Revista DASartes 96

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DAVID PARK GERHARD RICHTER TANIA BRUGUERA TICIANO MODERNISMO JAPONÊS




DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin EDIÇÃO . NEGÓCIOS André Fabro andre@dasartes.com

Kobayakawa Kiyoshi, Jazz dancer 1934. Purchased NGV Foundation, 2019.

MÍDIAS SOCIAIS . IMPRENSA dasartes@dasartes.com DESIGNER Moiré Art moire@moire.com.br

Capa: David Park, Brush and Comb, 1956. © Estate of David Park; Courtesy Natalie Park Schutz, Helen Park Bigelow, and Hackett Mill, San Francisco

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Contracapa: The Asahi Shinbun Company, Asahi Weekly 20 December 1936.


DAVID PARK 10

GERHARD RICHTER 8

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Agenda

90

Alto Falante

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Notas de mercado

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Livros

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Coluna do meio

JAPONÊS 48

MODERNISMO

TICIANO 64

TANIA BRUGUERA 78


IMPRESSA em sua casa a partir de R$ 28 mensais assinatura@dasartes.com



Instalação de Maja Petric

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AGEnda

ARTE imersiva O Farol Santander São Paulo lançou um tour virtual pelos 8 dos 18 andares de visitação do edifício. Além dos espaços permanentes, estão disponíveis no Tour Virtual as exposições de arte e

Ocupando o 22º andar, a mostra da artista sul-coreana JeeYoung Lee, inédita no Brasil, tem direção artística de Facundo Guerra e apresenta as instalações e . Lee convida o público a entrar no universo de seus devaneios, transformando os visitantes em coautores, testemunhas e participantes de suas ideias. 8

No 23º andar, a exposição , da artista visual croata Maja Petric, tem curadoria de Antonio Curti e apresenta uma nova visão de arte digital. A mostra foi redesenhada com uma nova versão inédita e exclusiva para o Farol Santander. Nela, Petric explora a junção de elementos tecnológicos à natureza e apresenta uma experiência imersiva que simula uma constelação.

TOUR VIRTUAL • FAROL SANTANDER SÃO PAULO • www.farolsantander.com.br



CApa

DAVID

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park


Four Men, 1958. Š Estate of David Park; Courtesy Natalie Park Schutz, Helen Park Bigelow, and Hackett Mill, San Francisco.


AOS 38 ANOS, DAVID PARK (1911-1960) ABANDONOU DIVERSAS DE SUAS TELAS EXPRESSIONISTAS ABSTRATAS NO LIXÃO DA CIDADE E COMEÇOU A PINTAR “FIGURAS”. UMA DECISÃO RADICAL QUE MUDOU O CAMINHO DA ARTE FIGURATIVA DA REGIÃO DE SÃO FRANCISCO NOS ANOS 1950. ESSAS COMPOSIÇÕES OUSADAMENTE EXECUTADAS REVELAM UM ARTISTA PROFUNDAMENTE CONECTADO À EXPERIÊNCIA HUMANA E, NO AUGE DE SEUS PODERES, VALORIZANDO AS QUALIDADES EXPRESSIVAS E SENSUAIS DA TINTA PURA

POR JANET BISHOP

David Park criou um corpo de trabalho surpreendente em sua vida tragicamente curta, deixando uma marca duradoura no que viria a ser talvez a maior contribuição da região de São Francisco, Califórnia, para a história da arte: Arte Figurativa da Área da Baía. Park passou a maior parte de sua vida adulta em São Francisco e nos arredores. Era um professor amado na Escola de Belas Artes da Califórnia e na Universidade da Califórnia, Berkeley, e profundamente envolvido com a comunidade de artistas da Área da Baía. As pinturas poderosas que ele fez na década que se seguiu sua dramática despedida da abstração reuniram seu interesse de longa data em assuntos clássico – como retratos, interiores domésticos, músicos, remadores e banhistas – com uma exuberante manipulação gestual de tinta e um extraordinário senso de cor. Entre 1958 e 1959, Park alcançou seu pico expressivo, 12

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Two Bathers, 1958. © Estate of David Park. Foto: John Wilson White.


Untitled (J), 1948; © Estate of David Park; Courtesy Natalie Park Schutz, Helen Park Bigelow, and Hackett Mill, San Francisco; Foto: JKA Photography

aproveitando as qualidades sensuais da tinta para criar telas intensamente físicas, psicologicamente carregadas e profundamente sentimentais. Nesse período fértil, encurtado pela doença em 1960, Park transferiu sua energia criativa para outros meios, quando não conseguia mais trabalhar com telas. Nos últimos meses de sua vida, acamado, ele produziu um notável pergaminho de 9 m de comprimento de caneta com ponta de feltro e uma série pungente de guaches. UMA FIGURA COMO UM EVENTO A obra de Park, quase toda figurativa, é geralmente considerada tendo dois capítulos principais: “precoce” e “maduro”. Os primeiros trabalhos, raramente exibidos, abrangem a década de 1930 e a maior parte da década de 1940, a partir da época em que o jovem inglês, ainda adolescente, chegou à Área da Baía, onde residiu a maior parte de sua vida adulta. Em meados da década de 1930, suas pinturas não eram tão diferentes de outras obras de contemporâneos talentosos da região. No final da década e ao longo dos anos da guerra, sua abordagem se tornou cada vez mais estilizada. O trabalho maduro pelo qual o artista é mais conhecido data da década de 1950, depois que ele tomou a decisão radical de abandonar a abstração e retomou uma prática centrada na figura, um movimento 14


Studio Sink, 1956. © Estate of David Park; Courtesy Natalie Park Schutz, Helen Park Bigelow, and Hackett Mill, San Francisco; Foto: JKA Photography

que, em poucos anos, galvanizou seus colegas Elmer Bischoff e Diebenkorn e levou ao surgimento da Arte Figurativa da Área da Baía. O que torna a década final do trabalho de Park tão diferente das duas primeiras é o impacto do expressionismo abstrato. Como quase todo instrutor ou aluno associado à escola, Park explorou a abstração. Mas, gradualmente, ficou tão insatisfeito com seu trabalho subjetivo que deixou quase tudo em um lixão local e começou de novo. A reintrodução enfática da figura de Park em sua prática em meados do século levou ao desenvolvimento, nos anos 1950, de um espaço pictórico, desassociado às tendências dominantes da arte, na qual ele integrava uma percepção profunda do tema e o potencial expressivo de seus meios de uma maneira sem precedentes na arte americana. David Park era um desenhista natural, seus dons para criar a forma humana foram bem estabelecidos durante seus anos de infância em Boston, onde nasceu em 1911. Por iniciativa própria, teve um primeiro êxito com a venda de uma pintura de paisagem aos 14 anos. Para a consternação de sua altamente educada família da Nova Inglaterra, Park fez tudo o que pôde durante a adolescência para evitar a vida acadêmica e, em vez disso, se concentrar na arte. O treinamento formal de Park foi mínimo o suficiente para que ele fosse essencialmente autodidata. Aos 17 anos, deixou o colégio interno em Connecticut 15


The Patio, 1956. © Estate of David Park; Courtesy Natalie Park, Schutz, Helen Park Bigelow, and Hackett Mill, San Francisco. Foto: Jeff McLane.

sem se formar para se juntar à tia dele, a pintora Edith Truesdell, em Los Angeles, onde teve aulas no Instituto de Arte Otis por dois anos, até concluir que “não aprendia coisa alguma lá”. Mudou-se para Berkeley na primavera de 1929, e desembarcou prontamente no epicentro de uma comunidade efervescente de artistas. O primeiro trabalho de Park foi ajudar o escultor Ralph Stackpole em da Bolsa figuras monumentais de pedra para o exterior do novo edifício de Valores de São Francisco. Como artista que trabalhava diariamente produzindo moldes de gesso para esculturas de figuras, ele internalizou o peso e o volume dos corpos humanos. Realismo lhe convinha. Era hiperobservador, podia visualizar e descrever a forma de todos os ângulos possíveis, e podia executá-la rápida e habilmente, em duas dimensões ou três. E seguida, na década de 1930, a maioria das obras de Park se relaciona mais de perto com a vida atual, com moradores urbanos que ocupam seus próprios espaços emocionais. Um conjunto de telas finamente pintadas de 1935, são cenas regionais bastante típicas. Essas pinturas mostram a inclinação de Park por composições com um turbilhão de energia em seus centros, descrevendo indivíduos ou grupos, dentro ou fora de casa.

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Rehearsal, ca. 1949–50. © Estate of David Park; Couurtesy Natalie Park Schutz, Helen Park Bigelow, and Hackett Mill, San Francisco.

FIGURAÇÃO: ANOS 1950 Apenas uma semana antes da estreia de (1949 a 1950), na primavera de 1950, a primeira das novas telas figurativas de Park a serem exibidas publicamente, o artista foi solicitado a falar sobre a direção atual da pintura da Área da Baía para um artigo. “Abstrações de forma livre geram polêmica nesta área: líderes de novas escolas, conhecidos como ‘espíritas’ e ‘ ’, contam teorias.” Das telas abstratas de seus semelhantes, Park observou que “muitas de suas preocupações não são muito diferentes das preocupações de um bom pintor representacional”, sugerindo apenas obliquamente as mudanças em seu próprio estúdio. Uma mudança tão drástica na abordagem, da abstração a temas do mundo real, parecia inconcebível. Somente gradualmente seria entendido menos como uma reviravolta em resposta ao expressionismo abstrato do que uma extensão ou consequência dele. 17


Kids on Bikes, 1950. Š Estate of David Park.


