QUANDO OS ALUNOS DÃO LIÇÕES Ocupação de escolas acaba, mas seus efeitos continuam
Raquel Rolnik
DIREITO DE TODOS, PARA POUCOS A transformação da moradia em ativo financeiro
nº 113 janeiro/2016
www.redebrasilatual.com.br
DEMOCRACIA AINDA CORRE RISCO
Ímpeto antigoverno esfriou, mas permanece. Economia ainda terá problemas em 2016. Mas a volta do crescimento depende da disposição do governo de ouvir mais a sociedade, as ruas. E menos o mercado
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ÍNDICE
EDITORIAL
8. Política
Ainda falta ao governo ouvir as vozes das ruas
14. Educação
Alunos monstram que o ensino vai além da sala de aula
18. Entrevista
RAFAEL NEDDERMEYER/ FOTOS PÚBLICAS
Raquel Rolnik e a guerra nas cidades pelo mundo
22. História
Nas terras do sertão, vidas são recontadas Lago de Garda Batalhão de choque cerca manifestantes na Av. Paulista: bombas, cacetadas e balas de borracha
Brava gente brasileira
ALEKSANDR ZYKOV/FLICKR/CC
O
30. Viagem
Nos Alpes, um pedaço das origens brasileiras
Seções Márcio Pochmann
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Destaques do mês
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Mauro Santayana
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Emir Sader
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Lalo 21 Curta essa dica
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Atitude 50
ano de 2015 já se distancia, mas parece ainda não ter terminado. Quem perdeu a eleição em 2014 não se conformou e continuou buscando meios de interromper um mandato legítimo. Para isso arrumou um aliado na presidência da Câmara. No final do ano, a Procuradoria-Geral da República pediu seu afastamento, mas o Supremo Tribunal Federal só deve analisar o caso na volta do recesso, agora em fevereiro. Na economia, a vida também não foi fácil. A inflação não cedeu, o desemprego subiu, a renda caiu. O ajuste atingiu o setor produtivo e os trabalhadores. Assim, capital e trabalho se uniram em torno de um compromisso pelo desenvolvimento, cobrando medidas para recuperar o crescimento com maior rapidez. Não será fácil, mas os primeiros passos precisam ser dados. O governo tem apoio social, mas precisa dar sinais de reação. E a sociedade não se verga. Continua indo às ruas, exigindo mais de seus governantes, criticando, mas também pedindo respeito às regras do jogo e à frágil democracia. São apenas 30 anos de funcionamento pleno – ou quase – das instituições e só 25 de restabelecimento das eleições diretas para presidente da República. Parece que foi ontem, e há quem queira dizer não à vontade popular expressa pelo voto, base de qualquer democracia. Os estudantes também deram demonstração de cidadania ao se apropriar da escola pública como um bem social a ser respeitado. E mal começou o ano voltaram a ocupar as ruas de grandes cidades do país exigindo de governos estaduais e municipais, mais que o não reajuste das tarifas, uma discussão mais séria sobre o direito ao transporte público de qualidade. Pior do que negar o debate, é tentar sufocá-lo com a brutalidade. A violência das tropas de Geraldo Alckmin nas ruas de São Paulo, em janeiro, revelou uma autoridade saudosa dos anos de chumbo. Quem sabe, acreditando que assim recuperaria parte do apoio perdido até mesmo junto aos mais conservadores ao tentar fechar escolas. A juventude que emerge desses tempos turbulentos não parece, porém, interessada em perder a oportunidade de, com sua esperança equilibrista, fundar uma nova maneira de participar das decisões. E uma nova política. REVISTA DO BRASIL
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www.redebrasilatual.com.br Coordenação de planejamento editorial Paulo Salvador e Valter Sanches Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Eduardo Maretti, Fábio M. Michel, Helder Lima, Hylda Cavalcanti, Rodrigo Gomes e Sarah Fernandes Arte Leandro Siman Iconografia Sônia Oddi Capa fotos de John Lund/Getty Images, Luis Blanco (educação) e Jailton Garcia (Raquel Rolnik). Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328 8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 (Carla Gallani) Impressão Bangraf (11) 2940 6400 Simetal (11) 4341 5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Tiragem 120 mil exemplares
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REVISTA DO BRASIL
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MARCIO POCHMANN
Quem cede mais? Mais uma vez, a pauta do retrocesso econômico e social foi recusada pela maioria dos brasileiros. Apesar disso, a mobilização em torno da retomada neoliberal prosseguiu ativa
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as eleições presidenciais de 2014, a defesa do retorno das políticas neoliberais da era dos Fernandos (Collor e Cardoso) não esteve centrada apenas na campanha de Aécio, uma vez que se fez presente em outras candidaturas. Alguns partidos e personalidades políticas de expressão que haviam estado no lado oposto da privatização, da desregulamentação do trabalho, da abertura comercial, entre outras medidas adotadas nos anos 1990, passaram a convergir com o receituário neoliberal no ano passado. Mais uma vez, a quarta seguida desde 2002, a pauta do retrocesso econômico e social foi recusada pela maioria dos brasileiros. Apesar disso, a mobilização em torno da retomada neoliberal prosseguiu ativa, com a formação de uma maioria liberal na economia e conservadora na política e nos valores no Congresso Nacional. Exemplo disso tem sido o diagnóstico imposto a respeito da razão da crise que abala o atual crescimento econômico no Brasil. Ao longo de 2015, os trabalhadores foram sendo cada vez mais sufocados pelas teses liberais-conservadoras de defesa do programa neoliberal. Simplificadamente, no entendimento de que o capitalismo brasileiro refluiu do ciclo de expansão dos anos 2000 devido ao aperto nos lucros dos empresários (profit squeeze) provocado pelo aumento do custo do trabalho acima da produtividade. Na tentativa de compensar a queda na rentabilidade dos negócios produtivos, as empresas buscaram elevar, sempre que possível, a margem de lucro sobre os custos de produção, o que implicou inflação maior. Diante disso, o Banco Central elevou a taxa básica de juros para diminuir ainda mais o nível da atividade econômica, o emprego e consumo dos trabalhadores. Em consequência, a arrecadação tributária
caiu mais rapidamente do que a capacidade do governo cortar o conjunto dos gastos públicos. Ao mesmo tempo, o déficit público também aumentou, aprofundando o endividamento público e as despesas com pagamento dos juros em mais de 3% percentuais do Produto Interno Bruto (PIB), o que acelerou ainda mais o ciclo recessivo da economia. Em síntese, os trabalhadores precisam reduzir os seus ganhos salariais abaixo da produtividade para fortalecer a hipótese de que somente assim os lucros dos capitais aplicados no Brasil possam crescer mais. Assim, o salário direto recebido pelo trabalhador cai por força da maior concorrência no interior do mercado de trabalho possibilitado pelo aumento do desemprego e menor barganha dos sindicatos na negociação coletiva de trabalho. Mas isso não atinge o salário indireto (ganhos devidos aos mínimos sociais indexados ao salário mínimo nacional) e, por isso, o discurso político liberal-conservador favorável à redução do Estado e, sobretudo, dos direitos dos trabalhadores. Abertamente: a defesa do rebaixamento dos direitos trabalhistas inscritos na Constituição de 1988 enquanto forma do Brasil sair da crise por meio da contenção dos gastos com saúde, educação, assistência e previdência social. A possibilidade da queda na rentabilidade das empresas produtivas estar vinculada justamente ao tripé macroeconômico não parece fazer o menor sentido frente à posição dos partidos de ceder cada vez mais ao programa neoliberal. Se a altíssima taxa de juros torna imbatível o ganho financeiro ao lucro da produção, o ajuste fiscal desestimula o consumo e o investimento pelo mercado interno. Seria a desvalorização cambial, ainda que necessária, suficiente para reativar a economia apenas pelo comércio externo? REVISTA DO BRASIL
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redebrasilatual.com.br
Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook
Rossetto e Marcolino
Diálogo – com servidores, trabalhadores, empresários, outras instâncias do poder público – é palavra-chave para dar impulso às atividades da Superintendência do Trabalho em São Paulo, segundo seu novo titular, Luiz Claudio Marcolino. A superintendência é uma representação estadual do Ministério do Trabalho e Previdência Social. “O ministério tem de ser um guardião dos trabalhadores que não têm apoio, os desprotegidos, os que mais precisam da proteção do Estado”, disse Marcolino, que tomou posse em 17 de dezembro, com a presença do ministro Miguel Rossetto. bit.ly/rba-trabalho
LIELI LOURES/FLICKR/CC
Lola: perseguição na rede
Polícia de São Paulo: força em excesso
EDUARDO ANIZELLI/FOLHAPRESS
MAURICIO MORAIS/SIND. BANCÁRIOS SP
Proteção
