ALICE NEEL MARTIN KIPPENBERGER GEORG BASELITZ IVÁN NAVARRO WASILY KANDINSKY ELLA FONTANALS-CISNEROS
José Ferraz de Almeida Junior, Leitura, 1892.
EM MAIO E JUNHO A ESCOLA DASARTES APRESENTA NOVOS CURSOS DA SÉRIE 20 ARTISTAS:
ACADÊMICOS BRASILEIROS GRANDES MESTRES
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escola@dasartes.com.br
Portrait of K.L. Rinn, 1969. © Georg Baselitz
DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin REDAÇÃO André Fabro andre@dasartes.com
Capa: Autorretrato, 1980. Foto: © The Estate of Alice Neel.
MÍDIAS SOCIAIS . IMPRENSA Leandro Fazolla dasartes@dasartes.com DESIGNER Moiré Art moire@moire.com.br REVISÃO Angela Moraes PUBLICIDADE publicidade@dasartes.com SUGESTÕES E CONTATO info@dasartes.com Doe ou patrocine pelas leis de incentivo Rouanet, ISS ou ICMS/RJ
Contracapa: Alice Neel, Geoffrey Hendricks and Brian,1978. Foto: © The Estate of Alice Neel
ALICE NEEL 10 MARTIN KIPPENBERGER
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Agenda
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De Arte a Z
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GEORG BASELITZ
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Notas do Mercado Resenhas
IVÁN NAVARRO
Livros
WASSILY KANDINSKY ELLA FONTANALS -CISNEROS
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AGEnda
A galeria Simone Cadinelli Arte Contemporânea reabre ao público para visitação da exposição de Jeane Terra, , com agendamento prévio. A artista criou obras a partir de escombros de casas do Pontal de Atafona, praia no norte fluminense que está sendo tragada pelo mar. Um expressivo conjunto de pinturas, esculturas, instalações, fotografia e bordado mostra ao público as técnicas e processos únicos desenvolvidos pela artista nos últimos anos, como sua "pintura seca" ou "pele de tinta", agora patenteada, que se assemelha a "pixels analógicos". 6
Jeane Terra observou que quando a maré baixava, e o mar recuava, era possível ver semienterrados muitos destroços do que haviam sido casas. Na maré baixa, ela fez monotipias em pedaços de escombros, usando silicone. A partir deste molde, a artista recriou os escombros submersos em concreto, com interferências em folha de ouro.
JEANE TERRA: ESCOMBROS, PELES, RESÍDUOS • SIMONE CADINELLI ARTE CONTEMPORÂNEA • RIO DE JANEIRO • ATÉ 29/5/2021
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PELO MUNDO • Museu de Artes e Design de Nova York convida visitantes para um mundo em miniatura criado pela colecionadora Joanna Fisher. Com um exterior clássico do século 15 e dez salas repletas de uma variedade eclética de artesanato, arte e design históricos e contemporâneos reproduzidos em miniatura, exibe uma coleção impressionante de arte contemporânea criada por mais de dez artistas internacionais. Até 28/9/2021.
CURIOSIDADES • Cientistas da Purdue University, Indiana, EUA, revelaram a tinta mais branca de todos os tempos - uma tinta tão poderosa que pode baixar a temperatura dentro de edifícios, potencialmente eliminando a necessidade de ar condicionado. A nova tinta bloqueia 98,1% da luz solar e economiza até 10,5 graus Celsius. A tinta é feita com sulfato de bário, aditivo usado em papel e maquiagem.
CURIOSIDADES II • 20/4 é conhecido como o dia internacional do fumo de cannabis. Recentemente, em 31 de março, o governador Andrew Cuomo assinou uma legislação legalizando o uso recreativo da maconha, tornando Nova York o 15º estado a dar o passo em direção ao consumo. Enquanto isso, uma galeria de arte em Washington frustrou as leis locais ao presentear os frequentadores da galeria com a erva a cada compra de obras de arte. 8
GIRO NA CENA • Itaú Cultural retoma a visitação presencial às suas exposições a partir do dia 24 de abril, com horários restritos: das terças-feiras aos domingos, das 12h às 18h, e sob agendamento. A instituição volta a abrir a exposição – realizada em parceria com o Masp e com prorrogação da data de encerramento no Itaú Cultural para 4 de julho –, a e a mostra permanente da a no Espaço Olavo Setubal, no quarto e no quinto andar do seu prédio.
VISTO POR AÍ
NOVO ESPAÇO • Localizado na Praça Benedito Calixto, ponto de referência intelectual, e cultural, a casa se identifica como um bastião da inclusividade, onde pessoas de todas as cores, idades, gêneros e inclinações sexuais são benvindas para aproveitar o que a vida tem de melhor, na comida, na música e na arte. Durante o dia, o primeiro andar é dedicado a exposições de arte com curadoria da Dasartes. Praça Benedito Calixto, 103, Pinheiros, São Paulo.
“ • DISSERAM OS LÍDERES DE MUSEUS
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FRANCESES em uma carta aberta, publicada no jornal Le Figaro, ao presidente francês Emmanuel Macron pedindo a reabertura das instituições em meados do mês de maio.
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Jackie Curtis and Ritta Redd, 1970. © The Estate of Alice Neel.
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ALICE NEEL: PEOPLE COME FIRST É A PRIMEIRA RETROSPECTIVA EM NOVA YORK DA ARTISTA AMERICANA ALICE NEEL (1900–1984) EM VINTE ANOS. ESTA AMBICIOSA PESQUISA POSICIONA NEEL COMO UMA DAS PINTORAS MAIS PROFUNDAS DO SÉCULO, UMA CAMPEÃ DA JUSTIÇA SOCIAL CUJO COMPROMISSO DE LONGA DATA COM OS PRINCÍPIOS HUMANISTAS INSPIROU SUA VIDA, BEM COMO SUA ARTE
O Metropolitan Museum of Art sedia uma importante retrospectiva de Alice Neel, uma das pintoras mais radicais e irreverentes do século 20. À primeira vista, pode parecer pouquíssimo coerente introduzir dessa forma uma artista que pintava retratos em meio à efervescência de uma cena cultural que favorecia a abstração. Uma retratista nostálgica nadando sozinha contra a maré das tendências na arte? Definitivamente não. De fato, ela ressuscitou um gênero da pintura que há muito havia sido considerado ultrapassado e fora de moda. Mas Alice não pintava apenas retratos, pintava pessoas. Aliás, a própria pintora foi além ao dizer que colecionava almas, sem que isso soasse exagerado. A americana colocou o corpo humano no lugar de manifestação de um estado psicológico amplo e complexo. No rosto de cada um, expôs camadas profundas da psique. Obcecada por uma abordagem humanística na pintura, afirmou, em 1950: “para mim, as pessoas vêm primeiro”, declaração que agora dá nome à mostra do MET. As figuras de Alice Neel têm nome e endereço. Ela pintou a família, os amigos, assim como artistas, escritores, ativistas e vizinhos do Harlem Espanhol, onde morou em Nova York. Jamais deixou de notar os que estavam ao seu redor, e com ela de alguma forma conectados. Empática, tratava a todos com a mesma seriedade e intensidade, fosse Andy Warhol ou apenas Antonia e Carmen, duas garotas pobres da vizinhança do Harlem. Mas, em verdade, deve nos importar mais como ela pintou do que quem ela pintou. “Se eu não fosse uma artista, poderia ter sido uma psiquiatra”, disse certa vez. Alice fazia as pessoas se acomodarem sentadas de 12
Benny and Mary Ellen Andrews, 1972. © The Estate of Alice Neel.
