Revista Dasartes Edição 63

Page 1

DOCUMENTA 14 SONIA DELAUNAY DAMIEN HIRST ALEKSANDRA MIR PRÊMIO BRASIL FOTOGRAFIA

JOÃO ANGELINI



Em sua missão de incentivo à critica e literatura em arte, a Dasartes lança seu primeiro concurso para autores. Além de buscar novos talentos para assinar matérias e resenhas, queremos conhecer melhor o que pensam e como escrevem os amantes da arte de todo o país.

Se você gosta de escrever e ama arte, não perca esta oportunidade.

Increva-se até 31/8 em www.dasartes.com.br


DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin REDAÇÃO André Fabro

Capa: Guillermo Galindo, Fluchtzieleuropahavarieschallkör per, 2017. Foto: Nils Klinger.

MÍDIAS SOCIAIS Pedro Antunes PUBLICIDADE publicidade@dasartes.com DESIGNER Arruda Arte & Cultura SUGESTÕES E CONTATO dasartes@dasartes.com

Contracapa: Sonia Delaunay e Blaise Cendrars, Prosa do Transiberiano e pequena Jehanne de França, 1913

APOIE A DASARTES Seja um amigo Dasartes e receba a revista impressa em casa em: https://benfeitoria.com/dasartesdigital Doe ou patrocine pelas leis de incentivo Rouanet, ISS ou ICMS/RJ redacao@dasartes.com


16

PRÊMIO BRASIL FOTOGRAFIA

26

DOCUMENTA 14

06 De Arte a Z 12 Agenda

36

SONIA DELAUNAY

76 Resenhas 82

Coluna do meio

84 Notas de Mercado

DAMIEN HIRST

86 Alto Falante

64

ALEKSANDRA MIR

72

JOÃO ANGELINI

50


DE ARTE A Z Notas do circuito de arte SALVADOR DALÍ E SEU BIGODE INDESTRUTÍVEL

Os especialistas que exumaram o corpo de Salvador Dalí para coletar amostras para uso em um teste de paternidade revelaram que o enorme bigode de marca registrada do artista ainda enfeitiça seu rosto quase três décadas depois de sua morte. Narcís Bardalet, o embalsamador que ajudou com a exumação, disse que ficou encantado em ver novamente a característica mais conhecida do artista surrealista. “O bigode dele ainda estava intacto. É um milagre”, disse ele. Seus restos foram exumados para ajudar a resolver uma reivindicação de paternidade de longa data de uma adivinha de 61 anos, de Catalunha, que insiste que ela é sua única filha.

Fotografia icônica de Man Ray vai a leilão

Ai Weiwei nas telonas

Obra de Lygia Pape clonada?

Pela Amazon

Em design de smartphone

Na França

“Human Flow”, o primeiro longametragem de Ai Weiwei sobre a crise global de refugiados que estreiou no Festival Internacional de Cinema de Veneza, será lançado nos cinemas americanos este ano. Filmado principalmente na ilha grega de Levsos, o documentário inclui entrevistas e imagens de mais de 40 campos de refugiados em 23 países. O filme examina a situação global dos migrantes expulsos de suas terras pela pobreza, a guerra e as mudanças climáticas.

Paula Pape, filha da falecida artista brasileira Lygia Pape, processou a LG Electronics Inc. no tribunal federal de Manhattan, alegando que a fabricante de eletrônicos de Seul usa cópias da escultura de sua mãe, "Tteia 1, C", em materiais de embalagem, publicidade e promoções para o seu telefone celular K20 V. Segundo ela, a associação cultural que administra os direitos sobre o trabalho de sua mãe negou repetidamente os pedidos da marca de permissão para usar a arte. O processo está em andamento.

A Christie's leiloará a fotografia icônica "Noire et Blanche", 1926 de Man Ray em novembro, em Paris. Anteriormente na coleção do estilista e colecionador de arte francês Jacques Doucet, a fotografia tem uma estimativa de € 1 milhão - € 1,5 milhão. Publicada na edição parisiense da “Vogue” em maio de 1926, a fotografia retrata o amante e a musa de longa data de Man Ray, Kiki de Montparnasse, com uma máscara de arte tribal. De acordo com a Christie's, o trabalho "destaca como o artista mergulhou no surrealismo e na arte africana".

6 DE ARTE A Z




GIRO NA CENA

PRÊMIO MARCANTONIO VILAÇA Em São Paulo, de 10/8 a 1/10 As obras dos 20 artistas finalistas da 6ª edição do “Prêmio CNI SESI SENAI Marcantonio Vilaça para as Artes Plásticas” serão reunidas em uma mostra no Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MuBE), em São Paulo. No evento de abertura, dia 10 de agosto, serão anunciados os cinco artistas ou coletivos e o curador premiados. Recortes da mostra do MuBE e a proposta curatorial vencedora percorrerão o Brasil a partir de dezembro de 2017, passando pelo Rio de Janeiro, Fortaleza, Goiânia e Porto Alegre. Esta edição também dá continuidade ao Projeto Arte e Indústria que acontece pela terceira vez paralelamente ao Prêmio e visa homenagear artistas cujos processos de criação estão relacionados à produção industrial. Depois de Abraham Palatnik e Amélia Toledo, desta vez o destaque será o escultor, gravador, ilustrador e pintor Sérvulo Esmeraldo.

Resultado PRÊMIO PIPA Online Jorge Luiz Fonseca é o vencedor do “Prêmio PIPA Online 2017” pelo voto popular. O artista conquistou 4.101 votos do público e ganhará o prêmio de R$ 10 mil. A segunda colocada, com 2.965 votos computados, é a performancer Musa Michelle Mattiuzi que levará o prêmio de R$ 5 mil. Veja mais informações em nosso site dasartes.com.br.

Para investigar “Um Michelangelo é um Michelangelo. Um Picasso é um Picasso. Mas quando uma pintura é uma falsificação, falta sua alma, e faltava essa elegância tridimensional de Modigliani, até uma criança poderia ver”.

Carlo Pepi, crítico e colecionador de arte toscano de 79 anos, que alertou as autoridades sobre a suspeita de fraude nas obras de Amedeo Modigliani no Pálacio do Doge, em Gênova. A mostra foi interrrompida e 21 obras foram confiscadas para investigação.

2ª Frestas Trienal de Artes Entre projetos comissionados, intervenções urbanas e performances, cerca de 160 obras de 60 artistas brasileiros e de 13 países e de diferentes gerações, serão apresentadas no Sesc Sorocaba e em diferentes pontos da cidade do interior paulista. A 2ª edição da "Frestas – Trienal de Artes" ocupa a cidade com obras que discutem as ambiguidades presentes nas artes e as duvidosas verdades nos discursos midiáticos cotidianos. Até 12/8 a 3/12. 9


Giacomo Tomazzi Studio

GIRO NA CENA

MADE Mercado, Arte, Design

Este ano a MADE (Mercado, Arte e Design), terá como o tema principal “Tramas”, que valoriza a conexão entre os materiais, as formas e o fazer manual de diferentes peças de design. A feira acontecerá pela primeira vez no prédio da Bienal, em São Paulo, registrando o número recorde de superior a cem expositores brasileiros e internacionais. De 9 a 13/8.

A KAAYSÁ ESTÁ DE PORTAS ABERTAS “KAAYSÁ” é uma residência temporária para artistas e criadores que desejam desenvolver suas produções a partir do contato íntimo com a mata Atlântica brasileira, o oceano Atlântico e toda uma comunidade de pescadores, caiçaras e indígenas que habitam a região. Apostando no hibridismo de linguagens e na multidisciplinaridade, a residência receberá a partir deste mês, profissionais criativos de diversas linguagens como artistas visuais, fotógrafos, curadores, arquitetos, músicos, designers, pesquisadores, filósofos, escritores, cientistas, e outros atores e agentes da cultura. A proposta é entrelaçar processos de diferentes naturezas que entre si tenham sinergias múltiplas. Uma aposta no poder da natureza, da coletividade e do deslocamento como formas de aguçar os sentidos e intensificar o processo criativo dos participantes. Veja em nosso site, mais informações e como participar do projeto.

Obras-primas do Minimalismo "Estruturas primárias. Obras de arte do Minimalismo", com obras minimalista dos anos 1960 e 1970 está em exibição no MMK (Museum für Moderne Kunst Frankfurt am Main), em Frankfurt, Alemanha. A exposição apresenta cerca de 50 artistas e é desenhada inteiramente pela coleção de arte do museu e inclui as instalações reconstruídas que originalmente faziam parte da galeria de Heiner Friedrich, em Munique, em 1968, que iniciou a recepção de arte minimalista na Alemanha. Até 13/8.

10 DE ARTE A Z

VISTO POR AÍ

Obra de arte pública permanente do artista britânico Alex Chinneck que destruiu uma fachada de construção, em Londres. A peça fica a 20 metros acima do nível do solo, pesa dez toneladas e é construída a partir de quatro mil tijolos e mil componentes de aço inoxidável.