Violência persiste O número de homicídios na cidade de São Paulo caiu entre 2000 e 2014, mas as mortes em consequência de ação policial aumentaram. Com isso, a proporção de mortes provocadas por policiais subiu de 5% para 21% do total. A maior parte das vítimas tinha 17 anos. Os dados fazem parte de estudo feito pela Universidade Federal de São Carlos, a partir de parceria com a prefeitura paulistana. Apenas em 2004, foram registradas 1.724 mortes violentas intencionais, sendo 20% relacionadas à polícias Civil e Militar, ante 17% no estado e 5% no restante do país. “A partir desses dados é possível constatar uma clara desproporcionalidade e o uso excessivo de força da polícia em São Paulo”, afirma a pesquisadora Giane Silvestre. bit.ly/rba_polícia
Lola e a liberdade Professora da Universidade Federal do Ceará, autora de um blog
popular na rede, dedicado ao feminismo e a causas sociais, Lola Aronovich enfrenta há alguns anos a triste rotina de receber ofensas e ameaças. Um site falso, tratando de aborto, chegou a ser criado e divulgado por figuras públicas. “Tem um pessoal que é contra qualquer liberdade de expressão”, diz Lola. bit.ly/rba_lola
A repórter Anelize Moreira, da Rádio Brasil Atual, recebeu prêmio jornalístico promovido pela Federação das Entidades de Assistência Social (Feac), de Campinas, no interior paulista. A entidade é especializada em iniciativas de apoio a organizações que promovem trabalho social e solidariedade. O prêmio foi para a série de reportagens Varre Vila – Além da limpeza, varredores promovem conscientização ambiental em comunidades da zona leste, que trata do movimento da comunidade Santa Inês para enfrentar o problema do excesso de lixo na região, em campanha inspirada pelo método Paulo Freire. Outra profissional da RBA, Sandra Paulino, ficou entre os finalistas com a reportagem “Campanha visa a arrecadar lenços para mulheres com câncer”. bit.ly/rba_prêmio 6
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Anelize: segundo prêmio pela RBA
JAILTON GARCIA/RBA
Prêmio pela solidariedade
Sistema Cantareira: chuvas ainda são insuficientes
FERNANDA CARVALHO/ FOTOS PÚBLICAS
A canção retomada
Chove, mas ainda falta água O volume de chuvas aumentou e trouxe certo alívio no final do ano. A média de novembro, inclusive, foi superada, mas o problema persiste, diz o gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Carlos Thadeu de Oliveira. Com colaboração do instituto, o coletivo Aliança Pela Água elaborou um relatório contendo o mapa da crise hídrica no país, por meio de um aplicativo chamado “Tá Faltando Água”, que qualquer pessoa pode acessar para relatar problemas de abastecimento. O primeiro relatório do coletivo aponta 12.943 casos de falta de água no país, aproximadamente 7 mil na Grande São Paulo. “Isso se deve ao agravamento da crise nos últimos dois anos”, afirma o técnico. bit.ly/rba_águas
PALACIODOPLANALTO.TUMBLR.COM
Lurdinha Nunes: educação em direitos humanos é básica
Geraldo Vandré, 80 anos completados em setembro último, para muitos segue sendo um enigma a se desvendar, mas alguns trabalhos tentam jogar luz na trajetória do autor de algumas pérolas da música popular. Um deles é o livro Geraldo Vandré – Uma Canção Interrompida, do jornalista Vitor Nuzzi, lançado formalmente em dezembro, após o surgimento de uma edição independente de 100 exemplares. O julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre biografias, dispensando a autorização prévia para publicação, deu impulso a esse lançamento – e certamente a outros. O livro enfatiza a importância da obra de Vandré e sua grandeza para a cultura brasileira. Conhecido pela reclusão, em dezembro Vandré deu as caras em sua terra natal, João Pessoa, e recebeu homenagens. Fazia 20 anos que ele não ia à Paraíba. bit.ly/rba_vandré1 bit.ly/rba_vandré2
Educação pela dignidade Dezoito homenageados receberam o Prêmio Nacional dos Direitos Humanos, incluindo o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Levandowski, o Memorial de Resistência de São Paulo, o Programa de Combate e Erradicação ao Trabalho Escravo, a Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas e o Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular, entre outros. Uma das premiadas, a professora Lurdinha Nunes, do Piauí, afirmou que a educação em direitos humanos é básica para a dignidade humana. bit.ly/rba_humanos REVISTA DO BRASIL
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BRASIL PAULO PINTO/AGÊNCIA PT
APOIO POPULAR Concentrações em várias cidades no dia 16 de dezembro esfriaram impeachment
O caminho é o da Movimentos dos trabalhadores, da sociedade e da política enfraquecem os pró-impeachment. E voltam a cobrar de Dilma retomada do diálogo e do crescimento para dissipar a tormenta 8
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REVISTA DO BRASIL
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primeira reunião do Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e de Previdência Social está marcada para 17 de fevereiro. Seria lá, e não em balões de ensaio lançados via imprensa, o lugar de o governo debater a situação da Previdência e sua sustentabilidade. O fórum reúne trabalhadores, empresários e autoridades governamentais e foi criado em abril de 2015, justamente durante o processo de debates que levou ao novo método de cálculo para as aposentadorias – a fórmula 85/95, alternativa ao fator previdenciário.
Se concordou com a criação do colegiado, autoridades como o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e a presidenta Dilma Rousseff deveriam conter seus ímpetos de ventilar planos de ampliação da idade mínima, atualmente de 48 anos para mulheres (com 20 de contribuição) e de 53 anos para homens (com 35 de contribuição). A própria fórmula 85/95 já impõe um aperto a essa regra ao estabelecer que, para se aposentar com benefício integral, uma mulher com 30 anos de contribuição terá de ter 55 de idade para chegar à pontuação 85, e um homem com 35 de contribuição terá de chegar aos 60.
WILSON DIAS/AGÊNCIA BRASIL
BRASIL
JULIANA FLISTER/ESTADÃO CONTEÚDO
PARCERIA PREJUDICADA Acuado, Eduardo Cunha e os que contavam com sua astúcia,...
... como os tucanos Alckmin, Serra, FHC e Aécio, são obrigados a rever sua pretensões
mudança A alteração cria vantagens em relação ao fator e dá à previdência brasileira – um dos mais abrangentes programas de proteção social do mundo – fôlego para que tenha seu futuro discutido democraticamente. E já prevê que a exigência aumentará um ponto a cada dois anos, chegando a 95/100 em 2027. Em nota, a direção executiva da CUT afirmou que a central tem propostas e pretende dialogar. “É preciso discutir todo o sistema de Seguridade Social”, defende a central, apontando para problemas como sonegação e isenções que devem ser absorvidas pelo Tesouro, e não pela Previ-
dência, pelo seu caráter fiscal. “Esse diálogo deveria se dar no Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e de Previdência Social”, diz a CUT. A discussão se soma à preocupação com projetos no Congresso que dizem respeito a direitos trabalhistas, entre os quais o da terceirização, e que já ocupam a agenda de trabalho de centrais sindicais e movimentos sociais. A frente que somou forças ao longo de 2015 e fechou o ano com grandes manifestações em defesa do mandato de Dilma segue reunida para dar continuidade a essa resistência. Mas não a qualquer preço.
“Só será um ano diferente se o governo agir de maneira diferente. As ruas só vão defender o projeto democrático popular se tiverem o que defender. A continuidade da atual política econômica, voltada aos interesses do mercado, vai gerar mais inflação, desemprego e cortes nas políticas sociais”, diz o presidente da CUT, Vagner Freitas. Ele se refere ao resultado da política econômica em 2015. A inflação ultrapassou os dois dígitos e o desemprego está chegando lá. A atividade econômica despencou, e com ela a arrecadação de municípios, estados e União. As despesas com juros, além de não conterem a inflação e inibirem investimentos produtivos, contraditoriamente desmontam o esforço fiscal do governo. O orçamento admitiu gastos de R$ 277 bilhões com juros, 8% do PIB. O cenário derrubou Joaquim Levy na Fazenda. Pesa a favor de seu substituto, Nelson Barbosa, a proximidade com a escola desenvolvimentista, a distância do mercado financeiro e a disposição ao diálogo. Sem ser obsessivo com metas de inflação e superávit, Barbosa é tido como pragmático, porém cauteloso. “Ao menos, sinaliza a retomada de uma economia um pouco mais agressiva, mas o ministro da F azenda, isoladamente, não pode fazer muita coisa”, diz o economista Luiz Carlos, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O ministro já defendeu a expansão do crédito para reativar o setor de construção e apoiar pequenas empresas. Indo além de uma “sinalização”, o governo também conseguiu terminar o ano com aceno positivo na manutenção da política de reajustes do salário mínimo. Com o aumento de 11,67%, para R$ 880, a partir de 1º de janeiro, o ganho real do mínimo chega a 77,3% acima da inflação acumulada desde 2002. Segundo o governo, terá peso de R$ 4,8 bilhões no orçamento. Mas de acordo com o Dieese será capaz de injetar R$ 57 bilhões na economia e proporcionar retorno de R$ 30,7 bilhões em arrecadação. “Cada R$ 1 de acréscimo no salário mínimo tem um retorno de R$ 293 milhões ao ano somente sobre a folha de benefícios da Previdência”, diz o coordenador de relações sindicais do Dieese, José Silvestre. REVISTA DO BRASIL
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TURBILHÃO ECONÔMICO Decidida a troca de Levy por Barbosa, ainda faltam gestos...
