Revista Dasartes 136

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DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin EDIÇÃO . REDAÇÃO André Fabro andre@dasartes.com MÍDIAS SOCIAIS . IMPRENSA Leandro Fazolla dasartes@dasartes.com DESIGNER Moiré Art moire@moire.com.br

Capa: , OOPS!, 2019. Courtesy the artist and Sadie Coles HQ, London. © Sarah Lucas. Foto: Robert Glowacki.

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ALEX ČERVENÝ 12

KEITH HARING 28

6 Agenda

SUZANNE VALADON 46

8 De Arte a Z

110 Coluna do meio

ANA HOLCK 72

SARAH LUCAS 88


,

Agenda

é uma homenagem à artista gaúcha Rochelle Costi, nome fundamental da arte contemporânea que contribuiu com a formação de muitos artistas e colaborou de maneira muito transformadora com o Solar dos Abacaxis. Ao longo de três décadas, Rochelle Costi desenvolveu continuamente um de seus trabalhos mais significativos, (1993-2022). Ela reuniu gradativamente mais de 200 objetos representando corações, trazidos de viagens, encontrados por acaso ou recebidos como presentes. Esta coleção ocupava a parede atrás de sua cama, sendo representativa de duas dimensões 6

primordiais de sua prática: a intimidade e a afetividade. Para ritualizar o marco de um ano de sua passagem, o Solar dos Abacaxis organiza essa exposição que é também uma cerimônia coletiva de luto e celebração, convidando artistas a criarem corações em homenagem à artista, incluindo peças de Rosângela Rennó, João Modé, Marcius Galan, Orlando Maneschy e Paula Trope.

CORAÇÕES À DESMEDIDA • SOLAR DOS ABACAXIS • RIO DE JANEIRO • 18/11 A 9/12/2023



de arte

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AZ

ARQUEOLOGIA • Uma nova pesquisa sugere que a natureza ajudou a moldar a Grande Esfinge de Gizé. Em experiências, cientistas do Laboratório de Matemática Aplicada da Universidade de Nova York replicaram as condições ambientais do nordeste do Egito por volta de 2.500 a.C., durante a construção da esfinge. Os pesquisadores descobriram que a erosão eólica pode ter contribuído para a formação do icônico monumento.

PELO MUNDO • Exposição do projeto

de arte ativista da organização palestina Artists and Allies of Hebron foi nomeada como um dos 30 eventos colaterais oficiais para a 60ª Bienal de Veneza, que abre ao público de 20 de abril a 24 de novembro de 2024. Nesta edição, a curadoria é de Adriano Pedrosa, curador e diretor do MASP, sob o tema Estrangeiros por todo o lado.

CURIOSIDADES • Um plano de Veneza para restaurar um mural de Banksy danificado pela água irrita artistas locais. O Ministério da Cultura italiano anunciou os planos de restauração do mural A Criança Migrante, pintado em 2019, do lado de fora de um palácio veneziano no bairro Dorsoduro Sestiere. Os artistas dizem que a criação de Banksy à beira-mar não foi feita para durar e restaurá-lo vai contra a corrente e que o artista deveria ser consultado. 8


BIENAIS I • Fiel ao objetivo de ser uma bienal diferente, a BIENALSUR, a ser realizada em mais de 28 países e mais de 70 cidades, segue reivindicando o direito à cultura e à diversidade, com exposições e ações focadas em questões ambientais, perspectiva de gênero, construção de narrativas e democracia. A mostra reúne obras de artistas do Brasil, Argentina, Uruguai, Espanha, França e Arábia Saudita. No Brasil, o CCBB São Paulo recebe a mostra até 28 de janeiro de 2024.

BIENAIS II • Entre 15 de dezembro de 2023 e 15 de junho de 2024 acontece a 2ª Bienal Internacional de Cerâmica de Jingdezhen, na China. O foco é a produção de cerâmica na América Latina. E, neste contexto, o Brasil é convidado de honra apresentando a mostra Cerâmica no Brasil – Do ancestral ao contemporâneo, com curadoria de Tereza de Arruda. As influências afro, indígena e europeia estão presentes, acompanhadas de elementos contemporâneos pertencentes ao universo cultural e histórico da cosmologia brasileira.

• DISSE TRACEY EMIN, ao ser nomeada conselheira do Museu Britânico. O anúncio feito em 15 de novembro considera que a artista inglesa será a primeira mulher Acadêmica Real nomeada para o cargo na história do Museu. 9


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Livros

ficcionaliza a vida contemporânea de maneira original: o "autor" é o desenhista, e seus grafites, a base para a composição de textos inspirados no universo do artista. O objetivo da publicação é criar diálogos entre a literatura e a arte urbana e experimentar as histórias que um "desenho" pode suscitar. Além de transportar o grafite - arte efêmera por natureza - e as narrativas que ele conta sobre as cidades e sobre a própria história do Brasil para um suporte que sobrevive aos séculos, o livro. LITERA-RUA POÉTICAS INSPIRADAS NOS GRAFITES DE PAULO ITO • 100 páginas • Editacuja Editora • R$ 70

Sua história, seus amigos de profissão, seu processo artístico, suas influências e suas visões de mundo são o fio condutor da obra, que o artista de rua Speto se propõe a traduzir em livro o sentimento de aventura, de urgência e de realização que moveu a primeira geração do graffiti brasileiro. Na primeira parte, o livro discorre sobre o graffiti que surge nas ruas de São Paulo a partir de 1985 (e o punk, e o skate, e o break, e o Hip Hop...) e aborda o contexto histórico e os desafios daquela época. SPETO: GERAÇÃO PERDIDA • Texto Pedro Tinoco • Arte Ensaio Editora • 208 páginas • R$ 120,00

Com organização e direção editorial do crítico e curador Paulo Herkenhoff e do artista visual e designer gráfico Fernando Leite, é o segundo volume bilíngue da coleção Rio XXI, desenvolvida pela FGV Conhecimento. A nova publicação relaciona as três gerações precursoras dos movimentos atuais [a quarta geração construtiva] e suas formas de gerar o raciocínio construtivo nas artes visuais brasileiras. RIO XXI VERTENTES CONSTRUTIVAS • Editora FGV Arte • 288 páginas • R$ 160,00 10



ALEX

Alto Relevo


Meu paraguai. © Alex Červený, cortesia Pinacoteca de São Paulo. Foto: Isabela Matheus.

