Revista Dasartes Edição 50

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TUNGA ALFREDO VOLPI YOKO ONO MASAO YAMAMOTO PEDRO FERRETI


50 DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin PRODUÇÃO André Fabro

Capas:Tunga, Reflexos. Foto: William Gomes

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Sumário: Tunga, True Rouge. Foto: Fernando Étulain.


YOKO ONO

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TUNGA

06 De arte a z 44 Livros 46 Resenhas

ALFREDO VOLPI

do 54 Notas mercado do 56 Coluna meio

MASAO YAMAMOTO

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PABLO FERRETI

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DE ARTE A Z Notas do circuito de arte

PAINEL DE RUBENS REVELADO APÓS 80 ANOS A pintura “A Ressurreição de Cristo” foi presenteada pela princesa russa Catarina a Grande a um monastério católico, fechado em uma onda soviética de perseguição anti-religiosa em 1934. Após minuciosa restauração, o painel de quase 5x3 metros, que até então era atribuído aos seguidores do pintor, foi autenticado como de autoria do próprio Peter Paul Rubens. Está em exposição no Hermitage de São Petesburgo até 2/12.

ICOM TOMIE FUTURE ABORDA OHTAKE EM GENERATION NOVO PAPEL ART PRIZE LONDRES DO MUSEU Encontro tem estrelas Milão recebe em julho a conferência anual do Conselho Internacional de Museus. O tema principal é pensar além das coleções, abordando o papel social e de preservação cultural das instituições. O escritor Orhan Pamuk e o artista Christo estão entre os palestrantes.

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Inscrições abertas Um dos maiores prêmios internacionais em dinheiro (US$100 mil) recebe inscrições em seu website até 11/9. O prêmio é voltado para artistas de até 35 anos do mundo todo e tem no júri nomes como Jeff Koons, Elton John e Eli Broad. Em 2010, Cinthia Marcelle foi a vencedora.

Artista homenageada A galeria White Rainbow, especializada em artes com influência japonesa, anunciou a primeira individual de Tomie Ohtake no Reino Unido nos útimos 20 anos. “Imperfect Geometry” apresentará uma série recente de pinturas e esculturas monocromáticas. De 29/9 a 15/12.



INSTALAÇÃO DE CHRISTO CAUSA REVOLTA LOCAL A incrível instalação “Piers Flutuantes”, de Christo, é uma passarela que permitiu caminhar sobre a água até duas ilhas do lago Iseo, na Itália, por 16 dias em junho. A obra custou quase ¤4 milhões, pagos pelo artista, e recebeu mais de 270 mil visitantes nos cinco primeiros dias. Agora, o grupo de defesa do consumidor Codecons acionou a justiça pedindo que o Estado seja ressarcido pelos gastos públicos com acolhimento de visitantes. Comerciantes da região se manisfestaram contra o grupo.

GIRO NA CENA

Cinthia Marcelle e Gisele Beiguelman No Galpão Videobrasil, em São Paulo, Cinthia Marcelle apresenta a video-instalação Trilogia, inédita no país. Em mostra também está “Quanto pesa uma nuvem?” (foto) resultado de uma viagem de Gisele Beiguelman à Polônia em busca de imagens de seus antepassados e de sua memória familiar. Até 20/8.

LEI ROUANET PAGA FESTA DE CASAMENTO É hora de rever a lei de incentivo Um amplo esquema de desvios de verba pública usando a lei Rouanet veio a tona em junho, com a prisão de parte dos responsáveis. A investigação identificou mais de R$180 milhões de reais de patrocínios a projetos fraudulentos, todos aprovados pelo Ministério da Cultura, incluindo um show de música e festa de casamento em um clube de praia em Florianópolis. É sabido que a Lei Rouanet é amplamente usada para financiar projetos de marketing de empresas privadas e espetáculos com ingressos inacessíveis a maior parte da população. Não seria o momento de instituir mecanismos de avaliação do custo-benefício de cada projeto?

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Cartas ao Prefeito Cartas ao Prefeito: São Paulo abre dia 30/7 no espaço Pivô Arte e Pesquisa. A exposição faz parte de um projeto mundial onde foi exposto um conjunto de cartas que cinquenta arquitetos locais escreveram para o seu Prefeito, expressando suas ideias, opiniões, expectativas e utopias para a cidade. Ao final as cartas serão entregues ao Prefeito.



GIRO NA CENA

Martha Pagy em ação No Rio de Janeiro, Martha Pagy Escritório de Arte está em cartaz até 9/9 com “Afluências”, apresentando obras de Jaqueline Vojta e Ana Dantas. A visita é feita sob agendamento pelo e-mail marthapagy.escritoriodearte @gmail.com. Pagy ainda assina curadoria, desenho e montagem da exposição de Flávio Colker no Paço Imperial até 31/7.

CULTURA E EDUCAÇÃO: CONVITE A REFLEXÃO Foi um sucesso com casa cheia o lançamento do livro “Na base do farol não há luz. Cultura, Educação e Liberdade” no Sesc Consolação em São Paulo. O título inédito do escritor e psiquiatra italiano Mauro Maldonato tem considerações do diretor regional do Sesc São Paulo e sociólogo Danilo Santos de Miranda. Os autores conversaram com o público, responderam as questões sobre politica e cultura dentro do atual cenário no país e ao final autografaram e dedicaram exemplares do livro (foto).

12ª Residência Artística Até 30/7, os artistas brasileiros Carolina Cordeiro, Giuliano Obici, Janaína Miranda, Raphael Escobar e os estrangeiros Anton Steenbock (Alemanha; vive no RJ) e Luca Forcucci (Suíça) apresentam os trabalhos desenvolvidos durante a 12ª Residência Artística no Red Bull Station, em São Paulo.

VISTO POR AÍ

O canal Arte1 estreia a série "Se Cria Assim", do diretor Claudio Assis. A cada episódio, o processo criativo de um artista: Bruno Vilela, Marcelo Silveira, Rodrigo Braga e Paulo Bruscky.



