ANTONI GAUDÍ MARIA LYNCH XICO CHAVES LEONORA WEISSMANN ARTE E EDUCAÇÃO
DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin PRODUÇÃO André Fabro
Capa e Sumário: Basílica de La Sagrada Família, 1882-1926. Foto: © Pep Daudé / Junta Constructora del Templo de la Sagrada Família.
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Contracapa: Maquete Capitel da coluna de 8 quinas da Basílica da Sagrada Família. © Basílica de la Sagrada Família.
MARIA LYNCH
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XICO CHAVES
08 De arte a z 40 Livros
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ANTONI GAUDÍ
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do 46 Coluna meio
RESENHAS
LEONORA WEISSMANN
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ALTO FALANTE
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DE ARTE A Z Notas do circuito de arte
ANISH KAPOOR PROTESTA ANTITRUMP E CONVOCA OUTROS ARTISTAS O midiático artista britânico-indiano Anish Kapoor reformulou uma imagem de parte de uma performance seminal do artista alemão Joseph Beuys com a frase renomeada, “Eu gosto da América e a América não gosta de mim”, como um protesto contra os horrores que se desenrolam na América de Donald Trump. Ele está convidando outros artistas para se juntar a ele no protesto e criar as suas próprias versões do cartaz.
MOVIMENTO CARAVAGGESCO
RETRATO RARO AMOR, FAMA E TRAGÉDIA DE DALI
Em Paris
Vai a leilão
Em Londres
O Museu do Louvre vai acolher as obras de Valentin de Boulogne na exposição “Beyond Caravaggio”. Por meio dessas obras, os visitantes descobrirão como Valentin se inspirou no realismo dramático de Caravaggio, no claro-escuro e nos temas (tabernas, concertos, mártires, santos), mas os mudou dando uma sensibilidade cromática neoveneziana com grandiosidade e melancolia.
A casa de leilões Bonhams está oferecendo uma das obras mais controversas de Salvador Dalí para seu próximo leilão em Londres. O retrato de 1925 da irmã do artista, intitulado “Figura de perfil” (La Hermana Ana María), tem uma estimativa de £ 800 mil - 1,2 mi. Essa é uma pintura notável e rara pois há poucas obras deste período fora de coleções públicas. A sessão acontece em 2/3.
Em março, o Tate Modern abre “A Exposição EY: Picasso 1932 – Amor, Fama, Tragédia”. Como anunciado no título, a exposição se concentrará no ano de 1932, com uma viagem mês a mês durante o ano pivô na vida de Picasso e seu trabalho. Conhecido como seu “ano de maravilhas”, 1932 foi um ano de inovação e reflexão para Picasso, que acabava de completar 50 anos em outubro de 1931.
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1ª BIENALSUR PRÉSELECIONA ARTISTAS BRASILEIROS
GIRO NA CENA
Modelo inédito de Bienal A coordenação da BIENALSUR divulgou a lista dos projetos pré-selecionados para sua 1ª Edição. Trinta e seis artistas e cinco curadores brasileiros estão entre os 377 projetos escolhidos. A Bienal Internacional de Arte Contemporânea da América do Sul acontecerá de setembro a dezembro de 2017, simultaneamente em mais de 30 cidades, de 12 países, de diversos continentes. Os curadores selecionados são Tobi Maier, Guillerme Giufrida e Jessica Varrichio, Juliana Gontijo e Raphael Fonseca. Na lista de artistas estão nomes como Alex Flemming, Eduardo Srur, Estela Sokol, Regina Silveira, Rochelle Costi, Shirley Paes Leme, entre outros.
Willys de Castro em Nova York A galeria Luhring Augustine abre a primeira individual do artista mineiro nos Estados Unidos. “Willys de Castro” é feita em parceria com as galerias Almeida & Dale e Marília Razuk de São Paulo. A mostra reúne 15 obras que cobrem os primeiros anos do artista, das pinturas aos famosos “Objetos Ativos”, pelos quais Willys de Castro se destaca como um dos mais inovadores artistas brasileiros. Até 11/3.
Em protesto “Consideramos a ‘Greve de Arte’ como uma tática entre outras para combater a normalização do Trumpismo — uma mistura tóxica de supremacia branca, misoginia, xenofobia, militarismo e regra oligárquica”.
Richard Serra e um grupo de artistas em ato de protesto no dia da posse do Presidente do Estados Unidos Donald Trump.
Arte e loucura no MAR O Museu de Arte do Rio (MAR), apresenta “Lugares do delírio” com cerca de 150 obras — entre instalações, mapas, performances, pinturas e objetos — de diversos artistas, como Cildo Meireles, Laura Lima, Anna Maria Maiolino, Arthur Bispo do Rosário, e outros. Trata-se de uma reflexão política e ética sobre loucura e arte. “A arte e a loucura têm em comum a força de transformação da realidade e isso está representado na exposição”, explica a curadora Tania Rivera.
GIRO NA CENA
Amália Giacomini estreia na Galeria Lume Com curadoria de Paulo Kassab, a mostra traz 14 trabalhos, entre painéis e instalações, que remetem a modelos geométricos construídos no espaço da galeria. Imagens e objetos sobrepostos de modo a suscitar a revelação de novos espaços em ambientes já conhecidos. Redesenhar o mundo ao redor para então redescobri-lo. É esse o pano de fundo de “Entreaberto”, primeira individual da artista paulistana Amalia Giacomini na Galeria Lume, que passa a representá-la a partir deste ano.
FRANÇA GANHA NOVO CENTRO DE ARTE Castelo, Centro de Artes e Natureza e Festival Internacional de Jardins. O “Domain of Chaumont-sur-Loire” (entre Blois e Tours, a 185 km de Paris) é um lugar único por sua maneira de explorar os vínculos entre arte, natureza e patrimônio. As exposições e instalações ali organizadas farão do Domain o primeiro Centro focado inteiramente na relação entre criação artística e a invenção paisagística. Inauguração em 20/4.
