SP-ARTE FÁBIO MAGALHÃES EUGÈNE DELACROIX EMMANUEL NASSAR NINO CAIS LARS NILSSON MARCO RIBEIRO
DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin PRODUÇÃO Leandro Fazolla André Fabro PUBLICIDADE publicidade@dasartes.com SUGESTÕES E CONTATO dasartes@dasartes.com APOIE A DASARTES Seja um amigo Dasartes em recorrente.benfeito ria.com/dasartesdigital
Capas: Adriana Duque, da série Ícones. Cortesia Zipper Galeria.
Doe ou patrocine pelas leis de incentivo Rouanet, ISS ou ICMS/RJ Primeira e última páginas: detalhe de obra de Abraham Palatnik, no estande da Simões de Assis
NINO CAIS
10 SP-ARTE
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04 De arte a z Fテ。IO MAGALHテウS
08 Outras notas 40 Livros 42 Resenhas
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EMMANUEL NASSAR
do 58 Notas mercado do 60 Coluna meio 62 Alto-falante
MARCO RIBEIRO
LARS NILSSON
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DELACROIX E SEGUIDORES
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DE ARTE A Z Notas do circuito de arte
PINTURA DE REMBRANDT DESCOBERTA EM LEILÃO Todos na sala de leilão em Nova Jersey se surpreenderam quando a tela de autor desconhecido, oferecida por US$ 800, chegou a quase US$ 1 milhão em disputa entre dois compradores. Trata-se de uma das primeiras obras de Rembrandt Van Rijn, parte de uma série dedicada aos cinco sentidos, e foi posteriormente revendida a uma coleção privada de Nova York por mais de ¤3 milhões.
ADEUS A ZAHA HADID
FIM DO PATROCÍNIO
Seu legado segue vivo A arquiteta iraquiananbritânica faleceu no fim de março, aos 65 anos, de problemas cardíacos. Foi a primeira mulher a ganhar o prestigioso prêmio Pritzker. Entre seus projetos mais famosos estão o Parque Aquático das Olimpíadas de Londres (foto) e a Ópera de Guangzhou, na China.
BP encerra apoio aoTate A BP, maior companhia petrolífera do Reino Unido, anunciou o fim do patrocínio de 26 anos ao Tate em 2017. O contrato era criticado por ativistas ecológicos por meio de performances nos museus. De acordo com a BP, a decisão é consequência de "um ambiente de negócios extremamente desafiador".
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RAIMUNDO RODRIGUES NA TV Nova novela com arte Com a estreia de "Velho Chico", na TV Globo, o público se aproxima do trabalho de Raimundo Rodriguez. Criador dos oratórios, santos e outros objetos religiosos, Raimundo compõe ambientes da trama de Benedito Ruy Barbosa. Também já trabalhou em outras séries, como "Capitu" e “Hoje é Dia de Maria”.
DESPEDIDA DO PAÇO DAS ARTES Instituição busca novo espaço As esculturas de gelo de Néle Azevedo eram a atração do evento de encerramento das atividades do Paço das Artes, na Cidade Universitária, no fim de março. Segundo Priscila Arantes, diretora artística e curadora, a ação foi uma homenagem à trajetória do Paço e a todos que já passaram pelo local: "de caráter efêmero, a obra 'Monumento Mínimo' foi recriada na icônica escadaria do prédio, principal ponto de encontro dos visitantes da instituição e também palco de vários eventos já realizados pela casa". A partir de abril, o Paço das Artes transfere temporariamente suas atividades e exposições para o piso térreo do Museu da Imagem e do Som (MISSP) e para a Oficina Cultural Oswald de Andrade. A solução é adotada enquanto a Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo busca outra sede para o museu, uma vez que a atual será devolvida ao Instituto Butantan, proprietário do edifício.
Para citar “Quero enfatizar o importante papel que os artistas desempenham em inventar seus próprios universos e injetar uma generosa vitalidade no mundo em que vivemos”
Christine Macel, curadora da Bienal de Veneza 2017
Novos Espaços GALERIA DE ARTE DO BNDES reinaugurou em nova e ampla sala dedicada a exposições selecionadas por edital. A primeira foi de Rodrigo Braga, produzida pelo ICCo, em cartaz até 15/4. Em setembro, a Dasartes ocupará o espaço com uma mostra de artistas que passaram por nossas páginas. AVENIDA REPÚBLICA DO CHILE, 100 CENTRO, RIO DE JANEIRO LUCIANA BRITO GALERIA mudou-se para uma casa dos anos 1950 projetada por Rino Levi com jardins de Burle Marx. Inaugura com mostra de obras de seus artistas inspiradas pela revitalização da residência, de 4/3 a 21/5. AV. NOVE DE JULHO 5162 JARDIM EUROPA, SÃO PAULO
Novos Espaços ÁTOMOS, espaço de arte autônomo criado pelos artistas Manoela Medeiros e Romain Dumesnil, pretende oferecer um local para experimentação e abre chamada para projetos de ocupação de outros artistas. RUA SARA 18, SANTO CRISTO, RIO DE JANEIRO
ROUBO HISTÓRICO EM MADRI LEVA OBRAS DE FRANCIS BACON Cinco obras de Francis Bacon, avaliadas em cerca de 30 milhões de euros, foram roubadas de uma casa em Madri, no que é considerado o maior roubo das últimas décadas no país. Apesar do sofisticado sistema de segurança, os ladrões conseguiram entrar e sair desapercebidos enquanto o dono estava fora, em uma autêntica “Missão Impossível”. Em 2012, Bacon tornou-se o artista mais caro da época ao ter seu tríptico “Três estudos para Lucien Freud” (foto) vendido pela Christie’s por US$142,4 milhões.
ANDREA REHDER ARTE CONTEMPORÂNEA. Ex-sócia da galeria Paralelo alça voo solo e inaugura exposição em espaço alternativo, com apoio da Fundação Marcos Amaro. De 6 a 28 de abril. RUA RÚSSIA 53, JARDIM EUROPA, SÃO PAULO. MARCELO GUARNIERI RIO DE JANEIRO. Principal galeria do interior de São Paulo inaugura sua 2a filial no prestigioso bairro de Ipanema. RUA TEIXEIRA DE MELO, 31 /C e D, RIO DE JANEIRO.
VISTO POR AÍ
Coleção Plasticarium, dedicada ao design em plástico de 1950 até hoje, no novo Arts & Design Atomium Museus (ADAM), em Bruxelas
Outras NOTAS
La Bête: é o bicho Bicho de Lygia Clark é ator em uma das peças mais comentadas do Festival de Teatro de Curitiba POR LEANDRO FAZOLLA
Aconteceu no fim de março a 25ª edição do Festival de Teatro de Curitiba, o maior do segmento no país, com mais de 350 espetáculos em sua mostra principal e nas mostras paralelas. Com uma nova curadoria, composta por Guilherme Weber e Marcio Abreu, o festival se tornou mais aberto e plural, ampliando o espaço para a crítica, a experimentação e a performance. O corpo se encontrava no centro da performance solo do artista Wagner Schwartz. Em "La Bête" (O Bicho), o performer manipula uma réplica de um "Bicho", obra icônica de Lygia Clark, ao mesmo tempo em que coloca a si mesmo enquanto estrutura articulável. Fazendo de seu próprio corpo uma extensão do Bicho, Schwartz convidou a plateia a participar, tocando e manipulando o objeto e seu corpo, 8
buscando uma relação direta de experimentação artística e física tal qual Lygia propunha. Mostra paralela do festival, o Fringe também reservou uma grata surpresa aos amantes das artes visuais: radicado na Alemanha, o ator brasileiro Alex Mello trouxe pela primeira vez ao país o espetáculo "Jean", inspirado na vida e na obra do pintor Jean Michel-Basquiat. Ao apresentar a biografia do artista, morto aos 27 anos, Alex trata não apenas de sua carreira e produção pictórica, mas de temas delicados como o racismo e a ruptura que Basquiat causou no sistema de arte norteamericano como um dos primeiros artistas negros a ganhar reconhecimento no mercado. Após consagração nesta grande vitrine para as artes cênicas, os espetáculos seguem sua trajetória e circulação pelo país.
OBRAS RECENTES INSEREM UM ELEMENTO BUCÓLICO NA PRODUÇÃO DO ARTISTA POR FERNANDO MOTA Quem conhece minimamente a obra de Nino Cais sabe que o artista é fascinado por objetos, vestuário e fotografias antigas. Além de suas fotografias conhecidas, nas quais ele cria e se transforma em personagens em ambientes fictícios que ele mesmo compõe, uma das vertentes mais fortes em sua obra é o uso de recortes e colagens, a transformação de itens apropriados em imagens com novos significados, uma reorganização de ideias, por assim dizer. Em séries mais recentes, o artista tem aplicado uma técnica manualmente oposta à colagem, na qual desgasta 10
partes da imagem original por meio de uma raspagem na superfície do papel, uma espécie de "depilação", como o próprio artista se refere. Um exemplo disso é a série de dípticos com fotos de hipismo e paisagens, exposta atualmente na Arte Hall em São Paulo. São trabalhos que trazem a linguagem tradicional do artista de apropriação e interferência, porém ele altera a imagem sem acrescentar algo novo, apenas retirando e transformando a matéria-prima. Em todas as composições, é possível perceber a intenção dos personagens das fotos em saltar para outro campo, pulando barreiras físicas e, enfim, chegando ao outro lado, que seria uma paisagem
completamente distinta emoldurada ao lado. Não se pode ver quem são os homens montados nos cavalos, já que é nessa parte que o artista interfere, com suas raspagens em faixas horizontais, nem situá-los com precisão no tempo ou espaço. Talvez essas sejam algumas das barreiras que o artista visualmente nos coloca e desafia a atravessar. Próximo a essa série estão fotografias em preto e branco de toureiros, cada uma com uma interferência pintada de uma cor. Completando a exposição, um vídeo no qual Nino está vestido inteiramente de preto com roupa de hipismo, sentado em uma cadeira em um ambiente branco, tamborilando com as palmas das mãos sobre as coxas, fazendo barulhos similares a trotes de cavalos. O artista traz com essas duas séries e o vídeo um olhar sobre atividades tradicionais que relacionam o animal e o homem, e também
À esquerda: Frame de vídeo. Acima: Sem título, 2015.
