DIRETORA
Liege Gonzalez Jung
CONSELHO EDITORIAL
Agnaldo Farias
Artur Lescher
Guilherme Bueno
Marcelo Campos
Vanda Klabin
EDIÇÃO . REDAÇÃO
André Fabro
andre@dasartes.com
MÍDIAS SOCIAIS . IMPRENSA
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dasartes@dasartes.com
DESIGNER
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REVISÃO
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SUGESTÕES E CONTATO info@dasartes.com
Doe ou patrocine pelas leis de incentivo Rouanet, ISS ou CMS/RJ financeiro@dasartes.com
12 SARAH MORRIS SIMONE LEIGH 56 BERTHE MORISOT 6 8 32 Agenda De Arte a Z 76 LAVINIA FONTANA WALMOR CORREA 98 10 Livros
AGENDA,
Artista Gonçalo Ivo abre nova exposição e comenta sobre seu processo de criação: “Mostro agora uma seleta de obras executadas entre 2016 e 2023. São pinturas a óleo, têmperas, aquarelas e objetos que compõem um pequeno lago em face da realidade oceânica de meu trabalho. Todas ostentam o emblema do tempo e sua secreta geografia, sem esperanças darwinistas – afinal, se houvesse uma evoluçãoemarte,comoexaustivamente proclamado pelas vanguardas do século 20, não estaríamos no em que nos encontramos. Algumas foram produzidas em Bethany, Connecticut, onde passei três meses, convidado pela Josef & Anni Albers Foundation, do dia 3 de março ao final
de maio de 2020. No ano anterior, minha esposa Denise e eu havíamos passado longas temporadas em Alphabet City, Nova York, na nona rua, entre as avenidas C e D. Charlie Parker viveu ali, e sempre que eu atravessava a Tompkins Square, ouvia o eco de sua música. As demais foram feitas em meus ateliês de Paris, de Madrid e de Vargem Grande, em Teresópolis. Poucas, iniciadas há mais de vinte anos. . A permanência pode ser um parâmetro, mas nunca um limite.”
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TEMPO • SIMÕES DE ASSIS GALERIA
BALNEÁRIO CAMBORIÚ
GONÇALO IVO: IMAGEM DO
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• 24/8 A 21/10/2023
CURIOSIDADES • A conceituada galeria White Cube anuncia a representaçãoeaprimeiraexposição individual da artista paulista Marina Rheingantz no Reino Unido. Trabalhando com uma variedade de meios,incluindopinturasetapeçarias, Rheingantz evoca imagens ambíguas de falésias, massas de água, regiões montanhosas e terras áridas. Saiba maisem www.dasartes.com.br
FESTIVAIS • O Festival de Fotografia de Paranapiacaba chega à sua 6ª edição, celebrando a arte, a fotografia, o meio ambienteeavida.De24a27deagosto de 2023 promoverá encontros de alfabetização visual, exposições, projeçõesnoturnas,lançamentodelivros, mostra de filmes, expedições fotográficas,oficinasepalestras,sempre reunindo convidados que refletem a pluralidadedegênero,território,matizes socioculturaisedeetniasbrasileiras.
MERCADO • A Artnet acaba de divulgar seu relatório anual com os artistas mais lucrativos do ano de 2023, até agora. Os destaques ficam para Peter Paul Rubens comvendassuperioresaUS$54milhões, na categoria Velhos Mestres; Pablo Picasso,cominvestimentosacimadeUS$ 272 milhões, na tabela de artistas ModernoseImpressionistaseJean-Michel Basquiat, no topo da lista de contemporâneoscomvendasalcançando os US$ 120 milhões.
de
arte ,AZ
GIRO NA CENA • é a nova exposição de Maria Nepomuceno para o Instituto Artium. Desenvolvida especialmente para ocupar as áreas internaeexternadopalacete,ainstalação em grande formato é feita em diversos materiais, como com cordas, palha, cerâmica, barro, madeira e resina e se expande organicamente até o jardim, onde se encontra com a natureza. Até 4/11/2023.
EDITAIS • Estãoabertasasinscriçõespara o processo seletivo do 1º Grupo de Desenvolvimento de Artistas do Marieta. O propósito dos encontros será discutir e aprofundar projetos pessoais em desenvolvimento, a partir da troca horizontalentreasparticipantes.Sãobem vindos projetos de novas produções, aprofundamentodepesquisas,revisãode trajetória, montagem de exposições, etc.
Inscriçõesem
• DISSE SHIRLEY JEFFERSON, administradora da faculdade de direito de Vermont ao apoiar os alunos que protestam contra murais ofensivos sobre a escravidão pintados na instituição. O caso, em juízo, decide se a pintura será mantida ou destruída contra a vontade do artista Sam Kerson.
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LIVros,
A edição trata de uma compilação de cartas escritas pelo jovem Édouard Manet (1832-1883) durante sua viagem ao Rio de Janeiro em 1849, alguns anos antes de se tornar o artista que revolucionaria para sempre a pintura ocidental. O livro retrata um Manet diferente, desconhecido da maioria das pessoas: um jovem que sonhava com a carreira na Marinha francesa. Entre uma escala e outra, enviava para a família relatos sobre a viagem a bordo do navio Havre et Guadeloupe, bem como suas impressões sobre a cidade, seus habitantes, o regime escravocrata e os costumes carnavalescos.
MANET NO RIO: PASSAGEM • Trad. e notas: Régis Mikail • 96 páginas • Editora Ercolano • R$ 98,00
Catherine Grenier conta-nos o destino e o percurso único de Alberto Giacometti, sua vida e sua obra, numa biografia para ser lida como um romance. O volume, ademais, contém um caderno de imagens com reproduções de obras do artista e fotografias de sua carreira. Profundamente ligado à representação humana, influenciado pelas artes arcaicas e não ocidentais, afastouse de uma representação naturalista para adotar uma visão sintética e por vezes alucinada da figura do ser humano, carregada de um poder misterioso.
ALBERTO GIACOMETTI • Aut. Catherine Grenier • Editora Estação Liberdade • 368 páginas • R$ 98,00
Durante a pandemia, a artista Marina Perez Simão começou a pintar mares e horizontes – recriando e dando vida a tudo o que não era possível ver ou ter naquele momento. Um recorte dessa produção artística recente está compilada neste livro: são obras em cores vibrantes que, inspiradas nas paisagens do Brasil, levaram Simão a ser convidada a realizar sua primeira exposição individual em Nova York, na galeria Pace.
MARINA PEREZ SIMÃO • Editora Cobogó • 144 páginas
• R$ 140,00
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ALTO Relevo SARAH MORRIS
SARAH MORRIS
DESDE OS ANOS 1990, SARAH MORRIS CRIOU UM EXTENSO CORPO DE TRABALHO QUE REFLETE SEU INTERESSE EM REDES, TIPOLOGIAS, GLOBALIZAÇÃO, ARQUITETURA E METRÓPOLES. ELA UTILIZA TANTO A REALIDADE QUANTO
ABSTRAÇÕES IMAGÉTICAS PARA DESENVOLVER UMA NOVA
LINGUAGEM PARA LUGARES E SUAS POLÍTICAS
POR DIRK LUCKOW
Sarah Morris vê suas imagens como autogeradoras, abertas à interpretação, movimento e mudança, proporcionando ao espectador uma sensação intensa de fazer parte de um sistema maior. Ao criar uma arquitetura virtual e uma linguagem de formas, suas obras abordam uma ampla gama de temas, como empresas multinacionais, arquitetura, tecnologia genérica de células-tronco, , Jogos Olímpicos, redes de transporte, mapas, ciclos lunares, museus, impressoras, fábricas, moda e sistemas postais, para citar alguns. Política, poder e economia, além de publicidade e entretenimento, estão codificados na estética de suas imagens.
Em seus filmes, criados paralelamente às pinturas, Morris explora a psicogeografia e o caráter dinâmico de cidades em transformação, capturando suas narrativas multifacetadas e fragmentadas. As posições e situações em que a artista coloca a si mesma e aos espectadores refletem as hierarquias em que vivemos. Morris brinca de forma única com a contradição de nossa cumplicidade com as estruturas sociais em níveis macro e micro, sendoconsideradaumadasartistasmaisfascinantesdesuageração.