“ ”

No ano seguinte, quando o foi exibido em um dos Anuários da San Francisco Art Association (SFAA), ficou claro que Park estava falando sério. Os colegas de Park acharam o novo trabalho antitético ao que eles entendiam como pintura de vanguarda, descrevendo-o como tudo, desde “desaprovador” ou “falta de coragem” até “renúncia”. Uma exceção foi Sam Francis, cuja obra também fazia parte da mostra: “A França está 10 anos atrás de NY e S.F. na pintura... a pintura de Park parece muito boa – muito parecida com seu trabalho não objetivo em substância”. Os temas de Park durante seus primeiros anos de nova pintura figurativa, enquanto ele ainda estava no corpo docente da CSFA, eram tipicamente domésticos ou vernaculares – momentos comuns da memória visual ou imaginação do artista. Muitas das pinturas de Park da primeira metade da década de 1950, (1953-55), situadas do lado como em de fora de uma barbearia, e ( ) (1953), evocam o início da década de 1950 americana, apontando ao mesmo tempo para o isolamento. Emocionalmente, como em uma pintura de Edward Hopper, quase se pode entrar na experiência das figuras de primeiro plano em (1952), (1953) ou (1954), uma tela coberta com “vermelho Coca-Cola”. Park usava com frequência campos de cor para permitir que 19



Boston Street Scene, 1954. © Estate of David Park. Foto: David Blank.


elementos díspares tivessem coerência, algo visto com mais regularmente em suas telas depois de visitar uma retrospectiva de Matisse no SFMA, em 1952. Diebenkorn, mais tarde, falaria sobre a predileção de Park por profundidade espacial: em vez de cobrir suas superfícies de forma a enfatizar sua forma plana, ele exibia uma “atitude rebelde em estourar o plano da tela”. Gostava do alcance até o fundo, , de Velásquez. Adorava como em trazer uma figura bem, bem à frente e estender (1955). a profundidade, como em “É emocionante para mim tentar obter algumas das qualidades do sujeito, seja calor, vitalidade, dureza, ternura, solenidade ou alegria em uma imagem.” Lydia era uma musa regular e versátil. Park “tirava fotos com sua mente”, como descreveu a filha Helen, e depois pintava a esposa tomando café, cochilando, lendo ou costurando, como no terno (1955). As pinturas assumem a forma de retratos mais tradicionais, como na (1956), que trabalhada provavelmente começou como um autorretrato antes de ser raspada, pintada e sujeita a várias revisões até alcançar seu estado final. Em 1957, embora a abstração continuasse a prevalecer nas exposições locais, havia energia suficiente em torno da nova pintura figurativa para sustentar uma mostra institucional. , organizada pelo curador Paul Mills, do Oakland Museum, contou com cinco obras de Park, entre outros colegas. Uma das principais telas de Park foi (1957), uma área toda de malva cintilante com duas figuras, uma mulher deitada e um homem sentado desenhando. Embora a figura feminina seja encurtada, Park deixa mudanças dramáticas em escala e perspectiva para trás, desenvolvendo seu fascínio por padrões e limites com um efeito particular. As listras vermelhas e brancas abaixo de Lydia dão vida o lado esquerdo, e as janelas altas permitem céu azul e a luz do dia em um espaço austero. 22


Interior, 1957. Š Estate of David Park; Courtesy Natalie Park Schutz, Helen Park Bigelow, and Hackett Mill. Foto: Joshua Nefsky.



Boy and Car, 1955. Š Estate of David Park. Courtesy Natalie Park Schutz, Helen Park Bigelow, and Hackett Mill, San Francisco.


As observações de Park no catálogo do Oakland Museum refletem uma facilidade nova em sua prática: “À medida que envelhecemos, percebe-se que você é você mesmo – que seu trabalho não é se forçar a um estilo, mas a fazer o que você deseja. Vi que, se eu aceitasse retratar figuras, poderia pintar com mais absorção, com certo entusiasmo pelo assunto, permitindo que algumas das qualidades estéticas, como cor e composição, evoluíssem com mais naturalidade. Nos temas reais, a diferença é que sinto um desenvolvimento natural da pintura em vez de formal e autoconsciente." A morte de Park em casa, em Berkeley, em 20 de setembro de 1960, aos 49 anos, marcou a perda de um talento de época – um artista cuja exploração persistente ao longo de três décadas culminou em um corpo de trabalho de poder e humanidade sem precedentes. O movimento figurativo da Área da Baía que ele iniciou prosperou até os anos 1960 e continua sendo um dos desenvolvimentos mais significativos da história da arte americana e, sem dúvida, a contribuição mais distintiva da Área da Baía para ele. Paul Mills certa vez calculou que, se David Park tivesse vivido até a velhice, ele não seria apenas um velho incrível, mas também haveria outras mil e quinhentas telas de Park no mundo. Porque, é claro, ele continuaria pintando. Head of Lydia, ca. 1956. © Estate of David Park; Courtesy Natalie Park Schutz, Helen Park Bigelow, and Hackett Mill. Foto: Ben Cressy.

DAVID PARK: A RETROSPECTIVE • SFMOMA • SÃO FRANCISCO • EUA • 11/4 A 7/9/2020 26


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DEStaque Betty, 1977. © Gerhard Richter 2019 (08102019).


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GERHARD richter


Ice, 1981. © Gerhard Richter 2019 (08102019).


O MUSEU METROPOLITAN DEDICA GRANDE MOSTRA AO TRABALHO DE UM DOS ARTISTAS MAIS RENOMADOS DO NOSSO TEMPO. GERHARD RICHTER: PAINTING AFTER ALL REVELA AS SEIS DÉCADAS DE TRABALHO DE RICHTER EM EXPLORAÇÃO CONTÍNUA DAS IMPLICAÇÕES MATERIAIS, CONCEITUAIS E HISTÓRICAS DA PINTURA. ESTA É A PRIMEIRA GRANDE PESQUISA NOS EUA SOBRE O ARTISTA EM QUASE 20 ANOS

POR REDAÇÃO Nas últimas seis décadas, o artista alemão Gerhard Richter (1932) praticou tanto a representação quanto a abstração na pintura para explorar não apenas a natureza desses meios, mas também suas implicações conceituais e históricas. Embora esses dois modos de trabalho sejam às vezes caracterizados como opostos, Richter abraçou os dois, às vezes simultaneamente, encontrando possibilidades pictóricas expressivas na tensão entre eles. Em trabalhos que variam de imagens fotográficas a composições não objetivas, ele testou a capacidade da arte de contar histórias pessoais, memória coletiva e identidade, particularmente no contexto da sociedade alemã pós-Segunda Guerra Mundial, e confrontar os legados estéticos dos modernismos euro-americanos por meio da experimentação de tradições pictóricas e novos modos de produção de imagens. Algumas de suas obras encapsulam as preocupações de Richter – como o embaçamento, o obscurecimento e o apagamento da imagem fotográfica e os efeitos perceptivos dos reflexos iterativos no vidro. Sua carreira prolífica apresenta obras em diferentes períodos que colocam em foco seu interesse específico e duradouro em como as pinturas são concebidas, produzidas e situadas dentro de uma linhagem histórica. Richter enriqueceu essa busca por meio de um engajamento considerado com fotografia, reprodução digital e escultura em sua prática inovadora. 31


Acima: Alps, 1968. À direita: Group of People, 1965. © Gerhard Richter 2019 (08102019).

NOVOS COMEÇOS Nascido em 1932, em Dresden, que se tornou parte da Alemanha Oriental após a Segunda Guerra Mundial, Richter iniciou sua carreira como pintor mural no estilo socialista realista sancionado pela República Democrática Alemã. Ele fugiu para a Alemanha Ocidental em 1961 e considerava seus trabalhos subsequentes um novo começo. Em seus anos de inovação, em meados da década de 1960, Richter fez pinturas monocromáticas com base em imagens provenientes de jornais, revistas e álbuns de fotos da família. Richter tinha plena consciência do contexto artístico e cultural em que se encontrava. Algumas de suas chamadas pinturas fotográficas, perceptivamente, comentam ironicamente sobre as banalidades da sociedade capitalista que ele estava encontrando pela primeira vez, enquanto outras refletem sobre os mais obscuros, às vezes dolorosamente pessoais, legados do nazismo. Respondendo a movimentos artísticos do pós-guerra, como e , Richter transformou cenas aparentemente mundanas e instantâneos do cotidiano em pinturas complexas, cujos significados são frequentemente ambíguos. Esse senso de indeterminação é sublinhado pela superfície borrada das telas, que confirma e interrompe a reivindicação da fotografia de “realismo”, chamando a atenção para como a tinta pode afirmar a presença de um objeto e sua abstração simultânea. 32


Hotel Lobby, 1943. Foto: Š 2019 Heirs of Josephine N. Hopper / Artists Rights Society (ARS), NY.

