DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo FariasArtur Lescher Guilherme Bueno Marcelo CamposVanda Klabin EDIÇÃO . REDAÇÃOAndré Fabro andre@dasartes.com MÍDIAS SOCIAIS . IMPRENSA Leandro Fazolla dasartes@dasartes.com DESIGNER Moiré Art moire@moire.com.br REVISÃO Angela Moraes PUBLICIDADE publicidade@dasartes.com SUGESTÕES E CONTATO info@dasartes.com Doe ou patrocinepelas leis de incentivo Rouanet, ISS ou CMS/RJ financeiro@dasartes.com Capa: , A Porra da Árvore, Série A Última Floresta, 2019. © Uýra. Foto: Matheus Belém. © Uýra. Foto: Matheus Belém.
10LENORA DE BARROS MARIA BARTSOZVÁ 44PIET MONDRIAN 6 8 26 Agenda De Arte a Z 62JULIÃO SARMENTO UÝRA SODOMA 76 98 Livros 101 Coluna do meio
Tomie Ohtake sempre foi destaque na cena artística brasileira – inclusive, rara unanimidade no universo das artes - e, agora, seus trabalhos admirados pela forte expressividade e guiados pela intuição e sensibilidade, poderão ser vistos de perto pelos colecionadores do Paraná e sul do Brasil. A Galeria Zilda Fraletti, primeira galeria de arte contemporânea de Curitiba, em parceria com a Almeida & Dale Galeria de Arte, inauguram a exposição que ostenta o nome da dama do abstracionismo.
A artista japonesa de nascimento, brasileira de alma e paulista de coração formou extenso currículo com participação em mais de 500
exposições, 20 bienais internacionais e obras em mais de 25 instituições ao redor do mundo.
Tomie contabilizou, ainda, cerca de 30 obras públicas em cidades como São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Curitiba – capital que possui duas esculturas da artista, sendo a mais recente localizada próximo ao Memorial da Imigração Japonesa e, a outra, um monumento de concreto instalado na área externa do Museu Municipal de Arte (MuMA), que celebrou o centenário da amizade entre
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TOMIE
OHTAKE • ZILDA FRALETTI • CURITIBA • DE 6/10 A 5/11/2022 AGENDA,
CURIOSIDADES • ASICS lançou uma edição especial do tênis GT-II™ inspirada na obra do artista Katsushika Hokusai, expoentedoestiloUkiyo-enoJapãoentre os séculos 18 e 19. A nova coleção da linha ASICS Sportstyle foi inspirada na série de gravuras ,elaboradasentre1830e1832. Cada uma das três disponíveis no Brasil foi desenvolvida com base em diferentes gravuras da coleção de Hokusai, que retratam paisagens icônicas do Japão em composição com o Monte Fuji, um símbolo nacional japonês.
PELO MUNDO • A Galeria Uffizi, em Florença, entrou com uma ação legal contra a grife Jean Paul Gaultier por vender várias peças de vestuário decoradas com o , de Sandro Botticelli, uma das principais obras de sua coleção. Uma imagem recortada da Vênus aparece em peças como lenço, saia, camiseta e calça. Os
GIRO NA CENA • Dividida em três eixos principais, a mostra noCentroCultural Fiesp, traz ênfase para projetos de ecologia urbana pensados por Roberto Burle Marx (1909-1994) e seus colaboradores na cidade de São Paulo, um diálogo entre seus projetos e arquitetosrenomados,alémdepropostas inéditas, não executadas, para espaços públicos da cidade. Até 5/2/2023.
de arte ,AZ
INTERVENÇÃO • Questõesligadasàcrise climática global são o fio condutor do projeto AR-te, que leva para diferentes locaisdacidadedeSãoPaulo,intervenções urbanas inéditas criadas pelos artistas visuais Alex Senna, Flávia Junqueira, Priscila Barbosa, Pedro Varela, além de Thiago Cóstackz, que também assina a curadoria da mostra. O público poderá conferir as obras, em locais como Casa das Rosas e Parque Burle Marx, até 20/11.
EDITAL • Chamada aberta para o programa noAtelier Sanitário, que recebe, até o dia 6/11, propostas de projetos a serem desenvolvidos na residência. Como parte do Edital Retomada Cultural 2, as propostas (de produção artística ou pesquisateórica)devemtercomomoteou ponto de diálogo discussões e reflexões sobreoBicentenáriodaIndependênciado Brasil. Os residentes selecionados – dois artistaseumpesquisador–,moradoresdo Rio,permanecerãoporummêsnoAtelier Sanitário para uma intensa troca de experiências culturais. Inscrições em .
• DISSE O PORTA-VOZ do National Gallery, logo após a invasão de duas ativistas ambientais do grupo Just Stop Oil. Em protesto, a dupla jogou molho de tomate no icônico quadro de Vincent van Gogh. As militantes foram presas e a pintura, felizmente, não sofreu grandes danos.
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DESTAQUE LENORA
barros
de
Fogo no olho, 1994.
Foto: © Ciro Coelho.
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POR ALECSANDRA MATIAS DE OLIVEIRA
A LÍNGUA E A LINGUAGEM
Não é de hoje que o fim do mundo, tantas vezes anunciado como evento futuro e hipotético, desperta reflexões. Após o hiato forçado pela pandemia, a Bienal de Veneza, neste ano, traz como tema ( , inspirado no título do livro de Leonora Carrington, pintora e escritora surrealista. Nessa obra, a partir dos contos e desenhos, a autora cria um mundo mágico onde a vida é constantemente transformada pela imaginação. Assim, Cecília Alemani, curadora desta edição da Bienal, traz proposições de 213 artistas que tratam sobre o corpo, a terra, os indivíduos, as tecnologias e, enfim, repensam “o mundo”. A exposição tenta imaginar outros modos de coexistência e transformação – de fato, algumas mudanças foram sentidas, como, por exemplo, o deslocamento do eixo masculino/branco na seleção dos artistas. Cinco brasileiros estão entre os convidados: Lenora Barros, Rosana Paulino, Solange Pessoa, Luiz Roque e Jaider Esbell. Notadamente, é a maior representação nacional entre todas as edições – o que comprova a relevância dessas poéticas nesse exercício de “vir a ser”.
Língua Vertebral, 1998/2010. Foto: © Marcos Ribeiro.
