RODRIGO ANDRADE EX-AFRICA BARBARA WAGNER SURREALISMO EGÍPCIO PATRÍCIA REBELLO
DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin REDAÇÃO André Fabro PUBLICIDADE publicidade@dasartes.com
Capa: Rodrigo Andrade, Posto Veneza ao Entardecer (O Céu de Suely), 2012. Foto: Galeria Millan. Coleção: Marcel Jung.
DESIGNER Arruda Arte & Cultura
Arjan Martins, Cortesia do artista e da Galeria A Gentil Carioca.
REVISÃO Angela Moraes SUGESTÕES E CONTATO dasartes@dasartes.com APOIE A DASARTES Seja um amigo Dasartes em recorrente.benfeito ria.com/dasartesdigital Doe ou patrocine pelas leis de incentivo Rouanet, ISS ou ICMS/RJ redacao@dasartes.com
Contracapa: Patrícia Rebello
EX-AFRICA
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SURREALISMO EGÍPCIO
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06 De Arte a Z 10 Agenda
RODRIGO ANDRADE
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BÁRBARA WAGNER
50
58 Livros 68
Notas de Mercado
do 70 Coluna meio
72 Alto Falante PATRÍCIA REBELLO
RESENHAS
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DE ARTE A Z Notas do circuito de arte LOUVRE ABU DHABI ABRE SUAS PORTAS O museu é o primeiro de uma série de instituições propostas para o recém-criado distrito cultural da Ilha de Saadiyat. "Deixe que haja luz", disse o arquiteto francês Jean Nouvel, que projetou o edifício em forma de iglu com teto vazado que permite a entrada da luz do sol. A primeira obra adquirida para a coleção Abu Dhabi, em 2009, foi uma pintura de Piet Mondrian da coleção de Yves Saint-Laurent, comprada em leilão por € 21 milhões. A coleção ainda inclui uma Madonna e uma criança de Giovanni Bellini; um retrato de George Washington de Gilbert Stuart e peças contemporâneas de Cy Twombly e Ai Weiwei.
Guernica de Picasso online
Esculturas vendadas no Belas Artes
2ª edição Marina Monumental
guernica.museoreinasofia.es
No Rio de Janeiro
Até 17/12
O museu Reina Sofia acaba de lançar um site exclusivo com acesso gratuito a mais de dois mil arquivos relacionados à obra de Picasso, extraídos da coleção “Rethinking Guernica: história e conflito no século 20”. As obras do pintor foram produzidas para o pavilhão espanhol na Feira Mundial de Paris, em 1937. Com isso, o museu se torna ponto de referência global no estudo do artista por meio de fotografias, vídeos, boletins informativos, jornais e correspondências.
Alexandre Rangel é no Brasil o primeiro artista da história a criar um “site especific” usando as esculturas grecoromanas do Museu Nacional de Belas Artes. Neste momento em que um grupo no Brasil, contrasta entre liberais e conservadores e questiona a arte em sua nudez, ele dá fala à arte e contrapõe o direito à fala na arte. A intervenção faz parte da 3ª edição do Festival de Esculturas do Rio. Até 25/02/2018.
Grandes obras de arte contemporâneas estão na segunda edição do Marina Monumental, na Marina da Glória, Rio de Janeiro. Com a curadoria de Marc Pottier e sob o tema central de Arte Móvel, artistas expõem seus trabalhos ao ar livre em total integração com a paisagem carioca e o espaço. Participam 18 artistas, entre eles Amelia Toledo, Gustavo Prado (foto), Marcelo Jacome, Oskar Metsavaht e Raul Mourão.
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EDITAL FMA INSCRIÇÕES ABERTAS
NOVOS ESPAÇOS
Categoria Artes Visuais
A Fundação Marcos Amaro convoca artistas e coletivos de artistas para inscrições no Edital Ocupação Fábrica São Pedro 2018, para ocupação do Galpão IV, em Itu, interior do Estado de São Paulo. O concurso visa selecionar três projetos de artistas brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil para promover o debate da arte contemporânea a partir do mapeamento da produção artística no país. Cada artista selecionado receberá o valor de R$ 25 mil. As inscrições encerram em 12/01/2018 e podem ser feitas no site da Fundação
GALERIA ARTE FUNDAMENTAL foi inaugurada oficialmente pela “art adviser” brasileira Bianca Cutait, em Miami. A première aconteceu com exposição do artista maranhense Rubem Robierb. Além do artista, a galeria é representante oficial nos EUA de nomes como Gabriel Wickbold, Claudio Edinger e Gilberto Salvador. 241 NE 59th TERRACE MIAMI, EUA
Para protestar “É um grande desafio ocupar o lugar de Bernardo Paz, um homem brilhante que dedicou a vida para materializar seu sonho e nos presenteou com esse espaço que é patrimônio de todos”. Ricardo Gazel, novo presidente do Conselho de Administração do Inhotim, após pedido de afastamento de Bernardo Paz, condenado pela Justiça Federal por sonegação fiscal.
A nova galeria GABY INDIO DA COSTA ARTE CONTEMPORÂNEA tem como objetivo principal divulgar a produção dos artistas que representa e suas propostas, promover projetos e exposições e manter um diálogo constante com críticos, curadores e colecionadores, incentivando a formação de novas coleções e buscando fortalecer as que já existem. A primeira exposição é uma individual da artista Rosangela Dorázio. Até 16/02. ESTRADA DA GÁVEA, 712 SALA 407 - SÃO CONRADO RIO DE JANEIRO 7
UMA COMPANHIA PARA MONALISA?
NOVOS ESPAÇOS
GALERIA DE ARTE IPANEMA está em nova sede em edifício com projeto arquitetônico de Miguel Pinto Guimarães. Dirigida por Luiz Sève e sua filha Luciana Sève, a galeria passará a ocupar o andar térreo e metade do primeiro andar da construção de quatro andares. A exposição comemorativa “Raro Percurso - 52 anos da Galeria de Arte Ipanema” tem curadoria de Paulo Sergio Duarte com visitação até 23/12. RUA ANIBAL DE MENDONÇA, 27 IPANEMA - RIO DE JANEIRO
A unidade da GALERIA MARCELO GUARNIERI, em São Paulo, muda de endereço nos jardins paulistas com mostra parcial de seu acervo e prepara novas exposições para o próximo ano. ALAMEDA LORENA, 1835 JARDINS - SÃO PAULO
8 DE ARTE A Z
Apesar de seu comprador permanecer anônimo, a obra “Salvator Mundi’, de Leonardo da Vinci, já está nos planos do diretor do Louvre Jean-Luc Martinez para uma grande exposição do mestre italiano no ano que vem. A mostra coincidirá com a celebração do 30º aniversário da renovação e expansão do “Grand Louvre”. O objetivo é reunir o maior número de obras de Leonardo. O Louvre possui cinco das 15 últimas pinturas de Da Vinci. No mês passado, “Salvator Mundi” se tornou a obra mais cara do mundo em arremate histórico na casa de leilões Christie’s, em Nova York, por US$ 452 milhões (cerca de R$ 1,47 bilhão).
VISTO POR AÍ
O artista Marcos Amaro, que vê nos espaços públicos uma oportunidade de conectar a população à arte, presenteou a cidade de São Paulo e o Parque da Juventude com a instalação interativa e permanente da obra “Gafanhoto”.