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CENAS E ESCAPES Richter compilou as imagens de origem – fotografias que ele encontrou ou tirou – de muitas de suas pinturas fotográficas em um .A compêndio visual conhecido como partir do final da década de 1960, fotografias de paisagens naturais e paisagens urbanas predominaram nos fólios , mas o artista selecionou apenas do algumas delas para pinturas. Como Richter explicou: “Vejo inúmeras paisagens, fotografo apenas 1 em 100 mil e pinto apenas 1 em 100 daquelas que fotografo. Estou, portanto, procurando algo bastante específico; daí concluo que sei o que quero.” A volta de Richter ao tema da paisagem, após o tumulto de meados do século 20 na Alemanha, reflete uma consciência de como essas obras ampliam e perturbam a tradição da paisagem romântica, com seu simbolismo da natureza não contaminada ou da paisagem intocada. A mudança também sugere um desafio à abordagem de Richter, no momento em que muitos de seus contemporâneos proclamavam a morte da pintura.

Acima: Vesuvius, 1976. À esquerda: Farm, 1999. © Gerhard Richter 2019 (08102019). 35


Cathedral Corner, 1987. Š Gerhard Richter 2019 (08102019).



Uncle Rudi, 1965. © Gerhard Richter 2019 (08102019).

FOTOS DE FAMÍLIA E RETRATOS DE ARTISTA Ao mesmo tempo íntimas e incisivas, as pinturas de família e amigos de Richter lhe permitiram explorar as possibilidades do retrato como um motivo artístico que ia além do obviamente pessoal. Nessas pinturas figurativas, o artista apresentou seus temas em composições distintas, embora às vezes comportamentais, que sugerem as complexidades de relacionamentos particulares ou colaborações artísticas, enquanto ele também continuou a buscar experimentação formal e conceitual. A repetição em série de um assunto em várias telas ou em uma composição (como em ) – usando a mesma imagem de origem para obter resultados diferentes e sugestivos ou criando uma série de imagens relacionadas – é um resultado direto do envolvimento de Richter com a fotografia na confecção de suas telas. ABSTRAÇÕES CROMÁTICAS Enquanto as pinturas baseadas em fotos de Richter respondem às tradições do realismo, seus trabalhos abstratos se envolvem com práticas artísticas não objetivas do século 20, da abstração gestual às experiências minimalistas com grades. Desde meados da década de 1960, a abstração e a figuração coexistem no trabalho de Richter. No entanto, sua abordagem à abstração nunca foi estática ou previsível. Os diversos resultados incluem suas ordenadas geometricamente ou geradas por algoritmos, campos de tinta monocromáticos e esfumaçados e composições borradas de cores vivas, derivadas de fotográficos de detalhes de pinturas anteriores. 38


Em meados da década de 1980, Richter começou a usar um método que envolvia a aplicação e a remoção sucessivas de camadas de tinta, principalmente raspando as superfícies de suas telas com um rodo (uma ferramenta com uma lâmina longa), destacadas com respingos e pinceladas deliberadas. Frequentemente produzidas em série, as abstrações de Richter parecem desafiar e sublinhar os sistemas de serialidade e duplicação. CINZA (década de 1960) Os primeiros trabalhos de Richter envolviam a transferência de pequenas fotografias em preto-e-branco, aparentemente inusitadas – encontradas em jornais, revistas e álbuns de família – para pinturas. Seu método de tornar indistintos os contornos do material de origem, seja por meio do embaçamento das camadas de tinta ou por pinceladas grossas e irregulares, destaca a normalidade da composição, mesmo que cada trabalho seja pictoricamente complexo. Para Richter, a difusão das pinturas em gradações de cinza tornava “tudo igualmente importante e igualmente sem importância”. O artista expandiria essa exploração da neutralidade cromática e ideológica da cor em uma série de abstrações que coletivamente . passaram a ser chamadas de

Townscape Paris, 1968. © Gerhard Richter 2019 (08102019). 39


S. with Child, 1995. © Gerhard Richter 2019 (08102019)

FIGURA-ABSTRAÇÃO A ocorrência simultânea de figuração e abstração no corpo da obra de Richter às vezes tem sido confusa para espectadores e críticos, mas, para o artista, a distinção é menos saliente. Em vez disso, sua arte é marcada por um duplo compromisso e ambivalência com a pintura, como meio histórico e pessoal. Assim, a prática de Richter evidencia muitas partidas e retornos artísticos, nos quais ele formulou sistemas específicos de trabalho e depois os transformou ou abandonou conscientemente – todos informados por um entendimento agudo das tradições pictóricas e juntamente com uma avaliação crítica rigorosa de seu próprio trabalho. Nas pinturas de Richter, espaços íntimos e expansivos podem coexistir. Na tela , de 1995, atesta-se uma abordagem em evolução do borrão e do gesto de apagamento, seja como pintura baseada em fotos ou abstrata que explora o motivo da mãe e do filho, a paisagem romântica ou o monocromático modernista. 40


Skull, 1983. © Gerhard Richter 2019 (08102019)

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I.G., 1993. © Gerhard Richter 2019 (08102019).



Forest (4), 2005.

FLORESTAS Richter observou que “a floresta em geral tem um significado especial, talvez mais na Alemanha do que em qualquer outro lugar. Você pode se perder nas florestas, sentir-se abandonado, mas também seguro, fincado firme no seio da vegetação rasteira.” Um bom tema romântico. No entanto, mesmo ao reconhecer a poderosa persistência de seu romance, o artista evoca a floresta como um local de ambiguidade, assombrado por seduções e mistérios mais sombrios. , embora as Na série abstrata associações pareçam impressionistas – traços interrompidos podem conjurar a memória de galhos quebrados, ou pretos ricamente pintados podem sugerir as profundezas escuras da floresta – as pinturas articulam tanto a experiência pessoal de um lugar em particular quanto uma significação coletiva da floresta. ABSTRAÇÕES RECENTES Nos últimos anos, Richter concentrou sua atenção na abstração. Suas técnicas artísticas, no entanto, continuam evoluindo: ao lado de composições feitas com óleos e rodos em tela, ele investiga o potencial do meio pictórico nesta era da 44


tecnologia digital. Para obras como , ele usou computadores para efetuar um processo complicado de destilação e divisão para criar uma imagem. De fato, o antigo interesse de Richter em processos iterativos e replicativos através da produção de , gravuras e edições, bem como o uso de fotografias de pinturas anteriores como base para posteriores, têm uma afinidade conceitual com a transformação da pintura através de meios algorítmicos.

Black Mesa Landscape, New Mexico / Out Back of Marie's II, 1930. © 2016 Georgia O'Keeffe Museum/ DACS, London.

Abstract Painting, 2016. © Gerhard Richter 2019 (08102019).


Birkenau, 2014. © Gerhard Richter 2019 (08102019)

BIRKENAU O ciclo consiste em quatro pinturas, suas quatro cópias digitais particionadas e quatro fotografias secretamente tiradas no campo da morte de Auschwitz-Birkenau por um membro do Sonderkommando, um grupo de prisioneiros, principalmente judeus, forçados a eliminar as vítimas da câmara de gás. Em 2014, Richter voltou a essas fotografias (que o preocupavam desde a década de 1950) e se envolveu mais uma vez com a questão de saber se, como artista alemão, poderia (ou não) abordar a história do Holocausto. Após uma tentativa de um ano para renderizar as imagens fotográficas, o artista encobriu gradualmente seus desenhos figurativos originais nas quatro telas através de camadas de tinta, em um processo lento e hesitante de aplicar e depois esfregar cada demão com um rodo para produzir as superfícies abstratas fortemente confusas. Essa fabricação distinta e uma paleta suave distinguem as pinturas de da opulência cromática e textural de outras fases de Richter, como por exemplo. Essas características evidenciam sua luta consciente para resolver, por meio da pintura, os documentos de trauma histórico, enquanto reduzem a inevitável natureza espetacular da imagem reproduzida. Em um gesto adicional para limitar a singularidade fetichista da imagem, Richter produziu duplicatas digitais das pinturas, subvertendo sua importância única e refletindo seu efeito. A ação multiplicativa posiciona a série como não apenas uma comemoração do genocídio mais horrendo do século 20 e sua particular magnitude histórica e cultural, mas também uma reflexão crítica sobre a grave possibilidade de que tais crimes contra a humanidade possam ocorrer novamente.

GERHARD RICHTER: PAINTING AFTER ALL • THE MET MUSEUM • NOVA YORK • 4/3 A 5/7/2020 46



Saeki Shunko, Tea and coffee salon 1939.

