Revista Dasartes Edicao 66

Page 1

MAX ERNST AMELIA TOLEDO RAFAEL FEIRA PARTE READY MADE BRASIL




DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin REDAÇÃO André Fabro PUBLICIDADE publicidade@dasartes.com

Capa: Max Ernst, Mulher, velho e flor, 1923–1924. Foto: The Museum of Modern Art, New York.

DESIGNER Arruda Arte & Cultura MÍDIAS SOCIAIS Pedro Antuntes SUGESTÕES E CONTATO dasartes@dasartes.com APOIE A DASARTES Seja um amigo Dasartes em recorrente.benfeito ria.com/dasartesdigital

Contracapa: Regina Silveira, Luz Centro Cultural Veras na Feira PARTE.

Doe ou patrocine pelas leis de incentivo Rouanet, ISS ou ICMS/RJ redacao@dasartes.com

Obra de Anderson Santos. Galeria RV Cultura e Arte na feira PARTE.


FEIRA PARTE

12 MAX ERNST

22

06 De arte a z RAFAEL

57

Resenhas

64

Notas de mercado

66

Coluna do meio

READY MADE IN BRASIL

AMELIA TOLEDO

RESENHAS

57

48

32

40


DE ARTE A Z Notas do circuito de arte

ESCULTURA DE RON MUECK É ATACADA EM INSTAMBUL Manifestantes religiosos atacaram uma escultura do artista Ron Mueck, alegando que o trabalho apoiava o secularismo e violava a liberdade religiosa. A escultura de um homem nu, agachado no chão, segurando um cardigan sobre si mesmo, fica dentro de uma antiga lareira de azulejos. Talvez os manifestantes tenham confundido a lareira com um mimbar, local onde se posiciona um imã durante os sermões nas mesquitas.

ARTISTA PATRÃO ROUBADO

PALMA DE OURO EM CANNES

PORTAL BRASILIANA ICONOGRÁFICA

Em Nova York

Vai para...

brasilianaiconografica.art.br

Um assistente do famoso artista irlandês Sean Scully foi preso por roubar uma pintura e tentar vendê-la na casa de leilões Bonhams, em Nova York. Arturo Rucci, 50 anos, ofereceu a pintura de Sean Scully avaliada em US$ 400600,000. Após suspeitas, a casa de leilão procurou Scully, que só então percebeu que sua pintura estava faltando.

O Grande vencedor da Palma de Ouro no festival de Cannes de 2017, “The Square” é um filme que propõe um debate sobre o alcance da arte enquanto promotora de mudanças e reflexões sociais. O quinto filme ficcional do sueco Ruben Östlund agrega dramaticidade viva e certo humor perverso sendo arredado por esquetes de grande valor estético e narrativo.

Está no ar o primeiro portal a reunir obras iconográficas da Biblioteca Nacional, do Instituto Moreira Salles, do Itaú Cultural e da Pinacoteca de São Paulo. Essa plataforma traz mais de duas mil imagens e análises de obras fundamentais da iconografia brasileira para consulta, reunindo um grande conjunto de obras, acrescidos por conteúdos, textos e curadoria de especialistas.

6



Teresinha Mazzei, Diálogos VI.

GIRO NA CENA

Inscrições para Coletiva EIXO A coletiva EIXO é uma mostra virtual de arte que acontece desde 2016. É um serviço executado pela EIXO Arte para a execução de exposições em 3D e virtuais exclusivas pelo site www.eixoarte.com.br e pelas redes sociais. Sua abertura será em março e as inscrições poderão ser feitas a partir de novembro no site do projeto.

CHIHARU SHIOTA INVADE IGREJA EM BERLIM Chiharu Shiota encheu a igreja St. Nikolai Kirche de fios pretos que atravessam o espaço para criar túneis com efeito de teia de aranha. Milhares de folhas de papel – tiradas de Bíblias em 100 línguas diferentes – estavam emaranhadas na rede de tecidos espessos, como se estivessem sopradas pelo vento. A instalação, intitulada “Lost Words”, marca o 500º aniversário da Reforma Protestante, celebrada em toda a Alemanha em 31 de outubro.

Cassino da Urca em dourado O Instituto Europeo di Design e TAL Projects inauguram a exposição "Cassino", uma intervenção do artista Heleno Bernardi com cerca de uma tonelada de purpurina dourada sobre as ruínas do lendário teatro do Cassino da Urca, cobrindo suas paredes, palco e fosso da orquestra. A intervenção propõe uma "alusão metafórica aos dias gloriosos, à riqueza que atraía os jogadores, ao brilho dos artistas e também à efemeridade da sorte que girava pelas roletas". De 25/11 a 20/12.

8 DE ARTE A Z

VISTO POR AÍ

O artista italiano Graziano Cecchini jogou corante vermelho sangue na Fonte de Trevi, em Roma. Ele diz que o movimento foi um ato de protesto para aumentar a conscientização sobre a corrupção do governo na capital italiana.



12º PRÊMIO ARTE LAGUNA

NOVO ESPAÇO

Inscrições abertas até 16/11 O Prêmio Arte Laguna é um concurso internacional de promoção da arte contemporânea e se destaca pela crescente oferta de oportunidade aos artistas vencedores. Um júri internacional selecionará 115 finalistas, dentre os quais serão escolhidos os ganhadores de cinco prêmios de € 35.000 mil, exposição na sede do Arsenale de Veneza; três exposições em galerias de arte internacionais; três colaborações com empresas; um prêmio de sustentabilidade e três participações em um festival internacional. As inscrições custam a partir de 50 euros e são feitas pelo site www.artelagunaprize.com/pt/inscricao

Galeria Almeida Prado Fábio Almeida Prado, idealizador da galeria brasiliense, decidiu mudar o espaço para São Paulo. A proposta da nova galeria é que as pessoas consigam imaginar como as obras e os móveis ficariam em suas casas e, para facilitar que isso aconteça, as peças são distribuídas por ambientes, como uma residência. RUA ESTADOS UNIDOS, 2096 JD. AMÉRICA, SÃO PAULO

GIRO NA CENA

Para se desculpar "Para mostrar nossa boa vontade e sinceridade, substituímos as fotos que nossos amigos africanos acham chocantes". Wang Yuejun, curador do Museu Provincial de Hubei, na China, após protestos contra a exposição de fotografias contrapondo negros e animais. 10 DE ARTE A Z

33ª Bienal de São Paulo Com abertura em setembro de 2018, a mostra já com o tema definido “Afinidades afetivas”, revê papel da curadoria e terá sete artistas atuando em sua concepção, além do curador Gabriel Pérez-Barreiro. Os artistas são Alejandro Cesarco, Antonio Ballester Moreno, Claudia Fontes, Mamma Andersson, Sofia Borges, Waltercio Caldas e Wura-Natasha.