DESDE OS ANOS 1970, LENORA DE BARROS USA A FOTOGRAFIA, O VÍDEO, A INSTALAÇÃO E A PERFORMANCE COMO PRINCIPAIS SUPORTES. COM OBRA EM DESTAQUE NA BIENAL DE VENEZA, A ARTISTA ABRE NOVA MOSTRA NA PINACOTECA SÃO PAULO, CUJO RECORTE CONCEITUAL FOCA EM OBRAS QUE DISCUTEM AS RELAÇÕES ENTRE CORPO E LINGUAGEM
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E aqui se destaca a trajetória de Lenora de Barros (São Paulo, 1953). Suas obras nascem da transformação das coisas; uma obra se converte em outra ou, ainda, como explica na sua exposição de 2016, com curadoria de Priscila Arantes, “issoéossodisso”. Nessa dinâmica espiralada, incluem-se as diversas leituras atribuídas à obra, isso porque “nada se finda em si”. São performances, instalações, vídeos e fotografias que, segundo a artista, impulsionam a imaginação do outro. São trabalhos que lidam com os aspectos sonoros e visuais, mas, principalmente, ligam a palavra à imagem. Poeta e artista visual, Lenora é filha de Geraldo de Barros, expoente do concretismo no Brasil. Formada em Linguística pela Universidade de São Paulo, em 1970, em princípio, as concepções vindas da vertente construtivista se fazem significativas na produção da artista, especialmente o interesse pela poesia concreta, sobretudo, do grupo Noigandres, formado por Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari. No repertório de Lenora, persiste o domínio construtivo, sobretudo, o tratamento verbivocovisual, conceito extraído de de James Joyce, que relaciona palavra e som –a artista segue adiante, estendendo o conceito à imagem e não apenas à palavra. Mais tarde, surgiu o interesse pelas propostas do Grupo Fluxus, que unem literatura, música e artes visuais e some aos seus interesses os instrumentos empregados
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Homenagem a George Segal, 1990. Foto: © Ruy Teixeira.
Dizendo
quase nada . Foto:
© Lenora de
Barros. 16
pela e além das ideias de Hélio Oiticica e Lygia Clark, que rompem as barreiras entre o observador e a obra, propondo a comunhão entre corpo, cor, forma e espaço. No caso de Lenora, seus trabalhos unem a palavra (pronúncia e escrita), o espaço, o corpo do poeta e o observador – algo descrito por Augusto de Campo como “a poética do entre”. Nos anos de 1970 e 1980, ela publicou poemas que mesclam materiais fotográficos, performáticos e experimentações gráficas. Em 1991, transferiu-se para Milão, onde realizou sua primeira exposição individual , na Galeira Mercato del Sale, e, ainda, fez a curadoria da mostra , no Archivo dela Grazi di Nuova Scrittura. De volta ao Brasil, assinou a coluna “Umas”, no Jornal da Tarde –ali foi uma espécie de laboratório para publicações de poemas visuais e foto-performances. Nessa coluna, foram veiculadas imagens de suas obras e de outros artistas, bem como poemas visuais e experimentações gráficas, excedendo o caráter informativo do jornalismo impresso. Na década de 1990, ela também foi diretora de arte da revista Placar e diretora de fotografia da Folha de S. Paulo Em 2001, ocorreu sua primeira individual no Brasil, , na Galeria Millan, em São Paulo.
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Foto: © Lenora de Barros.
Eu não disse nada.
Nos últimos 20 anos, ela tem investido no gesto performativo, usando seu próprio corpo, deslocando-se da poesia visual para o campo mais expandido das artes – essa prática tem firmado sua posição e proporcionado forte reconhecimento nacional e internacional. Realizou exposições individuais e coletivas em instituições, tais como a Pinacoteca do Estado de São Paulo; o Museu de Arte Moderna de São Paulo; o Paço Imperial (Rio de Janeiro); o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; a Fundação Proa (Buenos Aires); a Trienal Poli/Gráfica de San Juan, de 2012; a Bienal de Lyon, de 2011; as 29ª, 24ª e 17ª Bienais de São Paulo; a 7ª e 5ª Bienais do Mercosul; o Museu da Cidade de Lisboa, entre outras. Suas obras fazem parte de coleções, como as do Museu d’Art Conteporani, de Barcelona; da Daros Latinoamerica; do Museu de Arte Moderna de São Paulo e do Centro Cultural São Paulo.
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No seu percurso, merecem destaque obras como: (1979), (1998), (2001), (2005), as performances ao vivo, como (1994) e (2000) e (2016). Nesses trabalhos, o corpo e partes dele são presença perpétua, operando uma processualidade do íntimo e do feminino, no qual o corpo da mulher-artista é protagonista. O desejo de pensar novas possibilidades de mundo, expresso pela curadoria desta edição da Bienal, encontra eco no conhecimento sensível despertado pela linguagem, provinda dos diferentes sentidos (visão, tato, audição e falta), adotada por Lenora de Barros. A obra selecionada para a exposição no pavilhão central do Giardini foi (1979), um dos primeiros poemas visuais da artista. O trabalho é uma série de fotografias em preto e branco que retrata um poema visual – um caso de amor e ódio entre a língua e a linguagem, sem palavras, apenas imagens.
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Silêncio e Calaboca 1, 1990/2006. Foto: © Ruy Teixeira e Luciano Mariussi.
Segundo o depoimento da artista, a ideia surgiu da vontade de fazer um poema sobre a criação de um poema. Porém, a angústia frente à folha em branco a imobilizou – quem escreve conhece essa sensação. A solução foi concebê-lo não escrito, mas em sua forma visual. São seis fotografias, nas quais a língua da artista interage com a máquina de escrever. A língua é, simultaneamente, fala e órgão articulador da fala. Nessa metáfora, o ofício da escrita não depende mais das mãos. A língua toca (lambe) cada tecla, suprimindo a distância entre a grafia e o som ou, ainda, reduzindo a trajetória entre o imaginar e o se tornar. Porém, nas fotografias seguintes, a língua parece ser violentada pelo mecanismo responsável por imprimir as letras no papel. O exercício de escrever se revela como sofrimento, como embate entre os sentidos e as palavras. A cada fotografia, cresce o desamparo da língua no terreno da linguagem – até restar só as hastes emaranhadas da máquina de escrever. Então, evoca os limites da linguagem compartilhada, mas também acena para a conexão entre órgão da fala e a própria fala.
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Foto: © Lenora de Barros.
Poema, 1979.
Mim quer sair des. Foto: © Lenora de Barros.
A língua é o corpo, representado pela parte, porém, ainda sim, apresenta-se inerte frente ao mecânico. Imobilizada pelo dispositivo da máquina de escrever, a língua da artista mostra o atrito perceptivo entre palavra e imagem – algo que sua arte não cansa de colocar na mesa de negociações entre arte e vida. Mas essa é somente uma leitura entre as muitas que dá ao público – o exercício de imaginar outros desfechos jamais cessa na última imagem.
Alecsandra Matias de Oliveira é pós-doutorada em Artes Visuais (Unesp). Doutora em Artes Visuais (ECA USP). Mestrado em Comunicações (ECA USP). Professora do CELACC (ECA USP). Pesquisadora do Centro Mario Schenberg de Documentação e Pesquisa em Artes (ECA USP). Membro da Associação Brasileira de Crítica de Arte (ABCA). Autora dos livros Schenberg: crítica e criação (Edusp, 2011) e Memória da Resistência (MCSP, 2022). Curadora independente e colaboradora da Revista Dasartes, Jornal da USP e Revista USP.
