Revista Dasartes 86

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LUIZ ESCAÑUELA DORA MAAR FRANK BOWLING HUDINILSON JR. BRUNO VILELA AI WEIWEI




DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin REDAÇÃO André Fabro PUBLICIDADE publicidade@dasartes.com DESIGNER Moiré Art

Capa: Luiz Escañuela, Murundu. Foto: Cortesia do artista.

REVISÃO Angela Moraes

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Contracapa: Frank Bowling, Bartica Born I, 1967. © Frank Bowling. All Rights Reserved, DACS 2019.

A Dasartes não se responsabiliza pelas opiniões e pelo conteúdo expresso nas matérias assinadas, que são de livre autoria de seus colaboradores.”


AI WEIWEI

12 FRANK BOWLING

6 De Arte a Z 86 Resenhas 92 Livros 94 Coluna do meio

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HUDINILSON JR.

BRUNO VILELA

DORA MAAR

LUIZ ESCAÑUELA

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DE ARTE A Z Notas do circuito de arte

VATICANO ESCONDEU ARTE QUE MOSTRAVA PADRES MULHERES? O historiador de arte Ally Kateusz apresentou um trabalho de pesquisa, em Roma, argumentando que a igreja escondia evidências de iconografia católica na qual as mulheres realizavam atos que somente homens podem fazer hoje, em um esforço para impedi-las de se tornarem padres. Ele rastreou vários exemplos de arte cristã primitiva mostrando mulheres como bispos e padres, embora alguns acadêmicos discordem de sua interpretação dos artefatos.

DEVOLVE MEU MONDRIAN

KAWS BUSCANDO CASA NOVA

FOTÓGRAFO PERDE AÇÃO CONTRA WARHOL

Disputa na Alemanha

Depois de 10 anos

Nos tribunais

Herdeiros de Piet Mondrian afirmam que quatro de suas pinturas foram empres-tadas à cidade alemã Krefeld para uma exposição, no verão de 1929. A cidade alega que as obras haviam sido um presente de Mondrian. Os herdeiros não apresentaram uma reivindicação formal, mas, segundo advogados, tal alegação estaria prescrita porque o estatuto de limitações para tal ação já passou.

Perrotin, a galeria com filiais na Europa, Ásia e Estados Unidos, não representa mais KAWS, o artista ascendente cujos preços de leilão dispararam, em 2018. Seu recorde de leilão de US$ 430 mil, estabelecido na venda da Sotheby's Contemporary Curated, em março de 2016, foi quebrado em abril deste ano, com a venda de uma pintura do artista por US$ 14,8 milhões na Sotheby's em Hong Kong.

Após a morte do popstar Prince, em 2016, o fotógrafo Lynn Goldsmith soube da existência de uma série de obras de Andy Warhol baseados em sua foto de sua autoria. Em 2017, a Fundação Warhol entrou com uma ação contra Goldsmith, que por sua vez acusou a fundação de violar seus direitos autorais. Em recente decisão final, o juiz John G. Koeltl decidiu que a série de Warhol, constituía um uso justo. Goldsmith vai apelar.

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GIRO NA CENA RESIDÊNCIA FAAP 2020 Inscrições até 31/7 A Residência Artística FAAP, mantida pela Faculdade Armando Alvares Penteado, está com as inscrições abertas para artistas estrangeiros e brasileiros que moram fora do Estado de São Paulo interessados em participar do processo de seleção para o primeiro semestre de 2020. Durante sua residência, o artista deverá participar das atividades e dos denominadas Seminários de Investigações Contemporâneas I e II, promovidos pelos Cursos de Artes Visuais da FAAP. Inscrições: faap.br/residenciaartistica

Flagrantes da urbanidade , série em andamento de Miguel Rio Branco, existia, até então, como fotolivro, publicado em 2014 pela CosacNaify, e como obras únicas ou conjuntos narrativos (polípticos) de fotografias feitas, ao longo da trajetória do artista, em diferentes cidades às quais sua carreira internacional o levou. Agora, a Galeria Luisa Strina apresenta a exposição individual com cerca de 20 obras e lançamento do livro em nova edição. De 5/6 a 27/7/2019

Em protesto “Estamos imersos em uma cultura de combustível fóssil, somos todos culpáveis. Mas há algumas organizações e governos que podem fazer algo a respeito” O escultor Antony Gormley pediu para a National Portrait Gallery, de Londres, para acabar com patrocínio vindo da petroleira BP e que eles usem seus lucros para pesquisa em energia renovável.

Raízes do construtivismo A coletiva , com curadoria do Núcleo de Pesquisa e Curadoria da Pinacoteca, apresenta 12 esculturas e relevos, pertencentes ao acervo do museu e que tem em comum o fato de apoiarem-se no elemento geométrico da linha para criar sua espacialidade, retendo, de maneira direta ou indireta, alguns dos questionamentos propostos pelo construtivismo no início do Século 20.


GIRO NA CENA

Desafiando a censura No dia 2/6, houve um protesto contra a censura em frente ao escritório do Facebook e Instagram, em Nova York. Sob a direção do fotógrafo Spencer Tunickmais, mais de cem pessoas nuas cobrindo os órgãos genitais com estampas maiores de mamilos masculinos. As imagens finais serão usadas para desafiar as diretrizes da rede social, que proíbe infamemente mamilos femininos e restringem a nudez fotográfica.

Olafur Eliasson volta ao Tate Olafur Eliasson retornará ao Tate Modern para uma exposição imperdível de sua carreira. Marcando a apresentação solo mais abrangente do trabalho de Eliasson, e sua primeira grande pesquisa no Reino Unido, , oferecerá uma oportunidade única para experimentar o mundo imersivo deste artista interminavelmente inquisitivo. De 11/7 a 5/1/2019.

8 DE ARTE A Z

RESTAURAÇÃO METICULOSA DE REMBRANDT É TRANSMITIDA ONLINE POR MUSEU A maior e mais elaborada restauração de arte pública já realizada começou no inicio de julho, quando o Rijksmuseum, de Amsterdã, abriu suas portas para revelar a conservação permanente de Rembrandt. O processo – realizado em frente ao público por uma equipe de 12 especialistas em uma câmara de vidro e transmitido ao vivo para o mundo ver online – foi apelidado de pelo museu.

VISTO POR AÍ Imagens de vídeo esquecidas, de 2003, podem conter um vislumbre do misterioso artista de rua Banksy. O repórter Robert Murphy encontrou a filmagem de um jovem que dizia ser Banksy no arquivo da ITV News. O homem mascarado disse ao correspondente da ITV News que estava disfarçado porque você não podia ser um grafiteiro e aparecer em público.



SALGADO Com curadoria e design de Lélia Wanick Salgado, o premiado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado traz para o Sesc Avenida Paulista a exposição .O registro, feito na década de 1980, mostra a realidade do que foi o maior garimpo a céu aberto do mundo, na região da Amazônia Paraense. Em mais de cinquenta fotos, a exposição revela o cotidiano da mina de onde foram extraídas toneladas de ouro em mais de uma década de exploração. Pelas lentes do fotógrafo mineiro o visitante percorre a realidade da jazida, os trabalhadores em atividade, as condições precárias, e a "febre do 10 AGENDA

Foto: © Sebastião Salgado.

ouro" que reuniu cerca de 50 mil garimpeiros no auge do período de extração. Sebastião Salgado passou um mês no local registrando a chegada de pessoas de todos os cantos do Brasil, o ambiente imerso na brutalidade do trabalho, os sonhos de quem vinha para construir seu futuro e a esperança de encontrar um dos materiais mais cobiçados na história da humanidade.

Gold - Mina de Ouro Serra Pelada • Sesc Avenida Paulista • São Paulo • 17/7 a 3/11/2019



AI WEIWEI


VIOLÊNCIA QUE CONTÉM BELEZA


É A PRIMEIRA E MAIOR MOSTRA DO ARTISTA E ATIVISTA CHINÊS NO BRASIL. DEPOIS DE SÃO PAULO E BELO HORIZONTE, A EXPOSIÇÃO CHEGA A CURITIBA, NO MON, COM OBRAS HISTÓRICAS E OUTRAS INÉDITAS NASCIDAS DE SUA IMERSÃO PELA CULTURA NO PAÍS. REVEJA ENTREVISTA EXCLUSIVA DE AI WEIWEI PARA A DASARTES QUANDO PARTICIPOU DA BIENAL DE SÃO PAULO

POR REDAÇÃO

Ai Weiwei é o mais politizado artista da China, se não do mundo. Raras são suas obras que não criticam ou questionam o , principalmente de seu país natal. A incapacidade de se calar diante da repressão e do autoritarismo do Estado chinês já o levou à prisão em 2009 por defender o ativista político Tan Zuoren, que pressionava as autoridades a investigar o colapso de escolas após o terremoto de Sichuan. É por meio de suas obras de arte, no entanto, que Weiwei é mais eficaz em tocar a ferida da China, representada por ícones de sua milenar cultura – como vasos Ming e bicicletas – em montagens que denunciam a fragilidade de seu estado atual e chamam à discussão. Em 2010, Weiwei foi selecionado a criar um projeto original de ocupação do Turbine Hall, no Tate Modern em Londres, preenchendo-o com réplicas de sementes de girassol em porcelana chinesa. No mesmo ano, criou outro projeto inédito para a Bienal , uma das obras de São Paulo, mais comentadas do evento. Já a recente imersão pelo Brasil contou com a consultoria da designer Paula Dib e colocou o artista em contato com comunidades, artesãos, manifestações culturais e recursos regionais até então desconhecidos por ele, resultando em trabalhos inéditos, feitos com madeira, sementes, cerâmica, raízes e couro, que fazem parte da mostra . 14 ENTREVISTA


Vista da exposição. Foto: Carol Quintanilha.



Law of the Journey, 2016. Vista da exposicão Raiz na Oca Ibirapuera, em São Paulo.