A estética de Nino Cais cria um universo intermediário entre o mundo cotidiano e um ambiente fantasioso, com suas raízes fictícias na literatura, no teatro e nas artes plásticas.
O ponto fundamental da lógica de Nino Cais é a glorificação. Aquilo que toca, ascende. Nino tem um gesto de luxo que espiritualiza cada coisa. Valter Hugo Mãe sobre o ritual cerimonioso de cada uma, incluindo suas roupas e acessórios. A estética de Nino Cais cria um universo intermediário entre o mundo cotidiano, que fornece a matéria-prima para os trabalhos, e um ambiente fantasioso e lúdico por natureza, com suas raízes fictícias na literatura, no teatro e nas artes plásticas. Como coloca o escritor português Valter Hugo Mãe: "Quando frequentarem a arte de Nino Cais, não pensem nos objetos que (re)utiliza como materiais salvos do esquecimento, pensem em materiais convidados para o sublime. O ponto fundamental da lógica de Nino Cais é a glorificação. Aquilo que toca, ascende. Nino tem um gesto de luxo
que espiritualiza cada coisa. Nada mais é inanimado. O que expõe é orgânico e vive. Como Midas, mas que, em vez de ouro, concede alma àquilo em que coloca a mão." Sem perder a identidade que vem construindo em sua obra, Nino Cais apresenta nesses novos trabalhos outra possibilidade de manipular imagens, ainda se relacionando com um universo fictício em paralelo e desconstruindo, ou melhor, reconstruindo narrativas. A teatralidade amadurece junto com sua precisão "cirúrgica" no lado plástico das obras, em que o artista explora novos campos com suas já conhecidas linguagem e estética.
À esquerda: Sem título (detalhe), 2014. Acima: Sem título, 2013. Fotos: Cortesia Casa Triângulo
DUAS PERGUNTAS PARA NINO CAIS Percebe-se uma mudança em seu trabalho, com a inserção do movimento dos cavalos, e o vídeo destoa um pouco do lirismo que permeia sua produção. Houve uma mudança? Estou sempre tentando mudar, nunca quis ser um artista que segue uma linha e começa e termina na mesma coisa ou que costura um tema, uma poética, um discurso ou linguagem. Sempre tentei fugir dessa responsabilidade ou contexto. Claro que, indiretamente, a gente se apropria do universo que tem. É como se, para atravessar uma ponte, tivermos que pisar em cada tábua de madeira dela. Não há salto. Há sempre uma ligação com o que eu fazia antes, mesmo que atravesse de um lado para outro totalmente diferente, é passo a passo. Alguns de meus vídeos anteriores conversam com este. Em um deles, estou em alto-mar, parado em uma situação de movimento; em outros, amarro porcelanas ao meu corpo ou quebro vidros. A mudança se dá naturalmente pela maturidade do trabalho, por meio de reflexão. Já houve um tempo em que eu ficava mais rígido em certas questões, mas hoje tento ser maleável. Quando estamos fixos em algum ponto, há sempre frestas por onde atravessar e hoje
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tento buscar essas frestas, as rupturas, e entender esses discursos que a arte contemporânea nos coloca, ora para o crescimento e ora para as armadilhas. O artista tem que reconhecer as armadilhas. Fale sobre seus projetos para o futuro Não gosto de fazer promessas. Estão acontecendo movimentos, estou preparando uma exposição em Nova York, na Galleria Fridmann, com trabalhos que dialogam com os da Arte Hall, mas ainda estou me entendendo e juntando material, pensando em algo que quero fazer lá. Impressiono-me quando chego ao espaço. Lá, chegarei oito dias antes e espero ter provocações que me levem a buscar algo novo, tirar materiais do entorno, deparar com questões que me aproximem do ambiente. Sou uma pessoa sempre em movimento, não estou fechado e não estou cercado em meu próprio terreno seguro. Fernando Mota é mestre em arte contemporânea, crítico e curador independente. Colaborou com diversos livros, periódicos e catálogos sobre artistas brasileiros.
EM MEIO A TURBULÊNCIAS, SP-ARTE INAUGURA SUA 12ª EDIÇÃO MANTENDO A FORTE PRESENÇA DE ESTRELAS DO MERCADO MUNDIAL Mais uma vez, São Paulo vira destino de colecionadores e amantes da arte do Brasil e do mundo com a SP-Arte 2016. Sem se intimidar pela crise, 120 galerias ocupam o pavilhão da Bienal, incluindo White Cube, Lisson e outras representantes de artistas-celebridades, oferecendo ao visitante a mais diversa, completa e internacional exposição de arte da cidade. Nas próximas páginas, a Dasartes traz uma seleção de obras expostas na feira. Saboreie esta mistura caótica e por vezes insólita de arte, ao estilo das feiras ao redor do mundo, e conheça um pouco da sedução, ousadia, beleza e reflexão com que a SP-Arte brindará seus visitantes este ano.
À esquerda: detalhe de obra de Ian Davenport na Arteedições. Acima: instalação de Janaína Mello Landini na Zipper Galeria.
Além da estreia de 18 galerias que participam na feira pela primeira vez, como a carioca O Colecionador e a gaúcha Mamute, o evento traz algumas novidades. O setor Open Plan expõe trabalhos comissionados para a feira, de artistas representados por galerias inéditas, sob a curadoria de Jacopo Crivelli. Cauê Alves curou o setor Performance, que terá obras de Hector Zamora e Marcelo Cidade, entre outros. Vários lançamentos de livros acontecem durante a feira, incluindo edições sobre Daniel Senise e Anna Maria Maiolino. A feira repete o sucesso da área editorial dedicada a livros de arte e de artistas, com a presença das principais editoras de arte do país e as estrangeiras Schoeler Editions e William Allen. Topo: livro-objeto de Julio Plaza e Augusto de Campos na Folio e colagem de Leda Catunda na Paulo Darzé. Abaixo: tela de Luiz Sacilotto na Galeria Frente.
De cima para baixo: óleo de Ana Elisa Egreja na Galeria Leme e instalação de Andrey Zignnatto na Blau Projects
Uma rica programação paralela aquece a cidade nesta semana, começando pela Gallery Night, duas noites em que galerias selecionadas abrem suas portas até às 22h - na Vila Madalena, na segundafeira dia 4, e nos Jardins na noite seguinte. Muitas instituições e galerias da cidade programam aberturas especiais para esta semana, incluindo a Casa de Vidro, Pivô e Galpão Videobrasil.
De cima para baixo: obras de Daniel Melim na Choque Cultural, de Solange Pessoa na Mendes Wood e de Guy Bourdin na Lume. À direita: Obra de Iris Helena no estande da Portas Vilaseca.
Uma boa parte dos nomes conhecidos da arte mundial são representados pelas galerias presentes. Entre eles estão Richard Serra e Donald Judd no estande da americana David Zwinrner, Carlos Garaicoa e Janis Kounnelis na italiana Continua, Masao Yamamoto na Marcelo Guarnieri, Ai Weiwei na neugerriemschneider e Michelangelo Pistoletto na Cardi. Damien Hirst comparece com sua própria galeria de múltiplos e objetos, a Other Criteria. Também não faltam as estrelas nacionais, com obras de Adriana Varejão e Cildo Meireles em vários estandes, além dos modernos e acadêmicos.
Em sentido anti-horário a partir do topo: fotografia de Masao Yamamoto na Marcelo Guarnieri, instalação de Waltercio Caldas na Anita Schwartz, fotografia de Killian Glasner na Lume e tela de Richard Serra na David Zwinrner
Acima: “Droguinha” de Mira Schendel na Raquel Arnaud e pintura de Teodoro Stein Carvalho Dias na Estação. No topo: óleo de Maria Helena Vieira da Silva na Pinakotheke.
A maior novidade, no entanto, não é em artes visuais. Pela primeira vez, a SP-Arte terá uma área dedicada ao design, com 23 expositores oferecendo mobiliário e objetos de design assinado, tanto contemporâneo como moderno. A oferta é ampla e vai desde as poltronas clássicas de Tenreiro e Sergio Rodrigues até objetos utilitários à moda "streamliner" dos anos 1950 e 1960, no estande da Pé Palito. Destaque para o espaço de Hugo França e suas toras domadas.