OSCAR NIEMEYER A exposição "Oscar Niemeyer Territórios da Criação" celebra 110 anos de nascimento do genial arquiteto com um conjunto inédito de desenhos, pinturas, esculturas e peças de mobiliário feitos por ele. Com curadoria de Marcus Lontra e Max Perlingeiro, a exposição reúne ainda obras dos artistas Portinari, Bruno Giorgi, Burle Marx, Tenreiro, Athos Bulcão, Ceschiatti, Franz Weissmann e Tomie Ohtake, amigos de Niemeyer que trabalharam junto com ele em seus emblemáticos projetos. A mostra também reúne em uma sala especial, retratos do arquiteto feitos por reconhecidos fotógrafos como Antônio Guerreiro, Bob Wolfenson, Edu Simões, Evandro Teixeira, etc. 10 AGENDA
Oscar Niemeyer - Territórios da Criação • Pinakotheke Cultural • Rio de Janeiro • 9/11 à 16/12
EX AFRICA
POR ALFONS HUG "Ex Africa semper a liquid novi" [da África sempre há novidades a reportar], escreveu o escritor Caio Plínio Segundo, dois mil anos atrás, ao voltar de uma viagem às províncias norte-africanas pertencentes ao Império Romano. Depois de ter comemorado, em 2003, um de seus maiores sucessos de público com a megaexposição "Arte da África", oriunda do Museu Etnológico de Berlim, o CCBB agora lança o olhar sobre o continente africano ao preparar uma mostra que reúne a produção contemporânea. Trata-se de uma importante exposição de arte africana contemporânea, talvez a maior realizada no Brasil. A exposição acontece em um momento em que a herança africana volta a estar em evidência, principalmente no Rio de Janeiro. Basta lembrar as recentes escavações do antigo mercado de escravos no cais do Valongo, ou a descoberta do cemitério dos Pretos Novos e da Pedra do Sal, todos localizados no centro histórico da cidade do Rio, e próximos ao Centro Cultural Banco do Brasil.
À esquerda: JD, Okhai Ojeikere. Acima: Clube Lagos, Still do vídeo Yemi Alade “Johnny”. 13
A África moderna está vivendo a compressão do tempo como nenhum outro continente. Mal completou 50 anos e é apenas um pouco mais velha do que a média de sua população atual. Ao mesmo tempo, ainda não se abriu completamente à industrialização; de fato, grande parte da atividade econômica até hoje é realizada por meio de escambo. Nos centros urbanos, percebo nitidamente um vigoroso aumento da produção artística. Último continente a entrar nesse universo, a África agora também faz parte da cena artística global, com todas as vantagens e desvantagens que isso traz. Ao mesmo tempo, foram fundadas diversas bienais na África, entre elas a de Dacar, Joanesburgo, Marrakesh, Bamaco, Cairo, Campala, Luanda, São Tomé e Príncipe e também
A África agora também faz parte da cena artística global, com todas as vantagens e desvantagens que isso traz.
Acima: Karo Akpokiere, 7hawkathon. ร esquerda: Mikhael Subotzky and Patrick Waterhouse, Ponte City, Instalaรงao, Le Bal, Paris, 2014.
16 DESTAQUE
Andrew Tshabangu, Hostel Interiors. Foto: Gallery MOMO.
Ndidi Dike, EXCHANGE FOR LIFE, 2017.
Lubumbashi, na República do Congo. A essas, somam-se diversos salões de arte contemporânea e feiras de arte que acontecem em quase todos os países mais importantes da região. A arte contemporânea africana, desse modo, deu as costas a dois preconceitos longamente estabelecidos; por um lado, o estigma do artesanato e, por outro, as referências etnográficas. Como em toda parte, também na África a arte contemporânea se encontra em um permanente processo de renovação criativa. Ainda que não possam ser ignorados os efeitos do colonialismo, não deve ser subestimada a importância do intercâmbio artístico que verifico na passagem do período colonial ao póscolonial e, nesse contexto, a reação
dos artistas em relação ao período que antecedeu a independência. Não me causa surpresa que um continente com as dimensões da África tenha produzido uma enormidade de arquivos estéticos com raízes em pelo menos três legados: a cultura nativa, o cristianismo e o islamismo, que, como no exemplo da Nigéria, convivem em um espaço bastante reduzido. Os países do golfo da Guiné abrigam não apenas mil diferentes grupos étnicos e idiomas, como também incluem elementos anglófonos, francófonos, lusófonos, hispânicos e árabes. Entre o Senegal e a África do Sul, o Sudão e Angola, a identidade africana moderna é marcada por uma diversidade de encontros culturais e interações, por processos de
Kudzanai Chiurai, Genesis. Foto: Cortesia Kudzanai Chiurai e The Goodman Gallery.
intercâmbio e aculturações. Se, inicialmente, esses processos diziam respeito à Europa e à América, hoje em dia, e acompanhando a globalização, também se estendem a outras partes do mundo. Logo, a arte africana se movimenta na zona de tensão entre diversos arquivos: 20 EX AFRICA
tradicionais e modernos, coloniais e pós-coloniais, locais e globais, cosmopolitas e aqueles influenciados pela diáspora. Em contraste com a arte ocidental, inserida ou até quase engessada em uma sequência estrita de tendências estilísticas, a arte contemporânea
Video still de Mohau Modisakeng. Foto: Cortesia do artista e WHATIFTHEWORLD.
africana tem a vantagem de não precisar atender a qualquer cânone e poder se orientar unicamente pelo aqui e agora. Para tanto, lança mão dos materiais disponíveis a cada momento, permeando todos os meios da arte.
A arte africana se movimenta na zona de tensão…
Jelili Atiku, Alaagba, Performance com Anne Letailleur, Richardplatz SAVVY Contemporary, Berlim, Alemanha, 2014. Foto: Chiara.
Em "Ex-Africa" são apresentados 18 artistas da geração jovem e intermediária, vindos de oito países africanos que despertam grande atenção internacional, mas que ainda são pouco conhecidos no Brasil, como é o caso de Ibrahim Mahama. A eles se juntam dois artistas afro-brasileiros, Arjan Martins e Dalton Paula, que recentemente fizeram pesquisas e montaram uma exposição no BrazilianQuarter de Lagos (Nigéria), bairro construído por antigos escravos retornados à África. E uma sala é exclusivamente dedicada ao "Afrobeat", a música popular de Lagos. A exposição se subdivide em quatro áreas temáticas que não são estanques, mas integradas entre si de 22
forma fluida e harmoniosa: Ecos da história, Corpos e retratos, O drama urbano e Explosões musicais.
Ex Africa • Centro Cultural Banco do Brasil 11/10 a 30/12 • Belo Horizonte Janeiro/2018 • Rio de Janeiro Abril/2018 • São Paulo Agosto/2018 • Brasília
Alfons Hug é ex- diretor do Instituto Goethe do Rio de Janeiro e de Lagos e é reconhecido por seu trabalho investigativo como crítico de arte contemporânea.
Mayo, Golpes de bastĂŁo, 1937. Todas as Fotos: Tate Liverpool.