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MODERNISMO

PELO mundo


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DURANTE A PRIMEIRA METADE DO SÉCULO 20, A ARTE E A ESTÉTICA TRADICIONAIS DO JAPÃO INTERAGIRAM COM A VIDA E A CULTURA EUROPEIAS, RESULTANDO EM UMA ERA PULSANTE DO MODERNISMO JAPONÊS E NO SURGIMENTO DE UM MOVIMENTO ART DÉCO NA ARQUITETURA, PINTURAS, GRAVURAS, DESIGN E MODA ASIÁTICOS. CONHEÇA GRANDES OBRAS DE JOVENS ARTISTAS FEMININAS DA ÉPOCA E RARAS PINTURAS EM GRANDE ESCALA DE JOVENS ARTISTAS JAPONESES, IMPRESSÕES MODERNISTAS EM CORES PRODUZIDAS COM AS TÉCNICAS REFINADAS DO UKIYOE TRADICIONAL E TAMBÉM A MODA DA ÉPOCA E ACESSÓRIOS RELACIONADOS

POR WAYNE CROTHERS Glamourosas lojas de departamento, cafés da moda, cinemas populares, salões de dança e transporte de alta tecnologia. Durante as décadas de 1920 e 1930, as grandes metrópoles do Japão, Tóquio e Osaka, pulsavam com otimismo juvenil e energia criativa. Uma nova geração de jovens confiantes e financeiramente bem-sucedidos desafiou as visões conservadoras e se encarregou de abalar as bases da sociedade, escolhendo deu próprio estilo de vida. Trabalhe de dia, dance até de madrugada e tire férias nas praias no verão e nas pistas de esqui no inverno. Essa nova geração, divertidamente conhecida e – meninas modernas e meninos como modernos – representaram a chegada da modernidade à Ásia e, por sua vez, tornaram-se a inspiração, ícones do dinamismo por trás de um movimento criativo que energizou a produção têxtil japonesa, pintura, gravura e artesanato em bronze, laca e vidro no início do século 20. Semelhante à história da nação cheia de desastres naturais e restaurações ambiciosas, a era modernista do Japão é dramaticamente marcada pela destruição gerada pelo terremoto de Great Kantō (1923) e pelas calamidades da Guerra do Pacífico (1942–1945). Às 11 h 58 min de 1º de setembro de 1923, o maior terremoto da era moderna de Tóquio atingiu uma magnitude de 7,9. O que não foi destruído pelo terremoto foi logo envolvido pelos incêndios que assolaram a cidade. Tóquio e Yokohama foram arrasadas pelo sismo e suas consequências, resultando em estimadas 140 mil mortes e 700 mil pessoas desabrigadas. 50


Popular music scores 1928-32


Sugiura Hisui, The first subway in Asia 1927. © Estate of Hisui Sugiura

A reconstrução de Tóquio e sua celebração da modernidade foram sintetizadas pela abertura do primeiro metrô na Ásia em 1927. Consistia em quatro estações e ligava o parque recreativo e o zoológico de Ueno a um dos grandes templos, às lojas e às margens do rio Asakusa. A novidade futurista de andar de metrô era tão popular que os passageiros ficaram na fila por mais de duas horas para fazer a curta viagem de cinco minutos. Sugiura Hisui, a principal gráfica da época, criou um icônico cartaz de 1927 que afirma orgulhosamente em fontes modernas: “O único metrô do Oriente” e “Serviço entre Ueno e Asakusa já começou”. Usando uma perspectiva dramática de ponto decrescente, Sugiura cria uma sensação de chegada com o trem se aproximando de uma plataforma da estação repleta de viajantes ansiosos, vestidos com suas melhores roupas. Aludindo ao passado, várias mulheres a distância podem ser vistas vestindo quimono com penteados tradicionais. Em primeiro plano, uma garota segura um ursinho de pelúcia, apontando para a chegada do trem, e um animado grupo de homens, mulheres e 52


Popular music scores 1928-32.

crianças se vestem de maneira requintada, pois está prestes a ser transportado para o futuro nesse novo modo de transporte. Com a qualidade aprimorada e as amplas possibilidades de distribuição da impressão mecanizada em cores, gráficos, ilustradores e fotógrafos se viram na vanguarda da estética visual e das tendências sociais. Músicas ecoando de gramofones em cafés e tocando em cinemas populares formaram a trilha sonora da vida cotidiana moderna. Partituras musicais compostas para os instrumentos boêmios da geração jovem, a gaita e o , foram produzidas por empresas como a subsidiária japonesa da Victor Talking Machine Company e o estúdio de cinema japonês Shochiku. Os principais movimentos artísticos de vanguarda predominantes na Europa na época – Fauvismo, Cubismo, Suprematismo e Futurismo – estavam influenciando e ilustradores japoneses e resultaram em um novo estilo de arte e design híbrido do Leste-Oeste, que não era atraente apenas para jovens adultos, mas 53


Popular music scores 1928-32


A photo guide to Rankyo 1927–35.



Negishi Ayako, Waiting for makeup, 1938.

também para crianças. Na vanguarda da ilustração japonesa progressiva, estava a revista infantil (Terra das Crianças). Artistas renomados, como Takei Takeo, Okamoto Kiichi e Honda Shotarō, contribuíam regularmente com trabalhos inovadores, que combinavam formas geométricas ousadas com brincadeiras com sombras, exibindo crianças da última moda contra temas florais tradicionais e empregando perspectivas de ponto decrescente para efeitos dinâmicos. Publicado no ano seguinte à abertura do primeiro metrô de Tóquio, a ilustração de capa pelo artista Takei com crianças andando de trem ou bonde à luz de velas teria atraído a próxima geração de mentes aventureiras e criativas do Japão. MOGA: A MENINA MODERNA O coração e a alma do Modernismo Japonês (menina moderna) e o seu eram a (menino homólogo masculino, o moderno). Uma crescente aceitação das mulheres no local de trabalho, combinada a uma nova cultura de consumo, modos modernos de transporte e atividades de recreação, criaram novos empregos para os quais as mulheres eram vistas como mais socialmente equipadas do que os homens. Atraentes e bem vestidas, mulheres inteligentes de uniforme operavam elevadores em lojas de departamento, cumprimentavam clientes em restaurantes, cafés e casas de chá, trabalhavam como condutoras em ônibus e transformavam a experiência de visitar um posto de gasolina, servindo como “garotas de gasolina” enchendo carros com combustível e lavando para-brisas. Essas jovens modernas eram consideradas uma das primeiras gerações de mulheres na Ásia a se libertar dos papéis tradicionais. Antes disso, uma 57


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Kobayakawa Kiyoshi, Rouge, no: 6 1936.


“ ”

mulher solteira ficava com sua família e ajudava nas tarefas domésticas ou, no caso das famílias rurais, realizava trabalhos agrícolas. As oportunidades de emprego e carreira que a vida moderna da cidade oferecia atraíram muitas jovens a deixar suas casas em áreas remotas e seguir para a cidade. Encontrar trabalho e ganhar uma renda pessoal – por mais baixa que fosse – dava a elas os meios para alugar um apartamento pequeno, viver sozinhas e tomar suas próprias decisões. Mantendo empregos regulares durante o dia, essas mulheres independentes e autodidatas poderiam conduzir suas vidas como quisessem. Bebendo, fumando e escolhendo seus próprios amigos, elas frequentavam cafés e danceterias, geralmente festejando até tarde. Embora algumas moças modernas tenham sido vistas por alguns como um risco aos valores conservadores tradicionais, elas se tornaram uma parte importante da nova economia japonesa, não apenas como trabalhadoras, mas também como consumidoras ativas de produtos, serviços e entretenimento nunca antes associados à imagem de uma jovem japonesa. Como consumidoras, uma atividade favorita e era escolher, comprar e usar suas próprias símbolo de independência da roupas e acessórios, em vez de usar aqueles que os pais considerassem adequados. A saída mais fácil da tradição foi usar roupas de estilo ocidental. No entanto, com um forte sentimento pela cultura japonesa, muitas buscavam novos estilos para o – a faixa na cintura do quimono –, com padrões vibrantes, combinando-os com uma seleção pessoal de acessórios de inspiração ocidental e oriental, para criar novos estilos de moda que seus pais considerariam inimagináveis. Bolsas de mão com alças, cestas de piquenique, grampos de cabelo de baquelite, guarda-sóis, bandanas e chapéus de palha, combinados com quimono e com desenhos geométricos arrojados e coloridos, garantiam olhares e anunciavam com confiança, em termos inequívocos, seu recém-alcançado social. 59




MOBO: O MENINO MODERNO Semelhante à aparência exterior digna de um homem japonês, sem qualquer indicação de sua personalidade interior, o traje exterior do – menino moderno – era um quimono simples, sombrio, simplesmente adornado com (emblemas familiares). Certos aspectos da personalidade e dos pequenos , no entanto, poderiam ser revelados por meio de vislumbres interesses de um dos desenhos apresentados em seu (roupa de baixo do quimono longo) e (entrelaçamento de um ; o revestimento externo usado sobre um era frequentemente coberto de estampas animadas, quimono). conhecidas como (desenhos interessantes ou divertidos) representando carros, barcos e aviões, discos de vinil e personagens de quadrinhos, ou até a última moda do esporte, como tênis, golfe e atletismo. Da mesma forma, eram escuros e lisos por fora, mas escondiam ilustrações os casacos sofisticadas no . Estes seriam revelados durante o momento apropriado em uma festa, ou talvez em encontros pessoais informais. populares de incluíam jogadores de beisebol, motivos adaptados Os da crescente indústria cinematográfica, de viagens e da literatura, ou imagens patrióticas que celebravam as recentes façanhas e ambições militaristas do era dividir dramaticamente a composição Japão. Um formato popular de na diagonal para contrastar cenas do Japão tradicional e moderno. Uma cena de viajantes percorrendo a Old Tokaidō Road justaposta a uma locomotiva moderna que faz a mesma viagem em alta velocidade entre Kyoto e Tóquio, ou samurais galopando a cavalo ao lado de guerreiros contemporâneos em tanques modernos correndo pelo campo de batalha, ou mesmo uma cena nostálgica dos viajantes de um dia acampando no sopé do monte Fuji se justapõem a uma paisagem urbana que celebra a modernidade do Japão, com biplanos voando sobre o horizonte idealizado de uma Tóquio de arranha-céus, inspirado em Nova York. Durante a segunda metade da década de 1930, o liberalismo social, estilos de vida livres e a criatividade abundante das metrópoles modernas do Japão foram gradualmente substituídos pela ambição militar e pelo nacionalismo, que levaram a ideologias conservadoras no governo e campanhas de austeridade social. Assim como o modernismo nasceu da tragédia do terremoto do Grande Kantō, de 1923, apenas duas décadas depois, ele chegou a um fim calamitoso com os bombardeios aliado das principais cidades do Japão, do outono de 1944 ao verão de 1945. Fotografias tocantes do centro de Tóquio, em 1923 e 1945, exibem cenas apocalípticas de devastação. Foi uma tragédia da qual o país não se recuperou até os Jogos Olímpicos de Tóquio, de 1964, e a Expo Mundial de Osaka, de 1970. Ambos foram eventos marcantes que deram início à segunda ascensão criativa e econômica do Japão da era moderna.

