilizado em grande parte dos trabalhos, remete à oficinas mecânicas, ao rudimentar e ao especializados.tecnológicoespaçoreferênciatrabalhomanual,poroutro,"espacial"fazaexpansãodalatariapeloexpositivoeéassociadoaoavançoeaconhecimentosDe17/9/22a29/1/23.

Intitulada

Ynaê Lopes dos Santos do portal DW Brasil, ao comentar a morte do artista plástico, fundador e curador do Museu Afro-Brasil, no último dia 7 de setembro de 2022.

PELO MUNDO II • De gotas de chuva e ovos ao corpo humano, Maria Bartuszová se inspirou nas formas orgânicas e nos ciclos do mundo natural. Trabalhou de forma inventiva e rápida, usando o processo fugaz e líquido de fundição para criar obras de arte simultaneamente sólidas e delicadas. Nova exposição, no Tate Modern, abrange trinta anos de prática da artista desde o início dos anos 1960 até o final dos anos 1980. De

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AMOAKO

ENTREVISTA

BeneditaandBurkHudson Boafo.Amoako©2018.Furacao,

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boafo

Boafo.Amoako©Foto:2021.Hat,Black

O ARTISTA GANENSE AMOAKO BOAFO É UMA INFLUENTE VOZ DE SUA GERAÇÃO, COM RETRATOS

QUE FAZEM USO VIBRANTE DE CORES E PINCELADAS GROSSAS, IMPROVISADAS POR UMA TÉCNICA INCOMUM DE PINTURA A DEDO. SEU TRABALHO ESTÁ ATIVAMENTE CENTRADO NO OLHAR NEGRO, EM SUA SUBJETIVIDADE E ALEGRIA, E TEM NO CUIDADO RADICAL A ESTRUTURA FUNDAMENTAL PARA SUA PRÁTICA ARTÍSTICA

O título da exposição é inspirado em um estudo etnográfico seminal sobre a vida dos negros além dos filtros da raça, conduzido pelo sociólogo e pan-africanista W. E. B. Du Bois, , publicado em 1903. Du Bois conduziu uma pesquisa que resultou na cunhagem da frase “dupla consciência”, que evoca a sensação de que os negros constantemente precisam olhar para si mesmos pelos olhos dos outros. O texto de Du Bois serve como um convite para pensar profundamente sobre a prática artística de Boafo e como ela desafia um olhar “outro” sobre a figura negra. As pinturas de Boafo são profundamente pessoais e intimamente ligadas à própria experiência como artista ganense que vive e trabalha entre Viena e Accra. Suas obras servem como meio de autopreservação – uma celebração de sua identidade, das pessoas negras e da negritude. A seguir, leia a entrevista com o jovem pintor.

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, a primeira individual de Amoako Boafo nos EUA, apresenta mais de trinta obras criadas entre 2016 e 2022, incluindo a pintura de parede , um feito para o Museu de Arte Contemporânea de Houston. Os temas de suas pinturas representam as nuances e complexidades da vida negra globalmente. Condições como o COVID-19, a resistência constante à opressão sistêmica, o combate ativo à retórica antinegra e a mercantilização dos corpos negros na mídia são algumas das preocupações que aumentam a urgência e relevância desta exposição.

Para mim, Gana é um lugar onde tenho muita liberdade e o porquê de eu saber trabalhar com o que tenho ou com o que recebo. Procurei replicar isso no meu estilo de pintura.Você

cresceu em Gana e foi para Ghanatta, uma escola de arte frequentada por muitos artistas figurativos proeminentes de Gana. Você pode falar um pouco sobre essaSim.experiência?Étristeque

Ghanatta não esteja mais lá, mas era um espaço onde você era apresentado ao básico do desenho e da pintura, a tudo o que você precisava saber. Era mais baseado na prática, então você tinha que fazer muitas vezes, e essa repetição ajudava a realmente obter a técnica. Isso é o que Ghanatta foi para mim, acertar o básico.

Amoabea - Masked, 2020 Foto: © Amoako Boafo.

Você pode falar sobre como Gana o influenciou como pessoa, como você pensa sobre arte, como vê o mundo?

POR LARRY OSSEI-MENSAH

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Boafo.Amoako©Foto:.2020Jacket,Buttoned-Basquiat 16

Não, a arte não era nada séria. Para mim, o tênis era. Eu queria fazer arte, sim, mas eu não tive chance quando eu era jovem, então o tênis era para onde eu planejava ir, tênis foi a minha saída, então eu fiz disso meu primeiro amor. Então, mais tarde, eu tive a chance de voltar para a escola, para a arte. Minha ideia era na linha: “Sim, isso é algo que eu adoraria fazer, então talvez eu faça socialmente, caso eu ganhe um bom nome e um bom dinheiro com o tênis, pelo menos eu terei um hobby”. Mas levei a arte tão a sério que, quando quis voltar ao tênis, não consegui. Quando voltei às quadras, vendo o quão à frente as pessoas com quem eu comecei estavam, tive que decidir: “Sim, acho que vou ter que me ater à pintura então”, e aqui estamos.

Você também estudou em Viena. Você pode falar sobre como essas duas experiências trouxeram você até aqui?Bem,

eu fazia parte da maioria negra, não precisava explicar nada, mas quando cheguei a Viena, as noções deles sobre os negros eram diferentes, então senti a urgência de fazer algo para mudar aquela narrativa. Lembro-me de fazer trabalhos em que eu estava reclamando principalmente sobre por que eles nos viam do jeito que nos viam, então, de alguma forma, eu pensava: “Talvez eu devesse mostrar a eles como eu quero ser visto”. Então eu comecei com o autorretrato, porque senti que, por mais que eu soubesse que sou apenas uma pessoa de um grande grupo enfrentando isso, sou quem melhor sabe o que estou passando, então comecei a partir daí.

Temos trabalhos de 2016 a 2022. Você pode falar um pouco sobre como as coisas evoluíram para você? Começamos com os autorretratos: por que você começou com você como tema em uma jornada de construção de sua linguagem?Bem,quando

Ghanatta lhe ensina o básico, Viena basicamente lhe dá a liberdade de experimentar. Quando cheguei a Viena, fiquei “encalhado”. No começo, não foi fácil, porque eu não sabia jogar com essa liberdade. Não sei como cheguei lá, mas tive que me convencer de que conhecer o básico da pintura é bom e isso deve dar a você a vantagem de poder expandir. Foi quando eu decidi que queria começar minha própria linguagem.

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Self portrait, 2019. Foto: © Amoako Boafo.

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E quando você disse: “Ok, deixe-me mudar e começar a pintar meus amigos e pintar pessoas que admiro e que respeito”?

Eu acho que, se você se pinta muitas vezes, você fica preso ali. Assim eu comecei a olhar para outras pessoas fazendo coisas interessantes e a partir daí passei para uma imagem que me informa como me sinto ou como quero ser visto. Às vezes, a maioria das personagens que pinto são personagens nas quais eu realmente me vejo.