SURREALISMO EGÍPCIO Art et Liberté 1938-1948
POR SAM BARDAOUIL E TILL FELLRATH A partir de meados da década de 1930, o Egito percebia uma escalada da simpatia ao totalitarismo, evidenciado em um crescente debate sobre as virtudes do fascismo em oposição à democracia. A pintura "Coup de Batons" (golpes de bastão, 1937) - ver páginas anteriores - de Mayo, um dos nomes mais conhecidos do grupo, mostra essa sociedade em conflito. Art et Liberté tomou uma posição ativa contra toda expressão do fascismo, tanto no Egito como no exterior. Seu manifesto "Vida Longa à Arte Degenerada" foi um protesto contra a perseguição nazista à vanguarda artística da Alemanha. O gatilho foi uma palestra do pai do movimento futurista Filippo Tommaso Marinetti, nascido em Alexandria, quando visitou o Egito, em março de 1938, como embaixador do estado fascista italiano. O manifesto foi assinado por 37 signatários - artistas, escritores, ativistas políticos, mulheres e homens - e circulou internacionalmente em muitas publicações surrealistas, como o London Bulletin e o Clé, em Paris. As principais figuras que deram ao grupo o impulso
À esquerda: Ramses Younan, Sem título, 1939. Foto: Coleção Sheikh Hassan M. A. Al Thani Qatar.
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inicial foram o poeta Georges Henein, o pintor/teórico/cineasta Kamel elTelmisany, o escritor trotskista Anwar Kamel e seu irmão mais novo, o pintor Fouad Kamel. O pintor e teórico Ramsés Younane logo se juntou a eles, completando a principal face do grupo, cada um contribuindo com um atributo diferente e complementar. Juntos, expandiram o cânone surrealista, infundindo-o com uma gama mais ampla de estilos pictóricos e literários, proporcionando ao movimento uma definição renovada, tanto em sua teoria como em sua expressão. Com a guerra, a migração de refugiados para o Cairo reforçou o caráter cosmopolita do grupo, inserindo nas obras elementos do surrealismo europeu e permitindo um novo olhar sobre a vida dupla da cultura egípcia, tão antiga em sua veneração de deuses animais e pirâmides e tão moderna na vida cotidiana. Algumas das obras foram criadas sob a influência dos horrores dos bombardeios, como as de Amy Nimr, que se tornaram cada vez mais mórbidas depois que seu filho foi morto por uma bomba perdida enquanto brincava na areia nos arredores de Cairo. Muitos artistas do Art et Liberté e suas respectivas famílias se estabeleceram no exterior durante os anos 1950 e 1960 devido ao clima político opressor no Egito após a Revolução de 1952. Isso levou à dispersão mundial de suas obras de arte e arquivos, impossibilitando a apresentação completa ou coerente de seu trabalho até então.
28 FLASHBACK
Mayo, Retrato Surrealista, 1937. Š European Cultural Centre of Delphi. Foto: Thalea Kimpari.
Amy Nimr, Esqueletos debaixo d'agua, 1940. (Detalhe). Foto: Cortesia H.E. Sheikh Hassan M. A. Al Thani Collection.
Abduh Khalil, Sem título, 1949. Foto: Cortesia Coleção de Sheikh Hassan. M. A. AL Thani Qatar.
Em um momento em que parecemos assistir a um aumento do populismo e nacionalismo, muitas vezes acompanhado de uma retórica xenofóbica, é muito oportuno lembrar o exemplo do Art et Liberté, que lutou contra a segregação dos povos e o confinamento de indivíduos dentro de rótulos nacionais e políticos. A participação de artistas mulheres e também sua presença nas pinturas não como os objetos eróticos do surrealismo parisiense, mas como rebeldes da causa - também torna o tema atual.
32 SURREALISMO EGÍPCIO
Surrealism in Egypt: Art et Liberté 1938-1948 • Tate Liverpool • Reino Unido • 17/11 à 18/03/2018
Sam Bardaouil e Till Fellrath são curadores e acadêmicos independentes e co-fundadores da Art Reoriented, uma plataforma de curadores multidisciplinar com sede em Munique e Nova York. Desde 2016, são co-presidentes da Fundação Cultural Montblanc em Hamburgo.
Chegada do Tsunami, 2014. Da sĂŠrie Pinturas de onda, mato e ruĂna. Foto: Eduardo Ortega
RODRIGO ANDRADE NA FRONTEIRA
RETROSPECTIVA DE RODRIGO ANDRADE NA PINACOTECA MOSTRA COMO A MATÉRIA ASSUMIU AOS POUCOS O PAPEL DE PROTAGONISTA, CONSOLIDANDO SEU ESTILO INCONFUNDÍVEL
POR TAISA PALHARES A exposição "Rodrigo Andrade: pintura e matéria (1983-2014)" reúne pela primeira vez mais de cem trabalhos que apresentam uma visão significativa da produção de Andrade, dos anos 1980 até 2014. Não seria exagero afirmar que, dentre todos os artistas de sua geração, marcados pelo movimento de retorno à pintura, ele é quem se manteve dedicado quase exclusivamente ao meio pictórico no decorrer dos anos. Não haveria nisso, contudo, uma adesão simplista à ideia da pintura como uma atividade superior, ou a defesa da pureza modernista diante do hibridismo da arte contemporânea. Ao contrário, desde o início, o trabalho do artista revela uma vontade por vezes visceral de tensionar as certezas que limitariam sua atividade, e isso a partir do gesto categórico de seu fazer. As obras escolhidas para exposição pretendem evidenciar esse movimento segundo uma ordem cronológica, mas ao mesmo tempo estabelecem relações entre pinturas de diferentes fases ou épocas. Se em uma leitura mais superficial sua produção ora tende à formalização 36 CAPA
Jazz nas cavernas, 1984. Foto: Eduardo Ortega.
Sem tĂtulo, 1985. Foto: Eduardo Ortega.
Dá para falar num movimento pendular, ou circular, entre figuração e abstração, mas as questões retornam sempre em outro nível, como uma espiral…
abstrata, ora se volta à figuração, sua interpretação não deve ser feita a partir da perspectiva teleológica, pois, se na aparência essas etapas são opostas, há características comuns que unem seus trabalhos. Como o artista comenta em entrevista ao crítico de arte Tiago Mesquita: "Eu me sinto condenado a um movimento constante. […] Dá para falar em um movimento pendular, ou circular, entre figuração e abstração, mas as questões retornam sempre em outro nível, como uma espiral". Pode-se dizer que, desde sua formação, ainda nos anos 1970, Rodrigo Andrade manifestou um interesse idêntico pela história da arte e por imagens e produções localizadas na indústria cultural. Já com 15 anos, a paixão pelo desenho e pela narrativa das histórias em quadrinhos andava ao lado da curiosidade por artistas como Edward Hopper, Oswaldo Goeldi e Giorgio Morandi. De certa maneira, a convivência dessas referências díspares se constitui no amálgama visual da base de sua poética, às quais irão se juntar o cinema, a fotografia, a pintura popular, a vulgaridade do kitsch e um interesse genuíno por imagens ordinárias e anônimas, além de muitos outros artistas de épocas e períodos diferentes. Essa ligação não é esclarecida em termos de influência. Tampouco seu trabalho realiza o exercício um tanto vazio de
Sua fisicalidade não deixa de ser algo excessivo, afirmativo.