Sarah Morris
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Pág. anteriores: Black Ant [Origami], 2009. À direita: Courtship Spiderweb, 2021.
Fotos: © Sarah Morris.
PRIMEIRAS PINTURAS
Morris inicia sua atuação na pintura retratando placas de rua, uma brincadeira com os valores fundamentais da propriedade privada. Os direitos constitucionais nos EUA de portar armas e proteger a si mesmo e a propriedade estão codificados nos imperativos “Cuidado com o cão” ou “Proibido vadiar”. Com a estética reduzida das placas, originalmente encontradas em uma loja de ferragens, a artista mapeia a ideologia capitalista predominante.
Em meados dos anos 1990, Morris começou a criar pinturas de texto em grande escala que se apropriavam de histórias sensacionalistas da mídia. Ela produziu pinturas de uma única palavra, combinando o vocabulário de manchetes e linguagem comercial. Palavras como “Mentiroso(a)” e “Nada” preenchem as molduras. Por meio do uso desse vocabulário, Morris expande sua pesquisa de símbolos de poder, controle e psicologia para o reino da mídia de massa.
MIDTOWN
A certa altura, Morris alugou um estúdio barato na Times Square, onde o contraste entre a vida noturna suspeita e as fachadas brilhantes das grandes corporações norteamericanas são onipresentes. Morris explorou o bairro cheio de adrenalina com sua câmera e começou a interpretar suas observações em sua linguagem visual única. A grade, para Morris, aparece pela primeira vez no final dos anos 1990 na forma de corporação.
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MidtownViacom [Times Square Reflection], 1998. © Sarah Morris.
ABSTRAÇÃO AO LIMITE
Morris segue sua pesquisa transformando um autorretrato de pintado. Assim como no título da obra , as vogais conectivas estão ausentes, a artista se submeteu a um processo de abstração que a torna irreconhecível. Sua aparência física se transformou em uma superfície pura, dividida em linhas e campos coloridos. A partir daí, suas abstrações se tornam cada vez mais distantes dos temas que as inspiram, como vemos nas obras inspiradas por cidades. A série se baseia na arquitetura espetacular da cidade, em seu plano urbano expansivo e descentralizado, e, acima de tudo, em seu papel como centro do mundo cinematográfico. As pinturas marcam um ponto de virada no trabalho de Morris, pois as grades parecem mais fragmentadaseradicalmenteabertasemsua abstração completa e hermética. Os espaços internos em forma de redemoinho criam um poder de atração que parece puxar a imagem para além da realidade da tela como um objeto bidimensional.
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Department of Water and Power Los Angeles, 2014. © Sarah Morris.
BEIJING
A série , juntamente com as pinturas , concentram-se na cidade de Pequim, palco de um desenvolvimento capitalista extremo durante os Jogos Olímpicos de Verão de 2008. As pinturas foram baseadas em instruções prontas para dobrar papel e criar figuras de origami. O origami usa o processo simples de dobrar papel para criar uma forma complexa, semelhante ao trabalho de Morris. A artista desdobra essas estruturas enquanto decifra um marco cultural, assim como faz em seus filmes. se concentra nas vias de tráfego cada vez mais congestionadas da cidade, conhecidas como . As estradas podem ser vistas como análogas aos famosos anéis olímpicos e à ideia de um evento performativo que ocorre em série em cidades ao redor do mundo.
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Angel [Origami], 2009 © Sarah Morris.
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Pools - Monaco [Miami], 2003. © Sarah Morris.
POOLS
As pinturas surgiram em paralelo ao filme e abordam o desenvolvimento da cidade de Miami, além de uma visão romantizada do Sonho americano associada à piscina. O padrão irregular das imagens lembra o reflexo na superfície da água de uma piscina – uma imagem simbólica da nova riqueza onipresente da cidade e de sua agenda política oculta.
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RIO
Nas pinturas , encontramos novamente as composições abstratas características de Morris, que ela também chama de “diagramas”. Suas telas são compostas por composições vívidas cujas curvas, vetores e esferas interligadas fazem referência a uma maneira de percepção, assim como os contrastes acentuados das várias formas sociais do Rio de Janeiro. As obras fazem referência a uma ampla gama de elementos em torno da metrópole brasileira, como arquitetura, literatura, design, música e paisagem.
CLIPES E NÓS
As formas entrelaçadas da série se baseiam em diagramas de nós e clipes de papel. Essas estruturas simples de amarração e organização administrativa sugerem uma transição da utilidade duradoura e da burocracia para a organização contingente de texto, dados e material copiado.
Essa série de pinturas foi criada como resposta a um processo por direitos autorais em 2013 referente às suas pinturas . De forma apropriada, os clipes de papel foram criados em vários países e até patenteados, mas desenvolvidos simultaneamente em todo o mundo.
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Adnoc [Abu Dhabi], 2016. © Sarah Morris.
ABU DHABI
Essa série de obras explora a complexa relação entre cultura, arquitetura e poder – e o museu. Morris investigou Abu Dhabi – o futuro local do Guggenheim Abu Dhabi e do Louvre Abu Dhabi – depois de ser contratada pelo museu Guggenheim para filmar lá. O que costumava ser um deserto é agora uma metrópole. Para visualizar as diferentes percepções desse lugar, Morris utiliza algo que ela chama de sua versão de um código QR.
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SOUND GRAPH
As pinturas da série continuam a usar a linguagem da abstração americana, do minimalismo e da . As formas dessa série, incluindo a escultura , são baseadas em arquivos de áudio
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da artista. O ponto de partida são as faixas de áudio de suas gravações de voz. As composições das pinturas, formadas por formas geométricas nítidas, piscam em padrões que parecem fluir pela superfície da tela; assim, uma analogia visual à codificação digital de um arquivo de áudio cria a impressão de um aumento e diminuição do volume.
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War of Roses [Sound Graph], 2019. © Sarah Morris.
SPIDERWEB
Asérie sebaseianasexperiências recentes das restrições durante a pandemia de COVID-19. Isso levou muitas pessoas a uma mudança abrupta na percepção do tempo e nos hábitos sociais. Partindo da estrutura improvisada de uma teia de aranha, as composições de linhas das pinturas se convergem e fragmentam em , criando formas em fragmentos e pontos de tamanhos variados. As pinturas, feitas na paleta de cores característica de Morris, abordam a desorientação espacial, a percepção e a consciência.
LUNAR
Morris iniciou as obras da série como um calendário ou diário durante a pandemia, quando muitas pessoas tinham dificuldade em manter seu senso de tempo. O ciclo lunar serve como uma representação de forças naturais que escapam do controle humano, mas, ainda assim, influenciam significativamente nossas vidas diárias. A série de 12 obras representa cada mês do calendário lunar de 2020. Morris conecta o fenômeno natural à produção industrial de vacinas, evocando sua imagem de processos padronizados e serialização como uma forma.
SARAH MORRIS: ALL SYSTEM FAIL •
DEICHTORHALLEN HAMBURG • ALEMANHA • 4/5 A 30/8/2023
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Dirk Luckow é autor, doutor e professor de arte e curadar intendente do museu Deichtorhallen Hamburg.
Dilemma [Spiderweb], 2020. © Sarah Morris.
Overburdened with Significance (detail), 2011.
Destaque Simone
Foto: Timothy Schenck. © Simone Leigh.