Wayne Crothers é curador Sênior de Arte Asiática na National Gallery of Victoria.

JAPANESE MODERNISM • NATIONAL GALLERY OF VICTORIA • MELBOURNE • 28/2 A 4/10/2020


Giant, 2016. Pirelli Hangar Biccoca, Milรฃo, Itรกlia. Foto: Sha Ribeiro.

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TICIANO FLASHback


Bacchanal, 1523-1524.


MOSTRA NA NATIONAL GALLERY REÚNE UM GRUPO DE OBRAS-PRIMAS DO ARTISTA RENASCENTISTA TICIANO PELA PRIMEIRA VEZ DESDE O FINAL DOS ANOS 1500. TICIANO CHAMAVA AS PINTURAS DE POESIAS, PORQUE SE BASEAVAM NA POESIA CLÁSSICA PARA SEUS TEMAS E AS IMAGINAVA COMO POEMAS VISUAIS

O Renascimento foi uma época de descobertas que valorizava a racionalidade e a investigação intelectual além da doutrina religiosa tradicional. A atenção renovada que trouxe ao indivíduo também despertou interesse em nossas vidas interiores. Ticiano (c. 1488 a 1576) estava particularmente sintonizado com isso, ligando nossa sensação corporal de estar vivo às paixões que nos impulsionam. Cheio de vitalidade e humor, mas também de violência e trauma, está entre suas realizações supremas. a série Estas telas foram pintadas entre 1551 e 1562 para Philip de Habsburgo, rei da Espanha, de 1556. O acordo entre patrono e artista deu a Ticiano a liberdade de escolher e interpretar os assuntos das pinturas como quisesse. Esses trabalhos – investidos no conhecimento e na experiência adquiridos durante sua vida – inspiraram gerações de artistas e ajudaram a definir nossa compreensão moderna da pintura como autoexpressão. faziam parte de um arranjo notavelmente aberto entre pintor e patrono, abrangendo uma grande série de pinturas, tanto religiosas quanto seculares. Ticiano recebeu liberdade sem precedentes para escolher o que pintar e como, tal era a confiança de Philip nele. Ticiano as pintou com empatia, em busca de histórias convincentes e verdade emocional. Baseou-se na poesia clássica, mais significativamente no poeta romano Ovídio e suas interpretações vívidas e profundamente emotivas da mitologia em (início do primeiro século D.C.). A poesia abrange uma ampla gama de temas e estados emocionais. Por meio de suas pinceladas variadas e dramáticas, Ticiano apelava diretamente aos nossos sentidos, permitindo comédia e tragédia, e levantando questões de amor, desejo e criatividade; poder, violência e morte. 66

Vênus Anadyomene, 1520.

POR MATTHIAS WIVEL



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DANAË, 1551-3

Danaë, 1551-53. © Stratfield Saye Preservation Trust.

Danaë é a filha de Acrisius, rei de Argos. Quando um oráculo diz a Acrisius que Danaë dará à luz um filho que o matará, ele a aprisiona. Atraída por Danaë, Júpiter, rei dos deuses do Olimpo, entra em seu quarto disfarçado de chuva de ouro e a engravida. Danaë dá à luz um filho, Perseu, e Acrisius tranca mãe e filho em um baú, jogando-os no oceano. Depois de resgatados, são capturados por Polydectes, rei de Serifos – uma ilha no mar Egeu. Perseu cresce em sua corte e acaba cumprindo a profecia do oráculo durante uma competição esportiva quando, guiado pelos deuses, um disco sopra de suas mãos e mata Acrisius. Ticiano provavelmente conhecia a história de suas muitas interpretações posteriores, verbais e visuais, incluindo a pintura de Correggio de cerca de 1530 (agora na Galleria Borghese, Roma) e a versão do grande poeta florentino Giovanni Boccaccio, no século 14. Uma leve tensão percorre o corpo de Danaë enquanto ela recebe o banho de ouro. Ela olha para cima, os lábios entreabertos, segurando frouxamente um lenço em expectativa. Uma mecha de seu cabelo ruivo trançado acaricia seu ombro esquerdo. Este é o momento da concepção de Perseu. Enquanto apela ao desejo do espectador, Ticiano investe Danaë com autossuficiência despreocupada. A velhinha inclinada para pegar as gotas douradas fornece um contraste pungente – da idade, da intenção e da fertilidade. Ticiano pinta sua carne de maneira muito diferente da de Danaë. Ticiano enviou a pintura a Philip, provavelmente em Valladolid ou Madri, no verão de 1553. Sua superfície está danificada, revelando a pincelada à mão livre de Ticiano e desvalorizando a velhinha. 69


Venus and Adonis, 1553-54 © Photographic Archive Museo Nacional del Prado, Madrid

VÊNUS E ADÔNIS,1553-4 Adônis nasceu da relação incestuosa de sua mãe Mirra e seu pai, rei Cinyras, de Chipre. Envergonhada com essa transgressão, Myrrha é transformada em uma árvore de madeira. Adônis nasceu da casca de seu tronco e foi criado por Proserpine, rainha do submundo. Ele se torna um jovem de excepcional beleza e Vênus, deusa do amor, apaixona-se por ele. Vênus deixa sua casa no Monte Olimpo para caçar com Adônis. Preocupada com sua segurança, ela o adverte para nunca perseguir bestas perigosas, mas ele ignora esse conselho e é morto por um javali. Chegando em sua carruagem voadora, Vênus encontra Adônis sangrando até a morte e chora por ele, fazendo com que anêmonas vermelhas cresçam de seu sangue. Ticiano baseou sua interpretação em grande parte nas de Ovídio. Ele pode ter trazido o motivo dos amantes que se separavam ao amanhecer, ausente do original de Ovídio, de uma tradução contemporânea para o italiano. A composição depende de um momento de hesitação, abrangendo passado, presente e futuro. O amanhecer está começando. A nudez de Vênus, a desordem de suas roupas e o jarro derrubado sugerem uma noite de amor. Cupido, filho de Vênus e símbolo do amor, agora está dormindo. Adônis está saindo para a caçada, seus cães de caça no chão. Adônis avança quando Vênus se vira. Suas costas são meticulosamente rendidas, transmitindo seus músculos flexionados. Ela implora ao seu amante mais jovem, ciente do perigo. Ele devolve seu olhar sem entender, mas hesita. Ticiano evoca o abatimento da paixão na manhã seguinte, enquanto transmite, em um nível mais profundo, nossa impotência para proteger aqueles que amamos. No céu, vemos um ponto posterior na história: Vênus chega em sua carruagem puxada por pombas, brilhando uma luz no chão onde Adônis encontrará sua morte. 70


Acima: Young Woman Sewing, 1655 e The Account Keeper, 1656. © St. Louis Art Museum.


Diana and Actaeon, 1556-59. © The National Gallery London / The National Galleries of Scotland.

DIANA E ACTAEON, 1556-9 Após uma bem-sucedida caçada matinal, Actaeon decide deixar seus companheiros e explorar um vale isolado. Entrando em uma floresta densa, ele se depara com a deusa da caça, Diana, e suas ninfas tomando banho na primavera. Ele, inconscientemente, testemunha a nudez delas. Enfurecida, Diana o transforma em veado, tornando-o incapaz de falar para que ele não possa divulgar o que viu. Actaeon foge e só percebe sua transformação quando vê seu reflexo em uma fonte. Ticiano segue o relato de Ovídio sobre a história nas , mas introduz uma gama mais ampla de reações entre as ninfas. Aqui, o artista expande seu escopo para incluir vários nus vistos de várias perspectivas. A maioria das ninfas é típica, mas a mulher de pele escura parece basear-se em uma pessoa real, provavelmente uma modelo. A imagem nos lembra as implicações de ver e ser visto. Enquanto Diana o observa, Actaeon, jovem e inocente, percebe tarde demais que viu algo que não deveria. As ninfas respondem de várias maneiras – de choque e surpresa ao fascínio – enquanto um cãozinho late comicamente para os cães de Actaeon. O crânio de um veado prenuncia seu destino e, no fundo, uma figura, presumivelmente Diana, caça um cervo – talvez Actaeon em seu estado transformado. 72


A MORTE DE ACTAEON, 1559-75 Inconscientemente, vendo a deusa Diana nua, o jovem caçador Actaeon é transformado em um veado. Ele foge perseguido por seus próprios cães. Ele grita para seus companheiros de caça, mas tudo o que ouvem é um balido de cervo. Os cães o alcançam e o despedaçam. Enquanto sangra até a morte, Actaeon pensa consigo mesmo como teria gostado de liderar a caçada ao veado que ele se tornara. Vemos Actaeon à meia distância, em plena transformação, com um corpo humano e uma cabeça de veado. Pintados como se fossem borrões de movimento, os cães de Actaeon o perseguem. A deusa Diana aponta o arco para ele, embora seu arco e flecha nunca tenham sido pintados. Um membro do grupo de caça de Actaeon foge a cavalo. Ticiano parece ter começado a imagem em 1559, mas nunca a enviou a Philip. A maior parte do que vemos hoje foi pintada uma década ou mais depois para um a propósito desconhecido. Demonstra como o artista levou as ideias da uma conclusão lógica. Contente com estados de acabamento bastante variados, Ticiano cria uma continuidade quase elementar através da superfície pintada, fundindo suas figuras com o ambiente. Sua execução vigorosa comunica a emoção da cena. A explosão de amarelo denotando um arbusto no pé de Diana simboliza a paixão expressiva de seus últimos anos.