COMPARTIARTE "Figurinhas" conhecidas do circuito, as colecionadoras Angela Akagawa e Cleusa Garfinkel há quatro anos colocam seu carisma e bons relacionamentos em prol de causas nobres com a Compartiarte. A 4ª edição acontece no Centro Britânico Brasileiro em São Paulo, de 9 a 11 de agosto, e oferece para venda trabalhos de 74 artistas sob curadoria de Agnaldo Farias, com o lucro convertido para a ONG "Share" e a "Associação da Criança pelo Esporte Maior". Em 2016, o valor somado das doações ultrapassou R$ 80 mil. 12 AGENDA

Qual o conceiro por de trás da Compartiarte? Cleusa Garfinkel: A ideia é reunir artistas, alguns já muito celebrados e outros pouco conhecidos, em uma exposição em que as vendas beneficiam instituições de caridade. As galerias de arte ajudam abrindo mão de sua parte nas vendas, os artistas ajudam baixando os valores das obras ou reduzindo a sua porcentagem do valor de venda e alguns chegam a doar 100% do valor.


Angela Akagawa: Por muitos anos, quis iniciar um projeto que usasse a arte dessa forma. Comecei pensando em criar uma ONG, mas percebi que, para ações pontuais como essa, todo o ganho acabaria se perdendo em custos burocráticos e o valor doado cairia muito. Então surgiu a oportunidade de trabalhar com a "Share", que operacionaliza as venda e repassa parte do valor a outra ONG. Em 2014, fui apresentada ao pessoal do Centro Britânico Brasileiro. Eles adoraram a ideia, mas só tinham data disponível em agosto, dali a quatro meses! Foi uma correria, e só foi possível porque todos para quem eu contava do projeto gostava da ideia e ajudava como podia, como o Agnaldo, que desde a primeira edição nos apoia.

Cleusa: Sentimos que os artistas menos conhecidos se sentem agradecidos pela oportunidade de poder mostrar e vender seus trabalhos ao lado de grandes nomes, sob a curadoria do Agnaldo Farias. Tem também a vantagem de receberem o pagamento à vista. Para os compradores, há uma vantagem de preço em relação ao valor de mercado da obra, cobrado pelas galerias. Angela: Faço um esforço para que conhecidos que não colecionam participem. Falo com os amigos dos filhos e filhos dos amigos, pessoal jovem que está começando a ganhar dinheiro, mas que não tem o hábito de comprar arte. Muitos compram para prestigiar, mas acabam se envolvendo e compram de novo no ano que vem. Quem sabe algumas grandes coleções não surgirão daí?

Além das ONGS, quem impactado pela iniciativa?

CompartiArte • Centro Britânico Brasileiro • São Paulo • 9 à 11/8

Como surgiu a idéia?

mais

é

Fotos: Valentino Fialdini.

13


Flávio de Carvalho, Retrato de Sérgio Milliet. (Detalhe). Galeria Frente.

SEMANA DE ARTE A Semana de Arte se propõe a celebrar, discutir e ampliar um mercado que vem crescendo de forma ímpar nos últimos 15 anos, na cidade que se consolidou como seu epicentro. A Semana começa com uma série de espetáculos exclusivos de artes cênicas, música, dança, cinema e literatura espalhados por diversos espaços, passa por um ciclo de debates com convidados internacionais, por uma série de tours arquitetônicos, e culmina na feira propriamente dita, que reunirá um seleto time de galerias do Brasil e do mundo. As galerias foram selecionadas a dedo pelos idelizadores do evento - os galeristas Luisa Strina e Thiago Gomide, o empresário Emilio Kalil e o curador Ricardo Sardenberg - e oferecem um novo formato, em que os mercados 14 AGENDA

primário e secundário não serão divididos em seções distintas e os estandes estarão dispostos de forma a criar um fluxo entre os espaços de cada expositor e um envolvimento mais profundo tanto com as obras à mostra quanto com a proposta das próprias galerias. Todas apresentarão projetos especiais, sejam solos, diálogos entre dois artistas ou montagens focadas em temas específicos. Entre as principais galerias estão Pinakotheke Cultural, Almeida & Dale, Galeria Estação e Galeria Frente de São Paulo, Ronie Mesquita, do Rio de Janeiro e Simões de Assis, de Curitiba.

Semana de Arte • De 14 à 20/8 Feira de arte • De 18 à 20/8 Hotel Unique • São Paulo




PRÊMIO

BRASIL FOTOGRAFIA

novas plataformas e ambientes virtuais

Nair Benedicto, Índios Arara.


POR CILDO OLIVEIRA Em sua 16ª edição, o Prêmio Brasil Fotografia é destinado a fotógrafos que residam no Brasil. Todos os anos, são recebidas centenas de inscrições - este ano passou de mil, com trabalhos que mostram o momento de dispersão dos territórios da cultura, com uma diversidade de obras e um sem número sempre crescente de interfaces nas redes. Sob minha curadoria, a Porto Seguro patrocina a iniciativa desde a sua criação possibilitando um canal de apresentação da produção fotográfica autoral e de incentivo à fotografia, 18 ALTO RELEVO

além da formação de um acervo com a produção contemporânea brasileira. Durante esses 15 anos, já foram premiados mais de duzentos fotógrafos. O Prêmio tem como principal critério a preocupação com a linguagem e narrativa, qualidade técnica e visual, sensibilidade cromática, dimensão encantatória da arte e criatividade. A comissão é formada por curadores de renome. Este ano, o júri foi constituído por Fábio Magalhães, Angélica de Moraes, Rubens Rewald e Evandro Teixeira. No processo de escolha, que dura cerca de uma semana, descobrem-se


novas plataformas e ambientes virtuais, além da fotografia, nos quais o espaçoinformação é mapeado por meio de bits; softwares, hardwares alimentam a construção da paisagem "high tech" contemporânea. Percebe-se a perda de meios tradicionais de pensar e prever, com o domínio global da tecnociência, e passa-se a ter o "sentimento", a "experiência", em erráticas mutações em todos os domínios. Aparecem novos vocábulos na convergência das nanotecnologias, informática e robótica. Neste mundo acelerado, o presente passa a ser imediato, sem o tempo lento da reflexão. Neste ano, a mostra contempla dez artistas e mais de cinquenta obras - entre ensaios impressos e multimeios, que estarão expostas no Espaço Cultural Porto Seguro com visitação gratuita.

Percebemos a perda de meios tradicionais de pensar e prever, com o domínio global da tecnociência, e passa-se ter o "sentimento" a "experiência", em erráticas mutações em todos os domínios.

À esquerda: André Arruda, Clóvis. Acima: André Cunha, Fome de quê?, 2017.


…são fotografias realizadas com um olhar despido da gramática da linguagem fotográfica moderna, prescindindo de recortes espaciais e temporais.

Dividido em cinco categorias, Nair Benedicto ganhou o "Prêmio Brasil Fotografia Especial" por sua importante reflexão sobre a fotografia. Seu trabalho registra as minorias e a cultura popular, com especial atenção para a participação da mulher na sociedade, além de uma vasta iconografia indígena e de trabalhadores sem-terra. Antonio Saggese ganhou o "Prêmio Brasil Fotografia Ensaios Impresso" pelo ensaio "Hileia", composto por 12 fotos de florestas, tratadas de tal maneira que se assemelham a gravuras dos naturalistas do século 17. O trabalho não se propõe como "fotografia de natureza", nem como documentação ou denúncia. São fotografias realizadas com um olhar despido da gramática da linguagem fotográfica moderna, prescindindo de recortes espaciais e temporais. Gilvan Barreto ganhou o "Prêmio Brasil Fotografia Ensaios Multimeios" pelo trabalho "O Guarani". A obra 20 PRÊMIO BRASIL FOTOGRAFIA

multimeios se apropria de símbolos nacionais para refletir sobre a violência institucional no Brasil. Nesse caso, faz referência especificamente à perda de direitos e violência que os povos indígenas do Brasil vêm sofrendo. Enquanto a vitrola toca uma nova versão do clássico "O Guarani", lentamente um líquido vermelhosangue inunda a radiola e distorce a sonoridade da ópera, adaptada pelo maestro Carlos Gomes, em 1870, e que se tornou tema do noticiário radiofônico "A voz do Brasil", de difusão obrigatória, criado em 1935. O "Prêmio Brasil Fotografia Revelação" ficou para André Arruda, pelo ensaio "Clóvis", com 12 fotos de situações carnavalescas em que as fantasias lembram pierrôs e arlequins, características do subúrbio (principalmente das zonas Norte e Oeste e Baixada Fluminense) do Rio de Janeiro. As vestes, de confecção esmerada, são muito coloridas e obedecem a um rito indumentário,


Acima: Antônio Saggese, Hiléia, 2016 e Gilvan Barreto, O Guarani.


assim como as baianas das escolas de samba. Os Clóvis são hoje, paradoxalmente, um movimento ao mesmo tempo grande e quase marginal. Reflexo da influência da cultura pop, o samba foi trocado pelo funk como trilha sonora das turmas. Foram concedidos dois "Prêmios Bolsa" para desenvolvimento de projeto. Um deles foi para Adriano Escanhuela, com o projeto "Umidus", que desenvolverá uma investigação em algumas cidades, às margens do rio Tietê, com menos de cem mil habitantes, observando a paisagem, a arquitetura e a vida. Adriano produzirá as imagens por meio de um processo arcaico, do século 19, em placa úmida de colódio, chamada ambrotipia, que depende da umidade para ser realizado, contrapondo a atual produção digital. O segundo "Prêmio Bolsa" foi para a Osvaldo Carvalho, pelo projeto "Outras Paisagens", cujo objetivo é o levantamento de registros em filmes fotográficos descartados, as pontas de filmes, ressignificando um material normalmente, mas de surpreendente capacidade imagética. Para as menções honrosas foram escolhidos dois trabalhos: o ensaio impresso de André Cunha, pela obra "Semeadura", que apresenta um ensaio sobre uma família que vive da agricultura em seu pequeno espaço, alheia às comodidades atuais, produzindo seu próprio sustento (material e espiritual) e calcada em uma vida simples, porém repleta de peculiaridades que podem ser entendidas como reflexos de uma Acima: Adriano Escanhuela, Ambrotipo e Osvaldo Carvalho, #0A da série Outras Paisagens.


