Revista dasartes edição 54

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MAURIZIO CATTELAN ROSÂNGELA RENNÓ ANA MARIA TAVARES SÉRVULO ESMERALDO MISSÃO FRANCESA FRIEZE WEEK LONDON




DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin PRODUÇÃO André Fabro PUBLICIDADE publicidade@dasartes.com

Capa: Maurizio Cattelan, Novecento, 1997 (Suspenso) e Sans titre, 2007. Foto: Zeno Zotti. Vista da exposição no Monnaie de Paris.

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Contracapa: Maurizio Cattelan, Sans titre, 2001. Photo : Zeno Zotti.

Maurizio Cattelan, Sans titre, 2001. Foto: Zeno Zotti.


ANA MARIA TAVARES

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ROSÂNGELA RENNÓ

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08 De arte a z 62 Livros 64 Resenhas 66 Garimpo do 70 Coluna meio 72 Alto-falante

MAURIZIO CATTELAN

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SÉRVULO ESMERALDO

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FRIEZE WEEK LONDON

MISSÃO FRANCESA

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DE ARTE A Z Notas do circuito de arte COLEÇÃO DE TOMMY HILFIGER EM LEILÃO Obras da coleção privada do icônico estilista americano Tommy Hilfiger, estarão no leilão Evening Sale na 20th Century & Contemporary Art a ser conduzido pela Phillips em Nova York dia 16/11. Entre elas, estão pinturas de Jean -Michel Basquiat, Andy Warhol, Jean Dubuffet, Keith Haring e Damien Hirst (foto) com a obra "Disintegration The crown of life" de 2006 avaliada em 1,5 milhão de dólares.

GIORGIO ESCULTURA VASARI SUSTENTÁVEL RESTAURADO Em Florença Cinqüenta anos após a inundação em Florença, a obra-prima recémrestaurada de Giorgio Vasari retorna ao Museu de Opera de Santa Croce. A pintura “A última ceia”, de 1546, que foi destruída no dilúvio de 1966, recebeu a contribuição da Prada, Fundação Getty e Protezione Civile para sua restauração. 8

Prêmio para Marcos Amaro

A obra “There’s Always a Way Out” (2016), de Marcos Amaro, feita com fuselagem aeronáutica, ganha prêmio de Escultura Sustentável na 2ª Bienal de Salerno. O Prêmio de Escultura Ecosustentável foi entregue em uma cerimônia durante o evento, que acontece até 20/11 no Fruscione Palazzo.

OLAFUR ELIASSON EM SEUL Individual na Ásia O Leeum, Samsung Museum of Art em Seul inaugurou individual com 22 obras do dinamarquêsislandês Olafur Eliasson. Obras famosas incluem "Parede de musgo", criada usando musgo da Islândia, e a escultura "Seu caminho imprevisível" (foto), feita de vidro com mais de 1000 esferas. Até 26/2/2017.


EDIÇÕES SESC GANHAM 30º PRÊMIO DE DESIGN

GIRO NA CENA

No Museu da Casa Brasileira Duas publicações das Edições Sesc São Paulo são ganhadoras do 30º Prêmio Design Museu da Casa Brasileira em 1º lugar na categoria Trabalhos Escritos: “Geraldo de Barros: Isso”, de Fabiana de Barros, e “Michel Arnoult, design e utopia”, organizado por Ethel Leon. Outra publicação, “Cenograficamente: da cenografia ao figurino”, de José de Anchieta, foi selecionada para participar da Mostra 30º MCB, que será aberta no dia da cerimônia de premiação, em 24/11. O Prêmio Design MCB é realizado desde 1986 pelo Museu da Casa Brasileira, instituição da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.

Carlos Zilio 40 anos depois No próximo dia 3/12 o MAM Rio inaugura a histórica exposição “Atensão”, de Carlos Zilio, no mesmo espaço que ocupou em 1976. A instalação é formada por materiais de construção, como madeira, tijolos e pedras, articulados em equilíbrio precário e com o som incessante de um metrônomo, e remete o espectador a uma relação com a tensão.

Para ver “Eu pretendo aprofundar o meu compromisso em falar amplamente e orgulhosamente sobre os erros que eu vejo culturalmente. Vamos mudar o Congresso." Artista Zoe Leonard sobre sua instalação “Eu quero um presidente” na High Line de Nova York

20ª Edição Paris Photo De 10 a 13/11, acontece no Grand Palais na França, a 20ª edição da Paris Photo. Com uma expectativa de 60mil visitantes, o evento conta com mais de 180 expositores de todo o mundo. Do Brasil, participa a Livraria Madalena de São Paulo, especializada em fotolivros. Na imagem, capa do livro de Penna Prearo, “Jornada do alumbramento de Apolo”, lançado em Setembro deste ano.


GIRO NA CENA

Artissima 23ª Edição Com um total de 193 expositores convidados, a 23ª edição da Artissima aconteceu nos últimos dias 3 a 6/11 em Turim na Itália. Das galerias brasileiras, estiveram presentes, Mendes Wood DM e Baró Galeria de São Paulo e Luciana Caravello Arte Contemporânea do Rio de Janeiro, com obras do artista Lucas Simões (foto).

FESTIVAL DE PERFORMANCES PERFOR CHEGA A 7ª EDIÇÃO Perfor7 [como?] é o tema da sétima edição do festival Perfor, organizado pelo grupo Brasil Performance. O evento acontecerá nos dias 14 e 15/11 nas cidades de São Paulo e Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano. Entre os temas abordados nesta edição estarão a performance como linguagem, como escritura e publicação e como novas paisagens para as existências.

Funarte e o Cerrado Obras de nove artistas, atuantes na região Centro-Oeste e familiarizados com a vegetação do Cerrado, foram selecionadas por uma curadoria formada pela Fundação Nacional de Artes – Funarte/MinC para integrar o projeto Natureza Viva Artes Visuais/Ambiente Cerrado. As obras em formato de bancos, foram criadas pelos artistas Bené Fonteles, Carlos Lin, Cecília Bona, Felipe Cavalcante & Pedro Ivo Verçosa, Ligia de Medeiros, Lourenço de Bem, Nina Coimbra e Yana Tamayo.

10 DE ARTE A Z

VISTO POR AÍ

Mais de 100 pinturas de Jackson Pollock na exposição “O figurativo Pollock” no Kunstmuseum Basel na Suiça. Até 22/1/2017.



Outras NOTAS

Arte na Fábrika

POR PHILIPE F. AUGUSTO Reunindo mais de 50 artistas, o Arte na Fábrika acontece em uma antiga fábrica que manteve suas características arquitetônicas e hoje reúne diversas atividades criativas e educacionais em Curitiba. O evento, que pretende ativar outros espaços na cidade com exposições de arte contemporânea, também surgiu com o desejo de formar novos colecionadores na cidade. Entre as três exposições simultâneas, o projeto curatorial PARALAXE apresenta obras de 11 artistas contemporâneos com a intenção de levar artistas de fora para a capital do Paraná. Na astronomia, o termo “paralaxe” significa a diferença aparente na distância dos astros entre observadores 12 OUTRAS NOTAS

Na astronomia, o termo “paralaxe” significa a diferença aparente na distância dos astros entre observadores em locais distintos.


em locais distintos. Esse deslocamento é motivado pela observação de mais de um ponto de vista e, desse modo, a percepção das distâncias ganha maior clareza. Nesse sentido, o projeto teve como intenção a criação de uma poética para esse termo que, na exposição, dividida em três ambientes, apresenta uma seleção abrangente de obras que lidam com questões como deslocamentos, espaço, instabilidade, distância e cosmologias – ou ideias de início e de fim. No primeiro espaço, trabalhos como o de Mayana Redin, que reinventa o céu sobre cidades com o projeto “Edifício Cosmos”. Laercio Redondo, em conversa com Félix Gonzalez-Torres, propõe um deslocamento até Havana com a ideia de um tempo e de um lugar específico. Tiago Tebet exibe pinturas de constelações específicas em medidas que parecem revelar uma suposta exploração científica do universo. Em seguida, a exposição apresenta fotografias e pinturas do artista Hugo Frasa, articulando distâncias e deslocamentos territoriais contidos também na utopia de paisagens permanentes das esculturas de Lucas Simões. Em um último momento, o espectador adentra um ambiente de atmosfera cosmológica, onde Albano Afonso reinventa as estrelas de Van Gogh por meio da representação de si em autorretratos em luz e que na verdade não existem. Nazareno surge com uma série de desenhos em que constrói linhas delicadas que ganham forma, volume e força, fazendo surgir um horizonte infinito que o menino em escultura de Flávio Cerqueira convoca à percepção. Com mais de vinte obras expostas, o visitante se depara também com trabalhos dos artistas Daniel Duda, João Gonçalves e Thiago Antonio. Investigações que se atravessam de alguma forma, fazendo presente a mais íntima potência do ato de criação, a imaginação que não cessa na arte, talvez como algo de cosmológico – ou como os gregos em um primeiro momento puderam produzir significados em torno desse dado real: a vida.