ČERVENÝ


O TRABALHO DE ALEX ČERVENÝ FAZ ANALOGIAS A UM MUNDO FANTÁSTICO DE MISTURAS ENTRE PERSONAGENS BÍBLICOS E MITOLÓGICOS, FAUNA, FLORA E PAISAGENS SURREALISTAS. SUA EXPOSIÇÃO PANORÂMICA, NA PINACOTECA DE SÃO PAULO, REUNE OBRAS DOS MAIS DE 40 ANOS DE CARREIRA DO ARTISTA E NOS FAZ VIAJAR POR SEU UNIVERSO ICONOGRÁFICO ÚNICO

POR JOÃO HENRIQUE ANDRADE

. Ao observar tudo o que nos envolve, Alex Červený, artista e ilustrador nascido em São Paulo, com uma respeitável trajetória no meio das artes, guarda em sua mente todos os traços dos acontecimentos da existência. Parte do que se debruça a ler, do que se estende em vivenciar, aos seus sonhos, sejam esses os durante a vigília, sejam os em seu repouso. O termo em latim “capturar o mundo”, com o qual inicio este texto, é uma expressão que abarca sua jornada. A arte é um instrumento para que possa delinear e abarcar o mundo em suas minúcias. Inicialmente, na figura de suas ações ou contemplações, as representações figurativas de suas pinturas e esculturas de bronze são formatadas para se inserirem em posições estabelecidas navegando pela subjetividade do que se definirá presente no entorno do desenho ou do espaço. Aos poucos, quando a pintura ganha forma, o que se vê são vastos territórios em que o olhar parece ser conduzido para longas distâncias. A vastidão então é ocupada pelo artista com escritas que enumeram as mais infindáveis listas de coisas que habitam seus pensamentos e os nossos, por conseguinte, e transcreve versos, poesias e dizeres populares que podem habitar desde as mais remotas inscrições feitas pelo homem, até o que pode ter ocorrido em uma notícia recente publicada e lida pelo artista. 14

Aquífera, 2021. © Alex Červený, cortesia Pinacoteca de São Paulo. Foto: Ding Musa.

MIRABILIA



Terceira Margem, 2022. © Alex Červený, cortesia Pinacoteca de São Paulo. Foto: Ana Pigosso.

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. Este é o título da exposição individual do artista na Estação Pinacoteca com curadoria de Renato Menezes, que foi recentemente aberta com a presença de diversas produções de sua trajetória, desde trabalhos seus dos anos 1980 até obras feitas especialmente para a mostra. O título em latim veio a se ramificar na língua portuguesa em palavras como milagre, miragem e maravilha, conforme traz o texto curatorial. O termo também registra os efeitos interiores e exteriores associados à visão e aos seus impactos que se dão na imaginação humana. Contemplar a natureza no que há de mais transcendental. Admirar a beleza dada pelos corpos de homens e mulheres. Encantar-se por reflexos contidos em retratos do mundo feitos em obras de arte. O que habita as pinturas de Červený são alegorias carnavalescas, espetáculos circenses de grande euforia (o próprio artista na década de 1980 integrou a Academia Piolin de Artes Circenses, e, em seguida, o Circo Escola Picadeiro), cartografias de uma arqueologia de tempo e espaço. Ao inventariar letras de canções, discos, novelas, filmes, lugares, livros, poesias, nomes, planetas e tudo o que possa existir, o artista produz um labirinto, um trabalho hercúleo de preencher uma pintura com descrições sobre uma produção de conhecimento que não se acaba. Se em Arthur Bispo do Rosário, as inscrições sobre objetos davam conta do que havia no mundo como um inventário do que a humanidade fez e realizou para um novo tempo a surgir, Červený descreve todas as coisas que já ocorreram como um dispositivo de sua memória para esse tempo, com afeto e olhar crítico, sem deixar de transparecer bom humor e ironia.

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Quem não chora não mama. © Alex Červený. Foto: Isabella Matheus.


Guanabara. Céu azul horizontalmente em tons dégradés de paleta forte no topo até ganhar tons esbranquiçados no horizonte próximo ao meio da pintura. Nas laterais, há relevos sinuosos marcantes na paisagem do Rio de Janeiro e, sob o fio de céu branco para baixo até a extremidade da pintura, tons azulados marcantes e saturados e, de repente, o completo escuro na derradeira parte de baixo da pintura. Estamos no oceano vivo e pulsante. Ilhas solitárias circundam o mar com mais vegetações. No cume, seres humanos nus, uns com os braços erguidos para o alto, um mais distante se manteve com eles abaixados. Em uma das ilhas, um coelho de pé com os bracinhos erguidos imitando os humanos. “Quando eu penso na Bahia. Elizabeth Cardoso Cyro Monteiro”, lê-se na pintura dentre as muitas inscrições contidas sob o extenso céu, essa do lado esquerdo no alto logo abaixo do título da obra tomando todo o alto, a palavra em destaque: guanabara, que abre este parágrafo. O termo tem a , sua origem no tupi guarani que significa seio-mar. Foi também um Estado do Brasil, de 1960 a 1975, que existiu no território correspondente à atual localização do município do Rio de Janeiro. Em sua área, esteve situado o antigo Distrito Federal. Voltando à pintura a óleo sobre tela de 2011, vemos desenhos de olhos abertos, chamas que caem, rostos que se olham e soltam o que parecem ser nuvens. Um desenho de um corpo dissecado e aberto por dentro. Também no alto, quatro pessoas nuas, com braços presos e amarrados, parecem sofrer algum tipo de punição. O virtuoso artista arremata uma obra aqui, dentre as muitas presentes na exposição, com a capacidade de nos deixar admirados pelo labor, mas, para além disso, pelas muitas 20


Glossário dos nomes próprios, 2015. © Alex Červený, cortesia Pinacoteca de São Paulo. Foto: Ding Musa.

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© Alex Červený, cortesia Pinacoteca de São Paulo. Foto: Renato Parada.