Vem aí Bienal Whitney 2017 A formação do eu e o lugar do indivíduo em uma sociedade turbulenta estão entre os temas-chave refletidos no trabalho dos artistas selecionados para a Bienal Whitney 2017. A exposição inclui 63 artistas, desde emergentes até bem estabelecidos, individuais e coletivos que trabalham com pintura, escultura, desenho, instalação, cinema e vídeo, fotografia, ativismo, performance, música e design de videogames. A Bienal de 2017 é o 78º evento do Museu Whitney em Nova York, em uma série contínua de exposições anuais e bienais, iniciada por Gertrude Vanderbilt Whitney, em 1932.
10 DE ARTE A Z
VISTO POR AÍ
Post nas redes sociais dos artistas Gustavo e Otávio Pandolfo, mais conhecidos como “Osgemeos”. A mensagem vai de encontro com as ações tomadas nos últimos dias pela Prefeitura de São Paulo que consistem em limpar as pichações e os grafites na grande capital.
MARIA LYNCH
Mรกquina Devir
(Ao meu amor)
POR BERNARDO MOSQUEIRA Escrevo esse texto com o meu corpo. Você experimenta o espaço onde está e lê estes parágrafos com o seu corpo. O corpo é a dimensão dos encontros que tecem e atravessam nossa existência. Está no corpo a nossa relação com os astros e seus movimentos, com a natureza e seus elementos, com as pessoas, a técnica e a cultura, com as palavras e com o que não cabe nelas. O que pensamos é pensado com o corpo, o que expressamos é expresso com o corpo. Essa é a nossa máquina de encontrar, sentir, experimentar, descobrir, desejar, imaginar, é onde 14 ALTO RELEVO
conhecemos nossos limites, mas também nossas possibilidades de transcender na imanência. É potente e positivo complexificarmos nossa relação com o corpo. Podemos nos inspirar em suas dobras, poros, plasticidades, impermanências, marcas, delícias e potências para desenvolver nossas próprias formas de vivê-lo. Nosso corpo, de substâncias e densidades tão diversas e mutantes, pode ser sempre melhor experimentado - ainda antes de interpretado. O corpo é onde podemos ser. Nossas liberdades, desejos e potências se realizam transbordando, apesar das
brechas da repressão histórica e individual que nele carregamos. O corpo é ainda onde podemos ser diferentes: estrutura criadora de maneiras de existir. A presente exposição, "Máquina Devir", individual da artista carioca Maria Lynch, surge justamente do entendimento de que é nutrindo o corpo com experiências "alegres" que ampliamos nossas capacidades de sentir e, com isso, nossas potências de agir. Mesmo sendo mais reconhecida por suas pinturas com o uso ostensivo de cores vibrantes e contrastadas, criando especial relação entre figuras e fundos, Maria desenvolve também diversas instalações, objetos, performances, vídeos e fotografias. Comemorando 15 anos do início de sua produção como artista, Lynch, que desde 2013 estuda e trabalha fora do país, retornou à sua cidade natal para lançar um livro retrospectivo e promover a mostra "Máquina Devir", que ocupa integralmente os espaços expositivos do Oi Futuro Ipanema com um trabalho que alcança uma radicalidade relacional inédita em sua produção.
O corpo é onde podemos ser. Nossas liberdades, desejos e potências se realizam transbordando, apesar das brechas da repressão histórica e individual que nele carregamos.
Nessa mostra, o público é convidado a aproveitar individualmente um percurso dividido em nove ambientes lúdicos, oníricos e, por vezes, perturbadores, que oferecem propostas para experimentar o corpo e suas potências. A cada três minutos, um sinal sonoro indica quando se deve passar para o próximo ambiente. À esquerda e acima: Vista da exposição “Máquina Devir” no Oi Futuro. Todas as fotos: Paulo Jabur.
Logo de início, um grande acervo de fantasias e maquiagens é utilizado por dois profissionais para caracterizar o participante de uma forma incomum. Os ambientes não são filmados, para que o participante possa aproveitar os espaços com total liberdade. Nas salas, desde uma sensual apresentação ao vivo de "pole dance", com doses de bebidas alcóolicas, até um ambiente saturado de brinquedos infantis e eróticos, de um banquete de guloseimas até um mergulho em uma piscina de balas. Se em alguns momentos o participante puder perceber profundamente a sensação de infância, é por ter se permitido conectar ao lúdico - e não mais ao fantástico, que é tristemente uma prática mais característica do adulto.
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Almeja-se neste trabalho justamente a transgressão ética dos espíritos livres, uma terapia para perder a si mesmo na experiência de criação de um novo corpo a cada momento.
À esquerda: Maria Lynch e dançarinos de pole dance. Acima: Sala “O que você mais gosta de fazer?”.
Almeja-se neste trabalho justamente a transgressão ética dos espíritos livres, uma terapia para perder a si mesmo na experiência de criação de um novo corpo a cada momento. Em uma das salas, o participante encontra uma instalação que apresenta, projetando nas quatro paredes, sequências de pequenos trechos de vídeos que mostram as mais diversas formas de dançar. Em outro ambiente ainda, depara-se com dois atores vestidos de palhaço e gorila interpretando um texto composto por Maria Lynch como uma dramatização de suas referências acadêmicas. É por ter iniciado seus estudos na Faculdade de Filosofia que suas obras são recorrentemente construídas e
nomeadas a partir de conceitos oriundos do campo filosófico. Títulos utilizados pela artista nos últimos anos - como "Rizoma", "Além Homem", "Transvaloração", "Caos", "Vontade de Potência", etc. - mostram seu interesse particular nos filósofos da diferença, como Baruch Spinoza (1632-1677), Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Gilles Deleuze (1925-1995), de quem articulou dois importantes conceitos para nomear essa mostra. Nas palavras de Maria Lynch: "Usei a palavra 'devir', pois, para mim, ela representa a possibilidade de transformação, um processo que no presente transborda o limiar entre o eu e aquilo que o cerca. O uso de 'máquina', por sua vez, foi uma 17
A artista Maria Lynch na piscina de balas.
brincadeira, pois quando Deleuze criou a expressão 'máquina de guerra' ele se referia a um corpo sem limite que pode tudo. Então, juntei os dois para fazer alusão à relação humana com a dimensão da potência, do acontecimento, do devir." Essa exposição de Maria Lynch permite que o participante possa se carnavalizar corajosamente, viver crises em suas crenças, encontrar brechas, penetrá-las, transformar-se nelas, desfazê-las. Neste trabalho, sem medo, é possível deixar de lado a seriedade para poder ser capaz de criar novos sistemas de valores a partir das experiências do corpo. Em resumo, "Máquina Devir" é uma
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experiência transformadora para a obtenção de prazer, liberdade, coragem e alegria, onde se pode tudo, fora temer.