Arte na Fabrika • Espaço Cultural A Fabrika • Curitiba • 20/10 a 12/11 Philipe F. Augusto é curador independente, pesquisador e produtor. Foi estudante da Escola de Artes Visuais do Parque Lage e atualmente é diretor da Assemblage produtora.

À esquerda: Obras de Nazareno e Flávio Cerqueira. Acima: Obras de Daniel Duda e Lucas Simões.


NO LUGAR MESMO:

ANA MARIA TAVARES, UMA ANTOLOGIA

14 ALTO RELEVO


POR FERNANDA PITTA A Pinacoteca de São Paulo apresenta uma antologia da obra da artista Ana Maria Tavares que ocupa sete salas do primeiro andar do edifício Luz, assim como os espaços do octógono, "lobby" e corredores do mesmo piso. São mais de 160 trabalhos que rearticulam elementos fundamentais da produção da artista de 1982 - data de sua primeira individual, realizada na Pinacoteca - até o momento presente. Organizada a partir de questões que mobilizam essa produção, sem se pautar pela cronologia, a mostra pode ser entendida como uma orquestração de trabalhos que lidam com a espacialidade e a superfície, o ornamento e a funcionalidade, a indústria e o artesanato, a palavra e a imagem. Guiando-se por conceitos-chave presentes na produção de Ana Maria Tavares - suspensão, mobilidade, deslocamento, espelhamento, rotação e labirinto - a mostra reflete sobre a forma como seu trabalho se instala, aqui e agora, nesse espaço específico. Rearticula assim, ao mesmo tempo, o lugar e a história do museu e da obra, em um movimento retrospectivo que é de reelaboração e reinvenção de ambas as trajetórias. A exposição é também uma grande intervenção da artista na arquitetura e memória do museu. Nomeada "No lugar mesmo: des-domesticando trópicos"

À esquerda: Instalação na Pinacoteca., 2016. Sinfonia Tropical Para Loos”. Acima: Escada e Container, 1990.


(2016), essa intervenção reestrutura fluxos e hierarquias desse espaço, rotacionando o eixo original do edifício Luz, voltado para a avenida Tiradentes. O trabalho intitulado "Parede Loos" (2014), ativa os corredores que circundam o octógono (elemento geralmente marginal das arquiteturas) como uma espécie de fio de Ariádne. Ali o visitante é convidado a escolher seu próprio percurso, em que vai encontrar os trabalhos da artista em novas articulações concebidas especialmente para essa exposição."Parede Loos" conduz à ocupação do "lobby" do museu pela instalação "Terceira Natureza", reelaboração de "Jardim para BurleMarx (Sala Branca)" (2013), realizada para "Natural-Natural: Paisagem e artifício", exposição feita no MACDragão do Mar, em Fortaleza, em 2013. 16 ANA MARIA TAVARES

"Parede Loos" conduz também à entrada das sete salas climatizadas encontrando ali outra instalação, "Atlântica Moderna", releitura da instalação "Atlântica Moderna: Purus e Negros", realizada no Museu da Vale, em 2014. "Atlântica Moderna", na versão da Pinacoteca, é composta de vitrines em que se guardam vitóriasrégias feitas em crochê ("Vitóriasrégias para o rio Cocó", "Vitórias-régias para Purus e Negros", séries realizadas em 2013), uma videoinstalação ("Parede Loos com Paraíso" - da série Bunker - "O Homem Ilha", 2014), que contrasta paisagens construídas e naturais, questionando a vontade de racionalização do natural empreendida pelo projeto moderno, e pela obra "Máscaras de massagem para olhos cariocas" (2008), que, como sentinelas incapazes de vigiar, completa a


Fachadas Insanas, 2013

Eden. Desviante Double_Dia Solo L da sĂŠrie HierĂłglifos Sociais, 2011. Galeria Vermelho.


instalação provocando o visitante ao oferecer repouso à custa do seu cegamento. O percurso das salas subsequentes que se abre a partir de "Atlântica Moderna" tem sua linearidade quebrada pelo constante embaralhamento da cronologia dos trabalhos. Se o visitante se voltar para a sala da esquerda (sala 3), vai se deparar com séries recentes, como "Desviantes (Hieróglifos Sociais)”, que fazem uso das superfícies espelhadas e das imagens em labirinto para explodir a malha modernista, ou ainda "Sinfonia Tropical Para Loos" (2014) e o projeto "Pavilhão para BurleMarx: Observatório das Águas. Ensaio para o rio Guaíba" (2009), que trazem a imagem da vitória-régia como elemento de contaminação das estruturas encapsuladas do moderno. Percorrendo as salas à direita da instalação "Atlântica Moderna", o público vai encontrar, na sala 5, trabalhos e estudos dos anos 1980, organizados em torno da obra "Tapetes pretos para paredes brancas" (1982), feita para a primeira individual da artista, na Pinacoteca. Neles, a questão da contaminação já se faz presente pela investigação das formas de distorção do 18 ALTO RELEVO

…por meio de uma superfície reluzente verde-metálica, que atrai o olhar a mergulhar, mas que nos é vedada pelo anteparo do corrimão, obrigando a nos posicionarmos um passo atrás dessa imersão.


À esquerda: Mesa Curva, 1989 e Bico de Diamantes, 1990. Foto: Romulo Fialdini. Acima: Vista da exposição no MuBE.

"grid" e pela figura do ornamento, nos estudos de composição feitos com Amílcar de Castro, em Minas, nas investigações das bolhas, escovas, almofadas, "headphones" e sandálias. Os objetos estranhos que a artista foi criando nessa década desafiavam as noções do espaço ortogonal. Eles se conectam aos desenhos apresentados na sala 2, feitos sobre deliciosas folhas pautadas em perspectiva do mesmo período que tencionavam e por vezes arrebentavam literalmente a malha do espaço abstrato e infinito modernista, tal como o faz a obra "Chuveiro" (1987), que ganha desenho realizado especialmente para essa antologia, além da instalação "Duas Noites sobre o sol", obra de estreia da artista na 19a Bienal Internacional de São Paulo, documentada naquela mesma sala. Nos estudos da década de 1980, a contaminação dessa malha, seja pelo

gesto, pelo volume, pela cor, ou simplesmente pelo vazio de sua interrupção, posteriormente se transubstanciaria na tridimensionalidade dos objetos "deformados" e "distorcidos" por sua ausência de funcionalidade, apresentados na sala 2 da exposição, dedicada a trabalhos icônicos como "Mesa Curva (1989), "Pendurador" (1990), "Pergaminho" (1991) e "Dois Rosários" (1991). Neles, o "ornamento", o "crime do excesso", libertava-se da prisão do "grid", vindo povoar o espaço real de esculturas, quase-objetos, ao mesmo tempo sedutoras e repulsivas. "Bico de Diamante" (1990", feita para a exposição no Paço das Artes, ocupa toda a sala 1 e arremata um possível percurso. Pertencente ao acervo da Pinacoteca, obra que impulsiona a realização dessa antologia, faz a síntese da pesquisa do potencial de



Instalações no Octógono da Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2016.