40 RODRIGO ANDRADE 40 CAPA
citação e apropriação que marcou parte da pintura na década de 1980. É nisso que reside seu interesse e importância, pois, ao partir de uma visualidade contaminada, que não se pretende pura e nem e orientada a estabelecer hierarquias, Andrade traz para o campo do fazer pictórico aquilo que convive simultaneamente e de maneira desordenada na vida cotidiana. Entretanto, se essas pinturas nos remetem ao circuito banalizado das imagens no mundo contemporâneo em que uma pintura de Van Gogh circula com a mesma abrangência e
rapidez de fotografias documentais de grandes tragédias -, a aposta de Andrade não está em reafirmar o diagnóstico da superficialidade identitária do nosso universo cultural. Seu trabalho, na verdade, poderia ser pensado dentro do contexto de uma estética da negatividade, em que aquilo que é visto como igual, e por isso banal e ordinário, é transformado em não idêntico. Esse estranhamento se dá pela presença da matéria que, ao menos desde a realização das telas feitas a partir da aplicação de pares de blocos de tinta na superfície branca (1999-2009), restringe-se ao material mais básico da pintura: a tinta a óleo. A materialidade exacerbada e heterogênea de seus trabalhos da década de 1980, como as colagens e as pinturas sobre persianas, reaparece então na densidade da tinta. Sua fisicalidade não deixa de ser algo excessivo, afirmativo. E é dessa maneira que recoloca a fronteira entre a arte e a aparência do mundo.
À esquerda: Sem título, 1994. Foto: Edouard Fraipont. Abaixo: Sem título, 1995. Foto: Milton Carello.
Acima: Sem título, 1998 e Sem título, 1999.
Acima: Pierrot le fou, 2002 e Sala das preocupações, 2005. Fotos: Eduardo Ortega.
Na mesma entrevista realizada com Tiago Mesquita, Rodrigo Andrade nota que a ambiguidade de seus trabalhos se dá pelo fato de que neles os espaços coexistem, sem que desapareçam um no outro: o espaço do mundo e o espaço ilusório da tela. Retomando o estudo do historiador Johan Huizinga sobre o lúdico, ele descreve de forma clara e definitiva o que é essencial em sua poética: o jogo entre o imaginário e o concreto, o traço ilusionista de toda arte e simultaneamente o fato de ser artifício, coisa feita de matéria física. É na presença corporal da matéria, cuja potência, por mais delimitada em contornos conhecidos que ela seja, não deixa de perder um aspecto de organismo vivo e informe, alheio à intenção última do artista, que também nos leva a outro componente fundamental de seu trabalho: o prazer. Se pelo menos desde a segunda metade do século 18 a estética define a arte como um "prazer desinteressado" e por isso diferente de toda outra forma de trabalho manual ou utilitário, sabe-se que, no século seguinte, a exploração do sensorial serviu para moldar as primeiras formas de diversão da cultura de massa. O prazer que era mental, incorpóreo e puro, transforma-se rapidamente em atração sensorial. Ainda separada dos prazeres "leves" da cultura de massa, a arte moderna não ficaria alheia à sedução da superfície desse novo mundo. Que o diga o corpo desnudo chapado em primeiro plano de "Olympia" (1863), de Edouard Manet.
O prazer que era mental, incorpóreo e puro, transformase rapidamente em atração sensorial.
À direita acima: Interior escuro, 2010. Abaixo: Onda Azul, 2014. Fotos: Eduardo Ortega. 44 CAPA
Sem querer voltar às origens de nossa época, o elemento sensorial da arte em Rodrigo Andrade parece ter um papel especial. A reunião desses trabalhos evidencia, na chave do jogo citado anteriormente, que se, por um 46
lado, ela nos atrai ao ponto de muitas vezes ficarmos com uma vontade irresistível de pressionar suas superfícies, por outro, sua matéria densa também nos afasta daquilo que julgamos conhecido, semelhante ao
Chama atenção para a concretude daquilo que é representado como ilusório e ao mesmo tempo repele, na medida em que a densidade da matéria negra recoloca a opacidade do mundo.
Vermeer view of Delft, 2017. Foto: Edouard Fraipont
nosso mundo cotidiano. Esse movimento de atração e repulsa se torna claro na série realizada para a Bienal de São Paulo, em 2010. As grandes telas de "Matéria noturna" [p. 130-135] são pintadas a partir de
fotografias ordinárias: cenas noturnas da cidade, do interior do ateliê do artista, paisagens naturais, ou seja, imagens em nada especiais nas quais Andrade faz uso do estêncil para aplicar uma camada grossa de tinta preta. Esse processo, que em um primeiro momento atrai fisicamente o espectador, chama atenção para a concretude daquilo que é representado como ilusório e ao mesmo tempo repele, na medida em que a densidade da matéria negra recoloca a opacidade do mundo. Podemos pensar quase em um prazer negativo. 47
Sem título, 2017. Intervenção de Rodrigo Andrade na Estação Pinacoteca. Foto: Edouard Fraipont.
Por isso, não se trata aqui de definir o que é a pintura, afastando-a daquilo que é divertido e superficial na sociedade contemporânea, tentando, assim, salvá-la por meio de uma seriedade estéril que a afastaria definitivamente da vida. Mas também não se trata de mergulhar completamente na banalidade passageira dessa mesma vida, sem exigir qualquer tipo de distinção. Como eu já havia notado em um texto anterior sobre o artista, 1 há em Rodrigo Andrade uma "autonomia relativa", em que, apesar de estarem ambos em diálogo e aproximação constantes, a arte não se transforma no mundo e o mundo não é estetizado, tornando-se arte. 48
1.
PALHARES, Taisa. Espaços contaminados: a pintura como experiência de diferenciação. In: "Rodrigo Andrade". São Paulo: Cosac Naify, 2008.
Taisa Palhares atua como filosofa e crítica de arte e é professora de Estética no Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas.
Rodrigo Andrade: pintura e matéria (1983-2014) • Pinacoteca • São Paulo • 9/12 à 20/03/2018
BÁRBARA POR ELA MESMA
WAGNER
“As tradições da cultura popular, longe de se definirem apenas em um sentido folclórico ou carnavalesco, tratam essencialmente de um conhecimento trazido no corpo das pessoas que delas participam. Dedicada à documentação desse corpo desde a série “Brasília Teimosa” (2005), minha fotografia reflete sobre a construção do retrato por meio da pose, a relação entre figura e fundo e a tensão entre como as pessoas se veem e querem ser vistas. Mais recentemente, em parceria com Benjamin de Burca, essa reflexão vem tomando a forma de filmes que observam como esse corpo ocupa os espaços e os modos de produção, como ele transita entre o ritual e o espetáculo e que tipo de “trabalho” é investido nessa operação. Em um país onde modos de produção rural coexistem com um desenvolvimentismo desenfreado, essas tradições, conhecimentos e corpos protagonizam uma batalha constante entre resistência e adaptação.”
50 REFLEXO
“Originalmente ligado à capoeira performada na frente de bandas militares nos Tradição popular em questões carnavais do Recife no início do século 20, hoje o frevo é sócio-econômicas e de gênero. reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Abandonando a tridimensionalidade das ruas e assimilando a bidimensionalidade do palco, sua representação passa a ser fortemente promovida pelo poder local como o maior espetáculo do carnaval da região. Ryan, Edson, Bhrunno e Tchana (foto) fazem parte dessa economia e praticam outras formas de dança para continuarem trabalhando durante o resto do ano. A fim de dar conta desse trânsito entre o “popular” e “pop”, convidamos os quatro dançarinos a criar coreografias que resultassem em uma fusão do frevo com gêneros como Electro, Vogue, Swingueira e Funk. Para além da desconstrução de uma celebração do Frevo, “Faz que vai” - que toma o nome de um passo da dança - articula os modos pelos quais novas subjetividades implicam essa forma de tradicão popular em questões socioeconômicas e de gênero. A trilha sonora é uma composição percursiva criada especialmente para o filme pela Orquestra Popular da Bomba do Hemetério.”
Faz que vai, 2015.