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Para mim, moda é uma afirmação. É uma maneira de dizer como alguém se sente. Quando me visto ou quando vejo as pessoas se vestirem bem, isso me dá essa autoconfiança. Eu quero entrar parecendo afiado. Quero dizer, posso dizer todas as coisas erradas, mas a moda nunca está errada. Nas minhas pinturas, usei um pouco de ouro quando era iniciante, e não foi ruim, mas Klimt – artista de Viena que admiro – também usou ouro em suas pinturas. Embora eu sentisse que a maioria das pinturas que fiz anteriormente não tinham nada a ver com ele, apenas o uso de ouro fez as pessoas pensarem: “Ah, é legal. Como Klimt.” E eu: “Bem, Gana é a Costa do Ouro, então, se alguém está certo em usar ouro, deveria ser eu” ... Mas tive que me afastar porque queria ser o mais único possível, e eu queria poder mostrar meu trabalho de uma forma que não fosse ligada à brancura, e também não queria muitas coisas acontecendo na tela, queria que a figura fosse o foco principal. Então comecei a tirar qualquer coisa que eu sentisse que iria distrair da figura, e foi assim que comecei a brincar com essas cores monocromáticas. Se eu escolher o verde ou rosa, por exemplo, quero brincar com os tons que só complementem o trabalho.

Além, obviamente da figura, da representação da pele, a cor é uma parte muito importante do processo. Você pode falar sobre por que a cor e a moda são componentes tão importantes da prática?

” “ 20

2021.Polish,NailWhiteBoafo.Amoako©Foto:

2021.Handbag,Green Boafo.Amoako©Foto:

2021.Sleeves,LeafMonsteraBoafo.Amoako©Foto:

é uma pintura de parede feita exclusivamente para o museu que só pode ser vista na exposição. Durante visita ao espaço expositivo, Boafo concebeu a peça em resposta ao único banco no espaço da galeria oposto à parede. O banco foi um catalisador de como ele queria que o espectador se envolvesse com o trabalho. A peça apresenta uma figura em repouso com um olhar penetrante dirigido ao espectador. O sujeito

Deep Pink Sofa, 2022. Foto: © Amoako Boafo.

Esse ato é uma oportunidade de não apenas ter uma conexão mais profunda com a obra, mas também com a forma de ver o mundo do artista. Boafo disse sobre a obra de arte: “Eu queria uma pintura onde [mesmo] quando eu não estiver [na galeria], quando você se sentar e olhar, terá a sensação de que estou [olhando por detrás do trabalho], deixando um pouco de mim [com cada um de vocês].”

observa cada movimento seu, convidando você a complementar o ato de “olhar” como uma experiência ativa.

Agora você está no processo de iniciar sua residência institucional. Pode falar um pouco sobre isso? Toda vez que vou visitá-lo em seu bairro, vejo que outra propriedade foi comprada para ser usada por um artista ou como espaço criativo e, para mim, é simplesmente alucinante vê-lo colocar seus recursos onde estão suas intenções e suas palavras.

• 27/5 A 2/10/2022

É enorme, mas também me sinto grato por fazer parte disso. Eu sinto que algumas pessoas antes de mim prepararam isso, se elas não estivessem lá, eu provavelmente não estaria aqui hoje, mas fico feliz que o sonho de pintar está vivo no continente e eu faço parte dos que fizeram acontecer.

Larry Ossei-Mensah foi curador sênior no Museu de Arte Contemporânea de Detroit (MOCAD) e atualmente atua como curador geral na Brooklyn Academy of Music (BAM).

Acho que seria bom ter um distrito de arte porque quase todas as cidades do mundo que visito têm – um bairro onde há apenas galerias, museus e tal, e sinto que seria bom ter algo assim em casa. Repetindo, seria mais fácil se o governo fizesse isso, mas... você sabe. Então eu faço o melhor que posso. A residência é uma das muitas coisas que eu quero fazer: criar esse espaço para que os artistas possam experimentar, ter uma ideia de como uma galeria funciona e como suas obras podem ficar quando aparecem nos espaços certos. É também um local com acesso a infinitos recursos de livros de arte, materiais, acesso a críticos que virão ajudar e conversar. Apenas um espaço que vai construí-los e preparáBLACK EUA

SOUL OF

.2021Collar,Red Boafo.Amoako©Foto: 27

FOLKS • MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE HOUSTON •

Falamos muito sobre comunidade. Você pode falar sobre o que a comunidade significa para você? E também sobre como sua visão evoluiu, sabendo que você tem sido um grande catalisador no interesse por artistas africanos, pintores da África Ocidental? Como você lida com essa pressão?

Working Model for Oval with Points, 1968-1969.

mundoPELO

© Henry Moore Foundation.

HENRY

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moore

E

POR HANNAH HIGHAM

O ano de 1960 marcou o início de uma nova fase na carreira de Henry Moore. Aos 62 anos, ele estava indiscutivelmente no auge de seus poderes. Essa data trouxe grandes marcos do reconhecimento de suas realizações até então, como as aquisições, pela Tate, e uma exposição seminal na Whitechapel Gallery, em Londres, que também incluiu seus últimos trabalhos.

UMA DÉCADA PIVÔ

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NOVA MOSTRA OFERECE UMA VISÃO FASCINANTE DA VIDA DO TRABALHO DE HENRY MOORE DURANTE UMA DÉCADA CRUCIAL EM SUA CARREIRA: OS ANOS 1960

Reclining Figure, 1956. © Henry Moore Foundation.

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Nas décadas de 1940 e 1950, o artista havia defendido a arte pública a serviço da regeneração do pós-guerra e da diplomacia cultural. O British Council excursionou regularmente exposições internacionais de seu trabalho. A década de 1960 também foi marcada por crises, mas, enquanto o relacionamento do escultor com o British Council continuava, o foco de seu trabalho mudou. Impulsionado a criar novas formas e inspirado pela natureza, o trabalho de Moore se tornou progressivamente abstrato. A figura continuava sendo sua preocupação central, mas estava cada vez mais ligada à paisagem. Durante essa década, ele adotou novos materiais e métodos. Trabalhou em uma escala cada vez maior e para um público cada vez maior, fazendo mais de trezentas esculturas, desenhos e gravuras. A casa e os estúdios do escultor sofreram mudanças significativas. Ele ampliou sua moradia para acomodar o fluxo de convidados, construiu estúdios inovadores para facilitar a produção de obras monumentais e contratou vários assistentes em tempo integral. A propriedade fervilhava com suas conversas e a atividade era constante de guindastes, câmeras de TV e pessoas de todo o mundo.

Alguns dos novos materiais e técnicas adotados durante a década de 1960 por Moore foram a fibra de vidro e poliestireno, que influenciaram diretamente seu conceito de escala. O artista já tinha na fundição em bronze seu principal método para fazer escultura. Ao contrário da escultura em pedra ou madeira, as propriedades do bronze permitiam maior tamanho e variedade de formas. Com a ajuda de assistentes, os pequenos modelos (maquetes) do artista foram ampliados primeiro para um tamanho de "modelo de trabalho" e depois para suas proporções finais. A atitude dele em relação à escala de suas esculturas foi inovadora. Tamanho e escala são diferentes. Ele entendeu que percebemos a escala (se algo parecia grande ou pequeno) principalmente em relação a nós mesmos e ao nosso entorno. Moore conseguia imaginar suas maquetes em qualquer tamanho - sua escala era governada apenas por sua visão. Quando ampliava um pedaço de osso ou pederneira em proporções monumentais, interrompia nossa leitura do objeto, como um extremo. A forma como nos relacionamos com esses objetos no espaço também mudou - um osso se torna um arco por meio do qual você pode caminhar. Sua escultura pioneira em grande escala influenciou espaços públicos em todo o mundo.

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EXPERIMENTOS COM ESCALA E MATERIAL

Henry Moore montando exposição na Whitechapel Gallery, London, em Novembro 1960 (com Two Piece Reclining Figure No.1 1959 e Warrior with Shield 1953-54)

Foto: © Henry Moore Archive.