Maria Lynch • Máquina Devir • Oi Futuro Ipanema • Rio de Janeiro • 14/1 a 19/3.
Bernardo Mosqueira é curador e escritor, um dos fundadores e gestores do Solar dos Abacaxis (Rio de Janeiro) e diretor do Prêmio FOCO Bradesco ArtRio.
POÉTICA EXPANDIDA
XICO CHAVES
SĂŠrie A volta da tribo extinta. Todas as imagens de obras: Xico Chaves.
Todas imagens do artista: Foto: Marcelo Magalhães.
ENTRE PINTURAS, POEMAS VISUAIS E OBJETOS, O ARTISTA XICO CHAVES FALA A DASARTES SOBRE SUA CARREIRA, DIRETO DO SEU ATELIÊ NO RIO DE JANEIRO
POR LAÍS SANTANA A multiplicidade é uma característica genuína em seus trabalhos, você transita com sutileza por diversos suportes: são pinturas, poesias visuais, performances, intervenções públicas, objetos, fotografias, vídeos, música, carnaval, dentre outros. Qual a origem dessa multiplicidade? Embora meu processo criativo tenha sido classificado como múltiplo depois 22 ATELIÊ DO ARTISTA
de tantos anos, considero a criação artística uma atividade só, onde as outras expressões coexistem simultaneamente. Creio que todas elas têm a mesma origem, portanto, se desdobram e expandem quase instantaneamente. Há momentos em que a palavra ou a escrita se manifestam em primeiro plano e há momentos em que se apresentam em forma de pintura, desenho, objeto, intervenção, performances, fotografia, musicalidade, poema visual e atitudes que não são classificáveis. Só sei que
fazem parte de uma mesma galáxia poética em movimento permanente que vivo de forma integral. Desde que comecei a criar, ainda na infância, como todos nós, acredito ser minha vida mesmo, não uma profissão ou opção. Sua primeira obra de arte? Não me lembro de quando foi minha primeira obra consciente. Sou um arquivista e a cada dia que revejo o que acumulei ao longo do tempo, acho que começou em um ponto diferente. São muitas origens, mas a gênese é uma só: a ação sobre a realidade e a memória é infinita. Assim como Ferreira Gullar, você é um poeta que se tornou artista visual? A poesia concreta o influenciou? Como você vê o manifesto neoconcreto?
Sou um arquivista e a cada dia que revejo o que acumulei ao longo do tempo, acho que começou em um ponto diferente. São muitas origens, mas a gênese é uma só: a ação sobre a realidade e a memória é infinita.
À esquerda: Xico Chaves em seu ateliê. Foto Nelson Ricardo Martins. Acima: Eu Você e Livro de Pedra.
Não sei se a poesia me conduziu às artes visuais. Talvez seja até o contrário, mas como têm a mesma origem são a mesma coisa.
Em sentido horário: Série infinitos, 1992. Série Nova Matéria, 1987 e Rio, poema gráfico retirado do livro Trincheira de espelhos (1982).
Não sei se a poesia me conduziu às artes visuais. Talvez seja até o contrário, mas como têm a mesma origem são a mesma coisa. Descobri a poesia concreta antes de conhecê-la, assim como a poesia moderna, a antipoesia, o poema gráfico. Escrevia sonetos na adolescência e desenhava no chão e nas paredes com cacos de telha, tinta com água e outros materiais, criava objetos com sucatas, pedras, madeira, pólvora... não via nada demais nisso. Quando conheci as experiências vanguardistas, identifiquei-me, mas sem negar a importância das linguagens anteriores. O manifesto neoconcreto 24 CHICO CHAVES
Série Marés, 2008.
e suas consequências romperam com a formalidade das regras que direcionavam as artes visuais convencionais, libertaram-nos para a tridimensionalidade contemporânea, a incorporação de todo tipo de material, o corpo e a diversidade de pensamento e expressão. De forma similar, isso aconteceu na poesia, com o poema-processo, em que a palavra passa a ser um elemento a mais na construção da poesia e são inseridas imagens, fotogramas, composições gráficas... hoje são incluídas tecnologias digitais e muitos outros materiais na poesia contemporânea.
Estamos livres, enfim, dos controles estéticos e conceituais. Você participou da famosa exposição "Como vai você, Geração 80?", com curadoria do Marcus Lontra, que propôs uma ocupação do prédio neoclássico do Parque Lage, em 1984. Dentre os artistas, você foi o único poeta. Por quê? Participei com uma pintura em que utilizava minerais e pigmentos naturais, predominantemente minério de ferro e carvão vegetal. A obra propunha diversas leituras, vista a diversas 25
distâncias e as cores eram percebidas por meio da projeção de luz sobre a tela onde se revelavam pela refração, difração e reflexão de luz. Não fui eu que me classifiquei como poeta, foi a curadoria. Geração 80 foi associada à transvanguarda, à explosão de cores e grandes formatos, ao prazer de pintar, etc. Minha proposta não estava muito dentro desse recorte, assim como outros artistas com obras mais conceituais. Creio que foi bom não ser classificado apenas como "artista plástico". Pode ter sido até um problema, mas continuei me sentindo livre para dar prosseguimento às praticas de arte contemporânea da forma que concebi, em expansão para todas as direções. A favor e não contra. Sua produção artística é marcada, dentre outros aspectos, por ações com ferrenhas críticas políticosociais. Um bom exemplo é "Olho na Justiça" (1992), intervenção pública, e performance, realizada na escultura "A justiça", de Alfredo Ceschiatti, na
Creio que toda arte é política por ter como proposição a liberdade de expressão e autonomia de pensamento.