SP-Arte • Pavilhão da Bienal • Parque Ibirapuera • São Paulo 07 a 10/4 Á esquerda, de cima para baixo: par de mesas do Marton Estúdio, mesa de Zalszupin na Etel, vaso de Jaqueline Terpins, poltrona de Jean Gillon na Passado Composto. Ao lado direito: banco de Hugo França
EXPOSIÇÃO NO MAM BAHIA REÚNE PINTURAS APURADAS QUE PROVOCAM REFLEXÃO E DÚVIDA POR LEANDRO FAZOLLA Um flerte com a morte. Esta poderia ser uma das definições para a obra do artista Fábio Magalhães. De forma mais literal, tal flerte se evidencia na obra "Encontro", em que pinta a si mesmo em um caloroso beijo com um crânio humano. Esta obra parece falar muito da produção do artista. Se a dúvida pairava em Hamlet diante do crânio em seu célebre "ser ou não ser, eis a questão", a mesma parece não ter espaço na forma precisa com a qual o baiano se atira em seu encontro com a vânitas, tanto na obra mencionada quanto em grande parte de sua produção. Nascido em Salvador, Magalhães se consolidou no circuito ao apresentar trabalhos emblemáticos, carregados de mistério, crueza e um confronto direto com a efemeridade da vida. Em exposição em sua cidade natal, o artista exibe grandes pinturas de sua produção mais recente (2010-2015) que dão um curto panorama de seu universo de imagens densas, sempre aliadas a uma técnica que vem impressonando o público. Não é incomum que observadores confundam suas pinturas com fotografias.
reposiciona a pintura figurativa, por vezes beirando a iconoclastia dos gêneros tradicionais do retrato, da natureza morta e da paisagem. Instrumentada pelo virtuosismo técnico, é uma pintura que desmonta o factual e o anedótico para revelar aspectos incômodos do cotidiano, tabus e universos psíquicos que, frequentemente, operam como um vórtice sobre o observador.” Fábio coloca o corpo - principalmente o seu próprio corpo - no centro de sua poética. E corpo, aqui, se refere ao que este tem de mais literal. Num intenso jogo de formas e cores, o artista não se furta a apresentá-lo de forma latente: vísceras, carne, fragmentos de órgãos destroçados compõem uma relação paradoxal em que,
Curadora da mostra, Alejandra Muñoz situa o artista em "uma geração que À esquerda: Invólucro VIII, 2009. Acima: Afago, 2014.
ALTO RELEVO 27
se por um lado repugnam, por outro seduzem. A surpresa surge pelo tom lírico das obras. Normalmente envoltas na alvura imaculada de espaços completamente brancos e aparentemente esterilizados, as imagens apresentadas acabam por se situar em um campo etéreo. Este tom torna as composições do artista difusas e misteriosas, mesmo que com certo horror sempre presente. O devaneio abre espaço em meio à realidade dura que se instala a partir da carne: "meu trabalho fala do irreal, das coisas que não se vê, do que está fora do pensamento lógico, pois reina no terreno das sensações, dos devaneios e sonhos lúcidos". O processo para que as obras aconteçam é longo e minucioso, já que o artista constrói em seu ateliê, da forma mais real possível, as situações que posteriormente transformará em pintura. Para trazer maior vivacidade a estas "cenas", Fábio visita abatedouros e açougues para recolher vísceras, sangue, cabeças e outras partes de animais já abatidos para o consumo humano, muitas das quais são
comumente descartadas. Esta primeira etapa de construção no ateliê, Magalhães chama de "simulação do ato". Em seguida vem o ato fotográfico, que geralmente é realizado por outra pessoa ou até mesmo pelo disparo automático da câmera. Quando terceiros participam do processo, o artista permite, por vezes, que eles o façam livremente, buscando os ângulos e enquadramentos que desejarem, e depois procura recortes dentro das imagens produzidas. Sobre essa etapa, o artista explica à Dasartes: "não vinculo essas imagens como fotografias, penso nelas como um meio para chegar à pintura. Me acompanham até uns 40% do processo. Então, são abandonadas, destruídas ou vão para uma espécie de arquivo pessoal que chamo de 'baú dos horrores'. A pintura me toma e dirige os processos. É só sentar em frente e ouvir, ela vai me ditando o que precisa ser feito". A partir daí, Fábio usa um "repertório de condições psíquicas" na busca pela imagem/corpo. E mesmo que seu próprio corpo esteja presente, ele explica:
Acima: Encontro, 2014. À direita: A certeza é a prova da dúvida, 2015.
“Quando estou pintando minha imagem na obra, não se trata de algo biográfico, pois uso meu corpo pra falar sobre o humano". Este corpo genuíno permite que, no universo delirante composto pelo artista, o espectador possa se ver arremessado em ambientes de tortura nem sempre camuflada, onde as entranhas estão expostas, tornandose protagonistas de grandes telas que ampliam e jogam luz sobre o horror. Como não se ver refletido e sentir uma espécie de angústia com obras como as da série "Retratos Íntimos", em que órgãos são mostrados em destaque, arrancados da unidade do corpo ao qual pertenciam? Como não se incomodar com uma língua arrancada presa por um lacre de plástico, ou então com um pedaço de carne pendurado por um fio? Ou, mais ainda, por fragmentos não identificados que, pendendo dentro de um saco plástico, permitem prever toda a sorte de tragédias passadas por um corpo que, destituído do sopro vital, torna-se apenas um objeto, como os muitos das mesas de pesquisas de um laboratório de anatomia.
Meu trabalho fala do irreal, das coisas que não se vê, do que está fora do pensamento lógico, pois reina no terreno das sensações, dos devaneios e sonhos lúcidos.
Ainda assim, há uma espécie de desejo que instiga o espectador a se aproximar cada vez mais da obra do artista, talvez o mesmo desejo que levou os espectadores de outrora ao fascínio com as fotografias de acidentes de carros de Andy Wahrol. Este impulso ao encontro com as imagens que nos são oferecidas pelo artista se torna ainda maior quando Magalhães nos conduz à dúvida. Quando utiliza - com maestria técnica, é importante enfatizar as imagens dos sacos plásticos para acondicionar os órgãos que registra, o pintor instiga o observador a tentar definir o que está sendo exibido, deduzir as partes que se deixam entrever entre as dobras e o reflexo do plástico que, tal qual a esfinge de Édipo, parece o tempo todo desafiar: decifra-me ou te devoro. Mas, neste caso, decifrar nem sempre é chegar ao sucesso. Pelo contrário, decifrar pode arremessar o espectador em cenas claustrofóbicas que apenas aumentam a angústia que sentia pela desinformação. Na foto de um trabalho ainda inacabado divulgada em uma rede social, o artista exibe seu próprio corpo nu, sentado dentro da carcaça aberta de um porco, que pende do teto. No chão, um amontoado de vísceras e órgãos do animal ("Certa vez li que, com suas devidas proporções, os porcos têm as vísceras mais semelhantes às humanas", conta Magalhães). A imagem, impactante, ao mesmo tempo em que se apresenta de forma bastante literal, pode servir de analogia para a produção de um artista que cria um repertório cada vez mais consistente, coeso e, ao se aproximar mais e mais de seu flerte com a morte, funde seu próprio corpo e a arte, numa relação em que esta última, de forma quase luxuriante, se curva a seus pés. 30
Pinturas da série Retratos Íntimos
Leandro Fazolla é mestre em arte e cultura contemporânea, na linha de pesquisa de história, teoria e crítica de arte, e ator.
“Para a exposição na Galeria Millan, na sala principal, foi pensado um conjunto de trabalhos recentes dos últimos três anos. A característica mais evidente é que esta série de obras apresenta pinturas, fotografias, objetos, desenhos e esboços. A meu pedido, as obras se concentram uma única parede da galeria e nos trazem essa diversidade de materiais e recursos com uma disposição e acúmulo de diversas técnicas e linguagens, todas unificadas pela minha marca e maneira de enxergar as coisas. As peças de chapas de metal são apropriações que eu faço nas sucatas em Belém; alguns desses trabalhos são produzidos desde 2005 e, juntamente com os mais recentes, são como se fossem módulos que se combinam. Continuo sua produção até hoje, agregando e somando a esste conjunto. Eu me aproprio de muitas coisas da cultura popular e reconheço em meu trabalho a influência da arte povera italiana e pop arte americana em uma versão brasileira e mais próxima da nossa cultura popular, com uma pitada de construtivismo, mas com essa imprecisão da geometria um pouco mais sensível.”
Eu me aproprio de muitas coisas da cultura popular e reconheço em meu trabalho a influência da arte povera italiana e pop arte americana em uma versão brasileira.
32 REFLEXO
"Sustentável" é uma pintura sobre tela, fixada diretamente na parede, e tem um relevo de madeira aplicado sobre a tela. É, de certa forma, um chassi ao inverso que está pela frente da obra, e ela tem um único apoio de fixação e o resto todo é sustentado pela própria engenharia das madeiras e da peça de ferro que tem a inicial do meu nome, a letra E, como se fosse uma peça que mantém um equilíbrio graças a uma combinação dessas madeiras, escoramento e improvisações. Essa obra possui uma apropriação de influências populares pela sua precariedade, em buscar soluções mecânicas para sustentação desse equilíbrio. E um dos elementos colocados é a inicial do meu nome feita em ferro e sustentado por essa espécie de engenharia. Ela tem uma conotação ao construtivismo improvisado, meio mambembe, meio gambiarra de uma construção que inclui uma pintura ao fundo.”