Acima: Fortuna, 2008. À direita: Vitrines III, 2009. Fotos: Cia de Fotos.

atratividade do ornamento levada a cabo durante aqueles anos, por meio de uma superfície reluzente verdemetálica, que atrai o olhar a mergulhar, mas que nos é vedada pelo anteparo do corrimão, obrigando a nos posicionarmos um passo atrás dessa imersão. Em seus trabalhos mais recentes, como "Cityscape" e as séries "Artifactual", "Condomínios", "Mantras", "CaçaPalavras", apresentados na sala 6, palavras, protuberâncias, signos e ideogramas fazem esse trabalho de contaminação em superfícies espelhadas e reflexivas, seduzindo e desorientando, criando condições, agora, sim, para um mergulho nos 22 ANA MARIA TAVARES

labirintos impossíveis do "Airshaft" da série "Tautorama" e da videoinstalação "Deviating Utopias" (from the Social Hieroglyphs series)", apresentada pela primeira vez no Rolls-Royce Studio, em Berlim, em 2015. Toda exposição é pontuada por obras, ou mais precisamente, "estruturas de suporte para um corpo em trânsito", como "Coluna Niemeyer com Catraca" (1997); "Coluna Niemeyer com Sofá (Museum's Piece) (1997); "Alguns Pássaros" (1991); "Coluna com Banco de Elevador" (1997); "Coluna com três alças" (1997) e "Coluna com Roleta" (1997). Essas estruturas, surgidas no processo de outras intervenções de Ana Maria Tavares nas arquiteturas


autorais de Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha ("Porto Pampulha" (1997) e "Relax'o'visions" (1998)) também se dão na Pinacoteca como "'site-specific' deslocado", denominação da artista para a operação em que uma instalação é deslocada para outra arquitetura, articulando e tensionando uma nova espacialidade. Tais obras sugerem momentos de pausa em que o visitante é convidado a se abrigar ou se deter. De aspecto utilitário, dilatam o seu tempo de visita, ou criam ainda camadas de experiência virtual, como em "Hipótese Espacial com Poltrona Super-soft e Parede DOT" (2004). Funcionando ainda como "próteses de espaço", intervenções na arquitetura do museu e nos códigos do espaço expositivo, embaralham as hierarquias entre obra e público, como faz "Coluna com Retrovisor" (1997), outra peça síntese do jogo proposto por Ana Maria Tavares na Pinacoteca, que se conclui com a dissolução do Octógono em "Paisagem para Exit III com Parede Niemeyer (Estação Luz)" (2016), produzida especialmente para o museu, em um gesto provocador da centralidade e monumentalidade daquele espaço, que traz a cidade fragmentada, "distópica", que nos habita e na qual estamos definitivamente encapsulados.

No lugar mesmo: uma antologia de Ana Maria Tavares • Pinacoteca do Estado de São Paulo 19/11 a 10/4/2017.

Fernanda Pitta é curadora na Pinacoteca de São Paulo, doutora em história da arte pela ECA-USP.


ROSANGELA RENNÓ



A ARTISTA ULTRAPASSA OS LIMITES DA FOTOGRAFIA EM EXPOSIÇÃO NO OI FUTURO

POR EVANGELINA SEILER Rosângela Rennó é uma artista consumada, inteira, completa. Ela é a arte em si, mais o discurso refinado em torno. Pensadora e artífice em uma só pessoa, manuseia a teoria e a prática em um só movimento, deixando ainda assim um imenso espaço para a sutileza, para a transição, nos intervalos de seu discurso. A arte de Rosângela Rennó se instala e ocupa espaço nos meandros entre o 26 DESTAQUE

mundo concreto e o espiritual, na fotografia que se afasta da realidade para tocar a memória desgastada pelo tempo, na fumaça que transita entre o mundo material e o espiritual, avançando sobre o vazio e impregnando o espírito como acontece na obra "per fumum", que se expande através ou "pela fumaça", emanando seu perfume, conforme a etimologia da palavra. Na Sala I da presente exposição, podem ser vistas as fotografias


"Lanterna mágica" (2012), realizadas em laboratório fotográfico, em papel à base de sais de prata e gelatina. Elas são acompanhadas por oito "lanternas mágicas" - projetores antigos do século 19 e do início do século 20. No laboratório, durante o processamento, as fotografias foram expostas a uma luz muito intensa e pontual, afetando a reprodução correta do negativo, como se uma mancha consumisse a paisagem representada, tal qual um buraco, negro e inescapável. Originalmente, cada negativo em preto e branco usado no laboratório gerou quatro

Pensadora e artífice em uma só pessoa, manuseia a teoria e a prática em um só movimento, deixando ainda assim um imenso espaço para a sutileza.

À esquerda: Mi mo, kokoro mo, 2012. Série Turista Transcendental, 2006-2016. Acima: Lanterna Mágica e Per Fumum Aceso.


imagens distintas, de acordo com a intensidade e o tamanho do buraco negro produzido sobre a superfície do papel fotográfico durante sua exposição à luz. As lanternas mágicas, por sua vez, revelam, por meio da projeção luminosa, detalhes daquelas mesmas paisagens consumidas pela luz do laboratório fotográfico. O projeto se apresenta como um exercício no qual dois tipos de emissão de luz interferem e produzem imagens de características opostas a partir das mesmas matrizes. Na contramão da documentação de base digital, esse exercício visual abre caminho para a discussão sobre a ontologia da imagem fotográfica original e sua relação filosófica com um possível capítulo da história da humanidade, eclipsado, hoje em dia, por um excesso de

As lanternas mágicas, por sua vez, revelam, por meio da projeção luminosa, detalhes daquelas mesmas paisagens consumidas pela luz do laboratório fotográfico.


racionalismo, que inclusive esquece seu relacionamento antigo com o mistério e a fantasmagoria. Em "As horas viajantes", frascos de perfume são colocados dentro das vitrines já existentes, na passagem entre dois andares, compartilhando o espaço com os aparelhos de telecomunicação já existentes no local. Os vidros das vitrines aparecem cobertos por uma película semileitosa e alguns cortes circulares nela nos deixam ver apenas os frascos, vazios ou com um pouco de perfume. Os objetos originais ficam distantes do olhar. Nos letreiros luminosos que acompanham esse pequeno museu vertical, Rosângela registra o nome dos perfumes expostos, formando um poema visual cheio de assonâncias e referências. O perfume que evoca a memória. Ademais, remete a um tempo muitas vezes passado que é trazido ao presente de uma epifania. Ele também é intensamente proustiano e se soma ao discurso concreto da arte de Rosângela Rennó, podendo, inclusive, ser mais nítido do que sua fotografia evasiva, no anacronismo aparente que também distingue as obras da artista. Na Sala II, do chamado "Turista transcendental", um alter ego criado por Rosângela Rennó documenta suas viagens de maneira bastante peculiar, em imagens e textos. Ele é um tipo de turista muito especial, que viaja, absorve a cultura dos outros e embaralha imagens, tradições, cultos e memórias. Dez projetores e monitores exibem vídeos feitos em lugares como a ilha da Reunião, no oceano Índico; a ilha Gomera, do arquipélago das Canárias; o Salar do Uyuni, na Bolívia; o estreito de Bósforo e cidades místicas da Índia. Todos, mas cada um à sua maneira, parecem mostrar as transições e as transações entre o material e o imaterial, a partir da documentação em vídeo de lugares pouco conhecidos e paisagens À esquerda: Bouk Ringloup, 2006. Série Turista Transcendental, 2006-2016. Acima: Círculo Mágico.


peculiares, manipulada posteriormente, durante a edição. Viagens ao mesmo tempo físicas e metafísicas. Na Sala III, Rosângela Rennó apresenta dois espaços, o "Círculo mágico" e o "Realismo fantástico". "Realismo fantástico" exibe espectros de luz que se projetam na parede, ocupando a sala em eterno movimento. O vídeo intitulado "Círculo mágico" mostra objetos que falam sobre sua própria existência para um provável espectador, consolidando o projeto da ocupação promovida pela artista na Fundação Eva Klabin. Esses objetos de coleção, às vezes bem antigos e de formas ancestrais, parecem movimentar suas sólidas bocas em fulgores de luz, que tocam o humor, até

o sarcástico, não deixando de adentrar livremente o religioso e o místico. A cor envolve toda essa energia como um manto, e se Carlos Fuentes fala em sua novela "Aura" que o verde se relaciona ao chacra do coração, isso ajuda a explicar sua presença etérea e ao mesmo concreta na obra de Rosângela Rennó. A exposição de Rosângela Rennó promove um turbilhão de conexões e coerências, uma voragem de recorrências que adentram todos os âmbitos da arte e do mundo concreto e inclusive abstrato. Os sentidos são evocados: a visão primordial e central; a audição, via os diversos sons do mundo, e o olfato, aparentemente distante da obra de arte usual. Tudo


remete a tudo: ambiente, iluminação, imagem, som, perfume em um intercâmbio geral. Até mesmo o mobiliário da sala de leitura e a vitrine são usados escultoricamente como suporte. Esse movimento circular, de transição intensa entre o mágico e o lógico, entre o misterioso e o preciso, entre o esotérico e o realista já começa nos títulos cheio de movimento de suas obras. Até neles tudo remete a tudo, porque na obra de Rosângela Rennó não há fraturas, a não ser aquelas que se prestam a costurar melhor a sua própria capacidade narrativa. Tudo tem o espírito de tudo.

Rosângela Rennó • O espírito de tudo • Oi Futuro Flamengo 21/11 a 29/1/2017

Evangelina Seiler é curadora e consultora de arte. De 2009 a 2014 foi diretora da Casa França-Brasil.

À esquerda: Círculo Mágico, Sapatos. Acima: Realismo Fantástico.