Leigh
HÁ MAIS DE DUAS DÉCADAS, SIMONE LEIGH ADOTOU UM VOCABULÁRIO ARTÍSTICO DIVERSIFICADO QUE EXPLORA O PENSAMENTO FEMINISTA NEGRO, UMA TRADIÇÃO INTELECTUAL QUE VALORIZA E COLOCA EM DESTAQUE AS EXPERIÊNCIAS DAS MULHERES NEGRAS
POR BARBARA LEE
Simone Leigh representou os EUA na Bienal de Veneza de 2022. Parte da apresentação marcante da artista em Veneza está sendo mostrada pela primeira vez nos EUA, em Boston, junto com obras-chave de toda a sua carreira, proporcionando uma compreensão completa da produção da artista em cerâmica, bronze e vídeo. Informada por uma atenção rigorosa a uma ampla variedade de períodos históricos, geografias e tradições artísticas da África e da diáspora africana, Leigh muitas vezes combina o corpo feminino com objetos domésticos ou elementos arquitetônicos para apontar para atos de trabalho e cuidado não reconhecidos, especialmente entre as mulheres negras. A autora e estudiosa Saidiya Hartman descreveu o tratamento da feminilidade negra pela artista como uma “arquitetura de possibilidades”. O conceito de “fabulação crítica” de Hartman – uma estratégia que convida historiadores, artistas e críticos a preencherem criativamente as lacunas da história – fornece um quadro ressonante para abordar o trabalho de Leigh. “Para contar a verdade”, a artista propõe, “você precisa inventar o que pode estar faltando no arquivo, para encurtar o tempo, para se preocupar com questões de escala, para mover as coisas de forma a revelar algo mais verdadeiro do que um fato”.
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Sentinel IV,
2020. Foto: Timothy Schenck. © Simone Leigh.
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A argila é a base da maioria das obras de Leigh, incluindo suas esculturas de bronze, que são primeiro modeladas em argila. A artista expande as possibilidades do meio mediante escala e método, desafiando histórias convencionais das Belas Artes hierarquizadas, que ainda podem estar associadas às ideias de trabalho feminino, decoração, artesanato doméstico e utilidade. Essa exposição traça a linguagem visual única da artista por intermédio de motivos característicos, incluindo conchas de cauri, tranças, ráfia, rosetas, vasos com rostos e rostos sem olhos. Por meio da reinterpretação dessas formas em diferentes materiais e escalas, novas estruturas de pensamento e significados emergem, sempre colocando em destaque as experiências e o trabalho intelectual das mulheres negras.
29 ” “ 37 Sentinel IV,
©
2020. Foto: Timothy Schenck.
Simone Leigh.
Sentinel, 2019.
Foto: Timothy Schenck. © Simone Leigh.
Anonymous (detail), 2022. Foto: Timothy Schenck. © Simone Leigh.
DUNHAM (2023)
Em muitas das esculturas de Simone Leigh, o corpo é combinado com vasos, reapresentando diversos materiais e tradições estéticas. Nas palavras da própria artista, estas intervenções respondem ao seu interesse pelo “trabalho anônimo das mulheres e também pela forma como os objetos africanos e a cultura material são categorizados. . . Eu penso nas mulheres e mulheres negras como uma espécie de cultura material.” Esta figura de bronze batizada em homenagem à coreógrafa, dançarina e antropóloga Katherine Dunham aparece dobrada na altura da cintura como se segurada no ato de entrar ou emergir do limite da parede da galeria.
29 40 ” “
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Dunham, 2023.
Foto: Timothy Schenck. © Simone
Leigh.
Jug (detail), 2019. Foto: Timothy Schenck. © Simone Leigh.
JUG (2019)
combina formas associadas a vasos, arquitetura e corpo. A artista certa vez descreveu essa abordagem pelo termo “ ”, um objeto no qual aspectos de uma forma anterior ou original permanecem em uma nova interpretação. Aqui, um jarro de grandes dimensões compõe a saia em forma de sino, enquanto um torso de mulher substitui a boca da vasilha. Essa forma composta carrega uma sensação de força e permanência, aparecendo, nas palavras da artista, “como algo sólido e duradouro”. Com suas esculturas figurativas, o uso de abstração permite que a artista explore estados de ser, em vez de retratos representativos.
Quando Simone Leigh começou a fazer cerâmica, ela trabalhava com potes enrolados (em vez de uma roda de oleiro), nos quais cabos de argila são colocadas em camadas, uma sobre a outra, e unidas à mão antes de serem cozidas em um forno. Suas técnicas combinam práticas prémodernas e contemporâneas em um meio que funde os elementos com o tempo. “O que eu gosto na cerâmica”, compartilha a artista, “é que você cria ambientes e os objetos são alterados por eles, por sua localização, pelo que estão adjacentes ou por qual resíduo pode estar no forno”. Uma variedade de motivos se tornou a assinatura de Leigh: de rosetas e ráfia à sua interpretação contínua de vasos de rostos e uso de esmaltes.
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Cupboard (detail), 2022. Foto: Timothy Schenck. © Simone Leigh.
CUPBOARD IX (2019)
Simone Leigh trabalha manualmente a matéria-prima em escala real para realizar esculturas como ( . Elementos do corpo–aqui, uma cabeça sem rosto e um tronco com os braços estendidos, colocados em um gesto de cuidado ou endereçamento ao espectador–se fundem com utensílios domésticos, como jarras ou potes. A figura na escultura se senta sobre um suporte de aço coberto por ráfia, as folhas secas de uma palmeira de ráfia. Essa saia e sua estrutura volumosa remetem a noções de feminilidade, maternidade e moda, além de espaços de reunião arquitetônica ou residências.
CUPBOARD (2022)
( ), uma forma imponente em forma de sino coberta de ráfia, invoca tanto a arquitetura vernacular quanto o vestuário feminino. Como referências para essas formas em forma de cúpula, Simone Leigh apontou para a Exposição Colonial de Paris de 1931, que estabeleceu a cabana dentro de uma iconografia colonial. Reencenando efetivamente o projeto colonialista enquanto ainda estava em andamento, a França montou a exposição para mostrar as culturas e os povos das terras então sob controle colonial. Em , Leigh traz à tona essas histórias variadas em uma forma que lembra lugares de reunião ou habitações,aquicoroadas por uma concha de cauri, outro dos motivos recorrentes da artista.
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Cupboard IX ,
2019.
Foto: Timothy Schenck. © Simone Leigh.
faz referência à história dos chamados jarros de rostos feitos por oleiros negros americanos no condado de Edgefield, Carolina do Sul – um centro de produção de grés entre o final da década de 1850 e a década de 1880. Olhos, narizes, orelhas e bocas eram moldados em vasos, cujo significado e identidade dos fabricantes permanecem amplamente desconhecidos. Em sua interpretação, Simone Leigh abstrai o rosto com representações de búzios moldados no tamanho de melancia. As conchas de búzios têm uma história diversa e complicada e são um tema comum na obra da artista. Um mito de Benin relata cavidades semelhantes a dentes de búzios sugando a carne humana, enquanto outras associações estão ligadas a rituais que marcam a morte e uma nova vida. Durante séculos, as conchas foram moeda e fonte de riqueza em toda a África, Sul da Ásia e Leste Asiático.
Jug, 2022.
Foto: Timothy Schenck. © Simone Leigh.
JUG (2022)
SHARIFA (2022)
é o primeiro retrato de Simone Leigh. Esculpido em homenagem à escritora Sharifa Rhodes-Pitts, esse colossal bronze tem o dobro da altura de seu modelo. Duas das estratégias formais de assinatura de Leigh estão presentes: a abstração do corpo e a evocação do corpo como arquitetura. Um pé saindo da saia longa também evoca a tradição da estatuária egípcia. O olhar descendente da figura evoca estratégias de recusa e opacidade que alimentam as possibilidades criativas – e necessidade –dos mundos interiores das mulheres negras.
GIRL (Chitra Ganesh + Simone Leigh) meus sonhos, minhas obras devem esperar até depois do inferno... (2011)
é um apelido para a colaboração entre Simone Leigh e a artista multimídia Chitra Ganesh. A dupla fez esse vídeo com a artista Kenya (Robinson), cuja incrível imobilidade é apenas ocasionalmente interrompida por sua respiração sutil. Definido como uma trilha sonora melancólica do compositor Kaoru Watanabe, o vídeo projeta a figura maior que a vida diretamente na parede da galeria, aumentando a tensão em jogo entre objeto e sujeito, espetáculo e performance. O título da obra de arte é extraído de um poema, de 1963, de Gwendolyn Brooks, que descreve o futuro incerto de um artista trabalhador.
Sharifa, 2022.
Foto: Timothy Schenck. © Simone Leigh.