The Death of Actaeon, 1559-75. © The National Gallery, London


Acima: Sleeping Man having his Pockets Picked about, 1656. © 2019 Museum of Fine Arts, Boston. À direita: Portrait of Margaretha de Geer (1583-1672), 1669. © Dordrechts Museum.

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PERSEU E ANDRÔMEDA, 1554-6 A mãe de Andrômeda, a rainha etíope Cassiopeia, se orgulha de que ela e sua filha são mais bonitas que as ninfas do mar, as Nereidas. Netuno, deus do mar, se ofende. Andrômeda é acorrentada a uma rocha como sacrifício para apaziguar Ceto, o monstro enviado por Netuno para punir Cassiopeia e seu povo por sua arrogância. Perseu, filho de Danaë e Júpiter, voa com suas sandálias aladas no caminho de volta, após matar a górgona Medusa, de cabelos de cobra. Ele se apaixona por Andrômeda e decide ajudar, mas não antes de garantir a mão dela em casamento com os pais. Perseu mata o monstro e, quando os espectadores aplaudem, ele abaixa o escudo para lavar as mãos ensanguentadas na água do mar. Montada em seu escudo está a cabeça de Medusa, que tem a capacidade de transformar coisas vivas em pedra. As algas marinhas na praia ficam duras, criando corais. Ticiano mostra o momento dramático em que Perseu mergulha no mar para matar o monstro Ceto. Suas pinceladas expressivas trazem à vida a água agitada e a fera, mas o foco está na figura acorrentada de Andrômeda, esticada contra a rocha escura. Sua pele pálida e pose de balé oferecem um contraste com a figura assertiva do herói. Seu olhar de angústia busca a empatia do espectador, temperando o erotismo manifesto da imagem. A mudança de pigmento fez com que esta tela se tornasse mais escura do que Ticiano pretendia. O pigmento azul que ele usou para grandes partes do céu ficou marrom acinzentado. Outras áreas são melhor preservadas – ainda podemos apreciar detalhes tão sugestivamente atribuídos como o reflexo do brinco de rubi de Andrômeda em sua pele.

Perseus and Andromeda,1554-56 © The Wallace Collection, London / Foto: The National Gallery, London.

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O ESTUPRO DE EUROPA, 1559-62 Júpiter, rei dos deuses do Olimpo, fica impressionado com a paixão pela princesa fenícia Europa. Ele ordena que Mercúrio, o deus mensageiro, leve o gado do pai Agenor para a praia onde Europa e suas amigas estão relaxando. Ele se disfarça de um touro branco como a neve, que fascina tanto as garotas que elas se reúnem em volta, acariciam-no e o coroam com flores. Europa sobe nas costas do touro e de repente parte para o mar. Júpiter a leva para Creta, onde a estupra. Europa é retratada em toda a sua presença carnal. Ela se debate desajeitadamente, como se estivesse prestes a cair na parte de trás do touro, que olha para o espectador com uma inocência fingida que, em última análise, sugere indiferença alienada. Cupidos brincam no ar. Um entusiasta monta um golfinho enquanto um peixe pontudo e sinistro nada sob os pés de Europa. O efeito é simultaneamente cômico e assustador. A agitação de olhos arregalados de Europa paira em algum lugar entre êxtase e horror, seu véu vermelho ondulado uma exclamação de paixão. Os limites e as repentinas mudanças de poder inerentes ao desejo e ao sexo são combinados pela dissolução atmosférica. As montanhas embaçam em uma névoa, a umidade quente paira no ar, uma roupa rasteja através das águas misteriosamente calmas.

Matthias Wivel é curador de Pinturas Italianas do Século 16 na National Gallery London.

The Rape of Europa, 1559-62 © Isabella Stewart Gardner Museum, Boston.


TITIAN: LOVE DESIRE DEATH • NATIONAL GALLERY • REINO UNIDO • 16/3 A 14/6/2020

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bruguera

TANIA

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ALTO relevo


Untitled (Havana), 2000. Courtesy Estudio Bruguera.


TANIA BRUGUERA (1968, HAVANA, CUBA), ESTÁ ENTRE AS ARTISTAS MAIS INFLUENTES DA CENA MUNDIAL, CUJAS PERFORMANCES E INSTALAÇÕES EXAMINAM AS ESTRUTURAS DO PODER POLÍTICO E SEUS EFEITOS SOBRE AS PESSOAS MAIS VULNERÁVEIS ​DA SOCIEDADE. A ARTISTA E ATIVISTA DESAFIA FORTES PODERES COM SUAS AÇÕES MUITAS VEZES PROVOCATIVAS E QUE SE TORNARAM OBJETO DE ATENÇÃO INTERNACIONAL

POR ELISA MAIA Para que serve a arte? Que função ela pode exercer na construção de uma nova sociedade? Essas questões, herdadas do construtivismo russo, norteiam as diversas modalidades de performance que a cubana Tania Bruguera vem criando há mais de três décadas para questionar as relações entre os poderes instituídos e os indivíduos submetidos a eles. Sua pesquisa aposta no dissenso, no confronto e no conflito para suscitar afetos que ajudem a desnaturalizar comportamentos normativos da sociedade. Nesse sentido, quando coloca dois policiais montados a cavalo para entrar de surpresa nas salas da dando comandos arbitrários ao público da exposição (que, invariavelmente, reage de forma dócil à presença coercitiva dos homens de uniforme), Bruguera espera provocar de alguma forma a reflexão dos espectadores sobre a complacência com as autoridades, por mais autocráticas e descontextualizadas que elas se mostrem. Em uma perspectiva otimista, portanto, seus projetos funcionariam como um antídoto para o que a artista considera uma apatia social dos cidadãos contemporâneos, ajudando a transformar espectadores em cidadãos ativos e instituições culturais em espaços cívicos. A performance comprada pela , em Londres, integra a série , cujo título faz referência ao arquiteto soviético Vladimir Tatlin (1885-1953), autor do icônico – a gigantesca espiral de ferro e vidro que seria erguida no centro de Moscou –, um projeto exposto em 1920, mas nunca executado, e descrito pelo artista como a “união de formas puramente plásticas (pintura, escultura e arquitetura) para um propósito utilitário”. A palavra ), no título da série de Bruguera, funciona “sussurro” ( 80



como um comentário pejorativo sobre a perda da potência e da energia revolucionárias que marcaram a Revolução Bolchevique, cujo fervor e esperança haveriam chegado aos dias atuais não mais como um grito, mas apenas como um sussurro. O primeiro grande projeto de Bruguera, iniciado quando ainda era uma estudante , a artista no Instituto de Arte Superior de Havana, foi multimídia cubana radicada em Nova Iorque, autora de trabalhos viscerais como (1973-80) e (1982). Pouco depois da morte de Mendieta, em 1985, Bruguera começou a reencenar trabalhos da artista com o propósito de situá-la no contexto cultural cubano, no qual Mendieta era pouco conhecida em razão de sua saída da ilha ainda aos 12 anos. Aos 36 anos, Mendieta caiu da janela de seu apartamento, no 34º andar de um prédio em Greenwich, onde morava com o marido, o escultor minimalista Carl Andre. Diante das circunstâncias obscuras de sua morte (nunca foi esclarecido se Mendieta caiu, saltou ou foi empurrada), Andre chegou a figurar como suspeito em um processo criminal que durou três anos. A defesa do artista se centrou na desqualificação da personalidade de Mendieta, enfatizando as práticas ritualísticas que envolviam o uso de sangue animal performadas por ela e sua relação com a religião afro-caribenha Santería. Com de Bruguera, surge nesse contexto não só como efeito, uma estratégia de conferir visibilidade à densidade e à potência das performances de sua conterrânea, mas também como forma de iluminar o preconceito e a ausência de empatia que os advogados de Carl Andre demonstraram em relação à artista cuja vida fora interrompida de forma tão trágica.

Tatlin's Whisper #5, 2008. Courtesy Estudio Bruguera

82


Homenaje a Ana Mendieta, 1985–96. © Gonzalo Vidal Alvarado © Tania Bruguera.