PARTE FEIRA Fotografia de Marcelo Paciornik na Galeria Zilda Fraleti.


FEIRA

POR REDAÇÃO

PARTE

A PARTE Feira de Arte Contemporânea estreia sua nona edição com foco em novos talentos na arte, muitos deles não presentes em outros eventos do gênero. O comitê independente formado por Aloisio Cravo, Carlos Bitu Cassundé, Raphael Fonseca, Regina Pinho de Almeida e Rejane Cintrão selecionou a dedo 45 galerias de arte de todas as regiões do Brasil e três galerias de Buenos Aires. A PARTE acredita que transparência e informação democratizam o acesso à arte. Uma das premissas da feira é exibir dados sobre todas as obras expostas e seus artistas, assim como os preços, de forma transparente. A edição deste ano é marcada por muitas novidades como a estreia de novas seções e projetos. Na seção "Coletivos", grupos independentes de artistas como O Ateliê Ale (São Paulo), o Coletivo Rifa (Salvador e São Paulo), Sem Título (Ceará), Pigmento (São Paulo) e o assíduo Grupo Alugase (São Paulo) participam com suas ações como jogos e rifas.


Outra grande novidade é a estreia da seção "Solos". O curador da Feira, Douglas de Freitas, curador de artes visuais do Museu da Cidade de São Paulo, selecionou artistas jovens representados por algumas das maiores galerias de arte do Brasil, para mostrarem seus projetos na PARTE. A iniciativa está alinhada com um dos objetivos centrais da feira, que

De cima para baixo: Obra de Ricardo Alcaide na Galeria 55SP, escultura de Erli Fantini na Galeria de Arte Beatriz ABI-ACL e fotografia de Solon Rodrigues na Sergio Gonçalves Galeria. 14 FEIRA PARTE


Serigrafia de Jean-Michel Basquiat na Galeria Emma Thomas.


Acima: AcrĂ­lica de Pedro Marighella na RV Cultura e Arte. Abaixo: Desenho e colagem de Erica Kaminishi na Adelina Galeria.


é dar visibilidade à nova geração da arte contemporânea nacional. As galerias que iniciam esse projeto são a Millan, com o artista Guilherme Ginane; a Vermelho, com Guilherme Peters; a Casa Triângulo, com Lucas

Simões, e a Baró Galeria, com Ricardo Alcaide. Os diálogos fazem parte da programação cultural na quinta e sexta-feira e são promovidos pela Fundação Marcos Amaro. Destaque

Em sentido horário: Escultura de Fernando Cardoso na AR Escritório de Arte, obra de Diego de Santos na Sem Título Galeria e Fotografia e colagem de Alessandra Rehder na Andrea Rheder Arte Contemporânea.


para os temas "Fotografia Política", com os fotógrafos Bruno Morais e Iatã Cannabrava; "A escultura no espaço atual", com a participação dos artistas Gilbero Salvador, Jose Spaniol e Sergio Romagnolo, e "Acervo e Colecionismo", com as museólogas Cecília Machado e Marilúcia Botallo e mediação da diretora da revista Dasartes Liege Gonzalez Jung. Para fechar a intensa programação, haverá projetos especiais do Centro Cultural Veras, de Florianópolis, com curadoria de Josué Mattos, ganhador do

Em sentido horário: Obra de Fernanda Valadares na Aura Arte, óleo de Guilherme Ginane na Galeria Millan, xilogravura de Anna Maria Maiolino na Galeria Base e pintura de Marlene Stamm na 55SP. 18 ALTO RELEVO


Célio Celestino - Da série Volátil na Sem Título Galeria.


Prêmio Marcantonio Vilaça 2017, do Instituto Adelina, Banca Tijuana e da Fundação Marcos Amaro, que realiza atividades para as crianças como caça ao tesouro e jogos pedagógicos sobre o universo de Arthur Bispo do Rosário.

PARTE (Feira de Arte Contemporânea) • Clube A Hebraica • São Paulo • 8 a 12/11

Em sentido horário: Acrílica de Betina Vaz na Sergio Gonçalves Galeria, objeto de Talitha Rossi na Janaina Torres Galeria, xilogravura de Ernesto Bonato na Via Thorey e acrílica de Neno Ramos na Galerie Brésil. 16 FEIRA PARTE



MAX ERNST alĂŠm da pintura


NapoleĂŁo no deserto, 1941. Todas fotos: The Museum of Modern Art, New York.



POR ANNE UMLAND E STARR FIGURA

Ao longo de sua longa carreira, Max Ernst (1891-1976) evoluiu de provocador dadaísta a ilusionista criador de paisagens surreais, de imigrante da Segunda Guerra Mundial a visionário do pós-guerra. Ao longo dessa jornada, ele constantemente procurou reinventar os termos da arte para um mundo que se afastava do conflito, começando com sua primeira exposição individual em 1921. A mostra do MoMA é uma pesquisa concentrada sobre o trabalho de Ernst, que enfatiza sua incessante experimentação em diferentes formatos. Começa logo após a Primeira Guerra Mundial, quando ele voltou, traumatizado, para Colônia, após quatro anos de luta no exército alemão. Lá, ele fundou o grupo Dada de Colônia, enfurecido contra as forças que o levaram à guerra. Em 1922, mudou-se da Alemanha para Paris e se tornou um membro-chave do movimento surrealista, que valorizava o subconsciente e o irracional em detrimento da ordem e da lógica.

À esquerda: Introdução dos membros do Grupo Surrealista, 1931. Acima: Borboletas, 1931.