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camadas sobre a imagem que produz. A leitura de suas obras requer cuidado e dedicação, dois fatores que serão muito bem recompensados aos que dedicarem tempo diante de suas criações. Outros destaques aqui são duas pinturas panorâmicas realizadas para a mostra na Estação Pinacoteca: Para Cándido López e Luz Del Fuego, ambas deste ano, além de obras em azulejos, cerâmicas policromadas e gravuras. . Termo derivado do tupi-guarani cujo significado é . Ao percorrer o espaço expositivo com a devida atenção, é possível perceber o quão oníricas são as produções de Alex Červený. O surrealismo surge como ponte de suas proposições, dos corpos definidos por suas silhuetas e expressões que ecoam uma arte dita popular brasileira. Surgem seres antropomorfos e bem delineados que evidenciam um expressivo erotismo. Sejam em telas, sejam em azulejos ou outros suportes, os pincéis criam movimentos cirúrgicos, os desenhos beiram o perfeccionismo. O deslumbre em suas obras está na aproximação do indivíduo para com o que se vê, seja diante de uma tela pequena, seja diante de uma grande tela. Foram mais de cem trabalhos escolhidos para a mostra, localizada no segundo andar da Estação Pinacoteca. Com o passar das décadas, tornou-se também um notório ilustrador em colunas dos jornalistas Carlos Heitor Cony, Joyce Pascowitch e Barbara , além de Gancia para a estar presente em diversas capas de livros, tais como os do escritor angolano José Eduardo Agualusa, publicados no Brasil pela Tusquets, selo da editora Planeta dos Livros.

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Para além do bem e do mal, 2015. © Alex Červený.



© Alex Červený, cortesia Pinacoteca de São Paulo. Foto: Ding Musa.

Aos leitores, muitos já conheciam de sua produção através desses espaços. Alex Červený revela nessa exposição individual mais uma continuidade linear de sua maestria do que uma grande evolução propriamente, com o passar dos anos. Sob um caráter de retrospectiva, mas embaralhada acertadamente em seus períodos de produção, a visita permite observar o rigor e a grandiloquência de sua genialidade ao inscrever e assim emular algo tradicional na história da arte: onde os sonhos do mundo habitam, restanos registrá-los.

João Henrique Andrade é técnico em museologia, curadoria e montagem de exposições pela EAV Parque Lage.

ALEX ČERVENÝ: MIRABILIA • PINACOTECA ESTAÇÃO • SÃO PAULO • 16/9/2023 A 10/3/2024

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Do Mundo

Keith Haring


Untitled, 1985. © Keith Haring Foundation, The Broad Art Foundation.


QUARENTA ANOS DEPOIS, A ARTE DE KEITH HARING CONTINUA A GANHAR RECONHECIMENTO MUNDIAL, QUEBRANDO BARREIRAS E ESPALHANDO ALEGRIA, AO MESMO TEMPO EM QUE ILUMINA QUESTÕES COMPLEXAS QUE PERMANECEM CRUCIAIS HOJE EM DIA – DESDE O CAPITALISMO E A PROLIFERAÇÃO DE NOVAS TECNOLOGIAS ATÉ À SEXUALIDADE E À RAÇA. A PRIMEIRA EXPOSIÇÃO DO TRABALHO DE HARING EM UM MUSEU EM LOS ANGELES CAPTURA TODO O ARCO DE SUA EXPANSIVA PRÁTICA

POR SARAH LOYER

Nascido em 1958, Haring cresceu em Kutztown, Pensilvânia, onde o pai, Allen, o ensinou a fazer desenhos de Walt Disney. Mudou-se para Nova York, em 1978, para se matricular na Escola de Artes Visuais (SVA). Em Nova York, ele abraçou sua homossexualidade, que moldou sua visão de mundo e prática artística. A cidade pulsava com energia com o surgimento do , da arte do Graffiti e de uma cena noturna ativa. Em espaços alternativos, como Club 57 e Paradise Garage, Haring desenvolveu seu estilo visual ao lado dos artistas Kenny Scharf e Jean-Michel Basquiat, das performers Grace Jones e Madonna, entre muitos outros. Haring ultrapassou limites, criando fora dos espaços artísticos tradicionais. Ele fez desenhos a giz em estações de metrô de Nova York e murais em todo o mundo, trabalhou com jovens, colaborou frequentemente em diversas disciplinas e assumiu projetos comerciais. As obras públicas de Haring foram muitas vezes feitas ilicitamente, e o imediatismo dinâmico é uma marca registrada de seu estilo. Ao mesmo tempo, Haring ganhou atenção internacional de colecionadores, exibindo sua arte em galerias e museus. 30

Untitled, 19888. © Keith Haring Foundation.

ARTE É PARA TODOS



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O ativismo de Haring foi fundamental para a sua prática. Ele usou suas imagens e celebridade para protestar contra o na África do Sul, aumentar a conscientização sobre a epidemia de e a crise da AIDS e apoiar causas que vão do desarmamento nuclear à Unicef. Em fevereiro de 1990, Haring morreu de complicações relacionadas à AIDS aos 31 anos. Em sua curta, mas prolífica carreira, Haring produziu um notável volume de trabalho orientado pela crença inabalável de que a arte é essencial para criar um mundo melhor, de fato: A arte é para todos. rap spray

breakdance

hiphop scratch rap breakdance boogie break

hip-hop. (

1989) À esquerda: Untitled, 1982 e Untitled, 1982. © Keith Haring Foundation.

Em seus primeiros trabalhos, a sexualidade era frequentemente explicitada. Seus símbolos mais conhecidos do bebê radiante e do cachorro latindo surgiram ao lado de figuras envolvidas em sexo anal sendo eletrocutadas por discos voadores e com pênis eretos radiantes. Naquela época, ele refletia: “… Fiquei feliz, porque de repente descobri que minha arte estava florescendo, assim como minha sexualidade e as oportunidades pareciam próximas”.