YOKO

ONO

ARTISTA JAPONESA ENVOLVE O PÚBLICO COM IRREVERÊNCIA E ORIGINALIDADE EM RETROSPECTIVA EM BUENOS AIRES

POR REDAÇÃO Ono é uma figura essencial e pioneira na arte contemporânea e interativa. Está associada à arte conceitual e performance, aos "happenings" dos anos 1960 e principalmente ao movimento Fluxus. Dentro do conceito desse movimento, cuja proposta é que a arte se dissolva no cotidiano, foi uma das primeiras a questionar a concepção de obra de arte e do trabalho artístico como objeto, rompendo as fronteiras tradicionais entre as disciplinas artísticas. A exposição do MALBA é a primeira retrospectiva da artista na Argentina. Seu título, "Dream come True", pode ser lido como uma metáfora para a carreira artística de 12

Ono, e também como um comentário sobre a atual situação global que, na visão de Ono, pode ser melhorada por meio de participação em grupo e intercâmbio criativo. Nessa exposição, as "Instruções" (Instruction Pieces) estão no centro da curadoria e consistem em simples e poéticas mensagens que convidam o público a executar ações específicas, como ouvir o som da terra girar ou acender um fósforo e observar até que ele se apague, e invadem não apenas o espaço expositivo, mas também os meios de comunicação e o espaço púbico de Buenos Aires. Ao abrir um jornal, pegar o metrô, cruzar de carro uma grande avenida ou entrar em sua página no Facebook, qualquer um pode


se deparar com instruções para participar de uma obra da artista. Usando esses meios, ela expande a dimensão de seu corpo de trabalho com um forte compromisso político e social, em especial com movimentos feministas, pacifistas e ambientalistas.

Fotos: Cortesia MALBA

"É Importante notar", explica o curador Agustín Pérez Rubio, "que, se as instruções de Yoko olham para o mundo, é porque, em igual medida, elas também trazem o mundo em si e o condensam. Não são criações autossuficientes que apenas querem ser comunicadas, mas uma tentativa de restabelecer, naqueles que as ouvem, uma consciência desse lugar, desse mundo em que vivemos, com todos os problemas, aspirações, desejos, frustrações e preocupações sociais e políticas que os afetam. É por isso que o trabalho de Yoko Ono em sua totalidade, desde o início até o presente, pode ser lido

Nessa exposição, as "Instruções" estão no centro da curadoria e consistem em simples e poéticas mensagens que convidam o público a executar ações específicas, como ouvir o som da terra girar ou acender um fósforo e observar até que ele se apague.



As obras de Yoko Ono são baseadas em um conceito que toma forma de maneira neutra, sem dimensão psicológica, associação pessoal ou subjetividade. trabalho de Yoko Ono em sua totalidade, desde o início até o presente, pode ser lido como um corpo teórico com uma agenda política".

"sonhe". Nesses casos, uma primeira instrução abre caminho para outros trabalhos que ressonam nela ou em seu desejo de transcender.

As instruções se desdobram em outras obras. A mais famosa delas talvez seja "Yes Painting" (1966), em que o público é instruído a subir em uma escada e procurar a palavra "sim" com uma lupa entre muitas outras palavras escritas no teto. Foi por meio da primeira montagem dessa obra que a artista conheceu John Lennon. Mais tarde, a palavra "sim" também aparece espalhada por painéis publicitários na cidade, como uma "instrução" ou gatilho para uma ação positiva, um desejo de afirmação. Há também um grande número de suas peças sussurradas, nas quais a artista encoraja os outros a usarem roupas com palavras ou instruções como "toque", "ria" ou

"As obras de Yoko Ono são baseadas em um conceito que toma forma de maneira neutra, sem dimensão psicológica, associação pessoal ou subjetividade. A sua expressão material é determinada pelo espectador/ participante de tal forma que o trabalho pode eventualmente se dissolver/destruir", explica o curador Gunnar B. Kvaran, diretor do Museu Fearnley Astrup em Oslo. YOKO E O FEMINISMO Dada a preocupação política de Yoko Ono pelo pacifismo e seu papel como representante da geração de 1960, não surpreende que ela se interesse pelo


trabalho de artistas femininas e pelas relações de poder das mulheres no trabalho, em casa, ou em relação a seus próprios corpos. Os exemplos cada vez mais atrozes de violência contra mulheres presentes na mídia foram mais uma motivação para que, em 2013, a artista realizasse pela primeira vez a ação "Arising" (ressurgindo), que convida mulheres a dar depoimentos sobre um episódio de violência que tenham sofrido e enviar fotos de seus olhos. O MALBA está recebendo esse material em malba.org.ar/arising/, que será reunido em uma instalação e um livro. O EVENTO ÁGUA A água é um tema recorrente na obra de Yoko Ono e a fonte de uma série de camadas de metáforas. Desde 1971, Yoko vem convidando grupos de artistas para criar obras-veículo para levar a água até as pessoas, que podem ser indivíduos ou o povo de uma região determinada, seja para matar sua sede, curar suas mentes ou reconhecer sua coragem em se expressar. Para essa exposição, o convite foi feito a 12 artistas latino-americanos, incluindo Rosângela Rennó, Liliana Porter, Afredo Jaar e Tania Bruguera. As obras são exibidas individualmente e, de forma simbólica, a própria Yoko Ono fornece água para enchê-los.

Yoko Ono • Dream Come True • MALBA • Buenos Aires • 24/6 a 31/10



TUNGA

E O SEU UNIVERSO LÍRICO EM INHOTIM VISTO POR MUITOS COMO HERMÉTICO, TUNGA DEIXA UM LEGADO DE LIBERDADE CRIATIVA E FIDELIDADE CONCEITUAL E OFERECE EM INHOTIM ALGUMAS CHAVES PARA ACESSAR SEU UNIVERSO.


Instalação do artista no Museu Louvre. Cortesia Galeria Millan

Foi com pesar que a Dasartes anunciou a morte de Tunga no início de junho. Contemporâneo de nomes como Cildo Meireles e Antonio Dias, esteve à margem de movimentos e tendências, criando uma linguagem própria à qual foi fiel até o fim. Em sua última matéria na revista (Dasartes 44, janeiro de 2016), o artista revelou um oceano de referências

e conceitos ocultos, uma pista para a dificuldade que o público leigo tem em absorver sua criação. No entanto, deixou claro que não queria forçar essa compreensão ao observador, pelo contrário: que cada um olhasse para suas obras como bem entendesse, experimentasse no contato a mesma liberdade da qual ele se aproveitara na concepção.



Galeria Psicoativa Tunga. Inhotim 2012. Foto: Daniela Paoliello


Tunga iniciou sua carreira no início dos anos 1970, com desenhos e esculturas, e logo partiu para montagens com metais e materiais elétricos e isolantes, apostando em seus significados simbólicos, que permeariam toda a obra dele. Nos anos 1980, entraram os vídeos e elementos da arqueologia e, em 1982, dividiu com Sergio Camargo o pavilhão do Brasil na Bienal de Veneza. As obras se referem cada vez mais umas às outras, pelo uso repetido de matérias e da relação entre eles. Em 2005, tornou-se um dos poucos brasileiros a expor no Louvre. Os cristais e tons dourados foram introduzidos em sua obra nos últimos anos, uma volta em

direção à luz. Seu último projeto foi uma instalação na seção de projetos solo da feira Art Basel, que aconteceu depois de seu falecimento. Muitos dos elementos recorrentes nas obras do artista estão em Inhotim, por onde a Dasartes propõe um passeio.