Essa obra possui uma apropriação de influências populares pela sua precariedade. Ela tem uma conotação ao construtivismo improvisado, meio mambembe, meio gambiarra.
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Esta obra também mostra uma recorrência no meu trabalho, que é uma referencia popular, que lembra iluminação de arraial, de circo, de parque de diversão e mambembes pelo interior do Brasil.
“A obra "Luz" estará presente no estande da galeria Millan na SP-Arte. É uma pintura de grandes dimensões que não tem um suporte convencional, pois é uma tela sem chassi e vai diretamente à parede e tem uma superposição de uma peça de madeira onde se aplica uma espécie de gambiarra de fios elétricos com bocais de louça muito precários, que caem da peça de madeira sobre o fundo vermelho. A obra também mostra uma recorrência no meu trabalho, que é uma referencia popular, que muito lembra iluminação de arraial, de circo, de parque de diversão e mambembes pelo interior do Brasil.”
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“A obra "Vestido" é feita com chapa de metal recolhida na sucata em Belém. Ela tinha uma espécie de oração escrita, parece ser um salmo do Evangelho sobre o fundo verde, que achei graficamente muito atraente e dei a ela uma forma cilíndrica. Acrescentei uma alça de arame que lembra muito um vestido longo, de certa forma conecta esse material muito precário com o mundo da moda e da arte popular. Existe essa chave entre uma coisa e outra, entre o precário e o muito sofisticado.”
Existe essa chave entre uma coisa e outra, entre o precário e o muito sofisticado.
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LIVROS lançamentos Wilma Martins Frederico Morais (coord. editorial) Tamanduá_Arte - 188 p. - R$ 100,00 O livro é a primeira publicação abrangente sobre 60 anos de produção visual da artista mineira. O volume cobre seu universo criativo, das xilogravuras carregadas de negro, em contraste com desenhos muito limpos, chegando às pinturas de cenas prosaicas do cotidiano doméstico invadidas pela natureza ou cristais que penetram na paisagem natural em narrativas fantásticas. Além do ensaio de Tania Rivera e escritos de 16 críticos, Frederico Morais incluiu texto seu de resgate da produção da artista como ilustradora. Completam o livro a biografia remota de Wilma, mais cronologia e bibliografia.
Seção - Marcius Galan Rodrigo Moura (org.) - Cosac Naify 3 vols/224 p. - R$ 60,00 (à venda em amazon.com.br) “Seção” é a primeira monografia sobre o artista Marcius Galan, reunindo textos críticos fartamente ilustrados com imagens de suas obras e de seu ateliê. O livro se divide em três volumes independentes. No ensaio principal, Moura analisa a obra do artista, caracterizada por uma exploração espacial e visual – topologias, fatias, seções, linhas, planos, vetores, vazios. O volume médio é uma entrevista de Galan à curadora Kiki Mazzucchelli, na qual os dois se debruçam sobre o trabalho “Sino” [1998]. Por fim, no livro menor, um texto do crítico espanhol Manuel Cirauqui observa o ateliê de Galan para compreender sua linguagem. 40
A pele de Anna Anna Maria Maiolino e Daniel Lins Cosac Naify - 288 p. - R$ 90, 00 (à venda em amazon.com.br) "A pele de Anna" é o ensaio do filósofo e psicanalista Daniel Lins sobre a obra de Anna Maria Maiolino pela ótica dos estudos de Deleuze. O volume também inclui um pequeno texto de apresentação da critica espanhola Helena Tatay, outro da própria Anna Maria Maiolino sobre sua relação com a obra de Deleuze e uma cronologia ilustrada da vida e da obra da artista, que revela a diversidade e visceralidade de sua poética em obras a partir dos anos 1960 até hoje.
Daniel Senise Daniel Senise, Alberto Saraiva, Flavia Corpas, Paulo Miyada Cosac Naify e Oi Futuro - 240 p. - R$ 65,00 A publicação, que integra a coleção Arte & Tecnologia, é resultado do projeto Quase Aqui, exposto no centro cultural Oi Futuro, no Rio, em 2015, com curadoria de Alberto Saraiva e Flavia Corpas. O livro reúne trabalhos apresentados em "Quase Aqui" e outras obras de Daniel Senise, compondo um registro fotográfico da atuação recente do artista. As fotos são acompanhadas de textos críticos dos curadores do projeto, além de um texto de Paulo Miyada.
Estes Outros - Fotopinturas da Coleção Titus Riedl Editor: Roberto Linsker Terra Virgem Edições - 96 p. - R$ 60,00 O livro reúne 58 fotopinturas selecionadas entre as cinco mil que compõem o acervo de Titus Riedl, pesquisador e sociólogo alemão. É o sexto volume da Coleção Fotógrafos Viajantes. Segundo Eder Chiodetto, que assina o texto do livro, "a coleção de Titus é emblemática para se pensar, entre tantas outras questões, essa tensão que envolve a livre criação da pintura e a mímese possibilitada pela fotografia". 41
RESENHAS exposições
Diego de Santos: Poema 193 Galeria Contemporarte Fortaleza • 19/02 a 04/04 POR JACQUELINE MEDEIROS Quais os contornos do silêncio, da saudade, da solidão, do encontro e do desejo residentes em tantas moradas? O título da exposição "Poema 193", de Diego de Santos, dá uma pista: o artista escolheu a energia das chamas que saem de conchas do mar, acionadas por ele, desafiando o controle de sua obra e desenhando o que poderia ser irrepresentável. Em vez de pérolas, deusas ou sons das profundezas do mar, brotam labaredas das conchas espalhadas em um cômodo que desenham o espaço de sentimentos da morada do artista. A exposição está em cartaz na recéminaugurada galeria Contemporarte em Fortaleza, que pretende se dedicar à jovem produção das artes visuais local. Diego faz parte dessa geração que surge com caminhos institucionais da arte claramente traçados, mas nem por isso mais fáceis em uma cidade onde os investimentos na área variam ao gosto das marés. Diego apresenta seus desenhos como consequências do ritual de dois símbolos: o fogo e as conchas do mar. Para isso, planejou cada etapa, desde o bloqueio da luz até a chamada telefônica para deixar os bombeiros de sobreavisos. O que antes era realizado compulsivamente e 42
com força braçal nos desenhos anteriores do artista, agora é guiado pela energia das chamas. É nesse diálogo com a energia invisível das chamas que ele traz a incerteza para a obra e assume o destino traçado para o trabalho. Mas o que há para representar não é a chama, o ritual ou os sons mágicos da concha, mas sua interferência na obra de Diego. Isso é representado sob a forma de uma descrição dramática da ação no texto do artista e nos 14 desenhos expostos que dominam a exposição. O desenho é uma expressão que o artista navega desde o início de sua carreira. No entanto, nesta mostra, aventura-se também na fotografia, no vídeo, no texto e em objetos que estão presentes no mesmo ambiente, mas sua função é conduzir o visitante aos caminhos do novo processo do artista. Percorrendo a sequência dos desenhos, vê-se um artista que encontra no silêncio e na intimidade uma linguagem própria que foge de certa regulação da realidade.
Nesse sentido, requer que o público se detenha um tempo diante de cada trabalho. Da sombra nebulosa do seu ritual doméstico, Diego traçou as linhas do mundo que se descortina lá fora, mas que ao mesmo tempo remete à casa interior, mas "a casa é onde você está" e o "mundo é a morada do artista", já mostrou o artista em individuais anteriores. Assim, o mundo surge no conjunto das cenas apresentadas: na impossibilidade de o anzol alçar sua presa, na visibilidade da áurea do farol que aponta um porto seguro, nas imprecisões do Norte e do Sul da deriva de um barco, no final difuso de um longo caminho fincado em um espaço flutuante qualquer, no pássaro que emerge de um furacão buscando um céu que se desfia, na calmaria de uue parece escapar da turbulência para, no final, com os pés no chão, ainda que em uma pequena clareira na imensidão do espaço, quem sabe ser possível pegar carona em um pássaro.
Jaqueline Medeiros é pesquisadora de história e crítica de arte pela UERJ
Galeno K2O Gabinete de Arte Brasília - 18/3 a 17/4 POR MARCO ANTONIO VIEIRA É em torno de Galeno "quase geômetra" que gravita esta mostra, a primeira da nova sede da galeria Gabinete de Arte k2o, em Brasília. São suas unidades mais mínimas e essenciais, seus estilemas escriturais, por assim dizer, sua caligrafia
pictórica que aqui se privilegiam. A exposição é um resgate, uma antologia do essencial de sua produção recente, contendo também núcleo histórico importante contextualizando o eixo denso de sua criação desde os anos 1980. Há igualmente, aqui, oscilação ou fronteira entre o desenho e a cor, que se aproximam do conceito de arquidesenho, neologismo cunhado por Yves-Alain Bois em “A pintura como modelo” (Martins Fontes, 2009), para construir sua argumentação em torno do legado de Henri Matisse. O arquidesenho serve-nos como um motivo alegórico para que melhor se compreenda o pano de fundo sobre o qual se estende boa parte da produção artística de Galeno. O gradual abandono do figurativismo em prol das latências mais fundamentais da pintura marca o trajeto pictórico moderno e fazse perceber na sintaxe visual do artista piauiense, radicado em Brasília.