BIENAL DE VENEZA • PAVILHÃO CENTRAL •
VENEZA • 23/4 A 27/11/2022
LENORA DE BARROS: MINHA LÍNGUA • PINACOTECA DE SÃO PAULO • 8/10/2022 A 8/4/2023
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PELO mundo MARIA
Untitled, 1985. Foto: © Estate of Maria Bartuszová.
bartsoszvá
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POR JULIET BINGHAM
Maria Bartuszová, início dos anos 1980
Maria Bartuszová (1936-1996) dedicou sua arte a explorar as relações entre pessoas, natureza, matéria e forma. Nascida em Praga, ela passou a maior parte de sua carreira na cidade eslovaca de Košice, na Europa central, perto das fronteiras da Hungria e da Ucrânia. Ela definiu o mundo da escultura em seus próprios termos, usando métodos inovadores em fundição de gesso. De gotas de chuva e ovos ao corpo humano, Bartuszová se inspirou nas formas orgânicas e nos ciclos do mundo natural. Trabalhou de forma inventiva e rápida, usando o processo fugaz e líquido de fundição para criar obras de arte simultaneamente sólidas e delicadas.
Esta exposição abrange trinta anos de prática da artista desde o início dos anos 1960, quando começou sua experimentação com moldagem, até o final dos anos 1980. As esculturas abstratas de gesso branco de Bartuszová retêm a presença de seu corpo. Seu toque deixou vestígios, seja pressionado à mão, derramado e formado por gravidade ou debaixo d’água, ou moldado por sua respiração usando sua técnica radical de moldar gesso com balões inflados.
Bartuszová se baseou em sua experiência pessoal e ideias sobre espiritualidade, interconexão entre pessoas e natureza e os ciclos das estações. Criou um novo vocabulário artístico e escultórico com foco na transformação contínua das formas.
Folded figure, 1965. Foto: © The Archive of Maria Bartuszová, Košice.
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A ARTISTA ESLOVACA MARIA BARTUSZOVÁ CRIOU ESCULTURAS ABSTRATAS DE GESSO, DELICADAS E EVOCATIVAS, INSPIRADAS NO MUNDO NATURAL
Untitled, 1972-74. Foto: © The Archive of Maria Bartuszová, Košice.
Maria Bartuszová, depois de 1985
Nas décadas de 1960 e 1970, Bartuszová reaproveitou pequenos balões de borracha e preservativos para fazer suas esculturas de gesso. Ela usou a força gravitacional sobre o peso do gesso derramado para moldar as peças finais, muitas vezes submergindo as formas na água enquanto trabalhava. Chamou esse sistema de “modelagem gravistimulada”. As primeiras esculturas feitas com esse método evocam formas naturais e
Na década de 1980, Bartuszová chegou a uma nova prática de moldagem de gesso, que ela chamou de “fundição pneumática”. Ela soprou ar em balões – às vezes usando grandes balões meteorológicos – e derramou gesso sobre sua superfície. Combinou os efeitos da gravidade, pressão do ar e toque durante o processo de fundição. Isso lhe permitiu criar volumes vazios e negativos e formas cada vez mais frágeis e ocas, como conchas e ovos. Mais tarde abraçou a destruição e a impermanência por meio de sua criação de grandes relevos de conchas e obras
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TRANSFORMAÇÕES DE FORMA
Untitled, 1973.
Foto: © The Archive of Maria Bartuszová, Košice.
Maria Bartuszová, 1983
Bartuszová desenvolveu diferentes abordagens entre os anos 1960 e 1980. As formas plenas e amplas das primeiras obras da década de 1960 explodem de vida, brotando formatos múltiplos. Ela os descreve como “uma gota de água, sementes de grãos, botões de plantas em germinação... formas que evocam a divisão celular, ou células se tocando.”Os trabalhos posteriores incluem materiais comprimidos e encadernados, ovais perfurados e relevos semelhantes a conchas quebradas.
A partir da década de 1960, Bartuszová queria evocar comportamentos emocionais por meio de suas esculturas. Guiada pela intuição, brincadeira, terapia e meditação, ela criou objetos de várias partes para serem tocados e montados como um quebra-cabeça ou fôlderes. Eram usados de forma inovadora em oficinas para crianças cegas e amblíopes. Essas esculturas, em sua maioria pequenas e arredondadas, são sedutoras, palpáveis e táteis, atuando como estímulos para desenvolver a imaginação estética.
O meio primário de Bartuszová era gesso. Mais tarde, ela voltou a fundir muitas obras, seja em bronze ou em um metal menos caro como o alumínio. Os primeiros moldes de bronze, como o , eram pequenos o suficiente para segurar com as duas mãos, enquanto os fôlderes de gesso montados eram moldados em alumínio. Por um curto período, ela experimentou uma linguagem mais geométrica combinada com formas orgânicas em uma série de relevos de alumínio.
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Untitled (Drop), 1963-64. Foto: © The Archive of Maria Bartuszová, Košice.
EMOÇÃO, DESTRUIÇÃO, EXPERIMENTAÇÃO
Maria Bartuszová, 1980
A partir da década de 1980, Bartuszová começou a usar sua técnica de “modelagem pneumática”: despejar gesso sobre balões de borracha inflados para produzir um molde, antes de permitir que eles explodissem. A pressão dos balões estourados criou cascas desintegradas e formas semelhantes a ovos. Ao contrário do volume total de suas esculturas anteriores, aqui uma concha externa emoldura um núcleo vazio, sinalizando um lugar de refúgio e renascimento. Bartuszová colocou essas finas cascas em forma de ovo umas dentro das outras, colocando-as em camadas para criar o que ela chamou de “ovos sem fim”. Eles sugerem organismos vivos e expressam crescimento espiritual, tempo e eternidade. Obras que expõem o interior oco das conchas, como os relevos dos ovos, evocam fragilidade e vulnerabilidade. Bartuszová desenvolveu totalmente essas ideias depois de se mudar para uma casa em Košice, com um estúdio e um grande jardim em uma encosta. O conceito de criação de arte aberta à natureza provavelmente surgiu com esse novo espaço. Bartuszová pôde experimentar livremente e com mais generosidade a fundição de gesso e usar o jardim ao redor para instalar seus objetos, como a . Disse: “Eu também gostaria de perceber mais coisas diretamente do lado de fora – conectar, fundir meu trabalho no trabalho da natureza organicamente.” Para ela, o estúdio era um retiro espiritual e contemplativo, e o jardim era um santuário. Ela continuou a viver com as filhas e trabalhou na casa da família até o fim de sua vida.
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Anotação sobre um desenho de Maria Bartuszová, 1983–1985
Bartuszová, como muitos artistas checoslovacos na década de 1970 vivendo sob um regime totalitário, foi atraída pela espiritualidade. Sua biblioteca continha livros sobre arte e cultura chinesa e japonesa, filosofia do leste asiático, incluindo taoísmo e budismo, e (uma forma de autopublicação usada para circular material censurado nos países do bloco oriental controlados pelos soviéticos) sobre o budismo zen. Ela se interessou pela relação entre teorias científicas e tradições antigas, lendo literatura sobre psicanálise, psicologia social e sistemas vivos.