Tiago Coelho, O Marketing.

proposta alternativa; e o ensaio multimeios de Tiago Coelho, pela obra "O Marketing", que propõe um jogo de estereótipos que documenta, por meio de retratos, os personagens que estão por trás de placas e cartazes de rua. Cada personagem foi retratada em seu próprio ambiente, depois de ter seu anúncio registrado no contexto urbano. A gravação dos áudios aconteceu um ano após os retratos serem captados, por meio de chamadas telefônicas para os números presentes nos anúncios. Além dos bolsistas premiados em 2017, a mostra apresenta ainda o resultado do "Prêmio Brasil Fotografia Bolsa para Desenvolvimento de

Projeto 2016", onde foram premiados, Dirceu Maués, pelo projeto "[In]certa Paisagem: Imaginário de Luz e Prata" e Leo Caobelli, pelo projeto "Acesso Permitido".

Exposição do Prêmio Brasil Fotografia • Espaço Cultural Porto Seguro • São Paulo • 18/8 a 8/10

Cildo Oliveira é artista plástico experimental e curador do Prêmio Brasil Fotografia desde 2015.

23




DOCUMENTA

14

Ibrahim Mahama, Check Point Sekondi Loco, 2016–17. Foto: Ibrahim Mahama.


POR MARIA TERESA SANTORO DÖRRENBERG A documenta 14 evidencia a arte contemporânea e a arte que se visita, registra, denuncia, perturba, aponta e recupera a cultura e a sociedade contemporâneas. Inaugurada em 1955, em Kassel, Alemanha, por iniciativa do artista, professor e curador Arnold Bode, e apoiada por um grupo de entusiastas, a exposição teve como objetivo principal recuperar e apresentar a arte moderna, rejeitada e classificada pelo nazismo como uma arte degenerada. Este ano a documenta teve duas estruturas, uma em Atenas, que foi inaugurada em 8 de abril, e outra em Kassel, que foi aberta ao público em 10 de junho. Na cidade alemã, o evento conta com mais de 160 artistas espalhados por aproximadamente 30 localidades entre museus e parques, agitando o lugar neste verão. A exposição de Kassel dura 100 dias, ou seja, até meados de setembro. Esculturas de arame farpado, entre outros materiais, sugerem as atuais fronteiras recentemente erguidas, dificultando ou impedindo as migrações. Fragmentos de barcos, restos de roupas e semelhantes instalações e esculturas marcam as riscantes migrações marítimas de povos em países que vivenciam conflitos, pobreza, ou com pouca estrutura e estabilidade, registrando as urgentes indagações do nosso tempo. Politizados até o pescoço, vídeos, instalações e filmes satirizam as atuais direções conservadoras de alguns povos, sugerindo um comportamento induzido à obediência, à ordem e ao amor à pátria. Köken Ergun, de Istambul, apresenta a primeira 27


Em um ambiente doméstico, há uma devoção à limpeza da casa, associada à poeira. Depoimentos do vídeo apontam para a limpeza do país e à expulsão dos imigrantes ilegais em Israel.

videoprojeção de uma série, permeada de atributos nacionalistas e intitulada "I, Soldier", de 2005, que exalta a carreira militar e louva as virtudes do soldado em uma atlética e eufórica cerimônia do Estado comemorativa do dia nacional da república turca. No pouco iluminado subsolo do museu Fridericianum, o artista americano Ben Russell espalhou em diferentes espaços e tempos videoinstalações experimentais de mineradores do Suriname e da Sérvia com o nome de "Good Luck", que examina a ilegalidade desse tipo de trabalho e a política de extração de minério em escala social e global.

28 CAPA

Acompanhando o mote de que a arte é produtora de conflito, o artista israelense Roee Rosen instiga os visitantes com o videoinstalação "The Dust Channel", de 2016, instalado no palácio Bellevue. Acompanhado de música que lembra uma ópera russa e inserindo comerciais de aspiradores de pó dos anos 1950 e 1960, o vídeo propõe sugar tudo o que encontra, em uma operação de limpeza e glória. Em um ambiente doméstico, há uma devoção à limpeza da casa, associada à poeira. Depoimentos do vídeo apontam para a limpeza do país e à expulsão dos imigrantes ilegais em Israel.


Acima: Synnøve Persen, "Sámi Flag Project”, 1977. Foto: Mathias Völzke. Abaixo: Andreas Angelidakis, Polemos, 2017, Foto: Nils Klinger.

29


Filme instalação de Narimane Mari, Le Fort des Fous, 2017.

A maratona por Kassel nos leva ainda ao parque do palácio da cidade, onde está a Ballhaus, a casa de baile, construída por Jérôme Bonaparte (irmão de Napoleão) em 1808. Nesse refinado ambiente de grandes candelabros foram espalhados gigantescos almofadões. Deitados neles, assiste-se ao filme-instalação da cineasta franco-algeriana Narimane Mari, "Le Fort des Fous", de 2017, sobre a colonização francesa no norte da África. Uma comunidade de jovens nômades e andarilhos ambiciona e organiza uma sociedade utópica. Entremeada de reconstruções de antigas sociedades e culturas, de improvisações e entrevistas, a 30 DOCUMENTA 14

videoinstalação testemunha as experiências desses algerianos, da ilha Kythira e de uma comunidade em Atenas (Prosfygika), revelando forças emocionais e revolucionárias entre o passado e o presente. Parece haver um consenso na maior parte dos trabalhos apresentados na documenta 14: denunciar uma sociedade fragilizada pelas tendências conservadoras e políticas que objetivam um mundo passivo de conflitos e, sobretudo, mostrar a enorme distância entre as diversas comunidades. A exposição espelha a sociedade atual e o desafio político com o qual se confronta o mundo de hoje.


Acima: Performance de Israel Galván, Niño de Elche, e Pedro G. Romero, La farsa monea, 2017. Foto: Fred Dott e Daniel Knorr, Expiration Movement, 2017. Foto: Bernd Borchardt.

Nilima Sheikh, Each night put Kashmir in your dreams, 2003–14, Foto: Stathis Mamalakis.



Banu Cennetoglu, Gurbet’s Diary (27.07.1995–08.10.1997), 2016–17. Foto: Freddie F.


A documenta 14 aponta ainda a nova realidade sociopolítica do mundo que é um dos efeitos da globalização: o descentramento das referências que ligavam o indivíduo ao seu mundo social e cultural. O que a documenta deste ano não mostrou é a intensa mobilização individual e coletiva que a internet proporciona entre os indivíduos de diferentes sociedades. Poucos trabalhos indiciam o fato de que atualmente qualquer cidadão de diferentes comunidades tem acesso à

A documenta 14 aponta ainda a nova realidade sociopolítica do mundo que é um dos efeitos da globalização: o descentramento das referências que ligavam o indivíduo ao seu mundo social e cultural.

Marta Minujín, The Parthenon of Books, 2017. Foto: Roman März.

34 CAPA


Annie Sprinkle e Beth Stephens, Cuddling Athens, 2017. Performance no Museu Nacional de Arte Contemporânea de Atenas. Foto: Stathis Mamalakis.

rede, está conectado e em comunicação com outros, próximos ou distantes. Como afirma o filósofo italiano Antonio Negri, no livro "Empire", "entidades organizadas como redes têm mais poder e mobilidade (mais chances de sobrevivência) no novo ambiente do que instituições como o Estado, partidos políticos e empresas tradicionais". Presenciamos um fluxo de ideias e informação sem precedentes na história do homem. Ele pode se organizar a distância, o que anuncia uma nova era de mobilização instantânea entre as pessoas nos diferentes polos do planeta. Fica a

questão perturbadora para inspirar, talvez, eventos semelhantes.

Documenta 14 • Atenas • 8/4 a 16/7 Kassel • 10/6 a 17/9 • Exposição pública em diversos locais.

Maria Teresa Santoro Dörrenberg vive em Colônia, Alemanha, é escritora, curadora e pesquisa o corpo na arte, nas mídias e tecnologias contemporâneas.

35


SONIA DE VOLTA


DELAUNAY À MODA

Figurinos de Cleópatra para balé, quatro projetos de xales, 1918.


Vestidos simultâneos (três mulheres, formas, cores), 1925.


EXPOSIÇÃO NO MUSEU THYSSEN BORNEMISZA, DE MADRI, MOSTRA COMO A ARTISTA USOU A MODA E A DECORAÇÃO PARA EXPANDIR OS LIMITES DE SUA ARTE

POR CÉCILE GODEFROY

A ORIGEM DO SIMULTANISMO Sinônimo ao nome Delaunay, o simultanismo era um termo associado a ideias de inquietação e dinamismo gerados pela realidade imediata da era moderna: tecnologia, inovações e desenvolvimentos urbanos, a invenção de máquinas de rápido movimento para a conquista do céu e espaço, novos estilos de vida baseados em ação, esporte e velocidade, cosmopolitismo. ( ) Uma expressão das primeiras vanguardas, o simultamismo estava intimamente associado ao Orfismo de Guillaume de Apollinaire, um movimento intelectual em que os pintores designados pelo poeta - Fernand Léger, Francis Picabia, os futuristas italianos e até Kupka - participaram do mesmo otimismo em relação ao mundo moderno. Ao contrário dos orfistas, Robert Delaunay, também conhecido como "Monsieur Simultané'", deu destaque às artes aplicadas e manteve o "'métier' simultâneo" como um "princípio absolutamente novo em todos os desenvolvimentos potenciais (cartazes, moda, tecido, mobiliário, arquitetura,

Sonia Delaunay com túnica, chapéu de ráfia bordado e guarda-chuva na Casa Sonia, Madrid, 1920.