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NoABSTRAÇÃOiníciodacarreira,

Foto: © Henry Moore Archive.

Moore estabeleceu três temas aos quais voltou repetidamente em seu trabalho: a mãe e a criança, a figura reclinada e a forma interna/externa. Na década de 1930, sua escultura era muitas vezes abstrata, mas sempre ligada a essas ideias. A figura era central para o pensamento do artista. Nas décadas de 1940 e 1950, ele percebeu que temas figurativos reconhecíveis eram necessários para um público se recuperando da guerra, mas, na década seguinte, olhou para frente: novamente, permitiu-se maior abstração, sustentada por seu fascínio pela Aindanatureza.meditando sobre seus temas, o escultor fez uma metamorfose desses mesmos ingredientes. Em sua série de figuras reclinadas em várias partes, iniciada em 1959, formou corpos evocando penhascos e pedregulhos, conectando intimamente a figura à paisagem. O espaço entre as partes era igualmente importante - um espaço vital a ser preenchido com imaginação. Moore queria aproveitar a vitalidade da natureza e buscou inspiração em pedras e ossos. Embarcou em uma série de obras e esculturas "pontiagudas" que se entrelaçam ou têm pontos em comum. As formas orgânicas se adequavam à maior ampliação, combinando com a escala da visão do escultor. Formas compactas e torcidas, como , os pontos de alongamento em e deslizando em direção à sua contraparte, todos têm dentro de si uma tensão ativa. Aprimorou isso contrastando texturas ásperas com superfícies lisas ou altamente polidas. Concentrou-se no processo tátil de fazer formas, não apenas em sua aparência visual. Essas esculturas monumentais animaram os novos espaços públicos em que foram colocadas. Abstratas e orgânicas, elas também eram aparentemente apolíticas e falavam de um tema universal - a relação humana com a natureza.

The Arch, 1963/69.

Em 1959, Moore apareceu na capa da revista Time, um sinal de sua fama em rápido crescimento. Graças ao British Council, o renome dele era mais difundido do que quase qualquer outro artista vivo. Fundado em 1934, o British Council tinha como objetivo promover a cultura e a filosofia britânicas no exterior em um momento de instabilidade política. A construção do muro de Berlim, em 1961, e a crise dos mísseis cubanos, em 1962, sinalizaram o aumento da tensão internacional e as esculturas humanistas e orgânicas de Moore se tornaram recipientes para o conteúdo ideológico da diplomacia da Guerra Fria. Isso estabeleceu uma reputação particular para o trabalho do escultor. Ele tinha um relacionamento de longa data com a Alemanha,

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DEMANDA GLOBAL

Knife Edge Two Piece 1962-65. Foto: John Hedgecoe. © Henry Moore Archive.

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que, na década de 1960, era economicamente próspera. Na reconstrução de cidades bombardeadas durante a guerra, as autoridades queriam comprar esculturas que contrastavam diretamente com os objetivos do regime nazista e seus monumentos nacional-socialistas. O artista empreendeu uma sucessão de grandes projetos no país. Razões semelhantes recomendaram suas esculturas à América, que estava passando por um renascimento da arte pública e por lá suas obras se tornaram ícones desejáveis da cultura moderna. Moore apareceu regularmente na imprensa e na mídia. Sua personalidadeamigável, despretensiosa e prática - o tornou querido por um grande público. A fotografia, muitas vezes tirada do artista em casa ou no estúdio, desempenhou um papel significativo na criação dessa persona.

Foto: Michael Phipps. © Henry Moore Foundation.

Multicoloured Reclining Figure, 1967.

Moore havia experimentado regularmente várias técnicas utilizando diferentes combinações de lápis, caneta e tinta, giz, giz de cera e aquarela, que ele raspava e rabiscava enquanto investigava novos efeitos. Na década de 1960, ele foi um dos primeiros a adotar a caneta com ponta de feltro recém-inventada. Não considerado um meio de artista, "abraçou" a cor artificial brilhante e a velocidade e densidade com que poderia aplicá-la.

Two Seated Women, 1967.

© Henry Moore Foundation.

GRAVURAS E DESENHOSUMA EXPLOSÃO DE CORES

Foto: Michael Phipps.

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Moore foi um desenhista inovador que produziu milhares de desenhos durante a carreira. No início, o desenho tinha sido um meio de aprender, responder à inspiração externa, registrar e, principalmente, uma maneira de desenvolver ideias para a escultura. Na década de 1960, seus desenhos não tinham relação direta com seu processo escultórico. À medida que a agenda de exposições e encomendas se intensificava, ele aproveitou a oportunidade para explorar ideias expressivas livres de uma preocupação com sua realização escultural.

Hannah Higham é Curadora Sênior de Coleções e Pesquisa na Fundação Henry Moore.

Criou um extenso corpo de gravuras contendo ideias abundantes. Como sua escultura, elas eram muitas vezes altamente abstratas, mas aqui está o resultado de seu prazer por efeitos gráficos.

Essa exposição apresentará esculturas, desenhos, gráficos raramente vistos e uma riqueza de material de arquivo extraído inteiramente da coleção da Fundação Henry Moore para iluminar a inovação de um artista na casa dos sessenta (anos), mas no auge de seus poderes.

Foto: Michael Phipps.

Three Standing Figures, 1966 .

HENRY MOORE: THE SIXTIES • HENRY MOORE STUDIOS & GARDEN •

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© Henry Moore Foundation.

REINO UNIDO • 1/4 A 30/10/2022

DESTAQUE 1905-6.ManSeated Thyssen-BornemiszaNacionalMuseo© ,

PAUL cezanne,

48 1893-1894.Apples,withLifeStill©TheJPaulGettyMuseum.

POR ALECSANDRA MATIAS DE OLIVEIRA

CÉZANNE, O ARTISTA MALDITO

CONCENTRANDO-SE NAS MUITAS TENSÕES E CONTRADIÇÕES NA OBRA DE PAUL CÉZANNE, EXPOSIÇÃO NO TATE MODERN PROCURA COMPREENDER O ARTISTA EM SEU PRÓPRIO CONTEXTO: UM JOVEM PINTOR AMBICIOSO DO SUL DO MEDITERRÂNEO, ANSIOSO POR FAZER SUCESSO NA PARIS METROPOLITANA ATÉ SE TORNAR UMA FIGURA CENTRAL DA ARTE MODERNA

“Paul Cézanne é o pai de todos nós”. A frase atribuída a Pablo Picasso muitas vezes é vista como anedótica e óbvia, contudo, seu significado indica onde tudo começou; evidencia o papel central do pintor dentro da aventura da arte moderna. Mas por que Cézanne? Diferente de outros pintores de fins do século 19 e início do 20, Paul Cézanne (1839-1906) nunca chegou nem perto de escândalos; ele não matou ninguém e tão pouco se matou; foram poucas suas viagens. Não era boêmio, bêbado (absinto nem pensar) ou dado às prostitutas. Filho de pai banqueiro, nunca sentiu fome ou conviveu com a pobreza. De fato, sua vida era bastante metódica. Porém, a sombra do fracasso e a vontade de “tornar viva a pintura” o transformaram em “um artista maldito”. De temperamento instável (às vezes, raivoso), Cézanne tinha uma rotina obsessiva e dedicada ao exercício da pintura. A mostra discute essa obsessão. Neste outono-inverno, na Tate Modern, 80 pinturas, aquarelas e desenhos contam a vida daquele que passou

50 ” “

The Basket of Apples, c. 1893. © The Art Institute of Chicago.