PEDRO REVILLION/PALÁCIO PIRATINI/FOTOS PÚBLICAS
Se parte da sociedade se deixou levar pela campanha de ódio conduzida pelos jornais, pelos partidos de oposição e por setores do Judiciário – semeadores da tese de que a corrupção é invenção dos governos do PT –, outra parte, volumosa e organizada, entendeu que não se trata de derrubar Dilma, Lula ou PT, mas ideais de crescimento econômico com ampliação de direitos da cidadania e redução de desigualdades. Foi o que levou a manifestações expressivas, a última delas em 16 de dezembro. Contra o chamado golpismo e também com a esperança de que o governo vença o medo e retome um programa mais à esquerda. A reação social não se deu apenas nas ruas. Em contraposição à conduta belicosa de parte do empresariado, liderada por figuras como o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, e sua cruzada contra a CPMF, outras organizações empresariais partiram para uma atitude mais propositiva. E, em 17 de dezembro, entregaram à presidenta da República um documento assinado em conjunto com as centrais, Compromisso para o Desenvolvimento. As propostas pedem apoio às pequenas empresas, expansão de políticas de crédito, condições para o aumento da produção e das exportações da indústria de transformação, políticas de incentivo e sustentabilidade ao setor produtivo (como agricultura, indústria, comércio e serviços) e de adensamento das cadeias produtivas. Em uma das reuniões que precederam a entrega do documento, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, assinalou que questões políticas também ajudaram a “corroer a economia”. Segundo ele, o fato de setores patronais e representantes sindicais se reunirem em busca de rumos para a economia brasileira mostra que, apesar dos diferentes pensamentos, é possível discutir um outro caminho para o país. Para o executivo, vencidas as barreiras políticas, pode-se pensar em otimismo. “É possível pensar em um 2016 não no azul, mas caminhando para o azul.”
MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
Sociedade se move
... mais claros de mudança de rumo na economia para a retomada do crescimento
Sindicalistas e empresários, juntamente com representantes de universidades, movimentos populares e outras entidades da sociedade civil devem ainda, em breve, ser chamados pelo governo para recompor o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), na tentativa de repetir o êxito da iniciativa idealizada no primeiro governo Lula. O “Conselhão”, como ficou conhecido, tem o papel de assessorar a presidência na formulação de políticas, propostas e reformas estruturais para o país e participar da articulação das relações do governo com a sociedade. No governo Lula, deu representatividade à chamada Agenda Nacional de Desenvolvimento e participou da construção das medidas anticíclicas que ajudaram o Brasil a combater os efeitos da crise econômica global de 2008.
Baixar a poeira
Apesar do palpite infeliz do governo na Previdência, a transição do primeiro para o segundo ano de novo mandato apresentou sinais que podem corroborar as expectativas desses setores do empresariado e do movimento sindical. Na política, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). E o Supremo Tribunal Federal (STF) desfez as manobras com que Cunha instalou uma comissão especial para tocar ao seu gosto o impeachment. Mesmo com fortes evidências de possuir no exterior contas não declaradas e abastecidas com dinheiro de corrupção, o parlamentar seguiu firme como líder do tapetão em curso. A derrocada do poder
LULA MARQUES/AGÊNCIA PT
FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL
BRASIL
GASOLINA DA CRISE Conduzida pelo juiz Moro, a Lava Jato comporta abusos que podem prejudicar seus resultados no futuro e paralisa setores estratégicos para o crescimento. Governo tenta aprovar MP que mantenha empresas ativas sem prejuízo nas investigações
de Cunha pôs água no chope dos principais nomes com ambições ao Palácio do Planalto – Michel Temer, Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin. Restou-lhes começar o ano à procura de uma nova estratégia para manter acesas a chama da fritura da presidenta. Para isso, contam com o apoio luxuoso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que não tem votos, mas costuma virar manchete ao tuitar. E há também as proporcionadas por vazamentos pinçados de alguma delação sigilosa feita ao juiz Sérgio Moro, à equipe de policiais federais e de procuradores da Operação Lava Jato. Vista como uma ação capaz de deixar um importante legado ao país no combate à corrupção, a Lava Jato, aos olhares de gente séria do meio jurídico, padece de falta de zelo com preceitos judiciais, como direito a ampla defesa, e abuso de prisões preventivas, de delações e de parcialidade que permitem seu uso político – defeitos que podem vir a comprometer sua legalidade no futuro e, por isso, seu próprio legado. Outro desdobramento negativo da operação é ter criado o ambiente de paralisia do setor de gás e petróleo, ao envolver as maiores empresas de construção pesada e afetar integrantes de uma cadeia produtiva que movimenta 13% do PIB. Esse aspecto o governo espera começar a reverter em breve. A Medida Provisória (MP) 703,
editada em dezembro, permite a empresas alvos de investigação celebrar novos contratos com o setor público, e que os efeitos da corrupção recaiam sobre as pessoas que a praticam, e não sobre as companhias responsáveis por cerca de meio milhão de empregos diretos e indiretos.
Lado certo
A MP 703 será uma das oportunidades de o governo testar a quantas anda sua relação com o Congresso depois do ano sem tédio proporcionado, sobretudo, pela fatia infiel do PMDB liderada por Eduardo Cunha. O esforço do Planalto é recompor o apoio da base para ter um pouco de paz na política, condição para buscar a paz na economia. Divórcio, apesar das rusgas com o vice-presidente Michel Temer, nem pensar. “Pode acontecer com partes do PMDB. O próprio Cunha já se divorciou. Mas até Temer, acredito, na hora H vai ser difícil sair”, diz a cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos. “Se não tivesse eleição este ano, o PMDB talvez tivesse outras alternativas, mas a eleição fragiliza esse grupo hoje mais pró-Temer e pró- Cunha. Eles posam de fortes porque estavam num cenário muito favorável a essa composição de forças contra Dilma. Mas o cenário mudou. O PMDB acaba dando
força e trazendo problemas também. Aliás, em 2015, só criou problemas. Até parece que sem ele seria melhor, mas o governo já tem dificuldade de manter maioria simples, imagine então a qualificada.” E se precisa de pôr ordem na política para começar a arrumar a economia, Dilma também deve acenos mais concretos de que vai mexer na condução da economia para fortalecer a outra base política: a social, que a elegeu e está na linha de frente contra o impeachment. Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, o líder do MST João Pedro Stédile alerta que não basta mudar o ministro. “Nossa expectativa é de que até abril termine a novela do impeachment. Que o governo se recomponha e volte a assumir os compromissos que fez na campanha”, diz. Para Stédile, se o governo não der sinais de que vai mudar, se autocondenará ao fracasso – e se distanciaria da imensa base social que apostou no projeto que venceu a eleição. “Espero que tenha um mínimo de visão política para escolher o lado certo. E nós estaremos juntos com o movimento sindical. Se o governo mexer na idade mínima da aposentadoria rural, haverá uma revolta no campo, e contra o governo. Estou apenas avisando.” Com reportagens de Eduardo Maretti, Helder Lima, Hylda Cavalcanti, Paulo Donizetti e Vitor Nuzzi REVISTA DO BRASIL
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MAURO SANTAYANA
O diabo e a garrafa Se não se convocar a razão e o bom senso para reagir ao que está acontecendo, e se estabelecer um patamar mínimo de normalidade político-institucional, tudo o que restará será o confronto, o arbítrio e o caos
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Poucas vezes, na história, o efeito bumerangue costuma poupar aqueles que, como aprendizes de feiticeiro, se atrevem a cutucar o que está dentro da caixa de Pandora 12
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m pleno processo de impeachment, e de julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), das ações envolvendo a chapa vitoriosa nas últimas eleições, a situação da República tem sido marcada pela espetacularização de um permanente “pega para capar” jurídico-policial, a ascensão da “antipolítica”, o aprofundamento da radicalização e a fascistização do país. Políticos e empresários têm sido presos – muitos por ilações frágeis ou exagerado rigor cautelar –, enquanto outros homens públicos e bandidos e delatores premiados apanhados com milhões de dólares na Suíça circulam livremente ou estão em prisão domiciliar. Milhares de brasileiros acreditam piamente que o Brasil é um país quebrado e destruído, quando temos as sextas maiores reservas internacionais do mundo e somos o terceiro maior credor individual externo dos Estados Unidos. Que um perigoso “bolivarianismo” pretende implementar uma ditadura de esquerda na América Latina, quando, seguindo os ritos democráticos normais, e sob amplo acompanhamento de observadores internacionais, a oposição liberal acaba de ganhar, pelo voto, as eleições na Venezuela e na Argentina. Que o Brasil é um país comunista quando pagamos juros altíssimos, e somos, historicamente, dominados, na economia e na política, por um dos mais poderosos sistemas financeiros do mundo, pelo agronegócio e o latifúndio, por bancos e empresas multinacionais. Discutindo na mesa de pôquer da sala de jogos do Titanic, envolvidos por suas disputas, e por uma rápida sucessão de fatos e acontecimentos, que têm cada vez mais dificuldade em digerir e acompanhar, os homens públicos brasileiros ainda não entenderam que a criminalização da política, criada por eles mesmos, como parte de uma encarniçada e deletéria disputa pelo poder, há muito extrapolou o meio político tradicional, espalhando-se, como o diabo que escapa da garrafa, como uma peste pela sociedade brasileira, na forma de uma profunda ojeriza, preconceito e desqualificação do sistema político, e daqueles que disputam e detêm o voto popular. Se não se convocar a razão e o bom senso, para reagir ao que está
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Depois de Dilma e do PT, será a vez de Temer, e depois de Temer virão os outros – todos os partidos e lideranças que tenham alguma possibilidade de alcançar o poder, por via normal. Parafraseando Milton Nascimento, na política brasileira, “nada será como antes amanhã”. O Brasil que se seguirá à batalha sem quartel e sem piedade, levada a cabo pela oposição nos últimos anos e meses pela destruição e total aniquilamento do PT – cujas principais vítimas não serão esse partido, mas o Estado de Direito, o presidencialismo de coalizão, a governabilidade e a própria Democracia – não terá a cara do Brasil do PSDB de Serra, de Aécio, ou de FHC, mas, sim, a de Moro e a de Bolsonaro. A do messianismo, da vaidade, da onipotência e do imponderável, e a do oportunismo e do fascismo – e aqui não nos referimos ao velho fascio italiano – em seu estado mais puro, ensandecido e visceral.