“Os videoclipes de funk são o motor de uma economia que mobiliza milhões de espectadores em canais do Youtube. Com o crescimento dessa indústria, muitos jovens passaram a considerar a música um campo de trabalho possível. Em 2016, acompanhei um processo de seleção de MCs organizado pela KL Produtora, famosa empresa de Funk de São Paulo e então responsável pelas carreiras exitosas de Bin Laden, Pikachu, 2K e Brinquedo. O concurso “À procura do 5º elemento” escolheria um MC para integrar o “casting” da produtora, que recebeu mais duas mil inscrições de todo o Brasil. Durante meses, registrei mais de 200 jovens instantes antes de se apresentarem diante de um júri, ensaiando suas próprias composições e letras que variavam entre os estilos “ostentação”, “melody”, “putaria” e “consciente”. As fotografias que integram essa série compõem uma ampla galeria da fama em que as diferenças nas cores dos fundos marcam as quatro etapas da seleção, ao mesmo tempo evocando um a competição em “ranking” e sugerindo uma neutralidade própria do “chroma key”. Recuperando a atmosfera de “reality show” usada pela produtora durante o concurso, tomei emprestado o grande adesivo com notas de dinheiro e barras de ouro que cobria a sala dos testes na própria KL a fim de usá-lo como papel de parede para a instalação.”
52 BÁRBARA WAGNER
As fotografias que integram essa série compõem uma ampla galeria da fama.
À procura do 5º elemento, 2017.
Anselm Kiefer, Sursum corda, 2016, ©Anselm Kiefer. Foto: Georges Poncet.
O filme toca em aspectos morais, éticos e estéticos de uma prática religiosa cuja representação é ainda tabu nas artes visuais e no cinema. 54 REFLEXO
Terremoto Santo, 2017.
“Até a década de 1970, as práticas rituais e religiosas da Zona da Mata Sul de Pernambuco historicamente marcada pela economia da cana-de-açúcar se dividiam predominantemente entre o candomblé, a jurema e o catolicismo. Hoje, nessa região cercada de engenhos, muitos jovens já nascem evangélicos e encontram nos cantos e hinos da liturgia Pentecostal uma nova forma de expressão artística e profissional. Agregando o desejo de muitos deles de gravarem seus primeiros CDs, DVDs e videoclipes, a Gravadora Mata Sul funciona há mais de um ano na cidade de Palmares, a 150 km de Recife. “Terremoto Santo” é um filme feito em parceria com essa nova geração de artistas que veem na música evangélica uma nova forma de empreendedorismo, empregando sua fé na construção de performances que visam tanto a superação de obstáculos sociais quanto a obtenção de bem-estar espiritual. Como uma sequência de esquetes musicais compostos pelos próprios participantes, o filme toca em aspectos morais, éticos e estéticos de uma prática religiosa - cuja representação é ainda tabu nas artes visuais e no cinema - e sua relação com espaço, mídia e a cultura pop.”
“Na extrema Zona Leste de São Paulo, o bairro de Cidade Tiradentes foi planejado na década de 1980 como um grande complexo monofuncional do tipo dormitório. Hoje, mais de 200 mil pessoas vivem onde já se concentrou o maior número de conjuntos habitacionais populares da América Latina. A identidade dos habitantes da região está fortemente ligada ao seu processo de ocupação, marcado por várias gerações de trabalhadores provenientes do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. À medida que a região carecia de oportunidades de trabalho, Cidade Tiradentes se constituía em um bairro de passagem, não de destino. Em 2015, tomando a estética das capas de disco de música pop para analisar a construção de imagem e voz públicas, montamos um estúdio móvel e fotografamos mais de 50 trabalhadores em trânsito no principal terminal de ônibus de Cidade Tiradentes. Diante de um questionário de múltipla escolha, esses artistas imaginários definiram os cenários, os temas e as expressões que melhor os representariam na plataforma gráfica de um CD. Com os retratos em fundo infinito e as respostas do questionário em mãos convidamos Bobby Djoy, profissional da área de entretenimento musical na Bahia, para confeccionar as peças gráficas que foram exibidas em lonas de grande formato fixadas na grade em torno no terminal. Em 2017, na ocasião do …tomando a estética das capas 35º Panorama de Arte de disco de música pop para Brasileira, produzimos uma seleção dessas analisar a construção de imagem capas impressas em e voz públicas. painéis lenticulares, cuja natureza evidencia processo e resultado a um só tempo.”
Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, Faz que vai • 20º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil • 03/10/2017 à 03/01/2018 Bárbara Wagner, À procura do 5º Elemento e Terremoto Santo • Exposição Corpo a corpo • Instituto Moreira Salles Paulista • 30/09 à 30/12 Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, Como se fosse verdade • 35º. Panorama da Arte Brasileira, MAM São Paulo • 27/09 à 17/12 56 BÁRBARA WAGNER
Como se fosse verdade, 2015-2017.
LIVROS lançamentos Eu me ensinei: narrativas da criatividade popular brasileira Texto: Edna Matosinho de Pontes Editora Via Impressa - 464 p. - R$ 170,00 A edição é ao mesmo tempo um livro de arte e um compêndio raro sobre a obra de 78 artistas autodidatas de todo o país. Com seu arsenal de conhecimento sobre esta expressão artística nacional, acumulado ao longo de 30 anos como estudiosa, colecionadora e galerista, Edna Pontes ilumina cada uma das linguagens que emergem de várias regiões do Brasil. Para reunir os depoimentos iniciados em 2014, a autora percorreu 12 estados brasileiros, do Norte ao Sudeste. Por meio de entrevistas in loco e de pesquisas sistemáticas, construiu a biografia dos principais nomes da produção popular brasileira do século XX e princípio do XXI, entre os quais, Dona Izabel, Manuel Eudócio, Véio, J. Borges, Antônio de Dedé e Nilson Pimenta.
Ernesto de Fiori - O exílio brasileiro Autor: Ivo Mesquita Editora Capivara - 184 p. - R$ 150,00 Com uma ampla produção pictórica e escultórica, Ernesto de Fiori (1884-1945) teve influência sobre a arte brasileira. O ítalo-alemão se mudou para o País em 1936, fugido do regime nazifascista. Em São Paulo, conviveu com pintores icônicos, com quem estabeleceu grande diálogo, como Alfredo Volpi e Mário Zanini. O curador selecionou mais de 150 imagens de obras que De Fiori produziu quando viveu no Brasil, de 1936 a 1945. Com um texto elucidativo e acessível, o curador analisa o percurso do artista europeu refugiado nos trópicos, comparando a sua produção a de seus contemporâneos em São Paulo. 58
Leonora Weissmann - Quantos beijos Texto: Ronald Polito Editora Scriptum - 64 p. - R$ 40, 00 O livro reúne desenhos e pinturas da artista Leonora Weissmann, nos quais cenas amorosas são entrecortadas por animais, paisagens e personagens diversos. Se em seus trabalhos anteriores, a pintura ocupou predominante lugar de destaque, neste, outra face de seu trabalho se revela e o desenho assume o papel principal: uma técnica que sempre utilizou, porém bem menos exposta ao público até então. As relações amorosas humanas são a principal temática dos trabalhos, dotados de um olhar sensível, profundo e poético sobre os gestos e atos que compõem a dinâmica dos relacionamentos afetivos.