POR DANIELA RODRIGUES Nome incontornável das artes visuais no Brasil e no exterior, Tunga é um dos expoentes da coleção de arte do Instituto Inhotim, e é considerado fundador, junto com Bernardo Paz, de

Acima: Performance Inside Out-Upside Down, Documenta de Kassel, 1997. A direita: Trança de Alumínio. Cortesia Galeria Millan


seu conceito: uma experiência de arte e natureza. O trabalho e pensamento de Tunga foram referência para aquilo que viria a ser o Inhotim, um universo fantástico e exuberante, potencializador de novas perspectivas para a vida contemporânea. Tunga constrói narrativas que privilegiam a experiência do espectador e que abrem espaço à construção de "cenas" tanto pessoais quanto coletivas, transcendendo o "aqui e agora". No Inhotim, também palco de suas instaurações nos momentos de abertura dos pavilhões a ele dedicados, o visitante é convidado a uma experiência estética singular e à construção coletiva e política de sentidos. Em termos cronológicos, Tunga foi o primeiro artista a receber uma galeria projetada especialmente para sua obra: True Rouge. Inaugurada em 2002, já insinuava o que viria a ser a linha de força do Instituto: a integração entre arte, arquitetura e natureza. Foi a partir da construção da Galeria True Rouge que o Inhotim inverteu seu colecionismo em direção a instalações de grande escala, site-specific, ou fora dos moldes que habitualmente vemos nos museus de arte contemporânea que se localizam em cidades, buscando, na invenção de realidades, a sua própria marca. Não obstante a grande influência do artista na origem do Inhotim, em 2012 sua obra foi contemplada com o maior pavilhão do Instituto, com 2.200 metros quadrados: a Galeria Psicoativa Tunga. Exuberante, o edifício está imerso na mata nativa da região de Brumadinho, município onde se localiza o Inhotim, em um estado de suspensão, já que seu piso parece flutuar baixinho, a alguns metros do chão. A natureza se faz presente no interior da Galeria, seja pelo reflexo ou transparência dos vidros, seja pela madeira dos pisos e paredes internas, ou ainda pelos próprios materiais utilizados pelo artista, em

O trabalho e pensamento de Tunga foram referência para aquilo que viria a ser o Inhotim, um universo fantástico e exuberante


sua maioria encontrados em estado bruto no ambiente natural. No pavilhão estão trabalhos de três décadas de sua produção, que vai dos anos 1980 aos 2000. Apresentadas de modo não linear, as obras induzem o visitante a conhecer o universo lírico do artista. Repleta de fantasia, misticismo e ficção, a Psicoativa Tunga incita a todos alguma sensação, sendo difícil caminhar por ela sem se sensibilizar pela estranheza, pela beleza, ou qualquer outra sensação, como o próprio nome da Galeria já subentende. Arquiteto por formação, Tunga teve intenso diálogo com o escritório Rizoma Arquitetura, que projetou o edifício, sobre seus desejos para o pavilhão, visto que pretendia apresentar a sua trajetória

Repleta de fantasia, misticismo e ficção, a Psicoativa Tunga incita a todos alguma sensação, sendo difícil caminhar por ela sem se sensibilizar pela estranheza, pela beleza, ou qualquer outra sensação.

Acima: Sem título e Xifópagas Capilares,1984. Foto: Wilton Montenegro.. À direita: Galeria Psicoativa Foto: Daniela Paoliello.


artística a partir deste grande empreendimento. Se há algo identificável à primeira vista em sua obra é o constante retorno dos materiais e objetos ao longo desses trinta anos apresentados. Interessante perceber como o projeto arquitetônico traz à tona estes remetimentos de Tunga. Em quatro pavimentos, o visitante não tem percurso definido, já que o prédio tem diversas entradas e duas escadarias que conformam um círculo em conjunto com dois pisos. Na parte central há outros dois ambientes amadeirados e percorridos por meio de rampas. Esta circularidade viabiliza uma visão abrangente de todo o conjunto, seja pela parte inferior ou superior do prédio, e permite uma conexão de todos os trabalhos ali presentes, como em um

grande acelerador de partículas, imagem que lhe serviu de inspiração. No núcleo central da Galeria é exibido o trabalho de 1981, Ão, um filme P&B 16mm em looping constante e uma instalação sonora que, repetidas vezes, toca uma montagem da canção Night and Day, de Frank Sinatra. "Noite e dia, dia de noite" é o que se repete ciclicamente. O vídeo filmado no túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro, também se repete infinitamente, sem se distinguir o que é início ou fim, e sugere um trecho em curva, dando ao espectador uma perspectiva ampliada de um mesmo espaço e tempo. Saindo desta instalação audiovisual, o visitante percorre, então, os demais pisos do prédio. Na parte mais baixa, uma obra de grande relevância em sua carreira é 25


exibida. À luz de dois mundos foi montada no Museu do Louvre, Paris, em 2005, e desde 2012 é exibida no Inhotim. Nela, os elementos de repetição estão presentes, como os metais (ouro, ferro e cobre), as caveiras e os rostos de referências identificáveis da história da humanidade, assim como as redes e tranças. Como composição da poética do artista, os elementos são reconhecíveis em diferentes culturas, mas a significação não é sempre a mesma. Para ocidentais, À luz de dois mundos traz uma relação com o "descobrimento do Novo Mundo", as figuras clássicas da História e as figuras não identificáveis, em forma de caveiras. Essas últimas parecem, então, como os sujeitos colonizados, sem face e sem reconhecimento na narrativa histórica tradicional. Estes elementos, conectados por tranças e redes, geram um

A conexão entre arte, arquitetura e natureza é visível na produção de Tunga, assim como atravessa todo o Inhotim. deslocamento da história da colonização americana. Ao percorrer a Galeria, outros elementos aparecem, como o feltro, a palha, os utensílios alquímicos, os cristais, os líquidos que remetem a fluidos corporais e os ímãs. Muitos deles com caráter de condução, de conexão ou interligação, não somente de um trabalho a outro, mas entre todo o universo lírico de Tunga, colocam em evidência a circularidade da produção do artista. A ausência de início