Ato em defesa da democracia, na Avenida Paulista, São Paulo (16/12/2015)
DANILO RAMOS/RBA
acontecendo, e se estabelecer um patamar mínimo de normalidade político-institucional, tudo o que restará será o confronto, o arbítrio e o caos. Está muito enganado quem acha que o mero impedimento de Dilma Rousseff resolverá a questão. No final da década de 20, os judeus conservadores comemoravam, da varanda de suas mansões, na Alemanha, o espancamento, nas ruas, de esquerdistas e socialistas, pelos guardas de grupos paramilitares nazistas como as SS e as SA, e se regozijavam, em seu íntimo, por eles os estarem livrando da ameaça bolchevista. Depois também viram, passivamente – achando que estariam resguardados por suas fortunas –, passar sob suas janelas, as filas de operários e pequenos comerciantes judeus a caminho dos campos de concentração. Poucas vezes, na história, o efeito bumerangue costuma poupar aqueles que, como aprendizes de feiticeiro, se atrevem a cutucar o que está dentro da caixa de Pandora.
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EDUCAÇÃO
Pedagogia da Ao lutar pelos direitos ao ensino de qualidade e pela participação nas políticas para o setor, secundaristas paulistas deixaram importantes lições Por Cida de Oliveira Fotos Luis Blanco
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elos planos do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), o estado entraria em 2016 economizando com o fechamento de 94 escolas e demitindo professores e demais funcionários escolares. O que ele não contava é com a reação dos 300 mil estudantes que seriam diretamente afetados com a transferência compulsória para outras escolas, distantes de casa ou do local de trabalho. Tampouco poderia imaginar que tal resposta, vinda das salas de aula, ganhando ruas e avenidas, faria das escolas a mais importante trincheira na luta que já não era mais contra a reorganização, mas pelo ensino público de qualidade. Ou que os alunos teriam entre os aliados pais, professores, trabalhadores, artistas e intelectuais nacionais e estrangeiros. Até mesmo de pessoas comuns, que mesmo distantes das lutas pelos seus direitos justamente pela baixa escolaridade, sabem que escola não se fecha. Alckmin foi pego de surpresa também numa noite do início de novembro, quando alunos ocuparam a Escola Estadual Cefam Diadema, no município de mesmo nome, na região do ABC. E novamente na manhã seguinte, quando a Fernão Dias Paes, em Pinheiros, na capital, foi ocupada. Por causa da tensão, o fechamento de ruas laterais, a presença da Tropa de Choque da Polícia Militar e o cordão de isolamento formado por soldados sem identificação na farda aumentaram o medo de que a qualquer momento os policiais armados invadiriam a Fernão com a violência empregada em reintegrações de posse determinadas pela Justiça tucana. Foi o gatilho que desencadeou outras ocupações. O movimento cresceu apesar da repressão policial e das tentativas de se jogar a sociedade contra o movimento, como ataques de pessoas estranhas a escolas ocupadas para responsabilizar os alunos, artimanha que contou com aval da mídia. Mas, no final, o governo do estado também perdeu na Justiça e ainda viu cair seu secretário da Educação, Herman Voorwald. Enquanto Alckmin adotava a pedagogia da repressão, cada vez mais alunos trocavam a preocupação com provas, exames, 14
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“DESCULPE O INCÔMODO, ESTAMOS LUTANDO POR UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE!” Allan Farias de Sousa, 16, cursa o ensino médio na Escola Estadual Caetano de Campos (bairro da Aclimação), em São Paulo
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da cidadania
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vestibulares e vida pessoal pela defesa da escola. Pintavam muros e paredes, carpiam o mato, cuidavam de jardins, desentupiam canos, lavavam banheiros, cozinhavam e realizavam atividades culturais e artísticas, como jamais visto antes naqueles espaços. Não demoraram para perceber que aprendiam, na prática, sobre cidadania, direitos humanos, política, organização, convivência. Tudo era pretexto de aprendizado e amadurecimento, inclusive o enfrentamento às ameaças e intimidações de policiais que rodeavam as escolas à noite ou pulavam muros, com armas na mão, chamando adolescentes de 15, 16 anos de idade para “uma conversa de homem para homem” do lado de fora, como aconteceu em uma escola na Brasilândia, zona norte da capital. Ou como em Perus, na zona noroeste, quando alunos foram levados para um batalhão da PM, onde foram agredidos física e psicologicamente. A lição, da polícia, era desencorajar novas ocupações. Em 4 de dezembro, quando havia 213 ocupações, maior número alcançado no movimento, também ocorriam prisões, a violência policial crescia e a aprovação do governo Alckmin caiu para 28%, o jeito foi suspender a reorganização. Na tentativa de recuperar sua imagem, que não havia sido desgastada nem com a crise hídrica, ele prometeu realizar audiências públicas ao longo deste ano. O tempo vai mostrar se o governador vai cumprir sua promessa de ano novo e as determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garantem o direito à educação, à participação na discussão de políticas públicas e também à livre manifestação. A certeza é que ficaram muitas lições.
Aprendizado
Professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), filósofo e pedagogo, Dermeval Saviani havia acabado de chegar de Manaus quando soube da ocupação da Escola Estadual Carlos Gomes, no centro de Campinas, no final de novembro. “Fui lá conversar com os alunos e percebi a seriedade deles, a ca16
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pacidade de visão da importância da educação, a atenção para o risco da entrada de estranhos na escola para depredar e culpá-los”, conta. Segundo Saviani, por meio das ocupações, os estudantes ensinaram que o movimento em defesa da educação não é apenas dos professores e estudantes universitários. Mas também dos alunos da educação básica. “É importante que eles participem e se mantenham mobilizados”, defende. “A participação do conjunto da comunidade na vida da escola, com os estudantes participando das decisões, é essencial à qualidade da educação, que por sua vez é essencial para a democratização do conhecimento para toda a sociedade”, diz o filósofo, autor de Escola e Democracia (Cortez Editora). Principal reivindicação na luta pela democratização do ensino nos anos 1970 e 1980, a participação de professores e alunos na gestão da escola e no projeto político-pedagógico acabou contemplada pela LDB. No entanto, a participação, de fato, está ameaçada pela falta de políticas que garantam mais tempo para a preparação das aulas, turmas menos numerosas e o fim da chamada meritocracia, baseada em resultados de testes e avaliações, que agrava as desigualdades na educação e enriquece empresas que vendem cursos e sistemas de ensino.
Brinde à democracia
Vice-coordenadora da pós-gradução em Educação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, a professora Branca Jurema Ponce considera o movimento um brinde à democracia que vai além da palavra, num exercício cotidiano. “É um brinde a uma nova concepção de escola, de conhecimento escolar, de currículo. O currículo escolar também é isso, tem de preparar o sujeito para a cidadania. É uma forma também de os pais, de os próprios alunos se formarem para a participação”, diz. ”Bendito seja esse movimento estudantil de jovens de 15 a 18 anos, num momento tão importante, formador. São garotos que trouxeram de volta uma esperança grande, que foi deixada de lado, e que vão levar para sempre essa reflexão.”