O vocabulário figurativo de Galeno assombra sua obra insistente, repetitivo e repetido, fantasmático, fragmentariamente deslocado, mas estranhamente exato em sua quase matemática musicalidade: ritmo, tema, coloração. Há algo de um Miró dadá aqui. Há trechos de uma arquitetura amputada e há igualmente elementos de história pessoal como lamparinas, carretéis, barcos fluviais, fechaduras, camaleões, santos e oratórios em que espectros de Farnese de Andrade suavizam seus barroquismos e abraçam uma inspiração de linhagem construtivista. Um mundo de intensas colorações em que os elementos figurativos abandonam a cena que os contextualizaria para surgirem brincantes, em geometria e estruturas simétricas cada vez mais presentes. Galeno (des)loca, (re)loca e (re)desenha os objetos de sua eleição em encadeamentos ou fragmentos gráficos cuja matemática quase-musical revela uma perspectiva geométrica a reger suas obras mais recentes. (Des)objetificação de um mundo em que, dos objetos, restam recortes que os extirpam de uma totalidade que, ainda que sempre lhes tenha sido minguante, agora o é por vezes inexistente. Marco Antônio Vieira é doutorando em Teoria e História da Arte e mestre em Teoria Literária pela UnB, curador e pesquisador.
Daniel Murgel: objetos e desenhos Galeria Ybakatu • Curitiba 17/3 a 29/4 POR LEANDRO FAZOLLA 44
O processo de criação de uma obra pode passar por várias etapas: da inspiração ao projeto, do projeto à execução, da tentativa ao erro, do erro à concretização. A produção do artista Daniel Murgel passeia por todas essas etapas sem negar nenhuma delas, transfigurando-as e tornando, cada uma, mais do que mera parte de um processo, obras de arte em si. Em cartaz na Galeria Ybakatu, em Curitiba, a mostra individual "Desenhos e Objetos" deixa transparecer uma poética onde a feitura da obra está no centro. Dessa forma, como o título sugere, desenhos de projetos se colocam nas paredes, próximos aos objetos finais. Tais desenhos, porém, não são meramente um passo a passo para a construção da obra em si, como se poderia supor: com apuro técnico, uma paleta de cores bem definida e traços fortes, os desenhos do artista são obras de arte dotadas de poesia e beleza.
O uso do texto também presta forte caráter simbólico à obra: por meio de frases, palavras e ideias soltas no papel, Murgel divide com o espectador o ambiente de seu ateliê, coloca-o ao lado de si mesmo durante o processo, divide seus pensamentos, dúvidas e, principalmente, nos permite conhecer sua forte verve poética em trechos como "se algum dia você chegar ao museu e encontrar vendedores de poesia, procure a entrada de serviço, pois é lá que as poesias são feitas". Tais anotações, como uma série de outros elementos, parecem, por vezes, se esconder entre os objetos, formas, riscos, medidas e camadas de tinta espalhadas pelo papel. É nessa espécie de caos, de bagunça que Murgel esconde segredos, dispersa surpresas ao espectador que se permite passar um tempo maior contemplando detalhadamente suas obras. A ideia de construção se coloca de forma central nas esculturas apresentadas: com elementos constituintes como tijolos, fragmentos de grades, pás, martelos, tábuas, etc., o artista cria jogos de tensão e equilíbrio que dificilmente seriam possíveis sem um estudo prévio potente. Em uma das obras, um prego preso à parede prende um martelo no qual está amarrado um nível, que, em sua outra extremidade, prende um agrupamento de pequenos tijolos que flutuam próximos ao chão. A sensação de instabilidade e risco provocada pelo martelo que pode se soltar a qualquer momento da parede é suplantada pela precisão com a qual o artista trabalha. Porém, o jogo estabelecido com o espectador é de tamanha sinceridade que, mesmo que a obra não aconteça conforme o projeto, a falha também é bem-vinda: no andar superior da galeria,
desarrumados, uma série de tijolinhos e outros elementos quebrados são alçados ao "status" de obra de arte pelo "poder institucionalizante" conferido pelo suporte branco. Como uma espécie de etiqueta, a letra do artista batiza essa base de "altar dos erros", monumentalizando, sacralizando a falha. Em uma construção artística sincera, que envolve o labor, errar é preciso. E em Murgel, essa frase parece carregar uma dose de duplo sentido, pois o erro aqui não apenas se faz preciso no sentido de necessário mas, contraditoriamente, dá a impressão de ser até mesmo dotado de certa precisão por parte do artista. Leandro Fazolla é mestre em arte e cultura contemporânea, na linha de pesquisa de história, teoria e crítica de arte, e ator.
Bruno Belo: Visão Fontana Galeria IBEU • Rio de Janeiro 9/3 a 08/4 POR ELISA MAIA "Visão Fontana", primeira individual do artista petropolitano Bruno Belo, apresenta trabalhos em tela e papel, executados com tinta a óleo, acrílica, aquarela e pó de grafite. Com curadoria de Bruno Miguel, a mostra reúne na Galeria IBEU um recorte potente da produção mais recente do artista que se destaca pelo rigor da técnica e pela maturidade da pesquisa. O título, "Visão Fontana", retirado de uma poesia de Manoel de Barros, faz referência à visão dos poetas que, assim como a sábia visão das crianças, seria 45
Partindo da noção de "Cut Up" de W. S. Burroughs, Bruno se apropria de fragmentos de imagens, textos, fotografias e referências cinematográficas que são projetados sobre a tela utilizando um equipamento antigo de 100 mm. Essas projeções são então pintadas umas sobre as outras, resultando nas paisagens fragmentadas. As imagens multidimensionais de Bruno pedem tempo. É preciso que haja uma pausa para que as camadas se desvelem e revelem gradativamente, através de suas transparências, os diferentes planos que compõem a pintura. A memória aparece como um elemento importante nos trabalhos, impondo-se não como o canal de acesso a alguma referência específica, mas antes como um fator de opacidade. Sabe-se que da memória nunca poderá resultar o encontro com um referente primeiro, pois, por meio dela, as experiências são editadas, fundidas, aumentadas ou suprimidas, resultando sempre em algo novo, diferente do referente que se 46
Foto: Leonardo Miranda
capaz perceber as coisas como se as visse pela primeira vez, dando-lhes assim novos sentidos, imprimindo-lhes significados inusitados e, sobretudo, encantando-se com o que se poderia tomar por banal e costumeiro. As imagens espectrais de Bruno, que mesclam com delicadeza espaços e temporalidades distintas, favorecem processos de mudança de percepção. Suas paisagens possuem às vezes um caráter insólito e a inserção de elementos inusitados - um galo com rodas, uma silhueta feminina com uma máscara de urso - contribuem nesse processo de desconstrução de significados sedimentados e abertura de novas rotas de sentidos.
pretende resgatar. As pinturas de Bruno dialogam com esse conceito de memória, pois, embora partam de registros referenciais, não se colocam como ilustração da experiência. A potência de suas imagens parece derivar justamente da capacidade de construir uma atmosfera fantasmagórica que se equilibra entre a transparência e a opacidade, enfatizando não apenas o visível, mas também o que se estende para além do espaço da tela. Nesse sentido, são importantes os apagamentos, as figuras que se liquefazem, os vestígios da ausência, as lacunas e o caráter de rascunho. O tema da memória comparece ainda no texto curatorial de Bruno Miguel, que traz fragmentos de lembranças pessoais do curador, desorganizadas cronologicamente e com menções ao filme de Michel Gondry, "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", de 2004. Aristóteles afirma que a História diz o que foi, enquanto a poesia diz o que poderia ser. Nesse sentido, o universo construído por Bruno Belo se aproxima desta última, pois não reproduz o visível, mas constrói visualidades singulares e, sobretudo, enfatiza novas formas de olhar. Elisa Maia é formada em Direito e Letras e mestre em Literatura, Cultura e Contemporaneidade. Interessa-se especialmente pelas relações entre literatura e artes visuais.