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LAST GARMENT (2022)
faz referência a , de C. H. Graves, uma fotografia estereoscópica de uma lavadeira jamaicana feita no final do século 19. Estereografias como essas foram feitas para uma crescente indústria de turismo anglófona do Caribe, incentivando viajantes brancos a visitar as Índias Ocidentais britânicas colonizadas. Imagens estereotipadas desse tipo, muitas vezes criadas sem o pleno consentimento das pessoas retratadas, ilustram a falta de soberania dos sujeitos sobre sua própria representação. Leigh se opõe a esse impulso voyeurístico por meio de uma interpretação monumental, centralizando a mulher anônima em um grande espelho d’água e usando mais de 800 rosetas individuais para o cabelo da figura.
Last Garment, 2022.
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Foto: Timothy Schenck. © Simone Leigh.
Satellite (detail), 2022. Foto: Timothy Schenck. © Simone Leigh.
SATELLITE (2022)
Às margens do porto de Boston, em frente ao ICA/Boston, encontra-se a escultura monumental em bronze chamada ( , que é em parte inspirada por ideias presentes em rituais e apresentações mascaradas em toda a África e diáspora africana. Entre essas referências estão as cabeças esculpidas chamadas (também conhecidas como ), feitas pelo povo Baga da costa da Guiné. Tradicionalmente confeccionadas em madeira, essas máscaras são usadas para se comunicar com os ancestrais e têm associações de proteção feminina e sabedoria materna. Abstraída em uma escala arquitetônica, a escultura é coroada com um prato de satélite fundido, mais um meio de transmitir e receber informações.
Barbara Lee é curadora-chefe do ICA e lidera e dirige os programas curatoriais de uma das instituições de arte contemporânea mais antigas dos Estados Unidos.
SIMONE LEIGH
BOSTON • EUA • 6/4 A 4/9/2023
HIRSHHORN MUSEUM AND SCULPTURE
WASHINGTON • EUA • 11/2023 A 3/2024
LOS ANGELES COUNTRY MUSEUM
ART (LACMA) • LOS ANGELES • EUA • 6/2024 A 1/2025 54
• THE INSTITUTE OF CONTEMPORARY ART (ICA) •
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OF
BERTHE MORISOT
DO mundo
Woman at her Toilette, 1875-1880. Image courtesy of The Art Institute of Chicago, Stickney Fund.
A PINTORA IMPRESSIONISTA BERTHE MORISOT ALCANÇOU SUCESSO EM UM PERÍODO NO QUAL SE PRESUMIA QUE AS MULHERES ERAM CAPAZES DE PRODUZIR ARTE APENAS COMO UM HOBBY. ABORDANDO CENAS INÉDITAS DO COTIDIANO FEMININO, ELA INOVOU COM GRANDE TALENTO EM PINTURAS, DESENHOS E PASTEIS, FICANDO LADO A LADO COM SEUS COMPANHEIROS “FUNDADORES” DO IMPRESSIONISMO
POR REDAÇÃO
Nesta nota que parece rapidamente escrita apenas para si, Berthe Morisot refez, em idade madura, uma linhagem de Rubens a Boucher e aos pastelistas Maurice-Quentin de La Tour e Jean-Baptiste Perronneau, e também aos mestres ingleses com quem ela se familiarizou mais em Londres. Graças a esse relato, podemos imaginar a arte do século 18 que ela teria visto nas casas que frequentou, em museus e exposições, e tentar discernir como seu conhecimento íntimo das técnicas de pintura daquela época permeava sua obra.
Berthe Morisot (1885-1886)
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The Artist's Sister at a Window, 1869. © National Gallery of Art.
O UNIVERSO DE RENDA E SEDA DA INFÂNCIA DE MORISOT
Durante seu mandato como prefeito, de 1840 a 1852, o pai de Morisot, Edmé Tiburce Morisot, também foi um pioneiro das artes. No departamento de HauteVienne, em Limoges, foi responsável pela fundação do Museu de Belas Artes e do Museu Nacional de Porcelana Adrien Dubouché. Ele convocou amigos particulares a doarem suas “pinturas antigas”, e deu o exemplo ao ser o primeiro a doar vários trabalhos, incluindo um retrato de Luís 16. Membros da elegante sociedade local vivendo “de rendas e seda”, conforme descrito duas gerações depois pela sobrinha de Morisot, Paule Gobillard, seguiram o exemplo e doaram obras, especialmente pinturas do século 18. A história da família de Berthe Morisot está entrelaçada com a arte do século 18 e desempenhou um papel significativo em seus primeiros anos. Vindas de um círculo social de amantes da arte, é difícil imaginar que as meninas Morisot e seus pais, por sugestão de seus instrutores de pintura Jean-Baptiste Camille Corot e Achille Oudinot, não estivessementreosvisitantesdaexposição de 1860 de pinturas e desenhos da Escola Francesa, principalmente do século 18, realizada na Galerie Martinet, em Paris.
Marie-Joséphine & Edma, 1869/70.
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© National Gallery of Art.
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Apollo revealing his divinity to the shepherdess Issé, after François Boucher, 1892. © Musée Marmottan Monet, Paris.
MORISOT E O SÉCULO 18: UMA INSIDER
É difícil não ver uma homenagem a Watteau em (1876), como a figura graciosa da modelo (irmã de Morisot, Edma). Suas roupas e sua pose, vista de costas, lembram as mulheres elegantes que tornaram Watteau famoso. Somente a familiaridade com os originais de Watteau pode explicar as semelhanças cromáticas, as cores cintilantes na descrição dos tecidos na pintura de Morisot. Essa análise confirma não apenas que ela se lembrava das obras de Watteau – que havia admirado no passado –, mas também que ela visitou e estudou a coleção depois que ela se tornou novamente acessível ao público. Olhando para o trabalho desse período de maneira mais geral, fica claro o interesse de Berthe Morisot no tratamento de cores claras e, particularmente, nos brancos matizados, prateados e brilhantes dos quais Watteau era o mestre. Ela se apropriou desse tratamento e o desenvolveu entre 1875 e 1877. Várias obras que o mostram foram exibidas nas exposições impressionistas de 1876 e 1877, incluindo (1875); (1876); (1876); (1876); (1876) e o pastel (1877). Embora essas obras tenham sido tomadas recentemente como exemplos que definem o cerne da conexão de Berthe Morisot com o século 18, os críticos que escreviam na época não se referiam a isso. Essa ausência é agravada pelo fato de que, durante a exposição de 1877, Renoir foi comparado a Watteau.
1875:
BAILE NO PALÁCIO DE ÉLYSÉE
Como explica sua correspondência inédita, Morisot, que acabara de se casar com Eugène Manet, desejava comparecer a um baile realizado no Palácio de Élysée pelo presidente francês, Patrice de Mac-Mahon. O Salão Napoleão III no palácio, uma residência doada pelo rei Luís 18 a madame de Pompadour em 1754, acabara de ser reformada no estilo do século 18. Este baile, ou qualquer outro nesse contexto social, inspirou Morisot a pintar . A modelo, acompanhante de Morisot, segura um leque aberto decorado com uma pintura do século 18. O leque é envolvido por uma borda dourada formando uma moldura antiga que transforma essas cenas em pinturas no estilo de Boucher ou Lancret. Nessa pintura, o leque, representado dessa forma, tem o mesmo propósito de uma carta ou bilhete nos retratos dos séculos 17 e 18. De maneira igualmente ostensiva, ele comunica informações essenciais sobre a identidade, profissão, atividade ou convicções da modelo. At the Ball,
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1875 © Musée Marmottan Monet, Paris.
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Eugène Manet on the Isle of Wight, 1885. © Musée Marmottan Monet, Paris.