POR IASMINE SOUZA
Black Draftee (James Hunter), de 1965 e Nazis Murder Jews, 1936. © The Estate of Alice Neel.
um jeito confortável e presente, assim como em um divã. Conversava até que estivessem suficientemente à vontade, quando ela podia explorá-los em toda a sua complexidade. Aqui talvez resida a explicação para as poses e posturas não tradicionais nos retratos, obras pelas quais é mais conhecida. As linhas são fortes e, as pinceladas, exuberantes e muito reveladoras. Sem adereços, decorações ou distrações, ela nos convida a atravessar olhares penetrantes. O resultado dessa epifania humana é íntimo e de uma franqueza agressiva, às vezes nada lisonjeira. Afinal, quando vistos por dentro, é assim que somos. Vulneráveis, indefesos. E Alice sabia disso. A humanidade era imperfeita para ela. A arte de Alice Neel é também uma extensão do seu ambiente em Nova York, onde morou por quase sessenta anos. Os retratos oferecem um documentário visual da época, da condição injusta dos residentes de uma cidade em que se lutava diariamente por sobrevivência, igualdade e justiça social. Para ela, o drama individual é em igual medida o mal-estar geral da cultura americana e suas desumanidades. Alice era simpatizante dos ideais comunistas e, sobretudo, uma criatura política. E, por isso, ao longo de toda a carreira, pintou como se fosse criatura política. Em , o desfile de Primeiro de Maio de 1936 virou assunto de trabalho. Na pintura, uma multidão de manifestantes marcha pacificamente contra as crueldades do regime nazista. Quase trinta anos depois, a representação do sofrimento em vários rostos vira o de um só em , de 1965, quando pintou um rapaz negro que conheceu por acaso. O jovem foi convocado para a guerra do Vietnã e não houve tempo para uma segunda sessão. A despeito de ter preenchido apenas parte da cabeça e das mãos do modelo no retrato, ela assinou o verso e decidiu que, assim mesmo, estava concluído. Nessa obra, a genialidade da pintora está exatamente naquilo que não se vê: o corpo incompleto de alguém enviado para morrer por um país que jamais teria se importado com a vida dele. 14
Andy Warhol, 1970. © The Estate of Alice Neel.
Richard Gibbs, 1968 À direita: Ginny, 1984. © The Estate of Alice Neel.
Alice foi também uma sobrevivente. Não pintou por encomenda, vendeu pouco e nunca conseguiu dinheiro suficiente para bancar o próprio estúdio. Do primeiro casamento com o pintor cubano Carlos Henriquez, restaram apenas duros traumas pessoais: a primeira filha do casal, Santillana, morreu de difteria pouco antes de completar um ano de vida; e a segunda, Isabetta, foi levada pelo marido para Cuba, em uma viagem cujo pretexto era apresentar a criança e conseguir algum dinheiro com a família do rapaz, mas ele não retornou a Nova York. Após um colapso nervoso grave, chegou a tentar suicídio e ficou hospitalizada por quase um ano. A produção desse período envolve a maternidade em uma atmosfera de morbidez, perda e ansiedade. Alice Neel não se casou novamente e teve mais dois filhos, Richard e Hartley, de quem cuidou e sustentou sozinha. No apartamento em que viviam, telas se acumulavam por todo o ambiente. O curioso é que ela sabia bem o espaço que poderia ocupar no mundo da arte, e, também do ponto de vista pessoal, espaço era justamente pelo que batalhava todos os dias. Amava os filhos, mas queria desesperadamente pintar. Um ano após perder a primeira filha, teve contato com um artigo de jornal que noticia o estrangulamento de um bebê entre as grades do berço enquanto a mãe passava , roupas. A tragédia, somada às suas, inspirou de 1930, uma tela revolucionária e comovente, não só pela economia de meios, que não é típica da pintora, mas também por transformar em assunto legítimo uma maternidade crua, não romantizada, e que por ninguém queria ser vista. Nessa mesma fase, produziu uma série de aquarelas eróticas, cenas honestas de amantes nus, sexo e sexualidade, o que ninguém esperaria de uma mulher, e, por esse motivo, sem precedentes na história da arte ocidental. 18
À esquerda: Futility of Effort, 1930. Abaixo: Nancy and Olivia, 1967. © The Estate of Alice Neel.
Pregnant Julie and Algis, 1967 © The Estate of Alice Neel..
Asphalt Air and Hair, 2017, ARoS Triennial THE GARDEN, Dänemark © Katharina Grosse und VG Bild-Kunst, Bonn, 2019. Foto: Nic Tenwiggenhorn.
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Margaret Evans Pregnant, 1978. © The Estate of Alice Neel.
Alice Neel sempre esteve comprometida com a própria independência. Por isso não é surpreendente que tenha ousado explorar imagens tão poderosas de maternidade, até então desconhecidas para a arte. Foi uma pintora extremamente engajada com o nu, mas é no da mulher grávida – ela pintou um número considerável deles – que reside a beleza extraordinária do seu legado. Essas pinturas, iniciadas no início da década de 1960, trazem sua costumeira franqueza e estão entre as imagens mais emocionantes da experiência feminina na arte. Ela foi insistente na representação explícita do corpo pré-parto, para o qual a sociedade sempre preferiu fechar os olhos e ignorar. Atributos como olheiras, seios volumosos, mamilos protuberantes e pés inchados, deixam ainda mais em evidência a nuance emocional da espera apreensiva de uma gestação. Também não perdeu de vista os conflitos entre maternidade e carreira. 23
Linda Nochlin and Daisy, 1973. © The Estate of Alice Neel
Em , 1973, Alice retrata a renomada estudiosa feminista sentada ao lado da filha. Ela tem a mão direita apoiada no colo da menina, enquanto a outra segura com força o braço do sofá e tem os tendões praticamente saltando da pele. A obra é uma espécie de testemunho de bravura da jornada dupla de mãe e profissional, que à pintora era muito familiar. Apenas quando o retrato, enquanto gênero, e Alice Neel emergem da obscuridade, em parte impulsionados por um retorno do figurativismo e pelas ondas feministas nos Estados Unidos, foi possível compreender o equívoco da sentença de esquecimento que havia sido direcionada aos dois. Finalmente, em 1974, teve seu trabalho acolhido e aclamado por uma retrospectiva pelo Whitney Museum of American Art. Mas ela não parou por aí. Embora tenha atravessado sete décadas pintando retratos e nus de outras pessoas, foi apenas no final da carreira, aos 80 anos de idade, quando a reputação dela estava no auge, que resolveu se 24
Self-Portrait, 1980. © The Estate of Alice Neel.
despir a si mesma. Em um raro autorretrato – um dos dois únicos da carreira –, Alice Neel é uma senhora envelhecida de seios flácidos, sentada em uma poltrona com ar de despreocupação, vestindo nada mais que a própria dignidade e inteligência. O momento da pintura é uma escolha consciente, simples e genial. Mais uma vez, retorna à exposição subversiva de um corpo não idealizado e sem espaço, reafirmando o recado que queria deixar para a arte das próximas gerações. Em um momento em que as redes sociais criam um ambiente de projeção de visões a respeito de como somos percebidos e nos condicionam a não investir em quem verdadeiramente somos, o clamor de Alice Neel por liberdade de expressão parece cada vez mais necessário. Filtros não são tudo que nós temos. E, nesse ponto, Alice nos ensina a não desistir de nós mesmos.
Iasmine Souza Encarnação Novais é Procuradora do Município de São Paulo, entusiasta da história da arte, pós-graduanda em Crítica e Curadoria de Arte na PUC-SP e autora do perfil @minutodearte.
ALICE NEEL: PEOPLE COME FIRST • THE MET FIFTH AVENUE • NOVA YORK • 22/3 A 1/8/2021 22
Dialogue with Youth, 1981. © Estate of Martin Kippenberger
MARTIN kippenberg ,
PELO mundo
POR PETER GORSCHLÜTER
Cada frase uma exclamação! Impressionante, exigente, desafiador, envolvente, perspicaz, amigável ao consumidor, sempre pontual, provocativo, ao mesmo tempo profundamente humanista – assim ou algo assim, é como companheiros descrevem o artista Martin Kippenberger. Mas também falam da incerteza sobre se ele estava falando sério ou não, e de sua maneira de submeter outros seres humanos a constantes pressões sociais, oscilam entre o fascínio e a crítica nas descrições pessoais do da arte alemã do pós-guerra. VIDA E OBRA Martin Kippenberger nasceu em 25 de fevereiro de 1953, em Dortmund, e cresceu com duas irmãs mais velhas e duas mais novas em Essen, Alemanha. A mãe foi dermatologista, o pai trabalhava como engenheiro de minas e diretor da mina de carvão Katharina, em EssenFrillendorf. Entre 1972 e 1976, estudou com Arnold Hauser e Franz Erhard Walther na Universidade de Belas Artes de Hamburgo. Nesse período, começou a tirar fotografias 30
Sem título, (Ausder Serie Hand Painted Pictures), 1992. © Estate of Martin Kippenberger.