À esquerda: Olho na justiça, 1992. Fotos: Arnaldo Lobato. Acima: Forças Ocultas.
Acima: Obra da série Joanna. À direita: Muito Falo, 2003, objeto da série Situações Arqueológicas.
Praça dos Três Poderes (DF), que resultou na sua prisão . Você acredita que a arte deve ter uma responsabilidade política? Como você vê a relação arte-política? Já respondi muito sobre isso pois há quem me considere um artista político, o que não é verdade. Há proposições que adquirem maior projeção na mídia e elas ainda estigmatizam o artista. Creio que toda arte é política por ter como proposição a liberdade de expressão e autonomia de pensamento. Há momentos que suas opiniões se manifestam de forma simbólica e até mesmo panfletária, obtendo um grande alcance. No entanto, uma das funções da arte é expressar um mundo utópico e até 28 ATELIÊ DO ARTISTA
mesmo inexistente. Prevalece aí a poética, o exercício da liberdade de expressão do pensamento. "Olho na Justiça" adquiriu diversos significados simultâneos. Até hoje encontro novas relações nessa intervençãoperformance, que continua atual, é atemporal. Toca na questão do direito e da justiça, do inconsciente coletivo e da realidade social. "Forças Ocultas" e "Brasília Ibiúna 78" também. Mas a maior parte do meu trabalho não apresenta uma proposição política tão evidente. A pintura com minerais e pigmentos naturais compreende também uma revalorização das questões do meio-ambiente, mas não é só isso, tem a relação do ser humano com a natureza, mas apresenta uma força simbólica e estética mais ampla.
Você desenvolveu uma profunda pesquisa sobre pintura com pigmentos minerais. Como se iniciou esse processo? A pintura com pigmentos naturais é uma herança da minha família de educadores, que formavam professores e alunos de comunidades pobres que não tinham recursos para comprar tinta, papel e outros materiais e suportes convencionais. Só percebi que tinha uma função artística e não apenas didática quando já pintava com tinta industrial e havia publicado meus poemas, letras de música e poemas visuais. A partir desse momento, concebi um projeto de pesquisa e criação com minerais, terras, óxidos e pigmentos naturais. Aprovei uma pesquisa junto ao CNPq e aprofundei o conhecimento técnico e conceitual com esses materiais; fiz pesquisas científicas e um mapeamento das regiões e dos locais onde poderia encontrar as cores e as matérias, suportes e resinas adequadas. Venho trabalhando há muitos anos nesse projeto que me revela, a cada dia, uma infinidade de aplicações e conteúdos. É altamente sedutor ver e vivenciar os resultados, sua extrema plasticidade, versatilidade, multiplicidade e sua associação com o mundo e sua interminável poética universal.
No entanto, uma das funções da arte é expressar um mundo utópico e até mesmo inexistente.
Para mais informações, visite o site do artista www.xicochaves.com.br.
Laís Denise Santana é pós-graduada em Artes Visuais pela UNICAMP e graduada em Artes Cênicas pela UEL. Apaixonada por arte contemporânea, atua no mercado de arte carioca, desenvolve projetos de curadoria e pesquisa as relações entre arte, política e sociedade.
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ANTONI GAUDÍ
DO CÉU À TERRA
Casa Vicens, 1883-1888, Barcelona © Casa Vicens Barcelona 2016. Foto: Pol Viladoms.
MOSTRA ITINERANTE DO ARQUITETO CATALÃO PASSA POR SÃO PAULO COM MAIS DE 70 PEÇAS ORIUNDAS DO MUSEU NACIONAL DE ARTE DA CATALUNHA E MUSEU DO TEMPLO EXPIATÓRIO DA SAGRADA FAMÍLIA POR RAIMON RAMIS Vivemos momentos agitados, de futuro pouco definido. De alguma forma, tudo o que acreditávamos que era definitivamente imóvel voltou a se mover. Os limites permanecem incertos e não acabamos de decifrar qual será o futuro das coisas. A tecnologia está removendo as estruturas de conhecimento e, obviamente, todo o sistema treme. Às vezes, pensamos que algo é novo, mas não é assim; se olharmos para trás, percebemos que, a partir de meados do século 19, têm havido uma série de mudanças culturais, sociais, econômicas e políticas que abalaram o mundo mais de uma vez. Mas, acima de tudo, nos obriga a rever o que já conhecemos e acreditávamos que era imutável. Acima: Retrato de Antoni Gaudí em 1878 ao terminar seus estudos em arquitetura.
Nesses momentos de mudanças, as ideias acontecem, se apoiam uma à outra. É difícil ver o que está acontecendo, não há tempo para assimilar as coisas, embora suspeitamos que algo está mudando. É precisamente nesses momentos em que a arte se manifesta como um espaço de confronto, de reivindicação do tradicional e visão do que está por vir. De alguma forma, a arte se torna universal quando é capaz de vislumbrar as mudanças que a sociedade deve enfrentar. Gaudí viveu na virada dos séculos 19 e 20, uma época de grande agitação cultural, social e ideológica. Sua visão de mundo foi se trancar cada vez mais com os princípios do catolicismo 32 CAPA
É precisamente nesses momentos em que a arte se manifesta como um espaço de confronto, de reivindicação do tradicional e visão do que está por vir.
tradicional; contrariamente, sua concepção arquitetônica foi se abrindo aos postulados mais racionalistas que revolucionaram a arquitetura e, obviamente, o conceito de cidade, com tudo o que isso comporta. Essa luta entre a modernidade e a tradição que se estabelece na mente de Gaudí é o que explica os caprichos estilísticos do arquiteto em suas obras. Desde o barroquismo na fachada do nascimento da Sagrada Família ao minimalismo racionalista das escolas provisórias no mesmo templo, hoje Basílica. Além disso, seu gabinete com os preceitos religiosos e sua espiritualidade marcam a criação de sua linguagem arquitetônica. Se olharmos para suas primeiras obras, como a casa Milà ou as soluções para a construção da Sagrada Família, o arquiteto se retira, de uma arte a serviço da ostentação e do luxo, para umas formas mais eminentemente orgânicas, mas de uma racionalidade esmagadora. Na mente
À esquerda: Casa Vicens, 1883-1888, Barcelona. © Casa Vicens Barcelona 2016. Foto: Pol Viladoms. Acima: Maquete da Casa Batlló, Coleção particular e Bellesguard, 1900-1909, Barcelona, © Peres Vive. Triangle postals.