à história como “o pai da arte moderna” – aquele que quebrou as regras. E por que a mostra se chama ? Na verdade, a EY é uma empresa britânica de consultoria em serviços profissionais que mantém um programa de parceria com a Tate desde 2013. A intenção se centra no apoio às exposições de artistas inovadores e criadores de tendências que moldaram as artes visuais e a cultura. Dito isso, a exposição promete apresentar pinturas mais icônicas do mestre Cézanne, entre elas, naturezas-mortas, paisagens, retratos, cenas de banhistas e mais de 20 obras nunca vistas no Reino Unido, tais como c.1893 (The Art Institute of Chicago) e 1900-06 (coleção particular). Ah! E temos ainda o retrato 1866-8, (Museu de Arte de São Paulo). Nessa mostra, por meio de novas pesquisas e abordagens, as obras selecionadas se tornam testemunhas das cores, composições e técnicas do artista. A exposição promete ser espetacular, atualizando as questões que envolvem o repertório de Cézanne. Acima de tudo, a exposição quer revelar seus percursos estéticos, afetivos e geográficos. Porém, para saber mais sobre a vida e a obra de nosso “artista maldito”, não é preciso aguardar a abertura da mostra porque aqui a gente conta tudo. Nascido em Aix-en-Provence, filho de um próspero fabricante de chapéus de feltro que se tornou banqueiro em 1847, Cézanne estudou em boas escolas. Foi amigo e confidente do escritor Émile Zola (1840-1902). Em 1856, ingressou na École de Dessin de Aix-en-Provence, com o apoio da mãe e contra a vontade do pai. Porém, três anos mais tarde, por insistência paterna, iniciou o curso de Direito na Faculdade daquela cidade. Em 1861, Cézanne se mudou para Paris, encorajado pelo amigo Zola – juntos eram jovens entusiasmados e ambiciosos. Cézanne dizia: “quero impressionar Paris com uma maçã”. Mas, na verdade, na capital francesa, nunca teve grande êxito.

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The Bather, 1885. © 2022. Digital image, The Museum of Modern Art, New York/Scala, Florence

O jovem Cézanne se inscreveu nos cursos livres da Academia Suíça, onde conheceu Camille Pissarro. Mas o fracasso sempre estava o rondando: ele não passou nos exames de admissão da Escola de Belas-Artes. Regressou para Aix, onde trabalhou com o pai. Um ano depois, retornou para Paris e ingressou novamente na Academia Suíça, decidido a ser pintor. Ele repetia em altos brados: “eu sou um marco”. Mas, nada de sucesso. Teve seus trabalhos recusados no Salão Oficial de 1864 e de 1866. À época, conheceu Claude Monet, Renoir, Alfred Sisley e Édouard Manet. Junto com eles, expôs no chamado Salão dos Recusados, que reunia as obras dos artistas rechaçados pelo Salão Oficial. Nesse período, ele pintou telas escuras e românticas. Algum tempo depois, influenciado por Pissarro, começou a trabalhar ao ar livre e clareou gradativamente sua paleta de cores. No círculo dos artistas, era visto com reservas e, ao mesmo tempo, era alvo de piadas da crítica conservadora. Aliás, a crítica maldizia suas telas. A agitação de Paris, definitivamente, não era para ele. A ruptura com o grupo impressionista foi inevitável e, logo, ele estava livre para seguir sua ideia mais ousada: converter os objetos da natureza a três formas básicas (o cilindro, a esfera e o cone).

1874-5.Bathers,

Em 1869, conheceu Marie-Hortense Fiquet, uma modelo que se tornou sua companheira, mesmo temendo a desaprovação do pai e o corte da pensão. Cézanne a escondeu, assim como também encobriu o nascimento de seu filho Paul, em 1872. Seu pai só descobriu o neto em 1878. Eita! Afinal, achamos algo um pouco mais forte na biografia de Cézanne, não é mesmo? Porém, não se empolgue. Do final de 1872 à primavera de 1874, Cézanne morou na casa do Dr. Paul Gachet, em Auvers-sur-Oise, comuna francesa na região de ÎIe-de-France. Dr. Gachet (sim, o mesmo retratado por van Gogh) foi a primeira pessoa a comprar os trabalhos de Cézanne. Quase uma década de trabalho árduo e discreto se passou até que, entre 1882 e 1885, Cézanne se refugiou em Jas de Bouffan (no sul do país), residência de campo de sua família.

Portrait of the Artist with Pink Background, 1875. © (C) RMN-Grand Palais (musée d'Orsay)

Mas o ponto de clivagem na biografia de Cézanne aconteceu em 1886, quando, na ocasião, ele rompeu com Zola após a publicação do livro , em que o pintor se reconheceu no personagem frustrado Claude Lantier. Sua mágoa sempre esteve na dificuldade que enfrentou em ver sua arte reconhecida, então, imagine seu “melhor amigo” tomá-lo como protagonista malsucedido de seu romance. Ali acabou a amizade! Nessa mesma época, o pai de Paul Cézanne morreu e lhe deixou considerável herança. O artista se fixou então na cidade Aix-en-Provence e se casou oficialmente com Hortense Fiquet.

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Foto: Adrien Didierjean.

Nosso “artista maldito” é visto como solitário – e, aqui, permita-me a digressão –a quer mostrar que esse aspecto biográfico é mito. Assim, a exposição dá destaque às relações pessoais: a esposa Marie-Hortense Fiquet e o filho Paul, retratados em trabalhos, tais como, c.1877, (Museu de Belas Artes, Boston) e 1881-2 ( , Paris). Na mostra, também surgem o relacionamento íntimo com Émile Zola e o reconhecimento de Monet e Pissarro como os primeiros a observarem sua singularidade. Some-se, ainda, o fato de que outros artistas colecionaram as obras de Cézanne, entre eles, Paul Gauguin, Pablo Picasso, Henri Matisse e Henry Moore. A mostra , por meio das obras, leva um pedacinho do sul da França para o Reino Unido. Naquele lugar, Cézanne se dedicou à pintura. São retratos, naturezas-mortas e principalmente paisagens. Seu mundo era a cidade de Aix-en-Provence e suas redondezas (que o pintor estendia até o Estaque, região à beira-mar, perto de Marselha). Aix-en-Provence foi fundada em 123 a.C., por romanos. Hoje, ainda mantém traçado labiríntico medieval, palácios construídos com pedras douradas e igrejas que guardam tesouros, como telas de Delacroix e murais fascinantes. Porém, a cidade tem poucas memórias de Cézanne. No museu

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À esquerda: Portrait of the Artist's Son, 1881-2. © Musée de l'Orangerie.

Bathers, c.1894-1905. © National Gallery.

dedicado ao pintor, há modestos trabalhos seus. Certamente, não é no museu que se descobre o fascínio que Matisse, Picasso e Braque tributavam à pintura de Cézanne e porque muitos dizem que ele antecipou o cubismo e a arte abstrata. O interesse de Cézanne pelas formas geométricas é observado quando ele trabalhou em diversas obras que foram repetidas exaustivamente, como a montanha de Santa Vitória e os temas das banhistas. Diga-se, aqui, que a obsessão por banhistas não é somente do nosso pintor. As cenas de banho vão de Ingres, passam pelos impressionistas Renoir, Tolouse-Lautrec, pós-impressionistas, tal como, Seurat e se fazem presente no modernismo com Matisse e outros expoentes. Banhar-se é preciso, nem que seja pretexto para os nus femininos. Assim sendo, a mostra dedicada a Cézanne tem uma galeria que abriga um tema de vida para o artista e, nesse espaço, merece destaque 1894-1905 ( ), uma de suas maiores e mais célebres pinturas criadas na fase final de seu Compercurso.arepetição de temas, em vez de trabalhar com as ilusões e nuances de luz, preferiu pesquisar o plano das telas com pinceladas coloridas. Volume e distância são obtidos por jogo de cores. Formas são simplificadas pela geometria (cubo, cilindro e cones). A obra radicalmente inovadora de Cézanne foi além do impressionismo em busca de uma nova arte. Seu rigor geométrico, mais tarde, serviu de ponte entre o impressionismo e o cubismo.