UNIVERSO INFINITO
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A partir do final da década de 1970, a reflexão dos processos naturais na obra de Bartuszová se tornou gradualmente mais pessoal e mais centrada nas questões da existência, em parte relacionadas aos desafios de seu casamento. A natureza deu a Bartuszová um cenário para contemplação terapêutica e meditativa. Ela encontrou isso em movimento, pegando pedrinhas e galhos de árvores, sentindo a chuva, o vento e a neve, ou observando a natureza – como ela documentou em desenhos e fotografias. Isso a inspirou a criar os objetos e relevos de gesso e pedra para o ciclo maior de obras chamado . Ela inseriu substâncias naturais vivas e inanimadas, como pedras e galhos de árvores, na massa de gesso solidificado. Certas obras desse período assumem a forma de volumes amarrados, encadernados e prensados. Para a artista, isso simbolizava tanto os vínculos quanto as restrições das relações humanas.
Untitled, 1986. Foto: © The Archive of Maria Bartuszová, Košice.
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Egg, but not Columbus's, 1987. Foto: © The Archive of Maria Bartuszová, Košice.
Maria Bartuszová, 1968
Bartuszová e o marido, Juraj Bartusz, também escultor, mudaram-se para Košice com a filha em 1963, depois de terminar seus estudos na Academia de Artes, Arquitetura e Design de Praga. A cidade estava se desenvolvendo rapidamente como um centro cultural e industrial, com novas oportunidades de trabalho e moradia. Como parte do programa comunista de modernização cultural na cidade, novos projetos de habitação em massa e locais públicos incluíam comissões para obras de arte públicas. Desde o início, Bartuszová estava interessada não apenas em expor seu trabalho, mas também em conseguir encomendas públicas. Em 1964, ingressou no sindicato dos artistas e, como membro, pôde trabalhar como artista profissional. Embora os artistas dependessem do Estado totalitário, Bartuszová trabalhava em encomendas mesmo que não tivessem um propósito ideológico. Assumiu compromissos significativos com projetos públicos como contraponto à sua prática de estúdio. Ao longo de sua carreira, obteve comissões oficiais financiadas pelo Estado para edifícios, monumentos, , fontes e esculturas em espaços públicos na Eslováquia, trabalhando em colaboração com pedreiros e artesãos especializados. Esses projetos forneceram não apenas uma fonte vital de renda, mas também a oportunidade de realizar suas ideias em escala monumental.
The Archive of Maria Bartuszová, Košice.
Foto:
Juliet Bingham é curadora de Arte InternacionaldoTateModern,Londres.
Figure II (Haptic),
ESCULTURAS PARA LUGARES PÚBLICOS
MARIA BARTUSZOVÁ • TATE MODERN • REINO UNIDO • 20/9/2022 A 16/4/2023 40 Folded
1967.
©
FLASHBACK P I mondrian
Windmill in the Evening, 1917. © Piet Mondrian.
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E T mondrian
POR ULF KÜSTER
EVOLUÇÃO: ESPAÇO E PLANO UMA COMPARAÇÃO
Piet Mondrian
A primeira das obras da exposição , na Fundação Beyeler, é um quadro pintado entre 1893 e 1896. Mondrian tinha então vinte e poucos anos e ainda não havia concluído seus estudos na Rijksakademie van Beeldende Kunsten, em Amsterdã. A pintura mostra uma mulher idosa usando um gorro branco, um tradicional vestido azul e tamancos de madeira, e sentada em uma mesa. Exatamente o que ela está fazendo não está claro: ela pode estar segurando um carretel em uma mão, ou, possivelmente, descascando batatas. À primeira vista, o quadro parece um exemplo típico da pintura realista do século 19, com cores suaves, aplicadas em empastamento pesado, e um assunto do cotidiano da sociedade camponesa. Se fosse obra de outro pintor que não Mondrian, provavelmente teria despertado pouco interesse. Parece, aliás, que o artista teve dificuldade com a perspectiva da mesa redonda, dando a impressão de que a mulher não está sentada diretamente à mesa, mas atrás dela, virada de lado.
MOSTRA EM COMEMORAÇÃO AO ANIVERSÁRIO DE 150 ANOS DO HOLANDÊS PIET MONDRIAN CONTA SUA EVOLUÇÃO DESDE OS PRIMEIROS TRABALHOS INFLUENCIADOS PELA PINTURA DE PAISAGEM, PELO SIMBOLISMO E CUBISMO, ATÉ A EVOLUÇÃO PARA A ABSTRAÇÃO, QUANDO O PINTOR SE TORNOU UM DOS EXPOENTES DO MOVIMENTO DE VANGUARDA
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Zeeuws(ch)e kerktoren (Zeeland Church Tower); Church Tower at Domburg. © Piet Mondrian.
Contrastando esse trabalho inicial com uma das pinturas abstratas de Mondrian da década de 1930, percebemos até que ponto ele evoluiu, do estilo do século 19 ao modernismo do qual ele foi um dos principais expoentes. Mas será que a imagem da mulher sentada é comparável a uma pintura abstrata como , com linhas duplas, de 1934, além do fato de ambas as obras serem do mesmo artista?
E um espectador que desconhece essa semelhança prestaria atenção ao padrão regular e aparentemente geométrico da parede de azulejos no fundo da cena com a camponesa? Talvez seja uma simplificação excessiva interpretar o padrão como uma ponte entre esse trabalho inicial e as estruturas abstratas das pinturas não figurativas posteriores de Mondrian.
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Woman with Spindle, 1893-96. © Piet Mondrian. Courtesy of Pace Gallery.
Composition in Black and White, with Double Lines, 1934. © Piet Mondrian.
Por outro lado, os ângulos retos no fundo parecem ter um significado para a composição geral da pintura. Estas não são as únicas formas retangulares que aparecem na imagem: há também os outros elementos da parede, o encosto da cadeira, partes do cavalete que sustentam o tampo da mesa e, de fato, a própria mulher, cuja posição sentada sugere um ângulo reto com a superfície da mesa. Um pintor que começa a trabalhar em um quadro pode achar útil preparar a composição colocando uma grade de linhas na tela, como Mondrian provavelmente fez nesse caso.
De fato, o padrão de grade e o ângulo reto desempenham um papel dominante na estrutura geral da imagem. Mesmo nesse estágio inicial, Mondrian considerou cuidadosamente a estruturação da superfície da imagem para criar uma composição coerente: um aspecto que se tornou cada vez mais importante à medida que sua arte se desenvolvia.
Quando Mondrian pintou seu interior, ele ainda não sabia que, eventualmente, por meio de um processo contínuo de abstração, encontraria o estilo purista não figurativo pelo qual ele é principalmente conhecido hoje. Como artista constantemente engajado na experimentação, no entanto, ele parece ter sabido o tempo todo que fazer arte – nas palavras de Hans Janssen – “é uma questão de progresso, embora o destino não seja conhecido, e a única bússola seja a realidade da pintura individual”.
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Composition with Yellow and Blue, 1932. © Piet Mondrian.
PINTURA NO CREPÚSCULO
Piet Mondrian
Em conexão com uma exposição no Museu Stedelijk, em janeiro de 1909, o objetivo de Mondrian era revisar seu desenvolvimento artístico até então e colocar suas obras em contexto, em espaços adequados para exibi-las. Ele havia acabado de romper com o estilo paisagístico tradicional da Escola de Haia. Sob a influência do Impressionismo, do Luminismo e do Simbolismo de Jan Toorop e, sobretudo, por meio do estudo da obra de Vincent van Gogh, sua técnica de pintura se tornou mais solta e sua paleta muito mais brilhante. Como ele pintou acabou se tornando muito mais importante que o que ele pintou: a forma teve precedência sobre a representação do assunto reconhecível. A aparente explosão de cores em seu trabalho e sua pincelada rápida e esboçada foram vistas como decadentes e levaram alguns críticos a duvidar de sua sanidade. Sua pintura , de 1908, causou um rebuliço particular.