Seu trabalho aborda com frequência questões políticas. Diante das profundas transformações do sistema nas últimas décadas, especialmente em relação aos anos 1970, o que mudou na agenda política da arte? Em primeiro lugar, estamos vivendo uma época muito diferente, muito globalizada, a era da informação e da internet. Isso redefine a humanidade, porque nunca antes tivemos a chance de ver o mundo assim. A arte é uma forma de definir, de dar forma e aparência a esta condição especial da raça humana. As preocupações das pessoas hoje não têm nada a ver com Van Gogh ou Picasso, há muito mais densidade e flexibilidade em nossa estética e em nossa condição moral. Como se expressar, se comunicar e entender as possibilidades é uma tarefa nova. E o que não mudou? O que permanece igual é que a arte vem sempre de um indivíduo. É uma posição individual. O que também permanece igual, não importa que mudanças ocorram, é que o mundo se torna cada vez mais institucionalizado. Não é uma nação, mas diferentes poderes. As pessoas estão mais ambiciosas e a tecnologia tornou esta busca mais eficiente: consegue-se mais lucro fazendo menos. Com a globalização, você acredita que os problemas locais, como os que existem na China – censura e violação aos direitos humanos, por exemplo –, tornam-se globais? Penso que as situações locais ainda são locais, mas sempre com reflexos globais. Hoje, muitos políticos internacionais que vêm à China ou quando são questionados sobre a situação neste país tendem a não usar o termo “direitos humanos”, como se fosse um palavrão. Mas as condições estão até piorando. As pessoas querem cada vez mais liberdade de expressão, o que não é possível na China, mas globalmente se finge não perceber este tipo de problema que afeta uma parte importante da população mundial e que continua tendo efeito na sua qualidade de vida.

AI WEIWEI 17


Map of China, 2004. Foto: Ai Weiwei.

Suite Segond 120F, 1980. © Bernard Frize/Adagp, Paris 2019 © Kunstmuseum Basel, Martin P. Bühler

DO MUNDO 18 ENTREVISTA


Sua exposição (Haus der Kunst, Munique, 2009) fala disso? Ela parece apontar a tendência dos políticos de simplesmente se desculpar em face de situações prejudiciais à humanidade, como o recente vazamento de óleo no Golfo. Há muitos casos em que o problema não é solucionado, como na crise bancária, mas as pessoas parecem simplesmente desligar o problema com um interruptor, como se fossem lâmpadas, porque pensam que, se não se consegue resolvê-los, o melhor é não olhar para eles. Mesmo tendo tido problemas por ter manifestado suas opiniões políticas, você insiste que as pessoas devem externar suas opiniões. Você crê que esta seja uma obrigação dos artistas e intelectuais? Certamente eles têm obrigação. Artistas e intelectuais recebem tudo, tomam tudo da vida e só produzem arte. Se a arte deles não fala em nome de outras pessoas, das pessoas que produzem sua roupa e sua comida, eles se tornam parte dos criminosos que exploram. Eles dizem que o sistema não produz justiça, mas, se eles não estão dando sua opinião ou criticando, eles são parte do sistema. Em uma entrevista ao jornal inglês The Guardian, você diz que “a China não oferece nenhum valor real além de mão de obra barata, manufatura e sua própria estabilidade”. Podemos deduzir daí que você não busca inspiração na cultura chinesa? Não diria isso, porque a situação atual da cultura na China é muito ruim, mas, dadas as circunstâncias, é uma nação que teve altos e baixos dramáticos em suas condições, o que nos faz pensar em que tipo de tempos estamos vivendo agora e nos faz olhar para nós mesmos com outros olhos. Para mim, é muito importante estar aqui na China.



Forever Bicycles, Taipei Fine Arts Museum, 2011. Foto: Ai Weiwei Studio.


Foto: Antonio More.

A China, assim como muitas outras civilizações antigas, passou por muitos períodos de repressão e más condições políticas e ainda assim teve, ao longo dos séculos, uma produção cultural muito rica. Atualmente, no entanto, o país vive uma situação política ruim e, como você mesmo disse, uma fase culturalmente pobre. Por que você acha que isso ocorre? Há três ou quatro décadas, nossa nação não consegue oferecer nenhum tipo de ideologia. Esta falta de orientação sacrificou tremendamente nossos valores morais, estéticos, o meio ambiente e a educação. Como consequência, estabeleceu-se um tipo 22 AI WEIWEI

de escravidão moderna, que nos permite sobreviver e dar grandes lucros ao estado e às empresas, mas que não nos permite atingir níveis melhores em nenhum plano. Não existe uma crença na China, uma linha de orientação, e isso vem gerando uma situação cada vez mais caótica, que não acredito que possa ser mantida. para a Em sua performance mostra Documenta de 2007, você levou 1.001 chineses de diferentes origens, idades e condições à Kassel como turistas. Você pode falar sobre este projeto? É como o jogar de dados: a princípio, você se pergunta o que acontecerá


com as pessoas que estão deixando uma sociedade totalmente distinta, com condições bastante específicas em termos políticos e econômicos, para participar de um evento do alto circuito da arte. Supreendentemente, consegui que desse certo. Nunca esperei que a performance fosse notada ou mesmo lembrada e mencionada. Aprendi muito com ela, sobre como usar a mim mesmo para fazer as coisas acontecerem. Nesta performance, o movimento de pessoas é visto como algo bom, libertador. Hoje, este movimento é um assunto em voga, em virtude da migração consequente da

globalização e até da contratação de chineses para torcer pela seleção de futebol da Coreia do Sul na última Copa do Mundo. Mesmo nestes contextos, você acha que movimento é sempre algo libertador? Sim, acho que a frequência de movimento e a frequência de troca ou mudança de ideias são sempre libertadoras. É por isso que nos transformamos em cidadãos e mudamos em relação aos tempos antigos, é como reconhecemos a diferença em relação a eles.


Você precisa de uma mente forte para compreender seu entorno.

Sua colega no grupo The Stars, Li Shuang, certa vez disse que “a pintura chinesa vem do coração e a pintura ocidental se concentra na paisagem”. Você acha que sua arte vem do coração ou da mente? Acho que vem dos dois, mas principalmente da mente. Primeiro temos que ter uma compreensão integral de si mesmo e dos outros, e isto não é possível apenas com o coração. Você precisa de uma mente forte para compreender seu entorno. Apesar de ter participado do desenho do estádio de futebol mais celebrado dos jogos olímpicos na China, conhecido como Ninho de Pássaro, você se recusa a falar sobre ele e ser fotografado ao seu lado. Por que você não gosta das Olimpíadas? Eu gostei que as Olimpíadas acontecessem na China, vi isso como uma oportunidade única para meu país buscar padrões internacionais e participar de valores universais. Mas depois percebi que a China não estava disposta a realmente se abrir e adotar a liberdade, que estavam apenas produzindo um show de propaganda política. Ficou claro que as Olimpíadas seriam uma comédia, com todas as grandes empresas transformando isto não em um encontro de culturas e nações, mas em um evento comercial. Claro que eu não quero estar associado a isso. Aqui foi como se o Estado dissesse: “vá para 24 ENTREVISTA


Foto: Antonio More.


Foto: Antonio More. Vista da exposição no MON.

casa, pois vamos dar uma festa aqui”. As pessoas deveriam ficar em casa assistindo à televisão enquanto a polícia tomava conta de tudo, com câmeras por todos os lados. Para mim, este é o primeiro passo para um Estado policial. Isso é horrível, não posso aceitar algo assim. Alguns de seus trabalhos, como (1995) e (Sidney Biennial 2006), têm muita violência, mas a violência se transforma em beleza. Por quê? Eu acho que sempre temos que pensar que existe uma possibilidade que não

entendemos no universo. A violência é apenas parte dele, mas não é tudo. Mesmo quando vivemos condições de violência, temos que pensar que existe uma razão mais forte, uma razão além disso. Temos que pensar que existe algum tipo de lógica que não entendemos por completo.

Raiz: Ai Wewei • Museu Oscar Niemeyer • Curitiba - MON • 3/5 a 27/7/2019



FRANK

BOWLING


Great Thames IV, 1988-9. © Frank Bowling. All Rights Reserved, DACS 2019.


O ARTISTA GUIANENSE FRANK BOWLING MUDOU-SE PARA LONDRES AOS 19 ANOS E ESTUDOU ARTE COM DAVID HOCKNEY. HOJE, COM 60 ANOS DE CARREIRA, RECEBE SUA PRIMEIRA GRANDE RETROSPECTIVA, QUE CELEBRA AS POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES OUSADAS DE SUAS PINTURAS

POR REDAÇÃO Frank Bowling nasceu em 1934, na Guiana (então Guiana Britânica), América do Sul. Em 1953, deixou sua cidade natal, New Amsterdam, e viajou para Londres. Chegou durante a celebração da coroação da rainha Elizabeth II. Após algumas tentativas iniciais de poesia e dois anos de serviço na Royal Air Force, Bowling se matriculou no Royal College of Art, em Londres. De 1959 a 1962, estudou pintura ao lado de um talentoso e ambicioso grupo de estudantes, dentre eles, os artistas Derek Boshier, David Hockney e R. B. Kitaj. O trabalho inicial de Bowling demonstra seu interesse em questões sociais e políticas, bem como narrativas pessoais. Muitas vezes, descreve memórias dolorosas e indivíduos desprivilegiados. Durante esse tempo, Bowling começou a usar tanto a figuração quanto a abstração em seu trabalho. Adotando como tema um cisne branco agonizando, começou a explorar preocupações formais. Ele usou os princípios da geometria para moldar a tela e estruturar a composição. Também começou a estudar teoria das cores e justapor planos de cores fortes. Entre 1964 e 1967, Bowling reuniu muitas diferentes abordagens pictóricas, fontes e técnicas. Esse foi um período de grande mudança em sua vida e carreira. Em 1966, mudou-se de Londres para Nova York e foi premiado com uma bolsa Guggenheim no ano seguinte, permitindo que ele se estabelecesse nos EUA, onde passou a maior parte da década seguinte.

30 DO MUNDO


Mirror, 1966. © Frank Bowling. All Rights Reserved, DACS 2019.


Acima: Cover Girl, 1966. Abaixo: South America Squared 1967.

32 FRANK BOWLING


Acima: Polish Rebecca, 1967. © Frank Bowling. All Rights Reserved, DACS 2019.