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Em novembro de 1978, Haring participou da Nova Convention, um simpósio em homenagem ao poeta William S. Burroughs. Grandemente influenciado pelo evento, Haring se afastou do desenho e da pintura e começou a experimentar a linguagem, principalmente por meio do vídeo e da performance. A técnica de “corte” de Burroughs e Gysin para quebrar a linguagem, descrita em seu livro , inspirou o estilo artístico de Haring. Este traduziu essa prática linguística para uma prática visual, desenvolvendo uma série de pictogramas que se repetem em diferentes combinações para produzir um significado novo e em 34

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Red Room, 1988. © Keith Haring Foundation, courtesy of The Broad Art Foundation.

constante evolução e uma comunicação expansiva e inclusiva. O desenvolvimento de uma linguagem visual por Haring também foi informado por sua compreensão da semiótica, o estudo dos signos, na qual ele teve aulas na SVA.)

(Keith Haring, 1979)

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1982)

À esquerda: Untitled, 1983. © Keith Haring Foundation , Courtesy of Edward Tyler Nahem.

O trabalho de Haring foi impulsionado pela visão utópica de atingir um público amplo e provocar mudanças. Na altura, a eleição de Ronald Reagan, em 1981, marcou o início de uma virada conservadora na política dos EUA. Haring estava ciente dessas mudanças sociais, embora seus escritos e declarações sobre seu privilégio fossem escassos. Ele foi um artista branco que utilizou referências não ocidentais, indígenas e pré-modernas – de esculturas totêmicas a formas maias e hieróglifos egípcios. Embora Haring tenha produzido sua obra a partir de uma posição de resistência ao conservadorismo do país, a questão da apropriação cultural na simbologia do artista é hoje óbvia. Apesar da complexidade de sua posição, Haring aplicou sua linha com confiança em mídias e escalas, de pinturas em lona a pôsteres e características arquitetônicas como as portas embelezadas com desenhos de cobras. Ao chegar a Nova York, Haring ficou imediatamente intrigado e inspirado pelos grafites que viu nas ruas e no metrô. Ele admirava profundamente as formas e linhas . No feitas pelos grafiteiros com tinta , na Times Square, em 1980, Haring expôs ao lado dos infames grafiteiros Fab Five Freddy (Fred Brathwaite) e Lee Quiñones, que se tornaram amigos e apresentaram Haring a outros grafiteiros. Naquele verão, Haring conheceu LA II (Angel Ortiz), de 13 anos, depois de notar sua assinatura por toda a cidade. Eles começaram a colaborar, combinando suas linhas distintas em pinturas e esculturas.

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Untitled, 1985. © Keith Haring Foundation, The Broad Art Foundation.


À direita: With LA II (Angel Ortiz) Statue of Liberty, 1982. © Keith Haring Foundation , courtesy of Rubell Museum. 40

Em 1982, com LA II, Haring teve sua primeira grande exposição na Tony Shafrazi Gallery, na Mercer Street, no Soho. O subsolo da galeria foi transformado com pintura de listras nas paredes, exposição de trabalhos feitos com tinta Day-Glo e iluminação do espaço com luz ultravioleta. Apresentou uma densa variedade de obras de arte abrangendo vários meios, mas resistiu em fazer pinturas em tela: muitas de suas obras mais célebres são pintadas em lonas reforçadas com ilhós, do tipo que você encontra em uma loja de ferragens, como forma de contornar materiais tradicionais da arte. A exposição foi inaugurada alguns meses depois de Haring pintar um mural icônico na esquina da Houston Street com a Bowery, a poucos quarteirões da galeria, que incluía rostos de três olhos cor-de-rosa verdes brilhante, dançarinos de girando sobre suas cabeças e o símbolo nuclear – imagens que também apareceram nas obras da mostra. Quatro anos depois de chegar a Nova York, a cidade estava saturada de ícones de Haring, que se repetiam em suas pinturas, desenhos de metrô, murais públicos, e cartazes.

1984)


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“ ”

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Algumas obras de Haring abordam temas de mortalidade, espiritualidade e moralidade. As cruzes são frequentemente descritas como figuras perfurantes de armas e empunhadas como ferramentas de opressão. Haring usou a iconografia cristã de forma subversiva para comentar questões sociais e políticas e para expressar a hipocrisia da direita cristã, que desempenhou um grande papel na retórica da época, à medida que os líderes religiosos contra os preservativos e a educação faziam sobre o sexo seguro e o Vaticano mantinha uma firme posição antigay, posição além da então crescente epidemia de AIDS. Em seu trabalho, Haring frequentemente abordava a ansiedade de viver durante a corrida armamentista nuclear da Guerra Fria. O símbolo atômico e a nuvem em forma de cogumelo aparecem regularmente nas imagens de Haring, e ele notou a semelhança das formas de suas esculturas de vasos com as torres de resfriamento nuclear. Participou de um comício pelo desarmamento nuclear no Central Park, em 1982, distribuindo 20 mil cartazes que publicou por conta própria. Em 1986, ele pintou uma parte do lado ocidental do Muro de Berlim, perto da famosa passagem dos Aliados, Checkpoint Charlie, que ele descreveu como “uma tentativa de destruir psicologicamente o muro pintando-o”. Ele também visitou o Japão, testemunhando os terríveis resultados da guerra nuclear usada em Hiroshima e Nagasaki em uma série de desenhos a tinta de 1984.

Untitled, 1981. © Keith Haring Foundation.

1986) 43


À medida que a epidemia de AIDS crescia no final da década de 1980, Haring usou suas imagens e celebridade para consciencializar para o assunto. Muitas obras de arte desse período abordam doenças e mortalidade. Haring colaborou com outros ativistas e organizações que divulgam informações sobre como o HIV se espalha, promovem o sexo seguro e fornecem ajuda para pessoas afetadas. A AIDS Coalition to Unleash Power (ACT UP) foi uma organização que Haring apoiou financeiramente e de forma ativa, pela criação de cartazes e folhetos que refletissem sua mensagem. Em 1988, Haring foi diagnosticado com AIDS. Logo depois, ele criou a Fundação Keith Haring para continuar seu legado artístico e com o intuito de fornecer financiamento a organizações contra a AIDS para a educação, pesquisa e cuidados, bem como a grupos que trabalharam com crianças e comunidades marginalizadas.

Sarah Loyer é curadora e gerente de exposições do museu The Broad, em Los Angeles, California.

KEITH HARING: ART IS FOR EVERYBODY • THE BROAD • LOS ANGELES • 27/5 A 8/10/2023 • ART GALLERY OF ONTARIO • TORONTO • 11/11/2023 A 17/3/2024 44

Stop AIDS, 1989. © Keith Haring Foundation.