Mill; Mill in Sunlight [Mill in Sunlight: The Winkel Mill], 1932. © Piet Mondrian.
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De rode wolk (The Red Cloud), 1907. © Piet Mondrian.
Outra tela , também exibida no Stedelijk Museum, foi criada em 1907, em Oele, uma aldeia não muito longe de Winterswijk, onde Mondrian cresceu. É altamente atmosférico, com o efeito de um esboço a óleo executado às pressas; as pinceladas bem visíveis revelam a mão do pintor. Um desenho a lápis, provavelmente um esboço preliminar, sugere que Mondrian pintou o quadro no estúdio, apesar de sua aparência de espontaneidade. A obra mostra o momento mágico e fugaz em que uma nuvem é tingida de vermelho pelo sol poente, que está baixo no céu ou acaba de desaparecer no horizonte. Em contraste, a paisagem e a parte restante do céu aparecem em azul pálido.
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New York City 1Bosch (Woods); Woods near Oele, 1908. © Piet Mondrian.
New York City 1, 1941. © Piet Mondrian.
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ESPAÇO E PLANO: UMA COMPARAÇÃO ADICIONAL
A , de Mondrian, mostra a luz solar refletida; já sua pintura de grande formato (1908), produzida no mesmo local, orienta o olhar para o sol, localizado acima do horizonte, pois Mondrian se afastou da nuvem e se dirigiu ao bosque. A paisagem ao redor de Oele é caracterizada por pinheiros, do tipo visto aqui contra a luz. Mondrian adaptou sua técnica de pintura às diferentes situações de luz, evocando, como em , uma impressão de espontaneidade, ligada ao momento fugaz da luz.
Ele “desenha” a madeira com tinta a óleo fina, com uma consistência fluida semelhante ao efeito da luz que flui pela floresta. Em primeiro plano, aparece a sugestão de um reflexo, como se a madeira fosse espelhada na água.
As fileiras serrilhadas de troncos de árvores, que parecem vermelhas ou violetas contra a luz, criam uma ilusão de profundidade espacial. Olhando o da foto, percebe-se como as cores finas se misturam e como o fundo pálido da tela é incorporado à representação.
A sensação de espaço tridimensional dá lugar à impressão de um plano colorido: aqui, Mondrian parece abordar a questão da ilusão espacial planaridade com particular urgência.
Este também é um assunto que preocupou o artista ao longo de sua vida. (1948) é a obra mais recente desta exposição, mostrando uma constelação semelhante à de , com a diferença de que a composição posterior é puramente abstrata e sem relação com qualquer situação real da paisagem. A obra, que ficou inacabada, é um importante documento do método de trabalho de Mondrian nos últimos anos de sua vida. Após emigrar para Nova York, o artista começou a modificar suas ideias pictóricas e imbuí-las de maior dinamismo. Os planos coloridos foram suplantados por linhas coloridas. Isso pode ter sido motivado pelo layout de grade de Manhattan e os ritmos acelerados da metrópole e sua música. As obras criadas após a cidade de Nova York referem diretamente ao estilo musical , que Mondrian descobriu em Nova York e gostou, particularmente.
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PLANOS TRANSPARENTES E REFLEXOS
No início de 1905, Mondrian começou a pintar uma série de panoramas da fazenda Weltevreden, situada em uma paisagem pantanosa criada no século 17, no sudeste de Amsterdã. A vista através de um grupo de árvores secas em direção a uma grande casa de fazenda situada à beira da água evoca um assunto típico da pintura de paisagem holandesa, à maneira da Escola de Haia, que influenciou Mondrian. O processo contínuo de abstração não significa, no caso de Mondrian, uma evolução contínua em direção ao não figurativo. Depois de sua primeira incursão na pintura não figurativa, e depois que se tornou impossível retornar a Paris, ele
da casa, cada uma em diferentes condições de iluminação e usando uma paleta diferente.
Parece que todos esses quadros foram pintados por encomenda, para aliviar a situação financeira do artista e lhe proporcionar uma vida modesta. Mesmo assim, a sofisticação das obras não deve ser subestimada. Nas pinturas criadas após 1914, destacam-se dois elementos que muitas vezes faltam nas paisagens mais antigas de Weltevreden. O primeiro é o reflexo do motivo na água. A imagem de uma ilusão espacial – a fazenda – é refletida na pintura por uma réplica dessa imagem, deixando especialmente claro que a ilusão tridimensional na superfície da imagem é resultado de um processo de abstração.
Oostzijdse Mill with Extended Blue, Yellow, and Purple Sky, 1907-08. © Piet Mondrian.
Farm near Duivendrecht, 1916. © Piet Mondrian.
Avond (Evening): The Red Tree, 1908–10. © Piet Mondrian.
O segundo elemento novo, em comparação com as representações anteriores da fazenda, consiste nas estruturas estilizadas de árvores e ramos secos acima e em frente da casa. Os troncos das árvores parecem se fundir em uma única massa com o edifício que realmente está atrás deles: tudo se torna plano. A estrutura de galhos secos, vista contra a luz, tem o efeito de um plano transparente, lembrando as estruturas das pinturas de Mondrian inspiradas no cubismo, do período entre 1911 e 1914. É como se ele estivesse procurando sondar as possibilidades de abstração e, assim, levar sua arte aos limites da figuração.
O plano percebido como transparente nessas pinturas pode oferecer um caminho para a compreensão de seus trabalhos abstratos posteriores. O plano transparente, então, representaria a conexão, muitas vezes descrita por Mondrian entre um mundo interior e um mundo exterior e, paradoxalmente, abriria uma espécie de espaço espiritual entre o espectador e a imagem.
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61 MONDRIAN EVOLUTION • FONDATION BEYELER • BASEL • 5/6 A 9/10/2022 K20, KUNSTSAMMLUNG • DÜSSELDORF • 28/10/2022 A 12/2/2023 Ulf Küster é curador senior da Fundação Beyeler, Basel, Suiça. Bloeiende appelboom (Flowering Apple Tree), 1912. © Piet Mondrian.
ALTO relevo
JULIÃO sarmento,
A
Human Form In A Deathly Mould, 1999.
Foto:
© Atelier Julião Sarmento.
POR MATTEO BERGAMINI
ANDAR PELO LABIRINTO: JULIÃO SARMENTO NA COLECÇÃO BERARDO DE LISBOA
Há uma velha música portuguesa, composta por Tozé Brito e intitulada como um retrato, com a poética de Julião Sarmento. Nela, fala-se do hábito de ir ao cinema para encontrar – entre os turbamentos da adolescência – a própria “mina”, aquela que hoje os mais novos chamam de . Além disso, é contar o nascimento do desejo, do erotismo e dos gestos programados para seduzir: estes mal servem para o jogo do amor, menos ainda quando miúdos.