“EDUCAÇÃO É IMPORTANTE NO PAPEL, NÃO NA PRÁTICA” Larissa Trauzola Cardenas, 15, é aluna do ensino médio da Escola Estadual Caetano de Campos
O advogado Thyago Cezar, de Bauru, no interior, vai além. “A lição que deram é uma das mais belas demonstrações de democracia participativa da história do Brasil, em que os alunos secundaristas se reuniram voluntariamente para lutar por pautas locais, regionais e estaduais, se mostrando valentes e coesos em seus pleitos, mesmo quando o governo com suas investidas, tentava desarticulá-los. As ocupações das escolas paulistas servem como modelo a toda a sociedade e devem ser lembradas como um grande marco social de lutas estudantis”, diz. Conforme ressalta, ainda que a pauta principal do movimento fosse atrelada a questões de educação, o período de ocupações trouxe grandes momentos de discussões políticas e sociais, servindo como um grande laboratório de cidadania. “Foi um aprendizado imensurável que acredito muito ser difícil de se repetir nos próximos anos. Acredito que esta luta entrará para a história como o caso dos meninos que derrotaram o governador, a luta do
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coletivo contra o grande poder.” No começo de dezembro, o advogado protocolou medida cautelar na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem sede em Washington. Na petição foram anexadas notícias de jornais, vídeos, fotografias, moções de repúdio de universidades, parecer do Ministério Público Estadual e uma análise da Universidade
Federal do ABC sobre a política de reorganização. O objetivo é a análise e punição, pelos estados-membros da corte internacional, de violações aos direitos de acesso à educação e cultura, ao desenvolvimento social, psicológico e educacional, ao acesso à Justiça, à livre manifestação do pensamento e à proteção da saúde física e psicológica de crianças e adolescentes.
Para o músico e videomaker Jimmy Bro, autor do documentário Escolas ocupadas – a verdadeira reorganização, quem reorganizou o ensino foram os alunos. “O que vi foi inspirador. Além de protestar, fizeram a verdadeira reorganização em vários sentidos. O que veio através de um problema refletiu em mudanças positivas, nas relações dos alunos com a escola, com os colegas e com a educação em si.” Com o anúncio da suspensão da reorganização, no começo de dezembro, os estudantes fizeram assembleias e foram, aos poucos, desocupando as escolas, com atos simbólicos, num processo educativo e afetivo. Muitas foram pintadas e grafitadas, numa derradeira demonstração de apreço ao espaço público que tanto defenderam. As últimas desocupações ocorreram entre 18 e 22 de dezembro, com a garantia dos estudantes de permanente mobilização frente a manobras do governo. Em manifesto que publicaram, deixaram claro que estavam saindo das escolas, não da luta. E ressaltando que o conjunto das reivindicações não havia sido atendido, não cederiam. “Essa escolha de maneira nenhuma significa ceder às pressões do governo do estado e das entidades burocráticas. Analisamos, porém, que as ocupações já cumpriram sua função e que é hora de mudar de tática.” Para eles, foi o fracasso de uma “reorganização dos poderosos, cujo plano maior era cobrar de trabalhadores e seus filhos o pagamento da fatura de uma crise.” Colaborou: Sarah Fernandes
Movimento fez escola em Goiás As ocupações de 2015 não foram exclusividade de São Paulo. Em Goiás, governada pelo também tucano Marconi Perillo, os estudantes ocuparam escolas para protestar contra decreto que autoriza a contratação de organizações sociais (OSs) para a direção de 200 unidades. O primeiro a ser ocupado, em 9 de dezembro, foi o Colégio Estadual José Carlos de Almeida, na região central de Goiânia, que havia sido fechado para reforma por Perillo. Porém, justificando baixa demanda, o governador manteve a escola fechada. “Com as ocupações de escolas em São Paulo, enxergamos que o governador tem de dialogar com todos, independentemente de serem jovens ou não, e que a falta de diálogo acabou desgastando sua imagem em todo o mundo, sendo visto como um ditador”, avalia o estudante Gabriel Tatico, integrante da União
Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e da União Goiana dos Estudantes Secundaristas (Uges). De acordo com ele, os alunos paulistas ensinaram principalmente que um movimento estudantil organizado pode obter sucesso. “Houve uma vitória no momento em que o governador recuou e suspendeu a reorganização. Vai ter de dialogar. E mesmo que a reorganização vier a acontecer, já não será mais a mesma. O projeto será alterado com os debates”, diz. “Vamos ocupar as escolas, cuidar delas e realizar atividades culturais e esportivas. Vamos defender a escola pública, exigir mais investimentos e lutar para que, quando voltarem as aulas, os professores e os diretores estejam lá. Se nada fizermos, vamos voltar e estarão lá gestores empresariais tomando conta da nossa escola.” REVISTA DO BRASIL
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Arquiteta e urbanista Raquel Rolnik conta em novo livro como o modelo da rentabilidade financeira se sobrepõe ao direito de moradia em países que visitou como relatora da ONU Por Helder Lima
Habitação em cifras
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a era do capitalismo global, o direito à moradia – um direito humano fundamental – é relegado a segundo plano em todos os países que seguem o receituário neoliberal. Desde os anos 1970, a habitação e a urbanização passam por um processo que a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik chama de financeirização, em que a lógica dos projetos, mais do que atender a um direito, busca assegurar o retorno dos investimentos. “A financeirização é a tomada do segmento da produção habitacional para as lógicas de rentabilidade dos investimentos financeiros envolvidos naquilo, não apenas da habitação, mas também da política urbana e da terra urbana. Isso significa que as políticas, os programas, são moldados para criar novos campos de aplicação para promover remunerações e rentabilidades para o capital financeiro investir”, afirma Raquel, que em dezembro lançou o livro Guerra dos Lugares – A colonização da terra e da moradia na era das finanças (editora Boitempo). Elaborado a partir da experiência da arquiteta como relatora especial para o Direito à Moradia Adequada da Organização das Nações Unidas (ONU), o livro traz as constatações de R aquel 18
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em 12 missões em diferentes países, nos quais ela pôde verificar o abandono de políticas habitacionais para a adoção do modelo da era financeira, colocando sobretudo os mais pobres em situação de ainda mais vulnerabilidade. Palavras como reificação, coisificação, mercantilização são nossas conhecidas, sobretudo quando se trata de desmascarar as ideologias nas relações capitalistas. Você aplica o conceito de financeirização para falar sobre a questão de moradia...
Eu diria que financeirização é um passo a mais no movimento de mercantilização e coisificação no sentido do domínio das finanças sobre todo o processo de produção e consumo capitalista. Estamos falando da hegemonia da era financeira. A financeirização é a tomada do segmento da produção habitacional para as lógicas de rentabilidade dos investimentos financeiros envolvidos naquilo, não apenas da habitação, mas também da política urbana e da terra urbana. Isso significa que as políticas, os programas, são moldados para criar novos campos de aplicação para promover remunerações e rentabilidades para o ca-
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pital financeiro investir. Nós estamos falando de um excedente global de capital que circula pelo planeta à procura de campos onde aportar para extrair renda. E você verificou isso em todos os países?
Exatamente. Eu me aprofundei por meio de missões como relatora sobre direito à moradia, ou por meio de pesquisas respondidas diretamente pelos governos. Claro que se trata de um processo global, mas que tem especificidades e singularidades em cada um desses países. Há inclusive processos que ocorrem ou começam a ocorrer em tempos diferentes da história, pois estamos falando que é no fim dos anos 70 que os primeiros países passam por essa transformação, mas há países que passam por isso agora. Depende da economia política de cada país. O processo então é efeito da expansão da globalização...
Estamos falando da tese da redução do Estado, do Estado mínimo, é no bojo desse movimento, dessa ideologia, que é também uma prática hegemônica no planeta hoje em vários campos. E o que eu tento mostrar no livro é como isso aconteceu dentro do campo específico da moradia. E no campo da moradia a partir de 2008, o que acontece em termos da crise global?
A crise financeira e hipotecária que começa nos Estados Unidos coloca a nu e contesta esse modelo, porque a promessa é que todas as pessoas do planeta podem ter acesso à moradia, casa própria individual registrada e titulada desde que tenha acesso a um crédito financeiro capaz de fazer com que ela compre o bem produzido pelo mercado privado. Aí existem várias questões envolvidas. Primeiro, a moradia é um bem consumido privadamente e produzido pelo mercado privado. Isso já é uma enorme ruptura porque moradia nos países que desenvolveram o Estado de bem-estar social, ou nos países que viveram a experiência do comunismo ou do socialismo a moradia não é isso, ela é um bem social, é um direito humano, inclusive que independe da renda, não é um bem de consumo. A transmutação da moradia em um bem de consumo é um primeiro movimento. O segundo é que esse bem de consumo, como é caro, vai ser obtido por meio de um instrumento que é o crédito hipotecário, é a ideia de que você como garantia do crédito oferece o próprio bem. E a ideia de que isso poderia ser generalizado, inclusive para os mais pobres, utilizando novas ferramentas criativas, que são exatamente o crédito subprime. Mas com a crise esse modelo não resistiu...