MARTIN KIPPENBERGER (1953-1997) FEZ PINTURAS, ESCULTURAS E INSTALAÇÕES QUE OFERECEM UM TOM HUMORÍSTICO, PORÉM AMARGO, SOBRE O MUNDO MODERNO E O LUGAR DOS ARTISTAS NELE. SOMENTE NOS ÚLTIMOS ANOS, APÓS A MORTE PREMATURA, O TRABALHO EXTRAORDINÁRIO E INFLUENTE DE KIPPENBERGER SE TORNOU INTERNACIONALMENTE RECONHECIDO
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Uno di voi, un Tedesco en Firenze, 1976. Abaixo: Dear Painter, Paint me, 1981. © Estate of Martin Kippenberger.
intensivas e trabalhar com as possibilidades reprodutivas de copiadoras. No ano de 1976, Kippenberger foi para Florença por um período durante o qual o primeiro grande ciclo de pinturas da série foi criado. Em seguida, (1977), a sua primeira exposição acontece em Hamburgo, por ocasião das viagens de ida e volta à Itália. O resultado é a primeira de quase 150 publicações e o primeiro de mais de 180 pôsteres , que ele mesmo criou em colaboração com outros artistas durante a carreira artística. Em 1981, Kippenberger encomendou a série de grande formato com ajuda de um profissional de de cinema para uma exposição na New Society for Fine Arts, em Berlim. Em 1983, Kippenberger concebeu inúmeras obras individuais que se dedicam a questões sociais e políticas como felicidade, idealismo, hierarquias, futuro e formação de opinião, incluindo e . Nesse período, além de artistas como Werner Büttner, Günther Förg, Georg Herold, Albert Oehlen e Markus Oehlen, Kippenberger foi um dos chamados Boys, por serem polêmicos e carregarem o cenário artístico de Colônia para torná-la internacionalmente conhecida. 33
Dear Painter, Paint me, 1981. © Estate of Martin Kippenberger.
A primeira grande exposição conjunta – (1984) – com Albert Oehlen e Werner Büttner tem lugar no Museu Folkwang. Kippenberger dedicou a mostra a modelos políticos e culturais da sociedade como liberalismo, comunismo, nacional-socialismo, anarquia e questionou a imagem, o significado e os padrões de identidade encontrados em nós que ancoraram a memória coletiva. A mais conhecida dessas obras é . Uma viagem ao Brasil com o foi uma “aventura” brasileira de Martin Kippenberger, em 1985/1986. Em dezembro de 1985, Kippenberger e Albert Oehlen trocaram a Alemanha pelo Rio de Janeiro, onde permaneceram por algumas semanas e se de Ipanema. apresentaram no Após o retorno de Oehlen à Alemanha, Kippenberger viajou para conhecer a artista e fotógrafa Ursula Böckler, em Salvador, Bahia. Juntos, eles fizeram uma pelo Brasil, com destinos que incluíram Maceió, Recife, Brasília e Manaus. Derivado dos The Beatles, Kippenberger apropriadamente intitulou seu próprio empreendimento com um plano para criar uma série de apresentações na estrada. Böckler foi convidada para acompanhar Kippenberger e documentar o jovem artista alemão . As fotografias de Bockler retratam um Kippenberger um tanto ingênuo, uma parada em um posto de gasolina perto de Salvador, dançando em bares, comemorando o 33º aniversário ou posando e performando para a câmera na frente de esculturas públicas.
Sem título, The Magical Misery Tour, 1986. © Estate of Martin Kippenberger.
À esquerda: Couple I, 1996. Abaixo: He Disappeared into Complete Silence. Plate 7, 1947.
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Peter, 1987. © Estate of Martin Kippenberger.
Assim, a primeira exposição individual institucional de Kippenberger em um museu alemão aconteceu no Hessisches Landesmuseum, em Darmstadt, com o título . O artista apresentou a densa e opulenta avaliação artística de sua viagem ao Brasil. sua primeira instalação em grande escala. No ano seguinte, em 1987, com a exposição da escultura , a crítica conceitual e institucional de Kippenberger à posição russa em Colônia foi contra as noções prevalecentes de estética. A exposição foi extremamente controversa e ainda é considerada uma das mais influentes e eficazes na prática expositiva de Kippenberger. 38
A lanterna para bêdados, 1988 e Martin, no canto e com vergonha de si mesmo, 1988.
Nesse mesmo período, foi criada, a primeira de muitas esculturas de lanternas que vieram a seguir. As esculturas seguintes, chamadas de , , executadas em seis variantes diferentes, foram criadas em resposta a um artigo na revista de arte alemã , do final dos anos 1980, em que Kippenberger foi acusado de ser alcoólatra, cínico, misógino e com atitude politicamente questionável. No ano de 1993, Veit Loers, então diretor do Fridericianum Museum, convidou Kippenberger para uma exposição individual. Contudo, o artista declinou do convite e “fundou” o Kunstverein Kippenberger (Associação Artística de Kippenberg), apresentando uma série de exposições com outros artistas nos anos seguintes. 39
A Crucificação de Cristo, 1890.
Kippenberger continuou a interação entre artista curador com o projeto MOMAS (1993-1997). Como diretor autoproclamado do Museu de Arte Moderna Syros, Grécia, que ele fundou, realizou oito exposições. “Se não me for dada a possibilidade de uma exposição em museu, farei o meu próprio museu, muito longe, na periferia do mundo da arte. Vou convidar meus amigos e colegas e enviar convites. Esses convites serão a única prova concreta”, afirmou o artista que, em um prédio degradado perto do mar, fundou o próprio museu. Com seis grandes ciclos de pintura, o ano de 1996 foi um dos mais produtivos de todo o período criativo de Kippenberger. Com cerca de 25 obras, o conjunto das chamadas é um dos maiores em número; é o maior ciclo tematicamente coerente do artista, composto por pinturas, objetos, desenhos, litografias e um tapete. Martin Kippenberger morreu em 7 de março de 1997, em Viena. 40
À esquerda: A jangada de Medusa, 1996. Abaixo: Senhora ovo que não pode ser Pigeonholed, 1996. © Estate of Martin Kippenberger.
The Quartered One, 1965.
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Sem título, 1988.
HAPPY END AMERIKA não é apenas a maior obra de Kippenberger, mas também um símbolo de todo o seu trabalho artístico. O artista passou vários anos preparando, pesquisando e produzindo. A instalação foi realizada pela primeira vez no Museum Boijmans Van Beuningen, Rotterdam, em 1994. Em um campo de futebol de 20 x 23 metros – ladeado por duas arquibancadas – ele organizou cinquenta conjuntos de mesas e cadeiras para formar uma sala de comunicação kafkiana para o recrutamento de pessoal. Além de ícones de de móveis e objetos simples angariados de mercados de pulgas, Kippenberger integrou produções e objetos específicos de exposições anteriores, além de esculturas, instalações de vídeo e pinturas de vários amigos artistas – como Georg Herold, Franz West, etc. Nesta instalação em grande escala entre objetos e esculturas, Kippenberger contou a história de uma vida inspirada no romance inacabado de Franz Kafka, : o protagonista de Kafka, o jovem Karl Roßmann, é enviado para a América pelos pais, onde se encontra por conta própria e tem uma vida cheia de dureza e rejeição, até que um dia viu o cartaz do grande teatro de Oklahoma: “Quem pensa no seu futuro somos nós! Todos são bem-vindos! Se você quer se tornar um artista, cadastre-se! Maldito aquele que não acredita em nós!” Diz. As entrevistas aconteceram no Clayton Racecourse. Se a esperança de uma vida melhor para Karl Roßmann foi cumprida, permanece sem resposta no fragmento do romance. Kippenberger traduziu a visão literária de Kafka em uma imagem tridimensional. Os conjuntos mesa-cadeira imaginam um escritório improvisado ao ar livre como cenário de entrevistas de emprego simultâneas e massivas. Arquibancadas na borda do campo transformam a instalação em uma arena de competição da busca humana pela felicidade, reconhecimento e lar. Se isso levará ao sucesso é tão incerto para Kippenberger quanto no romance de Kafka. Entre rebeliões constantes, trocadilhos e análise social astuta, a obra desdobra, por um lado, o cosmos artístico único de Kippenberger. Por outro lado, o “acampamento” aparentemente improvisado evoca imagens de situações excepcionais e confronta o espectador com questões sociais atuais sobre os mecanismos de integração, repressão e poder.
Peter Gorschulüter é curador e historiador de arte e atual diretor do Museum Folkwang em Essen, Alemanha.
2x KIPPENBERGER • MUSEUM FOLKWANG E VILLA HÜGEL • ESSEN • ALEMANHA • 7/2 A 16/5/2021 44
O final feliz da ‘America” de Franz Kafka © Estate of Martin Kippenberger.