A arte de Julião Sarmento, falecido em 2021, sempre foi a fotografia de uma realidade transviada por meio da literatura, das imagens em movimento e da cultura visual: eles eram os grandes “itens-amores-obsessões” do artista, além das mulheres e do sexo, como ele confessou em uma entrevista ao jornal Um tesouro poético a descobrir até o 1.º de janeiro de 2023, na Coleção Berardo de Lisboa, onde a exposição
carreira de Julião, pondo em cena um conjunto de obras que marcaram a sua trajetória e cuja seleção tem sido realizada a partir de uma estreita colaboração do artista com a curadora Catherine David, com quem trabalhou até pouco antes de morrer. Mesmo os espaços da mostra foram finalizados pela parceira, dois meses antes do falecimento de Julião.
Foto: © Atelier Julião Sarmento.
EXPOSIÇÃO IN MEMORIAM PORTUGUÊS JULIÃO SARMENTO RESGATA NÃO APENAS A SENSUALIDADE DAS SUAS TEXTURAS E A COMPLEXIDADE DAS SUAS COMPOSIÇÕES, MAS TAMBÉM SUAS IMAGENS ENIGMÁTICAS, DELICADAS E PERVERSAS, DE UMA SOFISTICAÇÃO PLÁSTICA E TEÓRICA
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Nascido em 1948 em Lisboa, orgulhosamente português, Julião Sarmento conseguiu “surfar nas ondas” da arte da segunda metade do século 20 sem tropeçar; ao contrário, procurando novas estradas para ir além da tradição e conquistando um lugar de primeira no panorama internacional das artes visuais “sem ter de abandonar o país, chegando a produzir a partir do contexto português”, lembra, em uma entrevista ao jornal , o ex-diretor da Coleção Berardo e do Museo do Chiado, Pedro Lapa. Um Portugal que outrora – na década de 1960, quando Julião estudava na faculdade de Belas-Artes – estava atrasado em fatos de vanguardas culturais devido não somente ao seu isolamento geográfico, como à ditadura, que acabou somente em 1974, aos 26 anos de Julião, que já se dava bem conta de como não era fácil viver no país cinzento – como ele mesmo apelidava o território português, acrescentando: “Viver em Portugal é uma questão política”.
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Contudo, o artista chegava a obter sucesso e, sobretudo, havia uma originalidade rara, curiosa, a abraçar estéticas que faziam parte dos movimentos proeminentes na Europa e nos Estados Unidos. “Conheci Julião na década de 1970, quando fui a Lisboa pela primeira vez. Naquela época, era tudo bem diferente de hoje e percebia-se bem aquela atmosfera na sua arte” – conta-nos Giorgio Persano, galerista de Turim que, com Sarmento, entreteve uma relação profissional e de amizade ao longo de décadas – e realizou também a última mostra pessoal em 2021. “Como Lisboa era uma cidade cheia de memórias, também florescia dentro os quadros de Julião uma ideia de acumular coisas. Percebia-se muito isso. Além da suavizinhançaàarteconceitual,foiumartistabemcomplexo”,lembraogalerista. Na galeria de Giorgio Persano, em Turim, o artista expôs a sua , um grupo de pinturas e esculturas em homenagem ao grande gravador e pintor
Foto: © Atelier Julião Sarmento.
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espanhol. Um conjunto de obras nascidas no começo do confinamento na primavera de 2020, a misturar desenhos que se remetem às formas criadas por Goya nas pinturas da peste junto a grandes manchas de cor, cifra estilística do artista sempre presente nos seus monocromos, assim como se vê nas séries dedicadas à arquitetura (a exemplo , 2013, presente na mostra organizada pela Coleção Berardo).
Segundo Persano, aquela mostra pessoal não foi somente um tributo a Goya, mas também um testemunho preciso dos últimos momentos da vida do artista.
foi mais uma observação atenta do artista em favor de uma transposição da realidade no mundo intelectivo, como acontece no cinema, a sétima arte pela qual Julião estava encantado: “Eu sou um expectador atento do cinema. O cinema tem uma influência forte naquilo que faço. Comecei a trabalhar com o cinema em 1966, como artista. Além disso, sou muito ligado com a literatura; tenho também uns autores-fetiche, por exemplo James Salter, o escritor da novela : ele escreveu um texto sobre uma minha exposição em Nova York, aliás ele escreveu um conto, , inspirado ao meu trabalho”, confessava em uma vídeo-entrevista Julião, declarando também que “A pintura, a arte, são somente veículos, instrumentos, para divulgar ideias. As técnicas são os veículos para chegar aos locais”.
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Estoril Yellow Plants, 2013. Foto: José Manuel Costa Alves.
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Um Quarto de Leoa n.º 31, 1972.
Foto: Bruno Lopes Cortesia Fundação Leal Rios.
Os locais, podemos imaginar, são aqueles pontos, aquelas paisagens, onde a arte de Julião Sarmento se formou pela ajuda da memória, pelo contínuo repensar as experiências da vida e da cultura: “Na realidade, vejo o meu trabalho como um amontoado de informações diferentes. Sempre foi assim. Aquilo que faço hoje em dia é parte daquilo que fiz ontem, do que fiz há 20 anos e daquilo que irei a fazer amanhã”, confessava o artista ao crítico Germano Celant, em uma entrevista realizada em 1997, ano no qual Julião venceu o Leão d’Ouro na Bienal de Veneza. Continuando a falar em locais, é verdade que neles se entra e se sai por dois pontos certos: isso já não acontece nos trabalhos de Julião Sarmento, que parece ter muitas aberturas e muitas saídas; enquanto a carreira do artista foi linear, desenrolada e cheia de evoluções, as obras servem como quebra-cabeça, mantêm a identidade misteriosa e também lúdica do labirinto.
“O meu trabalho permite muitas leituras, remete por muitas possibilidades: é fundamentalmente isso o que me interessa”, dizia o artista.
É esta uma condição bem visível ao alcançar o percurso da mostra , e, mais uma vez a respeito do mistério que as obras do artista trazem consigo, falava Julião: “O meu trabalho é sobre as perguntas e não sobre as respostas – acrescentando – Gostaria que o espectador, ao olhar a elas, tivesse mais questões do que certezas”.
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Salto, 1986.
Foto: José Manuel Costa Alves.
Lição Particular, 1985
Foto: © Atelier Julião Sarmento.
Portanto, dadas essas premissas, é bem possível ler as obras da mostra em ordem esparsa, partindo da , a célebre composição dentro da qual o artista relata – em uma maneira bem aderente à – a dicotomia e os padrões comuns entre a pele-roupa que os humanos vestem parecidos aos animais. Uma peça magistral que faz parte do percurso mais conceitual do artista, que, nos meados dos anos de 1970, parou de pintar, para voltar ao meio mais antigo da arte somente vários anos depois. Percorrendo esse tempo – como já explicitado –chegaram à pintura de Julião as formas da arquitetura, o preto e o branco; a seguir, foi só o branco, pois vieram a escultura, as formas mudas e misteriosas a falar somente com a própria presença inquieta. Um rumo admirável, porém, alcançado sempre sozinho: nenhuma aderença a grupos ou correntes por Julião. “Eu acho que os artistas são sempre personagens solitários. O trabalho de um diretor de cinema e o de um músico são diferentes, pois são trabalhos de equipe. Quando se fala de arte visuais, podemos dizer que trata-se de um trabalho solitário de verdade, pois eu trabalho sozinho no meu ateliê.