Cantores de Flamenco (Grande Flamenco), 1915-16.

…o simultanismo decorativo foi o método mais tangível para a disseminação da pintura pura e marcou a passagem de um modo de representação elitista.

40 DESTAQUE

planejamento urbano), que vai regenerar ou soprar vida em tudo a ver com o visual. O apartamento dos Delaunay, onde os intelectuais parisienses se reuniam aos domingos, era o primeiro local de exibição para suas criações simultâneas. Como mostrado nas fotografias do período, e estampa e a coloração das almofadas lembravam as pinturas iniciais de janelas de Delaunay e os abajures eram semelhantes aos Prismas Elétricos. Quando ela posou em um vestido "simultâneo", cercada por lombadas de seus livros, com um esboço da pintura de Robert "Homenagem a Blériot" e uma cópia de "Prosa na Ferrovia Transiberiana" na parede, Sonia Delaunay afirmou a unicidade do simultanismo. Outra vitrine para a pintura pura, a roupa "simultânea" transmitiu a nova linguagem visual para as massas. Desde o início, o simultanismo decorativo foi o método mais tangível para a disseminação da pintura pura e marcou a passagem de um modo de representação elitista - o apartamento dos Delaunay, as exposições de Der Sturm - ao espaço público: a rua, o salão de baile. Na sua defesa da arte total, os Delaunay descartaram o cerne dos "ismos" rivais que foram restritos à pintura e assim se distinguiram dos pioneiros da abstração, em particular dos coloristas, que rejeitavam conscientemente qualquer espécie de abordagem decorativa. O casal considerava que o fenômeno de expansão cromática não era uma violação da pintura pura, pelo contrário, atestava o papel que esta deveria desempenhar na construção de um novo mundo.


Vestido Simultâneo, 1913.



A Bola Bullier, 1913.


Três desenhos: Traje nº 1540 para vedette Gaby, Petit Casino, 1919; Vestido ritmo interminável simultâneo, nº 510, 923; Traje nº 1539 para a peça "Le Coeur à Gaz" de Tristan Tzara, 1923.

POR MARTA RUIZ DEL ÁRBOL

SEGUNDA ESTADIA DE SONIA DELAUNAY EM MADRI O que levou os Delaunay a retornar à cidade que eles haviam deixado pouco mais de dois anos antes e onde eles não pareciam ter encontrado um ambiente artístico favorável? Talvez tenham ouvido falar do renovado "millieu" artístico da capital espanhola, estimulado pelos intelectuais que, fugindo da guerra na Europa, buscaram refúgio na Espanha. Talvez tenham sabido do vivo cenário de tertúlias, em especial a liderada por Ramón Gómez de la Serna no Café de Pombo, do qual 44 SONIA DELAUNAY

se tornaram participantes regulares. O que eles certamente percebiam era a conjuntura propícia às artes cênicas. A presença dos Ballets Russes, de Sergei Diaghilev, a convite do Rei Alfonso XIII, em maio de 1916, foi particularmente significativo. Em Londres, Diaghilev havia programado um evento para o final do verão de 1918. Era uma nova representação de Cleópatra, cujo figurino, projetado por Léon Bakst, havia pegado fogo durante a turnê do grupo pela América do Sul. Para o reencenamento em Londres, o empresário contou com a ajuda de Sonia Delaunay para as fantasias dos bailarinos e de Robert Delaunay para os cenários.


Sonia aproveitou a oportunidade para focar e explorar mais uma vez na dança e retrabalhou seu vestido simultâneo de 1913 para Cleópatra. Seus interesses pelo mundo da dança e da moda convergiram para esse projeto. A rainha, representada por Lubov Tchernicheva, apareceu diante da plateia em uma fantasia em que o "patchwork" irregular do vestido usado por Sonia para dançar no Bal Bullier fora substituído por um padrão simétrico dominado por três círculos de cor. Esses elementos, cercando os seios e o abdômen, foram uma tradução tridimensional de seus "Prismas Elétricos" de 1913 e 1914. Também está intimamente ligado aos

…talvez tenham ouvido falar do renovado "millieu" artístico da capital espanhola, estimulado pelos intelectuais que, fugindo da guerra na Europa , buscaram refúgio na Espanha.

Desenho de trabalho 1189 e Gravata, 1929-33.

45


seus estudos de "cantaores" e "bailaoras" de flamenco, nos quais ela expressou o imaginário infinito dos ritmos sinuosos dessa tradição de música e dança por meio de contrastes simultâneos de cor. "Casa Sonia" foi citada na imprensa pela primeira vez no início de julho de 1919, em "La Época", o jornal publicado por seu amigo Marquês de Valdeiglesias. A peça descreve em 46 DO MUNDO

detalhes o mobiliário do apartamento de Antonio Monedero, diretor-geral da agricultura. De fato, em sua abundante correspondência com o marquês, que antes tratava de assuntos teatrais, agora Sonia falava apenas desse novo projeto. Nesse ponto, Valdeiglesias pediu a ela que o mantivesse a par de suas atividades para cobri-las em seu jornal. Como antes no mundo do teatro, ele se


Ritmo Cor, 1964. Foto: Roger Viollet, Musée d’Art Moderne.

tornou uma figura central que lhe proporcionou acesso à alta sociedade. Não apenas a colocou em contato com pessoas influentes, mas também se tornou um de seus principais clientes. Algumas poucas semanas após essa primeira menção pública de seu trabalho, as marcas "Sonia" e "Delaunay" foram registrados por Robert Delaunay. De acordo com a descrição anexada a cada nome,

representavam "distintas criações artísticas de todos os tipos, destacando-se objetos de arte ou decorações, instalações e design de interiores para residências e empresas". Fiel ao seu conceito artístico, o objetivo da nova iniciativa de Sonia foi, como ela descreveu em uma carta a seu amigo marquês, transformar a "banalidade cotidiana e seus objetos 47


Natureza morta portuguesa, 1916.

auxiliares em um ambiente mais artístico e elevado". Para conseguir isso, cada objeto em torno de uma pessoa deve mudar de modo a "elevar e enobrecer os instintos do gosto popular em direção a ideais mais humanos". Seu sucesso certamente se deveu ao gosto entre a burguesia e a aristocracia local por tudo parisiense. A capital francesa era um paradigma de moda e decoração e, no momento em que o país vizinho encontrou-se em guerra e com sua fronteira praticamente selada, a sede de novidades do exterior viraram muitos olhos para Sonia Delaunay. 48

Sonia Delaunay • Arte, Desenho e Moda • Museu Thyssen Bornemisza • Madri • 4/7 a 15/10

Marta Ruiz Del Árbol é curadora da área de Pintura e Arte Moderna do Museu Thyssen Bornemisza, em Madri.

Cécile Godefroy é doutora em História da Arte Contemporânea e autora do livro Flammarion (Sonia Delaunay: a sua moda, pinturas, seus tecidos, liberação da queda 2014).



DAMIEN HIRST


Os Tesouros do naufrágio do inacreditável

A cabeça cortada de Medusa. Foto: Prudence Cuming Associates © Damien Hirst and Science Ltd. All rights reserved, DACS/SIAE 2017.


52 DO MUNDO

Aspecto de Katie Ishtar ¥o-landi. Foto: Prudence Cuming Associates.


EXPOSIÇÃO POLÊMICA DO ARTISTA BRITÂNICO DAMIEN HIRST, EM VENEZA, DIVIDE OPINIÕES E CAUSA FUROR NA CRÍTICA ESPECIALIZADA. CONSTANÇA BASTO, NOSSA CORRESPONDENTE INTERNACIONAL NA ITÁLIA, FOI CONFERIR TUDO DE PERTO

POR CONSTANÇA BASTO Sendo o projeto mais ambicioso e complexo de Damien Hirst até hoje, "Treasures from the Wreck of the Unbelievable" ficou quase dez anos em construção e é a primeira exposição individual do artista desde o leilão na Sotheby's, em 2008, e marca seu retorno à cena da arte com um projeto audacioso e muito arriscado. A exposição é exibida em 5 mil metros quadrados de espaço, são 189 obras de arte, incluindo mais de 100 esculturas (uma delas com quase 18 metros de altura) e 21 armários cheios de objetos menores, tudo à venda. A curadoria foi feita por Elena Geuna. Essa é também a primeira vez que o Palazzo Grassi e a Punta della Dogana, os dois locais em Veneza que abrigam a Coleção Pinault, são dedicados a um único artista.

Hydra e Kali descobertas por quatro mergulhadores. Foto: Christoph Gerigk.


Concha gigante. Foto Lucio Salvatore.