Casa Vicens, 1883-1888, Barcelona Š Casa Vicens Barcelona 2016. Foto: Pol Viladoms.
do arquiteto, seu princípio de que a natureza é a origem de tudo, e que isso é uma criação de Deus, confronta com as suas capacidades criativas, suas soluções nascidas da abstração geométrica, ou seja, a capacidade do homem de reformular os princípios da natureza a partir do raciocínio abstrato. E, claro, nessa racionalidade ele sobrevive o princípio natural que só sobrevive o necessário, o essencial para a sobrevivência da espécie, aquilo que não tem utilidade morre. Sua obra é uma reconstrução da natureza, no sentido mais conceitual. O naturalismo educado, maneirista, herdado do romantismo, não tem lugar no último Gaudí. Sua concepção da arquitetura se alinha mais na eficiência das formas naturais do que na recreação paisagista dos artistas do final do século 19. 36 ANTONI GAUDÍ
seu princípio de que a natureza é a origem de tudo, e que isso é uma criação de Deus, confronta com as suas capacidades criativas, suas soluções nascidas da abstração geométrica…
À esquerda: Palau Güell, 1886-1888, Barcelona. Acima: El Capricho, 1883-1885, Comillas. © Peres Vive. Triangle postals.
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Janela da nave cenrtal da BasĂlica da Sagrada FamĂlia. Junta Constructora del Temple Expiatori de la Sagrada Familia.
Maquete do conjunto da Basílica da Sagrada Família. Junta Constructora del Temple Expiatori de la Sagrada Familia.
É por essa eficiência da leitura que nos faz entender que Gaudí desenvolveu soluções que coincidem com os futuros postulados racionalistas que surgiram quase ao mesmo momento de sua morte. Gaudí é o resultado de uma dupla discussão, a técnica arquitetônica e sua eficiência, por um lado, e da ordenação espiritual da sociedade do outro; das contradições entre o céu e a terra.
Gaudí: Barcelona, 1900 • Instituto Tomie Ohtake • São Paulo • 19/11 a 5/2
Raimon Ramis é curador, fotógrafo de arquitetura e historiador em arte pela Universidade de Barcelona. Atualmente é gestor cultural e diretor de Projetos da Fundação MediaBus no Chile.
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LIVROS lançamentos O terceiro setor na gestão da Cultura: A perspectiva a partir do Museu de Arte do Rio Org. Carlos Gradim Instituto Odeon
A publicação apresenta um relato da experiência do Instituto Odeon à frente da gestão no museu, a partir de discussões sobre gestão da cultura e o modelo de gestão por organizações sociais trazidas por autores convidados de diversos setores, como Claudinéli Moreira Ramos, Allan Rocha de Souza, Vitor de Azevedo Júnior, Cláudio Lins Vasconcelos, Erich Bernat Castilhos, Pedro Paulo de Toledo Gangemi, Luciane Gorgulho, Eder Campos, Bruno Pereira e outros.
O museu como veículo de desenvolvimento crítico e social Liliana Coutinho e Sara Antónia Matos Documenta - 140 p. - R$ 60,00 Na contemporaneidade, os museus anseiam, cada vez mais, chegar a novos públicos e marcar a diferença na vida das pessoas. Além da actividade expositiva, a instituição museológica procura agora gerar eventos de todo o género (conferências, debates, workshops, simpósios, visitas às reservas, lançamentos de publicações, etc.). No âmbito desta nova dinâmica, esta publicação dá conta do trabalho realizado durante três anos e meio pelo Serviço Educativo no Atelier-Museu Júlio Pomar e surge como o meio e o momento oportunos para refletir sobre a função deste serviço no domínio mais lato da ação do museu. 40
O artista como ele é Julião Sarmento. Conversas com Pedro Faro e Sara A. Matos Documenta - 168 p. - R$ 50, 00 O título insere-se na coleção Cadernos do Atelier-Museu Júlio Pomar e dá seguimento ao projeto de entrevistas que se iniciou com Júlio Pomar: O Artista Fala… [2014], continuou com Rui Chafes: Sob a pele… [2015], surgindo agora a propósito da exposição “Void”: Júlio Pomar & Julião Sarmento. As entrevistas são feitas por ocasião do programa de exposições do Atelier-Museu que cruza a obra do pintor com artistas convidados, mostrando novas relações daquele com a contemporaneidade. Esta publicação poderá servir para o leitor acompanhar e desvendar alguns dos processos mais exigentes e enigmáticos do mundo da arte, nomeadamente a criação artística e a concepção de exposições.