A crise derruba essa tese. Na hora que você liga a casa onde as pessoas moram com os produtos financeiros e faz isso circular no mercado internacional, expõe isso aos riscos inerentes ao mercado financeiro, porque o mercado financeiro é jogo, risco, só que na hora que expõe isso, você faz justamente expor as pessoas mais pobres e vulneráveis. Quantos países visitados estão no livro?
De acordo com as regras do mandato, que faz duas missões em países por ano, com seis anos de mandato foram 11 países e mais uma missão ao Banco Mundial. Eu fui ao banco porque percebi o quanto esse modelo da moradia se transformou em um modelo hegemônico e o Banco Mundial foi um dos agentes de disseminação desse modelo. Não foi o único, e muito menos foi o responsável pela adoção desse modelo em cada país – a adoção é decorrente das hegemonias e coalizões do próprio país. Mas o banco tem uma importância grande na disseminação do paradigma. E o banco reagiu pesadamente contra o meu relatório, não publicamente por meio da imprensa, mas junto ao Conselho de Direitos Humanos. Além das missões oficiais, eu pude fazer working visits: são visitas no país em que você é convidado para participar de um debate, ou para visitar uma comunidade. Isso não produz um relatório oficial, mas permite entrar em contato com o tema. Eu fiz algumas visitas dessa forma, como no Haiti, no âmbito da construção depois do terremoto, chamada pelos próprios organismos da ONU, envolvidos com as dificuldades de reconstrução quando o aparato inteiro da reconstrução está montado para resgatar as propriedades perdidas das pessoas. Mas você chega no Haiti e a maior parte não tem propriedade. O que se destrói são assentamentos informais. E eles estavam totalmente paralisados, sem saber como é que podiam reconstruir as casas em uma terra que não pertencia a cada pessoa que dizia que morava ali. Nesse tipo de visita, fui também duas vezes a Barcelona, encontrando com os afetados pelas hipotecas porque me pediram para apresentar o relatório sobre o tema, que eu tinha apresentado no conselho. E finalmente, para poder escrever os relatórios das missões, nós preparamos relatórios temáticos. Por exemplo: crise financeira hipotecária e o direito à moradia foi um tema que trabalhei muito no meu mandato. Fiz dois relatórios sobre isso. Fiz também dois sobre a questão da reconstrução pós conflito, pós desastre, e o direito à moradia. Para escrever esses relatórios, eu tinha de pesquisar, e muitas vezes um dos instrumentos que o relator tinha era enviar questionários oficiais aos países. E obtive muitas respostas. Isso tudo acabou produzindo um
As políticas, os programas, são moldados para criar novos campos de aplicação para promover remunerações e rentabilidades para o capital financeiro investir. Nós estamos falando de um excedente global de capital que circula pelo planeta à procura de campos onde aportar para extrair renda
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cabedal de informação muito além dos 12 países contemplados nas missões. Acho que a gente tem menção a mais de 20 países, das Ilhas Maldivas ao Cazaquistão. Mas nenhum país rompe ou questiona esse modelo?
Não, nenhum. Claro que há países dos quais tive conhecimento que mantêm ainda algumas alternativas, como o Uruguai, que tem um programa de cooperativas autogeridas. Outro exemplo, a Áustria, especialmente em Viena, tem uma política habitacional muito financiada pelo governo, muito forte ainda.
O Brasil é uma das versões do modelo de financeirização da moradia, que é muito parecida com o modelo chileno, que tem origem no período de Pinochet, mas está em vigor até hoje e já tem 20 anos e permite ver seus efeitos. Isso dá para ver o modelo do Minha Casa Minha Vida, que é uma das coisas que eu analiso, como tudo que existiu de política habitacional no país, em que mais ou menos tentou-se armar a partir da democratização, da Constituição de 1988, das experiências de gestão municipal e democrática nos anos 1990, os mutirões, cooperativas, urbanizações de favela, enfim, tudo isso é desconstituído, tem um programa único, que é o MCMV, que produz casa própria para pobre na periferia, com grande subsídio público. Isso não mexe na estrutura da questão e continua colocando os pobres em localidades periféricas...
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Na terceira parte do livro, você trata do Brasil. O que define o nosso país nesse contexto da financeirização?
A ocupação das escolas públicas pelas meninas e meninos é o fato mais relevante deste ano, porque derruba vários mitos, e dá uma esperança incrível porque estamos falando de jovens de 15 a 18 anos descobrindo a política e do melhor jeito possível, que é descobrir o sentido do público
Exato, e isso é estrutural do programa. A possibilidade da rentabilidade da empresa privada repousa unicamente na necessidade de ela economizar o máximo possível e terra barata no meio urbano significa terra sem urbanidade. No Brasil, é isso: terra sem cidade. Eu mostro como foi armado o Minha Casa Minha Vida no país, e a abertura das construtoras, com capital em bolsa, embora o programa seja menos financeirizado do que a experiência norte-americana ou espanhola, aqui o programa não é securitizado.
secretário, agora acabou de nomear um novo, em outra direção muito melhor, mas é o último ano de governo, é um desastre. Então, tem elementos também desastrosos dentro dessa política. É uma prefeitura que avançou do ponto de vista dessas pautas.
Você acha que a gestão Haddad, em São Paulo, está promovendo uma discussão sobre mudanças na ocupação da cidade, sobre a humanização do espaço urbano?
O movimento dos alunos da rede estadual chama a sua atenção do ponto de vista das comunidades abraçarem os espaços da cidade?
Eu acho que a gestão do Haddad está colocando pautas muito importantes e transformadoras, acho que esses desejos de transformação estavam colocados como demandas da sociedade, e acho que a prefeitura está ressoando essas demandas, especialmente no campo da mobilidade, a prioridade para valer do transporte coletivo, os modos não motorizados, através das ciclovias, a abertura para vivência nos espaços públicos, o apoio a esses movimentos. Tudo isso me parece positivo e em sintonia com o que são demandas da nossa cidade, de movimentos também muito presentes, mas como não podia deixar de ser, na natureza de um governo de coalizão, que tipo de coalizão é essa, que representa esse governo, ela também tem vários aspectos, por exemplo, na política de habitação, a substituição de 20
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Eu acho que a ocupação das escolas públicas pelas meninas e meninos é o fato mais relevante de 2015, porque derruba vários mitos, e dá uma esperança incrível porque estamos falando de jovens de 15 a 18 anos descobrindo a política e do melhor jeito possível, que é descobrir o sentido do público. O espaço público não é propriedade do governo, nem de partidos, o espaço público é propriedade coletiva nossa, e portanto temos de nos apropriar e nossa participação do que é feito desse lugar é essencial. Isso é essencial para a construção de uma cultura política nova no país. É sensacional o que essas ocupações foram capazes de fazer. Leia a íntegra da entrevista no site da Rede Brasil Atual
LALO LEAL
Proteção à criança começa no berço Ainda estamos longe da Suécia, que já baniu a publicidade dirigida ao público infantil, com apoio de 88% da população. Mas, pelo menos, fechamos o ano com alguns avanços na legislação
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publicidade não poupa ninguém. Nem mesmo os recém-nascidos, alvos das campanhas publicitárias desde os primeiros dias de vida. São apelos para o consumo de fraldas descartáveis, papinhas, mamadeiras, chupetas, bicos e outros produtos, alguns de utilidade duvidosa. Um decreto do governo federal pode ajudar a reduzir os efeitos negativos desses produtos à saúde dos bebês. Publicado recentemente, restringe qualquer ação promocional desse tipo, incluindo publicidade, descontos, brindes, exposições especiais em supermercados e outras ações semelhantes. Fica também proibida a utilização de fotos, desenhos e ilustrações que induzam ao uso, com expressões como “baby”, “kids”, “ideal para o seu bebê”, além da utilização nas mensagens de personagens de filmes e de desenhos animados. No caso específico dos bicos, mamadeiras e chupetas, deverá h aver sempre um aviso aos pais sobre os prejuízos que o uso desses produtos podem causar ao aleitamento materno. Também aqueles potinhos de alimentos industrializados consumidos por crianças de menos de 3 anos estão na mira da regulamentação. Autoridades da área da saúde recomendam que os bebês sejam amamentados por até dois anos ou mais e que o leite materno seja o único alimento da criança até o sexto mês de vida. Pesquisas mostram que o leite materno protege as crianças contra diarreias, pneumonias, infecções de ouvido e alergias. Contribui também para diminuir as chances de desenvolverem, quando adultas, doenças como diabetes, obesidade, hipertensão arterial e vários tipos de câncer. Claro que na faixa inicial da vida a propaganda é dirigida aos pais. Mas bastou a criança se aproximar dos 3 anos para começar a receber diretamente toda a carga publicitária. Com a agravante de ainda não