Acima: Performance de Semeando Sereais. À direita: Bell Falls. Cortesia Galeria Millan


e de fim e a preponderância do intermeio se faz valer. No piso superior encontra-se o trabalho intitulado Palíndromo incesto (1990-1992). O nome dado à obra já aponta possíveis apreensões. Palíndromo é uma palavra ou frase que, lida da direita para a esquerda, ou de forma contrária, tem o mesmo significado, como, por exemplo, arara. Relativo ao incesto, o trabalho conota dois possíveis entendimentos, seja ele o mais imediato, de um ato sexual entre parentes, ou ainda um jogo linguístico in-cesto. Com objetos que aludem a instrumentos de tecelagem em grandes dimensões, como linha, agulha, dedal e cesto, a obra tece uma trama de significados para relações consanguíneas entre objetos e definições. As conexões e apreensões são metaforizadas pela grande quantidade de ímãs e fios de materiais condutores de energia. Na parte mais alta da Galeria, localizada sobre o Ão, está outro trabalho importante de sua carreira, o Laboratório Nosferatu (1999-2012), e a visão panorâmica de suas esculturas monumentais vistas de cima. A conexão entre arte, arquitetura e natureza é visível na produção de Tunga, assim como atravessa todo o Inhotim. A mata que circunda a maior galeria do Instituto, assim como as trilhas que levam os visitantes até o local e o reflexo proporcionado pelos vidros de True Rouge e Psicoativa metaforizam a forte aliança destes três elementos. Tunga e Inhotim. Inhotim e Tunga. Daniela Rodrigues, supervisora de Educação do Instituto Inhotim, especialista em Gestão Cultural pelo Centro Universitário UNA e graduada em História (UFV).

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Alfredo Volpi, sem titulo Fotos: SĂŠrgio Guerini


ALFREDO VOLPI


POR ARACY AMARAL O excepcional da exposição Volpi Pequenos Formatos, raras preciosidades da coleção de Ladi Biezus no Museu de Arte Moderna de São Paulo, deve-se ao fato de poucos museus possuírem tão grande quantidade de obras desse grande pintor brasileiro. O Museu de Arte Contemporânea de USP, em São Paulo, talvez seja a única entidade possuidora de alentado acervo do artista (com 21 telas), em decorrência da doação de grande parte da coleção do critico e poeta Theon Spanudis, um dos primeiros admiradores de Volpi.

O colecionador Ladi Biezus vem proporcionar ao MAM a chance de uma exposição de longa duração, que se estenderá até dezembro, propiciando aos estudantes e visitantes que venham por ocasião da próxima Bienal conhecer os momentos criativos mais espontâneos de Volpi: as pinturas de "pequeno formato" de sua coleção: na verdade, são verdadeiros estudos e anteprojetos de telas que desenvolveria depois. Com a possibilidade de poder apreciar suas primeiras pinturas figurativas, sobre madeira ou cartão, da década de 20,

Fotos: Sergio Guerini. Cortesia MAM. As obras aqui reproduzidas não tem título.


vistas do largo do Cambuci, bairro em que sempre morou, Mogi, com toques impressionistas acentuados ou mesmo percebendo-se uma influencia até cezanniana em alguns trabalhos, vemos depois uma luminosa pintura feita em Itanhaém, que frequentou em inicios dos anos 40 - e onde conheceu Emigidio de Souza, artista e escritor local, muito admirado por Volpi - assim como uma definição mais clara em sua maneira de pintar, nos anos 40, década em que realiza telas antológicas de sua obra como Na mesa, Retrato de Hilde Weber, Nu de Judith, Jogadores de cartas, entre tantos outros. Na década seguinte, bem presente na coleção primorosa de Ladi Biezus, constatase que a figura humana praticamente desaparece de suas telas (a não ser pelas imagens de santas, que regressa constantemente até na década de 70) e ele passa a perseguir o construtivismo geométrico, influenciado, por certo, pelos jovens abstrato-geométricos-concretos-da cena paulistana. Bem a propósito escreveu Mario Pedrosa, "(...) Assim como Volpi guarda todas as suas qualidades instintivas, seu lirismo, sua força poética, seus dons de colorista, na fase das casas, apesar do corte da tela à severa maneira compositiva "neoplástica", assim também conserva ele todo o seu incomparável senso colorístico, sua fantasia, seu poder plástico na atual fase que uma terminologia arrevesada ou canhestra chama de "concretista". Diante de sua imaginação criadora, sejamos mais modestos, e confiemos no tempo. No Brasil não há mestre que o supere". Logo apareceriam as famosas bandeirinhas na pintura de Volpi, frequentemente identificado com elas. Mas num depoimento que me deu por ocasião de sua retrospectiva de 1972 "conta o artista que, em certa ocasião,

Diante de sua imaginação criadora, sejamos mais modestos, e confiemos no tempo. No Brasil não há mestre que o supere.


Dessa impressão, e da relação consequente cor-forma-espaço-casario, nasceriam as 'bandeirinhas' de Volpi. devendo ir a Mogi, onde se encontrava sua mulher, o único meio de lá chegar, um taxi, levou-o de madrugada, pois o chofer ainda queria voltar a São Paulo em seguida. E Volpi se lembra de como o surpreenderam, na entrada de Mogi, à luz tênue da madrugada, as fileiras de bandeirinhas coloridas em contraposição ao casario, a cidade toda preparada para alguma festa popular. Dessa impressão, e da relação consequente cor-formaespaço-casario, nasceriam as 'bandeirinhas' de Volpi, motivo transposto, transfigurado, abstraído (quadrado de cor recortado, dissecado,

reelaborado, ou triângulo espaço-forma), que povoam, há cerca de vinte anos, dezenas e dezenas de suas telas. " O frescor do esboço, a preocupação constante com a problemática cromática, as variações de cor sobre um mesmo tema, a despreocupação nesta produção de projetos com suportes variados - do cartão à madeira, tela, ou papel oferecem ao visitante a oportunidade de vislumbrar de maneira inédita o processo criativo de um dos mais prolíficos e ricos como qualidade, dos artistas do século XX no Brasil.



TRÊS PERGUNTAS PARA LADI BIEZUS Como conheceu o artista? Em uma festa em homenagem à Tarsila do Amaral, em 1970. Todos os maiores pintores da época estavam presentes e pintaram obras em sua homenagem, que seriam leiloadas. Volpi era um deles; fomos apresentados e passei a frequentar seu ateliê quase todos os sábados. Como criou sua coleção? Sou engenheiro de formação. Quando conheci sua obra, pintava fachadas sintetizadas, um assunto que fala diretamente ao engenheiro, assim como a têmpera, que lembra a usada na pintura de casas naquela época. Aos poucos, fui gostando cada vez mais. Alguns quadros foram adquiridos ao longo das visitas, outros comprados no mercado mesmo, especialmente os anteriores a 1970, que eram quadros pequenos e acessíveis.