A exposição é uma elaborada fábula criada pelo artista sobre o mito de uma figura exorbitantemente rica da antiguidade chamada Amotan. Segundo nos conta a lenda, Amotan era um escravo liberto, de Antioquia, no noroeste da Turquia, que acumulou uma fortuna extraordinária e a esbanjou em uma coleção de arte e objetos preciosos de qualidade e alcance sem precedentes. A fábula conta que Amotan teria carregado um navio colossal, o "Inacreditável" ("Apistos" em koiné grego original) com 100 de seus melhores tesouros, pesando 460 toneladas, como oferendas destinadas a um distante e há muito perdido Templo do Sol. Infelizmente, o navio afundou na costa sudeste da Africa com todo o tesouro 54 DAMIEN HIRST

e só foi descoberto dois mil anos depois. Na mostra, Hirst nos apresenta o que foi descoberto de carga preciosa: a coleção impressionante de Aulus Calidius Amotan. Além dos milhares de objetos, são exibidos na mostra vários filmes expostos quase como cinema de aventura e fotos subaquáticas de qualidade e grandes proporções de mergulhadores na operação de descoberta e retirada dos objetos do fundo do mar para dar uma sensação de veracidade à mitologia inventada. Decidimos começar a visita pela Punta della Dogana e, logo na entrada da primeira sala expositiva, lê-se "Somewhere between lies and truth lies the truth" (ou "em algum lugar


entre mentiras e verdade está a verdade"). Uma definição bastante adequada para o que veremos nas próximas horas. É um choque desde a entrada, faz cair o queixo, tamanho exagero, exorbitância, grandiosidade e qualidade de acabamento das peças inacreditáveis expostas. Hirst incorporou à sua fábula de tudo um pouco, tanto a própria infância como a de seus filhos e seus amigos com inúmeras referências, incluindo William Blake, bonecas Barbie, Mickey Mouse, o Pateta, o Livro da Selva (originalmente "The Jungle Book"), Game of Thrones, videogames, os Transformers, bem como culturas tão diversas como a egípcia, a romana, a inca, asteca e a maia, para citar algumas entre tantas referências todas

A exposição é uma elaborada fábula criada pelo artista sobre o mito de uma figura exorbitantemente rica da antiguidade chamada Amotan.

55



Esfinge. Foto: Prudence Cuming Associates.


combinadas e acrescidas de enorme quantidade de fantasia. Há uma teatralidade que deslumbra o visitante do início ao fim do longo percurso, com a mistura de símbolos e referências sem pé nem cabeça e a variedade de escalas para cada peça. Por exemplo, no percurso nos deparamos com várias peças curiosas como a lâmina verde-oxidada de uma espada "antiga" marcada com o logotipo da "Sea World", várias figuras pequenas, cobertas de corais, que no final são reproduções dos conhecidos brinquedos Transformers. A tão falada e fotografada cabeça da Medusa é uma cópia em 3D da obra-prima de Caravaggio, nas costas de uma estátua mais adiante vemos "Made in China" impresso. Parte da experiência vivida na exposição é certamente a de ser persuadido por alguns instantes por todas essas antiguidades falsas e entrar na fantasia para logo depois achar graça de si mesmo. A ostentação e a impertinência de Hirst, somadas à sua extravagância, transformaram a mostra em uma das maiores exposições do tipo "ame-ou-odeie" dos últimos anos. Segundo as palavras do próprio François Pinault: "Pelo seu excesso, sua ambição e, 58 DO MUNDO

A ostentação e a impertinência de Hirst, somadas à sua extravagância, transformaram a mostra em uma das maiores exposições do tipo "ame-ou-odeie" dos últimos anos.


Escultura Autorretrato de Damien Hirst. Foto: Lucio Salvatore.


Crânio de um Ciclope. Foto: Prudence Cuming Associates.


Imagens são documentos da realidade, a experiência artística é um meio possível para manipular esses documentos. finalmente, por sua audácia, "Treasures" rompe com tudo o que Hirst fez até agora. As obras não se encaixam em qualquer categoria estética convencional. Elas emanam uma sensação de poder quase mitológico, mergulhando o espectador em um estado mental que oscila constantemente entre confusão e entusiasmo". A exposição se mostrou bastante polêmica, polarizando os críticos de arte com sua complexidade e escala sem precedentes. Em uma era de tamanha instabilidade e desigualdade, uma exposição desse porte, com investimentos desse nível, espalhafatosa e exagerada, parece um desperdício e no mínimo inapropriada.

Estátua de mármore e Protheus. Foto: Lucio Salvatore. 61


Acima: A tristeza. À direita: Faraó desconhecido. Foto: Prudence Cuming Associates.

Acabamos por comparar o próprio artista com a figura do colecionador ex-escravo Amotan "cheio de riquezas", aliás comparação que o próprio artista nos sugere ao se autorretratar como "o colecionador" no final da exposição. Ame ou odeie, o imenso show "Os Tesouros do Naufrágio do Inacreditável", de Damien Hirst, foi uma das principais atrações na Bienal de Veneza de 2017. A grande questão é até que ponto podemos considerar o que vimos arte de qualidade e valor. "Os Tesouros do Naufrágio do Inacreditável" representam um passado imaginário e uma previsão de futuro muito estranha e intrigante. A obra de arte verdadeira provavelmente está na visão 62 DAMIEN HIRST

surpreendente do artista em criar e realizar o espetáculo, de investimento colossal, representado pelo gigantesco e improvável museu inventado.

Damien Hirst - Treasures from the Wreck of the Unbelievable • Palazzo Grassi • Veneza, Itália • 9/4 a 3/12

Constança Basto é carioca que mora na Itália, é designer de moda e pesquisadora de arte.



ALEKSANDRA MIR POR ELA MESMA

“Eu nunca fui interessada em ficção científica. A ciência por si só já era tudo o que me interessava. Eu acho que o projeto científico, como um todo, é um projeto romântico. A busca por uma conexão, o desejo por profundidade, assumir um desafio, arriscar tudo por uma paixão, o esforço. Se as tecnológicas sondas espaciais que a humanidade está lançando ao universo são como cupidos da modernidade, então cada missão espacial pode ser lida como uma história de amor.”

A ciência e busca por conhecimento vem com todo o tipo de implicações políticas…

“Este é um inventário sobre naves espaciais que a humanidade construiu e enviou para o sistema solar, e além, pelos últimos 60 anos. A variação de formas é incrivelmente agradável. A coleção examina como a sua estética mudou ao longo do tempo, assim como o seu design funcional interage com os seus fundamentos culturais. As razões para exploração são mistas. A ciência e a busca por conhecimento vêm com todo o tipo de implicações políticas - de colonização relacionada à exploração; a salvação da humanidade em caso de fim do mundo, transportando a vida para outro lugar.” 64 REFLEXO


Probes, 2015-17


“Distâncias no universo são verdadeiramente vastas e insondáveis para as mentes humanas. Quando a medida "ano-luz" foi inventada, pudemos reduzir 11 zeros de incômodas medidas anteriores, mas ainda não sabemos o que é um ano-luz. Nós teríamos que ser fótons para entender completamente o que significa viajar à velocidade da luz. Para tornar esse dilema mais tangível, emparelhei os planetas mais próximos do Sistema Solar com locais específicos na minha vizinhança: East London. Eu escolhi oito locais icônicos, onde eu posso fazer caminhadas ou andar de bicicleta e os combinei cada um com um planeta, questionando sobre o quão longe é o local do planeta associado. Eu queria estimular uma sensação de distância e deixar os outros pensarem filosoficamente sobre distâncias que são relevantes para eles ou que colapsam umas sobre as outras. O quão longe é Júpiter do Rio de Janeiro?” 66 66 REFLEXO ALEKSANDRA MIR


Nós teríamos que ser fótons para entender completamente o que significa viajar à velocidade da luz.

Solar System: How far from Ridley Road is Earth, 2015-17


“Nós investigamos o universo em busca de nós mesmos. Diversas organizações estão enviando mensagens para supostas civilizações alienígenas na expectativa de responder à questão se nós estamos sozinhos no universo. Enquanto a indagação permanece aberta, ela estimula a busca, as especulações e as controvérsias. Nós precisamos continuar perguntando, porque uma potencial afirmativa "NÃO" existe. Se a pergunta fosse respondida com a negativa "SIM", talvez nós tenhamos que, finalmente, enfrentar estarmos sozinhos com nós mesmos.”

68 REFLEXO


Nรณs investigamos o universo em busca de nรณs mesmos.

YES we are alone in the Universe, 2015-17


…estou usando o ônibus como uma metáfora para onde nos dirigimos; a democratização das viagens espaciais, ao custo do romance...