O trabalho é tudo que tenho e a arte é mais importante que a vida. 1987)



Catherine nue allongée sur une peau de panthère, 1923. Foto: © Hadiye Cangokce.

Flashback


Suzanne

Valadon


INICIANDO COMO MODELO PARA RENOIR, SUZANNE VALADON TAMBÉM FOI UMA ARTISTA SINGULAR. ATÉ AGORA, SUA OBRA FOI POUCO ANALISADA, EM PARTE DEVIDO À SUA INDEPENDÊNCIA DAS VANGUARDAS ARTÍSTICAS E À SUA ASSOCIAÇÃO COM MAURICE UTRILLO E ANDRÉ UTTER, FORMANDO O CHAMADO “TRIO INFERNAL”. UMA NOVA RETROSPECTIVA APRESENTA INTERPRETAÇÕES DE SEU TRABALHO, EXPLORANDO QUESTÕES RELEVANTES PARA NOSSA SOCIEDADE ATUAL

POR CHIARA PARISI

, explicou a .

Suzanne Valadon nasceu em 23 de setembro de 1865 como Marie-Clémentine Valadon, em Bessinessur-Gartempe, no departamento francês de Haute-Vienne. Em 1866, mudou-se com sua mãe para Paris, no bairro de Montmartre, onde a mãe trabalhava como empregada doméstica e depois como lavadeira. Em 1870, foi enviada para Nantes para ficar com sua meia-irmã, de onde acompanhou de longe os tumultos da Comuna de Paris. Em 1873, fez seus primeiros desenhos. Quando voltou a Paris em 1876, trabalhou em uma loja de moda, em uma floricultura e no mercado para ajudar financeiramente a mãe, com quem morava na Rue Cortot. Nessa época, começou a se chamar Maria e depois Suzanne, e trabalhou como modelo para artistas como Puvis de Chavannes, Renoir, Toulouse-Lautrec, Henner, Wertheimer e Hynais. Em 1882, conheceu Miquel Utrillo, com quem teve seu filho Maurice um ano depois, e pintou seu primeiro quadro. 48

Les Baigneuses, 1923. Foto: © RMNGrand Palais / Gérard Blot.

artista em seu texto/manifesto



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Grand’mère et petit-fils, 1910. Foto: © Centre Pompidou, MNAM-CCI, Dist. RMN-Grand Palais / Georges eguerditchian.

Em 1893, conheceu o compositor Erik Satie, com quem teve um relacionamento por alguns meses, e depois Edgar Degas, que comprou algumas de suas obras e a ensinou a técnica da gravura. Em 1920, sua pintura também conhecida como Adam et Ève ( ), foi exibida no Salon d’Automne, marcando a primeira vez na história da arte em que um nu masculino frontal foi pintado por uma mulher. Até sua morte, em 1938, Suzanne se dedicou inteiramente à sua arte, deixando para trás 480 pinturas, 275 desenhos e 31 gravuras. Valadon viveu em uma Paris transformada pelas ambições napoleônicas e pela pobreza em certos bairros devido às obras de Georges Eugène Haussmann. Ela testemunhou o surgimento da indústria cultural e o início de um novo mercado de arte. Ela se envolveu com a boemia e desfrutou da vida noturna e parisiense nos cafés, bailes, espetáculos. Suzanne Valadon foi uma mulher decididamente moderna, plenamente inserida em uma era de grandes transformações ideológicas. Em sua prática artística diversificada, dedicou-se à pintura, desenho e gravura. A obra artística de Suzanne Valadon é caracterizada desde o início por retratos de pessoas próximas a ela e por cenas de gênero, que eram preferidas nas exposições oficiais da época, pois escapavam do dogma das hierarquias temáticas. A partir de 1903, ela se dedicou intensamente à expressividade de suas figuras, geralmente parentes, que ela pintava em interiores com decorações cada vez menos sóbrias. Essas pinturas, profundas representações de seu estado de espírito, seguem os princípios da Escola de Pont-Aven.

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La Chambre bleue, 1923. Foto: © Centre Pompidou, MNAM-CCI, Dist. RMN-Grand Palais / Jacqueline Hyde.



Abaixo: Suzanne Valadon posando para o pintor tcheco Vojtech Hynais, 1891. Praga, Arquivos da Galeria Nacional de Praga, fundos Vojtech Hynais (1854–1925). À direita: La Dame au petit chien, 1917. Foto: © Centre Pompidou, MNAM-CCI, Dist. RMN-Grand Palais.

SUZANNE VALADON, MODELO DE PINTORES FAMOSOS Suzanne Valadon chamou a atenção pela sua franqueza e logo conquistou os pintores que viviam em Montmartre, no virar do século 20. Antes mesmo de começar sua própria carreira como artista, ela era uma modelo muito requisitada e posava regularmente para Renoir, que a retratou várias vezes como uma banhista tradicional. Ela o admirava, mas ele não sabia que ela também era uma artista. No mesmo ano, Valadon criou suas primeiras obras conhecidas e datadas, incluindo um autorretrato em pastel iridescente, que refletia a técnica que ela observara no ateliê de Renoir. Ela compartilhou com o crítico de arte Gustave Coquiot seu prazer em posar para Renoir: “Eu posava para ele como personagens vestidos, sob o sol escaldante, na grama, com a cabeça descoberta ou usando chapéus muito floridos. Também posava para nus. Foi uma época muito colorida.” 54


PAISAGENS E NUS EM GRANDE ESCALA AO AR LIVRE Nos primeiros anos de 1880, Suzanne Valadon conheceu Puvis de Chavannes. Por sete anos, ela trabalhou como modelo para ele, posando como ninfa ou jovem. Durante essa colaboração, o olhar de Valadon se aprimorou, e eles passavam horas discutindo arte durante as sessões, o que a ajudou a desenvolver sua própria abordagem artística. Seus trabalhos posteriores refletem essa influência, que ela assimilou e reinterpretou, assim como a linguagem simbolista. TECIDOS À MANEIRA DE MATISSE O quadro ( ), de 1917, apresenta uma figura andrógina, sensual e solitária, que, vista de baixo, adquire uma presença imponente e quase escultural. Sua nudez é coberta e, ao mesmo tempo, enfatizada por um grande pedaço de tecido colorido, como frequentemente visto nas composições de Valadon. O modelo pode ser seu marido, André Utter. Tanto a técnica quanto a escolha do tema conferem a essa obra raramente vista um caráter peculiar e distintivo. 55


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L’Acrobate ou La Roue, 1916. Foto: © Stéphane Pons.