Hubert Fichte: Explosão - Romance da Etnologia Tradução: Marcelo Backes Editora Hedra - 835 p. - R$ 70,00 Autoficcional, experimental e metaliterário, Explosão é um romance insólito nascido das viagens de Hubert Fichte ao Brasil. Autor de interesses diversificados, Fichte concentra-se sobretudo nas perscrutações acerca das culturas africanas e afrodiaspóricas, chegando às terras brasileiras para pesquisar, por meio de uma etnografia subjetiva, religiões sincréticas afrobrasileiras. Sendo ele mesmo homossexual, vive, observa e relata também o universo gay, ainda muito marginalizado nos anos 1970 e 1980.
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PATRÍCIA REBELLO SELECIONADA PELA DASARTES ENTRE OS FINALISTAS DO CONCURSO GARIMPO 2017, A ARTISTA TEM NA MISTURA ENTRE TÉCNICAS ARTÍSTICAS E REGISTRO CIENTÍFICO UM MÉTODO PARA CRIAR IMAGENS DE SEDUTORA POESIA
POR ELISA MAIA A paulistana Patricia Rebello é a escolha do conselho editorial da Dasartes para o concurso Garimpo deste ano. Com colagens, sobreposições de imagens diversas, desenhos a nanquim e pintura em aquarela, Patricia rearranja elementos coletados no acervo já saturado de imagens da fauna e da flora, propondo 60 GARIMPO
associações inusitadas. O resultado é um repertório singular de seres estranhos que habitam um território onde as fronteiras entre os mundos animal e vegetal, orgânico e inorgânico deixam de existir: “Crio espécimes de um futuro mundo pós-humano. Híbridos entre o mundo animal, vegetal, mineral e artificial (como objetos descartados pela indústria do consumo).”
O rigor descritivo do desenho e a delicadeza das imagens remetem a ilustrações botânicas. Alguns recortes e desenhos são apresentados em caixas, suspensos do fundo por alfinetes entomológicos, seguindo o formato das tradicionais coleções biológicas de insetos. Os nomes dos trabalhos também parecem retirados de livros científicos - “lâmina”, “fisiologia cardo”, “mutações cardo”, “meios de cultura”, “genes”, “germinação”, “mutante hospedeiro” e “abelha transgênica”. Mas o que inicialmente pode parecer uma descrição do mundo empírico se mostra na verdade a criação de um mundo fantástico, permeado por seres fictícios, tipos mutantes e monstruosos que parecem saídos de um futuro do qual já temos indícios. “À primeira vista, meus trabalhos sugerem estudos científicos, mas
basta um olhar mais atento para perceber que nada faz sentido. Seria como tentar racionalizar o fantástico”, conta a artista. A sedução provocada pela beleza das imagens convive com o estranhamento causado pelos detalhes bizarros da composição. As criaturas híbridas de Patricia desafiam o impulso taxonômico da biologia que organiza os seres em gavetas classificatórias, mostrando que, em um cenário onde os processos de hibridação se intensificaram cada vez mais, nossas etiquetas nominativas se tornam obsoletas. Para saber mais, acesse www.patriciarebello.com.br.
Elisa Maia é doutoranda do programa de Comunicação e Cultura da ECO-UFRJ.
RESENHAS exposições
Filipe Acácio: Zona de remanso Zipper Galeria - São Paulo-SP 11/11 à 16/12 POR ALLAN YZUMIZAWA
O que lhe dói em Fortaleza? O que o faz permanecer? São essas as perguntas que ficaram em mim ao sair da exposição "Zona de remanso: exercícios de permanência", individual do artista cearense Filipe Acácio, com curadoria de Galciani Neves. A exposição, que fica em cartaz entre os dias 11 de novembro e 16 de dezembro, configura-se no programa Zip'Up, 64
projeto da Zipper Galeria que fomenta jovens artistas em emergência por que não são representados por galerias paulistanas. Desse modo, esse projeto permite uma maior flexibilidade em experimentações das linguagens artísticas como também pelas proposições curatoriais. A mostra sintetiza uma pesquisa realizada pelo artista entre 2014 e 2017 no litoral de Fortaleza (CE), nos muros de contenção construídos entre o mar e a cidade. Esses muros são responsáveis por criar o que se conhece como Zona de remanso, zonas que formam uma pequena enseada tranquila, gerando certo repouso - movimento cessado. Entretanto, "repouso" é a expressão inexistente na exposição. Antes mesmo
de entrar na sala, localizada no andar de cima da Zipper Galeria, podemos ouvir um som agitado do mar. A pequena sala se encontra com uma luz baixa, iluminada somente por lâmpadas incandescentes suspensas por um cabo comprido, deixando-as na altura dos nossos olhos. Essa iluminação nos traz certa proximidade com os trabalhos, uma intimidade. Ao entrar no espaço, podemos reparar que o som do mar, ouvido lá de fora, pertence a um vídeo projetado na parede onde mostra uma ação em que o corpo do artista entra em uma zona de conflito com a força das ondas da água (O farol, a parede, o porto). O corpo tenta a todo o momento resistir, ficando sempre no limite do equilíbrio/desequilíbrio, e no limiar do afogamento. O vídeo que sucede apresenta o artista segurando um espelho de frente para a câmera, a qual é atrapalhada pelo reflexo da luz refletida. Essa série de exercícios de permanência no espaço registrada em vídeo foi realizada em vários portos no litoral cearense: Serviluz, uma comunidade que sofreu uma chacina nos anos de 2015 e 2016; Poço da draga e Pecém. No chão da sala, objetos (entendidos também como dejetos) encontrados no fundo do mar (colher, pedra e fragmentos diversos) são enfileirados de uma maneira quase matemática onde podemos observar as diversidades cromáticas e os vestígios das suas ações, que são documentadas por meio de fotografias expostas na parede ao lado.
Nesses registros, podemos ver o corpo nu do artista que, sem qualquer equipamento, mergulha no fundo do mar para pegar esses dejetos. Ao lado dessas fotografias - espalhados pelas paredes da sala -, observamos alguns desenhos que beiram o ilustrativo e o abstrato. O fino traço registra na pequena dimensão do papel, toda imensidão que ocorre dentro do artista. A mesma intensidade do mar registrado no vídeo está contida de maneira implícita nos desenhos de Filipe Acácio. Então, retomo a pergunta de início: "o que lhe dói em Fortaleza?" Talvez a Zona de remanso, essa zona de repouso, seja uma utopia que se transborda em desejo e se manifesta no seu ato de permanência. Permanecer é a esperança do artista de que, em algum momento, esse repouso dar-se-á nessa cidade.
Allan Yzumizawa é bacharel em Artes Visuais pela Unicamp, atua como curador independente e pesquisador em arte contemporânea e foi um dos vencedores do concurso Dasartes Novos Autores.