DEStaque
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Fifties Portrait - M.W., 1969. © Georg Baselitz
GEORG
MOSTRA DE GEORG BASELITZ EXIBE SEIS PINTURAS HISTÓRICAS DOADAS PELO ARTISTA AO METROPOLITAN MUSEUM OF ART. FEITAS EM 1969, ESTÃO ENTRE AS PRIMEIRAS OBRAS EM QUE BASELITZ EMPREGOU A ESTRATÉGIA DE INVERSÃO, ABORDAGEM QUE CONTINUA A TER INTERESSE PARA ELE. AS PINTURAS MARCAM UM MOMENTO CRÍTICO NA CARREIRA DO ARTISTA, QUE BUSCOU ELIMINAR O RECORRENTE CONTEÚDO NARRATIVO E A EXPRESSÃO PARA SE CONCENTRAR NA PRÓPRIA PINTURA
On Fire at 80. © Judy Chicago
Talvez um dia você ouça, por acaso, em uma roda de “conversa intelectual”, em um barzinho qualquer da vida, alguém erguer um pouco a voz acima dos outros presentes e dizer que o Neoexpressionismo morreu com o jovem Basquiat, em 1988. Você então se vira para a pessoa e diz: “O Neoexpressionismo não morreu, apenas está de ponta-cabeça!” Se a pessoa não entender a referência, ela provavelmente não conhece o artista alemão Georg Baselitz. O pintor, escultor e artista gráfico do pós-guerra Georg Baselitz, cujo nome verdadeiro é Hans-Georg Kern, nasceu em 23 de janeiro de 1938, em Deutschbaselitz, de onde vem o sobrenome que ele adotou. Ignorando a abstração, que vinha reinando soberana nas artes, Baselitz desenvolveu um estilo voraz, peculiar e bruto, usando de uma paleta intensificada e criando imagens provocadoras para repassar sentimentos e emoções de forma espontânea e crua. Junto com Joseph Beuys, Baselitz instituiu um do Expressionismo alemão, movimento que foi um grande desafeto dos nazistas, e iniciou uma série de trabalhos com uma estética agressiva e cáustica. 48
Elke, 1965. © Georg Baselitz
POR EDVALDO CARVALHO
Die große Nacht im Eimer, 1963. © Georg Baselitz
Artista controverso, foi expulso da escola de arte na então Alemanha Oriental. A Academia de Arte Visual e Aplicada em Weissensee alegou que o aluno “não tinha maturidade sociopolítica adequada” para a instituição. De 1957 a 1964, Baselitz estudou na Academia de Artes da Berlim Ocidental, onde obteve o título de mestre e onde teve como professor Hann Trier. Em 1961, divulgou um manifesto chamado , e, em 1962, o . Chegou a ser bolsista da Villa Romana, em Florença, em 1965, onde conquistou o prêmio . O Círculo Cultural da Federação das Indústrias Alemãs também lhe concedeu uma bolsa, em 1968. Foi ainda na década de 1960 que Baselitz começou a distorcer cada vez mais suas figuras, investindo em uma deformidade conscientemente exagerada, com muitos traços, riscos e cores que deixavam seus retratos e personagens intencionalmente caricatas e monstruosos. A crítica começa a se interessar por Baselitz em 1963, com a estreia da ultrajante pintura β (algo como “Grande noite pelo ralo” ou “Grande noite perdida”), atualmente na coleção do Museu Ludwig, em Colônia. A obra, que não passou despercebida pelo judiciário alemão, acusando-o de “violação da moral pública”, trata-se de uma figura, provavelmente um garoto, segurando um grande e desproporcional falo. Há teorias que afirmam ser uma referência ou “ofensiva homenagem” ao dramaturgo alcoólatra irlandês Brendan Behan. 51 29
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À esquerda: Portrait (Franz Dahlem), 1969. Abaixo: Portrait of Thordis Möller, 1970 e Working Man from Dresden - Portrait of M.G.B, 1969. © Georg Baselitz
A partir de 1969, Georg Baselitz iniciou uma série de pinturas que acabou se tornando a marca registrada dele e demarcou definitivamente a carreira: o artista começou a representar figuras, nus e paisagens de cabeça para baixo com o intuito de mostrar o desprezo dele pelas convenções: “É o melhor modo de libertar a representação do conteúdo!”. Mas há bem mais do que isso nesse ato: pintar as figuras de ponta-cabeça é desestruturar a perspectiva comum, é destruir o ponto de vista tradicional, é inverter, além da figura, o modo de encarar a arte, a beleza, a estética. O artista não perdeu o interesse por esse tema com o tempo e continuou a desenvolvê-lo e explorá-lo. O observador dessas obras precisa de concentração e tempo para absorver o máximo possível essa forma de representação nada convencional. Alguns colegas artistas o acusaram de apenas querer chamar atenção por meio de um “truque” de inverter as imagens, mas Baselitz diz que a ideia surgiu em uma época em que ele, de fato, não era percebido pelo mundo artístico e buscava um diferencial: “Pintar obras de cabeça para baixo é uma boa maneira de criar imagens diferentes das que já existem”. Esse ato se tornou seu triunfo, em uma carreira de mais de 60 anos. 53
Portrait of Elke I, 1969. © Georg Baselitz
Fingermalerei – Adler (Finger Painting – The Eagle), 1972.
Desprezando o conteúdo, que ele diz considerar irrelevante, Baselitz afirma que o interesse principal dele era a pintura em si. Ainda assim, sua arte é, desde o começo, figurativa, mesmo tendo iniciado a carreira de artista, como já afirmado, na época em que o abstracionismo ainda ditava as regras: “sempre odiei a arbitrariedade da teoria da pintura abstrata”. Em 1969, ele pintou, além de figuras humanas, alguns animais de cabeça para baixo. Contraditório, ele afirma que o tema não lhe era de muito interesse, mas, ainda assim, o fez: “Faço pintura de animais quando quero retratar algo sem importância, algo inconsequente, para não dizer, estúpido!”. No fundo, sabe-se que talvez o artista apenas esteja sendo provocador quando parece displicente com seus temas, descartando explicações metafísicas, mas o que interessa é que a arte foi executada e está ali, para ser observada da perspectiva incomum em que foi feita ou para causar torcicolos nos curiosos que tentam vê-la pelo ângulo comum. 56
Adler e Akt mit drei Armen, 1977. © Georg Baselitz
Baselitz ajudou a recuperar para as artes, ou, sendo mais exato, para a pintura, o protagonismo da figura humana, com trabalhos em que compõem personagens perturbadores, abusando da quantidade de tinta e criando ásperas superfícies intencionalmente. É possível que algumas dessas obras sejam mais representações de emoções humanas do que dos entes em si, mas, mesmo quando o artista põe algum enfoque no ser, ele o deforma, como em seus quadros de 1977, (Akt mit drei Armen) e (Dreibeiniger Akt), este último sobrepintado em chapa de linóleo. Quando Baselitz não usou deformações, nem por isso as obras deixaram de ser incomuns. Alguns retratos figurativos com modelos reais, pintados em 1969 e hoje pertencentes ao acervo do Metropolitan Museum of Art, são também complicados de absorver e têm aquela poética incômoda da inversão e o uso de cores intensas, que são a essência das obras do pintor. 57
Kahlschlag, 1970. © Georg Baselitz.