Fotogramas - Ensaios sobre fotografia Org. Margarida Medeiros 224 p. - R$ 70,00 A história da fotografia oscilou sempre entre o assumir do valor documental da imagem, enquanto indexicalidade pura, e a forma como diferentes épocas se pretenderam demarcar dela, a partir do dispositivo da Arte mas também do jogo e da experiência lúdica que a fotografia propicia desde o seu início. Devido ao seu carácter de representação “pobre” (Dominique Baqué 1996), mas, simultaneamente, face à incontornável vizinhança que estabelecia com a pintura, foi abordada simultaneamente como objeto industrial e como forma de arte. A sua história e ontologia oscilaram assim entre o formalismo oriundo da História da Arte e uma visão mais populista que, ao pretender abranger toda a transversalidade cultural da fotografia procurou também generalizar sobre a sua natureza artística. 41
RESENHAS exposições
A luz que vela o corpo é a mesma que revela a tela Caixa Cultural • Rio de Janeiro • 15/1 a 12/3 POR POLLYANA QUINTELLA Dizem as más línguas que falar de pintura contemporânea pode provocar calafrio, tontura e taquicardia. Entre o peso da tradição e certa destreza reivindicada, há quem prefira simplesmente recusá-la. Ou, por outro lado, assumi-la como gesto hercúleo, de coragem. Há ainda aqueles outros que resistem ao drama desses dois extremos, reconhecendo no pictorial não aquilo que nos exime ou nos salva; mas nos impregna. Não à toa, “A luz que vela o corpo é a mesma que revela a tela” é uma exposição de 36 pintores contemporâneos brasileiros, e com pesquisas diversas, ainda em formação ou mais consolidadas, entre nomes como Dalton Paula, Thiago Martins de Melo, Camila Soato, Gisele Camargo, Alan Fontes, Marcelo Amorim e Vitor Mizael. Seu exercício poético já começa no longo título, anunciando a promessa não de um mapeamento geracional - tentativa perigosa -, mas de um olhar curatorial que optará pelo estado de fabulação. As obras estão divididas em nove núcleos nada usuais, agrupadas mais pelo contraste do que pela afinidade. Os textos que as acompanham estão estruturados em versos (como poemas) que constroem certa atmosfera para a leitura das obras. Em "O belo e não", núcleo em que participam 42
Paloma Ariston, Ana Elisa Egreja, Pedro Valera e Rafael Carneiro, por exemplo, o texto recorre ao humor e às referências cotidianas para discutir o problema da beleza na pintura de maneira despretensiosa: "as imagens da câmera de segurança de um museu e as fotos de perfil do Tinder / a loja de decoração e a galeria de arte". Assim, constrói-se um percurso livre advertido pelo lirismo, buscando contaminações e cruzamentos possíveis, em que uma mesma obra poderia se encaixar em mais de um tema. Não se sabe se seria possível de outro modo: Bruno Miguel, que assina a curadoria, é, antes, artista. O que interessará, portanto, é o que vela e revela, o que encobre e desnuda, operação da poesia que reorganiza o real, ou como a insistência da velatura que acumula transparências para então fazer ver. Se a tradição conclamaria para a pintura o princípio de uma janela para o mundo, aqui veremos outro vocabulário arquitetônico, entre a quina, o canto e a dobra. Polifonia que nos informará que a pintura segue. E seu horizonte é vasto. Pollyana Quintella é poeta, crítica e curadora. Coeditora da revista USINA e pesquisadora da Casa França-Brasil.
Autorretrato com filhos e mameluca.
LEONORA WEISSMANN SELECIONADA PELO CONSELHO EDITORIAL DASARTES, A ARTISTA MINEIRA É A PRIMEIRA VENCEDORA DO CONCURSO GARIMPO. A VOTAÇÃO CONTINUA EM DASARTES.COM.BR
POR ELISA MAIA "Autorretratos no Novo Mundo" foi o trabalho que Leonora Weissmann começou em 2007, em diálogo com as célebres pinturas de Albert Eckhout, pintor que veio ao Brasil na comitiva trazida por Maurício de Nassau durante a ocupação holandesa. Seguindo sua tarefa de documentar a paisagem e a vida no "novo mundo", Eckhout deixou um valioso testemunho visual ao retratar 44 GARIMPO
quatro casais brasileiros - mameluca e mestiço, africanos, índios tupis e índios tapuias - e classificá-los em estágios civilizatórios. No estágio mais inferior desse mapeamento etnográfico estavam os tapuias que, praticantes do canibalismo ou antropofagia, personificavam o extremo da alteridade ocidental cristã, o arquétipo do "outro selvagem". Assim, no retrato da índia tapuia, uma mulher quase nua carrega
nas costas um cesto com membros humanos decepados e aos seus pés um cachorro lambe do chão o sangue que escorre ainda fresco. O contraste em relação à índia tupi, "mais aculturada" que a tapuia, é bem marcado, uma vez que ela é retratada mais vestida, carregando um cesto com utensílios, mandioca e farinha em uma paisagem que exibe um campo cultivado.
O conjunto do trabalho engloba os quatro grandes autorretratos, outros conjuntos de pinturas menores e textos
Autorretrato com Theo e a gruta.
Leonora parte dos retratos femininos de Eckhout para se colocar no lugar dessas mulheres - "aproveitando o tom classificatório do bestiário humano proposto pelas pinturas, que falam mais da dominação holandesa no Brasil do que do próprio Brasil, me autorretrato, incluindo meu universo como mulher, mãe e artista." Seus autorretratos, pinturas exuberantes, incluem pequenas "janelas" nas quais a artista reproduz as famosas pinturas de Eckhout, sobrepondo diferentes significados, estereótipos e tempos. Assim, em diálogo com essas mulheres que carregam utensílios típicos de um Brasil colonial, Leonora faz uso de uma técnica vigorosa para se retratar como uma jovem artista contemporânea, incluindo em suas imagens objetos como uma bola de piscina, um colete salva-vidas ou um Snoopy de pelúcia. Essa apropriação é também um gesto de desapropriação, de des-hierarquização e desconstrução do esquema taxonômico imposto aos habitantes daqui pelo olhar do homem europeu "um misto de ficção e realidade que, de uma forma ou de outra, influenciou na formação da imagem da mulher na história brasileira", conta.
Leonora faz uso de uma técnica vigorosa para se retratar como uma jovem artista contemporânea, incluindo em suas imagens objetos como uma bola de piscina, um colete salva-vidas ou um Snoopy de pelúcia.