Bowling continuou a usar elementos figurativos em seu trabalho. Alguns são expressionistas, pintados de maneira gestual. Outros são mais gráficos, renderizados por meio de técnicas de impressão. Bowling adotou diferentes imagens como fontes para suas figuras. Elas incluem fotografias de cenas que ele encenou, fotos de família e imagens de revistas. Uma imagem serigrafada da casa de sua família em New Amsterdam se tornou um elemento central em suas pinturas. Sua mãe construiu a casa para sua família, que ocupava os andares superiores, e seu negócio, o Bowling's Variety Store, localizado no térreo. De 1966 a 1967, Bowling também começou a usar estêncis em seu trabalho, e os primeiros contornos de formas semelhantes a continentes aparecem. Essas obras sinalizam seu interesse contínuo em geometria, uso intuitivo de planos de cores ousadas e exploração da natureza imprevisível da pintura. Logo depois de se mudar para Nova York em 1966, Bowling parou de pintar a figura humana. Começou a trabalhar em um grupo de pinturas caracterizadas por sua escala, aplicação fluida de tinta acrílica e luminosidade. Além disso, através (1969-1972), Bowling desempenhou um papel de seus artigos na fundamental nos debates em torno de “Black Art”. Defendeu os direitos dos artistas de se envolver em qualquer forma de expressão artística, independentemente da sua identidade ou origem. As obras dessa série, referidas como “pinturas de mapas”, datam de 1967-71. Os campos coloridos são sobrepostos por mapas do mundo estampados e imagens em serigrafia. 33


Zif, 1974. © Frank Bowling. All Rights Reserved, DACS 2019.

Bowling trabalhava em telas não esticadas, colocando-as no chão e na parede. Aplicava tinta derramando, manchando e pulverizando. O Hemisfério Sul geralmente domina essas telas. Esse foco marca a rejeição de Bowling sobre a cartografia ocidental de muitos mapas do mundo. Imagens da mãe e dos filhos do artista estão entre as serigrafadas em algumas das telas. Os resultados são obras de arte complexas e em camadas. Essas “pinturas de mapa” revelam o interesse de Bowling pela forma como as identidades são moldadas pela geopolítica e pelo deslocamento. Por volta de 1973, Bowling começou a despejar tinta nas telas para produzir efeitos em camadas de cores contrastantes. As pinturas resultantes revelam os processos de sua fabricação. Eles foram a resposta pessoal de Bowling aos desafios do formalismo na pintura modernista, uma postura crítica promovida pelo crítico de arte americano Clement Greenberg, sugerindo que os aspectos visuais de uma obra de arte são mais importantes do que o conteúdo narrativo. Greenberg apoiou o trabalho de Bowling e os dois se tornaram amigos. Em seus estúdios de Nova York e Londres, Bowling construiu uma plataforma inclinada que permitiu que ele despejasse tinta de alturas de até dois metros. A tinta, sendo derramada, criou um estilo de pintura enérgico e inovador. Essas “pinturas derramadas” foram o resultado do acaso controlado. Elas revelam o interesse de Bowling na tensão entre uma abordagem estruturada à pintura e desenvolvimentos acidentais. Durante esse tempo, os títulos das obras de Bowling se tornaram cada vez mais enigmáticos. Bowling nomeia uma pintura, uma vez terminada, tentando se reconectar com o que aconteceu durante a criação dela. Os títulos frequentemente aludem a aspectos da vida cotidiana do artista, referenciando pessoas e associações pessoais. No entanto, eles permanecem ambíguos, impedindo uma leitura prescritiva de seu trabalho. 34 DO MUNDO



Ah Susan Whoosh 1981. © Frank Bowling. All Rights Reserved, DACS 2019.

No final da década de 1970, Bowling estava totalmente no controle das técnicas de pintura que ele havia aperfeiçoando nos últimos dez anos. Tinha uma profunda compreensão da dinâmica do fluxo de tinta e do drama da combinação de cores. Na necessidade de novos desafios, ele adotou uma variedade de intervenções. Bowling começou a usar amônia e perolização, e aplicou manchas de tinta à mão, produzindo efeitos de marmoreio. Ele abraçou o acaso, permitindo-lhe alcançar resultados inesperados. Por exemplo, a impressão redonda de um balde, deixada para descansar enquanto secava uma tela, contribuiu para a composição de (1981) e se tornou um artifício recorrente. Essas pinturas podem nos fazer pensar em impressões atmosféricas de céus, visões do mundo e do cosmos, ou transformações alquímicas. Bowling não cria trabalhos com essas referências em mente. No entanto, ele recebe respostas e interpretações diferentes dos espectadores.


Sacha Jason Guyana Dreams 1989

Na década de 1980, Bowling continuou a explorar a cor e a estrutura de suas composições, mas agora as acrescentou em seus últimos experimentos, construindo texturas na superfície. Ele começou a misturar tinta acrílica com gel acrílico. Esse material é semelhante à tinta acrílica, mas sem o pigmento da cor. Começou também a usar gel acrílico para estender o volume de tinta, criar maior textura e adicionar transparência. Além disso, usou espuma acrílica: cortou o material em tiras finas para criar acentos lineares e sugerir formas geométricas livres. Também começou a usar uma variedade de outros materiais e objetos em seu trabalho. Aplicou pigmentos em suas superfícies metálicos, giz fluorescente, cera de abelha e densamente texturizadas. Em vários trabalhos, encontram-se objetos como brinquedos de plástico, material de embalagem, como tampas de caixinha de filme, e conchas de ostras dentro da tinta. Esses itens raramente são totalmente visíveis, mas aumentam a complexidade e a qualidade misteriosa de seus trabalhos. Os diversos materiais e objetos dessas pinturas nos convidam a prestar atenção à sua materialidade. Os trabalhos se estendem em direção ao espectador, provocando um engajamento mais físico. 37



Iona Miriam's Christmas Visit To & From Brighton 2017. © Frank Bowling. All Rights Reserved, DACS 2019.

Quando olhei para a paisagem na Guiana, eu entendi que a luz nas minhas fotos é uma luz muito diferente.

Algumas pinturas, concluídas em 1989, demonstram o envolvimento de Bowling com o manejo gestual e as extensões de cor do expressionismo abstrato e com seu interesse pela pintura de paisagem inglesa. , feita no estúdio de Bowling, Duas das pinturas pertencem à série no leste de Londres, perto do rio Tâmisa. Essas pinturas capturam o jogo de luz na água, mudando com a hora do dia e as estações do ano. Elas são algumas das pinturas mais poéticas de Bowling e sugerem o trabalho dos paisagistas ingleses que ele admira profundamente, particularmente Thomas Gainsborough (17271788), J. M. W. Turner (1775-1851) e John Constable (1776-1837). Quando Bowling viajou de volta a New Amsterdam, em 1989, ele reconheceu que a luz particular da Guiana também tinha sido a chave para sua pintura: “Quando olhei para a paisagem na Guiana, eu entendi que a luz nas minhas fotos é uma luz muito diferente. Eu vi uma névoa cristalina, talvez um vento e água do leste subindo para o céu. Pela primeira vez, ocorreu-me, nos meus cinquenta anos, que a luz é sobre a Guiana. É uma constante nos meus esforços”. Na década de 1990, Bowling continuou a trabalhar com tinta acrílica e gel e incorporando diferentes materiais e objetos em suas pinturas. Seu interesse pela pintura como objeto o levou a costurar telas juntas. Ele começou a prender sua tela principal a faixas coloridas de telas secundárias, que criavam uma borda. Bowling também começou a se concentrar em pinturas menores. Durante décadas, dedicou-se principalmente a trabalhos em grande escala. Feitos então em formato menor, ofereciam um novo desafio. Ele poderia experimentar o tratamento do suporte e usar seções da mesma tela em diferentes trabalhos. Bowling começou a se dedicar a mais de uma pintura simultaneamente. Seções de telas recortadas anteriormente, com diferentes aplicações de pintura e cores, seriam grampeadas e coladas juntas. Os grampos, que fixam as diferentes seções do tecido juntos antes que a cola os ligue, são registros do processo do artista. Essa técnica aumenta a materialidade das obras, ao mesmo tempo que transmite uma sensação de efemeridade. FRANK BOWLING 39


Atualmente, aos 85 anos, Bowling ainda atua em seu estúdio todos os dias. Apesar de trabalhar quase exclusivamente em posição sentada, a necessidade persistente de Bowling de reinventar a pintura permanece. Ele continua a experimentar técnicas adotadas ao longo de muitas décadas, combinando-as em um número infinito de variações. Podemos ver lavagens de tinta fina, tinta derramada, tinta manchada, aplicações estampadas, uso de géis de acrílico, inserção de objetos encontrados e costura de diferentes seções da tela. Bowling também se mantém explorando as duas ideias conflitantes de geometria e fluidez que o ocuparam ao longo de sua carreira. Suas composições são baseadas em estruturas abrangentes e arranjos geométricos livres. Ao mesmo tempo, a tinta é misturada a uma ampla gama de materiais e objetos, permitindo que ela flua e se espalhe pela tela. O domínio técnico de Bowling, adquirido por meio de décadas de experimentação, dá lugar a uma notável confiança para improvisar. Ele continua a estabelecer e a quebrar sistematicamente um conjunto de regras auto-impostas em constante mudança.

Remember thine eyes, 2014. © Frank Bowling. All Rights Reserved, DACS 2019.

Frank Bowling • Tate Britain • London • 31/5 a 28/8/2019



jr

HUDINILSON


Sem tĂ­tulo_1979.