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17th Panel of 45, 1989. À esquerda: Fingermalerai-Akt, 1972 © Georg Baselitz
O neoexpressionismo de Baselitz aborda temáticas violentas, em telas de grandes dimensões, grosseiramente pintadas com rapidez e intensidade. O grotesco vira tema de arte em suas ousadas obras, que têm a poética do esteticamente desagradável, gerando um desconforto no observador. Os críticos classificavam na época o movimento neoexpressionista como “arte ruim". Obviamente, era um ruim intencional, que causava ranhuras com golpes de cinzel nos conceitos de estética e abalava a filosofia da arte. Assim como seus predecessores do expressionismo, Baselitz traz para as telas dele as marcas dos traumas que a guerra causou. Em , o artista condena eternamente seus personagens pintados de ponta-cabeça a relembrarem consigo o bombardeio de Dresden, em 1945, do qual ele foi testemunha. Essa obra consiste em vinte quadros grandes, de rostos distorcidos de mulheres (de cabeça para baixo) com semblantes aterrorizados, como vítimas de um bombardeio. A natureza dupla do trabalho de Baselitz é a linguagem da oposição, dos contrastes: seu pincel e simultaneamente a figura. Para fazer a leitura de imagens de suas obras, é preciso largar as convenções, pois, em primeiro plano, não está a figura ou a paisagem, mas a confusão, a análise representativa e, acima de tudo, a reflexão acerca da composição. A fase de “ponta-cabeça” nunca acabou de fato. Mesmo quando o artista mudou de ares entre o final da década de 1980 e os anos 2010, ele revisitava seus antigos trabalhos. Nesse intervalo de décadas, vieram nus, autorretratos e os chamados “remixes” de suas obras do começo da carreira. Houve momentos de polêmicas e controvérsias ao longo do tempo, como quando em 1980, juntamente com Anselm Kiefer, ocorreu certo alvoroço devido a alguns de seus trabalhos, expostos na Bienal de Veneza, conterem irônicas referências nazistas. 61
Oberon, 2005. © Georg Baselitz
Atualmente, com mais de 80 anos de idade, o artista tem recebido constantes retrospectivas em museus e galerias que o homenageiam e ele faz questão de ir a algumas e ainda tem a gentileza de interagir com o público e dialogar sobre as obras. Baselitz foi, aliás, o primeiro artista vivo a ter uma exposição-retrospectiva na Gallerie dell’Accademia, em Veneza. O trabalho dele veio a influenciar a geração anos 1980 de jovens neoexpressionistas alemães, a chamada “Juventude Selvagem” (Neuen Wilder) e ainda hoje sua influência é notável, principalmente na pintura. A arte de Baselitz “envelheceu” com dignidade, pois suas obras não perderam nada em personalidade, como provam, por exemplo, os personagens de pescoço alongado de , de 2005, ou sua provocadora Suíte, de 2008, , onde, por meio da repetição composicional, ele ironiza Lenin e Stalin. Ao que se sabe, Georg Baselitz ainda está em atividade, porém as limitações da idade o obrigaram a inovar: “as telas são grandes e não as pinto mais na vertical, eu as coloco no chão”. Essa mudança não deve fazer muita diferença para quem criou todo um mundo artístico de cabeça para baixo.
Edvaldo Carvalho é professor de arte na rede estadual de ensino do Estado do Amapá e MBA em História da Arte.
GEORG BASELITZ: TURNO PIVOTAL • MET FIFTH AVENUE • NOVA YORK • 28/1 A 18/7/2021 62
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REFLexo
IVÁN navarro
Traffic
EM EXPOSIÇÃO NO FAROL SANTANDER SÃO PAULO, O ARTISTA CHILENO IVAN NAVARRO CRIA A ILUSÃO DE UMA EXPANSÃO SIGNIFICATIVA DE SUAS DIMENSÕES ESPACIAIS E CONCRETAS. IVAN CRIOU UM MÉTODO DE ENVOLVIMENTO DO ESPECTADOR A PARTIR DE ELEMENTOS DE SEDUÇÃO DO OLHAR, COMO ESPELHOS, LUZES E VIDROS. A ELETRICIDADE TAMBÉM É MATÉRIA ESSENCIAL EM SEU TRABALHO. EM ENTREVISTA EXCLUSIVA O ARTISTA DESCREVE O PROCESSO CRIATIVO DE CINCO DE SUAS OBRAS
POR IVÁN NAVARRO
FORTUNE I, 2019-2020 “Usando uma coleção de fragmentos de néon descartados de trabalhos que produzi em néon por anos, bem como os fragmentos de néon de esculturas anteriores armazenadas no meu estúdio, é a primeira de uma nova série de esculturas livres montadas em pé na parede e produzidas em 2019-20. Em , todos os fragmentos, formas e cores do néon (originalmente um processo feito à mão de entortar o vidro) são diferentes, aleatórios e não relacionados; eles só estão conectados por meio de eletricidade e luz. A energia elétrica unifica literal e conceitualmente a peça como um todo. A composição reconstrói a imagem de uma mão, a palma universal levantada, com os fragmentos evocando as linhas naturais da palma. Metaforicamente, a circunstância inerente ao ato de colagem ecoa a ideia de acaso e destino, contendo a memória das existências passadas de cada fragmento de néon antes de se combinar para formar essa imagem. A mesma ideia de destino também conecta a obra à prática popular da quiromancia: a predição e a representação do futuro por meio da leitura da palma. A imagem da impressão palmar permanece ao longo da história, desde os tempos do Paleolítico até hoje, um símbolo primordial de nossa identidade humana.” 66
Todas fotos: Cortesia da artista.
Todas Fotos: Filipe Berndt/Galeria Millan.
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TRAFFIC
“Tendo crescido sob a ditadura de Pinochet, sou atormentado por questões de poder, controle e reclusão, tanto físicos quanto psicológicos. Usando a luz como matéria-prima, desenvolvo a lacuna visual entre a aparência e a verdade. Meu trabalho é influenciado pelo modernista e minimalismo de Gerrit Rietveld a Dan Flavin ou Donald Judd. continua explorando esses temas, desencadeando uma atitude diferente em relação à história e explorando as ambiguidades da memória. A instalação é composta por sete pares de semáforos suspensos no teto e passando do verde ao amarelo ao vermelho. Aqui pego um elemento do nosso cotidiano e o utilizo como referência abstrata de forma e conteúdo. Na instalação, essas referências são descontextualizadas de sua função urbana original e transformadas em uma nova forma de experiência de arte pública. Acendendo uma resposta específica e inconsciente de consciência, o público é condicionado por uma regra de comportamento social.” 69
This land is your land.
“ ”
“ , uma pirâmide de seis tambores altos, combina a bateria com espelhos e as palavras HIGH, TONE, TUNE, BASS, MUTE e DEAF para criar uma ideia de representação visual do som (ou ruído), enquanto ao mesmo tempo remove e nega a função original dos instrumentos. Essa é uma forma de “tocar uma canção” sem fazer qualquer som. A obra emprega o silêncio e a imobilidade para criar uma percepção fantástica do som e do movimento e para explorar a relação entre ver e ouvir.“
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ESTUDO PARA INVERSÃO
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“ , consiste em um carrinho de mão feito de lâmpadas fluorescentes e uma projeção de videoclipe da escultura em performance. No vídeo, vemos um personagem solitário empurrando seu carrinho ao longo de trilhos desolados de trem e parando periodicamente para mudar a cor das luzes do carrinho. A ação tem como cenário a canção (escrita originalmente por Facundo Cabral), que também conta a história de um andarilho engenhoso enquanto perambula pela cidade. A peça, ao mesmo tempo melancólica e otimista, evoca ideias de deslocamento e perda de identidade ao lado de demonstrações de sobrevivência e regeneração engenhosas. ”
IVÁN NAVARRO: EXFINITO • FAROL SANTANDER • SÃO PAULO • 18/12/2020 A 16/5/2021
FLASHback
WASILY
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kandinsky
Alrededor del círculo, 1940. © Vasily Kandinsky, VEGAP, Bilbao, 2020.
NOVA EXPOSIÇÃO DE KANDINSKY INCLUI UMA IMPORTANTE SELEÇÃO DE OBRAS DO PINTOR DE ORIGEM RUSSA, AUTOR DE PRODUÇÃO TARDIA, QUE COMEÇOU A ESTUDAR PINTURA EM MUNIQUE, EM 1896, QUANDO JÁ TINHA 30 ANOS. AS DIFERENTES FASES DE SUA VIDA – KANDINSKY VIVEU ENTRE RÚSSIA, ALEMANHA E FRANÇA, ALÉM DE DUAS GUERRAS MUNDIAIS – E, PRINCIPALMENTE, O CONTATO QUE MANTEVE COM OS DIFERENTES MOVIMENTOS DE VANGUARDA DOS PAÍSES ONDE VIVEU, INFLUENCIARAM SEU TRABALHO DE FORMA EVIDENTE
O Guggenheim Museum Bilbao apresenta com acesso e gratuito , uma exposição abrangente de pinturas e obras sobre papel de Wasily Kandinsky (1866-1944) na qual apresenta a obra e a evolução artística de um dos principais renovadores da pintura do início do século 20, precursor da abstração e reconhecido teórico da estética. No esforço de libertar a pintura das suas ligações com o mundo “natural”, Kandinsky descobre um novo tema baseado exclusivamente na “necessidade interior” do artista, preocupação que o acompanhará ao longo da sua vida. Através do percurso cronológico delineado nessa exposição abrangente, o público poderá mergulhar na obra de Kandinsky e observar a evolução da sua pintura, desde as suas primeiras imagens, que contêm uma iconografia cuja realidade dos objetos e cenas é reconhecível, até as incursões completas em uma abstração que reflete sua aspiração ao essencial. Uma oportunidade única de apreciar a obra de um autor singular e ver como as cores e as formas ganham vida própria. Essa exposição ilustra a evolução completa da trajetória do artista, dividida em três seções geográficas que abrangem os principais períodos de seu desenvolvimento artístico. 76
La montaña azul (Der blaue Berg), 1908–09. © Vasily Kandinsky, VEGAP, Bilbao, 2020.