Com um propósito semelhante, em 1993 Bruguera lançou (1993-94), um jornal independente de autoria coletiva para resgatar memórias pessoais de artistas, intelectuais, críticos, curadores e historiadores da arte que haviam deixado a ilha e, portanto, não constavam nos arquivos oficiais das instituições cubanas. Criado a partir do estilo do jornal oficial de Cuba, , a ideia era oferecer uma contranarrativa que pudesse se infiltrar em um espaço monopolizado pelo discurso oficial do governo, ajudando a preencher o que Bruguera entendia como um esvaziamento cultural causado pela emigração de muitos artistas no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. A primeira edição do jornal rendeu a Bruguera um pedido do Conselho Nacional de Arte para que interrompesse o projeto e, quando a segunda edição foi lançada, a artista foi interrogada pela polícia e ameaçada com pena de prisão. Em 2009, a série ganhou nova performance, apresentada como parte da décima Bienal de Havana. O projeto, descrito por Bruguera como “um ensaio para o futuro”, oferecia um minuto de liberdade de expressão para os cidadãos cubanos. A artista chama atenção para as promessas feitas durante a Revolução que não foram cumpridas pelo governo, dirigindo o foco para a atitude paradoxal dos cidadãos cubanos que conhecem a situação (“sabem que foram enganados”) e, mesmo assim, ainda não exigiram o que lhes foi prometido. “O artista é um instigador e o trabalho não é composto pelos elementos físicos presentes no espaço, mas pelas consequências da experiência.” 83


Acima: Memoria de la Postguerra, 1993-94 e Tatlin’s Whisper #6, 2009.

Bruguera instalou no pavilhão um palco com um pequeno pódio e distribuiu 200 câmeras fotográficas para que as pessoas da plateia pudessem registrar a fala dos participantes. Dois guardas vestindo uniformes militares colocavam uma pomba branca no ombro de cada uma das pessoas que subia ao palanque, uma alusão à imagem da pomba branca no ombro de Fidel Castro em seu primeiro discurso depois da Revolução, em 8 de janeiro de 1959. A tensão causada pelas falas evidenciava de maneira contundente o paradoxo entre a aparente banalidade e a seriedade dos potenciais riscos de um discurso espontâneo em um regime totalitário. “Não se pode pensar que um único projeto de arte possa provocar grandes transformações, mas acho que é possível preparar as pessoas para imaginarem a si próprias de forma diferente e dar a elas alguma ferramenta para exigir o que querem.” No mesmo sentido, em 2016, Bruguera lançou na internet um vídeo em que anunciava a candidatura dela à presidência de Cuba, incitando o público a fazer o mesmo como forma de combate à cultura “do medo e da apatia que assola o país”. Em 17 de dezembro de 2014, após o anúncio da “normalização” das relações entre os Estados Unidos e Cuba, Bruguera postou em sua página do uma carta endereçada a Fidel Castro, Obama e ao papa Francisco, intitulada , pedindo um debate público sobre a “nova Cuba” – “Como cubana, hoje eu exijo o direito de saber o que está sendo planejado com nossas vidas e, como parte dessa nova fase, exijo o estabelecimento de um processo político transparente, do qual possamos participar com o direito de sustentar diferentes opiniões sem que sejamos punidos por isso.” Ainda como parte deste projeto, Bruguera planejou reencenar em 30 de dezembro, na Plaza de la Revolución, em Havana, uma iniciativa que permitiria ao espectador ao menos imaginar o que diria se houvesse um microfone à disposição dele e a possibilidade de discursar livremente por um minuto em praça pública. A 84


performance, porém, terminou antes mesmo de começar, com a prisão de Bruguera pela manhã e de mais 80 colaboradores do projeto. Acusada de praticar atos ilegais contra o Estado cubano, Bruguera foi levada em custódia, interrogada por vários dias e teve seu passaporte confiscado por meses, além de ter se tornado vítima de , uma campanha de difamação no país que a caracterizava como uma irresponsável e oportunista. Com esse gesto, o sistema traçava também uma linha arbitrária separando o que seria arte do que estaria às margens de seu domínio. Apesar das consequências, ou justamente por elas, Bruguera considera essa a sua performance mais bem-sucedida até hoje, uma vez que o governo cubano aceitou completá-la tão prontamente, de forma pública e inequívoca. Em razão do #6, no ano seguinte, Bruguera organizou outra cancelamento de performance em Havana, desta vez uma maratona de cem horas de leitura coletiva do livro (1951), de Hannah Arendt, a acontecer na casa da artista em 20 de maio, dia da independência cubana. A leitura do texto, da qual participavam artistas e intelectuais, podia ser ouvida mesmo por quem estava do lado de fora da casa dela, por meio de caixas de som instaladas na rua. Momentos depois do início do evento, a prefeitura enviou uma equipe de construção para o

The Burden of Guilt, 1997-1999.


Abaixo: Sem tĂ­tulo, 1960. Fotos: Jaime Acioli.

Acima: As origens do totalitarismo, 2015. Abaixo: Self-Sabotage, 2009.

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local, abafando o som da performance com o barulho de furadeiras. A resposta (também performática) do Estado – o silenciamento dos argumentos filosóficos lidos durante a performance – para Bruguera funcionou como uma ilustração clara de como se manifestam nos dias atuais os atos totalitários analisados por Arendt no meio do século passado. Na prática, os esforços do governo de sufocar o som da performance acabaram tendo o efeito inverso, a saber, o de amplificá-la. Ao final da leitura, Bruguera saiu de casa com o livro de Arendt em uma das mãos e a pomba branca em outra. Antes de ser colocada na viatura pela polícia, Bruguera soltou a pomba e jogou o livro na calçada. A ação do Estado, assim como as imagens do corpo machucado de Bruguera – evidências da coerção e do confinamento a que foi submetida – se tornaram parte do trabalho. Em um de seus projetos mais polêmicos, a artista convidou representantes de diferentes facções envolvidas nos conflitos políticos da Colômbia – incluindo um membro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC, e um oficial paramilitar – para discutir suas preocupações e compartilhar pontos de vista divergentes em um painel organizado por ela. Sem que ninguém soubesse, Bruguera providenciou para que um garçom circulasse pela plateia oferecendo uma bandeja de cocaína às pessoas que assistiam ao painel. O foco do painel então foi rapidamente redirecionado para o público, mais especificamente, para o consumo da droga pelo público e para a própria cocaína que está no centro de muitos dos conflitos ali discutidos. , realizada em 2009, no Jeu de Paume, em Paris, também gerou reações passionais. Convidada para falar sobre política em um ciclo de conferências organizado pela curadora da instituição, Bruguera fez uma leitura de , texto de sua autoria dividido em quatro partes. Ao final de cada parte, Bruguera carregava um revólver calibre 38 com uma bala, rodava o tambor, encostava o cano da arma em sua têmpora e puxava o gatilho. Na remontagem da performance que tentou fazer na Bienal de Veneza, um membro da plateia interveio, impedindo Bruguera de continuar. Como era de se esperar, em razão da natureza dos temas tratados, as performances de Bruguera têm reunido entusiastas e detratores em igual proporção. Entre as muitas 87


críticas que o trabalho recebeu ao longo dos anos está a acusação de reificar o antigo dualismo entre uma arte socialmente engajada (chamada por ela de “arte útil”) e uma arte autônoma, identificada com a noção anacrônica da “arte pela arte”, que remonta ao final do século 19. A ideia de que a arte dita politicamente engajada tem como propriedade a capacidade de despertar no espectador a consciência social, alterando velhas dinâmicas de poder da sociedade e oferecendo soluções concretas para problemas específicos, pode ser (e já foi em diversas ocasiões) considerada simplista, idealista ou ingênua. Sabe-se que não se pode , o efeito provocado por uma experiência artística e nada garante definir, que ela terá o poder de despertar no espectador o desejo de se tornar um ator na luta contra uma injustiça e, menos ainda, de que esse desejo vá ser traduzido em ação. Uma concepção utilitária da arte corre sempre o risco de torná-la propaganda, um panfleto ideológico para alguma causa específica traduzido em experiência estética. Nesse sentido, os trabalhos de Bruguera que alteram os regimes de visibilidade escapando à armadilha de se tornar didáticos demais talvez sejam os mais interessantes. Vivemos em tempos que não param de desafiar o nosso senso de realidade e em que é preciso renegociar a cada instante nossa percepção do que está ou não de fato acontecendo. Perdemos a noção do que é ou não real e, com ela, perdemos também a noção do que é ou não possível.

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No momento em que o mundo parece tão escasso de alternativas, em que nos vemos encurralados por dicotomias apocalípticas como “a economia ou a saúde”, “a fome ou a doença”, mais do que nunca é preciso potência inventiva para se enfrentar o impensável, para se imaginar outras linguagens, outros desenhos, outras formas de organização social, outros futuros. A arte dita “útil”, ou com potencial transformador, não precisa ser necessariamente a arte passível de ser explicitamente instrumentalizada, mas aquela que se apresenta como um reservatório da alteridade, aquela capaz de resistir, ao menos simbolicamente, às narrativas do impossível. Independentemente do conteúdo manifestamente político, a arte terá capacidade política sempre que apontar para lugares que ainda não haviam sido contemplados. Como bem disse o filósofo francês Jacques Rancière, a estética promove transformação política quando é capaz de estabelecer “novas configurações do que pode ser visto, do que pode ser dito e do que pode ser pensado e, consequentemente, uma nova paisagem do possível.”

Endgame, 2017. Foto Jessica Riga. À direita: Surplus Value, 2010. Courtesy Estudio Bruguera.

TANIA BRUGUERA: LA VERITÀ Elisa Maia é doutorando do programa de Comunicação e Cultura da ECO-UFRJ.