Acima: A Roda da Luz da História Natural, c. 1925, publicado em 1926. Abaixo: Página do livro Volume IV: Édipo de uma semana de bondade ou os sete elementos mortais, 1933–34, publicado em 1934.

No início da Segunda Guerra Mundial, foi detido como inimigo estrangeiro. Em 1941, escapou para os Estados Unidos e, em 1953, voltou para a França. A vida nômade de Ernst era inextricavelmente ligada à sua incansável criatividade e à preocupação com a metamorfose poética. Suas inovações podem ser encontradas nas colagens Dada e sobrepinturas envolvendo fragmentação e transformação de reproduções impressas; pinturas surrealistas que incorporam os desconexos princípios da colagem; o uso da frotagem (friccionar grafite em papel colocado sobre objetos), 26 MAX ERNST


gratagem (raspar tinta fresca da tela) e decalcomania (pressionar papel ou vidro contra pintura molhada) para criar texturas; pedra pintada e esculturas de bronze; e portifólios e livros ilustrados que carregam uma vasta gama de técnicas de impressão. Ernst pintou o primeiro estágio da composição "Mulher, velho e flor" em 1923, um ano após sua mudança para Paris para se juntar ao nascente grupo surrealista. Modificou posteriormente elementos desse quadro. Mais surpreendentemente, acrescentou a misteriosa figura espanada em primeiro plano, parcialmente transparente, parcialmente modelada, provavelmente a flor referenciada no título. Mesmo antes de deixar a

A vida nômade de Ernst era inextricavelmente ligada à sua incansável criatividade e à preocupação com a metamorfose poética.

O chapéu faz o homem, 1920.


Obra de Túlio Pinto na Baró Galeria.

Os resultados alcançaram avanços radicais em escala, cores intensificadas e o que ele descreveu como "um efeito muito mais insano".

28 DO MUNDO


A gramínea bicicleta enfeitada com sinos que abafava fogos-fátuos e os equinodermos que dobravam a espinha buscando carícias, 1921.

Alemanha, Ernst já pensava em traduzir para óleos sobre tela as estratégias de colagem e de sobreposição de pintura usadas em seus trabalhos dadaístas em papel. Os resultados alcançaram avanços radicais em escala, cores intensificadas e o que ele descreveu para o companheiro dadaísta Tristan Tzara como "um efeito muito mais insano". Para a pintura "A gramínea bicicleta enfeitada com sinos que abafava fogosfátuos e os equinodermos que dobravam a espinha buscando carícias", Ernst estava fascinado com imagens microscópicas, introduzidas pela primeira vez no início do século 20. Ele criou uma sobrepintura na ambiciosa escala de uma pintura a óleo tradicional, usando uma tabela de ensino padrão. Ernst inverteu o pôster contido nela, que mostrava imagens ampliadas de células de levedo de cerveja, e pintou seletivamente em um fundo preto. Depois pintou faixas e rolamentos, além de detalhes humanizadores, como olhos, narizes, membros e bigodes, para criar um circo virtual de equilibristas na corda bamba, palhaços e ciclistas. A inscrição confere conotações sexuais divertidas aos cabelos, orifícios e protrusões desses microrganismos.


As imagens misteriosas da pintura "O nadador cego" lembram o interesse de Ernst em explorar o visual da linguagem da ciência (especificamente biologia e geologia) em suas sobrepinturas dadaístas e colagens do final dos anos 1910 e 1920. Ainda que uma imagem original não possa ser identificada, a impressão é de uma seção transversal altamente ampliada de algum tipo de ovário de planta ou espécime botânica, expandida e traduzida para óleo sobre tela. A precisão das linhas de Ernst, algumas a lápis, contrastam com sua suave mistura de pigmentos, que rodeiam a intencionalmente erótica figura central com um brilho luminoso. Ernst usava repetidamente a expressão "além da pintura" para evocar o seu impulso em transgredir e dobrar as tradições prevalecentes. O conjunto de sua obra e sua influência sobre os artistas de sua época e das décadas seguintes mostram que conseguiu.

Anne Umland é curadora do departamento de pinturas e esculturas especializada no The Blanchette Hooker Rockefeller.

Starr Figura é curadora do departamento de Desenhos e Impressões do Museu de Arte Moderna de Nova York.

Max Ernst: Além da Pintura • Museu de Arte Moderna • Nova York • 23/9 à 01/01/2018


O nadador cego, 1934.


Madonna dell Impannata, 1511.


RAFAEL UMA RETROSPECTIVA

COM CERCA DE 130 DESENHOS E 20 PINTURAS DO MESTRE RAFAEL, A RETROSPECTIVA NO MUSEU ALBERTINA FAZ UM LEVANTAMENTO EXCLUSIVO DA OBRA DO ARTISTA, DESDE O INÍCIO EM ÚMBRIA, SEUS ANOS EM FLORENÇA, ATÉ SUA PRECOCE MORTE EM ROMA

POR ACHIM GNANN

Rafael foi um dos desenhistas mais excepcionais e fascinantes de todos os tempos. Com o domínio supremo, ele usou as técnicas disponíveis em sua época caneta e tinta, giz vermelho e preto, carvão vegetal, ponta de prata, desenho preliminar com uma caneta metálica e lavagens aplicadas com pincel. Era muito aberto a influências e sugestões: inicialmente, de seus professores Perugino, Pinturicchio e Luca Signorelli, e depois, em Florença, Leonardo, Michelangelo e Fra Bartolommeo. No entanto, Rafael não adotou os estilos de desenho desses artistas, e sim assimilou suas ideias e as adaptou para as próprias intenções. Estava envolvido em uma busca


constante por possibilidades expressivas que lhe permitiriam alcançar seus objetivos artísticos e suas extensas ambições. Com isso, criou um estilo de desenho único e distinto, claramente diferente do de seus contemporâneos. Seus alunos e sucessores não conseguiram compreender seu trabalho em sua totalidade e diversidade multifacetada, e apenas adotaram partes de suas ideias. Com Leonardo da Vinci (1452-1519) e Michelangelo (1475-1564), Rafael (14831520) completa o triunvirato dos 34 FLASHBACK

artistas renascentistas italianos. Muitas de suas realizações podem ser creditadas ao seu envolvimento com o trabalho dos dois grandes mestres, e ainda assim sua arte é fundamentalmente diferente da deles. De maneira mais universal do que Leonardo ou Michelangelo, Rafael expressa geralmente os aspectos humanos de suas figuras: seu caráter, sua natureza, seus sentimentos e a força motivadora de suas ações. Observando-os com grande precisão, ele também os idealiza e dá a eles um significado universal. Através de suas

Todas imagens do artista: Foto: Marcelo Magalhães.