POR NICHOLAS ANDUEZA

ENTRE CÓPIAS E FLORES, O CORPO A Galeria Jaqueline Martins expõe obras de Hudinilson Jr. (1957-2013), algumas delas inéditas, em uma mostra que carrega o nome do artista e se prolonga por mais de 600 m2. A curadoria, da própria Jaqueline Martins, visa reproduzir de modo simbólico a casa e o ambiente de trabalho de Hudinilson. A mostra antecipou a participação do artista em estande na Art Basel, uma das mais relevantes feiras de arte do mundo. Como não é incomum no estranho mercado das artes, outrora marginalizado de vários circuitos ao longo de sua vida, Hudinilson passou, postumamente, a ser amplamente reconhecido como um dos grandes artistas brasileiros. Seu trabalho foi apresentado em importantes exposições coletivas como (MASP), – 1970-1990 (Universidade de (Universidade de Stanford) San Diego), ea . O artista tem obras que integram importantes coleções, como: MoMA (Nova York, EUA), Museu Reina Sofia (Madri, Espanha), Migros Museum (Zurique, Suíça), MAGA Museo d’Arte (Gallarate, Itália), MALBA (Buenos Aires, Argentina), MASP (São Paulo, Brasil), Pinacoteca do Estado (São Paulo, Brasil) e o Museu de Arte Contemporânea da USP (São Paulo, Brasil). Ao centro das obras, de quase todas elas, o corpo, nu e masculino. Muito frequentemente o do próprio artista, que atuou como modelo entre as décadas de 1970 e 2000. Por meio de pintura, desenho, xilogravura ou estêncil, fotos e xérox de si mesmo, ou ainda pelo recorte de figuras de revistas e colagem de elementos caracterizados como lixo no cotidiano urbano, Hudinilson apresenta um retorno erótico e constante ao corpo masculino. E, nessas constelações corporais, tensões múltiplas são apresentadas entre o masculinos, das revistas corpo utópico dos modelos greco-romanos, dos pornográficas homoeróticas, e o corpo heterotópico do próprio artista feito imagem; entre o corpo como um todo indivisível, integral, e sua fragmentação em detalhes por vezes abstratos; ou mesmo, mais fundamentalmente, entre a biologia e materialidade do corpo e a tecnologia e artificialidade da imagem, da cópia.

44 DESTAQUE


Companhia Musical, 1626.

Falo gigante, anos 1980. Todas fotos: Cortesia artista e Galeria Jaqueline Martins.


À direita acima: Grupo 3nós3, X-Galeria, 1979. Abaixo: Ensacamento, 1979. Fotos: cortesia: Mario Ramiro e Galeria Jaqueline Martins.

Formado em Belas Artes pela FAAP-SP, onde estudou entre 1975 e 1977, criou, juntamente com os artistas Rafael França e Mário Ramiro, o grupo 3nós3, que atuou entre 1979 e 1982 por meio de intervenções no espaço público. A estrutura de 3nós3 pretendia escapar do modelo acadêmico-mercadológico das artes organizadas em galerias e museus. No circuito das ruas e praças, a fricção entre arte e vida (dualidade que baliza muitas obras modernistas e contemporâneas) tomava contornos mais frescos, autênticos e interativos. É o que fica explícito na intervenção , por exemplo, em que o grupo marca as portas de várias galerias com um “X” e os dizeres “o que está dentro fica, o que está fora expande”. Na intervenção , o grupo ensacou as cabeças de 68 estátuas localizadas em espaços públicos da cidade de São Paulo durante a madrugada e, no dia seguinte, ligou para jornais fingindo serem moradores indignados com o suposto “vandalismo”. Assim, a obra ganhou a extensão do espaço aberto da cidade e provocou interativamente os meios de comunicação, que, por sua vez, provocaram um público que era também público imediato das obras, pelo simples fato de passar por elas em seus percursos rotineiros (sem necessidade de se desviar para o museu). O ensacamento de cabeças públicas é uma menção clara à prática da tortura, que frequentemente priva o interrogado de seus sentidos (e de sua identidade) ao lhe ensacar o rosto. O número de estátuas pode ser uma sugestão ao ano de 1968, ano do AI-5.

46 HUDINILSON JR



À esquerda: Obra de Andra Ursuta. Abaixo: (Pavilhão Grécia) Panos Charalambous, A Wild Eagle was Standing Proud. Foto: Francesco Galli.

Country Road: Kentucky, 1984 (Série Fake Fashion).


Quantos corpos podem habitar um mesmo corpo?

Acima: Narcisse, Exercícios de Me Ver II, 1982. À esquerda: Gesto IV, 1986. Abaixo: Narcisse, Gesto II, 1986. Foto: Gui Gomes.

Entre os trabalhos solo principais de Hudinilson Jr., destacam-se suas xerografias, campo em que foi pioneiro. Em , uma série que certamente se divide em muitas durante a década de 1980, o artista, nu, deitou-se e se moveu sobre uma máquina de xérox, produzindo, ao longo dessa cena quase-sexual entre homem e máquina, inúmeras imagens de si. Pedaços de um corpo outrora inteiro. Resultados atomizados de uma espécie de Narciso moderno a se afogar na tecnologia em prol da produção e do consumo à de imagens de si – remetendo dinâmica auto-expositiva das mídias sociais. Uma dessas performances com a xérox se intitula justamente (1987), que é também o nome de uma flor referenciada em algumas obras (como no estêncil em papel de 2010). Quantos corpos podem habitar um mesmo corpo? É a pergunta que essas fotocópias sugerem. Em , Michel Foucault comenta que todas as formas de utopia têm como ator principal o corpo humano. Mais que isso, o corpo é, ao mesmo tempo, a fonte e o destino das utopias, que com frequência se tornam dispositivos contra esse mesmo corpo (particularmente nos enredamentos da biopolítica, que mede e controla as mecânicas da vida). 49


Sem título, 1979.

Nas fotocópias de Hudinilson Jr., o corpo em performance se torna corpo em imagem. A carne, o osso, os fluidos e a vida tridimensional daquela presença corporal autêntica e efêmera sobre a máquina (própria da performance) são transformados em bidimensionalidade fixa, preto e branco e de alto contraste (próprio da xérox). Alguns enquadramentos produzem abstrações por meio de grafismos sugeridos por pelos e rugas da pele, tornando visível uma espécie de não corpo que já estava lá, desde o início, habitando o corpo – mas que ainda não havia sido vislumbrado. São constelações corporais que partiram todas de um mesmo corpo comum, o de Hudinilson (e, por que não, o nosso): corpo-galáxia. se distinguem claramente da gramática narcísica das Nesse sentido, os mídias sociais, mesmo que se relacionem com ela. Nesta, há uma cosmética do corpo, cuja estrutura, motivada por uma utopia de beleza eurocêntrica, é prescritiva: decide o que pode e o que não pode ser postado/curtido. Já nas fotocópias de Hudinilson, vemos uma estética do corpo, que se fundamenta em um caminho de autoconhecimento e autorreplicação pela imagem, em um percurso de se abrir às múltiplas utopias corporais que habitam sua pele, sem necessariamente optar por uma delas. Ao contrário do corpo das mídias sociais, cosmético, prescrito, opaco, que é hipercompartilhado, mas não se deixa ver de verdade, Hudinilson nos oferta um corpo estético, experimentável, múltiplo, transparente, devassado por si próprio. Mas isso não significa dizer que o artista não é afetado pela utopia de beleza greco-romana. O torso masculino, largo, musculoso e branco é uma constante em suas obras de colagem feitas desde a década de 1970. Nelas, corpos normalmente sem rosto, recortados de jornais ou revistas, são colados juntamente com outras imagens e outros materiais, muitos retirados do lixo (penas de pássaro, enfeites quebrados ou , peças de madeira ou metal, etc.). 50 DESTAQUE



Ao serem privados de rosto, os corpos masculinos, mesmo tendo saído de revistas, aproximam-se da estatuária greco-romana, revelando uma espécie de arqueologia da beleza (diria Foucault). O fato de a colagem incluir outros materiais e objetos, acompanhados por seus volumes e texturas, parece frisar materialmente que esses corpos são abstrações imagéticas, bidimensionais. Isso sugere seu caráter utópico, remetendo às tradições da representação do corpo nas belas artes sem necessariamente criticá-lo. Sob outra óptica, uma que aproxima os objetos das imagens, pode-se falar de uma estética do corpo como coisa – e a falta de rosto aqui é de novo primordial, pela perda de identidade e personalidade que introduz. Sim, certamente o corpo-coisa como mercadoria, mas não somente. O corpo vem também como coisa da arte, coisa digna de arte, como objeto a ser visto, trabalhado, representado e (foto)copiado. Tais colagens, que marcam o início da carreira artística de Hudinilson, vão também marcar sua última fase de trabalhos, na qual o artista produziu vários , uma espécie de arquivística. Neles, Hudinilson colou imagens de todos os tipos, mantendo seu foco no corpo masculino nu ou seminu. Os foram montados a partir de recortes de jornais e revistas recolhidos À direita: Sem título, Anos 1980. Abaixo: Zona de tensão e Sem título, Anos 1980.

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do lixo. Há imagens de publicidade, revistas pornográficas, fotojornalismo, ilustrações. Em todas as páginas, homens em diversas atividades: posando para a foto, tendo relações sexuais com outros homens, mergulhando, tocando instrumentos, jogando bola, etc. Parece haver ao mesmo tempo um encanto e uma consciência em relação à exploração do corpo em forma de imagem pela indústria cultural. Se esses , junto com as colagens iniciais e as performances e imagens xerográficas assinalam um tratamento iminentemente contemporâneo dado ao corpo (procedimentos de colagem, uso de materiais banalizados, elementos da , mediação tecnológica da cultura máquina), eles também podem apontar para horizontes mais fundamentais da arte e da representação, justamente por tratarem do corpo. Podemos relacionar Hudinilson aos das recentíssimas mídias sociais, mas

também às primeiras taxonomias anatômicas de Alphonse Bertillon para a polícia francesa do século 19 (por meio de quadros com fotografias de partes de corpos de criminosos). Podemos falar de novas técnicas de imagens do corpo (xerografia), e também da mais antiga de todas: a mão gravada nas paredes das cavernas. Hudinilson Jr. nos lembra do corpo como fundamento da própria representação, como fonte e destino de todas as utopias.

Hudinilson Jr • Galeria Jaqueline Martins • São Paulo • 01/6 a 3/8/2019

Nicholas Andueza é doutorando bolsista em Comunicação e Cultura na UFRJ, é professor de cinema em cursos em Nova Friburgo e trabalha como editor de cinema e audiovisual.