MAURIZIO CATTELAN E SEU PÓS-RÉQUIEM


Acima: Sans titre, 2007. Cortesia Galerie Perrotin. Abaixo: All, 2007. Todas as Imagens: Vista da exposição no Monnaie de Paris. Fotos: Zeno Zotti.


DURANTE RETROSPECTIVA NO GUGGENHEIM DE NOVA YORK, EM 2011, O ARTISTA SURPREENDEU O MUNDO ANUNCIANDO SUA APOSENTADORIA, MAS A POLÊMICA SOBRA SUA OBRA NUNCA MORREU. AGORA, CATTELAN VOLTA À CENA EM UMA MOSTRA NA MONNAIE DE PARIS. DASARTES TRAZ UMA ENTREVISTA PELA CURADORA DA EXPOSIÇÃO.

POR CHIARA PARISI Como você definiria seu trabalho? Com quais adjetivos? Não gosto muito de categorias, acho que as palavras são terrivelmente perigosas; elas parecem tão definitivas quanto lápides. Isso explica porque minhas obras são frequentemente "sem título": é como escrever uma piada em meu próprio túmulo.

Você tem um segredo sobre você que nunca dividiu com alguém? Assim que entro em um cômodo, olho discretamente ao redor para encontrar o meio mais rápido de escapar: estou sempre pronto a desaparecer de cena a qualquer momento, assim que as luzes se acendem. Devo confessar que melhorei com a idade: atualmente, em raros casos, consigo até mesmo olhar as pessoas nos olhos.


Você é tímido ou apenas não gosta de falar de seu trabalho? Pouco importa o que digam de mim, acho que sou a pessoa mais tediosa que já conheci... Poderia dormir falando de mim e do meu trabalho. Você guarda algumas de suas obras? Cada obra é uma parte de mim que abandonei no caminho porque terminei por conhecê-la bem demais... Uma vez que uma obra está terminada, não há mais razão para mantê-la por perto, ela me faria apenas lembrar que poderia ter feito melhor. Prefiro conviver com as partes de mim mesmo que ainda restem a ser descobertas, é verdadeiramente mais interessante!

Cada obra é uma parte de mim que abandonei no caminho porque terminei por conhecêla bem demais...

À esquerda: Charlie don’t surf, 1997. Acima: Sans titre (Gérard), 1999.



La Nona Ora, 1999.


O que o faz feliz? Creio firmemente que a insatisfação é necessária para progredir, e isso é válido tanto para o indivíduo quanto para o conjunto da humanidade. A felicidade não está na acumulação, trata-se mais de se livrar das zonas de sombra que acumulamos. Cada peça que criei é uma parte de mim da qual me livrei ao criá-la.

Você trabalhou como jardineiro e em um necrotério. Como isso se traduz em seu trabalho? 1. As flores e as obras de arte têm em comum o fato de precisarem de um ambiente adaptado para florescer naturalmente; 2. As coisas vulneráveis são bem mais interessantes que as imutáveis; 3. Tudo tem um fim e não podemos fazer nada sobre isso.


Others, 2011.

Você já declarou que não se considera um artista conceitual, que não você não reflete. É uma piada? Com o tempo, cheguei à conclusão de que posso usar todas as etiquetas porque eu mudo e me questiono todos os dias. Eu finjo ser alguém que gostaria de ser até que finalmente me torno essa pessoa. Ou é esta pessoa que toma meu lugar. Eu me coloco permanentemente em dúvida sobre

mim mesmo e sobre tudo o que faço; isso me ajuda a não me levar tão a sério. De tempos em tempos, faço um papel diferente atrás de uma máscara nova: é uma questão de personagem. Minha interpretação do papel do artista só faz sentido quando eu consigo ir além, quando meu trabalho tem um impacto que perturba, que permite ver as coisas de outra forma ou que faz perceber a vida cotidiana de um modo diferente.


Acima: Vista da exposição “All, Solomon” no Guggenheim Museum, 2011-2012. Foto: David Heald. À direita: America, 2016. Foto: Kris McKay © Solomon R. Guggenheim Foundation.


Por que você se retirou oficialmente do mundo artístico em 2011? Às vezes, escolher não fazer nada é mais importante do que fazer algo. Naquele momento, eu estava à deriva, flutuava na superfície de uma rotina cotidiana, indiferente a tudo à minha volta. Percebi que precisava me arriscar: uma situação drástica exige medidas drásticas. Precisei fazer uma pausa, esquecer o que tinha aprendido e redescobrir como fazer as coisas; até o momento em que escolher fazer algo se torna mais importante do que escolher se abster. Sobre a exposição no Guggenheim, você queria que seu trabalho refletisse suas visões mais íntimas? Preparar essa retrospectiva foi como escrever minha autobiografia: no meu ponto de vista, esse pendurar massivo foi um ato de violência necessário para romper com minhas obras e vê-las sob um prisma menos sentimental.

Esse pendurar massivo foi um ato de violência necessário para romper com minhas obras e vê-las sob um prisma menos sentimental.

Inevitavelmente, após uma retrospectiva desse porte, perguntamo-nos: o que ainda é possível fazer? Não penso que exposições tratam apenas dos artistas, elas são também as obras que apresentam e os diálogos que nascem entre elas. Enquanto houver um público que escute o que elas têm a dizer, minhas obras e a de outros artistas continuarão a ser expostas. Um espetáculo de grande qualidade é um coquetel entre boas obras e um curador elucidado. O artista é apenas a "cereja do bolo".

Not Afraid of Love • Maurizio Cattelan • Monnaie de Paris • 21/10 a 8/1/2017


SÉRVULO ESMERALDO POR ELE MESMO

“Parti de um estudo de uma mesma família de discos de aço de diâmetros diferentes. Uma progressão. Encurvados, eles adquiriram formas orgânicas analisáveis. Cada elemento tem o mesmo dínamo, seja na sua aparência côncava ou convexa. Isso permite ao conjunto diversas e distintas formas de agrupamentos. Liguei Cada elemento tem o mesmo imediatamente a dínamo, seja na sua aparência poética deste côncava ou convexa. Isso trabalho "à la chanson de Prèvert", "Les permite ao conjunto diversas e Feuilles Mortes": "... distintas formas de Les feuilles mortes se ramassent à la pelle.../ agrupamentos. C'est une chanson qui nous ressemble./Toi, tu m'aimais et je t'aimais Et nous vivions tous les deux ensemble,/Toi qui m'aimais, moi qui t'aimais./Mais la vie sépare ceux qui s'aiment,/Tout doucement, sans faire de bruit/Et la mer efface sur le sable/Les pas des amants desunis...".”

42 REFLEXO



“Ao acompanhar a montagem destas três pirâmides, transportei-me no tempo e me vi criança no Crato, queimando pestanas nos compêndios "Tesouros da Juventude", nas intermináveis pesquisas sobre o Egito e seus faraós. Eu, naquela época, um "construtor" de sarcófagos (feitos com madeira e material inventado), estava longe de pensar que um dia poderia projetar pirâmides. É verdade: durante muito tempo da minha infância e adolescência, eu só pensava no Egito (talvez outras crianças do mundo pensassem o mesmo; o entre guerras nos levava ao mundo antigo e misterioso). Vendo agora o trabalho dos operários no encaixe das peças, enquanto oriento a situação de cada pirâmide em relação ao espaço, veio-me à mente aquela fixação do menino, e me dei conta de que passamos a vida inteira a realizar coisas que sempre estiveram no nosso pensamento. Uma doidice. Vou doar esta obra para a cidade do Crato. Um presente meu para a juventude de hoje.”


durante muito tempo da minha infância e adolescência, eu só pensava no Egito (talvez outras crianças do mundo pensassem o mesmo; o entre guerras nos levava ao mundo antigo e misterioso).


As pinturas descrevem o processo de produção das peças em madeira: a árvore era cortada, a madeira era derrubada, transportada…

Sérvulo Esmeraldo: A Linha, A Luz, O Crato URCA – Universidade Regional do Cariri. 10/9 a 8/10. 46 SÉRVULO ESMERALDO


“Convidado em 1994, a construir uma escultura na Ponte dos Ingleses, na Praia de Iracema, em Fortaleza, chegando ao local, fui tomado por uma lembrança e de imediato vi o que eu faria ali. Participando da exposição "Les Coordonnée Nouvelles" (1971), no Musée de Nantes, a convite de Jacques Castex fomos a Saint-Nazaire, onde ele vivera na infância. A decepção do colega no reencontro com a cidade, destruída pela Segunda Guerra, levou-nos até o porto, cujo cenário era também desanimador, até que um pequeno vapor surgisse no horizonte. Um Castex entusiasmado disse-me: "Um barco". Ao que refutei: "Não, não é um barco, é uma 'Femme Bateau', veja a sua cabeleira". Apontei ao amigo o chumaço de fumaça deixado pelo barco. Com esse pensamento, "La Femme Bateau" foi construída e fincada sobre um dos esteios da antiga ponte. Impulsionada por um rolamento, ela "navega" ao sabor dos ventos. Nesta serigrafia, transposta para o papel, ela continua como miragem, uma visão inesperada.”