À esquerda: A visão de Ezekiel, 1516-1517. Abaixo: A virgem e a criança (Madonna Colonna), 1508 e A Madonna e a criança com o novato São João (Esterházy Madonna), 1508.

ações, suas figuras entram em uma rede de relacionamentos em que as contradições e as tensões são esclarecidas, reconciliadas e unidas em uma maravilhosa unidade composicional. A reflexão de Rafael sobre os ideais da antiguidade resultou em sua capacidade de emprestar monumentalidade, dignidade e grandeza às suas figuras e, assim, tornar-se um dos mais importantes pintores da história no estilo clássico.

Rafael expressa geralmente os aspectos humanos de suas figuras: seu caráter, sua natureza, seus sentimentos.


Seu estilo se transforma, absorvendo a influência florentina, em especial na introdução da composição triangular na distribuição das figuras na pintura.

BIOGRAFIA 1483 - Rafael nasce em Urbino. Aprende a pintar com seu pai, Giovanni Santi, que morre quando Rafael tinha 11 anos. A partir daí, passa a treinar no ateliê de Pietro Perugino. 1500 - Já trabalhando como artista independente, recebe sua primeira comissão, para um altar em Cittá di Castello. Em 1502, inicia sua colaboração com Pinturicchio, criando estudos para seus afrescos. 1504 - Muda-se para Florença, onde estuda as obras de da Vinci e Michelangelo. Seu estilo se transforma, absorvendo a influência florentina, em especial na introdução da composição triangular na distribuição das figuras na pintura. 1508 - Rafael se muda para Roma, para executar a decoração dos aposentos do papa Julio II, que se recusava a ocupar o mesmo quarto que seu odiado antecessor. A extraordinária qualidade dessa obra o tornaria um favorito do clero e da sociedade romana, entre eles o poderoso empresário e banqueiro Agostino Chigi. 36 RAFAEL


A virgem com o diadema azul, 1511.


A FamĂ­lia Sagrada com o cordeiro, 1507.


O Massacre do Inocente, 1505-1510.

1514 - Rafael é nominado sucessor de Bramante como arquiteto da Capela Sistina e assume não apenas sua construção, mas também um grande volume de pinturas e tapeçarias para suas câmaras e edifícios adjacentes. Para cumprir tantas obrigações, contrata e treina um grande número de assistentes, razão pelo qual alguns dos desenhos e estudos desse período têm sua autoria questionada. 1520- Morre em Roma aos 37 anos.

Rafael • Museu Albertina • Viena, Itália • 28/9 a 7/01/2018

Achim Gnann é professor de conferência universitária PhD. Desde 2005 é curador de arte italiana no museu Albertina com foco de pesquisa em impressões e desenhos italianos do século 16.


A RESSONÂNCIA MÓRFICA DUCHAMPIANA NO BRASIL


R Nelson Leirner, Quadro a quadro – Cem Monas, 2012. Foto: Beatriz Cunha.

E A D Y M A D E IN BRASIL


Waltercio Caldas, Aquário completamente cheio, 1981. Foto: Miguel Rio Branco.

MOSTRA INÉDITA CELEBRA O CENTENÁRIO DA OBRA “FONTE”, ICÔNICO URINOL DE DUCHAMP, COM CERCA DE 150 OBRAS DE ARTISTAS BRASILEIROS

POR DANIEL RANGEL Há exatos cem anos, em 1917, o francês Marcel Duchamp apresentou para o Salão dos Artistas Independentes de Nova York um objeto intitulado "Fountain" ("Fonte"). Apesar de ter cumprido os pré-requisitos para participar do evento, a obra não foi aceita. Material e visualmente, a peça não se diferenciava de um objeto comum. Tratava-se de um mictório invertido, assinado e datado na borda. O gesto criou uma fissura e abriu um portal de liberdade criativa para os 42 OUTRAS NOTAS

artistas vindouros, que, adotando a ação duchampiana como referência, puderam se livrar de séculos de dominação de obras retinianas (atreladas à visão). Ao se apropriar de um objeto - proveniente da indústria e produzido em larga escala - e deslocá-lo de sua função natural, o francês desafiou a concepção de originalidade e unicidade do objeto artístico e transferiu uma etapa de sua elaboração para o campo mental.


Apesar do frisson que Duchamp causou nas primeiras décadas do século 20, sua chegada ao ideário artístico global ficou evidente somente nos anos 1950 e 1960, quando aconteceu o que intitulo uma "ressonância mórfica duchampiana" nas artes. E, em consonância com o processo de apropriação e deslocamento, aproveito-me livremente dessa teoria e o aplico à argumentação. A ressonância mórfica, ou "lenda do 100º macaco", é uma teoria difundida pelo biólogo inglês Rupert Sheldrake.

O gesto criou uma fissura e abriu um portal de liberdade criativa para os artistas vindouros.

Acima: Alexandre da Cunha, Full Catastrophe (Drum X), 2012 e Jac Leirner, Small Transparency, 2015. Foto: Eduardo Ortega.


Nelson Leirner, Xeque-Mate (Touro Mondrian e Duchamp), 2012. Foto: Beatriz Cunha.