À direita: Sem título, Anos 1980.



BRUNO

VILELA POR ELE MESMO

“Em fevereiro de 2019, embarquei em uma aventura para a Índia. Meu primeiro objetivo era fotografar o mais importante festival religioso dos hindus: o . A festa popular acontece uma vez por ano, no dia em que se acredita que o próprio deus Shiva toca a terra. Foram 40 dias na Índia, mais de 11 cidades, 80 templos e incontáveis rituais pelas ruas e pequenos santuários e altares escondidos. Para acompanhar o festival, escolhi uma das três cidades sagradas da Índia, Haridwar. O foco de minha pesquisa são os mitos, os rituais, a iconografia e tudo o que se relacione às religiões ancestrais. Essa nova exposição, na Galeria Anita Schwartz, é dedicada às três deidades do hinduísmo: Shiva, a base do conhecimento védico, a destruição e a renovação; Brahma, a criação, e Vishnu, a manutenção. Krishna é um dos deuses mais cultuados na Índia, o avatar de Vishnu. Nasceu em Vrindavan há cinco mil anos. É o todo atrativo. A palavra em sânscrito ṛṣṇ é essencialmente um adjetivo que significa azul-escuro. Neste pastel, eu uso o azul ultramar profundo para dar vida ao deus. De um enorme bloco azul surgem os olhos do deus. Não se pode vê-lo, pois está em outra dimensão. Só vemos seus olhos e um colar/guirlanda de flores. É o desapego da imagem, da matéria, em nome da experiência da cor. Na Índia, eu vi em alguns templos os brâmanes fixando os olhos na estátua do deus apenas na hora da cerimônia. Plasticamente, é uma referência ao YKB (Yves Klein Blue), o azul-ultramar criado por Yves Klein.” 60 REFLEXO


KRISHNA, 2019


62 BRUNO VILELA


O BUSCADOR, 2019.

“Fiz a fotografia que dá vida ao desenho no templo Neelkanth, incrustado na rocha, e criado no século 3º em honra a Shiva Ele integra o uma fortaleza localizada a três horas de Khajuraho, dedicado à deusa Kali. A entrada escura do templo expressa esse mistério e o medo do que deve haver ali dentro, medo do desconhecido, medo de Shiva. Da Vinci disse um dia aos pés de uma gruta: “Esse lugar me desperta medo e desejo ao mesmo tempo. Medo de encontrar criaturas terríveis na escuridão e desejo de ver a mágica acontecendo na minha frente”. é todo ser humano que persegue o divino. O monge transcendeu o laranja e se transformou em ouro.” CRISTIANO MASCARO 57



O TRANSFORMADOR, 2019.

A grande fotografia da minha vida.

“Posso

dizer

que é a grande fotografia da minha vida. Foi feita no dia do , em Haridwar, junto às escadarias sagradas à beira do Ganges, chamadas de , em que significa , significa e significa . Acredita-se que o Senhor Shiva e o Senhor Vishnu estiveram no nos tempos védicos. Enquanto há um enorme banho coletivo com um clima de profundo respeito, do lado de fora acontece uma festa profana de enormes proporções. Carros de som, bandas de sopro, milhares de pessoas fantasiadas, animais pintados e muitas estátuas dos deuses sendo levadas pelos devotos. Uma espécie de mistura entre carnaval e procissão. No meio disso tudo, vejo um homem maquiado dos pés à cabeça de um negro profundo. Estava em cima de um búfalo, virado de costas, e carregava uma bacia de metal na mão de onde emanava fumaça branca, onde as pessoas depositavam dinheiro, flores e todo tipo de oferendas. O homem era um shivaísta – um devoto de Shiva. Ao mudar o ângulo de posição da lente da minha câmera, consegui enxergar a cena contra a luz, e nessa hora, por trás da fumaça, surgiu Shiva na minha frente! Realmente, no dia do ,o toca a terra, e está ali, no quadro da minha câmera. É a confirmação da presença do divino naquela terra sagrada. Esta é a obra central da exposição.” REFLEXO 65


O FOGO SAGRADO, 2019


“Esta pira de fogo é um altar para a transmutação das oferendas, oblação. A foto que serviu de base para o trabalho foi feita também em Haridwar, dentro das escadarias sagradas que dão acesso ao na beira do Ganges, chamadas de , também no dia do Shivaratri. O fogo que nunca apaga. O fogo da vida. Esse altar de fogo construído em formato quadrado está presente em diversos templos e se Ao redor chama do quadrado foi amarrada uma corda para sacralizar o lugar. Minha corda é de ouro. O prato com as oferendas é de prata.”

Bruno Vilela: Shiva • Galeria Anita Schwartz • Rio de Janeiro • 10/7 a 24/8/2019

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DORA

MAAR

Rua d’Astorg, 29, 1936. © Adagp, Paris 2019 Todas Fotos © Centre Pompidou, MNAM-CCI / P. Migeat / Dist. RMN-GP.


FOTÓGRAFA PROFISSIONAL E PINTORA SURREALISTA, DORA MAAR PRODUZIU UMA OBRA DE VALOR INQUESTIONÁVEL, EMBORA ALGUNS ASPECTOS CRUCIAIS DE SUA PRÁTICA ARTÍSTICA PERMANEÇAM DESVALORIZADOS. RETROSPECTIVA NO POMPIDOU SE PROPÕE A MOSTRAR TODOS OS ASPECTOS DE SUA PRODUÇÃO, A FIM DE RESTAURAR SEU COMO ARTISTA, OFUSCADO POR SEU PAPEL DE GRANDE MUSA DE PABLO PICASSO

POR DAMARICE AMAO, AMANDA MADDOX E KAROLINA ZIEBINSKA-LEWANDOWSKA A obra e a personalidade de Dora Maar (1907-1997) fazem dela, no momento, um tema de estudo e pesquisa dos mais frutíferos e fascinantes. Muitas vezes simplesmente identificada como a musa e companheira de Picasso, Dora Maar é a que “tem todas as imagens a seu favor”, como escreveu seu amigo Paul Eluard em uma dedicatória. Fotógrafa profissional do mundo da moda dos anos 1930, intelectual envolvida em múltiplas iniciativas antifascistas, artista surrealista, parceira artística de Picasso e, 66 DO MUNDO

finalmente, pintora — um componente que representa uma verdadeira descoberta tanto para o público como para o mundo da arte —, Dora Maar atravessou o século com sua presença enigmática. As imagens realizadas no auge de sua carreira fotográfica, em 1935 e 1936, mostram como Dora Maar trabalhou com sucesso nos mundos da moda, retratos, fotografia de rua e surrealismo. Foi nessa época que ela conheceu Picasso. Nos oito anos seguintes, o relacionamento deles foi marcado por trocas intelectuais. Dora


Maar estimulou a consciência política do pintor e lhe ensinou a fotografia. Picasso fez muitos retratos da jovem, incluindo uma pintura e duas obras em papel, agora preservadas no Tate Modern. Em 1990, pouco depois da aquisição de (1937), a diretora do museu Frances Morris conversou com Dora Maar sobre essa pintura e seu envolvimento na produção de e em seu trabalho de documentação dessa obra-prima. Esta entrevista foi o ponto de partida do desejo de reconhecer Dora Maar como uma artista singular por si só, que encontrou o seu ponto culminante na presente retrospectiva que reúne peças de 80 instituições e colecionadores por meio de mais de 400 obras.

À esquerda: Modelo-estrela, 1936. Abaixo: Sem título, 1935. © Adagp, Paris 2019. Fotos © Centre Pompidou.


Madeleine II, 1903.

O QUE ESTÁ POR TRÁS DE UM NOME? A INVENÇÃO DE “DORA MAAR” Ela nem sempre foi Dora Maar. Nascida Henrietta Theodora Markovitch em 1907, ela recebeu o apelido de Dora, um diminutivo de seu nome do meio. Foi chamada de Dora Markovitch durante seus estudos na União Central de Artes Decorativas em Paris (UCAD) – naquela época, uma escola progressista que treinava meninas nas artes decorativas – que ela frequentou de 1923 a 1926, quando ela se tornou a estudante do pintor André Lhote no final da década de 1920. Após um breve período na Escola Técnica de fotografia e cinema da cidade de Paris, no final de 1920, ela publicou suas primeiras fotos em 1930 sob o nome de Dora Markovich. Em 1932, formou uma empresa “para a execução de todo trabalho de fotografia” com Pierre Kéfer, diretor artístico e de filmes reconhecidos, sob o nome de “Kéfer-Dora Maar”. Esse anúncio, que é a mais antiga menção conhecida do pseudônimo Dora Maar, atesta sua transformação de Markovitch para Maar e sua reconversão (embora temporária) de pintora para fotógrafa. De 1930 a 1939, Dora Maar fotografou moda e arquitetura, publicidade, retratos e nus no contexto de comissões para revistas tradicionais, editoras, casas de moda, costura, marcas de cosméticos e particulares. Durante esse período, ela também produziu imagens em estilo de documentário, colagens e fotografias de cenas incomuns, muitas das quais se tornaram ícones da fotografia surrealista. Acima: Fotografia de moda, 1932-1935 e Assia, 1934.


Estudo publicitário [Hahn Oil], 1934-1935. © Adagp, Paris 2019. Fotos © Centre Pompidou.

Esse foi um momento em que os limites entre as disciplinas fotográficas foram menos rígidos do que se tornariam mais tarde: a fotografia publicitária ainda não era considerada um gênero à parte, e artistas, incluindo Dora Maar, não catalogavam suas obras em termos tão estritos. Man Ray fez seu nome cultivando com sucesso essa conexão entre o mundo da fotografia comercial e o surrealismo. Como ele, Dora Maar fez fotografias que são o produto de cruzamentos dos gêneros: a encenação de nus eróticos etéreos para “revistas de encanto” como , seguidas por imagens de modelos de cabelos curtos (sinal de radicalização em mulheres jovens) em revistas especializadas, como , de Paris. A imprensa ofereceu a Dora Maar um lugar de experimentação fotográfica, uma área de fronteira onde o jogo e as contradições entre fantasia e realidade, uma dualidade que fascina os surrealistas, são permitidos e podem ser explorados. ENGAJAMENTO: FOTOGRAFIAS DE RUA – BARCELONA E LONDRES Em setembro de 1931, Dora Maar foi para a Espanha. Certamente, chegou primeiro a Barcelona, ​onde desceu ao hotel Oriente. Na Espanha, um país em si surrealista, vitalista e cruel, Dora Maar se comprometeu a aproveitar a vida das ruas e das pessoas que as povoavam. DORA MAAR 69


Barcelona, 1933. À direita: O Simulador, 1936. © Adagp, Paris 2019. Fotos © Centre Pompidou.