BERTHE MORISSOT NA INGLATERRA
Em agosto de 1875, Berthe Morisot pintou seu marido, Eugène Manet, olhando pela janela aberta da sala de estar do Globe Cottage, em West Cowes, na ilha de Wight. Ele olhava através de um jardim frontal cheio de flores e cerca verde para o mar, onde uma babá – elegantemente vestida –acompanha uma garotinha de avental e chapéu de palha, e, ao fundo, é possível ver os iates e barcos a vapor reunidos no píer. O casal se casou em 22 de dezembro de 1874 e essa foi a lua-de-mel. Morisot há muito desejava visitar a Inglaterra. Durante a infância, sua governanta inglesa, Louisa, apresentou à família o costume inglês de bolos de aniversário enfeitados com velas e incutiu nela um gosto precoce pela literatura inglesa. Manet se vira na cadeira, vestindo estilo velejador, pronto para sair. Morisot transmite espontaneidade, mas essa éumacomposiçãosofisticadacomumaforte estrutura de grade definida em uma escala de cinzas prateados, com a forma inquieta de Manet equilibrada pela cortina ondulante à direita. As figuras do lado de fora estão posicionadas com precisão: o rosto da mulher está obscurecido, mas suas proporções são nitidamente marcadas pela janela em seu ombro e a cerca em seu pulso, enquanto seu cós preto está alinhado com as embarcações carregadas no píer. A menina continua na vertical da vidraça e seu avental branco ecoa em miniatura com as cortinas que margeiam a composição. Pintado de dentro para fora, o quadro resume a posição de Morisot como uma nova visitante da ilha: hesitante em montar seu cavalete em público, mas alerta para as possibilidades visuais.
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UMA PASTELISTA REALIZADA
Entre suas primeiras paisagens de 1864 e seu (1872), Morisot se tornou uma pastelista talentosa. Seus estudos de pastel eram feitos com a mesma rapidez que a pintura ao ar livre, à qual ela também estava acostumada.
Baseando-se em suas memórias de infância, Jacques-Émile Blanche relembrou Morisot por volta de 1867, “sentada em uma cadeira dobrável” no meio da vila de Passy, pintando “com pastéis ao ar livre”. Era um pastel retratando sua irmã grávida, madame Edma Pontillon, nascida Edma Morisot, que ajudou a tornar Berthe Morisot conhecida pelos amantes da arte e pelo público no Salão de 1872.
Morisot usou pastel no papel de uma forma que justificou o termo do século 18 (pintar em pastel).
Comum no período Luís 15, a expressão descrevia uma técnica sólida, como a pintura, não deixando à vista áreas intocadas da folha de papel. Morisot usava pastéis secos e semiduros, que trabalhava úmidos com pincel, ou nas duas técnicas: seco e úmido. O rosto da modelo, visto frontalmente, é sombreado com marromesverdeado na têmpora direita. As pálpebras são realçadas com pastel sanguíneo. Seu tratamento do preto, retocado com o azul escuro, confere a opacidade e a transparência de dois tecidos diferentes. Como prova do talento de Morisot, Édouard Manet queria obter encomendas para ela criar retratos infantis em pastel. Manet lhe deu de presente de Natal uma caixa de pincéis preciosos em 1879 e, no ano seguinte, um novo modelo de cavalete, muito cômodo para pastel.
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Self-portrait, 1885 © Musée Marmottan Monet, Paris.
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Julie Manet with her Greyhound Laerte,
1893. © Musée Marmottan Monet, Paris.
MEMÓRIAS FRAGMENTADAS DO SÉCULO 18
Longe de qualquer citação, Morisot trouxe para suas composições motivos do século 18 que lhe são familiares. A conexão entre as figuras femininas de Watteau vistas de costas e a silhueta da irmã de Morisot levantando graciosamente seu vestido em (1876)
foi notada várias vezes. A liberdade de Morisot em relação a essas imagens deve ser destacada. Aqui a seda de Watteau desapareceu, substituída por musselina. Sem ombros frágeis, mas uma estatura assertiva. Talvez o aspecto mais oitocentista da cena resida na indefinição de características sociais. Um viajante inglês que chegou a Paris vindo de Londres, em 1739, reclamou que era impossível distinguir uma dama da alta sociedade de uma criada na rua, com criadas imitando a maneira como suas patroas se vestiam em todos os detalhes. Esse “borrão das aparências” percorre toda a obra de Morisot. A artista mencionava retratos de “Madame de Pompadour por Boucher” em seu caderno.
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Young Girl with Basket 1892. © Philadelphia Museum of Art.
Em 1860, a Galerie Martinet exibiu um retrato de Pompadour em um vestido de seda amarelo na frente de um cavalete, e um segundo, maior, pintado em 1756. Este último trabalho oferece uma gama de motivos típicos do século 18, incluindo muitos detalhes que Morisot também teria sido capaz de ver separadamente em pinturas de contemporâneos de Boucher. Esse apetite pelo século anterior é visível até nas roupas de Morisot. Aos 20 anos, recusando-se a usar as botas pretas da moda na época, ela adotou os sapatos de cetim de La Pompadour como um símbolo de sua própria elegância indumentária. Esse calçado foi destacado por Édouard Manet em sua pintura
. Acima de tudo, é em sua arte que Morisot mostrou sua atração pelo século 18. Do grande retrato de La Pompadour, ela adotou o reflexo da nuca da Marquesa, cabelo preso para trás, cortado pela moldura do espelho. Ela parece se lembrar dessa memória em (1876). Já em 1880, Morisot fez dela o tema principal em uma das suas principais pinturas, , na qual uma modelo é vista de costas.
75 BERTHE MORISOT: SHAPING IMPRESSIONISM • DULWICH PICTURE GALLERY • REINO UNIDO • 31/3 A 10/9/2023
The Mirror (La Psyché), 1876. © Museo Nacional ThyssenBornemisza, Madrid.
LAVINIA FONTANA
Capa
LAVINIA FONTANA
The Visit of the Queen of Sheba to King Solomon, 1599. © National Gallery of Ireland.
LAVÍNIA FONTANA É TIDA POR MUITOS COMO A
PRIMEIRA PINTORA NA EUROPA A GANHAR FAMA E SUCESSO COMERCIAL. MAS ESSE SUCESSO NÃO VEIO SEM DESAFIOS CONSIDERÁVEIS. DE VÁRIAS MANEIRAS, ELA SUPEROU EXPECTATIVAS DESFAVORÁVEIS, MESMO SENDO UMA ARTISTA MULHER NA ERA RENASCENTISTA
POR AOIFE BRADY
A OFICINA DE UMA MULHER ARTISTA
No século 16, na Itália, as mulheres frequentemente eram excluídas de academias e corporações de artistas importantes (assim como de outras esferas públicas). Geralmente, elas não podiam participar de negociações comerciais. Além disso, os pensadores influentes da época não consideravam as mulheres artistas como parte do mundo artístico. Em sua série de biografias renascentistas, Giorgio Vasari dedicou apenas um de 142 capítulos a uma mulher, a escultora bolonhesa Properzia de’ Rossi (c.14901530), e mencionou a pintora cremonesa Sofonisba Anguissola (c.1532-1625), dama de companhia da corte espanhola, apenas brevemente.
Apesar de todas as barreiras, Lavínia Fontana manteve uma carreira impressionantemente ativa, equilibrando também os papéis de esposa e mãe. Ela rejeitou os temas tradicionalmente associados às mulheres artistas, como pintar flores, e se destacou como a primeira mulher a pintar retábulos públicos em grande escala e nus femininos. Ela viveu e trabalhou sob o patrocínio de vários papas, incluindo
Gregório XIII (r. 1572-1585), Clemente VIII (r. 1592-1605) e Paulo V (r. 1605-1621). Um biógrafo do século 17, Carlo
Cesare Malvasia, afirmou que as taxas que Fontana cobrava eram equivalentes ou até superiores às de pintores famosos da corte da época, como Anthony van Dyck. Talvez o destaque de sua série de realizações seja o fato de Lavínia Fontana ter sido a primeira artista documentada a ter seu próprio ateliê. No entanto, sabemos pouco sobre as práticas exatas dela e como esse ateliê funcionava.
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Galatea and Cherubs Riding the Stormy Waves on a Sea Monster, c.1590.
Apesar de muitos biógrafos italianos terem escrito sobre Lavínia Fontana, poucos oferecem detalhes sobre seus métodos de trabalho. Pouca atenção também foi dada à técnica e aos métodos de trabalho de Lavínia em estudos modernos, que até agora se concentraram mais nas circunstâncias específicas que levaram à sua fama em Bolonha e em Roma.
É inegável que o ambiente cultural e a sociedade em Bolonha tiveram um papel crucial no sucesso dela, permitindo-lhe progredir de maneiras que poderiam ter sido impossíveis em outro lugar. Isso não apenas impulsionou o talento dela, mas também o de outras artistas mulheres que vieram depois. No entanto, seu sucesso não foi apenas resultado das circunstâncias; também devemos creditar sua habilidade técnica extraordinária em pintura como um fator-chave para suas realizações.