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Metódico na prática pictórica, seu ateliê está esplendidamente conservado, isso porque a família e, depois, colecionadores norteamericanos mantiveram o estúdio como se o artista ainda andasse por aqueles cômodos. Fascinado pelos efeitos do tempo e da luz, Cézanne projetou seu estúdio para recepcionar o sol. Pela janela do ateliê, a vista de Santa Vitória. Ele era apaixonado por essa montanha. Sim, isso mesmo! Um rochedo branco com sombras azuis chamado de Santa Vitória. O pintor perseguiu aquela montanha altiva com cume de prata através de 44 pinturas a óleo, 43 aquarelas e até o último desenho, poucos meses antes de morrer, retratava a montanha

– a reservou uma galeria especial para as montanhas do pintor e se destaca a obra 1902-06, (Museu de Arte da Filadélfia), umas das últimas com o Obsessivamente,motivo.opintor estudou o monte por diversos ângulos, empregando blocos de cor para atingir a profundidade plana, representação da forma e da topografia do lugar. Ele iniciava suas pinturas situando os principais elementos com marcas de carvão e, depois, acrescentava manchas de cor. As formas eram construídas cuidadosamente a partir dos tons das manchas. No exercício da pintura, ele reduzia a paisagem diante de si a uma estrutura essencial, expressa em formas lineares e geométricas (de novo, o cilindro, a esfera e o cone); as curvas eram representadas por múltiplos planos uniformes. Geralmente, os planos gerais eram dignos de mais atenção do pintor do que seus detalhes. Porém, a forma da montanha era lhe especialmente cara.

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Mont Sainte-Victoire, 1902-6. © Philadelphia Museum of Art.61

The François Zola Dam (Mountains in Provence) 1877-8. © National Museum of Wales. À direita: Château Noir 1900-4. © National Gallery of Art

De fato, a montanha ainda hoje é linda! Sua tonalidade transformada pela luz é uma visão incrível. Para chegar até o rochedo, o caminho do castelo de Tholonet é um espetáculo de tão bonito. De repente, depois de uma curva, tem-se diante de si Santa Vitória. A paisagem ao redor da montanha é tão fantástica que Pablo Picasso (fã número 1 de Cézanne) comprou um castelo na aldeia Vauvenargues, face norte do rochedo, onde viveu muito tempo e atualmente está enterrado naquele cantinho da Provença. Cézanne fez outros caminhos por aquelas paragens, chamados de trilhas cézannianas. Algumas delas levam até a barragem Zola, construída pelo pai do romancista. Ali o pintor encontrou seus pinheiros retorcidos – frequentes nas suas telas –, o e a pedreira de Bibemus, de onde saíram pedras douradas dos castelos que estão pela cidade de Aix-en-Provence. Toda essa paisagem ainda está conservada e, realmente, é como se Cézanne ainda vagasse por ali.

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THE EY EXHIBITION: CEZANNE • TATE MODERN • REINO UNIDO • 5/10 A 12/3/2022

Alecsandra Matias de Oliveira é doutora em Artes Visuais (ECA USP). Pós-doutora em Artes Visuais (Unesp). Professora do CELACC (ECA USP). Pesquisadora do Centro Mario Schenberg de Documentação e Pesquisa em Artes (ECA USP). Membro da Associação Brasileira de Crítica de Arte (ABCA). Autora dos livros Schenberg: crítica e criação (Edusp, 2011) e Memória da Resistência (MCSP, 2022).

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A fixação pela pintura e pelas paisagens de Aix-en-Provence, de certa forma, pôs fim à vida de Cézanne. Surpreendido por uma tempestade em campo aberto, o pintor trabalhou por cerca de duas horas na chuva. No caminho para casa foi socorrido, porém, morreu dias depois de pneumonia. Foi enterrado no antigo cemitério de sua cidade natal. Pouco tempo depois de morrer, em 1906, suas pinturas participaram do Salão de Outono, em Paris. O pintor, atormentado por não ter sua obra reconhecida em vida, causou profundo impacto nos artistas de vanguarda do período e seus trabalhos o tornaram um dos artistas mais influentes do século 20 – sua maldição ainda inspira muitos.

relevoALTO

Sem título, dec. 1950.

CAVALCANTIDI ,

© Emiliano Di Cavalcanti.

.

PINTURAS CARNAVAL E BAHIA, EXIBIDAS EM 1936, DURANTE O EXÍLIO DE DI CAVALCANTI EM PARIS, E RECÉM-DESCOBERTAS NA FRANÇA, ESTÃO EXPOSTAS NO RIO DE JANEIRO APÓS QUASE 90 ANOS

Inserida na história da arte brasileira, por mais de cinquenta anos, a produção cavalcantiana se desdobra em muitas facetas: ilustrador, desenhista, caricaturista, pintor e muralista. Seu trabalho não tem par entre os artistas plásticos do Primeiro Modernismo, sendo Di Cavalcanti o único deles a manter uma produção constante e expressiva até morrer, em 1976.

As obras da mostra comemorativa de 125 anos de nascimento do pintor traçam um percurso do artista das décadas de 1920 a 1970, por meio de seu tema favorito, o povo brasileiro, com suas mulheres, festas, sambas e carnavais. O conjunto proporciona a oportunidade única de ver algumas de suas obras-primas e também acompanhar sua trajetória pictórica, pesquisas estéticas, opções construtivas e afinidades eletivas. Esta exposição apresenta assim o artista em sua integridade, um carioca apaixonado, boêmio, sensual e romântico – autor de algumas das mais belas obras da arte brasileira.

Murilo Mendes, 1949.

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POR DENISE MATTAR

... Di Cavalcanti

Cavalcanti.DiEmiliano©1947.2,CarnavaldeBaile

(1935) fez parte da exposição de Di Cavalcanti realizada na Galerie Rive Gauche, em 1936, ano em que o artista se autoexilou em Paris, onde permaneceria até 1939. A mostra foi apresentada de 17 de junho a 3 de julho, e reunia 21 obras. O folheto do evento traz uma lista com a ficha técnica de cada uma delas, não auxiliando muito na sua identificação, pois o artista não tinha o hábito de dar títulos aos seus trabalhos, adotando nomes genéricos. Como usual nas publicações da época, o folheto reproduz apenas quatro obras, em preto e branco, sendo duas delas conhecidas: a e . Complementa o folheto um prefácio do crítico francês Benjamin Crémieux, por meio do qual ficamos sabendo que ele esteve no Rio em 1930, sendo ciceroneado por Di Cavalcanti. Considerado um crítico literário de grande importância na França, ele fala em seu texto sobre o impacto da visita aos morros cariocas e da importância dessa vivência na obra de Di, dedicando o parágrafo final a uma descrição da obra , que, na visão de Crémieux, “é uma árvore amputada que não desiste de florescer e se torna uma sentinela”. Uma bela imagem literária para essa árvore roliça, que aparece em algumas obras do artista, como (1928), e remete ao baobá Maria Gorda de Paquetá, local onde Di se refugiou de perseguições políticas e do qual saiu para se exilar na França. Uma obra que também pode ser interpretada como uma metáfora a esse momento da vida do artista. Uma árvore cortada que renasce, apesar de isolada, tendo ao fundo um morro brasileiro, cheio de vida, que poderia estar tanto na Bahia quanto no Rio.