POR MEGAN FONTANELLA
São Jorge, 1911. À direita: Nuvem dourada, 1918 © Vasily Kandinsky, VEGAP, Bilbao, 2020.
OS PRIMÓRDIOS: MUNIQUE Kandinsky passou a infância entre sua cidade natal, Moscou, e Odessa (hoje Ucrânia), onde sua família nutria o gosto pela arte e pela música. Ele estudou direito e economia, mas, em 1895, decidiu mudar de curso e se tornou um dos gerentes da empresa de artes gráficas de Moscou, Kushnerev. Um ano depois, após encontrar inspiração em uma exposição do impressionismo francês e na ópera Lohengrin de Richard Wagner, ele viajou para Munique para se dedicar à arte. Memórias da Rússia, como móveis decorados com cores vivas ou imagens de casas de camponeses, bem como historicismo romântico, poesia lírica, folclore e fantasia fazem parte de seus primeiros trabalhos. Kandinsky e sua companheira, a artista alemã Gabriele Münter, viajaram pela Europa e Norte da África, entre 1904 e 1907, antes de retornar e se estabelecer novamente em Munique, em 1908. As paisagens bávaras multicoloridas que Kandinsky criou em 1908-1909 apresentam elementos composicionais típicos da gravura, como formas claramente delineadas ou perspectiva achatada. Essas pinturas diferem marcadamente de seus exercícios neoimpressionistas anteriores, feitos por leves toques de cor. Já em 1909, Kandinsky adotou um estilo cada vez mais expressionista, afastando-se da representação de cenas naturais e se inclinando para a pintura de histórias 78
apocalípticas. Alguns dos motivos recorrentes em sua obra, como o cavalo e o cavaleiro, simbolizam sua cruzada contra os valores estéticos convencionais e seu anseio por um futuro mais espiritual por meio do poder transformador da arte. Continuando com sua luta contra as normas da figuração, Kandinsky está convencido de que a cor, a forma e a linha podem traduzir a “necessidade interior” do artista em afirmações universalmente compreensíveis, oferecendo uma visão regenerativa do futuro. Enquanto morava em Munique, Kandinsky liderou os grupos de vanguarda mais importantes da cidade, como The Phalanx (Phalanx) e a New Munich Artists Association (Neue Künstlervereinigung München), e publicou vários tratados fundamentais, como . Em 1911, fundou, junto com Franz Marc, (O Cavaleiro Azul), uma sociedade heterogênea de artistas interessados no potencial expressivo da cor e na ressonância simbólica (muitas vezes espiritual) da forma. Em 1913, os temas recorrentes em sua obra, como o cavalo e o cavaleiro, as colinas, as torres e as árvores, já estavam sujeitos ao traço e à cor. À medida que seus contornos caligráficos e formas rítmicas revelam cada vez menos traços de suas origens figurativas, Kandinsky começava a desenvolver a abstração e a formular o que chama de “o poder oculto da paleta”.
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Curva dominante, 1936. © Vasily Kandinsky, VEGAP, Bilbao, 2020.
Abaixo: Círculos en negro, 1921. À direita: No branco, 1920. © Vasily Kandinsky, VEGAP, Bilbao, 2020.
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DOMÍNIOS CÓSMICOS: DA RÚSSIA À BAUHAUS Após a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, Kandinsky foi forçado a deixar a Alemanha e se estabeleceu em sua Moscou natal, onde a vanguarda buscou formular uma linguagem estética universal por meio de formas geométricas. Após romper seu relacionamento com Gabriele Münter e seus laços com outros colegas alemães, Kandinsky observava as experiências de seus contemporâneos russos, mas percebeu que a abordagem objetiva e com foco na produção não correspondia à sua própria busca artística pela espiritualidade. Em 1922, Kandinsky voltou à Alemanha com a então esposa Nina e começou a lecionar na Bauhaus (Escola de Artes Aplicadas), fundada pelo arquiteto Walter Gropius e patrocinada pelo Estado. Kandinsky descobriu ali um ambiente favorável à sua convicção de que a arte pode transformar o indivíduo e a sociedade. Ele continua a investigar a correspondência entre cor e forma e seus efeitos psicológicos e espirituais, e as formas geométricas, que ele usava em planos sobrepostos, passaram a dominar seu vocabulário pictórico. Essa mudança se deveu, em parte, à influência do tipo de obra que viu na Rússia. Kandinsky continuava a se distanciar, entretanto, do que considerava a arte “mecanicista” 85
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Composition 8, 1923. © Vasily Kandinsky, VEGAP, Bilbao, 2020.
dos construtivistas e a arte “pura” dos suprematistas como Kazimir Malevich, insistindo que mesmo as formas mais abstratas têm conteúdo expressivo e emocional. Para Kandinsky, o triângulo incorporava ação e agressividade; o quadrado significava paz e calma; e o círculo, o reino do espiritual e do cósmico. Foi nessa época que a obra de Kandinsky chamou a atenção do colecionador Solomon R. Guggenheim, que, junto à esposa Irene e a conselheira artística Hilla Rebay, visitaram-no em seu estúdio da Bauhaus, em Dessau, em 1930, e adquiriram o monumental (1923) além de outras peças. Kandinsky continuou a ensinar na Bauhaus até 1933, quando a escola foi fechada devido à pressão do governo nazista.
MUNDOS MINÚSCULOS: PARIS Kandinsky passou os últimos 12 anos de sua vida no bairro parisiense de Neuillysur-Seine. Ele tinha viajado para a França, em dezembro de 1933, vindo da Alemanha nazista após o fechamento da Bauhaus em Berlim, onde lecionou. Esse foi um período muito prolífico para Kandinsky, apesar da instabilidade política e subsequente escassez. O artista fez experiências com materiais (por exemplo, combinando areia e pigmento) e seu vocabulário formal apresentava uma paleta mais suave e formas biomórficas. Embora tenha coletado espécimes orgânicos e enciclopédias científicas durante seus dias na Bauhaus, ele não introduziu esse tipo de iconografia em seu trabalho até 1934. As intrincadas composições dessa fase lembram mundos minúsculos de organismos vivos, claramente influenciados por seu contato com o surrealismo, pela arte de Jean Arp e Joan Miró, e pelo interesse pelas ciências naturais, especialmente embriologia, zoologia e botânica. Kandinsky mostrava uma predileção por tons pastel (rosa, roxo, turquesa e dourado) que lembravam as cores de suas origens russas. Em seu último período, Kandinsky sintetizou elementos anteriores de sua carreira, sua passagem pela Bauhaus e a prática de seus contemporâneos. Ele trabalhou em formatos de grande escala e usou fundos escuros que lembravam suas telas expressionistas e seus trabalhos sobre lendas russas. Também incorporou motivos que aludem a Paul Klee e aos surrealistas que ainda estavam ativos em Paris, apesar (1940), essa influência de sua relutância em se associar a eles. Em se manifesta na composição complexa e dinâmica de lúdicas formas biomórficas. Em meados de 1942, as adversidades da guerra levaram o artista a realizar pequenas obras em painel, distantes das grandes telas de sua produção anterior em Paris. No entanto, Kandinsky continuava a criar composições imaginativas que refletiam cada vez mais seu interesse pela ciência, inspirando-se em revistas e enciclopédias que incluíam ilustrações relacionadas à biologia. Durante a Segunda Guerra Mundial, as autoridades alemãs confiscaram o trabalho de Kandinsky e de outros pintores modernos, declarando-o como “arte degenerada”. Os stalinistas na União Soviética fecharam museus e enviaram as pinturas de Kandinsky para depósitos. O artista morreu em 1944, aos 78 anos, deixando para trás uma prolífica obra.
Megan Fontanella é curadora de Arte Moderna do Museu Solomon R. Guggenheim de Nova York.
KANDINSKY • GUGGENHEIM BILBAO • ESPANHA • 20/11/2020 A 23/5/2021 88
O Arrojo Moderado. 1944. Abaixo: Fragmentos, 1943. © Vasily Kandinsky, VEGAP, Bilbao, 2020.