FRIEZE WEEK LONDON 48 DO MUNDO


POR SYLVIA CAROLINNE

Visitar Londres em outubro significa não escapar de ver arte por onde quer que se passe. Apesar de ser sempre uma cidade culturalmente borbulhante, particularmente nesta época, a Frieze Week - semana em que acontecem a Frieze London e a Frieze Masters - é responsável por alavancar eventos que invadem a cidade, como feiras, aberturas, palestras, festas e outros, muito acima da capacidade de assimilação de qualquer um de nós. Independentemente de interesses particulares, consumir arte se torna quase equivalente a respirar, já que, no período, é impossível não se deparar com alguma novidade ou cumprir algum tipo de agenda.

Tarefa difícil para iniciantes é saber o que escolher após a visita obrigatória às feiras principais. É mais uma grande oportunidade, no circuito internacional de arte, de ver de perto o trabalho de artistas reconhecidos, ter aulas de história da arte, conhecer a nova leva de artistas emergentes, deparar-se com antigos mestres, descobrir nomes consagrados ao qual nunca tivemos acesso e colher dados para pesquisas futuras. Dentre alguns destes atuais destaques, podemos citar Philippe Parreno e Bhupen Khakar, na Tate Modern; Opavivará, n'A Gentil Carioca; Lygia Pape, na Hauser & Wirth; Willys de Castro, na Cecilia Brunson Projets; Montez Magno no stand da Galeria Pilar;

À direita: Móvel com 48 relevos em cera de Caspar Benhard Hardy, 1795 na Kunstkammer Georg Laue de Munique. Acima: Prem Sahib na Galeria Lorcan O’Neill de Roma. Fotos: Sylvia Carolinne.


Guerrilla Girls, na Whitechapel Gallery; e Paula Rego, na Marlborough Gallery e na Galeria Sala Branca. Destacando a participação brasileira na Frieze London, tivemos as galerias Fortes Vilaça, Mendes Wood DM, Luisa Strina, Vermelho, Jaqueline Martins e A Gentil Carioca (que marcou ponto com mostra do Opavivará em sua proposta "portátil" do universo do coletivo). Na Frieze Masters, nossa participação diminuiu e apenas DAN Galeria e Marilia Razuk se mantiveram. Para além das participações nos stands, é interessante ressaltar o fato de que algumas galerias brasileiras foram selecionadas para projetos curatoriais das feiras londrinas: Jaqueline Martins na seção LIVE, na Frieze London; Pilar

e Vermelho, na seleção de Marta Ramos-Ysquierdo na Crossroads Art. No caso da Vermelho, a galeria acabou por participar de duas feiras com diferentes propostas. A Crossroads Art Show, primeira edição da antiga Pinta London, trouxe para esta semana projetos curatoriais com grande presença brasileira. Vimos a seleção de cinco galerias, sendo duas paulistanas, sob curadoria de Marta Ramos-Yzquierdo: Àngels (Barcelona), Vermelho e Galeria Pilar (ambas de São Paulo), Galleria Macca (Cagliari) e Isla Flotante (Buenos Aires). Completando a representatividade do time nacional, tivemos a Baró, o Espaço Alê e a Ybakatu na área das galerias, e a participação do VideoBrasil na

Acima: Montez Magno, Galeria Pilar na CrossRoads. Foto: Gil Riquelme. À direita: Estande da Simon Lee Gallery.


Consumir arte se torna quase equivalente a respirar, já que, no período, é impossível não se deparar com alguma novidade ou cumprir algum tipo de agenda.

seleção vídeos de instituições internacionais independentes. A Crossroads, que a partir desta edição passou a exibir arte da América Latina, Espanha e Portugal, apresentou em um de seus stands o projeto 5+5, da galeria portuguesa Sala Branca, com 10 grandes mestres portugueses e de outras partes do mundo, mostrando um breve panorama de artistas como Julião Sarmento, Gerhard Richter e Paula Rego, que também contava com uma individual no stand da galeria Marlborough, na Frieze Masters. Com esses nomes, a Crossroads Art Show mostrou que não apenas nas maiores feiras era possível apreciar obras de grandes mestres.

Exposições ao ar livre, vídeos, filmes e palestras continuam sendo uma importante plataforma de suporte para que, junto com tanta vibração por ver e ser visto, possamos também capturar o que está acontecendo em outras partes do mundo, misturando várias linguagens e garimpando um pouco o material globalizado. E será que, em meio a tanta efervescência, sou capaz de destacar uma peça internacional preferida? Sim! Pink Project, de Portia Munson, no stand P.P.O.W, de Nova Iorque. Projeto em rosa de acúmulo de objetos descartados. Por que? Resume em apenas uma peça as feiras de arte da atualidade: o marketing da sedução e 51


À esquerda: Portia Muson, Galeria PPOW para o Pink Project e à direita Seventeen Project. (Frieze Art Fair). Fotos: Sylvia Carolinne.

do consumo disfarçados na cor e espetacularização; e muitas publicações nas redes sociais. Mas o que faz desta semana diferente de todas as outras que acontecem ao redor do globo é a tradição em feiras. Ao longo de toda a cidade, acontecem não apenas feiras de arte antiga, moderna e contemporânea, mas de todo tipo que possa se imaginar: gastronomia, colecionismo, antiguidades, roupas, livros, música. Pense num tema, e lá estará uma feira. Em eventos como esse, o tempo sempre é menor do que desejamos. Mas, em Londres, essa sensação toma uma proporção ainda maior, e é preciso muita disciplina e desapego para não sucumbir à sensação de perda que paira no ar quando nos dirigimos ao aeroporto de volta para casa.

52 FRIEZE WEEK LONDON

Frieze New York 2017 • Nova York • 4/5 a 7/5/2017. Frieze London e Frieze Masters 2017 • Novas datas

Sylvia Carolinne é artista visual e graduada em engenharia civil e moda. Atua como gerente de projetos da Simon Arts e correspondente internacional da Dasartes.



A MISSÃO ARTÍSTICA FRANCESA 200 anos depois


Nicolas-Antonie Taunay (1755-1830). Sacrifice de l'Agneau ChĂŠr.


POR MAX PERLINGEIRO Ao pensar em homenagear o bicentenário da chegada da Missão Artística Francesa ao Rio de Janeiro, considerei relevante evidenciar a polêmica sobre sua existência. Existiu, realmente, Artística Francesa"?

uma

"Missão

A primeira versão sobre sua realização foi escrita pelo historiador Afonso d'Escragnolle Taunay (1876-1958), no livro "A Missão Artística Francesa de 1816", editado pela "Revista do Instituto

Histórico e Geográfico", em 1911 revisado e reeditado em 1956 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Segundo Afonso Taunay, a iniciativa teria sido de dom João VI e de seu conselheiro, o ministro António de Araújo e Azevedo (17541817), o conde da Barca, objetivando a criação de uma escola de Belas-Artes no Rio de Janeiro. A versão de Mário Pedrosa (1901-1981), crítico de arte, historiador e jornalista, apresenta outra visão. Por meio de uma pesquisa fundamentada, que resultou


Nicolas Poussin (1594-1665), Himeneu travestido durante um sacrifício a Príapo, circa 1634-1638. Foto: Alexandre Cruz Leão.

na tese para concurso (nunca defendida) "Da Missão Francesa - Seus obstáculos políticos", de 1955, a "Missão Francesa" nunca teve caráter oficial. Ou seja, resultou de um convite formal da Corte Portuguesa , que vieram para o Brasil por iniciativa própria e foram muito bem recebidos pelo príncipe regente, dom João VI. O fato é que a "Missão Francesa" - o grupo de artistas e artífices reunidos por seu líder Joachim Lebreton (1760-1819) chegou ao Rio de Janeiro a bordo do brigue de três mastros "Calpe", de

bandeira norte-americana, na data de 20 de março de 1816. Segundo o crítico de arte e historiador Quirino Campofiorito (1902-1993) "O 'Calpe', com seus ilustres passageiros, deixou o porto de Havre com o canal da Mancha agitado por seus costumeiros temporais". A exposição "A Missão Artística Francesa no Brasil e seus discípulos" e a publicação homônima, com textos de Maria Eduarda Marques e Jacques Leenhardt, enfocam os artistas franceses e seus discípulos, a instituição


da Academia Imperial de Belas Artes em 1826 e a pintura brasileira no século 19.