E é mesmo de solidão física, pois eu preciso ficar só no meu espaço”, afirmava.
é construída seguindo esta condição: ao andar nas salas, enfrentam-se criaturas além do tempo e do espaço, corpos enigmáticos. Como se explica também na folha da mostra, as obras de Sarmento não apresentam conclusões, teses ou hipóteses, não fazem perguntas, nem dão respostas, pois imaginam mundos: “O que é fantástico na cultura? É inventar e procurar possibilidades que ainda não existem. É possível criar fantasia: se um artista provocar essas fantasias e fazê-las bem, o público também pode acreditar nelas”.
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Enfim, após as exposições temporárias terminarem, há uma novidade a acompanhar os próximos anos da vida cultural-visual da cidade de Lisboa: à frente da Galeria Municipal, na Avenida da Índia, irá nascer o Pavilhão Azul, lugar onde o acervo de Julião encontrará a nova casa: são 1.200 peças da coleção particular do artista, que começou a recolher obras ainda estudante.
Desse tesouro fazem parte os nomes de Miquel Barceló, Pedro Cabrita Reis, Bruce Nauman, Cindy Sherman, Andy Warhol, Nan Goldin, Joseph Beuys, Pierre Bonnard, Marcel Duchamp, Cristina Iglesias e Adriana Varejão, entre uma multidão de outros.
“Para mim, uma coleção de arte faz sentido se as obras puderem ser vistas pelas pessoas”, disse ao jornal o artista já em 2017, sobre a decisão de oferecer a sua coleção à cidade. E mais uma vez a arquitetura fez a parte dela: “Foi o primeiro lugar que me mostraram e pareceu-me perfeito, muito bem localizado e com uma escala certa, uma escala humana”, revelou Sarmento sobre o pavilhão.
Aquela escala humana, como as paixões, que sempre fizeram parte do entusiasmante percurso de Julião, o eterno descobridor cuja ideia de arte não era de mera carreira.
“Para muita gente ser artista, especialmente hoje, é uma profissão. Eu acho que ser artista não é uma profissão: é uma maneira de existir. A minha não foi uma escolha racional, pois eu decidi de ser artista numa altura de crise absoluta – Portugal estava sob a ditadura. Então foi uma questão íntima, além dos raciocínios”, relatava Julião, pondo o dedo na mesma praga que relatou também Clarice Lispector na sua tocante e brilhante entrevista que concedeu à TV brasileira, em 1977: “Eu nunca fui um artista profissional e nunca quero ser um artista profissional. Faço questão de não sê-lo”, exatamente o mesmo assunto e a mesma vontade de liberdade que Clarice havia a respeito da sua escritura.
Matteo Bergamini é jornalista e crítico de arte. É diretor da revista italiana Exibart, e também colabora com a portuguesa Umbigo Magazine.
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JULIÃO SARMENTO: ABSTRACTO, BRANCO, TÓXICO E VOLÁTIL • MUSEU COLEÇÃO BERARDO • LISBOA • 11/5/2022 A 1/1/2023 Foto: © Atelier Julião Sarmento.
UÝRA sodoma,
REFLEXO
Série Elementar, Ensaio Poder de Tajá, 2020. © Uýra. Foto: Hick Duarte.
Pág. anteriores: Ensaio Fogo, Série Elementar, 2018. © Uýra. Foto: Matheus Belém.
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EMERSON PONTES VIVE E TRABALHA EM MANAUSAM, TERRITÓRIO INDUSTRIAL NO MEIO DA FLORESTA, ONDE SE TRANSFORMA PARA VIVER UÝRA, “UMA ÁRVORE QUE ANDA”. TENDO O CORPO COMO SUPORTE, NARRA HISTÓRIAS DE DIFERENTES NATUREZAS VIA FOTOPERFORMANCES E PERFORMANCES. VENCEDORA DO PRÊMIO PIPA 2022, UÝRA FALA EXCLUSIVAMENTE À DASARTES SOBRE SEU PROCESSO CRIATIVO QUE CELEBRA OS SISTEMAS VIVOS E SUAS VIOLAÇÕES, A MEMÓRIA E DIÁSPORA INDÍGENA POR UÝRA SODOMA 97
Fotoperformance Caos, Série Mil [quase] Mortos, 2018. © Uýra. Foto: Matheus Belém. Veja mais AQUI
“Manaus, imersa no centro geográfico da Amazônia, é como muitas cidades do Brasil: cresceu agarrada aos seus igarapés, mas que hoje os transformou em lixões a céu aberto. Partes da paisagem do invisível da cidade, eles seguem transitando-a, com a força que têm. Poluídos, mas não mortos de vez.
O ensaio foi construído em 2018, com fotografia de Matheus Belém. É parte da Série , que mostra o cenário de degradação ambiental, simbólica e espiritual de trechos do Igarapé do Mindú, o maior da cidade – que a atravessa, e espelha suas verdades. Igarapé, na língua Tupi, significa “caminho de canoa”. O ensaio irmão se chama , e ambos ocorreram em trechos estratégicos do leito do Mindú, onde há memória das pessoas em relação à água, que, até os anos 1960, era limpa e usada para fins diversos. foi feito no trecho da primeira estação de distribuição de águas da cidade. Mais que o lixo, o ensaio provoca também a ver e pensar sobre todo o ecossistema presente de Vidas (plantas, gentes e outros bichos) que, no caos, resistem.”
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Ensaio Terra Pelada, Série A Última Floresta, 2018. © Uýra. Foto: Matheus Belém.
“É o momento de dar fruto, componente nº 9 da história indivisível de dez fotografias contada na série
. Comissionada pela 34º Bienal de São Paulo, a série conta o ciclo de vida das plantas que crescem sobre o cimento físico e do imaginário colonial das cidades. É resultado de uma pesquisa minha de cinco anos, em que cataloguei centenas de espécies de plantas pioneiras habitando os locais mais improváveis da cidade: crescendo nas frestas do asfalto, agarradas aos paredões de prédios, habitando o interior do concreto de casarões abandonados, cobrindo muros, grades e calçadas. Plantas que ancestralmente
Fotoperformance Frutificar, Série Retomada, 2021. © Uýra. Foto: Matheus Belém. Veja mais AQUI
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reterritorializam com vida, locais de abandono e violência da cidade. A Ecologia chama esse processo de sucessão ecológica, um conjunto ordenado e gradual de retorno da floresta e sua diversidade em uma paisagem antes destruída. Essas plantas, de maioria medicinal e alimentícia, têm um ciclo de vida intenso e rápido: germinam, e logo crescem, espalham-se e se reproduzem, gerando muita matéria orgânica e sombra – condições ideias para o crescimento de outras espécies e, logo, de uma nova floresta.”
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Série Elementar, Ensaio Lama, 2017. © Uýra. Foto: Keila Sankofa e Sindri Mendes.