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RESENHAS exposições
Décio Pignatari - Na Arte Interessa O Que Não - Galeria Millan - São Paulo-SP 21/11 à 20/12 Nos últimos anos, várias exposições sobre a poesia concreta e seus fundadores foram feitas. O Instituto Tomie Ohtake fez uma em 2007, ampla e abrangente. O Itaú Cultural fez a “Ocupação Haroldo de Campos”, em 2011. Ano passado, Augusto de Campos mereceu uma retrospectiva de seus trabalhos no Sesc Pompeia. E agora, a Galeria Millan dedica uma exposição à obra de Décio Pignatari, o terceiro elemento da trindade concretista. Infelizmente, a exposição de Décio Pignatari é inferior às outras. Onde nestas abundavam projeções, vídeos e transposições dos poemas para outros 66
suportes, naquela os trabalhos são expostos tais como em sua forma impressa, com exceção de um poema da série “Alfabeto Vertical”, que ganhou uma versão tridimensional, e de alguns poemas vertidos para o vídeo, que ficam meio escondidos num cantinho do andar superior da galeria. Essas modificações, porém, pouco acrescentam aos poemas originais. O poema de “Alfabeto Vertical”, por exemplo, que abre a exposição, pouco se altera ao ganhar materialidade e escala. As letras penduradas por um fio são planas e a parede branca ao fundo poderia muito bem ser a página de um livro. Há algumas obras inéditas a serem vistas. Uma série de desenhos misturados a frases em que Décio finge psicografar Oswald de Andrade, duas colagens um tanto surrealistas, e pouca coisa mais. O interesse dessas obras é mostrar um lado menos “concreto”,
menos cerebral e menos rigoroso do autor. Um tipo de experimentação por um viés mais dionisíaco do que apolíneo. O restante da exposição são trabalhos já muito conhecidos por quem já teve algum contato com a obra pignatariana. Poemas como “um movimento”, “terra”, “beba coca cola”, exemplares dos poemas semióticos, dos ideogramas verbais, a partitura de “Brazil, my mother”, mais alguns poemas préconcretos dispostos pelas paredes, além do poema “Interessere”, de onde o curador João Bandeira tirou o título da exposição. Se há pouca coisa inédita, há pelo menos algumas curiosidades que se encontram no andar de cima da galeria. São fotos, livros, revistas, cartas e originais do poeta. “Na arte interessa o que não... é arte”. Ou ainda não. Vemos, por exemplo, um dactiloscrito do poema “beba coca cola” que mostra as mudanças que Décio fez até chegar à sua forma final. Ou um manuscrito do poema “um movimento” que, nessa forma, parece ganhar uma organicidade que destoa da precisão formal do poema impresso. Não é fácil fazer uma exposição da obra de um escritor, mesmo que essa obra enfatize a visualidade, como a de Décio. Nem sempre a transposição dos poemas impressos para outros suportes funciona, e a mera reprodução dos poemas expostos como quadros dá uma enorme sensação de “déjà vu”. Sugiro
que o espectador procure, assim que sair da exposição, a última edição de “Poesia, pois é, poesia”, livro que reúne a produção de Décio Pignatari. Terá ali uma visão melhor da multiplicidade da obra pignatariana.
Cahoni Chufalo é formado em Letras com pós graduação em crítica e curadoria de arte.
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NOTAS DO MERCADO Fatos, valores, curiosidades e tendências
LEILÕES DE NOVA YORK mostram mais uma vez a solidez do mercado internacional. Com receitas acima de US$ 2,3 bilhões apenas nas três principais casas de leilão - Phillips, Christie's e Sotheby's -, a temporada de novembro superou todas as expectativas. Recordes de preço foram quebrados para dezenas de artistas, incluindo Hélio Oiticica, cujo "Parangolé" foi comprado por US$ 615 mil em leilão da Phillips. No mesmo leilão, uma tela de Peter Doig (foto) foi vendida pelo preço recorde de US$ 21 milhões, continuando a escalada de preços para o artista. Wolfgang Tillmans e George Condo também seguiram com boas vendas, este último tendo três obras vendidas por mais que o dobro da estimativa alta. Uma das decolagens de preço mais notadas foi para Kerry James Marshal, cuja tela, estimada em até US$ 1,5 milhão, foi vendida por US$ 5 milhões. Já o furor em torno de Basquiat, que em maio teve uma tela vendida por US$ 110 milhões, parece ter esfriado. Os lotes de sua autoria foram vendidos dentro das estimativas e um deles não achou comprador. Modernos e impressionistas também tiveram bons resultados, com recordes para vários artistas, incluindo Man Ray, Magritte e Vuillard. Fernand Léger também quebrou recordes com a obra "Contraste de formas", vendida por US$ 70,1 milhões em leilão da Christie's.
LEONARDO DA VINCI foi a grande estrela da semana, com sua obra "Salvator Mundi" sendo comprada por US$ 450 milhões (R$ 1,5 bilhão), quase três vezes o valor mais alto já pago por uma obra de arte em leilão até então. O resultado surpreendeu a todos, especialmente em face das discussões que antecederam a venda. Muitos questionavam a autoria da obra, atribuindo-a aos aprendizes do artista, e outros criticavam sua qualidade estática e sem brilho. A restauração profunda pela qual a obra passou foi outro ponto de desvalorização apontado. 68
LATINO-AMERICANOS, como sempre, tiveram vendas razoáveis, em patamares de preço muito abaixo de artistas europeus e norte-americanos. Neste ano, as vendas das três principais casas aconteceram na mesma noite, 21 de novembro, sendo o da Christie's apenas online. A concentração prejudicou os resultados. Em relação a 2017, o número de lotes somados caiu de 525 para 330 e as receitas caíram de US$ 48 milhões para US$ 32,6 milhões. Di Cavalcanti teve novo recorde de preço com uma tela de 1956 vendida por US$ 1,57 milhão na Sotheby's. Em compensação, a estrela dessa venda, uma enorme tela de Diego Rivera (foto), não achou comprador. Rufino Tamayo, cujo mercado se encontrava congelado, voltou a atrair lances, com uma tela vendida por pouco menos de US$ 2 milhões. No leilão da Phillips, 14 lotes alcançaram preços acima de US$ 100 mil.
OBRA DE ARTE DE UM BILHÃO DE DÓLARES é o que preveem os especialistas, liderados pelo canal Artprice, que afirma que o resultado da venda do Da Vinci mudará a escala dos preços no mercado de arte. De acordo com Artprice, até 2021 veremos uma obra de arte alcançar o degrau de US$ 1 bilhão. Se uma obra de arte deve custar mais que uma petrolífera é uma pergunta que só os colecionadores podem responder, mas é difícil não enxergar nessa possibilidade os indícios assustadores de especulação descontrolada.
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COLUNA DO MEIO Quem e onde no meio da arte
Edu Simões, Luiz Garrido, Nana Moraes e Ricardo Fasanello
Helena Maggioni e Max Perlingeiro Filho
Oscar Niemeyer Pinakotheke Cultural Rio de Janeiro Ricardo Ohtake e Dôra Silveira
Adriana Maciel e Rubem Grilo
Luciana Sève e Victor Perlingeiro
Fotos: Paulo Jabur
Fotos: Paulo Jabur
Eduardo Oliveira, Cesar Fraga e Max Perlingeiro eMarc GinaPottier Elimelek
Gaby Indio da Costa e Rosângela Dorazio
Valéria Costa Pinto e Manoel Novello
Rosângela Dorazio Gaby Indio da Costa Arte Contemporânea Rio de Janeiro Anna Helena Cazzani e Bel Barcellos
Tina Pessoa de Queiroz, Ana Luiz Jardim e Beto Figueiredo
Marcus André e Josias Benedito
Ana Maria e Luiz Eduardo Indio da Costa , Franci Furlani e Aníbal Sabrosa
Fotos: Paulo Jabur
Maria Laet, Luísa Duarte, Romain Dumesnil, Manoela Medeiros, Lucas Simões e Vivian Caccuri
Luísa Duarte e Paulo Sérgio Duarte
Coletiva Ma Luciana Caravello Arte Rio de Janeiro Eduardo Oliveira, Cesar Fraga e Vivian Caccuri e Igor GinaVidor Elimelek
Ronaldo Simões e Ana Linnemann
Daniel Lannes
Sandra Birman, Myriam Glatt e Mônica Barki
Fotos: Paulo Jabur
Cristina Burlamaqui e Iole de Freitas
Ana Holck e Marc Pottier
Guy Brett e Alucinações à Beira-Mar MAM Rio de Janeiro Bruno Miguel e Lucio Salvatore
Cristina Burlamaqui, Franklin Pedroso, Noêmia Buarque de Hollanda e Maria Carmen Perlingeiro
Paulo Sérgio Duarte e Márcia Mello
Vera Pedrosa, Waltercio Caldas e Bel Pedrosa
ALTO FALANTE
Por Alexandre Sá e Vitor Ramalho
Não seja marginal, seja herói!