Ele imagina duas ilhas habitadas pela mesma espécie de macaco, sem contato perceptível entre elas. Um símio de uma das ilhas descobre um jeito mais eficaz de quebrar cocos. Por imitação, o procedimento se difunde. Quando o centésimo macaco aprende a técnica, os símios da outra ilha começam a quebrar cocos da mesma maneira, tal que o conhecimento parece incorporado aos hábitos da espécie. A partir dessa imagem fictícia, Sheldrake sugere a existência de campos mórficos, ou seja, estruturas que moldam o comportamento de todos os sistemas do mundo material, de modo que, por meio da "ressonância mórfica", a informação é coletivizada. 44 READY MADE IN BRASIL

Algo como uma ressonância mórfica duchampiana pôde ser percebida em diferentes países em um mesmo período. O legado de Duchamp está diretamente conectado com o surgimento da pop art na Inglaterra e nos EUA, do novo realismo na França, da arte "povera" na Itália, das ações do grupo japonês Gutai, do alemão Joseph Beuys e de artistas na América Latina, incluindo brasileiros. Nesse contexto nacional se destacam os "popcretos" de Augusto de Campos e Waldemar Cordeiro, as propostas dos artistas neoconcretos Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape, além de obras de dois dos fundadores do grupo Rex; Nelson Leiner e Wesley Duke Lee.


Lenora de Barros, Ping-Poem nÂş7. SĂŠrie: Remirando formas, 2014. Foto: Everton Ballardin.


Antonio Dias, Satélites, 2002. Foto: Vicente de Mello.

A mostra "Ready Made in Brasil" celebra o centenário da obra "Fonte", de Duchamp, e traça, a partir da obra desses artistas mencionados, uma possível linha do tempo da influência do "readymade" na produção brasileira, desde os anos 1960 até a atualidade. Uma reafirmação necessária, em tempos em que a arte se vê novamente questionada, ao maior legado duchampiano para os artistas; a liberdade de criação.

46 OUTRAS NOTAS

Ready Made in Brasil • Centro Cultural FIESP • São Paulo • 10/10 a 28/01/2018

Daniel Rangel é curador e gestor cultural, sócio da N+1 arte cultura, pesquisador do Fórum Permanente do IEA/USP, membro do International Biennial Association e mestrando em artes visuais pela USP.



A M E L I A T O L E D O


Caleidoscรณpio, 1999. Foto: Isaias Martins.

C I E S Q U E

E I L E M B R

Q U E


POR MARCUS LONTRA Amelia Toledo se consagrou como uma artista que não se prende a um material ou a uma técnica. Munida de uma imensa curiosidade, ela produziu trabalhos utilizando retalhos, fiapos, aço, pedras, acrílico, plástico - sempre se preocupando em buscar a verdade de cada matéria-prima escolhida. Foi assim, trabalhando sempre contra a corrente e com um espírito irrequieto,

50 DESTAQUE

que ela ficou conhecida como a grande dama da contracultura. Para explorar com detalhes todo o universo de Amelia, a exposição "Lembrei que Esqueci", em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo até o dia 8 de janeiro, ocupa os seis andares do prédio. Cada um deles tem um tema e uma característica bem particular, de maneira que o espectador conhecerá o trabalho dela por camadas.


À esquerda: Bambuí, 2001-2015 (Instalação no jardim da casa da artista). Foto: Isaias Martins. Abaixo: Escultura da Série Impulso, 2001 e Poço verde, 2005. Fotos: Mauricio Froldi.

O percurso deve começar no subsolo, espaço chamado de "A Caverna". Lá estão objetos de pedras sobre estruturas de concreto. A ideia desse ambiente é tirar o visitante daquele mundo caótico que ele está vivenciando no centro de São Paulo, no centro de uma grande metrópole, e aprofundá-lo em um local misterioso, em um tempo a ser reconstruído.


Já no térreo, o tema é "O Encontro". Por ser a entrada do Centro Cultural, nesse lugar a mostra tem um caráter mais declaradamente convidativo, de envolvimento, por meio de grandes placas de metal, das Fatias do Horizonte e outras peças que trabalham o tempo todo essa ideia, essa equação essencial da arte, que é o tempo e o espaço. Ali, transmite-se que o papel da arte é o de ponte, ligação, convite e articulação entre o passado e o futuro com as armas e as inteligências do presente. O primeiro andar, chamado de "A Passagem", explora a tonalidade azul com todo esse universo de descoberta de materiais, de sensíveis, que são, na verdade, caminhos para que a pessoa circule entre as obras. Para que as pessoas descubram o que é, como dizia Gaston Bachelard, "a importância 52 AMELIA TOLEDO

do interior e do exterior, do ser e do não ser". "A Memória", no segundo andar, é a área de caráter mais museográfico da exposição. Com duas salas de dimensões bastante consideráveis, as obras estão dispostas de maneira cronológica. O espectador encontrará obras significativas e fundamentais de Amelia Toledo, como os "Planos Volumes", "As Marceanitas", "Glu Glu", "Caixa do Sem Fim", enfim, uma série de trabalhos que hoje fazem parte da história da arte brasileira, mas, principalmente, da nossa relação afetiva com a arte. Esse segundo andar é o espeço da apoteose e da consagração da artista. Conceitos como precariedade, sutilezas, resquícios, pensamentos e gestos pequenos e vagos são muito importantes para a Amelia. Por isso,


Esferas Hápticas, 1969. Abaixo: Glu Glu, 1968. Fotos: Isaias Martins.

Caixinha do Sem Fim, 1971.

Para que as pessoas descubram o que é "a importância do interior e do exterior, do ser e do não ser". 57


De baixo para cima: Poço da memória dedicado ao meu pai, 1971. Foto: Du Ribeiro e A boca, 1975. Foto: André Fabro.

54 DESTAQUE


no terceiro andar, "A Luz", buscou-se explorar dessas ideias. Nesse espaço existem fios, fiapos, farrapos, resíduos - sempre alguma coisa que transmite a ideia cara e barroca de que a vida é vento, é uma passagem. E Amelia ensina isso de maneira poética, mostrando e fazendo as pessoas descobrirem essas verdades. Por fim, o quarto andar tem como tema "O Destino". Ali é a consagração de todos os aspectos da artista, que nunca se limitou ao tradicional. Ao contrário, ela sempre dialogou com várias ações, ciências e processos de conhecimento humano. Em um determinado momento, sua obra passou a ter um diálogo profundo com o design, a produção industrial e a capacidade reprodutiva das formas. Isso faz dela uma artista generosa, cujos processos convocam a uma grande comunhão dos saberes e sentidos. Esse último andar é o da festa, onde as pessoas são convidadas a interagir com as obras, participando, construindo e reelaborando, talvez, uma obra nova - quem sabe um mundo novo. Mas, certamente, um sentimento de integração e afeto que é cada vez mais necessário em todos nós, para todos nós, principalmente, nesse delicado e conturbado momento em que vive o povo brasileiro.