Tenho alguns pintados com terra natural que eu trouxe dos locais onde trabalhei, um deles 100% pintado com terra da estação de esgoto de São Caetano. A pintura à base de terra tem uma sensualidade que me agrada muito, dá uma enorme vontade de tocar, por isso são protegidas por caixas. Cria uma proximidade, afinal, segundo a Bíblia, somos todos feitos de barro. Qual futuro prevê para a coleção? Não pensei nisso. Gostaria de desfrutar dela nos anos que me restam. O que não gostaria é que fosse desmembrada, pois é fato empírico que a coleção é maior que a soma dos quadros que a compõe. Cada quadrinho representa um instante da inspiração e criação de uma obra, por isso desejo que permaneça como uma unidade.

Aracy Amaral é crítica, curadora e historiadora em artes visuais.

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Vivemos e meditamos no mundo de cinzas, em inúmeras gradações entre o preto e o branco. “Quando notamos uma mancha negra sujando um coração inocente e branco, o contraste nos faz sentir desconfortáveis. Não existe o branco puro ou preto puro. Vivemos e meditamos no mundo de cinzas, em inúmeras gradações entre o preto e o branco.”

36 REFLEXO

Nakazora 987




Árvores perdem suas folhas e o ar se faz sentir frio ao rosto em novembro no Japão.

”Árvores perdem suas folhas e o ar se faz sentir frio ao rosto em novembro no Japão. O ar frio traz um belo perfume difícil de descrever com palavras. É um sinal da vinda do inverno. (Canção de ninar japonesa) Vire a esquina, vire a esquina

Fogueira, fogueira, com as folhas caídas Fogueira, fogueira, agradável e quente Fogueira, fogueira, no vento norte frio”

Uma caixa dos Ku 35

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As coisas podem parecer completamente diferentes quando você as vê a partir de outros ângulos.

“Uma colecionadora que se apaixonou por essa imagem certa vez disse: "Você deve ter sempre uma atitude positiva e seguir em frente mesmo nas dificuldades, mas ocasionalmente quer parar, virar-se para trás e ver por onde andou para encontrar sentimentos e às vezes arrependimentos. Esta foto me faz lembrar esses sentimentos". As coisas podem parecer completamente diferentes quando você as vê a partir de outros ângulos. Concordo com ela que a verdade na vida não é facilmente derivada. É daí que vêm os pensamentos e ideias. Nós, seres humanos, estamos sendo testados em nosso bom-senso e inteligência nesse momento de caos..”

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Kawa = Flow 1637



“Além da esfera, ligeiramente se vê o horizonte do oceano ao leste de Ryukyu, em Okinawa. Esse oceano está em risco de ser retomado para que seja construída uma nova base militar norte-americana nesse paraíso. É um lindo mar de corais onde vivem peixes e dugongos. Ryukyu pode parecer uma ilha paradisíaca com uma rica cultura e recifes de coral, mas ainda carrega lembranças sombrias da guerra, mesmo 42


Além da esfera, ligeiramente se vê o horizonte do oceano ao leste de Ryukyu, em Okinawa…

passados 70 anos. É uma ilha tão pequena... Observando o oceano azul de Ryukyu, pergunto-me se o nosso mundo terá um futuro brilhante ou se transformará em um planeta sombrio... Acho que depende de cada um de nós. “ Kawa = Flow 1635


LIVROS lançamentos Velázquez José Ortega y Gasset Martins Fontes • 230 p. • R$ 49,90 A edição traz os principais ensaios que José Ortega y Gasset dedicou a Velázquez. Parte deles foi reunida no livro Papeles sobre Velázquez y Goya (Madri, 1950); encontram-se aqui também o manuscrito da terceira aula de um curso ministrado pelo autor em San Sebastián (1947) e a introdução ao livro Velázquez (Madri, 1954). No fim do livro, há uma lista com a ficha técnica de cada uma das obras de Velázquez citadas, com base nas informações fornecidas pelas respectivas coleções; Há também um caderno de imagens com 13 obras de Velázquez.

Na base do farol não há luz. Cultura, Educação e Liberdade Mauro Maldonato. Apresentação Danilo Santos de Miranda Edições SESC • 376 p. • R$ 50,00 O livro inédito do escritor e psiquiatra italiano Mauro Maldonato propõe um debate sobre a fragmentação do sujeito no mundo e a necessidade de construção de novos valores para a convivência com as diferenças. Entre os principais temas estão a política, cultura, educação, ética, liberdade e alteridade. O sociólogo Danilo Santos de Miranda examina essas questões do ponto de vista da sociedade e história brasileiras. Com isso abre um fértil diálogo com Maldonato em favor da cultura, da educação e da liberdade como alicerces da sociedade contemporânea.

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Michelangelo - Arquiteto e escultor da capela dos Médicis Sérgio Ferro Martins Fontes • 160 p. • R$39,90 O arquiteto Sérgio Ferro esmiúça uma das obras principais do artista, a Sacristia de São Lorenço - também conhecida como Capela dos Médici. Ferro segue um processo rigoroso de interpretação inspirado na semiologia de Charles Sanders Peirce, e sua análise é ainda mais sensível por sua própria experiência de pintor e arquiteto. Publicado na França em 1998, o livro tem agora sua primeira edição brasileira. Foram acrescentadas novas imagens, um posfácio e um texto de apresentação do professor João Marcos de Almeida Lopes.

Histórias das exposições / casos exemplares Fabio Cypriano e Mirtes Marins de Oliveira (org.) EDUC - Editora da PUC-SP • 176 p. • R$35,00 A publicação apresenta pesquisas sobre as histórias das exposições que vão além de uma análise fetichista que privilegia obras e artistas, voltando sua atenção para o peso que as instituições têm na disseminação e consagração desses objetos/ações e seus produtores. Além de uma entrevista com Pablo Lafuente, o livro contém artigos de Ana Maria Maia, Cauê Alves, Fabio Cypriano, Fernando Oliva, Mirtes Marins de Oliveira, Priscila Arantes e Vinicius Pontes Spricigo.