A jovem captou perfeitamente a animação do mercado de rua e seus arredores. Cheia de movimento, as fotografias das vendedoras de avental branco e das crianças de rua que ela fez em Barcelona estão entre as mais bem-sucedidas nesse registro. Ela reutilizou a do garoto que fazia acrobacias, corpo arqueado, pés na parede e de cabeça para baixo, em sua famosa colagem . Na década de 1930, Dora Maar foi politicamente engajada: “Eu estava à esquerda no ano 1925, não como agora, mas eu nunca teria pertencido ao Partido Comunista”, disse ela em 1994. Mais tarde, participou do grupo , criado por Breton e Bataille, no qual atuou como portavoz. Em uma Europa abalada pela crise de 1929, o econômica após o número de desempregados, mendigos e famílias pobres aumentou consideravelmente, tanto na França como na Espanha. É nesse contexto que a fotografia sociodocumentária floresceu. 71 DO MUNDO

EXPERIÊNCIAS SURREALISTAS: O PERÍODO DA FOTOMONTAGEM “Colagem – processo de criação que envolve cortar, usar tesouras, imagens ou elementos de imagem para montálos, usando cola, de acordo com o prazer da imaginação e a única lei de mudança de cenário, sem prejulgar o elemento do acaso que esse processo pode conter, a fim de trazer a realidade e penetrar bem no campo de desviar imagens maravilhosas de seu propósito original e seu significado comum. A arte da colagem é, sobretudo, a arte de ver uma imagem em outra ou em muitas outras”, disse Georges Hugnet, personalidade próxima de Dora Maar. É certo que a maravilha nasce da recusa de uma realidade, mas também o desenvolvimento de um novo relacionamento, uma nova realidade que essa recusa libertou. A artista tinha uma sensibilidade surrealista e um senso de absurdo desde tenra idade. Em seus arquivos, uma fotografia da década de 1920, com uma impressão sobreposta acidental,


A arte da colagem ĂŠ sobretudo a arte de ver uma imagem em outra ou em muitas outras.



encorajou-a a brincar com o efeito fantasma. Mas foi sua reaproximação com o grupo surrealista que levou Dora Maar a se desenvolver e, assim, criar um corpo de imagens fantásticas para as quais ela escolheu não retornar ao desenho ou pintura que ela estudara anos, mas a usar uma técnica que ela conheceu por meio de seu trabalho como fotógrafa: fotomontagem. MAAR / PICASSO Nos primeiros anos de seu caso com Dora Maar, as criações de Picasso foram impregnadas da violência e do erotismo e sugeriram o estado mental de um homem que se envolveu em um novo relacionamento em um momento em que seu país entrara na guerra civil. Até 1936, Picasso continuou suas experiências em materiais fotossensíveis usando técnicas tradicionais. Guiado por Dora Maar, ele começou a explorar as possibilidades oferecidas pelo processo mais complexo do . Instalados no quarto escuro da fotógrafa, eles realizaram juntos três placas, das quais fizeram cerca de 15 impressões digitais e variantes. Uma camada de tinta a óleo branca foi aplicada antecipadamente em uma placa de vidro. Picasso fizera retratos fotográficos de Dora Maar em seu castelo de Boisgeloup na primavera (ele só fotografou duas vezes). Com essas imagens como referência, ele usou o dedo e uma lâmina para limpar a tinta e gravar os contornos do rosto de Dora Maar. No final de sua vida, Dora Maar explicaria que a ideia veio de Picasso e que ele havia pintado as placas: “Mostrei-lhe a técnica”. Em 1990, Dora Maar conversou com Frances Morris sobre e dois quadros de Picasso, (ambos datados de 1937). Perguntada sobre a possível influência de suas fotografias em Guernica, Dora Maar respondeu: “Eu acho que ela foi inspirada pelo meu estúdio, eu tinha um espaço muito bonito”. Além disso, acrescentou: “É muito importante, na minha opinião, que Guernica pareça uma fotografia porque é um trabalho absolutamente moderno”.

Pablo Picasso, 1936. © Adagp, Paris 2019. Foto © The Museum of Fine Arts, Houston.

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Retrato de Picasso, 1935-1936. © Adagp, Paris 2019. Foto © Centre Pompidou.


Pablo Picasso, Retrato de Dora Maar, 19361937. Foto © RMN-Grand Palais (Musée National Picasso-Paris) / Thierry Le Mage.

Detalhando como a fotografia influenciou sua decisão de pintar a tela em preto e branco, ela observou: “É muito importante para o gênio de Picasso ter feito uma enorme foto”. Por meio dessas observações, Dora Maar articulou uma ideia que escritores e historiadores vêm investigando há 80 anos: a relação de Guernica com a fotografia – não apenas para o meio mas também para a fotografia e o desenvolvimento, para sua difusão em papel e em telas, e as técnicas, o material e a experiência vivida da oficina e do quarto escuro. No dia 1º de maio, em sua . oficina, Picasso executou seus primeiros esboços para De 11 de maio até a pintura terminar, em 4 de junho, Dora Maar documentou o progresso em oito etapas sucessivas de execução. A fim de corrigir a luz fraca e desigual da oficina, Dora Maar retocou, usou negativos intermediários, cortou e refotografou várias impressões. Ecoando o tema do artista em processo, querido por Picasso, ela incorporou frequentemente latas de tinta, panos e projetor em suas fotos, como evidência da presença do pintor fora da moldura e, ao mesmo tempo, a fotografia de frente para sua tela. Outro fato novo, de natureza diferente, ocorreu naquele verão no estúdio de Picasso: Dora Maar estava voltando a pintar seriamente. Ela fez retratos de Picasso, fez sua própria versão de e, em uma de suas pinturas, evocou uma cena na qual serviu como pano de fundo. No entanto, quando ela aproveitava seu quarto para documentar suas pinturas e os trabalhos por diferentes mídias de Picasso, ela indiretamente captou algo mais: a ideia de seu dinâmico trabalho e sua influência recíproca. À beira de se estabelecer como uma das figuras em ascensão da cena artística parisiense, Dora Maar, no entanto, deixou de expor seu trabalho em 1946. O rompimento com Picasso e a crise psíquica que se seguiu foram as razões DORA MAAR 75


frequentemente mencionadas para a explicação de seu silêncio e sua ausência por quase dez anos das galerias parisienses. Dora Maar, no entanto, nunca parou de trabalhar. Paralelamente à meditação e à oração, a pintura fez parte da rotina diária que a ajudou a recuperar a estabilidade emocional e espiritual, como evidenciam seus cadernos pessoais e anotações guardadas em seus arquivos. PINTURA E FOTOGRAFIA: UMA RECONCILIAÇÃO? Apesar do apoio de uma rede de personalidades influentes que encorajou o aprimoramento de sua obra no final dos anos 1950, sua

Sem título, 1957. © Adagp, Paris 2019. Foto: © DR

adesão ao movimento da abstração foi tardia, graças ao seu desejo de permanecer à margem da cena de arte contemporânea na Europa. A renovação estética e geracional plena estava certamente na origem da atual invisibilidade da obra de Dora Maar. É impossível saber se ela sofreu com esse reconhecimento indiferente de sua carreira como pintora. A situação não pareceu tê-la impedido de continuar a criar na confidencialidade de suas oficinas, sondando, em seu próprio ritmo, territórios estéticos que eram singulares para ela. Grande parte de suas obras em papel – guaches, aquarelas, tintas, monotipias – são testemunhas de sua experiência radical da abstração. Ela até explorou a linguagem da abstração geométrica inspirando-se nos vitrais religiosos dos anos 1960, quando tudo parecia separar essa tendência de seu universo. A semelhança dos negativos abstratos com suas composições gráficas e pictóricas do pós-guerra os aproximou das experiências que Dora Maar alcançou em uma idade muito avançada no final dos anos 1980. Enquanto ela recusou sua nomeação como fotógrafa do surrealismo, apesar das solicitações de historiadores e críticos, Dora Maar quase reencenou a reconciliação da fotografia e da pintura no quarto escuro. Ela não fotografava mais, mas combinava sua


Paisagem de Lubéron, 1950. © Adagp, Paris 2019. Foto: © Brice Toul


pesquisa sobre o gesto pictórico e a luz através de uma série de fotogramas, desenhos luminosos que compuseram novas paisagens abstratas. Acidentes, interrupções, reversões, reconciliação foram os componentes da carreira sofrida de Dora Maar como artista-pintora. Ao contrário dos padrões de sucesso artístico, esta

trajetória é, não obstante, indicativa da vitalidade e liberdade criativa mostradas ao longo de sua carreira. Ainda falta sondar todo o escopo da história da arte, da história das mulheres criativas, da interminável história dos surrealistas, da história dos fotógrafos que querem se tornar pintores, e simplesmente de Dora Maar, “pintora do limite extremo”.

Damarice Amao é assistente de curadoria no Gabinete da Fotografia do Museu Nacional de Arte Moderna - Centre Pompidou.

Karolina Ziebinska-Lewandowska é curadora do Gabinete de Fotografia do Museu Nacional de Arte Moderna - Centre Pompidou.

Amanda Maddox é conservadora do J. Paul Getty Museum de Los Angeles para Departamento de Fotografias.

Dora Maar • Centre Pompidou • Paris • 5/6 a 29/7/2019 Sem título, 1980.


Rogi André, Dora Maar, 1937 / Fotos © Centre Pompidou, MNAM-CCI / P. Migeat / Ddddist. RMN-GP.