O que se segue é uma visão geral dos métodos de trabalho e da técnica de Lavínia, destacando as diferenças em relação aos contemporâneos masculinos e os desafios práticos que ela enfrentou devido ao seu gênero.
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” “
A PRODUÇÃO ARTÍSTICA
Cerca de 130 pinturas atribuídas à Lavínia Fontana sobrevivem até hoje, criadas ao longo de uma carreira que durou cerca de quarenta anos. É provável que o número real de suas obras seja maior, já que muitas estão perdidas, destruídas ou ainda desconhecidas para nós (isso é evidenciado pelo recente reconhecimento de pinturas que agora são creditadas a ela). Embora não tenha sido tão prolífica quanto seus colegas homens, muitas de suas obras remanescentes são altamente detalhadas ou de grande porte, sugerindo que ela dirigia um ateliê movimentado. A questão de que Lavínia empregava assistentes de estúdio em suas pinturas é complexa. A natureza de grande escala de algumas de suas obras sugere a possibilidade de assistentes (algo comum entre artistas bolonheses na época). No entanto, o contexto cultural da época poderia tê-la impedido de ter assistentes trabalhando lado a lado com ela no ateliê. Ainda assim, ela poderia ter contratado artistas para trabalhar em projetos específicos, possivelmente em espaços separados ou em horários diferentes. Fontana também parece ter treinado outros artistas em ascensão. Segundo Giulio Mancini (1558-1630), uma das filhas de Lavínia, Laudomia, mostrou grande talento na pintura antes de sua morte
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Self-Portrait at the Virginal, 1577.
© Accademia Nazionale di San Luca, Roma.
Foto: Mauro Coen.
prematura, indicando que ela estudou com a mãe quando criança. Além disso, registros da igreja de San Giovanni in Monte, em Bolonha, mencionam uma pintura (hoje perdida) feita por uma jovem da família Gozzadini, descrita como aluna de Fontana.
O marido de Fontana, Gian Paolo Zappi, desempenhou um papel fundamental em seu apoio. Ele não só cuidava dos filhos do casal, mas também, segundo Malvasia, recebeu treinamento no ateliê de Próspero Fontana e depois ajudou Lavínia em suas pinturas. A ideia de um homem atuando como assistente de sua esposa artista era incomum na época. A organização atípica Fontana-Zappi foi observada por escritores modernos, alguns dos quais a viram como algo engraçado. Em um comentário que parecia zombar de Zappi, Malvasia afirmou que suas habilidades artísticas eram fracas e Fontana só o deixava ajudar a pintar roupas. Ele disse que Zappi estava feliz em ser um “alfaiate”, porque não tinha talento para a pintura –uma piada que se espalhou em Bolonha.
No entanto, a ideia de que Zappi pintava roupas para Fontana é questionável, considerando a atenção minuciosa que ela dava aos detalhes das roupas em seus retratos. Giulio Mancini sugeriu que o papel de Zappi no estúdio era gerenciar questões comerciais, o que seria mais adequado ao seu gênero e habilidades.
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Cleopatra, 1605. © Per gentile concessione della
Direzione Musei Statali della città di RomaGalleria.
PREPARAÇÃO PARA PINTURA
Dado seu tempo limitado, é compreensível que Fontana dedicasse um tempo significativo à preparação antes de começar a pintar. Isso incluía estudar obras de outros artistas, uma prática essencial em seu método. Ela se baseou em convenções artísticas de predecessores italianos, holandeses e flamengos, além de contemporâneos, como Bartolomeo Passarotti, um destacado retratista em Bolonha durante o início de sua carreira. A coleção de arte pessoal de seu pai proporcionou a ela um tesouro de gravuras, desenhos, emblemas e literatura para se inspirar. Desde cedo, Lavínia Fontana assimilou o estilo de mestres renascentistas como Rafael (1483-1520) e Michelangelo (14751564) por meio dessas obras em papel. Durante a vida de Fontana, encorajava-se que os artistas seguissem esses mestres como modelos.
Lavínia Fontana é a primeira artista de Bolonha de quem sobrevivem desenhos. Desenhar era uma parte crucial de sua prática, embora muitos de seus desenhos tenham se perdido. A maioria dos desenhos conhecidos de Fontana são estudos de cabeças, mas existem dois esboços completos – um para , preservado no Louvre, em Paris, e um recentemente descoberto para . Não está claro com que frequência Fontana fazia esses esboços preparatórios, mas eles fornecem percepçõe sobre seus métodos.
Pequenos detalhes da pintura muitas vezes divergem do esboço inicial de , mas o formato geral é reproduzido com precisão na obra final. Análises revelam que alguns detalhes omitidos na composição final estavam originalmente presentes nas etapas iniciais da pintura, sugerindo que Fontana transferiu o esboço completo para o suporte de cobre e o ajustou conforme trabalhava. As marcas de transferência e a grelha desenhada para auxiliar nas proporções indicam um processo metódico.
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The Wedding Feast at Cana. c.1575-80. © Digital Images Courtesy of the Getty's Open Content Programme.
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Portrait of Costanza Alidosi, c.1595. © National Museum of Women in the Arts, Washington, DC. Foto: Lee Stalsworth.
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PINTANDO RETRATOS
Evidências documentais também sugerem que Lavínia trabalhava com modelos vivos na criação de seus retratos. Em uma carta datada de 1591, do senador Camillo Paleotti para Vincenzo Gerio, um colecionador de Pistoia (sobre o desejo de Gerio de obter um retrato de Girolamo Mercuriale, um médico que já havia posado para Lavínia anteriormente), Paleotti escreveu que “implorou que o Sr. Mercuriale tivesse paciência mais uma vez, para que ela tivesse a mesma oportunidade de desenhá-lo; e agora isso está feito, porque ela já fez a efígie, e agora tudo o que falta é o ornamento da cor, que está quase pronto”. Paleotti oferece ao leitor uma visão passo a passo dos métodos de Fontana: primeiro, ela esboçava a semelhança do modelo, depois preenchia blocos de cor plana para criar uma “efígie” na forma do retratado e, finalmente, acrescentava mais cor e detalhes. Análises de , e sugerem que, na fase inicial de preencher blocos de cor e antes de prosseguir pintando as roupas dos retratados, Fontana deixava um espaço reservado para elementos específicos das composições dos retratos. Nesses exemplos, uma área era delimitada aos cachorros de colo das damas e para a pele de um animal que era colocada sobre os vestidos de uma das retratadas (na família Gozzadini). Fontana posteriormente aplicava os padrões decorativos das roupas das mulheres ao redor desses elementos, presumivelmente para minimizar o tempo gasto aplicando detalhes minuciosos aos tecidos suntuosos. Isso mostra que os padrões dos vestidos das retratadas não continuam sob as áreas onde os cachorros estão pintados. Isso também é evidente na superfície da família Gozzadini, onde a abrasão revela que os padrões intricados do sobretudo preto de Laudomia Gozzadini terminam assim que chegam ao animal que repousa sobre ele.
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Portrait of a Gentleman in Armour, late 1590s. © National Gallery of Ireland.
MATERIAIS
Os materiais de Lavínia eram convencionais para a época. Ela usava óleo sobre tela, mas também empregava cobre e painéis de madeira, especialmente para obras devocionais menores. O uso de cobre por Fontana em Bolonha foi pioneiro, provavelmente influenciado por Denys Calvaert, que introduziu esse suporte na cidade.
A maioria das obras sobreviventes é em tela, um suporte popular entre artistas italianos do final do século 16. A escolha de tela por Fontana variava desde linho fino de trama simples (como em , 1599, e , 1592) até tecido em sarja ( , c.1583 e , 1590), até tecidos mais complexos e padronizados, frequentemente descritos como “toalha de mesa”, em (1584) e (c.1595).
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À esquerda: Venus and Cupid, 1592. © Réunion des Musées Métropolitains Rouen
Normandie, Musée des Beaux-Arts. Abaixo: Assumption of the Virgin with Saints
Peter Chrysologus and Cassian, 1584. © Archivio Fotografico Musei Civici di Imola.