O objetivo dessa exposição é apresentar um acervo pouco visitado da rica produção desses artistas, a partir do qual se possam tecer alguns fios que aduzam ao processo de enraizamento do neoclássico entre nós…

A coleção disposta em cinco ambientes apresenta os principais protagonistas da Missão: os pintores Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830) e Jean Baptiste Debret (1768-1848), o gravador CharlesSimon Pradier (1783-1847), os escultores Marc Ferrez (1843-1923) e Zéphyrin Ferrez (1797-1851), que, apesar de terem chegado em 1817, se juntam aos seus compatriotas. Por fim, o arquiteto Auguste Grandjean de Montigny (17761850), que deixa a sua grande contribuição, o portal da Academia Imperial das Belas Artes, hoje no Jardim Botânico. A exposição compreende também algumas obras produzidas por artistas que compuseram a primeira geração dos artistas acadêmicos, alunos da Academia e discípulos dos mestres franceses, em especial de Debret, que exerceu atividade didática e deixou uma marca indelével em seus discípulos. Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879) destacou-se como pintor, caricaturista, historiador, crítico de arte, poeta e intelectual. Para essa exposição, foram reunidos alguns desenhos aquarelados, cujo tema prevalecente é a paisagem luxuriante da floresta brasileira. O conjunto, que apresenta uma dimensão romântica, pertence ao Instituto Moreira Salles. Do pintor Simplício Rodrigues de Sá (1785-1839), outro aluno de Debret, ativo no Rio de Janeiro até 1839, foi selecionada a pintura "Alegoria de Nossa Senhora com D. Pedro II", do Instituto São Fernando, e o retrato a óleo de Francisco Gomes da Silva, dito "O Chalaça", do Museu Histórico Nacional.


Acima: Jean-Baptiste Debret, Castigo imposto aos negros, 1826. Coleção Genevieve e Jean Boghici. À esquerda: Simplício Rodrigues de Sá, Alegoria - Nossa Senhora com Dom Pedro II. Acervo Instituto São Fernando.

De Félix-Émile Taunay (1795-1881), "Cascatinha da Tijuca", "circa" 1840, evoca a paisagem idílica onde residiu a família Taunay, também retratada na pintura homônima de Nicolas, seu pai, realizada anteriormente "circa" 1818, na qual o artista se apresenta em meio à floresta. Adrien Aimé Taunay (1803-1828) e Thomas Marie Hippolyte Taunay (17931864) estudaram com o pai no Rio de Janeiro e foram seus únicos alunos. Adrien, o filho mais novo, embora tenha falecido aos 25 anos afogado nas águas do rio Guaporé, no Mato Grosso, deixou um rico acervo de imagens relativas aos

índios brasileiros, guardado na Academia de Ciências de São Petersburgo. O objetivo dessa exposição é apresentar um acervo pouco visitado da rica produção desses artistas, a partir do qual se possam tecer alguns fios que aduzam ao processo de enraizamento do neoclássico entre nós, as aproximações e os desvios dessa matriz estética, quando em contato com o ambiente ecológico e social do novo mundo. Embora a missão não tenha inaugurado o neoclassicismo entre nós a exemplo do Mestre Valentim ("circa"


Félix-Émile Taunay, Retrato de Gabriela Herminia de Robert d'Escragnolle. Coleção Martha e Erico Stickel. Acervo Instituto Moreira Salles e Nicolas-Antonie Taunay, Banhistas, 1799. Acervo Fundação Edson Queiroz.

1745-1813) no Rio de Janeiro e de Antonio Giuseppe Landi no Pará (17131791) na segunda metade do século 18 ela ainda representa um marco no processo de afirmação dessa estética. Um dos grandes destaques é a pintura monumental de Nicolas Poussin (15941665), "Himeneu travestido assistindo a uma dança em honra a Príapo", 16341638, da coleção do MASP, quadro de um dos mestres da pintura francesa. O painel de grandes dimensões está exposto pela primeira vez no Rio de Janeiro, após uma minuciosa restauração realizada em 2009. Considerado fundador do classicismo francês, influenciou todo o classicismo europeu, em especial a arte de JacquesLouis David (1748-1825), que adotou o rigor formal de suas composições. Os artistas franceses que integraram a chamada "Missão Artística" de 1816, formados nos cânones do neoclássico e contemporâneos de David, eram filiados à arte de Poussin, que lhes serviu de referência estética.

Missão Artística Francesa no Brasil e seus discipulos • Pinakotheke Cultural • Rio de Janeiro • 22/9 a 28/11

Max Perlingeiro é editor e empresário no setor cultural, criador da primeira editora especializada em livros sobre arte brasileira no país – Edições Pinakotheke.



LIVROS lançamentos Arquitetura para pessoas Ruy Ohtake Editora MAS - 250 p. - R$ 100,00 O volume procura enfatizar a função social presente no trabalho de Ruy Ohtake – aspecto até então pouco explorado nas análises realizadas sobre a produção do arquiteto. O próprio título da publicação – “arquitetura para pessoas” – funciona de antemão como uma evidência desta abordagem. O caráter original da proposta, no entanto, reside na forma como se apresenta ao público, no decorrer das páginas do livro, um olhar aprofundado sobre o caráter social de determinados projetos do arquiteto, dentre os quais se destacam suas ações na comunidade de Heliópolis, em São Paulo: os conjuntos residenciais, o polo educativo e cultural e a nova biblioteca. São a estes projetos que se dedica a maior parte da publicação.

Fotografias de uma amadora Glória Ferreira NAU Editora e Linha Projetos Culturais- 236 p. - R$ 100,00 Engajada na luta contra a ditadura militar nos anos 1970, Glória Ferreira foi exilada no Chile, Suécia e Paris. Foi no exílio que desenvolveu e amadureceu o interesse pela arte em geral e pela fotografia em particular. A publicação, que terá capa dura e será bilíngue (português/inglês), destacará dez séries fotográficas da artista. Junto com as fotografias, estarão textos críticos escritos por Paulo Sergio Duarte, Ligia Canongia, Ernesto Soto, Tania Rivera, entre outros, que ao longo dos anos acompanharam a produção fotográfica da artista. Lançamento dia 7/12 na Livraria Argumento, Leblon, Rio de Janeiro.


Arte e Natureza. Museus a céu aberto Serena Ucelli. Texto: Waldick Jatobá Luste Editores - 276 p. - R$ 90, 00 A edição destaca lugares surpreendentes, remotos e com obras de arte intensas que chamam a atenção pela exuberância entre arte e natureza. Com fotos de 27 parques escultura ao redor do mundo. O primeiro a ser destacado na publicação é o Instituto Inhotim, em Minas Gerais, que apresenta uma verdadeira relação espacial entre arte e arquitetura, inserido em uma área de reserva florestal que faz parte do Bioma Mata Atlântica. Em mais de 270 páginas, o conceito da publicação é a de mostrar como parques e artistas, de renome internacional, pensaram suas obras de arte em total harmonia com espaços da natureza.

Niura Bellavinha Texto: Paulo Herkenhoff Editora Cobogó - 280 p. - R$ 132,00 Com organização do curador Paulo Herkenhoff, publicação reúne uma seleção de obras realizadas ao longo de 25 anos de carreira da artista plástica. Pintura, desenho, fotografia e filmes são algumas das ferramentas utilizadas por Bellavinha e que são retratadas no livro por meio de imagens e textos críticos do autor. Ao abrir o livro, o leitor pode entrar e conhecer um pouco mais o universo de Niura, suas influências barrocas e contemporâneas. “O projeto mostra as minhas influências, minha ligação com os fluídos, com a natureza, o fascínio que tenho pela constituição da vida e o quanto essa poética me conduz”, diz a artista.