LUIZ ESCAÑUELA


POR THIAGO FERNANDES

Desde o advento da arte moderna, a pintura de caráter representativo ora é combatida, ora é celebrada pela crítica. Clement Greenberg, crítico norteamericano e principal defensor do Modernismo, engajado sobretudo com o expressionismo abstrato, acusava os grandes mestres do passado de utilizar a “arte para ocultar a arte”, enquanto os modernos, segundo o crítico, afirmavam a planalidade do quadro. A planalidade, por ser a única característica que a pintura não compartilha com outras artes, deveria ser o atributo ao qual ela deveria se voltar para afirmar sua autonomia em relação ao mundo que lhe é exterior e, enfim, abolir a ideia de representação. Essa teoria formalista da autonomia dos meios artísticos, defendida por Greenberg, teve seu prazo de validade decretado pela arte contemporânea, que é multidisciplinar, multimidiática ou ainda transmidiática, além de retomar , a nova figuração, o a figuração em muitas de suas manifestações, como a neoexpressionismo e o hiper-realismo. A arte, contudo, continua atuando no território da liberdade na medida em que o artista se libera de quaisquer regras ou funções específicas que possam condicionar sua produção e, sobretudo, quando propõe ao espectador um exercício de sensibilidade e livre interpretação por meio do olhar. Dentro desse caminho, encontramos a obra hiper-realista de Luiz Escañuela, jovem artista paulista em exibição recente na Luis Maluf Art Gallery.

À esquerda: O Côncavo. Acima: Rogo. Todas fotos: Luis Escañuela.


Abaixo: O outro do outro. À direita: VIAS e Autorretrato.

O hiper-realismo costuma provocar imensa admiração e êxtase em grande parte do público, que glorifica a capacidade do artista em produzir com tinta e pincel imagens tão fiéis à realidade, capazes de serem confundidas com fotografias em alta resolução. Já outros questionam a validade de uma arte mimética na contemporaneidade e creem que não há muito a ver ou pensar sobre esse tipo de produção pictórica. Mas Luiz Escañuela nos prova o contrário. Suas pinturas não se restringem a um caráter meramente descritivo. Elas convidam o espectador a um complexo percurso pela tela por meio do olhar, conduzido por uma experiência subjetiva do tempo. Um olhar distraído, superficial, é incapaz de apreender o que as pinturas de Escañuela têm a oferecer. Elas demandam a participação do espectador, sua imersão em um exercício de liberdade do olhar modulado por uma temporalidade subjetiva. Ver também é uma ação. Ter essa ideia em mente nos ajuda a desconstruir a ideia do espectador como um ser passivo e a dicotomia espectador-participante, colocada por uma arte participativa no senso estrito. Sendo assim, a experiência diante dos trabalhos de Escañuela não se encerra na identificação das imagens apresentadas ou na constatação de sua exímia qualidade técnica. As telas do artista propõem percursos labirínticos pela sua superfície que há tanto a mostrar e, nesse trajeto pela imagem, o espectador cria seu próprio mundo sensível, 82 GARIMPO


A pintura de Escañuela parece ativar outro sentido além da visão: o tato.

percorre o objeto artístico com o olhar, exercendo sua capacidade interpretativa, criando associações, dissociações, em uma experiência singular de empatia. Ademais, a pintura de Escañuela parece ativar outro sentido além da visão: o tato. A linha, em seus trabalhos, evoca a tradição da composição renascentista conferindo solidez e qualidade tátil às formas. Esse atributo tátil é levado ao extremo com a técnica hiperrealista que é capaz de confundir os sentidos, fazendo-nos sentir a textura, a temperatura e o toque, apenas com o olhar. O tato é não apenas o sentido evocado pelas pinturas de Escañuela, mas também, seu tema. Seu acervo


Abaixo: SUPERIMAGE4 e SUPERIMAGE 1. À direita: TRATO, 2018.

imagético é composto por mãos que se encontram ou se atritam com o corpo, pés que se entrelaçam, corpos que parecem clamar pelo toque do outro. Algumas pinturas exaltam uma sensualidade melancólica. Outras enobrecem as imperfeições do corpo humano, que parecem ganhar valor estético pelo modo como são trabalhadas pelo artista. Escañuela se aparta dos ideais de beleza ao mesmo tempo em que se distancia de uma pura mimetização do real. O artista compõe suas pinturas a partir de fragmentos de diferentes referentes fotográficos, mas não para alcançar uma suposta perfeição, pois a essas imagens acrescenta rugas, manchas e traços que reforçam sua humanidade, mais do que a própria fotografia conseguiria. Por fim, não se pode deixar de salientar a qualidade expressiva das pinturas de Escañuela. A dramaticidade ocasionada pelo uso deliberado das linhas e das cores evoca uma poética barroca e lhes dá vida. Mesmo nas pinturas que se limitam a apresentar apenas rostos, a dramaticidade é proporcionada pela cuidadosa iluminação, pelo tratamento expressivo conferido a cada elemento da face e pelas pinceladas milimetricamente calculadas que se atentam a detalhes que são pequenos, mas agregam muito à composição.

Thiago Fernandes é crítico, historiador da arte e doutorando em Artes Visuais pela UFRJ



RESENHAS exposições

Denise Milan • Glasstress 2019 • 9/5 a 24/11/2019 • Berengo Art Space Foundation • Murano Itália POR LICA CECATTO

O indivíduo, a família, os amigos, os conhecidos, os colegas de trabalho, a cidade, o Estado, o país, o mundo. O centro da terra. O céu. Denise Milan serve sobre a mesa redonda o , oferecido com generosidade para que possamos, com prazer, lembrando Oswald de Andrade, seguir antropofágicos. Vamos comer Caetano. Vamos comer Denise Milan e sua cosmogênese. O meio não é usado para produzir arte, o próprio meio é a arte. Há, sim, uma atração mútua e um casamento entre a artista e a matéria escolhida, que resulta na obra. Denise Milan, com percepção aguda e sensibilidade, recria o mundo por meio da capacidade de entrar em comunicação com o incomunicável. Ousada e certeira, ciceroneia, dispõe as esculturas brancas e translúcidas sobre a mesa de vidro preto com destreza de coreógrafa, deixa-nos à vontade com seus elementos “familiares”, somos imediatamente e magneticamente inseridos no banquete. 86

Sabe-se da qualidade transcendental da arte, que vai além das barreiras do tempo e do espaço, o que significa muito em se tratando de pedras, testemunhas de milhões ou bilhões de anos de história e suas mutações. A generosidade de Denise Milan é a de abrir os portais do seu mundo, mostrar sua intimidade, sua relação profunda com os elementos elegidos por ela como um mergulho ancestral. O vidro, curiosamente, tem uma estrutura desordenada e rígida composta de átomos que se movem e só pode se transformar em vidro usando materiais que tenham uma velocidade de cristalização muito lenta. Vidro e pedra se encontram em suave harmonia e arriscam, sugerindo uma origem comum de rochas e homens.


Denise Milan nos acorda para um novo mundo, aconchegando-nos em seu cosmos, e nos mostra o que já existia mas que nossos olhos não teriam como enxergar se não fosse sua capacidade de escavar belezas. Atração irresistível. A artista não engole pedras em um circo imaginário e sensacionalista, pelo contrário, com sutileza e agudez, acende uma luz na escuridão para que as formas e seus conteúdos se revelem. Curiosamente, falando-se de Itália e do Império Romano, o primeiro vidro usado nas casas dos romanos era translúcido, feito de uma pedra chamada encontrada em cavernas. A qualidade que os romanos atribuíam a esse vidro-depedra era a transparência, e o definiam de maneira curiosa, pertinente ao seu tempo, como “extratos de água” que vão se acumulando em milênios. Usava-se para janelas e portas. Denise nos traz pedras, vidros, gotas de cristais, tudo com a leveza da água, em uma cidade circundada por água, que, na realidade, são várias ilhas, e uma ilha

mais específica, Murano, grande produtora de vidro e onde nasce , há 10 anos, fundada por Adriano Berengo e que, em 2019, tem como curadores Vik Muniz e Koen Vanmechelen.

Fotos: Sérgio Coimbra.

Lica Cecatto, paulista que vive entre Veneza, Rio de Janeiro e Kamakura, trabalha no mundo como música e artista multimeios culturais.

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RESENHAS exposições

Leticia Battaglia: Palermo Instituto Moreira Sales • São Paulo • 27/4 a 22/9/2019 POR NICHOLAS ANDUEZA

FOTO-COISA, FOTO-FLUXO Quantas coisas uma foto pode ser? E um enxame de fotos? De quantas formas ela pode se apresentar aos olhos? Na exposição , que ocorre até 22 de setembro no Instituto Moreira Sales – SP, uma polissemia contraditória desafia nosso olhar. Com a curadoria pouco usual de Paolo Falcone, que omite títulos, datas e lugares, somos apresentados a um fluxo visual ao mesmo tempo flutuante e concreto, total e múltiplo, com visões de uma cidade tomada pela máfia. Está em jogo o próprio ato de ver. As fotos ficam suspensas por fios, preenchendo o espaço (e não as paredes), organizadas de modo simétrico, não cronológico e sem legenda: eis a flutuação, uma leveza multi-imagem. Nos enquadramentos, vemos corpos de jovens, crianças, velhos, adultos, alguns deles mortos; 88

corpos existindo, chorando, sangrando: aí está a concretude, o peso do contexto de uma Palermo entre 1970 e 2000. Em uma parede, edições de revistas publicadas por Bataglia que, além de fotógrafa, é também jornalista, política-ativista pelo Partido Verde e editora. A formação múltipla explica a variedade visual. Nas imagens de assassinato, vemos um fotojornalismo, também presente em fotos de prisões, funerais: crueza do registro, denúncia de execuções. Mas, em outra foto, dois meninos encaram a câmera, fumam seu cigarro ao lado da – olhares que nos


À esquerda: Exposição, 1961. Abaixo: Desenho com autorretrato, 2001. Fotos: Acervo Millôr Fernandes / Instituto Moreira Salles

Vista da exposição. Fotos: Nicholas

transpassam e evidenciam um interesse etnográfico-poético. Ainda no meio disso, composições artísticas: o de uma mulher dividido por uma luz cortante, o nu feminino de um corpo inteiro, posando diante de uma fachada. São composições variadas que formam uma constelação visual de Palermo, uma totalidade imaginária que, no entanto, abriga o múltiplo e é capaz de destoar de si mesma, desconcertando o espectador. A ausência de legendas impede a domesticação da imagem pela palavra, faz de cada foto uma esfinge, uma foto-coisa que, ao mesmo tempo, ataca e atrai. E o foto-fluxo então se complexifica: se ele mimetiza a torrente de imagens anônimas nos meios de comunicação atuais, imagens de choque que se prestam a qualquer notícia ( ou não), ele o faz de forma crítica, contrapondo-se a esse contexto por meio das próprias

contradições internas, que nos obrigam a ver – e não só olhar. Assim, a visão de um corpo executado, deixa de ser mero mecanismo de choque (como é a tendência do fotojornalismo, segundo Susan Sontag) e passa a se demorar em nós. A imagem de uma menina magrela, de roupas sujas, que segura uma límpida bola de futebol, nos olha de volta e nos desafia – como fazem os meninos da . Nossos olhos tocam os olhos da foto. São imagens que perdem sua instantaneidade e dão lugar a uma duração própria, lastreada de em , diria Roland Barthes. É a duração de um lugar: Palermo. Mas Palermo também é aqui e agora.