Marcus Lontra é curador e crítico de arte. Foi diretor da EAV Parque Lage e diversos museus, incluindo MAM RJ e Brasília e MAMAM Recife.

Amelia Toledo: lembrei que esqueci • Centro Cultural Banco do Brasil • São Paulo • 12/12 a 8/01/2018



RESENHAS exposições

Corpo a corpo Instituto Moreira Salles • São Paulo • 20/9 a 30/12 POR CAHONI CHUFALO

Primeiro, uma palavrinha sobre o novo Instituto Moreira Salles (IMS) em São Paulo: o prédio ficou muito bonito, com boas salas de exposição, em uma localização privilegiada. Muito diferente daquele espaçozinho apertado vizinho à praça Buenos Aires. Surge mais um lugar na capital paulista capaz de realizar excelentes exposições. Das atuais que inauguram o novo IMS, escolhi falar da exposição "Corpo a corpo", aquela que me parece tratar de questões mais atuais. As obras expostas, fotos e os vídeos apontam sempre para algum aspecto problemático da realidade brasileira: jovens da periferia, protestos e manifestações, racismo, religiosidade, a política e os políticos. Falar de aspectos problemáticos da realidade brasileira é quase um pleonasmo: a realidade brasileira, como um todo, é problemática. Para qualquer lugar que o artista aponte sua câmera, encontrará um problema. A facilidade em encontrar problemas não implica a facilidade de sua representação. Ou, ao menos, não implica a facilidade em transformar os problemas em obras de arte. Nesse sentido, a exposição nos coloca diante

de obras que se valem de representações documentais, registros de momentos, como são os vídeos de protestos feitos pelo coletivo Mídia Ninja, como também obras de maior complexidade estrutural, como a "Eu, mestiço", de Jonathas de Andrade, que entrelaça texto e contexto, fotos e sua disposição na parede. Seria, pois, o embate entre o objeto e sua representação do "corpo a corpo" sugerido pelo título da exposição? Se a câmera é capaz de nos colocar dentro de um acontecimento, reivindicando sua capacidade de nos pôr diante de uma inequívoca realidade, ela também se 57


presta a criar imagens facilmente manipuláveis, construir "realidades" e reforçar discursos que, a um olhar desatento, podem ser enganosos. As imagens, afinal, nos aproximam ou nos afastam da realidade? O melhor exemplo dessa ambivalência é a obra de Sofia Borges "A máscara, o gesto, o papel". As fotos de closes das mãos e gestos dos políticos em Brasília e das bocas dos retratos dos expresidentes do Brasil criam uma proximidade maior entre o objeto e sua representação. Proximidade literal. Vemos os gestos de perto, vemos as bocas de perto. No entanto, o fato de serem políticos os retratados nos desperta o sentimento de desconfiança, sentimento generalizado que pesa sobre essa classe. O que esses gestos e sorrisos, mãos e bocas, escondem por trás? Que interesses escusos escapam ao nosso olhar? O que é que nem o close nem a ampliação das imagens nos permitem ver?

58 RESENHAS

As obras da exposição balançam entre a aproximação da realidade e a construção de realidades. O que nem sempre são coisas opostas. Se um jovem cria sua identidade a partir de roupas e acessórios, um político também cria a sua com ternos, sorrisos e gestos estudados. Uma manifestação transmitida ao vivo, de dentro, parece fazer muito barulho; mas será que tem ressonância para além daquele momento? Na era das imagens, como é a nossa, tudo se transforma em um grande teatro, feito para acabar em imagens e ter aí, no registro e não na realidade, sua máxima significação? Não há dúvidas de que são questões pertinentes e atuais as que a exposição "Corpo a corpo" nos traz. O que já é um bom início para o novo IMS.

Cahoni Chufalo é formado em Letras, com pós-graduação em Crítica e Curadoria de arte.


Projeto 027 SESI Arte Galeria • Vitória-ES • 28/9 a 10/12 DALLA FLAVIA POR BERNARDINA

O Projeto 027 - 1ª edição - é uma coletiva realizada na Sesi Arte Galeria, espaço cultural inaugurado no primeiro semestre de 2017, com obras dos artistas Gui Castor, Ana de Sena, Dias Sardenberg, Heidi Liebermann e Orlando da Rosa Farya, curadoria de Rosa Nina Liebermann e co-curadoria de Lobo Pasolini. Gui Castor apresenta os vídeos "Por trás do espelho" (Behind the mirror), realizados em Nova York, em 2016, dispostos em duas telas lado a lado, com imagens simultâneas que destoam: uma com as feições de moradores de rua e outra com pessoas fazendo "selfies". As imagens são diversas, mas a legenda é a mesma. Apesar da distância, essas duas realidades discrepantes são conectadas e as questões ali postas, como "quantos irmãos você tem?", tornam-se da ordem do comum. Orlando da Rosa Farya expõe as fotografias digitais "Terra em transe", em remissão explícita ao filme de Glauber Rocha, sob a perspectiva distópica das imagens cuja captação é mediada por tijolos de vidro em frente à lente, garantindo um efeito distorcido, que questiona as noções de verdade e realidade, revelando a incerteza e liquidez dos tempos contemporâneos. Dias Sardenberg, inspirando-se no designer italiano Carlo Mollino,

apresenta um trabalho em colagem e tapeçaria, baseado em quimonos japoneses, enquanto Heidi Libermann se vale de lonas de caminhão como suporte para seu colorido abstrato, confirmando o que o cronista Rubem Braga disse sobre ela: "Heidi Liebermann é uma artista aberta a todas as influências e, assim, se realiza." Por último, e no centro do espaço expositivo, está o "work in progress" de Ana de Sena. Em um lado da parede, o Fragmento 3 da obra "Ordem Desordenada", no outro lado, as roupas brancas penduradas em um cabide, as quais veste diariamente para iniciar a produção. Uma espécie de folha de ponto, onde ela anuncia o horário que inicia e termina e que horas começará no dia seguinte. Na delicadeza dos desenhos em lápis grafite, sobre peças de MDF em dimensões variadas, Ana revela nessa série, além das novas inscrições, traços apagados do Fragmento 1. A cada dia, um desenho novo sobre o anterior, uma escritura poética, que atualiza a obra no tempo e no espaço.