POR BIANCA CUTAIT Nos últimos anos, a tecnologia alterou irregularmente as produções artísticas. O design gráfico se fundiu ao desenho à mão livre, e até mesmo tintas naturais foram sendo, aos poucos, substituídas por materiais parecidos, mas muitas vezes sintéticos, que, consequentemente, traziam mais durabilidade e adaptação. Com a tinta nanquim, originária da China, não foi diferente. Sua tonalidade opaca e sua secagem rápida fazem com que o artista que trabalha com ela saiba manusear com rapidez e agilidade aquilo que está sendo gravado. A delicadeza que o nanquim traz para as artes plásticas chega a ser, em muitos momentos, sutil, mas convincente. Antigos documentos chineses mostram o uso do nanquim, datando cerca de 2.000 a.C., utilizando a tinta para 48 GARIMPO
manuscritos e documentos, até alguns desenhos caligráficos. Ao se adicionar quantidades de água, o nanquim se dilui e alcança diferentes tonalidades que variam do preto puro ao cinza quase imperceptível. O artista Marco Ribeiro, nascido na Bahia e criado cearense, sob influência do avô tipógrafo, utiliza em suas obras toda a opacidade e a firme sutileza do nanquim. Publicitário de formação e carreira, Marco faz de um simples traçado com nanquim e água traços delicados sobre superfícies desconexas, mas fortemente marcados por grafismos extensos. Suportes como pedras e objetos rústicos, que comumente não são marcados por tintas, em suas mão passam a ter traços salientes e ao mesmo tempo em que naturais, como paisagens tipografadas. Tais suportes fazem as vezes de matriz em
relevo, incitando composições gráficas que utilizam o design técnico como forma de estilografia. Quando coloca suas linhas e seus traços em papel, suporte sinuantemente mais abrangente e compreendido, recria desenhos perfeitamente imaginários, mas que calcam intensa beleza estética. Preto no branco, preto na pedra, preto na mata. Dourado. Vincos no papel fazem a vez de traços, firmando o conceito de delicadeza mais uma vez. A desconstrução da natureza ao seu redor é coberta pela negritude da tinta, e o nanquim, opaco, acaba novamente trazendo uma perspectiva geométrica e corporal para o grafismo escolhido naquele momento. Marco tem em sua obra a significância da tipografia gótica, negra, obscura. E, ao mesmo tempo, a experiência com publicidade traz harmonia visual até chegar na publicação final, e a legibilidade de suas obras passam a ter tonalidades distintas. O trabalho de Marco Ribeiro remete à atividade precisa de um computador, mas com a caligrafia de uma escrita treinada. A busca pela precisão manual hoje é quase obsoleta, e a tecnologia consegue suprir muitas dessas demandas. Mas Marco, delicadamente, como o nanquim que utiliza, quebra esse paradigma, usando tons de luz no preto absoluto, até muitas vezes chegar ao tom amarelado de tecido, utilizado com o nanquim quase dourado de alguns de seus desenhos. Com sua técnica e sua precisão, podese notar a continuidade que o artista deve ter ao envolver suas influências familiares a seu presente capaz e ágil.
Marco tem em sua obra a significância da tipografia gótica ao mesmo tempo que a experiência com publicidade traz harmonia visual.
Bianca Cutait é curadora, crítica e consultora de arte e sócia do escritório de arte Arte Fundamental, em Miami.
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OBRAS DO ARTISTA DINAMARQUÊS DEIXAM INQUIETUDE EM SUA PASSAGEM PELO INSTITUTO TOMIE OHTAKE POR ALECSANDRA MATIAS DE OLIVEIRA
Ao entrar no espaço totalmente branco e encarar o conjunto de esculturas chamado de "Ghosts" (Fantasmas), 2014, do artista sueco Lars Nilsson, é involuntária a sensação de estranhamento. Passados cinco minutos, o primeiro impacto é substituído pela inquietude que toma conta do visitante mais introspectivo. Aquelas peças devolvem os olhares e as indagações; convidam ao silêncio; deixam que penetrem em seus olhos e do seu interior 50 DO MUNDO
é difícil o retorno sem o sentimento de ter se perdido algo. Alguns diriam que são assustadoras; outros diriam que são tão contíguas do repertório escultórico da Arte Ocidental que chegam a ser, à primeira vista, prosaicas (e isso é tudo o que elas não são!). Acrescente mais trinta minutos e se notará que o embate entre observador e as esculturas continua ao longo da visita a sensação do estranho toma seu lugar mais uma vez. Toda atmosfera se torna excêntrica: a mímese da figura humana; a
expressão das faces melancólicas; a disposição de cada uma delas e, por fim, sua matéria de aparência dura, obscurecida e intensa. As esculturas são incomuns por essas variantes, mas também porque o corpo do visitante em relação a elas tende a um jogo espontâneo de semelhanças e diferenças (ora se aproxima; ora se distancia). Diante das obras e da configuração espaço/temporal, na qual estão submersas, a pergunta que paira é: como Lars Nilsson imprime o estranhamento como recurso provocativo em suas criações? A resposta a tal questão evoca uma série de circunstâncias que envolvem o conjunto de oito esculturas. Em primeiro plano, o percurso do artista: Lars Nilsson transita entre pinturas, vídeos, fotografias, instalações e diversas outras técnicas usadas frequentemente pela arte contemporânea. Professor da Academia de Arte de Malmö entre 1996 e 2005, tem uma trajetória consolidada na Suécia e internacionalmente. Em todas as suas produções, a representação do corpo
As esculturas são incomuns também porque o corpo do visitante em relação a elas tende a um jogo espontâneo de semelhanças e diferenças
À esquerda: De Volta, 2014. Acima: Fantasmas I e II, 2014. Nas páginas seguintes: Homem Desconhecido, 2014, e Náufrago, 2014.
humano nas mais variadas formas está em evidência e, nelas, o artista explora de modo constante a condição humana presente nos impulsos, nas frustrações, nas intenções e nos conflitos internos de cada indivíduo. "Ghosts" é uma obra-síntese dessas características que iniciam na sua produção artística a partir de 1990 e se perpetuam até os dias atuais. Em outro plano, a matéria-prima empregada nas esculturas contribui para o efeito de morte/vida e para a sensação de estranhamento. Aparentemente, o material parece uma argila negra, seca e áspera - algo que remete ao orgânico, porém, na verdade, é composite - uma mistura de silicone e fibra de vidro, dando como produto final uma espécie de "plástico". Outro destaque é o método de confecção das peças. Em colaboração com Niklas Malmström, o artista desenvolve o que chama de "fotografia plástica" (fotografia em 3D que em nada se aproxima do virtual), ou seja, um método rápido de modelagem do corpo humano que consiste em gravar em vídeo a si próprio e as pessoas à sua volta para captar seus movimentos realizados inconscientemente e que depois não podem ser repetidos intencionalmente. O mundo físico de Lars Nilsson, como menciona Teixeira Coelho, curador da instalação na Bienal Internacional de Curitiba e no Instituto Tomie Ohtake, captura o gesto tectônico enfatizado pelo seu aspecto mais concreto. De modo anacrônico, a tecnologia da matéria-prima e do método utilizado para a confecção das peças resulta em uma escultura figurativa marcada pela dramaticidade que remete ao barroco e, especialmente, à tradição de Rodin, que contrapôs as formas lisas, polidas e aveludadas dos corpos, ao bloco de pedra rugoso, inacabado e bruto. Nas criações de Lars Nilsson, é estranho ao observador 52
Une-se às referências, aquelas vindas do surrealismo e dos "filmes de terror" fixadas pelas posturas fantasmagóricas de cada trabalho.
pensar que, na matéria dessas esculturas, aquilo que deixa o rastro - a mão (ou trabalho manual) - não está presente, ou pelo menos é secundário.
espaço/tempo e submergem o observador em cenas constituídas a partir de diversas camadas simbólicas que são desveladas pouco a pouco.
Une-se às referências, aquelas vindas do surrealismo e dos "filmes de terror" fixadas pelas posturas fantasmagóricas de cada trabalho e, principalmente, pela redução ou ausência da base da escultura. O eixo gravitacional da peça é alterado, de forma a causar também estranhamento no seu equilíbrio. Em "Fantasmas" I e II, as peças, que parecem emergir do chão na eminência de um ataque, denotam o medo. De certa forma, "Mulher de Preto", com postura reclinada e ares sombrios, conduz ao sobrenatural. Já em "De Volta", a discreta melancolia da mulher no abraço do casal de meia-idade deixa a narrativa aberta para que o observador dê o seu desfecho particular para o encontro. "Naufrágo" despertou polêmicas além do sugerido pela peça, isso porque rememorou os sobreviventes de guerras ou os refugiados na Europa atual. No fundo, o trabalho pode se referir aos dois fatos históricos com a mesma intensidade, mas é, sobretudo, uma das posturas mais indignas que o corpo humano pode assumir. Por isso o desconforto em ver alguém, mesmo que seja um desconhecido, rastejando. Resumidamente, as visões sugestivas de cada uma das peças deslocam o
A instalação esteve recentemente em exibição no Instituto Tomie Ohtake, porém, chegou ao paísu8u87 em 2015, para participar da Bienal Internacional de Curitiba, com o tema "Luz do Mundo", em homenagem ao artista argentino Julio Le Parc. Antes de Curitiba, as esculturas foram exibidas pela primeira vez, em 2014, na galeria Andersson/Santdström, em Estocolmo (Suécia). Uma das obras, "Naufrágo", também foi exibida em um mercado aberto no país de origem do artista e provocou forte reação do público. Contudo, nada mais antagônico à produção de Le Parc (sempre colorida e recoberta pela luz), na Bienal Internacional de Curitiba, do que as esculturas desprovidas de luz de Nilsson. Suas figuras humanas e objetos inanimados (um poste de iluminação e um vaso, por exemplo) são sem qualquer luminosidade ou vida e mostram um mundo muito estranho.