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que abrem janelas para fora da própria pintura, como "Céu de Cajus" e "Deslocamento". Os textos são do biólogo Luis Emygdio Filho sobre as pinturas de Eckhout - descrições científicas sobre as figuras e as paisagens. Se as pinturas de Leonora não deixam de ser descrições minuciosas da superfície de um mundo recortado, as descrições de Emygdio não deixam em certo sentido de se aproximar de pinturas, propondo novas visualidades que se estendem para além dos limites retratados. Esses textos, emoldurados e pendurados na parede da exposição, assumem também a função de quadros. Em sua descrição atenta das superfícies que compunham o universo retratado por Eckhout, o biólogo lança mão de uma linguagem pictórica, capaz de suscitar imagens
poéticas. A partir dessas pinturas com palavras, Leonora propõe ainda o questionamento de outro impulso taxonômico, o que busca separar os diferentes tipos de linguagem, evidenciando que, ao contrário do que afirma o senso comum, a linguagem científica talvez não seja o "outro" da linguagem poética. Para mais informações acesse o site da artista: www.leonoraweissmann.org.
Elisa Maia é formada em direito e letras e mestre em literatura, cultura e contemporaneidade. Interessa-se especialmente pelas relações entre literatura e artes visuais.
Autorretratos no Novo Mundo. Fotos: Cortesia da artista. 46 GARIMPO
COLUNA DO MEIO Fotos: Paulo Jabur
Quem e onde no meio da arte
Leonel Kaz, Laura Monteiro e Ascânio MMM
Max Perlingeiro, Gabriela Moraes e Luiz Antonio de Almeida Braga
Abraham Palatnik CCBB Rio de Janeiro Iole de Freitas e Abraham Palatnik
Ângelo Venosa e Abraham Palatnik
Vandinha Klabin e Guilherme Vergara
Fotos: Paulo Jabur
Cabelo, Felipe Scovino, Anita Schwartz e Ricardo Rego
Juliana Blau, Maria Lynch, Anita Schwartz e Alberto Saraiva
Adriana Barreto, Ângelo Venosa e Renata Lima
Maria Lynch Oi Futuro Ipanema Rio de Janeiro Neville d'Almeida e Cesar Oiticica Filho
Beto Silva e Alberto Saraiva
Maria Lynch e Alexandre Murucci
Rodrigo Andrade, Maria Lynch e Lucas Lins
Fotos: Denise Andrade
Fernanda Resston, Nazareno e Afonso Tostes
Fernanda Resstom, Gustavo Carneiro e Viviane Neto
Amalia Giacomini Galeria Lume São Paulo Paulo Kassab Jr, Amalia Giacomini e Felipe Hegg
Renata Castro e Silva e Alexandre Roesler
Raul Mourão e Afonso Tostes
Carlos Eduardo Sobral e Felipe Hegg
Fotos: Leda Abuhab
Helio Seibel, Tuneu e Myra Arnaud Babenco
Danielle Bretas e Brigitte Kammerer
Tuneu + Coletiva Galeria Raquel Arnaud São Paulo Cintia Rocha e Yannick Bourguignon
Teresa Carraro e Roberto Bertani
Denise Berni e Silvia Segall
Raquel Arnaud, Myra Arnaud Babenco e Lu Rodrigues
ALTO FALANTE
Por Alexandre Sá
Pequenas considerações sobre ensino e sistema de arte Cresci ouvindo que arte era algo distante e exótico. Ao longo de alguns anos de trabalho, essa afirmação se repetiu algumas vezes; vinda inclusive de setores e regiões bastantes respeitadas do saber. Vinda de agentes com os quais eu tive que lidar, trabalhar para, ou mesmo, ministrar palestras. Arte como trabalho, sempre foi algo pouco compreensível. No caso brasileiro, é perceptível que as Artes Visuais ainda não conseguiram estabelecer um elo constante com a cultura, caso não seja amparada por um sistema muito específico de espetáculo, lojas de museus, pequenos souvenires, objetos decorativos e entretenimento. Mas tal área não é isso também? Será que haveria ainda algum purismo no que se refere às exposições e seus pseudópodos? Será que não é parte do devir capital um conjunto de adereços que são imprescindíveis para a manutenção e a rota de um sistema de circulação de capital que envolve uma maquinaria muito específica, negociações precisas e paradoxalmente longínquas, inserções de marcas, patrocinadores, projetos e tudo o mais? Sim. Obviamente. Aqui e em qualquer lugar do mundo. Talvez ainda nos falte dois elementos muito simples: certa dobra inevitável deste aparelho para que ele acredite de fato no seu potencial transformador, político e ético; além de um investimento mais potente na formação de um público que se daria por meio de um conjunto de ações educativas em longo prazo que, por sua vez, apesar de pensarem inevitavelmente no lucro, ainda seriam capazes de compreender certa missão que lhe atravessa e é, por mais clichê que pareça, determinante para a constituição de uma cidade, de um Estado e de um país. Se os investidores se tornassem capazes de compreender que é decididamente possível uma fratura em sua ferocidade natural para a abertura de um campo semântico, simbólico, comunitário e poético que pode ser atravessado por um eixo educativo e que tal aproximação não precisa soar necessariamente ingênua, outro rumo poderia vir a surgir naquilo que compreendemos como cultura e, provavelmente, não viesse a nos envergonhar de maneira tamanha (diante de sua precarização constante). Por certo, no momento atual em que nos encontramos, tal proposta pode ainda parecer mais estúpida, já que estamos tendo nossa dignidade sendo solapada de maneira contínua. Mas seria de todo impossível? A aproximação mais lúcida entre investimento, exposição e ensino seria algo inviável em um país como o nosso, mesmo que ainda não tenhamos tido tempo de compreender e ultrapassar nossa herança histórica de saques, violência, dominação, silêncio, coronelismo e conforto; ou, melhor dizendo, de certo gozo no sofrimento em si, desde que resguardado o pseudoprazer de uma vantagem por cima de qualquer outro que seja (um outro-cultural histórico)? É óbvio que toda a falta de estrutura e manutenção, do mau-humor no atendimento, do descompromisso ou das figuras de poder que exercitam cotidianamente o mal de subjugar um outro são elementos que existem em