RESENHAS exposições

Claudia Jaguaribe: A visão e o sentido Galeria Celma Albuquerque • Belo Horizonte • Set a Out/2016 POR MICHELLE BETE PETRY "Você sabe que está em São Paulo quando não sabe onde está". Ao citar Glauco Alexander no livro "Sobre São Paulo", a artista Claudia Jaguaribe oferece um indício interpretativo a respeito da exposição "A visão e o sentido", acolhida na Galeria Celma Albuquerque, entre setembro e outubro de 2016, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Reunindo obras das séries Bienal, Sobre São Paulo, Na Laje e Entre Vistas, a exposição apresenta fotografias em metacrilato, "backlight", "fine art" em acrílico e algodão, além de fotoesculturas em alumínio. Tendo em comum a fotografia como linguagem estética e a cidade de São Paulo como motivo central, as obras possuem, no entanto, formas distintas de composição: a intervenção nas fotografias por meio do tratamento de cor e montagem, a criação de esculturas a partir das fotografias e a intervenção nas fotografias com as fotografias das fotoesculturas. Tal sobreposição de camadas imagéticas implica, também, a constituição de várias camadas de visibilidade do olhar. Se a visão está para o olho, assim como a fotografia, no sentido benjaminiano, a percepção sobre o objeto do olhar é construída sempre a partir de um ponto de vista. No caso de Claudia Jaguaribe, ele é tanto o da altura do seu olhar para o

interior de um espaço, quanto o de cima dos prédios para o ambiente exterior ou o do alto de um helicóptero para o horizonte. Há, ainda, outro elemento no espaço expositivo que opera como chave de leitura das obras: a instalação de plantas no centro da galeria. Se, por um lado, ela dialoga com o jardim de jabuticabeiras e costelas-deadão, por outro, procura romper com as construções da rua em frente. No limiar entre a paisagem urbana e a natural, a exposição e as obras da artista remetem à indissolúvel tensão entre o construído e o natural, na expressão de Venâncio Filho. A referência é, sem dúvida, retomada para pensar a poética de trabalho da artista, já presente em projetos anteriores. Expressão disso, "Quando eu vi" (2009) e "Entre Morros" (2012) reúnem fotografias de paisagens naturais nas quais a intervenção do urbano está colocada. Na medida em que trata da natureza da fotografia, do olhar e da paisagem, Claudia Jaguaribe instiga, portanto, a pensar sobre as diversas formas de perceber a cidade.

Michele Bete Petry é historiadora, doutora em Educação pela UFSC e realiza pesquisas na área de artes visuais.



LUCAS DUPIN POR ELISA MAIA Paratextos (2016) é uma videoinstalação do mineiro Lucas Dupin, que tem como tema central a tradicional Feira Hippie de Belo Horizonte, que acontece invariavelmente todos os domingos na cidade. O trabalho faz parte de uma pesquisa ainda em andamento iniciada durante a residência artística do 6° Bolsa Pampulha. Para Lucas, que já havia participado de várias residências artísticas em outros lugares, trabalhar com a própria cidade foi desafiador. O deslocamento e a chegada a um lugar novo impõem um olhar mais apto e aberto, mas, quando nos confrontamos com um espaço tão habitual quanto a própria cidade, é preciso de alguma forma desnaturalizar o olhar costumeiro, provocar algum

estranhamento. A maior feira a céu aberto da América Latina, com suas 2.400 barracas e seu "caos organizado", deu a Lucas essa oportunidade. Quando começou a frequentar o evento, notou que o foco do seu interesse se deslocava da feira em si para o que estava em seu entorno, nos seus arredores, para o seu "paratexto" - "eu fui alterando meu projeto para trabalhar com tudo aquilo que não era a feira, na verdade", conta. Lucas passou a acompanhar os processos de montagem e desmontagem das barracas, os processos de ocupação da via, que acontecem de madrugada, e os de desocupação posterior, que começam a acontecer ainda durante o evento, e decidiu trabalhar apenas com esses dois momentos - "foi como se eu


pegasse um livro, retirasse dele a obra e ficasse a capa e a contracapa". A relação com as pessoas envolvidas na construção do evento é crucial para seu processo e remete a outras propostas que Lucas vem desenvolvendo como artista - "tenho percebido cada vez mais a arte sobretudo como uma forma de escuta e diálogo". Como resultado da relação estabelecida ao longo de quatro meses com diversos montadores e guardadores, que se dispuseram a colaborar com o projeto partilhando histórias, saberes ou lonas antigas, Lucas construiu uma barraca composta de retalhos de lonas de todos os setores da feira - "que, por sua vez, são retalhos de conversas, de diálogos, de relacionamentos que eu estabeleci ao longo desses quatro meses". A barraca foi levada para dentro do Museu de Arte da Pampulha e seu interior exibe um vídeo com duração de 12 minutos, feito em parceria com Pedro Veneroso, no qual Lucas explora de forma poética não só a heterogeneidade e a complexidade do espaço, mas também a circularidade do tempo, enfatizada pelos processos semanais de construção e desconstrução da feira. Para saber mais, acesse lucasdupin.com.br. Elisa Maia é formada em direito e letras e mestre em literatura, cultura e contemporaneidade. Interessa-se especialmente pelas relações entre literatura e artes visuais.

A relação com as pessoas envolvidas na construção do evento é crucial para seu processo e remete a outras propostas que Lucas vem desenvolvendo como artista.


NOTAS DO MERCADO Fatos, valores, curiosidades e tendências ARTREVIEW POWER 100 A lista dos 100 mais poderosos do mundo da arte de 2016, publicada pela revista britânica "ArtReview", traz novamente Hans Ulrich Obrist no topo. O diretor da Serpentine Gallery já ocupou a primeira posição em 2009 e, desde então, não parou, criando grandes mostras nas mais diversas linhas curatoriais ao redor do mundo. São poucos os países relevantes no circuito de arte onde Obrist não tenha executado um projeto e cativado o público com suas ideias simpaticamente pragmáticas e humanas sobre arte. Nos brasileiros da lista, apenas uma mudança em relação a 2015: a saída de Adriano Pedrosa. Permanecem como únicos representantes Luisa Strina e o trio da galeria Mendes Wood.

NOVO ÍNDICE DA SOTHEBY'S Mei Moses é um índice de valorização do mercado de arte, que mede a variação de preços de obras que passaram pelos grandes leilões mais de uma vez a partir de 1875. Sua evidente correlação com o índice S&P500, que mede a flutuação dos valores de ações das 500 empresas mais negociadas em bolsa no mundo, já foi tema da Dasartes em 2009. Agora, o Mei Moses volta à mídia depois de ter sido adquirido pela Sotheby's. O mercado especula o motivo dessa compra sem uma resposta clara, já que se questiona a validade de índices que consideram apenas resultados de leilões em um mercado onde eles representam menos da metade das vendas e nos quais é impossível incluir obras que não acham comprador, ainda que esse fato diga muito sobre sua valorização. Uma coisa é certa: até recentemente, o índice mostrava arte como um ativo de maior valorização e estabilidade que ações, uma ideia cuja manutenção interessa à Sotheby's.

BASQUIAT O nome de Jean-Michel Basquiat vem aparecendo cada vez com mais frequência nas notícias do mercado de arte. No Brasil, obras do artista causaram alvoroço nos estandes da Almeida e Dale na SP-Arte e Colecionador na ArtRio, rapidamente negociadas. Nos leilões internacionais, os preços escalam e boas obras não param de aparecer. No leilão da Christie's em Londres, em outubro, uma tela estimada em US$ 4,4 milhões foi arrematada por US$ 13,1 milhões. Em novembro, as expectativas são altas para as obras de Basquiat provenientes das coleções de David Bowie e Tommy Hilfiger. Outros artistas que se mantêm no topo são Peter Doig e Gerhard Richter, este último tendo afugentado especulações de desaquecimento da demanda com duas vendas muito acima das estimativas altas nesse mesmo leilão. 68



COLUNA DO MEIO Fotos: Lucas Malkut

Quem e onde no meio da arte

Fernanda Pavao, Rosana Boaventura, Mano Penalva e Leda Catunda

Diana Motta, Carla Chaim, Nino Cais, Mano Penalva e Marcelo Amorim

Mano Penalva Galeria Central São Paulo Mike Simko, Mano Penalva e Fernanda Pavao

Eduardo Oliveira, Cesar Fraga Maria Zanin e Tchelo eMarco Gina Elimelek

Simone Fontana e Daniel De Lavor

Camila Soato e Talita Trizoli

Pricyla Gomes, Eduardo Berliner e Felipe Kaizer

Fotos: Lucas Malkut

Raphael Escobar, Pedro Gallego, Clara G. Benfatti e Mari Nagem

Eduardo Berliner Casa Triângulo São Paulo Luis Carlos e Tiago Santos

Rogerio Barbosa e Elisio Yamada

Ricardo Trevisan e Agnaldo Farias

Silene Zepter, Andre Mello e Monica Piloni


Fotos: Geraldo Valadares

Maria Cortez e Tania Caldas

Ira Etz, Maria Vasco e Chico Caruso

Maria Vasco H.Rocha Galeria Rio de Janeiro Eduardo Oliveira, Cesar Fraga Moraes Moreira e Gina Elimelek