Alecsandra Matias de Oliveira é doutora em Artes Visuais - ECA USP e membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte - ABCA
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A INFLUÊNCIA DO GRANDE ARTISTA SOBRE A ARTE MODERNA É TEMA DE MOSTRA NA NATIONAL GALLERY DE LONDRES POR MICHÈLE HANNOOSH "Pintamos todos a partir dele". A famosa afirmação de Paul Cézanne acerca da influência de Eugène Delacroix no desenvolvimento da pintura moderna resume a tese do catálogo da exposição "Delacroix e a Ascenção da Arte Moderna" (National Gallery, Londres, 17 de fevereiro a 22 de maio). Os autores Patrick Noon e Christopher Riopelle procuram mostrar que Delacroix foi a força criativa e intelectual por trás da pintura moderna, inspirando artistas 54 FLASHBACK
desde Manet a Matisse em todos os principais movimentos, do Impressionismo aos primórdios da abstração. A arte, o pensamento e o personagem de Delacroix, argumentam os autores, alimentaram a imaginação e a criatividade de pintores modernos enquanto esses concebiam suas próprias linguagens pictóricas, estilos e valores estéticos. À primeira vista, a tese parece surpreendente. Delacroix sempre ocupou um lugar na genealogia da arte moderna, mas, como sugere este
trabalho, as razões podem ter sido mais complexas. Como revolucionário mitificado e alheio ao circuito acadêmico, Delacroix atraía uma geração que se identificava com a figura do excluído. Como pintor de pintores, que escreveu que "o primeiro mérito de pintura é ser um banquete para os olhos", foi recebido com entusiasmo por aqueles que olhavam para além do tema material e suas anedotas para buscar o significado da pintura em seu efeito visual. Suas cores ousadas e dramáticas levaram Cézanne a chamar sua paleta de "a mais bela da França" e inspiraram Matisse em alguns de seus experimentos mais brilhantes com a cor. Talvez o mais importante, Delacroix era um pintor de pensadores, um dos poucos artistas que escreveu eloquentemente sobre arte, literatura, música, natureza, sociedade e humanidade. Mergulhado na literatura, na música e na grande tradição da pintura, um observador atento de formas e dos efeitos da luz na natureza, um interpretador perceptivo do trabalho de outros, analista cuidadoso de sua própria prática e objetivos, Delacroix fornecia o modelo para um pintor de ideias, expressas pelo meio material da pintura. Frequentemente citadas por Renoir, FantinLatour, Van Gogh, Gauguin, Signac e Matisse, as reflexões de Delacroix eram, para todos, um estímulo ao pensamento e à inovação na prática pictórica.
Delacroix era um pintor de pensadores, um dos poucos artistas que escreveu eloquentemente sobre arte, literatura, música, natureza, sociedade e humanidade.
O ensaio de Noon, "O que é Delacroix?", deriva seu título de um artigo de Baudelaire, de 1863, que ajudou a corrigir a imagem de Delacroix - como homem, pintor, pensador, escritor e moderno - para a geração mais jovem. Noon fornece uma boa visão da vida de Delacroix e de sua carreira, seus pensamentos sobre a pintura e sua relação com as de seu tempo, incluindo o Romantismo britânico. Riopelle oferece um ensaio animado e abrangente, intitulado "Vida após a morte: a fama póstuma de À esquerda: Eugène Delacroix, a Morte de Sardanapalus, 1846. © Philadelphia Museum of Art. Acima: Henri Fantin-Latour, Imortalidade, 1889. © Amgueddfa Cymru - National Museum Wales.
O catálogo revela como pinturas de Delacroix sobre temas do norte africano inspiraram em Renoir, Van Gogh, Gauguin e Matisse um interesse pela luz e cor do sul, bem como por temas orientais em vários outros pintores. Delacroix", que traz um relato perspicaz da importância de Delacroix para os principais pintores representados na mostra. Começando com a "Homenagem a Delacroix", de Fantin-Latour (1864), ele mostra como Delacroix preparou pintores - especialmente Renoir, Cézanne, Gauguin, Signac e Matisse - para teorizar e fazer experiências com um novo tipo de pintura, explorando suas próprias preocupações pictóricas e profissionais por meio de engajamento com o trabalho dele. Em sua emulação e resposta à Delacroix, Renoir emerge como um pensador verdadeiramente interessante acerca da pintura, preocupado com os limites da mimesis e com a relação entre representação e pintura pura. Seu "Festival Árabe", de 1881, inspirado pelas pinturas marroquinas de Delacroix e por sua própria viagem à Argélia naquele ano, é um exemplo notável disso, como Riopelle escreve: "sem finalização, incrustado com tinta, flertando perigosamente com a ausência de forma". Riopelle também dá um excelente relato da visão restrita de Signac sobre Delacroix em seu "De Eugène Delacroix ao Neoimpressionismo" de 1898, um manifesto do método científico colorista, destinada a justificar o estilo pontilhista, e assim estabelecer Neoimpressionismo (em vez do Impressionismo) como o verdadeiro herdeiro do mestre. Depois desses dois ensaios substanciais, há paginas individuais sobre cada uma das
84 pinturas, organizadas em grupos temáticos livres. O primeiro, "Emulação", abrange a prática de copiar Delacroix ("Barca de Dante" de Manet (c. 1854), "O Casamento Judaico" de Renoir (c. 1875)), de colecionar suas obras (Degas, Bazille, Cézanne), de fazer referências pictóricas a elas (Gauguin representou em duas de suas pinturas estudos de Delacroix para "A Expulsão de Adão e Eva" (1845)), e de mitificá-lo ("Apoteose de Delacroix" (1890-1894) de Cézanne, "Imortalidade" de Fantin-Latour (1889)). O segundo grupo temático, "Orientalismo", revela como pinturas de Delacroix sobre temas do norte africano, inspiraram em Renoir, Van Gogh, Gauguin e Matisse um interesse pela luz e cor do sul, bem como por temas orientais em Fromentin, Chassériau, Renoir, Bazille e até mesmo Cézanne. A terceira seção, "Pintura Narrativa em um Momento Decisivo" é um agrupamento bastante eclético de obras sobre temas religiosos, históricos e mitológicos. A última seção, "O Legado de Delacroix na Pintura e Prosa", traz a dívida de elementos-chave do credo modernista à sua arte e ao seu pensamento. Esta é talvez a seção mais interessante, em que se vê Gauguin, Renoir, Van Gogh, Redon e Matisse lidando com a expressividade das cores por meio das flores e naturezas-mortas, Cézanne desenvolvendo uma prática de paisagens pela imitação de Delacroix (um dos poucos artistas modernos que ele copiou) e Matisse encontrando
Vincent Van Gogn, Pietá (a partir de Delacroix) (detalhe), 1998. .© Van Gogh Museum, Amsterdam
inspiração no livro de Signac sobre Delacroix para sua obra "Luxo, calma e voluptuosidade" (1904), apenas para ir além disso em uma guinada ainda mais inspirada em Delacroix rumo à brilhante cor fauvista, especialmente depois de sua viagem a Marrocos, em 1912. Apesar de algumas falhas menores, trata-se de um catálogo informativo e provocador, que fornece substância a uma ideia há muito aceita sem crítica, mas pouco considerada por si só.
Delacroix and the Rise of Modern Art • National Gallery Londres • 17/2 a 22/5 Michelle Hannoosh é editora da edição francesa de "Diários de Delacroix" (José Corti, 2009) e autora de "Pintura e o Diário de Eugene Delacroix" (Princeton University Press, 1995). É professora de francês na Universidade de Michigan.
Frédéric Bazille, La Toilette, 1870. © RMN-Grand Palais / Agence Bulloz Trecho de texto previamente publicado em The Art Newspaper
NOTAS DO MERCADO Fatos, valores, curiosidades e tendências LEILÕES DE MARÇO mostraram mais uma vez que o mercado secundário sofre menos com a atual situação econômica. Para Soraia Cals, tradicional leiloeira carioca, os resultados de sua venda de 16 e 17 de março superaram as expectativas, com destaque para a disputa por uma obra de Bandeira, avaliada em R$ 32 mil e vendida por R$ 50 mil. De acordo com Soraia, "Bandeira é um caso típico da procura do mercado por artistas sólidos e de boa liquidez, em momentos em que a economia mostra fragilidade. Por ter morrido cedo, deixou uma produção sem grandes desvios estéticos e de muita qualidade, não tendo experimentado qualquer deterioração pela idade". Um exemplo oposto de liquidez seria o de Aldemir Martins. “Ainda que sejam as obras até a década de 1970 que atraiam os colecionadores, todas as suas telas têm grande apelo comercial, mesmo as últimas, que têm valores muito inferiores”. De acordo com a assistente de curadoria da Galeria IBEU, Laís Santana, mesmo com a forte chuva que atrapalhou a primeira noite da venda, o clima foi animado. Outra obra disputada foi "Terra e Vida", de Manabu Mabe, com lance inicial de R$ 80 mil e arrematada por R$ 96 mil.
JAMES LISBOA confirma as impressões de Soraia: os leilões seguem com boas vendas, mas inferiores às de dois anos atrás. De acordo com James, em seu leilão de 21 de março, pouco mais de 60% dos lotes foram vendidos, com valores em média 10 a 15% acima da estimativa. Há alguns anos, os resultados eram em média de 75% de lotes vendidos, com maior disputa e oscilação em relação
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ao lance mínimo. Os destaques foram o que James apelidou de "vendas emocionais": uma tapeçaria de Genaro de Carvalho, estimada em R$ 5mil e vendida por R$ 10 mil, e uma gravura de Tomie Ohtake, estimada em R$ 1,5 mil e vendida a R$ 9 mil. Para obras especiais, a procura também segue, como mostrou a venda de um óleo de Tomie por R$ 360 mil (foto). "É o comprador médio que tem agido de forma mais comedida, aquele que ocasionalmente bate os olhos em algo que gostou e decide comprar." Sua percepção está alinhada à crise do "middle market" - queda na demanda por obras medianas -, assunto frequente nas colunas internacionais. Alguns acreditam que se trata de um ajuste natural de preços, que vinham sendo inflacionados artificialmente, puxados pelos valores crescentes das obras primas.