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APLICANDO A TINTA
Enquanto seus materiais eram convencionais, a maneira como Lavínia os usava, muitas vezes, era inovadora. Ela pintou em uma época de transição entre o Maneirismo e o Barroco, adequando-se rapidamente às novas tendências. Ela experimentou diferentes estilos e técnicas, adaptando sua abordagem ao gênero e estilo da pintura.
Por exemplo, em suas primeiras obras, ela usava pinceladas espessas e soltas, semelhantes ao estilo de seu pai. Ela também experimentou com a aplicação de tinta mais líquida e fina, especialmente em retratos. Em obras posteriores, ela retornou a pinceladas mais espessas e texturizadas. Sua abordagem à tinta era flexível e adaptável, refletindo sua busca constante por inovação.
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À esquerda: Child in a Cradle, c.1583. © Pinacoteca Nazionale di Bologna.
Abaixo: Scene of Sacrifice, 1592. © Archivio Fotografico Musei Civici di Imola.
Considere seu primeiro trabalho público independente, um retábulo representando a Assunção da Virgem com os santos Pedro Crisólogo e Cassiano, encomendado em 1583 pela cidade de Ímola. Ele foi executado em tinta espessa e opaca, aplicada em pinceladas pesadas e soltas de maneira reminiscente aos métodos de Próspero Fontana. A tinta de Lavínia parece mais fina e líquida em outras obras de datas similares, como e , nenhuma das quais exibe o tipo de empasto visível em muitas outras pinturas de Fontana. Anos depois, na década de 1590, ela retornou à tinta espessa e texturizada evidente na , em trabalhos como e
. Na mesma década, em obras como , ela voltou novamente a aplicar tinta com aglutinante mais líquido, com empasto rasos visível apenas em detalhes, demonstrando que a evolução de sua pincelada não era necessariamente linear. No entanto, em todas essas obras posteriores, Fontana utilizou camadas de tinta menos aparentes em suas pinturas anteriores, conferindo profundidade e riqueza às suas composições.
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Venus and Mars, c.1595. © 2023 Casa de Alba Foundation.
O que parece claro ao refletir sobre a técnica de Lavínia Fontana é que o espírito experimental com o qual ela frequentemente abordava seus temas se reflete em seus métodos de pintura. Enquanto seus primeiros anos claramente falam da prática do pai, Próspero, à medida que as décadas avançavam e a autonomia artística de Lavínia crescia, ela começou a experimentar novas maneiras de criar – abandonando parte do planejamento cuidadoso que ditava cada elemento de suas pinturas anteriores em favor de uma abordagem intuitiva que lhe proporcionava a liberdade de explorar cor e forma de uma maneira talvez não permitida a uma mulher mais jovem. Afinal, o sucesso de Lavínia era fundamental para a estabilidade financeira de sua família, então faz sentido que Próspero exercesse um controle considerável sobre a prática de sua filha em seus anos de formação, período em que ela também foi privada do tipo de exposição a técnicas experimentais disponíveis para seus colegas masculinos em estúdios e academias movimentados. O conhecimento especializado, o meio tradicional pelo qual obras de arte foram identificadas e classificadas, tendeu a se concentrar no chamado cânone artístico, que quase invariavelmente incluía apenas artistas do gênero masculino. Isso levou a uma apreciação limitada da extensão das habilidades técnicas e estilísticas de muitas artistas mulheres, e a uma compreensão mal definida de suas obras. Hoje, podemos nos afastar da concepção de Lavínia como uma figura uma vez descrita como “além da condição de seu gênero” e reenfocar nossa imagem de uma artista com habilidades “prodigiosas” na pintura.
LAVINIA FONTANA: THE WORKSHOP OF A WOMAN ARTIST • NATIONAL GALLERY OF IRELAND • 6/5 A 1/9/2023 96
Aoife Brady é curadora de arte italiana e espanhola e historiadora técnica de arte do National Gallery of Ireland.
Judith with the Head of Holofernes, 1600.
© Museo Davia Bargellini, Bologna, Italy.
WALMOR CORREA
Reflexo
A flor do bico do beija flor. © Walmor Correa. Foto: Murillo Mendes.
Diorama diurno.
© Walmor Correa.
Foto: Alvaro Dominguez.
FASCINADO PELA FLORA E FAUNA AMAZÔNICA, WALMOR
CORREA CONSTRUIU SUA POÉTICA A PARTIR DE QUESTIONAMENTOS E IMPRESSÕES SOBRE A NATUREZA, A
EVOLUÇÃO E A CIÊNCIA. TAMBÉM USA DE SABERES
POPULARES E MEDICINAS TRADICIONAIS COMO ROTEIROS
PARA FABULAR ALTERNATIVAS À APARÊNCIA E AO
FUNCIONAMENTO DAS PLANTAS E ANIMAIS. O ARTISTA FALOU
À DASARTES SOBRE SUAS CRIAÇÕES NOS ÚLTIMOS 20 ANOS
POR WALMOR CORREA
“E se o Curupira, comentado por José de Anchieta, em carta de 1560, realmente existisse? E se o Ipupiara, cerne de longa descrição de Fernão Cardim, de fato vivesse nas matas baianas? E se o Capelobo, tão presente em falas de ribeirinhos amazônicos, fosse o responsável pelo desaparecimento de cães e gatos recém-nascidos? A ciência diz que esses animais são quimeras, mas múltiplos relatos sugerem o contrário. Em 2005, tal como um criptozoólogo, desenvolvi a série , realizando a dissecação gráfica de cinco seres do imaginário popular brasileiro. Além dos já citados, voltei-me à Cachorra da Palmeira, um mito alagoano, e à Ondina. Ao explorar a tradição do desenho taxonômico e criar um texto cientificamente persuasivo, procurei asseverar a existência desses híbridos. O , nesse sentido, assume papel especial: evoca uma ferramenta pedagógica que ajudou a formar gerações, questiona o que nos foi ensinado e pleiteia, para os bancos escolares, o lugar da fantasia.”
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Atlas de anatomia: Ondina (Série Unheimlich), 2005. © Walmor Correa.
Mapeamento cognitivo, Carlos Drummond, 2005. © Walmor Correa. Foto: Millard Schisler.
“Vivendo no Brasil entre 1880 e 1920, o naturalista alemão Hermann von Ihering (1850-1930) trabalhou no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, além de ter sido o primeiro diretor do Museu Paulista, dando-lhe um perfil, naquele momento, voltado à História Natural. Fazendo observações sobre diversos animais, seus artigos “corrigem” trabalhos de cientistas anteriores, ao mesmo tempo em que descrevem novas espécies; todavia, quando lemos esses textos atentamente, percebemos que eles são atravessados por inconsistências. O naturalista apresenta andorinhas que hibernam, tatus com caudas muito curtas e comportamentos que hoje sabemos incompatíveis com os animais que ele estudou. A (2009) trata disso: ao lado dos textos de Ihering, estão as minhas imagens, que buscam manter absoluta fidelidade ao que está descrito. O resultado visual, contudo, escancara os desacertos do cientista, no diapasão entre realidade e ficção.”
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Biblioteca dos enganos, 2009. © Walmor Correa.
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“Em 2014, contemplado pela Fundação Smithsonian, fiz residência artística no Museu de História Natural de Washington (EUA). Eu procurava informações sobre a ave conhecida popularmente como e muito comum no Sul do Brasil. Pesquisando pássaros brasileiros preservados na instituição, encontrei uma , mas que trazia alguns equívocos em seus registros, o que inviabilizaria, inclusive, a sua localização pelos ornitólogos. Aos meus olhos, aquele espécime depositado em uma das
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Sporophila beltoni, 2014. © Walmor Correa.
incontáveis gavetas do museu era, metaforicamente, um brasileiro expatriado, um indigente em vala comum. Essa percepção me motivou a desenvolver um processo de reconhecimento civil da ave, que ganhou documentos como passaporte e carteira de identidade, a partir dos quais ela poderia narrar sua história e sugestionar, quem sabe, a conjuntura de milhares de imigrantes ilegais, notadamente brasileiros e latinoamericanos, que vivem nos Estados Unidos à margem, em exílio.”