"Quem sou eu pra determinar qual ou como será essa linguagem? Ou será um nada (conservação-diluição)? Sei lá. A diluição está aí - a convi-conivência (doença típica brasileira) parece consumir a maior parte das ideias - ideias? Frágeis e perecíveis, aspirações ou ideias? Assumir uma posição crítica: a aspirina ou a cura?" Hélio Oiticica
Hélio Oiticica sempre soube e nunca hesitou em afirmar que existe uma doença típica no Brasil que surge a partir do entrelaçamento entre a convivência e a conivência. Historicamente, tal sintoma sempre esteve presente em nossa formação cultural que, aliada aos últimos processos de conjugação nefasta entre política, religião e ignorância, terminou por desaguar em um processo paradoxal de fratura e fomento de um coronelismo baseado no seu próprio esvaziamento. Tal característica termina sendo potencializada por uma rede de comunicação espraiada e não menos entrópica que, além de possibilitar a veiculação de toda e qualquer opinião, geralmente baseada em todo e qualquer tipo de informação, expande uma histeria coletiva que, por certo, atende a interesses outros, fragilizando a lógica do coletivo e fragmentando de maneira ignóbil as opiniões de maneira dicotômica entre a favor ou contra. Enquanto isso, continuamos acreditando em uma sustentação ingênua de alguns lugares de fala e a roda viva dos dedos em riste prossegue a todo vapor, sem eximir ninguém. Nem àqueles que dormem em nossas camas, visitam nossas casas e fazem da vida do outro um abrigo confortável para mais um exercício infinito de inquilinismo. O saldo é um aumento considerável da indústria do espetáculo de si, um dilaceramento da ideia de cultura, uma leitura preguiçosa (mesmo que apenas por imagens) e uma ignorância desgraçada que autoriza a catástrofe ética pela qual estamos passando, com nossa parcimoniosa condescendência. Tudo isso é sabido e todos os fatos recentes sobre a censura e a crítica acrítica feita em exposições já foi comentado por nós em um texto anterior. Talvez seja 72
importante promover um giro, reavaliar processos e fazer da própria escrita um exercício de cura e salvaguarda, pois, mesmo que a paisagem doméstica ainda seja bovina, existem ainda alguns exemplos que merecem todo respeito, cuidado e agradecimento. O SESC-SP é um deles. Pois, apesar da vergonha e priorização de um marketing infantil, além de um descompromisso diante de sua responsabilidade social vividos e veiculados pelo SESC-RJ, seu parceiro próximo, em São Paulo, situa-se e coloca-se cada vez mais a léguas de distância. E o que separa os dois universos, decididamente, não é o dinheiro, mas o desejo, a força e a fé em uma instituição e em sua relação para com o público. Que, neste caso, tem o senhor Danilo Santos de Miranda como um gestor exemplar e já memorável. Embora tudo possa parecer extremamente elogioso, cabe ressaltar que, apesar de termos escolhido em virtude da programação, visitar duas unidades específicas - 24 de Maio e Pinheiros -, a maioria das outras unidades sempre disponibiliza um conjunto de atividades relevantes que conseguem mesclar com maestria artes visuais, música, dança, teatro, bem como ações comunitárias e atendimentos imprescindíveis à população como esporte e odontologia, além de alimentação de qualidade a preços módicos. Apesar da falta de tempo, não faltariam outras opções como o novo SESC Birigui ou o SESC Sorocaba, com a importante exposição Frestas Trienal de Artes, com curadoria de Daniela Labra. No SESC 24 de maio, não existem protestos esvaziados, jogos políticos, crises nervosas, inquéritos e perversões. O que pudemos ver foi um exemplar de arquitetura contemporânea encravado no centro da cidade com uma exposição crítica e potentíssima de Paulo Herkenhoff e cocuradoria de Leno Veras que discute não só a cidade de São Paulo, mas reflete o Brasil, suas fronteiras e suas lógicas de resistência. Fundamental também destacar como o espaço foi/é pensado e estruturado de maneira a conciliar as esferas pública e privada, tendo inclusive uma área de convivência (real) onde todo e qualquer passante pode entrar, descansar e recuperar suas forças para retornar à tal metrópole intermitente. 73
Pelo rompimento dessa tal lógica conivente de desconsiderar o público para a manutenção da perversidade cultural que inunda ainda hoje o país. O mesmo ocorre no SESC Pinheiros, com a impecável exposição “Levantes”, de Didi-Huberman, que deveria ser, antes de qualquer coisa, obrigatória para todas as escolas da cidade. E, nesse caso, reservamo-nos o direito de sermos tão enfáticos pois talvez seja em virtude da absoluta ignorância diante dos eixos semânticos, conceituais e simbólicos que atravessam o desejo de rompimento de estruturas já estabelecidas e não menos velhas, que estamos vivendo tudo o que se vê (e nos mantemos mudos). A exposição, além de impecavelmente bem montada, traz um conjunto de textos rápidos e agudos sobre a força que de fato nunca seca e erige os levantes e destrói completamente a inércia, o vazio, a soberba e o desamor. Se há algo que mereça ser pontuado, talvez ainda falte nos dois casos, um processo de formação de mediadores que seja capaz de abarcar a responsabilidade de receber exposições desse porte. E, especificamente no SESC Pinheiros, o conjunto de catálogos a serem vendidos precisa urgentemente de cuidados e organização. Por outro lado, é fundamental agradecer a isso tudo, pelo rompimento dessa tal lógica conivente de desconsiderar o público para a manutenção da perversidade cultural que inunda ainda hoje o país. Por último, e não menos importante, o mesmo SESC Pinheiros patrocinou e possibilitou a montagem do “Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, por Zé Celso com o mesmo Renato Borghi e cenários originais de Hélio Eichbauer em uma encenação cinquentenária. Ingressos esgotados. Em tempos de horror, nada mais lúcido e nada mais justo. E vale lembrar, o Oficina fica! #ficaoficina. Apesar de você!
Alexandre Sá é pós-doutor em Estudos Contemporâneos das Artes pela UFF; doutor e mestre em Artes Visuais pela UFRJ; Diretor do Instituto de Artes da UERJ; Coordenador do curso de Artes Visuais da Unigranrio; Professor do Programa de Pós-graduação em Artes da UERJ; Editor-chefe da revista "Concinnitas"; artista; curador; crítico de arte.
Vitor Ramalho é licenciado em Artes Visuais e Habilitado em História da Arte pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É produtor e professor de Artes Visuais. Trabalhou durante 20 anos como Coordenador Técnico do Sesc Rio de Janeiro, concebendo e realizando exposições de diversos artistas relevantes para a cena brasileira.
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Lançada em 2008, a Dasartes é aprimeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente em seu aplicativo para tablets e celulares e no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil. Para ficar por dentro do mundo da arte, siga a Dasartes.
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