Faraway Missions • Tate Liverpool • 23/6 a 15/10 Earth Observation & Human Spaceflight • Modern Art Oxford • 24/6 à 12/11 O catálogo do projeto "Space Tapestry, We Can not Stop Thinking about the Future" está disponível pela Livraria Cultura, no Brasil. 70 ALEKSANDRA MIR


“Este ônibus espacial viaja após uma representação do cometa Halley desenhada há mil anos pelos artistas anônimos que criaram a tapeçaria de Bayeux. Esta alfombra frisada de arco narrativo dramático serviu de modelo para minha própria tapeçaria, uma novela gráfica imersiva desenhada com marcadores permanentes contemporâneos em tela sintética em um total de 200 metros. Nesse desenho em particular, estou usando o ônibus como uma metáfora para onde nos dirigimos; a democratização das viagens espaciais, ao custo do romance, atualmente adquiridas em sua exclusividade. Anteriormente, o espaço era reservado para a ciência e os militares, enquanto hoje qualquer indivíduo rico pode reservar um voo parabólico que se tornará mais e mais barato.” Eventualmente, a viagem de ida e volta para o nosso posto permanente no espaço -

Get on da Spaze Buz, 2015-17


JOÃO ANGELINI POR ALINE LEAL Não se pode escapar à dimensão política da série "Nota Fria" (2014), de João Angelini (1980), de Planaltina, no Distrito Federal: a cédula de real sendo consumida pela chama em um caixote de papelão parece comunicar o sentimento de estima e desprezo com talvez o principal mediador de nossas relações. Ora, se nossas 72 GARIMPO

operações cotidianas refletem tal ambiguidade centrada no dinheiro, a produção de arte contemporânea não raro encena aquela que é também sua condição de existência, e que subverte seu discurso de autonomia. Mas essa é apenas uma leitura desta obra, com potencial de inúmeros desdobramentos, e cuja pesquisa tem início em uma obra anterior - a série "Dinheirinho" (2009) - em que o artista


monta um quebra-cabeça embaralhando cédulas de real, dólar e euro, criando o que parece ser uma nova moeda. A série "Nota Fria", ainda, desenvolve uma pesquisa técnica que se relaciona com o trabalho de animação que Angelini desenvolve há alguns anos em seu ateliê, com destaque para o vídeo "L.E.R.", premiado pelo júri popular do Animamundi de 2009. A técnica "Air Mapping", de "Nota Fria", nasce da convergência da tecnologia de "Monga, a Mulher Macaco" (um clássico de parquinhos e circos populares) com a linguagem videográfica. Assim, a labareda que consome a cédula é, na realidade, a sobreposição de um vídeo no objeto, através do reflexo e da transparência dos vidros em seu entorno. Com notas verdadeiras de 2, 5, 10, 20, 50 e 100 reais, os trabalhos da série

"Nota "Fria" se encontram em algumas coleções particulares e nos acervos da Pinacoteca de SP, Museu de Arte do Rio e Coleção Itaú. Indicado para o prêmio Marcantonio Vilaça de 2017, João Angelini participa, desde 2008, do grupo EmpreZa, coletivo com foco em performance atuando no centrooeste brasileiro, e é representado pela Galeria Leme.

João Angelini é um dos vinte artistas finalistas ao Prêmio Marcantônio Vilaça 2017.

Aline Leal é doutora em Letras pela Puc-Rio. Interessada nas variadas formas de expressão artística.

Série Nota Fria, 2014/2015 (Caixa de papelão, vidro, monitor LED 22", abajur de LED e notas R$ 10, R$ 100 e EUR 50.


LIVROS lançamentos

Fábio Magalhães Além do visível, aquém do intangível Organização: Mundo Arte e Eventos - 120 p. - Distrib. gratuita. O livro reúne a produção do artista Fábio Magalhães ao longo de 10 anos (2007-2017), criando um panorama com todas as séries, na integra, produzidas neste período (“O grande Corpo” - “Retratos Íntimos” - “Fronteiras do Devoluto” - “Superfícies do Intangível” - “Latências Atrozes” e “Limites do Intospecto”), com mais de 80 imagens entre obras e aos processos criação que antecedem as pinturas no atelier, o livro conta ainda com reflexões dos curadores Alejandra Muñoz, Marcelo Campos e o Crítico Jorge Coli. O livro foi lançado paralelo a abertura da mostra na Caixa Cultural São Paulo, "Além do visível, aquém do intangível", em cartaz até 24/9.

Janaina Tschäpe Textos: Germano Celant e Luisa Duarte. Tradução: Alyne Azuma Editora Cobogó - 240 p. - R$ 136,00 Com textos dos críticos de arte e curadores Germano Celant e Luisa Duarte, em versão bilíngue, a publicação reúne mais de uma centena pinturas e fotografias da artista, nos quais se percebe a presença marcante da água e do mar, assim como das plantas e matas, criando um universo próprio. “O trabalho de Janaina habita um território maleável entre realidade e fabulação, entre a paisagem vista, a paisagem lembrada e a paisagem que se torna pintura, fruto da memória viva. Nesse fluxo, a lembrança opera, modifica o referente primeiro, produzindo assim uma espécie de mundo delirado. Essa é, justamente, uma das maiores potências que nos reserva sua obra”, descreve Luisa Duarte. 74


Preciso acreditar que ao fechar os olhos o mundo continua aqui Rogério Ghomes Textos: Moacir dos Anjos, Eder Chiodetto, Ricardo Resende e Tadeu Chiarelli

Expressão Artística da EDUEL - 100 p. - R$ 150, 00 A publicação apresenta um recorte da produção do artista paranaense Rogério Ghomes a partir da VI Bienal de Havana, de 1997, até as mais recentes produções, como a série “Barroc”, apresentada na Bienal Internacional de Curitiba, de 2015. Moacir dos Anjos, crítico pernambucano, faz a apresentação do recorte das obras apresentadas nesta publicação. Além da compilação de três ensaios críticos de autoria de Eder Chiodetto, Ricardo Resende e Tadeu Chiarelli, sobre a produção do artista, em distintos momentos da sua trajetória.

Catálogo Raisonné Leonilson Patrocínio: Fundação Edson Queiroz Projeto Leonilson - 1.100 p. - R$ 1.200,00 Composta por 3400 registros, reunidos em três volumes acondicionados em uma caixa, a compilação bilíngue possui 1100 páginas e demandou 24 anos de pesquisa do Projeto Leonilson, instituto responsável pela preservação da memória e da obra do artista. O catálogo, patrocinado pela Fundação Edson Queiroz e publicado pelo Projeto Leonilson identificou os trabalhos produzidos por Leonilson, inclusive os pertencentes a coleções no exterior. Cada registro é constituído por imagem, dados técnicos, históricos de exposições e referências bibliográficas. Apresenta textos técnicos e críticos, e também listas completas de exposições, eventos e bibliografia. 75


RESENHAS exposições

Modos de ver o Brasil: Itaú Cultural 30 anos Oca • São Paulo • 25/5 a 13/8 POR ALECSANDRA MATIAS OLIVEIRA No final dos anos 1990, o Itaú Cultural, dono de um acervo histórico-artístico significativo, passou por revisões que incluíam sua sede nova na avenida Paulista, a criação de programas culturais e a presença intensa das mídias interativas. O banco de dados informatizado origem da "Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira" - já era um fato, especialmente a pintura e a literatura contavam com extenso banco de informações, mas outras linguagens, com a música, a dança e o teatro ganharam espaço à época. O projeto "Tridimensionalidade", sob a 76

supervisão de Ricardo Ribenboim e consultoria de Annateresa Fabris e Tadeu Chiarelli, entre 1997 e 1998, marcou a abertura do setor de tridimensionalidade no banco de dados informatizado (Eu sei, estava lá. Os tempos eram de intensa pesquisa). Vinte anos depois, ver reunidas aquelas obras-referências é emocionante. Aliás, difícil contar a recente história da arte brasileira sem a ação do Itaú Cultural, seja como fonte de pesquisa, seja como proprietário das obras de arte (só na exposição estão sendo exibidas cerca de 800 obras), seja como promotor de eventos culturais. E como contar a história de 30 anos desse acervo fantástico? Uma missão espinhosa para o curador Paulo Herkenhoff e os cocuradores Thais Rivitti e Leno Veras. Esqueçam as cronologias, a linearidade e as associações óbvias entre temas, artistas e obras. Isso não tem mesmo! A curadoria exige do público mais do que uma contemplação desinteressada; ela reivindica a participação na construção da narrativa da exposição ou, ainda mais, a "invenção" da história da arte brasileira através dos 30 anos do Itaú Cultural.


O que mais transparece nos quatro pavimentos que compõem a mostra, no Pavilhão Lucas Nogueira Garcez (mais conhecido como Oca), no Parque Ibirapuera, é o conceito de "geleia geral", no melhor jeito brasileiro de estabelecer relações e deixar livre à criação de novas. No piso 2, as obras se referem ao período colonial e seu impacto atual. Elas evocam questões relacionadas à escravidão e ao barroco. No piso 1, estão obras que se remetem aos desdobramentos do pensamento construtivo e diálogos entre grupos, escolas e movimentos do país. No térreo, o olhar da arte recai sobre São Paulo. São fotografias, pinturas, esculturas e outras formas de viver a cidade. Por fim, no subsolo, estão as relações entre as dimensões política, econômica e social das diversas linguagens do campo artístico. Vale menção especial os textos aplicados aos painéis da mostra - são curtos e dotados de linguagem direta. Há obras táteis e com audiodescrição, o que demonstra a preocupação de incluir o público. No térreo, está a biblioteca com materiais impressos e séries de audiovisuais produzidos

pelo Instituto. No piso 1, uma projeção interativa, que baseada na "Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras", mapeia as relações entre artistas e temas. Não bastasse esses muitos caminhos, há ainda outros percursos no aplicativo itaucultural.org.br/30anos. No final, a exposição "Modos de ver o Brasil: Itaú Cultural 30 anos" cumpre a promessa embutida no seu título: fornece diversas visões dos "brasis" que existem e são reinventados pelos artistas, porém, é o espectador que completa essa diversidade. Tudo se torna possível por intermédio do acervo e do trabalho de pesquisadores e profissionais que o Itaú Cultural manteve e mantém ao longo de sua trajetória.

Alecsandra Matias de Oliveira é doutora em Artes Visuais - ECA USP/ Pós-doutorado no Instituto de Artes/UNESP e membro da ABCA (Associação Brasileira dos Críticos de Arte).