Nicholas Andueza é doutorando bolsista em Comunicação e Cultura na UFRJ, é professor de cinema em cursos em Nova Friburgo e trabalha como editor de cinema e audiovisual.

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RESENHAS exposições

Ralph Gehre: Jogo de Simples • Referência Galeria de Arte Brasília • 25/5 a 13/7/2019 POR LAÍSE FRASÃO

“Pense nas ferramentas em sua caixa apropriada: lá estão um martelo, uma tenaz, uma serra, uma chave de fenda, um metro, um vidro de cola, cola, pregos e parafusos. Assim como são diferentes as funções desses objetos, assim são diferentes as funções das palavras. (E há semelhanças aqui e ali).” WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Abril, 1975. (Os Pensadores). Nesse sentido, a pintura, para Ralph não é apenas consequência de um conjunto de elementos da linguagem visual e/ou intencionalidade, mas resultante direta de um trabalho contínuo imbricado pela vivência com pessoas; interações com coisas e situações diversas; e leituras/ repertório visual. O ato de pintar seria, nesse caso, simultaneamente, uma maneira de olhar o mundo e uma transcrição desse olhar. “Pintar é difícil, mas é possível!”, afirma Gehre. 90

Apesar da utilização do termo “jogo”, a individual de Ralph não é permeada pela concepção de duelos entre artista, obra e fruidor, por exemplo. O jogar aparece em um contexto de manipulação visual e de entrega das incertezas de um processo criativo que, sutilmente revelado por marcas de pinceladas e camadas aparentes, parte de um afastamento da necessidade de cumprimento de um projeto prévio em sua totalidade. A possibilidade da pintura, aqui, se faz pela nítida presença do ruído – enquanto materialização de um percurso de produção operado a partir do encontro com o contentamento. Contentamento esse que também conduz o fruidor, quase automaticamente, a um percurso sem qualquer lógica sequencial e/ou linear, já que é a própria conexão compositiva e/ou cognitiva entre as obras que parece conduzir o caminhar. Ademais, é a percepção que, por aproximação ou distanciamento, revela a luminosidade branca, ora como luz, reflexo e, até mesmo, sombra, em meio


ao jogo de uma escala cromática, predominantemente, composta de tons primários e terciários – tendentes ao petróleo. “Penso jogos. Ou melhor, penso-os como formas de encontro, relação própria da pintura. Ela se dá por aproximação”, afirma Ralph. Sendo assim, por inferência nossa, talvez a maior aproximação das obras expostas em seja com a linearidade e a sobreposição de planos, aspectos inerentes ao desenho – linguagem vinculada à formação em Arquitetura e Urbanismo do artista. As linhas e os volumes reforçam efeitos compositivos que são, consequentemente, expandidos para o espaço expográfico a partir de rebatimentos e projeções de sombra/luminosidade na parede branca da galeria. Caso outra disposição luminotécnica fosse realizada, por exemplo, teríamos Fotos: Jean Peixoto.

outras obras e outras exposição. Afinal, a pintura, embora vinculada a um substrato, avança! Avança de tal forma que não se limita ao espaço a ela designado (suporte e/ou moldura). Suporte que nas telas de Ralph é condicionante e condicionado pela obra, na medida em que ora se distancia (sendo mais evidente e sem acabamento, gerando ruptura), ora é parte integrante da obra (com suas faces acompanhando e/ou contrastando com o acabamento frontal da tela, gerando continuidade). Portanto, contrariando uma nefasta categorização, a pintura em Ralph também é espaço, é escultural!

Laíse Frasão é arquiteta e urbanista e graduanda do curso Teoria Crítica da História da Arte pela Universidade de Brasília (UnB).

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LIVROS lançamentos

Patricia Leite: Olha pro céu, meu amor Organização: Rodrigo Moura Editora Cobogó • 200 pg • R$ 110,00 As pinturas de cores marcantes criadas nos últimos 15 anos pela mineira Patricia Leite, que utiliza diferentes referências para experimentar sensações e retratar o mundo, fazem parte da primeira monografia dedicada à artista, organizada por Rodrigo Moura, antigo curador do Inhotim em Minas Gerais, e hoje curador do El Museo del Barrio, em Nova York. Em , estão reunidas mais de 100 pinturas, que vão desde as origens na abstração gestual à posterior pintura de paisagem. "Para uma pintora com quase 40 anos de carreira, Patricia está longe de ser alguém com uma visão fechada sobre sua maneira de pintar", escreve o organizador, em ensaio crítico sobre a trajetória artística dela.

Encontro com Liuba: Claudia Jaguaribe

Editora Tuí • 40 pg • R$ 200,00 Livro de fotos e serigrafias que cria uma narrativa visual e um diálogo a partir das obras de LIUBA, artista plástica búlgara radicada brasileira. O projeto, produzido especialmente para a trilogia de Jaguaribe sobre mulheres modernistas nas artes no contexto histórico do pós-guerra, é uma extensão autoral da instalação formada por fotografias feitas pela fotógrafa nos ateliês de LIUBA em Paris e em São Paulo. Nascida na década de 50, período de consagração do modernismo brasileiro, Claudia Jaguaribe propõe a construção de uma narrativa visual das obras da artista búlgara, que privilegia a imagem como linguagem expressiva dos aspectos da modernidade presentes nas esculturas de LIUBA, em um diálogo com as questões do mundo contemporâneo. 92


Rodrigo Sombra: Noite Insular: Jardins Invisíveis Edição: Patricia Karallis • Coordenação: Regina Boni Editora Paper Journal • R$ 75,00 A publicação é resultado de uma imersão de cinco meses do fotógrafo baiano Rodrigo Sombra em Cuba e tem por referência o imaginário marítimo da ilha, explorando uma concepção subjetiva de "insularidade". Traço decisivo da cultura cubana, a insularidade se faz sentir na obra de Sombra para além do seu sentido meramente geográfico. Neste projeto - composto por exposição na Galeria São Paulo Flutuante, sob curadoria de Regina Boni, e pelo presente fotolivro -, o conceito serve como chave para explorar as dinâmicas do desejo na Cuba contemporânea, evocando tensões entre o senso de isolamento e o anseio por cruzar os limites da ilha.

Verifique se o mesmo Nuno Ramos Editoria Todavia • 304 pg • R$ 64,90 Literatura, artes plásticas, cinema, futebol, canção popular. São muitos os temas de interesse de Nuno Ramos, artista plástico e escritor consagrado nas duas áreas. Mas uma obsessão é comum a todos os textos: o Brasil. Por trás de ensaios sobre Tunga, Caetano Veloso, Glauber Rocha, Graciliano Ramos, Oscar Niemeyer ou Nelson Cavaquinho, há uma interpretação complexa do país. Capaz de condensar reflexões de alto grau de abstração, referências diversas da cultura popular e voz autoral numa prosa cristalina e jamais previsível, Nuno deixa claro neste livro que além de grande artista e ficcionista de mão cheia, é também um dos maiores ensaístas de sua geração.


COLUNA DO MEIO Fotos: Wilson Ribeiro Jr.

Quem e onde no meio da arte

Nivalda Assunção, Karla Osório e Grace de Freitas

Lúcia Bahia, Arthur, Natanry e Diva Osorio

Lucia Tallova Galeria Karla Osorio Brasília Karla Osorio e Lucia Tallova

Josafá Neves e Tainá

Malú e José Manuel Grossi

Fotos: Paulo Jabur.

Georg e Sabine Witschel

Fernanda Lopes, Anna Bella Geiger e Fernando Cocchiarale

Fernanda Junqueira e Alexandre Dacosta

Ana Bella Geiger MAM Rio de Janeiro Sílvia e Carlos Alberto Gouvêa Chateaubriand

Simone Cadinelli e Úrsula Tautz

Suzana Queiroga

Marta Fadel e Anna Bella Geiger


Fotos: Zé Carlos Barretta.

Juliana Perdigão, Afonso Tostes e Iky Castilho

Rita Faria e Mônica Novaes

Afonso Tostes SESC Pompeia São Paulo Afonso Tostes e Ana Mazzei

Daniel Rangel

Sofia Carvalhosa

Fotos: Paulo Jabur.

Mallu Galli e Debora Bloch

Martha Pagy e Regina Silveira

Hildebrando de Castro, Tereza de Arruda e Marcelo Fernandes

50 anos de Realismo CCBB Rio de Janeiro Tereza de Arruda e Valeria Prata

Efrain Almeida e Gilberto Grawonski

Danon Lacerda, Regina Silveira e Marcelo Fernandes

Luiz Carlos Vasconcelos e Valéria Prata


Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente em seu aplicativo para tablets e celulares e no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil. Para ficar por dentro do mundo da arte, siga a Dasartes.

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