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Entrevista
POR SYLVIA CAROLINNE
ELLA FONTANALS-CISNEROS Falar de Ella Cisneros é falar de empreendimento e arte. Uma história que passa pelo mundo da moda, empresas de tecnologia, mercado imobiliário, multinacionais e fundações, culminando com seu envolvimento e incentivo às artes. Desde muito cedo, Ella, como gosta de ser chamada, sentiu-se atraída pelo universo da arte. Sua coleção, que se iniciou por paixão e aquisição predominantemente de artistas latinoamericanos, desenvolveu-se e atualmente abrange quatro áreas: abstração geométrica, arte contemporânea, vídeo e fotografia modernista. Em 2002, junto com sua família, fundou a Cisneros Fontanals Art Foundation (CIFO), cujos objetivos são promover e fomentar o trabalho de artistas latino-americanos emergentes, em meio de carreira e também artistas já estabelecidos, por meio de diversos programas e projetos culturais internacionais. Até o momento, mais de 140 artistas já foram beneficiados pela CIFO, que também cuida de grande parte do acervo de Ella.
Se buscarmos historicamente, há 20 anos, a arte era olhada de forma muito regional. Arte europeia, latino-americana, oriental. 90
A arte latino-americana, especificamente, era erroneamente encaixada como uma arte colorida, caribenha e isso está muito longe do que realmente vinha acontecendo, não só no Brasil, como na Venezuela, e mesmo em Cuba. Não havia qualquer conhecimento sobre isso.
A internet surgiu e a arte passou a ser global. Pessoalmente, eu vinha colecionando arte latino-americana há muitos anos. Por volta de 1997, minha visão mudou e passei a colecionar arte de forma global. Com maior acesso às informações de repente, museus ao redor no mundo foram percebendo que havia um tesouro escondido a fervilhar na América Latina. Em 2002, fundamos a CIFO (Cisneros Fontanals Art Foundation), mas, mesmo antes dessa data, eu venho impulsionando nossos artistas em um nível completamente diferente do que o mundo via como arte latino-americana. Essa compreensão do que verdadeiramente vinha a ser foi o que os museus internacionais começaram a exibir, pois esta é uma arte realmente muito sofisticada. Em 2004, na Suíça, fiz uma exposição no museu de arte concreta sobre arte concreta e todos ficaram boquiabertos: “Isto é arte latinoamericana?”. Foi uma grande surpresa! Na Espanha, a surpresa foi total: “Isso esteve lá esse tempo todo?”. Nossos artistas estavam no mesmo nível de qualquer outro artista global. A internet ajudou muito a disseminar e tornar mais acessíveis
as informações. Isso fez com que pudessem planejar exposições mundo afora. Abriu uma janela de oportunidades. Para mim, artista é artista. Não me interessa se vem do Brasil, Europa ou África. Boa arte é sempre boa arte e bons artistas são sempre bons artistas, não interessa de onde vêm.
Como colecionadora, sei que é muito mais fácil colecionar artistas locais. Temos mais acesso, conhecemos melhor a cultura e seus significados. Para mim, é muito mais fácil colecionar quem está ao meu lado do que por exemplo, artistas chineses. Por volta de 2009, cheguei a colecionar alguns artistas, mas logo percebi que não conseguiria acompanhar esses artistas do outro lado do globo. É um mundo inteiro aberto diariamente a novos artistas e novas formas de arte. Você tem que estar presente para entender. Por isso, por exemplo, colecionadores brasileiros acabam por colecionar majoritariamente artistas brasileiros. Nesse caso, não somente pela posição geográfica, mas também por uma questão de custo operacional, já que os impostos no Brasil são proibitivos, com taxas muito elevadas. Isso explica boa parte do sistema de colecionismo e onde se concentram suas preferências, porém não totalmente. Nos EUA, colecionadores são totalmente abertos a todo o tipo de arte, de qualquer parte do mundo e não pagam qualquer imposto sobre arte. Por lá, é possível
encontrar muitos colecionadores de arte latino-americana. A procura cresceu muito em lugares como Houston, Nova York e outros, nesses últimos 15 anos. E por isso é fácil ver artistas de todas as partes do mundo nas galerias de ponta.
Há muitos artistas brasileiros sendo exibidos internacionalmente. É um país muito grande e tem, principalmente em relação aos países vizinhos nas Américas, uma grande produção artística. Há muito
talento e muitas influências europeias, tendo um grande mercado interno. Infelizmente, a arte passou a ser procurada como investimendo. Perde-se dinheiro de diferentes formas e arte sempre foi um lugar onde se pode guardar dinheiro com segurança. Muita coisa se movimentou ao redor desse conceito. O Brasil tem um mercado enorme, paga bem pelo que querem ter. E, uma vez nas coleções, os artistas passam a ser representados por grandes galerias e vice-versa. Se olharmos para os pequenos países, como Guatemala, Panamá, não há mercado. Tudo isso ajuda a encontrar cada vez mais artistas brasileiros mundo afora.
É possível. Com mais tempo em frente ao computador e mais tempo em casa, acabam por continuar a comprar. Fico feliz com isso.
Minhas primeiras aquisições foram para preencher lacunas muito importantes no período da arte geométrica e neoconcreta na minha coleção. Os brasileiros têm aqui um lugar muito importante. Por volta de 1996, tive minha primeira aproximação com o Brasil e esses artistas. Ao longo dos tempos, fui fazendo amigos nas galerias e 92
acabei por, naturalmente, me interessar pela arte produzida no Brasil nos dias de hoje. Há muitos artistas excelentes no Brasil. Em 2005, ofereci à Ana Maria Maiolino sua primeira exposição em Miami. Ela nunca havia exposto internacionalmente. Tornamo-nos amigas e a acho fantástica. Comprei muitas coisas dela, dos anos 1960 e atuais. Hoje, ela tem seu talento reconhecido e, através dos anos, as pessoas passaram a conhecê-la.
Sim. Tenho muitos outros artistas que nada têm a ver com abstracionismo, como Carlito Carvalhosa, Fernanda Gomes, Jac Leirner, entre outros. Fernanda Gomes comecei a colecionar quando ela ainda era desconhecida. Comprei telas suas em uma galeria portuguesa, que tinha as telas no chão aguardando para serem penduradas. Comprei cinco trabalhos imediatamente. Gostei da artista. Coisas assim são fantásticas, adoro isso!
Ambas! Antigamente comprava o que gostava e me fazia feliz. A coleção está tão estruturada que gostaria de preencher certas lacunas e sempre estou à procura dessas peças. Vejo a arte de forma mais institucional, pois, como colecionadora, eu deveria seguir certas regras para ajustar a coleção, mas, em paralelo, se estou andando e me apaixono por um artista, eu compro. Uma vez, estava em uma feira no Brasil, passei por uma pequena galeria da Bahia e vi esta artista... Não sei o nome exatamente. Vi uns pequenos trabalhos de linhas, mistura de desenho e enlaces. Pequenas pinturas com fios. Fiquei encantada com as peças. Elas contavam histórias de amor, paixão, paisagens... E você podia criar sua própria história através delas. Achei genial e comprei! E estavam em um excelente preço. Então, também faço isso. Às vezes é uma sensação, um “faro”. Ao longo dos anos, você adquire essa sensação de que o que você está “farejando” é bom. Não dá para explicar. Não é técnico. É uma sensação de que: “isso é coisa boa, este é um bom artista, eu gosto”. Então eu compro.
Tenho um neto que está muito inserido nessa área. Temos conversado muito e ele sempre me diz: “tem tanta coisa que pode ser feita digitalmente com a sua coleção. Por que não começarmos a fazer algo com isso?” E então eu disse: “Ok, vamos começar!”. Será divertido estar com ele, vindo de uma geração mais jovem. Vamos ver como a tecnologia pode se aproximar do artista. O que sinto sobre tecnologia é
que, apesar de estarmos mais próximos, mais abertos a informações de várias partes do mundo, o artista ainda não tem o entendimento de como usar a tecnologia em seu benefício. Então pensei: podemos fazer algo rentável e ao mesmo tempo ajudar artistas através da fundação, a partir da tecnologia. É algo que sempre tive interesse, desde muito cedo, nos primórdios da internet. Este é o momento. Veja só. Você está no Brasil e eu estou em Punta Cana. E aqui estamos nós, tendo esta conversa, como se estivéssemos próximas, ombro a ombro.
Sylvia Carolinne é artista visual, graduada em Engenharia civil, Ilustração, Moda e correspondente internacional da Dasartes.
LEIA A ENTREVISTA COMPLETA EM NOSSO SITE 93
GARlimpo
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NOTAS do mercado
POR LIEGE JUNG @dasartesmercado
Tendo em vista que o assunto da criptoarte e NFTs decolou no circuito internacional no último mês e que para muitos é nebuloso, dedicamos nossa seção ao tema.