poder discernir entre o que é propaganda e o que é entretenimento e lazer. Quantas gerações foram induzidas ao consumo precoce atraídas por apresentadoras simpáticas e afetivas que conquistavam a criançada com esses atributos para, em seguida, mostrarem a sua verdadeira face de vendedoras das mais variadas quinquilharias, de sandalinhas a brinquedos eletrônicos. No caso dos alimentos, o cuidado que agora se verifica em relação aos bebês deve ser urgentemente estendido aos mais velhos. Os dados em relação ao crescimento da obesidade infantil no Brasil são assustadores. Segundo o Ministério da Saúde, o excesso de peso já atinge 52,5% da população adulta do país. O índice de obesidade é de 17,9%. Entre as crianças, uma em cada três, na faixa dos 5 aos 9 anos, está acima do peso. Em novembro, o Senado deu um passo importante para proteger também as crianças mais velhas da publicidade. Foi aprovada a atualização do Código de Defesa do Consumidor, explicitando como abusiva a publicidade que “se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança” e as que induzam diretamente ao consumo, causem sentimento de inferioridade ou usem crianças e adolescentes como porta-vozes diretos da mensagem de consumo. Estamos ainda longe da Suécia que baniu totalmente a publicidade dirigida ao público infantil há mais de dez anos. A decisão foi tomada após a divulgação de uma pesquisa nacional mostrar que 88% da população apoiava a medida. Por aqui, ainda não se fez esse tipo de pesquisa, mas acredito que, apesar de todas as diferenças econômicas e culturais entre os dois países, os resultados seriam semelhantes. Apesar disso, neste momento, cabe aplaudir os pequenos avanços ocorridos ao final do ano passado, esperando que sirvam de sustentação para ações mais ousadas que levem ao final a resultados pelo menos próximos aos obtidos em países com a Suécia. REVISTA DO BRASIL
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A verdade no gran Mais que investigar crimes da ditadura, Comissão da Verdade do Grande Sertão, no norte de Minas Gerais, irá às origens das injustiças fundiárias e ajudará povos tradicionais a retomar o seu lugar Por Ana Mendes (texto e fotos) 22
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iros na boca da noite. Em 1967, um grupo de camponeses no sertão mineiro resolveu resistir e lutar pela terra. Seis foram assassinados. “A gente só queria trabalhar, tudo trabalhador”, conta Ursulino Pereira Lima, o seu Sula, hoje com 94 anos. Além dele, restam poucos para narrar os fatos do episódio que ficou conhecido como o Massacre dos Posseiros de Cachoeirinha, em Verdelândia, norte de Minas Gerais. O velho Jadé de Paula, estirado na cama, com câncer de estômago, quer falar, mas só lhe sai uma palavra por vez – o que cabe em uma tragada de ar. Tinha polícia fardada lá? “Muita.” Jadé morreria dois
dias depois de conversar com a reportagem, em 3 de setembro. Mas sua história está agarrada. Enraizou. Em meio à luta no campo, Jadé e Íris tiveram filhos. Antônio de Paula, de 60 anos, é um deles. Antônio, por sua vez, conheceu Dinalva, e mesmo sob condições adversas tiveram Gustavo. Gustavo Prates Santos tem hoje 25 anos e está com uma bala alojada perto do pulmão. Isso porque com o seu pai e 180 famílias ele reivindica o território quilombola Nativos do Arapuim, que está sobreposto às terras de um latifundiário, nas cercanias da região em que seu avô lutou há mais de 50 anos. O percurso individual desses três homens é representativo do pró-
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O SERTÃO DE GUIMARÃES ROSA Sertanejo leva o gado para beber água do rio São Francisco: a área de atuação da Comissão da Verdade do Grande Sertão abrange um pedaço do centro, o norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha
ande sertão A GENTE SÓ QUERIA TRABALHAR Seu Sula, sindicalista e sobrevivente do Massacre dos Posseiros de Cachoerinha
prio fluxo da história, cíclico. A linha do tempo, que atravessa essas gerações, não é reta, crescente e irrepetível, ela é helicoidal. Infelizmente, a história se repete. E, no caso da questão agrária brasileira, é uma espiral de violência. Em 2016, a Comissão da Verdade do Grande Sertão, sediada em Montes Claros, começará a trabalhar. Entre os assuntos a serem pesquisados estão os casos de violações no campo. Em nível nacional, ainda é bastante incipiente a organização dessas informações. No final de 2014, a Comissão Camponesa da Verdade (CCV) lançou o primeiro relatório apontando cerca de mil casos, mas sabe-se que há muitos mais. REVISTA DO BRASIL
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Sobre a questão indígena, quem se encarregou de concentrar os dados foi a Comissão Nacional da Verdade (CNV). Nesse aspecto, já existem alguns avanços – o maior foi a anistia dada a 13 indígenas Akeiwara, conhecidos também como Suruí do Pará. Eles passaram a receber indenizações em 2014, pois no período ditatorial foram coagidos a trabalhar para os militares na caçada aos guerrilheiros que se escondiam na região do Araguaia e entorno. Uma população indígena inteira agonizou durante a famosa Guerrilha do Araguaia. Quem sabe disso? As histórias começam a vir à tona sob um ponto de vista marcadamente incomum, o lavrador rural, por vezes analfabeto, o ribeirinho, o indígena e o quilombola querem contar o que viveram, eles também precisam desenredar os fios da memória.
Entender o momento
É por isso que a comissão que se configura no sertão mineiro, descentralizada dos grandes centros urbanos, vai ajudar a avançar no desenho de um panorama 24
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Recém-nascido no acampamento Mãe Romana
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“EU LEMBRO DE MINHA MÃE COMO UM SONHO” Daniel é filho de Saluzinho, famoso por resistir durante uma semana, em 1967, ao cerco da ditadura. Mas o sertanejo de olhos verdes marejados quer que outra história venha à tona: sua mãe Dulce foi brutalmente torturada enquanto o pai estava preso
nacional. Algumas histórias já muito conhecidas na região, como o Massacre dos Posseiros de Cachoeirinha (que começou em 1967 e se arrastou por anos – a terra foi homologada apenas em 2014) e o caso de Saluzinho, também em 1967, o posseiro que resistiu durante seis dias dentro de uma gruta, serão revistos. E outras mais aparecerão. É no que acredita Cícero Lima, presidente da Associação Vazanteiros em Movimento: “Nós achamos que essa é a oportunidade de ajudar. Queremos descobrir outros casos para minimizar o que o aconteceu e o que vai acontecer. Sabemos que não há condições de parar (as violações), mas ao menos o povo tá sabendo que existe”. Revisitar essas e outras histórias ocor-
ridas na época da ditadura tem esse teor: entender o momento atual. “A gente tenta tirar o peso do revanchismo, mas tem sim um acerto de contas histórico a ser feito”, diz a advogada Maria Tereza Carvalho, uma das coordenadoras da Comissão da Verdade do Grande Sertão. A política de distribuição de terra da ditadura, dita reforma agrária, criou latifúndios Brasil afora, e em Minas Gerais não foi diferente. “Se a gente tem hoje fazendeiro dentro de área quilombola, fazendeiro dentro de terra indígena e posseiros que foram expulsos das suas terras, esse período, que compreende os anos 60 e 70, foi essencial pra isso”, explica. O programa de governo da época, aparentemente, era até “progressista”. Prometia distribuir terras devolutas para pequenos agricultores. Na prática, não foi nada disso. As populações tradicionais e os camponeses pobres viram-se coagidas a entregar sua casa a troco de nada à elite latifundiária. Em Rondônia, no Pará e em outros tantos estados foi assim. A Minas Gerais chegaram ainda levas de gaúchos,
financiados pela Fundação Rural Mineira para plantar soja. Daniel Gomes Ferreira, 47 anos, é o filho mais novo de Saluzinho. A história de seu pai ficou famosa: Salustiano Gomes Ferreira permaneceu vivo escondido em uma pequena gruta durante quase uma semana, em 1967, sem dormir e sem comer, enquanto a polícia jogava bombas de gás e todo tipo de explosivo lá dentro. Ele deu apenas quatro tiros e só saiu quando lhe deram a garantia de que não o matariam. Dizem que o cheiro de gás que exalava de seu corpo causou náusea ao médico que o esperava, na boca da gruta, para prestar atendimento. Saluzinho passou cerca de quatro anos encarcerado como preso político no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de Belo Horizonte. Durante esse período aprendeu a ler um pouco mais e ampliou sua noção sobre direitos humanos. Antes, ele era um posseiro valente e indignado. “Era difícil naquele tempo falar em direito, pobre não tinha direito. Hoje, graças a Deus, nós estamos aqui faREVISTA DO BRASIL
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lando com vocês. Isso é uma honra. Naquele tempo não tinha isso, era bala, cadeia e porrete”, diz Daniel. A história de seu pai tornou-se livro, Saluzinho, Luta e Martírio de um Bravo, escrito (2014, Editora D’Placido) pelo jornalista mineiro Leonardo Alvares da Silva Campos, que traz um apanhado de recortes de jornais com diversas versões sobre o ocorrido. Essa história já foi fartamente contada – Saluzinho viveu até 2007. Ele mesmo pôde narrar os fatos. Ainda assim, Daniel é um verdadeiro achado da Comissão da Verdade do Grande Sertão, porque ele quer virar o holofote para a história da mulher de Saluzinho, sua mãe. Enquanto o marido estava preso, Dulce Gonçalves de Araújo definhava. Morreu alguns meses depois, em decorrência de torturas. A
mesma polícia que lutava na gruta contra Salu pendurou-a de cabeça pra baixo, nua, queimou o bico dos seus seios e introduziu galhos de árvore em seu ânus. Depois de tudo isso, a alma da mulher adoeceu. O corpo logo se entregou também. Daniel era muito pequeno, mas lembra. “Eu lembro de minha mãe como um sonho. Ela era muito calada, não era de muitas palavras.” Daniel não é mais o menino de 4 anos que perdera a mãe, mas os olhos marejam como se fosse. Revirar as poucas lembranças que tem é uma missão, desde que seu irmão morrera, há cerca de quatro meses. “Se eu não for atrás disso, nunca vou saber o que aconteceu. Eu sou o último. Se eu não falar, a história vai morrer comigo.” Quando é questionado sobre o local do
túmulo de Dulce, Daniel tem os olhos verdes inundados outra vez. “Não sei.”