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RESENHAS exposições

Coleção Airton Queiroz Espaço Cultural Airton Queiroz UNIFOR • 15/6 a 30/7 POR LIEGE GONZALEZ JUNG A coleção particular de Airton Queiroz tem mais de 800 obras de arte, além das outras quase 800 que fazem parte da Fundação Edson Queiroz. Delas, 240 foram selecionadas pelos curadores Max Perlingeiro, Fabio Magalhães e José Roberto Teixeira Leite e expostas em oito núcleos: Século 17, Século 18, Século 19, Percursores do modernismo, Modernismo, Presença estrangeira, Abstração e Arte Contemporânea. Dentro de cada núcleo, as obras formam conjuntos por artista ou tema, propondo uma introdução bastante didática à história da arte. A qualidade das obras que fazem parte da exposição, todas nunca expostas ao público, torna-a atraente também para os já familiares com a história. A primeira obra do percurso já impressiona - um pequeno bispo em madeira de Aleijadinho em excelentes condições, com a pintura quase intacta. Mais à frente, um raro conjunto de aquarelas de Rugendas, estudos de animais brasileiros, também muito bem preservadas. Em conversa com a imprensa, Max Perlingeiro conta que a principal característica que torna esta coleção única é que ela representa apenas o gosto do colecionador, sem nunca ter buscado uma curadoria ou formar um conjunto representativo ou completo de 46

determinado tema ou época. Isto explica sua diversidade e amplitude. Permitiu também que fossem aproveitadas oportunidades de aquisição de obras raras sem as limitações encontradas pelas coleções curadas - assim foram compradas obras de Rubens, Henry Moore e Max Ernst. Além deles, a seção de arte européia traz um delicado Renoir e obras de Legér, Miró, Dalí e muitos outros. Uma linha do tempo em uma das paredes posiciona a época de cada artista em contexto dos acontecimentos históricos. O compromisso com o aspecto educativo da mostra é evidenciado pelo cuidado na formação dos mediadores, treinados por Agnaldo Farias. O cuidado com a montagem e iluminação também é latente. No térreo, a Abstração tem em sua área uma amostra significativa de concretismo e neoconcretismo e, no núcleo Contemporâneo, uma seleção de artistas-chave da arte atual, como Adriana Varejão e Leonílson. Seguindo uma sequência de mostras de peso, o Espaço Cultural Unifor reforça


seu papel como um dos mais importantes pontos de cultura de Fortaleza em artes visuais, dividindo de forma complementar a atuação na área com o Dragão do Mar, que foca em arte contemporânea.

Liege Gonzalez Jung é fundadora e diretora da revista Dasartes desde 2008.

Marcelo di Benedetto: [Re]forma Galeria Nicoli • São Paulo • 8/6 a 22/7 POR ALECSANDRA MATIAS DE OLIVEIRA Lá na Galeria Nicoli, na Peixoto Gomide, “[Re]forma: A arte pública de Marcelo di Benedetto”, primeira individual do artista, com curadoria de Eder Chiodetto e Giovanni Pirelli, apresenta o resultado de uma pesquisa artística densa e muito instigante que envolve conceitos de arte, fotografia e arquitetura. Em todos os trabalhos expostos, e segundo os próprios curadores, o artista mostra claramente o desejo de “ludibriar o fluxo inexorável do tempo”. Ao percorrer a exposição, percebe-se gradualmente o processo de criação do artista e os instrumentais que marcam sua contemporaneidade, além do desvelamento de sua vontade de resgate e eternidade do instante. A memória, os afetos, a resistência dos materias e os objetos abandonados pelas ruas da cidade se transformam sob ação do artista.

Nos trabalhos chamados “Entre Camadas”, “Vestígios de Memória”, ao explorar as camadas de cimento fixadas ao suporte de madeira por meio de tramas de ferro, Di Benedetto joga com suas memórias pessoais e as altera para imagens universais. Suas memórias estão imbricadas entre o material e o tema de seus retratos em concreto. Ele resignifica suas lembranças duplamente: na primeira, pelo material empregado. Filho de construtor, durante a infância e as visitas às construções civis, o artista se fascina pelo concreto – um material maleável que, com a passagem do tempo, se petrifica, se eterniza. Na segunda, pelo tema. As matizes e texturas proporcionadas pelo concreto auxiliam na transposição das fotografias do álbum de família do artista que, passadas às placas do concreto, surgem como contornos de pessoas e passagens sem características individuais ou de cenários particulares. Já na série “Desdobramentos”, realizada como Fernanda Barreto, Di Benedetto recolhe móveis nas calçadas e caçambas de São Paulo e, mais uma vez, acrescenta nesses objetos tridimensionais esquecidos e descartados o concreto. Em suas referências, esses móveis trazem as memórias de seus antigos proprietários somadas à reconstrução do concreto e à nova função que eles adquirem. Aqui, de


novo, o artista tenta burlar o tempo de uso daquele objeto. De tudo o que se vê, “[Re]forma” conta sobre a delicadeza das memórias e das relações afetuosas na contemporaneidade e apresenta o universo estético promissor de Marcelo di Benedetto. Vale a pena conferir e torcer para que a pesquisa desse jovem artista tenha continuidade e tenha novos frutos – que ele continue a enganar o tempo. Alecsandra Matias de Oliveira é doutora em Artes Visuais - ECA USP e membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte ABCA

Point Of View Parque da Pena • Portugal 25/5/2016 a 25/5/2017 POR SYLVIA CAROLINNE Maio foi um mês movimentado para as artes visuais em Portugal com a abertura da 1ª edição da ARCO Lisboa, que colocou a cidade no circuito de feiras de arte internacionais. Como acontece habitualmente, várias aberturas de exposições foram agendadas simultaneamente ao evento, incluindo a mostra de “site-specifics” “Point of View”, no Parque da Pena, em Sintra. O caminho que leva ao parque já começa a nos dar uma ideia de que o que encontraremos por lá será único. Construído há 200 anos por D. Fernando II à maneira dos jardins românticos, com meandros e caminhos cheios de plantas vindas dos quatro cantos do mundo, a área envolve totalmente o exuberante Palácio da Pena.

Com direção artística de Paulo Arraiano e direção de projeto de Sofia Barros, a mostra, segundo seus idealizadores “assinala o bicentenário de D. Fernando II, o ‘rei-artista’ criador do Parque da Pena. Pretende-se enriquecer a experiência dos visitantes ao levá-los a ‘se perderem’ no Parque, explorando as suas diferentes perspectivas e ‘pontos de vista’”. Para isso, foram reunidos dez artistas de cinco diferentes nacionalidades: Alberto Carneiro (Portugal), Alexandre Farto/Vhils (Portugal), Antonio Bokel (Brasil), Bosco Sodi (México), Gabriela Albergaria (Portugal), João Paulo Serafim (Portugal), NeSpoon (Polónia), Nils-Udo (Alemanha), Paulo Arraiano (Portugal) e Stuart Ian Frost (Reino Unido). Esse grupo seleto foi escolhido a partir da relação homemnatureza que cada um desenvolve em seus trabalhos, sendo o elemento norteador da mostra a busca pela potencialização do espaço para gerar


novos diálogos, produzindo uma reconexão entre o homem e a natureza, a partir da criação de obras oriundas das matérias pré-existentes no local.

temporada, mostrando que, assim como a natureza, a própria arte permanece viva e em constante mutação.