FALANDO EM OBRAS DE PONTA, alguns números da TEFAF, feira de arte de Maastricht, especializada em arte acadêmica e antiguidades. Galerie Bastien, de Berlim, conseguiu reunir as mais de cem águas-fortes de Picasso que completam a série "Vollard Suite", à venda por valor sob consulta de oito dígitos.
Nesta mesma galeria, ficou exposto o recém-descoberto quadro de Rembrandt (saiba mais na seção "De Arte a Z"). Um pouco menor que um folha de papel A4, foi vendido por entre € 3 e € 4 milhões para a coleção Leiden, de Nova Iorque. Brueghel, Van Dyck, Bosch, Ribera (detalhe na foto) e outros artistas raramente vistos fora de grandes museus também estiveram presentes nas paredes dos estandes. E que estandes...
Na galeria Talabardon & Gautier, um busto romano do século 18 de Vicenzo Pacetti, encontrado sem atribuição em um leilão regional da Inglaterra e comprado por € 42 mil, foi vendido por alguns milhões.
TEFAF MARKET REPORT 2016, estudo do mercado de arte mundial, publicado anualmente por ocasião da feira, confirmou alguns fatos já sentidos pelo circuito em 2015. ● Total de vendas em arte em 2015 foi de US$ 63,3 bilhões, 7% a menos que em 2014. Esta é a primeira retração no mercado desde 2011. Queda de 23% no mercado chinês é parcialmente responsável. ● Na contramão, os EUA tiveram aumento de 4% em negócios em arte. ● Arte moderna responde pela maior parte do valor negociado. ● O mercado está cada vez mais concentrado: 57% da receita das vendas em leilões vieram de menos de 1% das obras, com obras de mais de US$ 10 milhões respondendo por 28% do volume financeiro. ● Receitas de venda de arte online tiveram aumento de 7% e hoje representam 7% dos negócios em arte. 61
COLUNA DO MEIO Quem e onde no meio da arte
Angelo Venosa, Marcy Junqueira e Ricardo Ohtake
Exposição Guisé - Angelo Venosa Galeria Nara Roesler São Paulo
Agnaldo Farias (curador), Nara Roesler e Angelo Venosa
Marcelo Araujo, Eduardo Oliveira,Angelo Cesar Venosa Fraga LauraElimelek Vinci ee Gina
Rodrigo Editore, Fernanda Resston, Nino Cais e Ricardo Trevisan
Exposição O Rumo, rever o Muro Central Galeria São Paulo
Eduardo Oliveira, Cesar Fraga e Gina Elimelek
Francisco Klinger, Guto Lacaz e Shirley Paes Leme
Bernardo e Egon Kroeff
Bia Rosa, Renata Castro e Silva, Alessandra Monteiro de Carvalho e Bia Aydar
Fernanda Resstom, Tamara Perlman e Daniel de lavor
Silas Martí e Otavio Tronco
Zed Nesti: Para Inglês Ver Galeria Bolsa de Arte São Paulo
Alex Flemming e Luiz Kroeff
Zed Nesti e Chris Campos
Antonio Gonçalves, Celso Fioravante, Hilda Gamboa e Lucia Glaz
Exposição Razão Concreta Galeria Berenice Arvani São Paulo
Talita Campos, Hilda Gamboa e Daniel Pereira
Ricardo Berenice Arvani, Helo EduardoMicoli, Oliveira, Cesar Fraga Alcântara Machado e Lucia Glaz e Gina Elimelek
Mariane Vicentini, Carlos Henrique e Júlia Bastos
Luis Augusto Machado, Helo Alcântara Machado, Julio Landmann e Berenice Arvani
Exposição Galeno Gabinete de Arte K2O Brasília
Renato e Luciana Mosca com Tais Madruga
Guilerme Magaldi e sua esposa Karla Osório
Tarciso Viriato e Glênio Lima com amiga
Only You de Leonardo Kossoy Renata Ribeiro e Silvana Thebas com Leonardo Kossoy Centro Cultural Correios
Paulo Herkenhoff, Leonardo Kossoy, Ruy Souza e Silva, Ricardo Ohtake
Rio de Janeiro
Gilda Nomacce e Germano Melo
O artista com Ricardo Rocha
ALTO FALANTE
Por Alexandre Sá
Quero ver Irene rir parte 1 (intro - remix) "Quando tenho razão, a culpa é toda minha." Frase de caminhão citada por Vik Muniz "Historiadores e críticos já não temos nenhuma influência no mercado." Benjamin H. D. Buchloh Em tempos de cólera, escrever parece difícil. Não especificamente o ato de escrever em si, mas a possibilidade de fazer uso da linguagem para que algo se estabeleça como pensamento. Provavelmente, o próprio pensamento se coloque de maneira difícil em um instante histórico, em que a enxurrada de palavras, desejos, vontades e opiniões parece potencializar uma histeria coletiva recôndita que não sei se de fato, é genuína. Nos últimos dias, tenho tido a oportunidade de ver, ir, visitar e mesmo viver (esse verbo perigoso) algumas experiências de arte, onde o público parecia sempre ávido. Sempre ávido por algo de arrebatador que seja capaz de fraturar a inércia sintomática de um viver contemporâneo que, provavelmente, em virtude de todo o legado de autocrítica,
O público então, em vez de se deleitar na experiência inconsciente de que viver é um ensaio fadado ao fracasso, parece "meninx", acreditando em tantas histórias assombradas que seus pais lhe contaram de maneira cândida percebeu-se oco. E se ali/aqui, nesse ninho abismal tedioso de um eterno retorno, houve já alguma possibilidade de pouso, descanso e duração; a sensação que surge no já é, é de uma eletricidade néon-novo. Adolescente. Sempre adolescente. Como um pulso angustiado em busca, aplicativo de sua bela suspensão de horror e gozo. O público então, em vez de se deleitar na experiência inconsciente de que viver é um ensaio fadado ao fracasso, parece "meninx", acreditando em tantas histórias assombradas que seus pais lhe contaram de maneira cândida sem que, por sua vez, se dessem conta de que talvez fosse justo iluminar o fato de que nunca seríamos senhores de nós mesmos. Histórias encravadas no corpo que reforçavam astutamente o encantamento da fantasia que precisava ferozmente do seu duplo mais direto: o Real. 64
A boa e velha lógica espetacular nos ensinou que a história é feita com as nossas mãos, para simplesmente retroalimentar um processo que sempre foi atravessado por corrupções de caráter, crueldades devastadoríssimas e toda a sorte de catequeses; E, em uma imbricada relação de amor e ódio, provocamo-nos à pouca humildade de ignorarmos que o tempo de agora é sempre Sísifo. Como os ponteiros do relógio que talvez tenham abandonado a sina de lembrar a todo instante que já estiveram ali. E nessa clausura curiosa de todo e qualquer presente, em sua inquestionável tragicidade, agarramo-nos com dentes afiados a uma possibilidade concreta de marcar o tempo (este que passa) e nossa vida ordinária. É tudo mentira. É tudo figura. Então, se a boa e velha lógica espetacular nos ensinou (este verbo muito mais ardiloso que o viver) que a história é feita com as nossas mãos, para simplesmente retroalimentar um processo que, no caso do Brasil, sempre foi atravessado por corrupções de caráter, crueldades devastadoríssimas e toda a sorte de catequeses; talvez eu pudesse achar aqui, muito idiotamente enquanto escrevo, que alguma mudança poderia germinar entre eu e o leitor. Entre mim e você. Entre nós. Seu corpo. Meu corpo. Em uma intimidade de escrita na sua pele que fosse suficientemente visceral para que abríssemos a fissura da porta e fôssemos embora em uma última performance. Mas não. Hoje não.
Hoje o que eu lhe peço, enquanto página branca, é só vazio e apagamento. Silêncio e alguma tristeza................................................................................................................................................. ............................................................................................................................................................................... ...........Por tantas despedidas. Por tantas mortes. Por tanta falta de fé. Por eu ou por você não sermos capazes de garantir que chegaremos a casa com as duas pernas. Ou que, a despeito do ódio-quente-leite-fálico, poderíamos vir a ter a opção de continuarmos minimamente vivos, apesar do que isso possa vir a ser. E assim, na ditadura que é minha enquanto sujeito, enquanto história perversa de pouco amor ou de muito amor mal ensaiado, lúgubre, fútil, "glory hole", que eu lhe digo que não posso lhe dizer coisa alguma. Eu o desconheço, Beltrano. Eu não o reconheço, Beltranho. E, se o devir-mundo é ser solitária, a responsabilidade é nossa. "Give up". Alexandre Sá é crítico e curador, professor do Instituto de Artes da UERJ, da EAV Parque Lage e coordenador do curso de Artes Visuais da Unigranrio.
Ass: Beltranho 31/3/2016