À esquerda: Adriana Varejão, Azulejão, 2000/2001. Acima: Antônio Dias, Lingua, 1965.


RESENHAS exposições

Meyer Filho: Arquivos Implacáveis Memorial Meyer Filho Florianópolis • 5/5 à 30/6 POR MICHELE BETE PRETY

De um lado, o artista por ele mesmo: suas obras, seus textos, sua assinatura, sua impressão digital. Ernesto Meyer Filho (1919-1991) se percebia primeiro como um artista e depois como um bancário. No discurso de si, constituíase como desenhista, chargista, pintor, artista de Florianópolis, membro da "Revista Sul", cidadão e funcionário que traduzia telegramas com palavras códigas: ABACV, SJEAG, SIZEZ, SOCYO, SNEPA, MABUI & MACAC. De outro, o Meyer Filho interpretado: o louco, o galo, o "bancário travestido de artista". Na exposição de seus "arquivos implacáveis", a curadora Kamilla Nunes apresenta uma pequena parte dos seus 2.560 desenhos sobre papel, recuperados por meio de um projeto de conservação e restauro. São traços 78

elaborados a grafite, crayon, caneta esferográfica, nanquim e acrílica. Predominam neles o preto e o branco, embora a cor seja uma característica das suas composições. Sem hierarquização no espaço, as obras dialogam com recortes de jornais e excertos de manuscritos narrados. Peça emblemática, a cópia de um cheque assinado por ele com um desenho, despretensiosamente colocada sobre um suporte, instiga a pensá-la como um objeto de arte, objeto-síntese da questão: artista e bancário ou bancário como artista? Os arquivos de Meyer Filho também comunicam sobre ele. Se no ato de guardar seus estudos, trabalhos e notas o artista manifesta um desejo de memória, ao selecionar os itens que


ficam e que vão, ele próprio a constrói. São desenhos fantásticos, sombrios, críticos e de humor reunidos na exposição pública do seu arquivo privado. As charges, com temas da política nacional e da cultura catarinense (como "Brasil 1954" e "Os Invejosos", de 1977), contrastam com cenas animalescas e de seres estranhos (a exemplo de "O Monstro", de 1963, e "Apocalipse I", de 1960). Em comum, a estética do grotesco mobilizada, seja deliberadamente para provocar o riso, seja de forma espontânea como expressão de uma natureza singular. No limiar, a inserção de Meyer Filho em dois mundos: o exterior e o interior. Transitando

entre eles, a busca por uma identidade de bancário e/ou artista indica uma existência inquietante para viver plenamente a sua potência sensível. Com efeito, o que não se pode aplacar nesse conjunto de documentos é o registro de uma autobiografia visual codificada, cuja linguagem própria ao mundo do artista cabe a nós traduzir e interrogar.

Michele Bete Petry é historiadora, doutora em Educação pela UFSC e realiza pesquisas na área de artes visuais.

79


RESENHAS exposições

Dja Guata Porã | Rio de Janeiro Indígena Museu de Arte do Rio • Rio de Janeiro • 16/5/2017 a 18/2/2018 POR MANOEL S. FRIQUES

Desde que foi inaugurado, em 2013, no âmbito de um projeto bastante polêmico de revitalização da região portuária carioca, o Museu de Arte do Rio (MAR) tem se empenhado em criar exposições que, de alguma forma, renegociam a sua dívida de nascimento. Assim, ao longo desses últimos quatro anos, temos visto mostras que ora focalizam artistas, emergentes ou veteranos, situados fora do eixo Rio-São Paulo (Berna Reale, Wlademir Dias-Pino, Yuri Firmeza, Jonathas de Andrade, Grupo EmpreZa, etc.); ora resultam em 80

convergências temáticas inusitadas ("Guignard e o Oriente, entre o Rio e Minas", "Josephine Baker e Le Corbusier no Rio - um caso transatlântico", "Tatu: Futebol, Adversidade e Cultura da Caatinga"); ora apresentam projetos curatoriais que lançam luz sobre áreas e povos (loucos, mulheres, negros e indígenas) marcados por processos históricos de silenciamentos e invisibilidades. Este é o caso de "Dja Guata Porã | Rio de Janeiro Indígena", que fica em cartaz até fevereiro de 2018. De imediato, destaca-se a estratégia curatorial da exposição. Ao contrário daquelas mostras que só fazem endossar os pontos de vista de seus curadores, observa-se um dialogismo curatorial bastante fértil. À Clarissa Diniz e Pablo Lafuente - ambos íntimos desse ofício - unem-se dois especialistas. Se Sandra Benites é Guarani, José Ribamar Bessa acompanhou de perto a criação do primeiro Museu Indígena - o Museu Magüta, dos Tikuna - trazendo à exposição essa importante experiência de mediação. Em conjunto, a equipe entrelaçou vozes, artefatos, informações, narrativas e imagens, estruturados no espaço


expositivo em uma trama dividida em núcleos, estações e tempos. Os quatro núcleos focalizam a presença e o presente indígenas no Rio de Janeiro através das etnias Puri, Guarani e Pataxó, e também dos movimentos em torno da Aldeia Maracanã. Salvaguardadas as diferenças entre as etnias, observa-se transversalmente o empenho desses povos por afirmar suas identidade, resistência e sobrevivência culturais, seja por sua relação com a terra, seja por suas cosmovisões, seja pelos artefatos, grafismos, narrativas, técnicas e rituais que circunscrevem, política e existencialmente, a vida de cada pessoa. Desse modo, os vídeos e os textos respectivos a cada grupo étnico nos informam das agências ambivalentes que envolvem cada objeto na exposição, sendo a maioria confeccionada para a ocasião. As quatro estações costuram entre os núcleos temas específicos associados à arte, ao comércio, à educação e à mulher indígena. Ao que parece, o que está em jogo nessas estações é a questão da fronteira e seus possíveis desdobramentos: os limites entre arte e vida; entre os valores simbólicos e comerciais; entre os conhecimentos indígena e nacional; e, "last but not least", a visibilidade das mulheres indígenas.

Já os quatro tempos - dispostos na grande cobra que circunda a exposição - complementam os núcleos e as estações ao oferecerem fragmentos dos processos históricos que desembocam, por assim dizer, na Ressurgência Puri, na Retomada Pataxó, na Caminhada Guarani e na Resistência Maracanã. Esses tempos, adaptados da cosmologia Huni Kuin, não são apenas fases cronológicas, mas constelações audiovisuais retiradas de documentos históricos e, sobretudo, dos conhecimentos de outros povos, em especial, Tukano, Huni Kuin, Kayapó, Krahô, GuaraniKaiowa, Ashaninka, Kaingang, Krenak, Yanomami, Maxacali e Guajajara. Em conjunto, os núcleos, as estações e os tempos tecem uma cosmoexposição absolutamente necessária ao contexto atual - marcado pela incessante violação política aos direitos indígenas - oferecendo caminhos possíveis para Dja Guata Porã, ou seja, para caminharmos bem e juntos.

Manoel Silvestre Friques é professor de Engenharia de Produção da Unirio. Doutor em História pela PUC-Rio, participa de projetos culturais como dramaturgo e curador.

81


COLUNA DO MEIO Fotos: Paulo Jabur

Quem e onde no meio da arte

Ana Luiza Prudente, Adriana Braga e Fernando de La Rocque

Zoé Dubus e José Damasceno

Zoé Dubus Artur Fidalgo Galeria Rio de Janeiro Eduardo Oliveira, Cesar Fraga e Gabriela Machado eDuda GinaMoraes Elimelek

André Sheik e Suzana Queiroga

Artur Fidalgo, Toz e Elodie Viana

Fotos: Paulo Jabur

Alessandra Vaghi, Márcio Doctors e Cláudia Bakker

Luciana Caravello e Sandra Arraes

Gaby Indio e Eduardo Kac

Eduardo Kac Luciana Caravello Arte Rio de Janeiro Bruno Miguel e Maria Karenina Lacerda

Giselle Beiguelman e Ricardo Van Steen

Franklin Pedroso e Goia Mujali

Marcos Chaves e Ana Elisa Cohen



NOTAS DO MERCADO Fatos, valores, curiosidades e tendências

A SEMANA DE ARTE DE SÃO PAULO, conhecida no mercado como feira de arte de Luisa Strina e Thiago Gomide, está dividindo expectativas. De um lado, alguns galeristas não entendem os motivos por trás da iniciativa e confirmaram participação apenas para agradar a colega Strina, conhecida por sua, digamos, firmeza. De outro, alguns expositores veem na feira uma oportunidade de expor a um público que não frequenta o circuito, impulsionada pela frequência privilegiada do Hotel Unique. A presença do descolado crítico de arte Ricardo Sardenberg e de Emilio Kalil, produtor cultural e defensor da cultura nas esferas políticas, são pontos positivos. Kalil, que em seu currículo tem a projeção internacional do Grupo Corpo de Dança e o complexo pontapé inicial nas atividades da Cidades das Artes do Rio de Janeiro, responde pelas iniciativas paralelas em dança, performance e outras searas artísticas. Torcendo pelo sucesso, a Dasartes cobrirá o evento e trará um balanço dele em sua próxima edição.