Bahia, 1935

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BAHIA

© Emiliano Di Cavalcanti.

Sobre a primeira estadia em Paris, que ocorreu de 1923 a 1925, Di Cavalcanti dizia que a cidade havia colocado uma marca na sua inteligência, e, como civilizado, ele passara a ver a sua terra. Em texto de seu livro , de 1964, Di relata assim esse momento:

Morro, 1928.

© Emiliano Di Cavalcanti.

DEVANEIO

Quando voltei de minha viagem à Europa, senti plenamente a força lírica do Rio de Janeiro e verifiquei que desta magia iria viver a vida inteira. Os mexicanos Diego Rivera, Orozco e Siqueiros começavam a influenciar minha pintura, não propriamente no lado técnico, mas na substância social (...) essa influência da pintura mexicana chegou no momento justo, arrancando-me definitivamente de um estetismo inócuo que ainda ponderava na minha personalidade de artista.

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Nesse período, de 1925 a 1930, Di Cavalcanti criou obras primas sempre permeadas pela magia da cidade, que perpassaria toda a sua produção.

71 “ ”

Devaneio, 1927.

© Emiliano Di Cavalcanti.

Ícaro Ilustração para a revista America Ilustrada, déc 1920. © Emiliano Di Cavalcanti.

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Di Cavalcanti era muito amigo de Paulo Barreto, o João do Rio, cronista famoso, tradutor de Oscar Wilde, e autor de . O escritor apresentou o artista ao submundo carioca, levando-o a produzir a série , em 1921. São 16 gravuras realizadas em traço leve e elegante, ocupando o espaço das páginas de forma inteligente e original, com o uso de sombras descomunais, que maximizam dramaticamente o desamparo dos personagens, manipulados pelos cordéis da noite vazia, entre eles a prostituta, a cafetina, o pianista, o bêbado, o vagabundo e o mendigo. O conjunto, acompanhado de texto do poeta Ribeiro Couto, foi editado por Monteiro Lobato em um álbum extremamente moderno para a época e de grande impacto até hoje. O lançamento foi realizado com uma exposição, na livraria O Livro, em São Paulo, um ponto de encontro da elite pensante da época. Na ocasião, estiveram presentes Paulo Prado e Graça Aranha, e ali já se falou da possibilidade de criar um evento modernista, que viria a ser a Semana de Arte Moderna de 1922.

FANTOCHES DA MEIA NOITE

Ribeiro Couto

© Emiliano Di Cavalcanti.

Carnaval, déc 1920.

Denise Mattar é curadora de Arte Moderna e Arte Contemporânea.

O inédito painel tem características que o situam na produção realizada entre os anos 1929 e 1931, quando a influência muralista tomou corpo na obra de Di Cavalcanti. O parentesco com obras primas como (1925), com os painéis e (1929), do Teatro João Caetano, e (1930), é absoluto: pela volumetria, composição, características cromáticas e temáticas. O mural apresenta um grupo de homens vestidos como mulheres, preparando-se para o carnaval. Não são figuras travestidas dentro do entendimento atual, pois os traços masculinos – pelos nas pernas e braços, bigodes e barbas – são evidentes e um tanto caricaturais. O grupo está reunido no alto de um morro, e, atrás das ondulações da paisagem, na linha do horizonte, está o mar. As cores são fortes e vibrantes, construídas em velaturas, criando profundidades e acentuando a monumentalidade da cena. Di tem como proposta criar um muralismo inteiramente diverso do mexicano, que é marcadamente político, preferindo se debruçar sobre o aspecto humanista. Os sambas, morros, favelas e danças que ele pintou são verdadeiros, quentes, amorosos e carnais – feitos de dentro. Sua obra tem, de fato, o cheiro, o sabor e a cor do Brasil.

CARNAVAL

Di Cavalcanti

76 DI CAVALCANTI: 125 ANOS • DANIELIAN GALERIA • RIO DE JANEIRO • 6/9 A 22/10/2022

1947.1,CarnavaldeBaileCavalcanti.DiEmiliano©

Wapping, 1860–1864. © National Gallery of Art.

FLASHBACK

JAMESmcneill , whistler

POR MARGARET F. MCDONALD

representa o primeiro esforço conjunto para melhor explicar o que está escondido à vista em tantos dos célebres primeiros trabalhos de Whistler: a própria Hiffernan.

Desvendar o mistério da identidade de Joanna Hiffernan depende de dois tipos de evidências: fatos biográficos e obras de arte. Apenas um punhado de suas cartas e nenhuma fotografia sobreviveu. Batizada na Irlanda em 1839, ela migrou com a família para Londres em junho de 1843. Conheceu Whistler em 1860 e, em um ano, se tornou a principal modelo da artista. Em parceria romântica com o artista por cinco anos, Hiffernan ajudou a administrar o estúdio dele mesmo após o término do relacionamento. Mais tarde, com a irmã Agnes, Hiffernan criou um filho, Charlie Hanson, que Whistler teve com outra mulher.

Joanna Hiffernan, uma imigrante irlandesa em Londres, desempenhou um papel crítico na arte e na vida do artista americano expatriado James McNeill Whistler. Durante o início da década de 1860, ela trabalhou em estreita colaboração com o pintor, principalmente como modelo, em pinturas, gravuras e desenhos inovadores que desafiavam as normas culturais predominantes e estabeleceram a reputação de Whistler como um dos artistas mais influentes do final do século 19. A exposição

JOANNA HIFFERNAN COM O PINTOR JAMES MCNEILL WHISTLER DUROU MAIS DE DUAS DÉCADAS – MAS QUEM ERA ELA? A INTRIGANTE “MULHER DE BRANCO” É DESTAQUE EM INÚMERAS OBRAS DO PINTOR QUE ESTÃO SENDO EXIBIDAS JUNTAS PELA PRIMEIRA VEZ NOS ESTADOS UNIDOS 80 2017.LondonTate,©1864.Girl,WhiteLittleThe2:No.White,inSymphony

JOANA HIFFERNAN

A ESTREITA RELAÇÃO PROFISSIONAL E PESSOAL DE

HIFFERNAN NO MUNDO

Purple and Rose: The Lange Leizen of the Six Marks, 1864. Foto: © Courtesy of the Philadelphia Museum of Art.

FORASTEIROS

Hiffernan e Whistler vieram de diferentes origens e deixaram seus países nativos por diferentes razões. A família empobrecida de Hiffernan fugiu da Irlanda pouco antes da Grande Fome. Whistler deixou a família de classe média, em 1855, para estudar arte em Paris. Forasteiros na Inglaterra, eles viviam juntos como um casal, apesar dos rígidos códigos morais da era vitoriana e desafiando o preconceito inglês contra os irlandeses. Whistler e Hiffernan nunca mais voltaram a seus países de origem.