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FAMÍLIA, AMOR, VIDA

. (Suzanne Valadon)

Portrait of Erik Satie, 1893. Foto: © Centre Pompidou, MNAM-CCI, Dist. RMN-Grand Palais. 58

O retrato de Erik Satie é uma das primeiras pinturas feitas por Suzanne Valadon, que, na época, estava mais acostumada com desenhos e gravuras. Como precursora da modernidade, essa pintura revela seu talento precoce como retratista, que se desenvolveria plenamente em suas obras posteriores. Nela, Valadon retrata seu amante, o músico Erik Satie, que tocava piano na Auberge du Clou e com quem teve um breve e intenso caso de amor que terminou em janeiro de 1893. Apaixonado, ciumento e excessivo, Satie enviava cartas de amor dolorosas para Suzanne Valadon. No entanto, ela, sendo livre, orgulhosa e independente, não se importava muito com esse amante. Com esse retrato, ela criou uma homenagem apaixonada ao da boêmia da época de seus amores.


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Portraits de famille, 1912. Foto: © RMN-Grand Palais (Musée d’Orsay) / Christian Jean / Jean Popovitch.

Suzanne Valadon segura nosso olhar, destacando-se como a líder autoritária em seu quadro ( ). A mão colocada sobre o peito é um símbolo de pureza ligado ao casamento. Seu filho, Maurice Utrillo, já lutando contra o alcoolismo em seus primeiros anos, tenta manter sua cabeça pesada erguida, uma pose reminiscente da iconografia da melancolia de Dürer. O olhar evasivo de André Utter, à esquerda, já indica sua iminente saída do lar doméstico. (Mamãe Madeleine), cujo rosto está marcado pelo tempo, supervisiona os três companheiros ao fundo, com uma aparente sensação de impotência diante dos conflitos do “trio maldito”. Esse quadro simples, cuja presença física do tecido lembra os laços inquebráveis entre as figuras, marcou o início do interesse de Valadon por cenas de gênero. 61


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Portrait de Marie Coca et sa fille, 1913. Foto: © RMN-Grand Palais (Musée d’Orsay).

Em (Marie Coca e sua filha Gilberte), de 1913, que mistura cena de gênero e retrato, Suzanne Valadon pinta sua sobrinha Marie Coca ao lado de sua filha mais nova, Gilberte. O tema da transição da infância para a idade adulta, presente em seus primeiros desenhos, caracteriza seu trabalho durante a década de 1910. O olhar da criança, o único direcionado para o espectador, evoca a gradual desaparição da mãe em favor de uma juventude triunfante. Essa característica é continuada em várias pinturas posteriores que retratam os mesmos modelos. Suzanne Valadon também recorria ao tradicional jogo de “quadro dentro do quadro”, referenciando a obra ( ), de Edgar Degas, no canto superior esquerdo. Essa imagem, invertida em relação ao quadro, pode ser uma gravura feita por Degas entre 1890 e 1917.


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Nu au châle bleu, 1930. Foto: © RMN-Grand Palais (Musée d’Orsay).



Em 1909, Suzanne Valadon pintou o corpo de André Utter, seu segundo marido, que era 21 anos mais jovem do que ela e amigo de seu filho. Ela, provavelmente, foi uma das primeiras mulheres na história da arte a pintar um nu masculino frontal, pois o acesso das artistas a aulas de arte com modelos nus foi negado por muito tempo. Ela se representa como Eva ao lado de seu companheiro, com quem ela mantinha um relacionamento amoroso. Embora a evocação do desejo e do amor seja personificada pelo tema bíblico de Adão e Eva, a obra não é menos política. Uma foto contemporânea mostra que as folhas de videira que cobrem as partes íntimas de Utter foram adicionadas tardiamente, provavelmente em 1920, durante o Salon d’Automne, que não poderia aceitar um gesto tão chamativo. O quadro é um testemunho do grande talento pictórico da artista, refletido na proporção harmoniosa dos corpos nus e nos traços rigorosos, precisos e, ao mesmo tempo, densos. Em suas pinturas, Suzanne Valadon une o classicismo herdado de Puvis de Chavannes com um naturalismo emergente, que se manifestaria plenamente em seus grandes nus ao ar livre nos anos seguintes. De todos os mestres erroneamente atribuídos a ela devido ao princípio da herança masculina, Paul Gauguin é o único do qual Suzanne Valadon reivindica uma ascendência artística. Nessa pintura, certamente, transparece a preferência de Gauguin por paisagens exuberantes, embora Valadon tenha escolhido uma abordagem simbolista mais próxima dos temas de Puvis de Chavannes. Esta obra, apresentada no Salon d’Automne no ano de sua criação, é um testemunho do domínio completo da artista sobre suas ferramentas pictóricas. Foi o auge de seu estilo, situado entre o naturalismo e a estilização. Aqui, Suzanne Valadon retrata André Utter com pernas curvilíneas e peludas, que quebram com os padrões eróticos da época. A desconstrução da anatomia masculina em movimento é um pretexto para celebrar, de maneira hedonista e confiante, a beleza do corpo masculino.

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Adam and Eve, 1909. Foto: © RMN-Grand Palais (Musée d’Orsay).

GRANDES NUS




Le Lancement de filet, 1914. Foto: © Centre Pompidou, MNAM-CCI, Dist. RMN-Grand Palais / Jaqueline Hyde.