Ziraldo e Marcia Martins

Jose Antonio Macdowell, Bia Sampaio e Chico Caruso

Denise Rocha, Bia Sampaio e Renata Mattos Fotos: Sonia Balady

Luiz Marcon e José Carlos Marçall

Jack Luna e Mirtis Moraes

Mirtis Moraes Museu de Arte Sacra São Paulo José Henrique Fabre Rolim

Mirtis Moraes e Beatriz Vicente de Azevedo

José Oswaldo de Paula Santos e Ricardo von Brusky

Noboru Kusumoto, Maria Cecilia Costo e Sergio Augusto de Oliveira


ALTO FALANTE

Por Guy Amado

Alta Performance Das muitas linguagens que integram e conformam o repertório cada vez mais plural e híbrido da arte contemporânea, chama atenção a notoriedade que vem sendo conferida à "performance art" nos últimos anos. Tal fato se destaca, sobretudo, por se tratar de uma categoria historicamente relegada a segundo plano em relação a modalidades mais canônicas, como pintura, escultura, fotografia, videoarte ou instalação - desde sua difusão massiva a partir de meados de 1960 (principalmente por meio de proposições do Fluxus, na Europa, e movimentações correlatas nos EUA). Marcada em suas origens por propostas pautadas em uma radicalização da ideia do corpo como suporte e pela sua tendência a resistir à cooptação pelo mercado, não é difícil entender essa posição, vá lá, secundária da performance. O motivo central, naturalmente, estaria na inadequação ou na falta de vocação mercadológica que as premissas de seu formato impõem há que se ter em mente a natureza fugaz e eminentemente imaterial da performance. O sistema, contudo, viria, como sempre, desenvolver estratégias de assimilação e incorporação (leia-se "mercantilização") dessa modalidade, para aflição de alguns de seus praticantes. Isso se dá, sobretudo, a partir de meados de 1979, momento em que ações performáticas passaram a ser registradas - quando não mesmo já concebidas de saída com essa orientação -, e a instância da documentação permite uma revisão de seu estatuto enquanto obra de arte, fazendo com que seja absorvida em termos mais convencionais. Sua efemeridade é amortecida por uma nova qualidade de permanência, tornando, portanto, uma peça de performance passível de ser consumida/comprada; uma movimentação que viria a gerar o que mais adiante será visto como uma "institucionalização da performance", quando as questões "Como comprar uma performance?", e "Como o museu lida com a performance?" passam a ser debatidas mais seriamente no "art world". De uns anos para cá (últimos dez anos), no entanto, houve uma guinada sensível, e a performance passou a ser um gênero altamente valorizado no sistema da Grande Arte (leia-se o circuito internacional da arte contemporânea e o mercado que o estrutura). A consolidação de tal tendência pôde ser observada quando o grande prêmio da Bienal de Veneza de 2013 - o cobiçado Leão de Ouro - foi para o britânico Tino Sehgal, um dos expoentes máximos da linguagem na atualidade. Seu trabalho compreendia um grupo de pessoas que, sentadas ou deitadas no chão, faziam sons e música improvisada com suas próprias vozes. Havia algum movimento, por vezes quase dançante; após alguma observação, a organização temporal, musical e suavemente coreográfica da peça sugeria uma estrutura prévia mais complexa do que se poderia imaginar à primeira vista. Como em tantas peças de Sehgal, o trabalho é quase invisível de saída, assim como não é clara a lógica ou regra - se é que há alguma - que rege os acontecimentos que ali se desenrolam. A decana Marina Abramovi? já havia também ganhado um Leão de Ouro na Bienalle de 1997, com sua peça "Balkan Baroque", uma performance que durava cerca de quatro dias; mas o contexto era outro, e aquele prêmio para a artista sérvia, já consagrada à época, soava mais como o justo reconhecimento e tributo a uma extensa e influente trajetória (ainda não maculada pelas "egotrips" superlativas mais recentes da artista). No caso de Sehgal - cujo trabalho muitas vezes parece não se ajustar bem à terminologia "performance", sendo a expressão "live piece" mais adequada para muitas de suas proposições singulares -, o que parecia estar em jogo era diferente. Qualidade artística à parte, o prêmio para uma performance no mais tradicional e prestigioso evento de arte do mundo parece, na verdade, ser também uma forma de o "art system" sinalizar ou oficializar a assimilação do novo estatuto da performance. Uma espécie de legitimação maiúscula para uma modalidade que, de modo geral, corria à sombra de outras práticas artísticas. E não só, e talvez o mais importante: a premiação para Sehgal se configura também em um poderoso indicador de uma movimentação do Mercado em direção a esse segmento artístico, agora ainda mais legitimado e portanto valorizado - mesmo que se trate, como nas peças de Sehgal, de trabalhos que levam ao extremo postulados de base da performance, como a imaterialidade e a impermanência.


De uns anos para cá (últimos dez anos), no entanto, houve uma guinada sensível, e a performance passou a ser um gênero altamente valorizado no sistema da Grande Arte No âmbito desse "boom" da performance, percebe-se também uma curiosa tendência: a dos "reenactements", ou performances reencenadas. Na mesma edição da Biennalle em que Sehgal foi premiado (2013), os artistas romenos Alexandra Pirici e Manuel Pelmu? apresentaram "An Immaterial Retrospective of the Venice Biennale", espécie de performance contínua em que, como o título revela, cinco "performers" "encenavam" trabalhos presentes em edições passadas do evento. No amplo pavilhão branco que abrigava a peça, só havia a presença dos, digamos, atores e do público; para cada um dos trabalhos históricos, um performer anunciava o título, o autor da peça e a data de criação e exibição da obra e então se procedia à reencenação. Alguns anos antes, a mesma Abramovi? já havia incursionado pelo terreno dos "reenactements", quando protagonizou, em 2005, no Guggenheim de Nova Iorque, o ambicioso evento "Seven easy pieces", em que reencenava pessoalmente cinco peças seminais da arte performática dos anos 1960 e 1970 (de Vito Acconci, Valie Export, Gina Pane, Bruce Nauman e Beuys) além de duas de sua própria lavra (como não podia deixar de ser), uma delas inédita. E aqui não há como não lembrar, algo maldosamente, que se trata da mesma artista que, no início de sua carreira, postulou de modo famoso as regras que definiriam sua ideia de performance: "no reherseal, no repetition, no predicted end", "sem ensaio, sem repetição, sem final previsto". É possível que o interesse da artista por atribuir uma "nova interpretação" às peças ajude a explicar tal flexibilização de seu código ético, mas fica também a dúvida: para além da pulsão experimental, seria este projeto um reflexo da já citada movimentação mercadológica desencadeada em torno da performance? Em 2007, em uma abordagem mais provocativa do mote da reencenação e citando diretamente essa iniciativa de Abramovi?, o subversivo duo composto pelos artistas italianos Eva e Franco Mattes (um casal anteriormente conhecido como o coletivo 0100101110101101.org, autores de uma das mais fascinantes farsas já perpetradas no circuito da arte contemporânea, com o projecto "Darko Maver") tem um dos projetos mais radicais e interessantes a esse respeito: em suas "Synthetic performances - Reenactements", acenavam para uma experiência de suspensão e suspensão da experiência. Nessa proposta [2007-2010], algumas peças marcantes de artistas seminais da performance - como Chris Burden, Vito Acconci, Valie Export e Abramovi? - eram reencenadas no âmbito da plataforma virtual "Second Life". Elementos-chave na constituição dessa linguagem como corpo, espaço e temporalidade são inevitavelmente repensados quando transpostos para a experiência-limite desse mundo digital, à medida em que avatares da dupla de propositores reinterpretam alguns trabalhos canônicos dessa modalidade, como "Shoot" , de Burden, "Seedbed", de Acconci ou "Imponderabilia", de Abramovi? e Ulay. A ação decorre em um registro ambíguo que oscila entre a homenagem e a paródia, promovendo o tensionamento de aspectos tradicionalmente caros à definição da performance como gênero ou modalidade artística desde seus primórdios, como originalidade e repetição, efemeridade e permanência, realismo e simulação, a [não] representação e o registo da presença, o papel e o grau de participação da audiência e a problemática em torno da documentação das ações. E, em última instância, se quisermos, evoca-se ainda a própria condição de inefabilidade que permeia seu estatuto enquanto linguagem autônoma no contexto da arte contemporânea. Uma reflexão pertinente, com se vê, em torno de um gênero que vem se reinventando e se readaptando à nova dinâmica. Seja como for, constata-se ao fim que a performance artística na atualidade segue a todo vapor, reinventando-se e apresentando índices de alta performance.

Guy Amado é curador e crítico de arte independente. Atualmente, mora em Portugal e colabora com o Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura.



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