Videoperformance Manaus, Cidade na Aldeia. © Uýra. Foto: Alonso Júnior. Assista AQUI
“O Brasil foi inventado sobre territórios indígenas, e Manaus é parte disso. Foi base militar, depois se tornou refúgio de missionários e também um “curral de índios” –nomenclatura colonial para indicar locais de aprisionamento de pessoas indígenas, até seu transporte para os mercados escravagistas de Belém-PA. A cidade tem esse nome por uma suposta homenagem de um político local, ao povo Manaós, que habitou o território até sua extinção. Hoje, a cidade pouco sabe dessa história, e vive uma crise instalada pelo colonialismo, de autoestima a respeito de suas próprias origens, em razão do racismo e apagamento histórico gerados ao longo dos séculos. Manaus é uma cidade na aldeia e, pelo IBGE, uma das mais indígenas do Brasil – tanto por gente viva, quanto por memória na terra. Só em 2002, foram encontradas mais de 300 urnas funerárias na praça Dom Pedro II, onde se passa parte importante da videoperformance. Eu caminho por monumentos coloniais do entorno, contando suas verdadeiras histórias. Na mesma região, o Museu da Cidade de Manaus, que detém essas urnas, exibe-as de forma bastante questionável e o movimento indígena luta pelo reconhecimento da região como sagrada.”
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Ensaio Caos, Série Elementar, 2018. © Uýra. Foto: Matheus Belém.
Instalação Malhadeira, 2021. © Uýra. Foto cortesia: 34º Bienal de São Paulo.
“Obra comissionada pela 34º Bienal de São Paulo, é um conjunto de fitas afixadas no chão e coberta por uma malha de sementes de seringa. Os elementos utilizados retratam parte da história de Manaus, cruzando seu primeiro ciclo econômico da borracha, que ampliou seu desenvolvimento urbano e político, com os massacres indígenas e aterramentos das águas – partes do período, mas não da História. Na malha urbana da cidade, com precisão reconstruída em fitas, o destaque é a Avenida Constantino Nery, que atravessa Manaus, cobre centenas de igarapés de quatro das suas oito bacias hidrográficas, e foi criada à base do genocídio indígena desde sua extensão (a BR174 – Amazonas/Roraima). Constantino era o então governador, autorizou essas ações, nunca foi responsabilizado, mas homenageado. A instalação provoca a ver as águas por cima de toda essa história, pois assim estão, de verdade, submergindo sempre que chove, em razão de sua memória de alagamento. A instalação desvira os mundos, realoca as águas e memórias dos povos aos olhos das gentes.”
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Série Elementar, Ensaio Lama, 2017. © Uýra. Foto: Keila Sankofa e Sindri Mendes.
Performance Ponto Final, Ponto Seguido, 2022.
© Uýra. Foto: Paolo Stolpmann.
"Minha recente pesquisa chama , um conjunto de obras em instalação, performance e fotoperformance que retrata como a vida retorna aos lugares, de onde é expulsa. Dessa pesquisa nasceu a instalação – que conta as águas, a série – que conta as plantas –, e também , que conta, em um sistema radicular desenhado com terra preta no chão, o ressuscitamento da Terra, que dorme debaixo dos cimentos, e precisa respirar. A performance é isso: um respiro da Terra, e de nossa gente. Apresentada pelos mundos, em uma itinerância que passou pela Áustria, Itália, Kosovo, Estados Unidos e, no Brasil: (duas vezes) São Paulo, São José do Rio Preto, Rio de Janeiro e Curitiba, a performance encerrou o seu primeiro ciclo de apresentações de 2022, no mês de setembro, à beira do mar de Recife-PE.”
96 PRÊMIO PIPA 2022 • PAÇO IMPERIAL • RIO DE JANEIRO • 1/9 A 20/11/2022 SUPERNOVA • MAM RIO • RIO DE JANEIRO • EM DEZEMBRO
trata-se de uma intervenção urbana permanente nas ruas de Belo Horizonte, em que a artista Isabela Prado inseriu aproximadamente 230 placas de esquina dentro do perímetro da Avenida do Contorno, indicando a presença de córregos canalizados que subterraneamente percorrem suas ruas: Leitão, Serra, Acaba-Mundo, Mendonça, Zoológico, Barro Preto e Afluente Serra, todos integrantes da Bacia do Ribeirão Arrudas. O trabalho de Isabela Prado convida a refletir criticamente, a partir de um olhar sensível, para a dinâmica hídrica e hidrográfica na cidade.
ISABELA PRADO: SOBRE O RIO • Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte
Artistas fazem arte. Mas não é tão simples chegar a um consenso sobre o que, de fato, é arte. Arte é algo múltiplo e indefinível: a cada obra um artista pode inventar diferentes modos de materializar esse conceito. Em , o escritor Leonard Koren - autor do sucesso mundial (Cobogó, 2019) -, discute a criação artística a partir de seis questões do fazer artístico contemporâneo.
LEONARD KOREN: O QUE FAZEM OS ARTISTAS • Editora Cobogó • 128 páginas • R$ 62,00
Nesta obra, Elisa Stecca transpassa as fronteiras da arte institucional e explora diversos meios de expressão, que vão da moda à joalheria, da escrita à gastronomia, num processo alquímico e incansável de autoconhecimento e de materiais conectados à natureza, à magia, à cura e, obviamente, à vida. traz cerca de 100 fotos de trabalhos da carreira de Elisa Stecca, com destaque para a produção realizada desde 2017.
ELISA STECCA: IMPROVÁVEL • Matrix Editora • 160 páginas • R$ 143,00
98 LIVros,
Bia Guedes e Anderson Thives
Anderson Thives, Bia Sampaio e Sérgio Rodegheri
Carlos Vieira e Jairo de Sender
Mucio e Sônia Menna Barreto, Raquel Saliba e Adriana LernerBarreto
Marcus Lontra, Dila Oliveira e Luiz Carlos Ritter
Raquel Saliba, Dila Oliveira, Luli Hunt e Sônia Menna Barreto
Fotos: Ana Paula Amorim.
Eduardo Coimbra, Ana Holck e Maneco Muller
Gabriela Machado e Beth Jobim
Daisy Xavier e Alexandre Salgado
Luiz Camilo Osorio e Nuno Souza Vieira
Anderson Thives Miguel de Sender e Jairo de Sender
Nuno Souza Vieira Galeria Mul.ti.plo Rio de Janeiro Anderson Thives Galeria Provisória (Pop Up) Rio de Janeiro
Raquel Saliba e Sônia Menna
Barreto Sonia Menna Barreto Centro Cultural Correios Rio de Janeiro Fotos: Ari Kaye. 101 , COLUNA do meio
Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasildesdeosanos1990.Em2015, passou a ser digital, disponível mensalmente para tablets e celulares no site dasartes.com.br, o portal de artesvisuaismaisvisitado doBrasil. Paraficarpordentrodomundoda arte,sigaaDasartes. facebook.com/dasartes @revistadasartes @revistadasartes Assine grátis nossa newsletter semanal em www.dasartes.com.br e saiba das melhores exposições e notícias do circuitodasartes.