UM FUTURO DESNUDO

(Suzanne Valadon) Na década de 1910, surgiram grandes nus femininos que foram exibidos no Salon d’Automne, em 1912. A representação do corpo com seus volumes expansivos e sua disposição livre rompem com a tradição da pintura. A sobreposição de diferentes motivos e camadas, que bloqueiam qualquer perspectiva, juntamente com os drapeados especialmente detalhados, apontam para os estudos posteriores de Valadon sobre motivos decorativos de interiores, inspirados pelos fauvistas. O uso do autorretrato foi uma técnica adotada por mulheres, a quem tradicionalmente era negado o acesso à representação do corpo feminino, especialmente na École Nationale des Beaux-Arts, que só lhes permitiu isso em 1900. Suzanne Valadon continuou essa prática em suas obras, mantendo a pose tradicional de perfil, mas quebrando os códigos tradicionais da feminilidade na pintura. Em um autorretrato de 1931, seu último, ela se retrata aos 66 anos com traços faciais severos e seios firmes. O realismo inclemente dessa pintura transformou Suzanne Valadon de um sujeito passivo em uma pintora ativa e desejável. O olhar orgulhoso claramente expressa o ato de rebeldia que estava acontecendo nos bastidores.

Chiara Parisi é curadora e diretora do Centre Pompidou-Metz, na França.

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Autoportrait aux seins nus, 1931. Foto: © Centre Pompidou, MNAM-CCI, Dist. RMN-Grand Palais.

SUZANNE VALADON: A WORLD OF HER OWN • NANTES ART MUSEUM • FRANÇA • 3/11/2023 A 18/2/2024 • NATIONAL ART MUSEUM OF CATALONIA • ESPANHA • 11/4 A 1/9/2024 71


Destaque


Ana Holck


OS NOVOS TRABALHOS DE ANA HOLCK SE APROXIMAM MUITO DOS TEMAS SOBRE OS QUAIS A ARTISTA JÁ VEM SE DEBRUÇANDO DESDE O INÍCIO DE SUA TRAJETÓRIA: A CIDADE, O URBANO, A ARQUITETURA E A CONSTRUÇÃO CIVIL. SUAS NOVAS ESCULTURAS EM PORCELANA E AÇO INOX – MATERIAIS ATÉ ENTÃO NUNCA UTILIZADOS POR ELA –, TRANSITAM ENTRE A IDEIA DE PINTURA E ESCULTURA

POR FELIPE SCOVINO

Os títulos das obras mais recentes de Ana Holck pressupõem um estado de ação, pois a representação do movimento é incontestável. Mesmo não sendo um objeto cinético ou um autômato, suas obras evidenciam um campo de força, uma energia que emana de seus circuitos internos. Há uma vibração em estado contínuo. O aço inox gera uma trama que expressa e dá espessura a esse movimento incessante. Uma estrutura em desenvolvimento que produz uma multiplicidade de movimentos livres, mas que, ambiguamente, se condicionam e são regulados uns pelos outros. Importa dizer, portanto, que a continuidade e a plasticidade das linhas têm de ser obtidas ou conquistadas pelo próprio trabalho, que venceu a força da inércia e depois continuou a se impor em face de uma dimensão de possibilidades. 74


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Diria também que o aço é uma linha, e, nesse sentido, seus objetos são transicionais: se, por um lado, a tridimensionalidade os aproxima da escultura e de referências como o construtivismo e o pós-minimalismo, por outro, a linha (de aço) e o fato de estarem presos à parede reverberam uma presença pictórica. O que está impregnado nessa trama metálica é também a gestualidade, aquilo que demarca o exercício da pintura ou do desenho. Em um tratamento descontínuo da superfície, Holck tensiona o aço na busca, eu diria, não de simplesmente abordar ou “conquistar” o espaço, mas de experimentá-lo. Nesse sentido, as obras têm uma


natureza especulativa e projetual ao romper o espaço representacional alusivo e tradicional. Esse conjunto de trabalhos, como uma bifurcação, aponta para o campo da escultura e, mais especificamente, uma ocorrência ou imagem que acompanha a artista desde o início de sua trajetória, que é a do canteiro de obras, vide a escolha por um material que é da ordem da construção e da engenharia; por outro, o trabalho também admite sua presença enquanto um registro da “mão da artista”, nesse aço/linha que é a marcação de um desenho no espaço.




A porcelana é o eixo por onde trespassam as tramas; é por essa estrutura fixa e porosa, já que o aço irrompe por ela, que o emaranhado de linhas se transforma em um evento perturbador: o movimento inquietante e desafiador do aço denuncia um tempo acelerado em contraponto ao impulso estático da porcelana. Dois tempos agindo simultaneamente. A porcelana, sem embargo, é uma viga estável e resistente que demarca um território da sustentação e controle. Contudo, é por meio dela que gesto, linha e espaço se prolongam em um estado impulsivo e dinâmico. Como acentua a artista, “a porcelana é a matéria bruta, não industrializada, préfabricada”. A argila, primeiro passo para a produção da cerâmica, “é passada numa extrusora, equipamento pelo qual a massa sai em tubos de bitolas regulares, preestabelecidas”. O uso da extrusora “apaga as digitais deixadas pela manipulação do barro, ele se torna, portanto, impessoal, indo contra a natureza moldável da argila”.

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Em princípio, as obras parecem demarcar uma execução muito rígida, objetiva e fria de sua produção. Mas a decisão da artista de fazer uso de tubos de porcelana e a forma como a trama de aço (ou seria pincelada? Ou um risco sobre o papel?) se apresenta no espaço – aproximando-se e se afastando sem direção definida, concentrando e se dispersando como em um campo magnético que busca uma imantação – trazem definitivamente um caráter gestual, autoral e único. São estratégias capazes de romper aquela materialidade e referência tão brutas que a própria fisicalidade do aço traz. Ademais, as tramas de aço se espraiam velozmente, quebrando de forma objetiva toda e qualquer rigidez das formas planas e retas. A escolha por círculos ou elipses torna recorrente um estado de tensão e distensão. As linhas, isto é, a estrutura das obras, avançam sobre o espectador. Transformam-se em uma experiência em que sentimos a energia concentrada nesse estado de expansão e dilatação das formas. Curiosamente, essa instabilidade, que parte de uma ordem pensada pela artista, gera a semelhança com a dança. A circularidade desses gestos, aliás, também próximos ao expressionismo abstrato, promove a representação de um deslocamento no espaço. Nesse sentido, pode-se pensar na correlação dessa imagem com a da dança. As formas moventes e cambaleantes querem vazar o plano e atingir o espaço. Parecem, ao menos, serem desejosas desse ato.