CHINA E EUA EMPATADOS na liderança do mercado de arte, de acordo com relatório da Artprice. Avaliando as vendas no primeiro semestre de 2017, EUA ficou um pouco à frente, com receitas de US$ 2,23 bilhões contra US$ 1,99 bilhão na China. No entanto, historicamente, a China sempre tem um segundo semestre mais forte e a tendência é que o páreo seja ainda mais competitivo para os resultados anuais. Em geral, o relatório é positivo: após dois anos de queda, os resultados globais para o primeiro semestre do ano voltam a crescer. Focando na China, houve queda no total de vendas, mas um olhar mais cuidadoso aos números mostra um cenário em bom desenvolvimento: redução nos lotes não vendidos, estabilidade de preços e, sem os grandes recordes que impulsionam os números - e que invariavelmente acontecem em Nova York -, a China mostra solidez cada vez maior em seu mercado de arte, com um número crescente de artistas locais ultrapassando a barreira do milhão de dólares.

MERCADO INFORMAL DE ARTE e o uso do mercado formal para práticas que não têm a ver com arte estão entre os temas levantados pelo novo livro do norte-americano John Zarobell, "Art and the Global Economy" (University of California Press, 2017). Algumas das práticas que assustam leigos já são conhecidas do circuito, como a compra de obras de arte em leilão pela galeria que representa o artista ou coleções com grande investimento nele, para garantir ou até inflacionar seu preço. Outras mostram quão engenhosos os humanos podem ser quando querem quebrar a lei e saírem ilesos. De acordo com Zarobell, é comum pagar propina na China usando quadros: eles são entregues ao recebedor com instruções para colocar à venda em leilão e são então "comprados" pelo pagador da propina, autenticando a transação financeira. A apreensão de obras de arte pela operação Lava-Jato e a falsificação de documentos de importação que reduzem o valor declarado de obras de arte são algumas das contribuições brasileiras que o livro explora. 84



ALTO FALANTE

Por Guy Amado

Da preguiça da forma

Toda arte envolve processo: seja de ordem mental, intelectual, criativa, temporal, ideológica, física e/ou prática/formalizadora, e por aí vai, mas sempre alguma instância processual. Assim como a vida, aliás - uma sequência de eventos mais ou menos encadeados, por vezes pontuados por incidentes e fatos ordinários e extraordinários, que nada mais são do que um processo. Ao pé da letra, tratar-se-ia, portanto de um exercício de redundância, referir uma determinada modalidade como "arte processual": como deixaria de sê-lo? O fato é que, por "processual", refiro-me aqui a uma vertente artística que tende a remeter à sua própria condição de arte enfatizando sua práxis por meio do desenvolvimento de "propostas em aberto" e estratégias congêneres em que a ideia de resultado se mostra geralmente tênue, mostrando-se não raro subsumida pelo discurso e pela natureza fugidia das proposições. Uma característica frequente na produção ligada a essa modalidade é a de um baixo grau de formalização, quando não inexistente. Ou seja, arte que, a título de valorizar uma ampla noção de processo, pode prescindir de uma instância de materialização final, ou, em outras palavras, de se constituir como arte em um plano mais terreno. Veem-se aqui e ali propostas consistindo em enunciar elegantemente um quase nada, a acontecer ou não em um lugar qualquer, confortando-se em elencar uma determinada linha de procedimentos vagos e descomprometidos quanto a uma instância mais concreta de efetivação. É a essas manifestações eu atribuo certa "preguiça da forma"; não no sentido em que a forma é classicamente nomeada na estética [aquela intrinsecamente ligada ao que é próprio da linguagem ou aos princípios gerativos e constitutivos da obra, etc.], mas simplesmente de carecer de um grau maior de compromisso com a práxis artística, em última análise. Preguiça, enfim, de se apresentar como arte de um modo mais convincente - e coerente. Lançada essa provocação, cabe ressaltar que não se trata aqui, obviamente, de desqualificar propostas artísticas pelo simples fato de não apresentarem "suficiente materialidade", o que seria um purismo tolo e descabido. Como é amplamente sabido, ao menos desde a trilha aberta por Duchamp, há incontáveis casos de trabalhos exemplares na história da arte recente que só existem enquanto ideia, proposição ou registro [ações, intervenções, peças efêmeras, etc.], e que, no entanto, se afirmam como arte sem a necessidade de maiores questionamentos. 86


Basta pensar em ações de Yves Klein, propostas do Fluxus e, claro, obras de conhecidos expoentes da seara da "desmaterialização da arte" (como postulada por Lucy Lippard nos anos 1960) e da Arte Conceitual (Robert Barry, Sol Lewitt, Art & Language, dentre outros) - além das atualizações dessas práticas até os dias atuais. O que gera certa aflição são casos, na contemporaneidade, em que se evocam a noção de "arte processual" de modo a servir como uma espécie de verniz ou aparato de respaldo retórico-conceitual. Penso em produções que assim se referem, mas que no fundo parecem ser apenas pretexto para pulsões de outra ordem - muito mais teórica que prática, por exemplo. Trabalhos que passam a sensação de terem sido concebidos quase como a materialização forçada de um conceito ou pulsão intelectual, e que em última [ou primeira] instância poderiam ter prescindido disso. Há artistas que parecem se valer da noção de processo para ali criar uma zona de conforto, abrigados nas possibilidades permitidas por um rol de questões sempre atualizado, discursos afiados e propostas práticas "sempre em aberto", em um processo que não se fecha e mal se distingue sua consistência real. É também comum nos depararmos com propostas, nessa linha de atuação, em que se percebe um desejo vago de dar "substância" a uma ideia de processo, o que pode ser externado como algo ligado à ação do tempo ou pautado em "ativações" a serem feitas pelo público [de modo eventual ou conclamado], ou mesmo sendo mantido na esfera do intangível. Ou ainda casos em que o processual é entendido e trabalhado em chave mais literal, seja valorizando-se a matéria em decomposição ou aspectos como efemeridade e impermanência. Nesse sentido, é arte tautológica, que morde o próprio rabo como para se convencer de que é mesmo arte, ou para enfatizar tal condição. Por conseguinte, é (potencialmente) arte com baixo índice de convicção acerca de seu estatuto enquanto arte. Esta postura "meta-arte" já foi importante por permitir o estabelecimento de um novo estatuto filosófico para a arte, como observa Arthur Danto com categoria em seu "After the end of art: contemporary art and the pale of history". Mas incorporar esse dado autorreferente ou autorreflexivo nos termos estimulantemente niilistas aventados por Duchamp ou na chave ontológica de Danto é diferente de fazer uma arte que parece ter preguiça de ser arte. Ou que não quer se confundir com outra determinada produção. Ou, ainda, para definir posicionamentos sobre qual tipo de arte certa produção "não" queria ser, ou não se parecer com - vide a "antiforma" de final dos anos 1960 e as proposições em "land art", "happenings" e performance de Morris, Smithson, Heizer, Burden, etc., produção classicamente referida como arte processual, bem como os desdobramentos que se seguiram.

Há artistas que parecem se valer da noção de processo para ali criar uma zona de conforto, abrigados nas possibilidades permitidas por um rol de questões sempre atualizado… 87


Vivemos tempos em que qualquer coisa pode ser arte, mas arte não pode - ou não deve - ser qualquer coisa.

Uma coisa é uma plataforma poética onde se vislumbra uma ideia de "formaprocesso" elaborada naturalmente ao sabor das pulsões que a constituem, ou daquilo que Luigi Pareyson chamou "o processo enquanto invenção do modo de fazer arte"; outra é o processual tornado fetiche e pensado ou invocado como fator legitimador e potencializador de "poéticas do quase nada", confortado por discursos, causas e motivações díspares. Uma parcela de "trabalhos processuais" como os que discuto são proposições de cunho poético e/ou socioassistencial inteligentes e repletas de boas intenções, mas que, justamente pela natureza inatacável de suas premissas [o teor tangenciando causas humanitárias, por exemplo], tendem a solicitar, já de saída, um grau de adesão que torna quase deselegante, digamos, a cobrança por uma formalização posterior mais consistente ["enquanto obra de arte"]. Valoriza-se um componente ético e uma abordagem multicultural de uma maneira tal que tornam alguns trabalhos razoavelmente impermeáveis à crítica, na medida em que ressalvas ou observações mais rigorosas equivaleriam à "falta de sensibilidade" - dada a causa em questão - ou coisa do tipo. E assim se disseminou uma prática que no geral se oferece como possível municiadora para uma certa "preguiça da forma", com todo o aparato discursivo e "atitudinal" para sua perpetuação. Caberia aqui ainda um comentário sobre a possível influência da chamada "estética relacional" e suas reverberações no incremento dessa dinâmica, mas o espaço é curto. Talvez um modo de minimizar o problema esteja em ser mais claro e chamar as coisas pelo que são - ou pelo que procuram (não) ser, ou pelo que não chegam a ser. E talvez definir melhor aquelas práticas que estão por demais hesitantes em ser arte ou pior, ansiando por essa condição, mas se esforçando para se diluírem em qualquer outra coisa, refugiando-se em interpretações confortáveis do mote "arte e vida". Afinal, como se diz por aí, vivemos tempos em que qualquer coisa pode ser arte, mas arte não pode - ou não deve - ser qualquer coisa.

Guy Amado é crítico de arte e curador independente. Vive atualmente em Portugal, onde realiza doutorado em Arte Contemporânea.

88



Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente em seu aplicativo para tablets e celulares e no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil. Para ficar por dentro do mundo da arte, siga a Dasartes.

facebook.com/dasartes

@revistadasartes

@revistadasartes

Assine grátis nossa newsletter semanal em www.dasartes.com.br e saiba das melhores exposições e notícias da arte.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.