Dentre os trabalhos, pode-se destacar a obra de Vhils, o "cemitério" de árvores, que traz as imagens trabalhadas pelo artista em grandes paredes de cimento reproduzidas em troncos empilhados, relacionando os anéis de crescimento dos troncos à expressão das pessoas. Já as belas redes tecidas por NeSpoon, inspiradas em teias de aranha, foram dispostas de forma a possibilitarem uma interação do público, que encontra espaços para se emaranharem e participarem ativamente do “networking” gerado pela artista. O representante brasileiro na mostra, Antonio Bokel, conheceu os artistas participando de algumas residências tanto em Portugal como no Brasil e criou um vínculo com os trabalhos desenvolvidos por cada um deles. A escolha do local onde inseriu sua obra fez com que o Palácio da Pena aparecesse bem ao meio de um dos lados do triângulo que compôs com troncos, inserindo sua impactante arquitetura como parte da obra. Ao longo do tempo em que ficará aberta ao público, um ano, a exposição não será modificada e tampouco passará por qualquer tipo de restauro das obras, permitindo que, ao mesmo tempo em que algumas delas começarão a sofrer o desgaste natural da ação do tempo, outras desenvolverão suas estruturas e se modificarão. Esse é o caso da obra de Bosco Sodi, que utilizou, entre cubos de madeira empilhados, plantas que terão tempo de se espalharem de acordo com o crescimento de sua espécie e somar à peça original um novo visual ao final desta

Sylvia Carolinne é artista visual, graduada em engenharia civil e moda. Gerente de projetos da Simon Watson Arts e correspondente internacional da Dasartes.


Gonçalo Ivo: Aurora Gustavo Rebello Arte • Rio de Janeiro • 24/5 a 24/6 POR ELISA MAIA "Aurora", individual do artista carioca Gonçalo Ivo, reúne parte das 35 pinturas que ilustram a edição brasileira do livro homônimo de seu pai, o escritor e poeta alagoano Lêdo Ivo (1924-2012). O livro, publicado postumamente na Espanha, em 2013, teve a nova edição lançada junto à abertura da mostra, na galeria Gustavo Rebello Arte, em Copacabana. Além dos trabalhos feitos por ocasião do livro, integram ainda a exposição algumas pinturas mais antigas e objetos de madeira, que foram elementos recorrentes na obra de Gonçalo. Os trabalhos expostos evidenciam a continuação de questões que permeiam toda a trajetória do artista - a cor como uma linguagem autônoma manifesta de forma intuitiva por uma geometria sensível e o diálogo com a tradição pictórica moderna, que afirma de maneira positiva a pintura e sua autonomia. A novidade ficou por conta das pinturas de grandes dimensões, que têm como suporte a fórmica, como o trabalho "Poema noturno" (2014), homenagem ao pai, pintado sobre fórmica negra. O artista conta que já vem trabalhando há quatro anos com o material. "Este material, para mim é carregado de mistério, quer por sua opacidade, quer por sua rasa profundidade. Neles expus meu tributo a Plínio e suas observações sobre a abóboda celeste no século I, e também à poesia de Lêdo Ivo, que é carregada de indagações sobre vida e morte, os acontecimentos do mundo natural e da paisagem humana."

Para Gonçalo, as pinturas que acompanham o livro funcionam como uma espécie de "guia imagético" ao texto. "Algumas pinturas foram feitas especificamente para determinados poemas e outras simplesmente 'flutuam' em torno da ideia da poesia e especificamente da obra de Lêdo Ivo." À visualidade das metáforas de Ledo, Gonçalo oferece a poesia de suas cores, em uma relação que extrapola a ilustração, uma vez que não há uma correspondência óbvia entre o que é lido e o que é visto - "às vezes, há sincronia entre a poesia e a imagem, às vezes não." A Aurora, esse momento fugaz de transição cuja luminosidade descortina no céu uma multiplicidade de tons, surge como a linha que costura as palavras do pai às imagens do filho. "Encontro nessa palavra, para além da primeira luz que antecede a presença solar, um lugar. Espaço habitado por um instante, imóvel, em que sonho com o que vaga entre o ocorrido e o porvir. Nesse momento, a pintura se faz necessária, como se fosse a vasta paisagem observada da janela.", escreve Gonçalo. Suas pinturas, com sua luminosidade latente e sua geometria poética, parecem querer habitar o espaço e capturar o instante a que chamamos aurora. Elisa Maia é formada em direito e letras e mestre em literatura, cultura e contemporaneidade. Interessa-se especialmente pelas relações entre literatura e artes visuais.



PABLO FERRETI POR ELISA MAIA O óleo sobre tela "Luz Negra I" (2015) é uma das pinturas que o artista gaúcho Pablo Ferretti mostra em sua individual na Galeria Mamute, em Porto Alegre, em julho deste ano, com curadoria de Bernardo de Souza. Partindo de 52 GARIMPO

referências figurativas, sejam fotografias, fragmentos de memórias subjetivas ou registros de suas observações cotidianas, Pablo cria imagens que parecem derivar de um processo intuitivo de depuração ou decantação das informações visuais que constituem o referente escolhido. Acima: Luz Negra I, 2015. À direita: Luz Negra III, 2015


Por meio da arte, estas informações são elaboradas. Através da sobreposição de camadas e do acúmulo de pigmentos, vernizes e solventes, os limites que identificam suas referências vão sendo borrados, desvanecem e assumem contornos fugídios - "Eu trabalho com uma forma não linear de construção de pinturas, pois permite uma estratégia ambivalente, uma forma assertiva, ainda que errática, de gerar formas a partir de sobreposições de camadas, de velaturas e pigmentos fugitivos."

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Há em suas telas uma tensão entre o que é encoberto e o que é revelado, e uma pretensão de dar corpo ao que é imaterial e de fixar no tempo a impermanência de um instante. "Meu processo pictórico move-se entre a abstração e a figuração, tratando de questões de acúmulo e suspensão, controle e impermanência dentro da materialidade da pintura", conta Pablo. O resultado é uma pintura dotada de forte carga afetiva, cujas figuras circulam nos intervalos entre a densidade plástica da matéria e a delicadeza espectral das formas voláteis. Para saber mais, acesse http://www.pabloferretti.com. Elisa Maia é formada em direito e letras e mestre em literatura, cultura e contemporaneidade. Interessa-se especialmente pelas relações entre literatura e artes visuais.