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Por último, as tramas atravessam o espaço sem ocupá-lo. Nas suas circularidades e torções, sem início e sem fim, sem frente nem verso, sem interior e exterior, esse conjunto de obras é um desdobramento escultórico das lições da fita de Möbius, uma imagem tão cara aos neoconcretos, especialmente a Franz Weissmann, Lygia Clark e Lygia Pape. É curioso porque, apesar de as obras estarem presas à parede, elas efetivamente contrariam essa ancoragem e insistem em estar sempre indo de um lugar ao outro. As obras protagonizam exatamente essa constelação de virtualidades espaço-temporais, produzindo uma arquitetura capaz de sugar o espaço à sua volta para sua dinâmica interna.

Felipe Scovino é curador e professor associado do Departamento de História e Teoria da Arte e do Programa de PósGraduação em Artes Visuais da UFRJ.

ANA HOLCK: ENTRONCADOS, ENROSCADOS E ESTIRADOS • PAÇO IMPERIAL • RIO DE JANEIRO • 2/12/2023 A 24/3/2024



SARAH Reflexo


Courtesy the artist and Sadie Coles HQ, London © Sarah Lucas.

LUCAS


, para a nova exposição de Sarah Lucas, Em no Tate Britain, são utilizados banana, lâmpadas, concreto, peixes, carro, meia-calça, cadeiras, tabloides e cigarros para explorar a condição humana. As formas estranhas, familiares e engraçadas de Lucas são profundamente pessoais. A mostra também é narrada inteiramente em sua própria voz. No entanto, os temas e imagens familiares no seu trabalho podem ser sobre qualquer um de nós. A exposição conta uma história mais completa do que a cena da jovem arte britânica dos anos 1990, à qual Lucas é tão frequentemente associada. Por meio de autorretratos, a jovem Sarah e a artista, agora com 60 anos, observam o trabalho uma da outra. Vemos reminiscências, comentários sociais, família, infância e amizade colaborativa ao longo de quase 35 anos de produção artística. Lucas sempre desafiou as convenções da fotografia, escultura e colagem por meio da escolha de temas e materiais. O que pode parecer rude ou casual é, na verdade, uma manipulação cuidadosa de materiais, palavras e de sua própria imagem. Na exposição, ela cria um clima de coragem, choque e diversão, regularmente pontuado pela escuridão e pelo prazer do sexo, do fumo e da comida. A seguir, veja o que a artista diz sobre suas próprias criações que juntas formam uma atmosfera desafiadora, alegre e vital. 90

Courtesy the artist and Sadie Coles HQ, London © Sarah Lucas.

DESDE 1990, SARAH LUCAS FAZ ARTE QUE DISTORCE O COTIDIANO. A EXPRESSIVIDADE DAS COISAS COMUNS É ESTIMULADA, OU APENAS PERCEBIDA E APONTADA. MALICIOSAMENTE E HONESTAMENTE, ELA LEVANTA PERGUNTAS UNIVERSAIS SOBRE NOSSAS ORIGENS, SEXO, CLASSE, FELICIDADE E MORTALIDADE



Fat, Forty and Flab-ulous 1990. Courtesy the artist and Sadie Coles HQ, London © Sarah Lucas. 92


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Divine, 1991. Courtesy the artist © Sarah Lucas.


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COOL CHICK BABY, 2020. Courtesy the artist and Sadie Coles HQ, London © Sarah Lucas.



HAPPY GAS. Installation View at Tate Britain 2023. © Sarah Lucas. Foto © Tate (Lucy Green)

Armadilha para capturar sonhos, 1998.

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“ Bunnies

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Bunny, 1997. Courtesy the artist and Sadie Coles HQ, London © Sarah Lucas.

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Datas, 1989. © Siron Franco.

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Courtesy the artist and Sadie Coles HQ, London © Sarah Lucas.


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Exacto, 2018. Courtesy of the artist and kurimanzutto, Mexico City / New York © Sarah Lucas.

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Musas

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Sarah Lucas and Julian Simmons, PATRICIA THE SORB-APPLE (LOW), 2021. © Sarah Lucas.

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Sandwich, 2004-2020. Courtesy the artist and Sadie Coles HQ, London. © Sarah Lucas.

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SARAH LUCAS • TATE BRITAIN • REINO UNIDO • 26/9/2023 A 14/01/2024 109


Fotos: Ronny Santos.

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Coluna do meio

Sylvia Carolinne

João Trevisan Galeria Raquel Arnaud São Paulo

Simon Watts

Tiago Sant’Ana

João Trevisan, Myra Arnaud e Thiago Segall Neto

Paulo Pasta

Rafael Pereira Galeria Estação São Paulo

Ana Carolina Ralston e Renato Rios

Vilma Eid e Rafael Pereira

Fotos: Ronny Santos.

Santídio Pereira

Carlos Magalhães

Fernanda Cajado e Maria Elisa Wang

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Bob Nugent Dan Galeria São Paulo

Bob e Lynda Nugent

Flavio Cohn, Ralf Matavelli e Teodoro Dias


Fotos: Silvana Garzaro. Aislan Pankararu e Lisette Lagnado

Aislan Pankararu Galatea São Paulo

Nelson Boainain, Antonia Bergamin e Tomas Toledo

Ana Serra, Tomas Toledo e Renata Castro e Silva

Fotos: Tatiana Mito.

Jochen Volz

Felipe Feitosa, Fernanda Feitosa, Marcelo Dantas, Luis Maluf, Alexandre Farto aka Vhils, Speto

Vhils Usina Luis Maluf São Paulo

Fernanda Feitosa e Rodrigo Ohtake

Luiz Aquila

Glaucia Lobo e Bia Sampaio e amiga

Speto, Gustavo e Otávio Pandolfo aka Os Gêmeos

Roberto Bertani, Julia Flamingo

Luiz Aquila Galeria Patrícia Costa Rio de Janeiro

Luiz Fernando e Patricia Costa

Ana Pose, Adriano Mangiavacchi e Karin Cagy

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Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente para tablets e celulares no site www.dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil. Para ficar por dentro do mundo da arte, siga a Dasartes.

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