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“Foi no mercado Ver-o-Peso, em Belém do Pará, que iniciei, em 2019, o trabalho de campo que embasa o projeto
Meu objetivo era investigar as crenças em torno das propriedades alucinógenas, afrodisíacas e energéticas de algumas plantas. Entrevistei diversas “erveiras”, bem como profissionais da Embrapa, que confirmaram a sabedoria popular: muitas ervas têm, sim, poderosas substâncias químicas com efeitos farmacológicos, que estão na origem dos nomes pelos quais são conhecidas vulgarmente; outras parecem conquistar, entre o público, propriedades especiais, em vista de suas formas e do que elas evocam. É o caso de algumas plantas do gênero , como a “Espada-deSão-Jorge” e o “Punhal-de-Santa-Bárbara”, que garantiriam amparo contra energias negativas e mau-olhado. Em minha pesquisa, dilato o sentido dos nomes dessas espécies, fazendo de suas folhas rígidas as lâminas imaginárias de artefatos de luta e proteção espiritual.”
“ 110
O gosto do vivo, 2023.© Regina Parra.
”
104 Espada-de-São-Jorge
e Punhal-de-Santa-Bárbara, 2019. © Walmor Correa.
Quero quero vinho. © Walmor Correa.
Foto: Murillo Mendes
“As denominações populares nascem, em grande medida, da observação e da comparação com o que se conhece, ou a partir da associação com lendas do folclore nacional. A flor da bananeira, por exemplo, roxa, pendular, grandiosa e em forma de cone, é chamada habitualmente de “coração da bananeira”. Há uma imagem muito bonita e sugestiva por trás dessa expressão e resolvi, de modo poético, dar-lhe forma. A escultura integra o herbário fantástico da série , iniciada em 2019, na qual analisei e subverti mais de 90 espécies da admirável biodiversidade de nosso País.”
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Coração da bananeira, 2019. © Walmor Correa.
Resenhas
ELISA BRACHER: FORMAS VIVAS
POR JOÃO ANDRADE
O espaço guarda a promessa da transformação. Em uma ode à transcendência dos sentidos, os ritmos e nuances dos contornos dados revelam que aquele lugar fora aberto à experimentação da matéria, do abraço à natureza intocada que, pelo toque e criação da artista, se revelam na sinfonia cujas notas, o peso, o equilíbrio, a composição e o percurso, tão delineados em sua produção, revelam sua mais bela trajetória sensorial. No andar superior da Estação Pinacoteca, onde são realizadas mostras de grandes instalações, a exposição da artista Elisa Bracher (São Paulo-SP, 1965) procura inserir a desconstrução dos usos do próprio espaço. Com curadoria de Pollyana Quintella, as obras foram feitas especialmente para aquele espaço. Desenhadas, medidas e instaladas para que as galerias pudessem ser transformadas em tais ambientes. Cortadas, ocupadas e ressignificadas. No que há de belo na imagem do todo criada por Bracher está o convite ao percurso, ao delineamento do corpo diante dos objetos.
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Ao passo que escrevo, busco revisitar as sensações que meu corpo tomou ao percorrer os espaços. No primeiro deles, uma grande instalação composta por um círculo de restos de madeira que vieram de construções rurais, além de antigas esculturas. O visitante observa o que surge como um círculo ritualístico, mas se torna mais como uma ruína abandonada por homens em sua sede de devastação. Fotografias em preto e branco revelam uma densa vegetação. São pregadas ao redor da instalação nas paredes. Foram tiradas em São Bento do Sapucaí, município situado na serra da Mantiqueira. Os nossos olhos logo são tirados da devastação e são friccionados ali com a natureza intocada, do breu da vida onde habita uma biodiversidade dançante, do escuro da Mata Atlântica. Os padrões dos tipos de folhagens, da mata virgem, são contrapontos às madeiras que resistem, mesmo tendo sido tornadas restos e não mais raízes do solo. Habitam ainda, mesmo apartadas do breu da vida. Nas imagens das fotografias, suas companheiras se contorcem no alto, repletas de folhas, saltitantes em um baile, pujantes e monumentais. No museu, os restos de madeira, em sua matéria alterada, habitam outra existência.
Meu corpo toma o sentido à direita da galeria dos troncos de árvores e segue para a segunda imensa galeria, que soa vazia. Comparada a outras instalações e mostras feitas anteriormente no espaço, as obras não tocam o chão. Duas delas estão suspensas no teto e outra é reproduzida em uma grande projeção na parede. Sons de pianos, flautas e percussão surgem ao fundo, feitos pelos artistas Rodrigo Felícissimo e Shen Ribeiro. Sobre um papel envernizado, surgem traços de giz, óleo de linhaça, pigmentos, bastão oleoso, além de tinta para gravura em metal em uma fileira de trabalhos que são postos em sequência no alto. Postas em um varal de barras de ferro, seu propósito vai além da solução expográfica: ela, tempos antes, auxiliou de fato na secagem dos desenhos em grandes dimensões. De baixo, nossos olhos captam a beleza dos traços ou, ao menos, o máximo que podemos de uma proximidade de um papel ao outro. O vídeo registra um líquido que sai e se esparrama em cores. Um líquido colorido, mas não tão saturado, suave. A feminilidade é um traço marcante dessa etapa da exposição. Há uma ode às transformações do corpo da mulher.
Ao caminharmos para a última galeria, erguem-se diante do visitante enormes chapas de chumbo. Sua forma e seu aspecto nos dão a sensação de que flutuam e não têm o peso que denunciam em sua matéria. Os lençóis que parecem voar permanecem erigidos sob o chão. Os aspectos retorcidos, de retalhos suaves, são sustentados por cabos de aço, onde Elisa Bracher busca tornar maleável e assim criar a textura e plasticidade da obra. Ao caminhar por entre os “lençóis de chumbo”, como quem atravessa um amplo quintal de casa antiga onde os
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corpos se movimentam por entre os lençóis de pano, vemo-nos diante de um piano de cauda. Brilhando em sua cor preta, ela realça a imponência de sua imagem. As janelas abertas para a luz do sol revelam a estação da Luz, o parque e as ruas ao redor. De tempos em tempos, há apresentações de pianistas nessa galeria que ecoam sobre toda a exposição. Uma nota final para uma exposição cuja proposta está na transformação do espaço e no poder que a artista paulistana configura ao utilizá-lo.
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Um ponto que une as visões de diversos críticos e curadores que se debruçam no labor da artista é a ressignificação da matéria e a percepção do manuseio nítido na obra. Autor de um texto crítico em um livro sobre Bracher, publicado em 1998, pela editora Cosac & Naify, Rodrigo Naves diz que “há nessas obras uma tensão entre contenção e extravasamento, entre regularidade e instabilidade, que é o elemento fundamental de suas esculturas. Elas retiram sua força de [...] certo desequilíbrio. São feitos alguns encaixes, mas não ocorre entre as peças um acoplamento sereno. À medida que se contornam suas obras, tem-se a impressão de um permanente reequilíbrio e de um movimento inesperado e original.”
Tendo a matéria como seu principal objeto de trabalho, Elisa Bracher circunda os espaços com sua interferência sobre ela. Ao moldá-la, distorcê-la e recriá-la. Em sua exposição na Estação Pinacoteca, as possibilidades se abrem ao permitir que diversas fases de sua produção se encontrem casualmente. Em outros momentos, como na imensa sala de onde lençóis de chumbo flutuam em nossa imaginação ao som de um pianista que conduz uma onda sonora, a experiência sensorial ganha volume.
Aqueles que já visitaram o Instituto Çaré (ligado a outra organização sem fins lucrativos fundada pela artista, o Instituto Acaia, na Vila Leopoldina), podem observar, além de objetos do espaço que foi seu ateliê, diversos instrumentos musicais no espaço interno, inclusive um piano. O som que reverbera na exposição da Pina Estação permeia o aspecto físico de suas obras, as delicadas formas e o cuidado com todo o ambiente ao seu redor.
ELISA BRACHER: FORMAS VIVAS • EDIFÍCIO PINA ESTAÇÃO • 1/4 A 17/9/2023 124
João Henrique Andrade é técnico em museologia, curadoria e montagem de exposições pela EAV Parque Lage, Rio de Janeiro.
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