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qualquer lugar do mundo; mas talvez ainda nos reste algum tempo de verificar se a nossa particularidade em relação a todos esses assuntos não tem sido extremamente perversa. Dois exemplos parecem surgir aqui vindos de um estrangeiro muito próximo: em algum ano que já não lembro mais, visitava uma exposição no Beaubourg com obras de Ad Reinhardt. A cena era simples. Uma turma pequena de crianças com seus seis ou sete anos e uma mediadora. Não havia um caminhão despejando escolas municipais a todo tempo na entrada da exposição provocando uma gritaria insuportável. Não havia grupos de animadores de auditório com suas pseudoperformances recheadas de algum histrionismo. Não havia nada além da mediadora, as crianças e Ad Reinhardt. Conversavam animadamente sobre o que viam, como sentiam, sobre alguma lembrança eventual. Havia algo de sagrado nada católico naquelas pequenas falas compromissadas com aquele azul sem profundidade e um tipo de relação muito íntima e respeitosa entre eles e entre todos nós visitantes. Tudo silencioso, educado e sem escândalo. Nós não éramos um número. Ou, caso fôssemos, a cena era construída de maneira digna. Na mesma viagem milagrosa e de pouquíssima grana, trabalhei acompanhando projetos de uma escola técnica de arte no Sul da França. Sim, todos tinham tudo à disposição e a escola possuía uma estrutura que revelava a compreensão histórica da importância de tal prática para a comunidade, para a região, para o turismo, para o espetáculo, para a realimentação do sistema e tudo o mais. Nada era ingênuo. Em alguns momentos, os alunos organizavam uma exposição para seus professores e alguns curadores. Era um ato solene. Eventualmente cruel, pois, afinal, espíritos sem luz existem em qualquer lugar do mundo (da mesma maneira que em qualquer cama); mas a relação de respeito mútuo e de tentativa de operacionalização de fazer o melhor e, sim, (pasmem!) dizer o melhor, era memorável. Dos dois lados. Sim, eram inevitavelmente dois lados amparados por algum tempo de estudo a mais, mas havia um desejo de encontro. O algoz estava dentro de cada um e todos sabiam disso. E mesmo que também, nesse caso, o desejo fosse semblante, algo de educação se dava ali. Talvez algo que todos tenham trazido de casa. Com todos os seus flancos. Com todos os seus buracos. Com todas as suas lágrimas e perversidades íntimas. Paro agora. Releio o texto. As duas cenas anteriores parecem imbecis por sua certeza. Obviamente, existem muitos outros exemplos tão ou muito mais potentes que esses em lugares inimagináveis do Brasil e do mundo. Surgiram aqui como uma lembrança muito clara e como um exemplo de trabalho que vivi e carrego na memória. E talvez me desenhe agora alguma vergonha em virtude de ter sido deliciosamente e militarmente preparado para e por um tipo de cultura que economicamente e geologicamente nunca fui capaz de viver por inteiro. Por outro lado, acho que são imagens relevantes porque explicitam a possibilidade de driblar a lógica produtiva perversa que atravessa a formação em diversos níveis aqui, neste tal lugar que chamo de país.
…estamos tendo a nossa dignidade sendo solapada de maneira contínua. 51
…o sucateamento da educação é um projeto bem estruturado que vem acompanhado de um desejo de retrocesso político… Por certo, o sucateamento da educação e da pesquisa científica que vivemos é um projeto bem estruturado que vem acompanhado de um desejo de retrocesso político, econômico e moral erigido pelas velhas e já conhecidas elites. Por outro lado, talvez ainda nos caiba alguma responsabilidade diante do cenário que se descortina e da lassidão estabelecida como regra. E como esse assunto todo parece clichê, nada mais justo que terminar o texto sem terminá-lo, apenas levantando algumas questões (que podem ser continuadas pelos senhores) que talvez desaguem em outro texto nosso a ser construído na prática: - Quais pesquisas existem sobre o escoamento e o aproveitamento dos discentes pelo mercado de trabalho nos cursos de Artes Visuais/História da Arte no Brasil? - Qual a última exposição que você visitou no Brasil que conseguiu produzir um catálogo denso e que, em certo sentido, fosse capaz de construir teoria a partir daquilo que era exposto, ou o seu contrário? - Nomes de curadores-pensadores para além de uma mera assinatura e uma boa sessão de fotos? - Por qual razão o ensino da arte (a licenciatura) ainda é vista como um campo menor das outras áreas? - Seu professor de licenciatura já entrou em sala de aula - pública, de preferência? Procure saber. - Exemplos de relações híbridas entre escola de arte e sistema de arte que, de fato, acreditem no potencial do trabalho, que estabeleçam diálogos justos e jamais façam uso de um dinâmica perversa de poder? - Sua escola de arte o obriga a ficar horas falando sobre todos os conceitos que atravessam o trabalho? - Nomes de museus com setores de arte-educação/mediação que hoje consigam de fato promover e provocar um programa de pensamento, reflexão e resultados? - Conhece algum amigo que passou a vida inteira ganhando bolsa de pesquisa e jamais devolveu (nem que seja uma migalhinha) para a comunidade? - Já escreveu um artigo que só foi lido por seus pares? - Exemplos de museus e espaços culturais com bancos confortáveis para corpos cansados e pessoas de idade? - Sabe o que está acontecendo na UERJ? - Onde estão suas panelas? Alexandre Sá é pós-doutor em Estudos Contemporâneos das Artes pela UFF; Doutor e mestre em Artes Visuais pela UFRJ; Diretor do Instituto de Artes da UERJ; Coordenador do curso de Artes Visuais da Unigranrio; Professor do Programa de Pós-graduação em Artes da UERJ; Editor-chefe da revista "Concinnitas"; Professor da Casa França-Brasil; artista; curador; crítico de arte.
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Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente em seu aplicativo para tablets e celulares e no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil. Para ficar por dentro do mundo da arte, siga a Dasartes.
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