ANCHE A SCAPITO DEL MONDO • PAC • MILÃO • 13/11/2020 a 31/012021


GARlimpo

ALTO falante

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POR ALEXANDRE SÁ

EXTEMPORÂNEOS Antes de começar a escrever, precisei olhar no celular para me lembrar de que dia é hoje: 29 de abril de 2020. A última vez que saí de fato sem maiores preocupações foi no dia 12 de março de 2020. De fato, terminei saindo no dia seguinte, mas ali já não havia mais calma. Sabia que viriam dias árduos. E, desde então, pude concordar em ficar em casa, reconhecendo tal privilégio. Os sentimentos são díspares, mas é impossível não experimentar uma angústia de abismo que se imprime em mim. Por outro lado, em que medida tal sensação de fato me é estranha? Para além das catástrofes, do horror e dos corpos, não haveria algo que nos acompanha como clausura, mesmo que metafórica, desde muito? Será que eu já vivi em algum momento para longe da clausura? É possível viver além da clausura do viver? A emoção agora é, talvez, comum. Um misto de estranheza que em pequenas reviravoltas se revela extremamente familiar, como um vírus. Freud, no texto O estranho, discorre sobre as analogias semânticas entre as palavras unheimlich (estranho) e heimlich (familiar) e não se exime de indicar de forma extremamente rara a relação de aproximação e distanciamento que se coloca como vínculo entre as duas. Em uma recente edição de 2019, publicada pela editora Autêntica e traduzida por Ernani Chaves e Pedro Heliodoro Tavares, é possível ler: "De todo modo, lembremos que essa palavra heimlich não é clara, pois diz respeito a dois círculos de representações, os quais, sem serem opostos, são, de fato, alheios um ao outro, ao do que é confiável, confortável e ao que é encoberto, o que permanece oculto." (FREUD, p. 45) Por mais que seja extremamente sabido, é importante destacar sempre que há um núcleo de dissenso no familiar que o gera como estranho, em um movimento curioso e talvez até natural, de parto e fagocitose. E isso se dá como uma eterna via de mão dupla. Mas como pensar nesses elementos quase-autônomos de forma mais precisa? Esta tradução, opta, com absoluta pertinência, por indicar que se trata de dois círculos de representações, seguindo uma justa tradição de tradução freudiana. Em alemão, encontramos o termo: zwei Vorstellungskreinsen. Zwei = dois, Kreisen = círculos, Vorstellung = representação. Se optássemos por trair a tradução mais justa de Vorstellung como representação, poderíamos, poeticamente e de maneira expandida, encontrar outras definições como: ideia, concepção, performance e imaginação. 90


Seria possível pensar então em dois círculos de concepções díspares que, apesar de não se colocarem de maneira oposta, estabelecem entre si uma estruturação entrópica, em eterno movimento nem sempre tão óbvio, fundada por aquilo que é adventício, externo, estrangeiro, invasor, invadido, viral. O que alimenta o estranho-familiar e vice-versa é o intruso que dele e nele se origina. Como se fosse possível apostar na fundação de uma casa que se erige a partir do seu próprio desejo desmoronamento. Ou investir in//conscientemente parte do seu desejo em um abrigo que jamais ficaria totalmente em pé, considerando, inclusive, que o verbo vorstellen também pode ser traduzido como colocar-se de pé diante de algo, apresentar-se. Nesse caso, tratar-se-ia de uma apresentação de uma dupla ausência. A produção contemporânea em alguns momentos fetichizou tal drama inevitável de absoluto desconhecimento de si a partir da perspectiva de outrem, considerando de maneira extremamente fidedigna a aderência não tão inteligente ao seu tempo. Há de haver alguma lembrança que todo o isso que se produz, produz em si e por si mesmo, um fantasma de presença que ri desconfiado de sua duração, permanência e temporalidade. E, nesse sentido, talvez, o tempo de agora, o do já, seja esse, sim, um mito. Boaventura de Sousa Santos, em A cruel pedagogia do vírus, comenta a produção urgente, necessária e desassossegada de alguns filósofos diante da pandemia e seus inevitáveis desacertos. E aponta que, talvez, uma possibilidade futura seja a de optarmos pela posição da retaguarda. Como um avesso da vanguarda. Ou aqui, como interpretação minha não menos ingênua, a vã//guarda como retaguarda diante do presente e do tempo. Quando tudo isso passar, se é que um dia de fato passará, é possível que os artistas em atuação percebam algum furo na estrutura do contemporâneo e consigam apostar em uma produção outra, menos repleta de afã, extemporânea, estranha, inoportuna, tardia à própria velocidade que lhes foi vagarosamente impressa ao longo dos últimos trinta anos. Resta-nos esperar sem pressa alguma. Seja lá o que isso for. Alexandre Sá é artista-pesquisador. Pósdoutorando em Filosofia pelo PPGF/UFRJ, pósdoutor em Estudos Contemporâneos das Artes pela UFF e doutor em Artes Visuais pela EBAUFRJ. E-mail: alexandresabarretto@gmail.com 91


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GARlimpo

NOTAS do mercado

CHRISTIE’S anuncia obras de pesospesados do mercado, como Philip Guston, Jean-Michel Basquiat e Amoako Boafo, para liderar uma venda de Arte do Pósguerra e Contemporânea, programada para ocorrer em Nova York em 10 de julho. (1973), uma peça icônica do final da carreira do artista Philip Guston deve custar entre US$ 1,5 milhão a US$ 2 milhões.

O leiloeiro ROBERTO DE MAGALHÃES GOUVÊA realiza em 25 de maio, o , que passeia pela produção brasileira e internacional no século 20. As vendas, organizadas pelo editor e bibliófilo Manoel Lauand, oferece 65 lotes, entre revistas, livros, catálogos, objetos de decoração, mobiliário e obras de arte relacionadas à produção artística e arquitetônica de brasileiros e estrangeiros ao longo do século 20.

SOTHEBY’S levará preciosas obras de arte latino-americana para leilões, com trabalhos de Frida Kahlo e Fernando Botero e outros. O leilão acontecerá durante a semana de 29 de junho em Nova York. compreende 35 lotes a serem oferecidos nas noites de vendas Contemporâneas e Impressionistas. No total, estima-se que essas obras faturem mais de US$ 22 milhões.


KAWS é um artista multifacetado que abrange os mundos da arte e do design em seu prolífico corpo de trabalho, que varia de pinturas, murais e esculturas em larga escala a design de produtos e fabricação de brinquedos. A Artnet Auctions apresenta um conjunto completo de 10 impressões da série de KAWS, lançado em 2019 junto da exposição individual do artista na Galeria Nacional de Victoria, em Melbourne, na Austrália. Os lances em uma, duas ou todas essas impressões vigorosas e coloridas podem ser feitas até 10 de junho e variam entre US$ 6 a 8 mil.

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LIVros

Esta é uma edição bilíngue, em português e inglês. Traz seis ensaios acerca das obras e dos arquivos sob a guarda do IAC. Eles abrem caminho para um universo inexplorado de descobertas sobre uma das fases mais frutíferas da arte brasileira do século 20. Um pensamento comum une os textos: o de que há uma estreita ligação entre design gráfico e de objeto, arquitetura, estudos e projetos, dentre outras práticas artísticas e de pesquisa. ENCONTROS FUNDAMENTAIS - IAC 20 ANOS • Org. Jacopo C. Visconti • Ubu Editora • R$ 89,90 • 224 páginas

Este livro examina contextos culturais e estereótipos, com exemplos visuais do mundo todo, e demonstra que as ferramentas de comunicação nunca são neutras, incentivando seus usuários a repensar sua visão da cultura global. Obras adicionais de artistas e designers contemporâneos mostram que a consciência política não limita a criatividade, mas abre novos caminhos para explorar uma cultura visual crítica. POLÍTICAS DO DESIGN • Ruben Pater • Editora Ubu • R$ 54,90 • 192 páginas

Suturas reúne obras criadas durante quatro anos pelo artista Gilvan Barreto, incluindo fotografias, colagens de fotos e desenhos que sugerem rupturas e tentativas de reconstrução. Corpos, imagens e memórias são remontados e reunidos por costura manual. SUTURAS • Gilvan Barreto • Edição de autor • R$ 60,00 • 68 páginas.

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COLUNA do meio

Maneco Muller, Esposa e Paulo Sérgio Duarte

Lygia Clark Vale das Videiras Petrópolis

Fotos: Denise Andrade

Maria Clara Mattos, Walter Carvalho, Carolyna Aguiar e Bel Kutner

Claudio Tozzi e Ricardo Camargo

Nuno Souza, Alessandra Clark e Stella Ramos

Carolyna Aguiar

Coleção de artista Ricardo Camargo São Paulo

Ricardo Camargo, Mayara Reple e Fabio Porchat

Fotos: Sônia Balady

Guilherme Werneck, Ricardo Camargo e Antonio Carlos Tuneu

Patricia Lee e Ricardo Camargo

Corrado Varolli, Bianca Boeckel, Levindo e Dorinha Santos

Gilberto Tenor e Bruno Pellizzario

Katia Wille Museu de Arte Sacra de São Paulo

Bianca Boeckel e Katia Wille

Vanderli Domingues, Alice Oliveira e Sonia Medeiros


Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente para tablets e celulares no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil. Para ficar por dentro do mundo da arte, siga a Dasartes.

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