Percebe-se que, por se tratar de um projeto de edição anual - sendo esta a primeira -, parece que o recorte da curadoria não foi o de conectar um artista ao outro. Trabalhar, sim, suportes diversos, mas a relevância está em avançar, em conferir uma permanência ao projeto. E o fato de se valer do DDD local - o 027 - não garante que serão cotados apenas artistas capixabas assim como Heidi e Dias não são -, mas de trazer artistas que estabelecem como ponto de partida ou de chegada a cidade de Vitória que, por ser portuária, suporta bem essa característica própria do trânsito. O projeto bem estruturado de arte educação, comandado pelo artista Thiago Arruda, vale-se de questões atuais pulsantes e que nos conduzem a rever nosso modo de operar em tempos contemporâneos: a questão da experiência, que exige um tempo maior para responder aos estímulos do mundo, em contrapasso às respostas imediatas à poluição visual, sonora e de informação a que estamos submetidos diuturnamente. Thiago propõe então - remetendo oportunamente à arte postal da década de 1970 - que postais sejam feitos com carimbos, tinta, lápis. Esses postais podem ser levados para casa por seu autor, podem ser enviados para alguém ou mesmo para algum dos artistas, e para isso existe uma caixa de correios específica para esse fim. Surge também uma espécie de telefone sem fio, feito de copos de isopor ligados por tubos de plástico. De novo, a tentativa de reestabelecer outras 60 RESENHAS

formas de comunicação, de apresentar outro tempo que não o da urgência. A remissão à arte-postal, que surge em uma época obscura da história brasileira, a ditadura na década de 1970, não deixa de ecoar como um grito de socorro frente aos eminentes ataques à exposições em todo o país. Não seria diferente no Estado do Espírito Santo, onde uma lei acaba de ser aprovada pela Assembleia Legislativa, para vetar exposições artísticas com nudez e obras com "teor pornográfico". Diante de uma vida veloz que nos conduz a reboque, sem saber onde estamos e o que pensamos, espera-se que o Projeto 027 consiga trazer à cena outras vozes que transitam pela ilha de Vitória, e possam fazer aquilo que é da ordem do indizível: a Arte, sem censura.

Flavia Dalla Bernardina é Advogada em Propriedade Intelectual, com extensão pela FGV/Direito Rio e Pós graduada em História da Arte e Cultura pela Universidade Cândido Mendes.



MASC 6x3: Antônio Parreiras Museu de Arte de Santa Catarina Florianópolis-SC POR MICHELE BETE PETRY Uma parede, seis metros por três metros. Sobre ela, uma pintura a óleo de 1,20 m de altura por 2,35 m de comprimento. Com a curadoria de Josué Mattos, a exposição Masc 6x3, que acontece desde maio de 2017 no museu de Arte de Santa Catarina, em Florianópolis (SC), faz pensar sobre como uma simples parede branca, com uma única obra de arte exposta, pode servir de instrumento problematizador do estatuto da imagem e da sua própria exposição. Em tempos de muitos questionamentos sobre os significados da arte e das formas de expô-la, parece ser importante atentar que, quando olhamos para uma obra, carregamos todo um repertório de imagens no olhar. Assim, diante de "Paisagem" (1929), de Antônio Parreiras (1860-1937), vemos uma série de outras imagens. "Pintando do Natural" (1937), "Regueiro" (1935) e o tríptico "Terra Natal" (1922) - Manhã, Meio-Dia e Entardecer são algumas delas, seja pelos motivos da natureza, seja pela questão da luz que incide na composição. Vale lembrar que Parreiras permaneceu durante muitos anos em Paris, no início do século 20, em contato com a produção de artistas impressionistas. Talvez por isso as cores frias do lado esquerdo da tela, o azul e o lilás, em contraste com os tons de verde do lado direito, lembrem tanto a série "Nymphéas", produzida por Claude Monet entre 1914 e 1926 (o lago e os jardins de Giverny). Igualmente, a força expressiva das árvores e troncos que pesam na metade do quadro remete a algo turvo visto antes nas paisagens de 62 RESENHAS

Van Gogh (os campos abertos de Auvers-sur-Oise, as raízes). Por outro lado, a figura do homem e a dos animais cabisbaixos, tão pequenos na cena, tocam a natureza interior de cada um de nós. São outras imagens que vem à tona, do passado, do presente e do futuro; a tristeza, a solidão, os fardos, os caminhos. Localizada em um lugar de passagem entre outras exposições, a "paisagem" de Parreiras dialoga com as "paisagens melancólicas", de Paulo Gaiad, em Atestado de Loucura, as "do não esquecimento", da Cia. Cena 11, no Projeto Claraboia, e as de "umas e outros", do coletivo de artistas com trabalhos no Masc. Fotografias antigas, atuais, instalações, videoarte e performances; corpos interagindo com o espaço ligam uma obra à outra. A exposição tem ainda o mérito de trazer à mostra uma obra de coleção particular que escapava aos olhos e olhares do público. Colocada em (ex)posição, ela permite a (sobre)posição, (justa)posição e (contra)posição de imagens: aquelas elaboradas pelo artista em algum momento da sua vida, com as quais eventualmente nos deparamos; aquelas de outros artistas que porventura marcaram sua trajetória e ofício; as nossas próprias e as dos outros visitantes; as de um acervo pessoal e as do museu. Estamos falando de uma obra que, reposicionada, encontra-se aberta a novos olhares, os quais transcendem os limites do quadro e alcançam os da imaginação. Uma parede, uma obra, quantas imagens? Quantas paisagens?

Michele Bete Petry é historiadora, doutora em Educação pela UFSC e faz pesquisas na área de artes visuais.