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NOTAS DO MERCADO Valores, curiosidades e tendências por Liege G. Jung LENTA VOLTA AO RITMO Uma discreta retomada do mercado de arte vem sendo sentida nos últimos meses, percepção comprovada pelos resultados dos principais leilões de junho, todos com mais de 60% dos lotes vendidos. Canvas, que normalmente abusa dos preços, mostrou bom-senso em algumas estimativas e finalizou com bons resultados, alguns deles intrigantes: enquanto uma grande gravura com tiragem de 40 de Beatriz Milhazes (foto) vendeu pelo lance inicial de R$245 mil, um gibi de Raymundo Colares não saiu por pouco mais de R$100 mil. As duas progressões de Palatnik venderam quase pelo preço praticado pelas galerias e muitos lotes sairam pelo lance inicial, levando a receita final a mais de R$5 milhões, para a alegria de Rodrigo Brant e seus parceiros. No leilão de LORDELLO E GOBBI muitos colecionadores e dealers aproveitaram os lances iniciais razoáveis, especialmente para acadêmicos e modernos. Boas vendas vieram também em contemporâneos como o Palatnik (foto), que aqui também vendeu por valor próximo aos das galerias.

O último foi o da Bolsa de Arte, uma noite animada pela presença de muitos marchands e galeristas. Nela, dois gibis de Colares foram vendidos a R$200 mil cada. Lances iniciais sensatos e alta qualidade das obras como o excepcional Shiró (foto) vendido a R$400 mil - resultaram em vendas animadas e um Jones Peninha Bergamin muito sorridente. 54


A exceção foi ALOISIO CRAVO, com muitos lotes não vendidos em seu leilão. Os lances iniciais explicam parte da história: R$140 mil por um abajur de Ivan do Espírito Santo com edição de 5 e R$60 mil por uma pintura da grafiteira Nina Pandolfo são alguns exemplos. Enquanto isto, a pequena e atípica escultura em mármore de Sergio Camargo (foto) achou compradores a R$175 mil e um panneau de Burle Marx de 1,30m saiu a R$70 mil. Parece óbvio, mas nem sempre se aplica a máxima de que crises são momentos de oportunidades e se elas não forem criadas, as vendas não acontecem, ainda que haja muitos compradores com fundos circulando por aí.

NO MERCADO INTERNACIONAL as ressalvas criadas pelas vendas aquém do esperado em alguns leilões de maio se dissiparam com resultados mornos porém consistentes em junho. Um empurrão aos leilões de Londres foi dado pela desvalorização da libra esterlina, em consequência da votação pela saída britânica da União Europeia. Em uma venda celebrando o aniversário de 250 anos da Christie’s, um novo recorde de preço foi estabelecido para sete dos 31 artistas com obras oferecidas, incluindo Henry Moore (foto), que teve uma escultura comprada por £24,7 milhões. Entre os quatro lotes não vendidos, estava uma pintura de Lucien Freud oferecida a £18 milhões. 55


COLUNA DO MEIO Fotos SIM Galeria

Quem e onde no meio da arte

Ascânio MMM, Juliana Vosnika, Flavia Simões de Assis, Waldir Simões de Assis Filho e Felipe Scovino

Felipe Scovino entre Ana Maria e Laura Monteiro

Ascânio MMM entre Rodrigo e Carla Pinheiro

Waldir Simões de Assis Filho, Flavia Simões de Assis, Laura Monteiro, Ana Maria Monteiro e Ascânio MMM

Ascânio MMM e Felipe Scovino durante visita guiada à exposição

Edson Neto, Camilo Santana, Max Perlingeiro e Roberto Cláudio

Fábio Magalhães, Airton Queiroz, José Roberto e Max Perlingeiro

Exposição Coleção Airton Queiroz - UNIFOR Fortaleza Airton Queiroz e Simon Watson

José Augusto Bezerra, Airton Queiroz, Eudoro Santana e Socorro França

Rita Flávia Caracas, Coronel Caracas e Ana Carolina

Magela Lima, Lara

Fotos Ares Soares

João Luiz Fiani (Secretário da Cultura do Estado do Paraná) e Ascânio MMM

Exposição de Ascânio MMM SIM Galeria Curitiba


Fotos Denise Andrade

Christina Rocha, Roberto Rosa e Evelyn Ido

Fernando Durao e Roberto Rosa

Fotos Eriico Marmiroli

Inauguração Instituto Gustavo Rosa São Paulo Marta Veloso e Claudio Tozzi

Roberto Rosa e Caruso

Manoel Allbo, Nina Gulluni e Paolo Aguado

Regina Ross, Guido Palomba e Silvana Ricardi

Henrique Miziara, Juliana Kase e ElísioYamada

Juliana Kase e Hildebrando de Castro

Mostra de Juliana Kase Galeria Pilar São Paulo Juliana Kase e Leda Catunda

Katia Fieira e Flavio Cerqueira

Marina Figuereido Mello e Francesco Di Tillo

Katia Iared e Chico Romanelli


Fotos Agência Guanabara

Lina Wurzmann, Carmen Schivartche, Tamara Perlman

Marcos Amaro

Abertura feira PARTE Shop. Cidade Jardim São Paulo Eduardo Oliveira, Cesar Fraga Fatima Scarpai e Gina Elimelek

Jose Henrique Fabre Rolim

Claudio Tozzi

Fotos Paulo jabur

Fabio e Carol Quinteiro

João Vergara e Waltercio Caldas

Marcos Chaves e Paulo Vivacqua

Inauguração da nova sede do Arte Clube Jacarandá Rio de Janeiro Glorinha Ferreira e Cristina Zahar

Simone Bacellar e Cristina Magalhães Pinto

Luísa Duarte e Joana Braga

Raul Mourão e Márcia Mello


Fotos Rodrigo Trevisan

Pedro Braun Sampaio e Luis Maluf

Marcelo Saad e Natasha Miller

A Quarta Parede Gasediel - Luis Maluf Art Gallery São Paulo

Thomas EduardoValentin Oliveira,eCesar Fraga esposa Gasediel e Gina Elimelek

Xavier Francoise e Delphina Francoise

Peter Valente e Luiz Navarro

Fotos Agência Guanabara

Pedro Ivo Brito e Maria Flavia Tidei

Agnaldo Farias e Alexandre Roesler

Gabriela Martine e Isabella Lenzi

Ponto de Convergência e Provisório Permanente Galeria Nara Roesler São Paulo Joao Indio e Sergio Slaks

Natscha Pinto e Nara Roesler

Marcelo Silveira e Daniel Roesler

Yael Steiner


Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente em seu aplicativo para tablets e celulares e no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil. Para ficar por dentro do mundo da arte, siga a Dasartes.

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