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Operando à margem da sociedade londrina, Whistler e Hiffernan gravitavam para o bairro operário lotado de Wapping, às margens do poluído rio Tâmisa. Frequentaram o , um pub que se tornou o cenário da pintura (1860-1864). No centro, em meio aos detalhes sombrios da vida às margens do rio, uma mulher –modelada por Hiffernan – preside a cena. Sua pose e vestido (incluindo um decote que pode ter sido um pouco ousado para o público da época) sugerem que ela representa uma das milhares de mulheres em Londres que ganhavam dinheiro praticando trabalho sexual.

The Artist in His Studio (Whistler in His Institute1865/1872,Studio),1895.Foto:©TheArtofChicago/ArtResource,NY.

MÚSICA VISUAL

Oferecendo apenas dicas de contexto, mistificou os espectadores. Em 1867, depois de criar mais duas pinturas de Hiffernan em vestidos brancos ( e

), Whistler agrupou as três pinturas sob uma visão musical compartilhada: . Esses interiores cuidadosamente organizados anunciavam o então radical mantra “arte pela arte” – o esforço do artista para representar preocupações puramente estéticas de tom, cor e forma, em vez de tentar retratar uma cena de forma realista. As três estão em exibição juntas pela primeira vez nos Estados Unidos, no .

Symphony in White, No. 1: The White Girl, 1861–1863, 1872. Foto: © Courtesy National Gallery of Art.

O retrato mais icônico de Hiffernan (originalmente intitulado ) foi anunciado em uma galeria comercial como , uma referência ao aclamado romance de mistério de Wilkie Collins (1859). Whistler refutou a associação, alegando: “Minha pintura simplesmente representa uma garota vestida de branco em pé na frente de uma cortina branca”. Alguns anos depois, Whistler assumiu uma postura diferente, afirmando que a pintura era uma experiência estética análoga à música, uma “sinfonia em branco”. Nenhum dos títulos propostos reconheceu o que teria sido um aspecto particularmente desconcertante da pintura, especialmente para o público londrino: a presença imponente, em uma escala geralmente reservada para retratos grandiosos de figuras ricas e poderosas, de uma imigrante irlandesa da classe trabalhadora com pouca posição social.

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A MULHER DE BRANCO

1865–1867.3,No.White,inSymphonyFoto:©UniversityofBirminghamBridgemanImages.

HIFFERNAN E COURBET

Gustave Coubert, Jo, the Irish Woman, c. 1866/1868.

© The Nelson-Atkins Museum of Art.

“Você se lembra de Trouville e Jo... ela tinha o espírito e a distinção da arte”, lembrou com carinho o artista francês Gustave Courbet em uma carta a Whistler. O trio trabalhou junto por um curto período em Trouville, na costa noroeste da França, no outono de 1865. Whistler e Courbet criaram paisagens marítimas, e Courbet também pintou retratos de Hiffernan. Em um desses trabalhos, Hiffernan considerou seu reflexo em um espelho de mão, um tropo histórico da arte que sugere tanto o poder quanto a impermanência da beleza de uma mulher. Courbet foi o único outro artista conhecido por ter retratado Hiffernan.

Margaret F. MacDonald é curadora e professora de história da arte, Universidade de Glasgow.

Desde o momento de sua primeira exposição até hoje, a imagem poderosa de Joanna Hiffernan inspirou artistas nos Estados Unidos e na Europa a criarem suas próprias versões de “mulheres de branco”. John Singer Sargent, Gustav Klimt e Fernand Khnopff exploraram e expandiram as possibilidades da modelo de Whistler. Andrée Karpelès imbuiu sua (1908) com uma sexualidade sem remorso. Fotógrafos e pintores, de Alfred Stieglitz a Romaine Brooks, em conjunto com suas respectivas parceiras, Georgia O’Keeffe e Muriel Draper, reconsideraram o significado da persona de Hiffernan em novos contextos. A poderosa fotografia em tamanho real de Vik Muniz de uma colagem (2013) da pintura de Whistler incorpora centenas de imagens de revistas de mulheres para examinar questões de representação e agência instigadas por .

MULHERES DE BRANCO

reserved.rights©Nantes,ded'ArtsMusée1908.blanc,enSymphonieKarpelès,Andrée

JAMES MCNEIL WHISTLER: THE WOMAN IN WHITE

• NATIONAL GALLERY OF ART • WASHINGTON A 10/10/2022

• 3/7

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REFLEXO MONICA piloni,

Gomes.GuiFoto:Piloni.Monica©2019.miniatura),(versãoMergulhadora

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POR MONICA PILONI

POR MEIO DE SUAS OBRAS, MONICA PILONI PROPÕE UMA RESSIGNIFICAÇÃO DA BELEZA E DO EROTISMO A PARTIR DE NOVAS VERSÕES DE CORPOS FEMININOS. A ARTISTA PARANAENSE FALA EXCLUSIVAMENTE À DASARTES SOBRE COMO PRODUZIU CINCO DE SUAS PRINCIPAIS OBRAS

“Minha produção artística se iniciou em 1997, quando entrei na faculdade de Artes em Curitiba, mas, em grande parte, eram materiais perecíveis ou não foram adequadamente registrados, ainda mais em uma época onde ainda não existiam câmeras digitais. Eu considero que a minha produção ficou mais séria e organizada, envolvendo registros e documentação, a partir da minha chegada a São Paulo, em 2004.”

Frame do vídeo Succubus, 2021. Foto: © Monica

Piloni.97

Boneca, 2004. © Monica Piloni.

“Muitas de minhas figuras femininas têm uma característica em comum, partes do corpo repetidas ou subtraídas. Quando estão na posição ereta, a maioria delas se apoia sobre trêsfoipernas.a minha primeira experiência com figuras humanas tripé. Meus objetivos principais como uma escultora são equilibrar a figura perfeitamente e buscar a originalidade, o tripé é a forma mais eficaz de apoio que se adequa a qualquer superfície irregular. Em relação à originalidade, acho que encontrei com o efeito da surpresa, alcançado por meio de uma ilusão, ao fazer com que a figura pareça que está sempre de costas para quem a observa. O que me chamou a atenção foi a reação unânime do público na busca pela face inexistente. Gente das artes, leigos, crianças e até cães andaram em torno da em busca da sua face. É surpreendente nossa necessidade de fazer contato com os olhos, motivada por interação ou aprovação.”

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Foto: Manoel Marques.

Foto: Gui Gomes.

Fonte, 2021. (Frame video)

À direita: Oops, 2018.

“Essa foi a minha segunda experiência com seres tripés, mas agora com um corpo realista de uma mulher. Na busca de aplicar a mesma matemática anatômica bem-sucedida na , comprei três manequins de fibra de vidro e os cortei em vários pedaços. Produzi dúzias de peças de quebracabeça e depois as reagrupei, formando o volume de um único corpo. Durante o processo de serrar os manequins com esmerilhadeira elétrica, a fibra de vidro penetrou por todos os meus poros e, por sorte, não penetrou nas minhas retinas. A técnica nunca foi repetida, embora eu tenha ficado satisfeita com o resultado. De três corpos iguais, formei um único novo indivíduo, um ser onipresente que está sempre de frente para quem o observa, não importa em que ângulo ele esteja. A experiência de produzir essa escultura foi tão traumática que abriu a necessidade de buscar uma nova alternativa, que se tornou tão recorrente, que apliquei nas minhas esculturas por uma década, o ”

Autorretrato triplo, 2007. © Monica Piloni.

Foto: Christian Johnson.