É uma espécie de livro contábil, compartilhado por várias entidades e empresas ao invés de apenas um banco ou instituição. Seu objetivo é facilitar o registro de transações e o rastreamento de ativos em uma rede de negócios. O blockchain é imutável, ou seja, uma vez registrada nele uma transação, ela não pode ser modificada ou apagada. Existem vários blockchains e os mais conhecidos são Ethereum e o blockchain utilizado para geração da criptomoeda bitcoin. Beeple, Illestrater, 2020.
Sigla para non-fungible token, ou token não-fungível. Um bem fungível é algo que pode ser substituído por outro, por exemplo, uma cédula de dinheiro. Um token é um código único que identifica um item digital. Portanto, um NFT é uma espécie de documento de identidade de um bem digital único, registrado em um blockchain. Tem sido usado para identificar colecionáveis de todos os tipos, como "figurinhas" de basquete digitais lançadas pela NBA.
É uma obra de arte digital (uma imagem em Jpg, um gif, um vídeo, etc..) à qual foi atrelado um NFT, o que garante sua autenticidade. Toda vez que esta obra trocar de mãos, uma nova transação será registrada no blockchain, o que também garante sua rastreabilidade. 94
Há diversas plataformas pelas quais um artista pode lançar uma obra de criptoarte, a maior parte delas ligadas ao blockchain Ethereum. Algumas, como Rarible, são abertas a qualquer criativo, enquanto outras aceitam artistas por convite ou indicação. Estas plataformas permitem que o artista "deposite" sua obra e gere para ela um NFT.
Obra de Grimes.
Porque, em menos de um mês, obras de criptoarte de artistas até então desconhecidos passaram a valer milhões de dólares. Apenas em fevereiro, a Nifty Gateway vendeu US$6 milhões em obras de arte da cantora Grimes. Atenta a este movimento, a Christie's anunciou de Beeple e, no dia o leilão da obra seguinte, obras de Beeple apareceram na Nifty Gateway e os valores dispararam. O lance era US$100. Em 11 de inicial de março, ela foi arrematada por US$69 milhões, colocando Beeple entre os artistas vivos mais caros do mundo.
Beeple, Everydays, 2021.
Primeiro, é necessário entender que já existia uma comunidade de usuários de blockchains negociando criptomoedas e outros tipos de tokens e que, nos últimos anos, muitos fizeram fortuna com estas transações. Por exemplo, alguém que recebeu US$10 em bitcoins em 2010 hoje teria US$50 milhões. Outros colecionáveis e criptomoedas tiveram valorizações repentinas, o que trouxe muitos investidores para este universo. Nos últimos meses, este mercado começou a negociar obras de arte, que são ativos únicos, com valor subjetivo e que, no mundo físico, já tem uma tradição em transações milionárias, somando mais força a este boom.
Seguindo a lógica do mercado de arte, temos artistas desconhecidos, que nunca expuseram em um museu ou galeria e que, no espaço de um mês, passam a valer mais que artistas de importância histórica. Quando olhamos para a estética de gosto duvidoso de algumas das obras, a desconfiança é ainda maior. No entanto, pela ótica dos NFTs, os parâmetros para avaliar os investimentos são outros, muito complexos e ainda em definição. 95
GARlimpo
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Resenhas
POR SYLVIA CAROLINNE
ZAALOPNAME SURINAAMSE SCHOOL: PINTANDO DE PARAMARIBO À AMSTERDÃ O OLHAR DE GERAÇÕES
Em tempos de pandemia, toda exposição que nos permita uma experiência imersiva em sua expografia é bem-vinda. Mais ainda quando conseguimos perceber as escolhas curatoriais e as mensagens codificadas das obras, através de um excelente painel sobre o momento histórico em que tais obras foram executadas. Este é o caso da exposição que está acontecendo atualmente no Stedelijk Museum, Amsterdã – . Já no nome a exibição se posiciona de forma ampla, reivindicando ao Suriname a multiplicidade da educação na arte, do grupo para o indivíduo. Com 35 artistas em mais de 100 obras expostas, datadas majoritariamente entre o período de 1910 e meados dos anos 1980, a exposição foi pensada originalmente para abranger trabalhos da artista de origem holandesa Nola Hatterman e os estudantes dela. Na década de 1950, quando se mudou para Paramaribo, Hatterman realizou finalmente o sonho de criar uma escola de arte, cujos alunos se tornaram notáveis artistas. Por esse motivo, a exposição acabou por crescer dentro do próprio material, incluindo muitos dos alunos de Hatterman, e se converteu em um projeto muito mais amplo: o de cruzamento entre a arte holandesa e a surinamesa e de resgate 96
de uma parte da história da arte, até o momento, pouco explorada pelas instituições holandesas. A costura histórica apresentada pela exposição somente foi possível com a participação de curadores externos convidados, que enriqueceram o debate através de seus conhecimentos do cenário artístico surinamês, passado e atual. O acesso a materiais de pesquisa e obras a expor foi viabilizado pela colaboração de coleções privadas, captação de histórias orais, buscas nos arquivos e fundações locais, além de contatos com organizações especializadas na preservação e disseminação desse conhecimento.
O corpo maior da mostra são as pinturas. Trata-se do suporte artístico mais comumente utilizado, uma vez que, somente a partir dos anos 1980, os artistas surinameses ensaiaram obras fora desse tipo de suporte. Para além das pinturas, pode-se também ter acesso ao trabalho das irmãs Curiel, Augusta e Anna, com fotografias que captavam imagens, não só da sociedade colonial local, mas também de viagens por regiões do Caribe e da Europa. Além de Hatterman, temos a possibilidade de conferir o trabalho de Gerrit Schouten, considerado o primeiro artista autônomo surinamês, profissionalmente ativo no país. Seguimos com obras de Armand Baag, aluno brilhante de Hatterman e criador do seu próprio movimento, o . A mostra prossegue com obras de Erwin de Vries, um dos poucos artistas a terem sido inseridos à coleção do museu desde as primeiras produções, e Guillaume Lo-A-Njoe, que em 1959 se tornou o único artista surinamês, até os dias atuais, a receber o Prêmio Real (Holandês) de Pintura Moderna. Com um passado recente de colonização entre Holanda e Suriname, a exibição, para além de marcar os 45 anos de independência do Suriname e reivindicar o seu lugar na história da arte, oferece a visão do país por seus próprios artistas e curadores. Esta exposição não deve ser vista apenas como uma exibição de artistas selecionados, mas uma plataforma de apresentação das correlações existentes entre os dois países e da dinâmica de trabalho de inúmeras gerações de artistas. Segundo as novas diretrizes, o Stedeljk Museum, através
da mostra Surinaamese School, deixa uma clara mensagem para o futuro. Este é um tema em andamento e, quanto a novas exibições nesta linha: .
Sylvia Carolinne é artista visual, graduada em Engenharia civil, Ilustração, Moda e correspondente internacinal da Dasartes.
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GARlimpo
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Livros
O Itaú Cultural lança , do sociólogo e professor alemão Georg Simmel (1858-1918), o mais . novo volume da coleção Em uma realização do Itaú Cultural e a Iluminuras, ela é composta por edições voltadas a reflexões sobre gestão, economia, políticas culturais e aos impactos da tecnologia na sociedade. GEORG SIMMEL: A TRAGÉDIA DA CULTURA • Editora Iluminuras • Gratuito nas livrarias digitais.
A publicação parte de obras emblemáticas da artista gravurista Maria Bonomi para discutir a gravura de forma expandida, mostrando o pioneirismo de Bonomi em diversos aspectos. A artista nascida na Itália e radicada no Brasil desde criança transgrediu diversas tradições estabelecidas nas artes, como o aumento das dimensões da gravura, criando obras em tamanhos monumentais. MARIA BONOMI COM A GRAVURA • Texto: Patricia Pedrosa • Editora Rio Books • 140 pg • R$ 75
O novo livro de Hal Foster traz uma análise ácida e urgente do contexto social, político e cultural desta segunda década do século 21, implicando toda a rede de atores do mundo da arte: artistas, curadores, museus e instituições e críticos. Os ensaios reunidos no livro discorrem sobre mudanças na arte e na crítica diante do atual regime de terror e vigilância, desigualdade extrema, desastre climático e disrupção midiática. HAL FOSTER: O QUE VEM DEPOIS DA FARSA? • Ubu Editora • 224 pg. • R$ 59,90 98
Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente para tablets e celulares no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil. Para ficar por dentro do mundo da arte, siga a Dasartes.
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