NOTAS DO MERCADO Fatos, valores, curiosidades e tendências DELOITTE, empresa internacional de consultoria, está por trás da 10ª Art & Finance Conference, conferência internacional sobre arte e finanças voltada para gestores de coleções privadas e institucionais, que ocorre no início de novembro em Milão. Entre os tópicos em discussão estão transparência e globalização no mercado de arte, a gestão de coleções por agentes da área de gestão de fortunas familiares e os resultados de duas pesquisas relacionadas: um estudo da seguradora Axa sobre como a informação online auxilia a aquisição de arte e outro da Deloitte sobre o retorno da arte como ativo financeiro.

PICASSO sempre em alta, antecipa as expectativas para 2018: Phillips acaba de anunciar a venda de uma pintura de sua musa Marie-Therèse no leilão de Londres em março. A obra estará em exposição em Nova York durante a temporada de novembro.

ARTPRICE divulgou seu Relatório Anual sobre o Mercado de Arte Contemporânea, confirmando o que se sente circulando por aí. Após um período de crise internacional, os sinais de recuperação que começaram a aparecer em 2016 seguem firmes. Em números, a receita de vendas em leilões aumentou em 3,2% ao longo do 1º semestre de 2017 e o número de lotes caiu 2%, demonstrando aumento do valor por lote. A presença de quatro grafiteiros entre os dez artistas vivos mais vendidos do mundo (Banks, Keith Haring, Shepard Farey e Kaws) mostra a tendência à profissionalização e valorização da arte de rua. As duas obras contemporâneas mais caras vendidas nos dois últimos semestres foram de Basquiat, sendo que uma delas bateu o recorde de preço para uma obra de arte em leilão (US$110 milhões). Uma constatação interessante é a valorização de artistas mulheres: apenas 14% dos 500 artistas mais valorizados do mundo são mulheres, mas quando olhamos para os nascidos a partir de 1980, a presença de mulheres sobe para 31%. 64


TEMPORADA DE LEILÕES de Nova York promete grandes emoções. A maior delas é a venda da única tela de Leonardo da Vinci que não está em um museu. Conheça alguns destaques: PHILIPS

Peter Doig Red House, 1995-96 OST, 200 x 250 cm Est. US$18-22 mi

Alexander Calder Overlapping Spirals, 1969 Guache s/ papel 105 x 59 cm Est. US$40-60.000

Jeff Koons Jean-Michel Basquiat Dom Perignon Baloon Untitled (Halloween), Venus, 2013 Poliuretano e verniz, 48 x c. 1982. Acrílica s/ tela 211 x 151 cm 35 x 50 cm, ed.690 Est. US$30-50.000 Est. US$3,5-4mi

CHRISTIE'S

Helio Oiticica P31 Parangolé, capa 24, Escrerbuto, 1972 Nylon e vinil, 97 x 84 cm Est. US$600-800.000

Anna Maria Maiolino Sem título, 2002/2005 Cemento e metal 84 x 47 x 41 cm Est. US$50-70.000

Pablo Picasso Femme accroupie, 1954 OST, 146 x 114 cm Est. US$20-30 mi

Leonardo da Vinci Salvator Mundi, c.1500 Óleo s/ painel 65 x 45 cm Est. sob demanda

SOTHEBY’S

Jean-Michel Basquiat Il Duce, 1982 Acrílica e spray s/ tela, 152 x 152 Est. US$25-35 mi

Emiliano di Cavalcanti Nu reclinado com peixe, 1956 OST, 113 x 196 cm Est. US$1,2-1,6 mi

Jean-Michel Basquiat Cabra, 1981-82 Acrílica s/ tela, 153 x 153 cm Est. US$9-12 mi

Francis Bacon Three studies of George Dyer, 1966 OST, 3 partes de 35 x 30 cm cada Est.US$ 35-45 mi


COLUNA DO MEIO Fotos: Paulo Jorge

Quem e onde no meio da arte

José Maria Bezerril, Paulo Branquinho, Edineuza Bezerril e Teresinha Mazzei

Cecilia Ribas, Teresinha Mazzei, Moema Branquinho e Martine Brillard

Teresinha Mazzei Casa do Paulo Branquinho Rio de Janeiro João Batista Medeiros e Frederico Dalton

Paulo Branquinho, CecíliaFraga Ribas e Eduardo Oliveira, Cesar Torbes eDenise Gina Elimelek

Elmo Martins, Paulo Jorge, Nato Gomes e Robson Macedo

Luciano Saldanha, Sílvia e Carlos Alberto Gouvêa Chateaubriand e PH Rodrigues

Marco André Tosatth e Luiz Pizarro

Fotos: Paulo Jabur.

Cristina Paraguassu, Edineusa Bezerril, Teresinha Mazzei e Márcia Estellita Lines

Arte Core MAM Rio de Janeiro Alexandre Baltazar e PH Rodrigues

Paulo Tassinari e Carla Barth

Carlos Alberto Gouvêa Chateaubriand e Júlia Furuyama

Sylvio Az e Pharrá Buarque


Fotos: Paulo Jabur

Alexandre Gidaro, Vera de Alencar, Marcelo Araújo e Anna Paola Baptista

Viviane Teixeira e Valéria Sellanes

Henri Matisse Caixa Cultural Rio de Janeiro Alexandre Gidaro e Manfredo de Souzanetto

Eduardo Oliveira, Cesar Fraga Anna Baptista e Anderson Eleotério e GinaPaola Elimelek

Marcelo Araújo e Anna Paola Baptista

Maurício Ferreira Jr e Alexandre Gidaro

Michael Drumond Verve Galeria São Paulo Sarah Chofakian

Alessandra Ferrari

Renata Junqueira

Dudu Garcia

Fotos: Rodrigo Trevisan

Michael Drumond

Allan Seabra e Ian Luca Duarte


Lançada em 2008, a Dasartes é aprimeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente em seu aplicativo para tablets e celulares e no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil. Para ficar por dentro do mundo da arte, siga a Dasartes.

facebook.com/dasartes

@revistadasartes

@revistadasartes

Assine grátis nossa newsletter semanal em www.dasartes.com.br e saiba das melhores exposições e notícias da arte.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.