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“Essa foi a minha terceira experiência com um corpo tripé e a segunda com a aplicação da técnica de , ou seja, por meio de gesso ou alginato, produzir moldes a partir de um corpo. É possível registrar na superfície do gesso detalhes de dobras, tendões, músculos e ossos que se projetam através da pele. Essa técnica, que gera um molde que pode ser reutilizado, foi perfeita para a minha necessidade porque basicamente eu repito três vezes algumas áreas do corpo. Depois eu fixo essas partes sobre poliuretano, núcleo de quase todas as minhas esculturas, e acerto as arestas. Áreas menores como mãos, pés, orelhas e face, foram registradas em moldes de alginato. Esse conjunto de detalhes anatômicos fazem com que a composição de uma modelagem pareça realista, mesmo que ela não seja totalmente fiel à realidade. Além dessa técnica, o grande salto de , em relação à , foi a alteração do eixo da postura do tronco. Nesta, ela se inclina levemente para trás, possibilitando a subtração de três seios em vez de seis quando a postura estava ereta. Na anatomia de , o número três é soberano, ela tem: três seios (em vez de um par), três umbigos e três vaginas (em vez de únicos). Tudo isso graças ao efeito de giro do caleidoscópio que foi aplicado.”

Ímpar, 2009.

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Foto: © Monica Piloni.

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Foto: Christian Johnson.

Bailarina, 2007. © Monica Piloni.

"Entre e , eu tive a vontade de eliminar o tripé e fazer com que uma figura praticamente flutuasse. Para isso, eu teria que utilizar algum tipo de estrutura. Foi observando o empilhamento de caixas de papelão no meu ateliê que a ideia de empilhar caixas transparentes, com seus conteúdos visíveis, surgiu. Talvez devido à minha curta experiência frustrada no , a bailarina clássica passou pela minha cabeça como uma figura meio , com seu tutu e sapatilhas de cetim e se equilibra sobre uma mínima área de um centímetro quadrado em contato com o chão. Imediatamente, eu tive a certeza de que ela seria a personagem perfeita para ser desmembrada e cada parte do corpo dela isolado dentro de uma caixa individual sob medida. Ao empilhar as caixas, eu poderia inclusive mudar a pose dela com o auxílio de caixas transparentes retangulares que poderiam mudar da vertical para a horizontal para suspender certos membros na posição desejada. A foi minha primeira experiência com o , tive a colaboração de dois modelos vivos femininos e o meu próprio corpo, então, considero-a uma espécie de “monstra” de Frankenstein.”

Natuacamaounaminhaalma(SérieNoMeuQuarto),2014.Foto:©MonicaPiloni.

“Apesar de essa série ter sido produzida profissionalmente em 2014, a ideia original é de 2007, e foram registros feitos a partir de uma pequena câmera digital amadora que eu tinha em mão na época em que estava sendo produzida. As partes do corpo dela ficaram prontas antes porque as caixas de acrílico deveriam ser produzidas sob medida. Enquanto elas aguardavam suas caixas, elas precisavam ficar em um lugar seguro para não serem danificadas. Então, durante aproximadamente um mês, elas ficaram repousadas aleatoriamente sobre a minha cama, durante o dia, e sobre o sofá, durante a noite. Esse trânsito de membros e cabeça de um lado para o outro renderam esses pobres registros em resolução, mas muito ricos, que poderiam

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render outro trabalho. Em 2014, finalmente abri minha individual na galeria Fass (atual Utópica) com uma série de sete fotografias produzidas baseada nesses registros. O título da primeira fotografia da série foi emprestada da primeira frase do poema , de Hilda Hilst: “E por que haverias de querer minha alma na sua cama?” e, para os demais títulos, tomei de inspiração a técnica de dos dadaístas e popularizada por Burroughs para criar uma espécie de monólogo interno: “Haverias de querer minha alma?”, “Porque na minha cama não há alma alguma”, “Na tua cama ou na minha alma?”, “E se não houver mais alma?”, “E eu pergunto: por quê?” e, finalmente, “Minha alma sob a cama”.”

Haverias de querer minha alma? (Série No Meu Quarto), 2014. Foto: © Monica Piloni.

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MONICA PILONI: SIMETRIAS DISSIDENTES • MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE SOROCABA • 20/8 A 8/10/2022

Lee, 2019.

27/9 A 29/10/2022

Foto: © Monica Piloni.

MONICA PILONI • GALERIA ZIPPER • SÃO PAULO

Para entender os caminhos possíveis para a construção desse museu empático, agregador e relevante, András Szántó, escritor e editor baseado em Nova York, entrevistou 28 curadores e diretores de alguns dos mais importantes museus de todos os continentes.

MATÉRIA • Aut. Catalina Lozano e Fernanda Brenner • EDITORA COBOGÓ • 200 páginas • R$ 140,00

O FUTURO DO MUSEU: 28 DIÁLOGOS • Aut. András Szántó • EDITORA COBOGÓ • 400 páginas • R$ 76

114 LIVros,

O volume é construído por fotografias, desenhos, colagens. Têm retratos de família, como dos avós e mãe do artista Eustáquio Neves, autorretratos e também imagem de uma moeda, pensando no corpo como mercadoria, por exemplo. Ainda, em algumas páginas avistam-se números e valores, sem regra ou explicação, mas que remetem às práticas escravocratas. O Aberto, que está no título do livro, é lembrado no interior da publicação em dobras e aberturas de páginas, como se fossem envelopes.

Qual o papel dos museus nos dias de hoje? Em um mundo em que a desigualdade se aprofunda, em meio a crises políticas e ambientais, como combinar novas abordagens de curadoria, engajamento de público, tecnologia, inclusão e aprendizagem para expandir o papel da arte e da cultura na sociedade?

EUSTÁQUIO NEVES: ABERTO PELA ADUANA • EDITORA ORIGEM • 52 páginas • R$ 220,00

O trabalho de Paloma Bosquê parte da investigação da matéria em transformação e de sua dimensão tátil –textura, densidade, equilíbrio – para combinar elementos orgânicos e inorgânicos em formas e signos que questionam os limites entre o natural e o artificial. Realizadas a partir de materiais como pedra, gesso, lã, fibra de algodão, cera de abelha, tripa de colágeno e metais diversos, as esculturas de Bosquê são a base do livro .

Adriana Lerner e Gaby Indio da Costa

Alberto Cohen e Roni Mesquita

Nuno Souza Vieira Galeria Mul.ti.plo Rio de AdrianaJaneiroLernerGaleriaSambaRiodeJaneiro Thomas

Murilo FerreiraRael

Daisy Xavier e Alexandre Salgado

Anna Bella Geige, Rhanine Pessoa e Adriana Lerner Baccaro Manuh Athanazio

Eduardo Coimbra, Ana Holck e Maneco Muller

Luiz Camilo Osorio e Nuno Souza Vieira

e

Gabriela Machado e Beth Jobim

Ricardo Rojas Juliana e Eduardo Mônaco

Amorim.PaulaAnaFotos:

Carol Valansi e Beto Silva

,

Art Lab Foto e Art Lab Mob Art Lab Gallery São Paulo Divulgação.Fotos: 117 ,COLUNAdomeio

Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do arte,ParadoportalcelularesmensalmentepassouBrasildesdeosanos1990.Em2015,aserdigital,disponívelparatabletsenositedasartes.com.br,odeartesvisuaismaisvisitadoBrasil.ficarpordentrodomundodasigaaDasartes.facebook.com/dasartes@revistadasartes@revistadasartesAssinegrátisnossanewslettersemanalemwww.dasartes.com.bresaibadasmelhoresexposiçõesenotíciasdocircuitodasartes.

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