Retomadas
Os acampamentos Mãe Romana, em Matias Cardoso, e Santa Fé, em São João da Ponte, são dois exemplos do que está acontecendo aos montes hoje no sertão mineiro. São as chamadas retomadas. Grupo de populações tradicionais estão retomando para si o local de onde foram expulsos os seus parentes durante os anos 1960 e 1970. Quilombolas, vazanteiros, geraizeiros e outros povos tradicionais estão ocupando fazendas em busca de permanecer no território ancestral. O momento é de ebulição. “Quando fazemos os relatórios antropológicos entramos nessas fazendas e eles vão apontando ‘aqui tá enterrado fulano’, ‘aqui
Afirmação e pertencimento O antropólogo João Batista Almeida Costa, professor da Universidade Estadual de Montes Claros e pesquisador da Comissão da Verdade do Grande Sertão, fala sobre a “construção política da identidade”. A Comissão da Verdade do Grande Sertão pretende dar conta desse lugar, o grande sertão. Que território é esse? A dimensão administrativa do estado não recobre toda a área que temos contato, isto é, a área de pessoas que estão vinculadas à comissão, pessoas dos movimentos sociais locais. Então, a comissão entrará, além do norte de Minas, no noroeste e também no Vale do Jequitinhonha. Decorrente dessa “quebra” administrativa, como então nomear a comissão? Todos nós somos leitores de João Guimarães Rosa, e exatamente quando ele fala de grande sertão, se refere a essa região. Se a gente for cartografar o Grande Sertão de Guimarães, no trecho de Minas Gerais, é exatamente essa área de atuação: um pedaço do centro, o norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha. Riobaldo, no seu 26
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périplo, nasce no centro, vai pro norte, pro Jequitinhonha e ao final pro noroeste. Seu trabalho é uma referência para quem quer falar de populações tradicionais do norte de Minas Gerais. Qual vai ser a importância da Comissão para a questão das violações no campo, junto a esses povos? A Comissão Nacional e a Estadual, quando olham para a realidade, não conseguem recobrir todas as situações. Aqui, o exemplo de Cachoeirinha veio à tona (nos relatórios dessas comissões), mas não a utilização da estrutura repressiva do Estado como aliada no processo de expropriação territorial. Isso ocorreu em todo o país, aqui não seria exceção. Até a entrada do norte de Minas na área de atuação da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), a grande maioria das terras era devoluta, o tipo de sistema produtivo era a criação extensiva de gado solto. Gado solto na chapada, nos vales e que só era campeado anualmente no período próximo à parição
das vacas. Nesse momento se aproveitava para fazer vacinação. O gado criado solto era reconhecido porque era marcado com o ferro de cada proprietário. E não havia cercas impedindo a terra, tanto que tem uma marcha que diz “êta, mundão sem cancela”. O gado transitava por esse mundão e os vaqueiros em busca dele passavam léguas e léguas, grandes distâncias, campeando. A partir da entrada na Sudene, a terra passa a ter valor econômico. Ao mesmo tempo, há o financiamento da transformação da fazenda em empresa agropecuária. Isso se dissemina. Com o apoio explícito do estado, por meio da Ruralminas (Fundação Rural de Minas) e com o apoio velado, por meio das polícias Militar e Civil e do Dops, as elites (médicos, dentistas, advogados, fazendeiros, comerciantes, professores, pessoal da emergência local) com bandos de jagunços foram terra adentro – terras de quilombos, terras dessas populações. E sobre os casos de Saluzinho e do massacre dos posseiros de Cachoerinha?
João Batista: historicamente, essas populações vêm lutando pela permanência em seus espaços territoriais
Saluzinho morava no território que hoje pertence a Brejo dos Crioulos (quilombo). Em 1920, um agrimensor que é chamado por um fazendeiro de São João da Ponte para processar a divisão de duas fazendas, a Arapuá e a Ouro Preto. Eles adotaram, então, a seguinte estratégia: criam faixas de terras pras pessoas que viviam ali e entre essas faixas de terras põem glebas, deram o nome de Glebas de Ausentes. Nos anos
HISTÓRIA
“TINHA MUITA POLÍCIA LÁ” O velho Jadé de Paula, morreria dois dias depois de conversar com a reportagem
1960, quando começa o processo de afazendamento da elite regional, esses agrimensores vão vender essas glebas. O caso de Cachoeirinha é clássico nesse sentido. Vendem ao coronel Giorgino umas glebas de terra e a Constantino outras. O bando de jagunço, então, começava a pressionar as pessoas a vender as terras. Como eles não conseguem, começam a pôr fogo nas plantações, a matar e roubar o gado. O caso de Cachoeirinha é esse, e o de Saluzinho também. Houve então a revolta de Cachoeirinha em perder a terra, e Saluzinho age isoladamente. Desse jeito, eles conseguiam tomar as terras das pessoas, com violência extrema. Brejo dos Crioulos hoje é um quilombo. Cachoeirinha também é historicamente um quilombo. Só que naquele momento a figura de quilombo ainda não tinha sido “inventada” pela Constituição. Como foi a incorporação dessas leis entre os povos tradicionais e o que isso tem a ver com os atuais processos de retomada?
acontecia tal coisa’, então, fazemos o levantamento do que chamamos de marcos de territorialidade. A historicidade está marcada no espaço que eles ocupavam e que foi expropriado nos anos 60 e 70. Em decorrência de estarem próximos aos seus territórios, ao se reconhecerem no artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias, nos artigos 215/216 da Constituição, esse pessoal partiu pra luta”, relata o antropólogo e professor da Universidade Estadual de Montes Claros, João Batista Almeida Costa, também pesquisador da Comissão da Verdade. Território para eles não é sinônimo de terra. Território é aquele pedaço de chão em que viveram avós e bisavós, aquele cantinho onde Mãe Piana fez o parto de mais de 2 mil crianças. A terra é consequência. Na terra se planta e colhe, no território brotam histórias. E lá se quer ficar. Porque a memória é algo que nem a mais torpe das ditaduras poderá usurpar. Historicamente, essas populações vêm lutando pela permanência em seus espaços territoriais desde o processo de expropriação dos anos 60 e 70. Quando trabalhei na Secretaria de Trabalho do Estado como técnico de desenvolvimento rural, viajava a diversas regiões, e a grande reivindicação dessas populações sempre foi a permanência no espaço territorial deles. Para conseguir isso, já “foram” trabalhador rural sem-terra, agricultor, pequeno proprietário, posseiro. Mas quando se dissemina na região a informação de que havia, no caso dos quilombos, um artigo na Constituição dizendo que o Estado deveria regularizar as suas terras imediatamente, mais de 80 comunidades no norte de Minas, em um espaço de três anos, vão se autoafirmar como quilombo e reivindicar a regularização fundiária. E as outras populações que estão em conflito, na luta contra eucalipto, fazendeiro e mineração, ao tomar conhecimento de que no artigo 215/216 diz que o Estado deve garantir a manutenção do modo de fazer, de viver, de pensar e de criar dos grupos forma-
dores da nacionalidade brasileira demandam então uma assessoria (antropológica) para conseguir a permanência em seus territórios. Aí entra o caso dos vazanteiros, dos geraizeiros, caatingueiros, veredeiros e outros. É impressionante ver a quantidade de retomadas que há no norte de Minas. Parece similar com o que fizeram os povos indígenas nos anos 80, quando começaram a voltar para os seus territórios sob essa mesma justificativa, a ancestralidade. É isso que está acontecendo com os quilombolas? Na verdade, eles não saíram. Tem uma categoria que a gente utiliza que é a do “encurralamento”. Eles foram expulsos de suas terras, mas havia sempre uma Terra de Santo nas proximidades. Eles se deslocam pra essas Terras de Santo e permanecem trabalhando. Isso é inclusive uma estratégia dos fazendeiros, porque, então, você tem mão de obra barata pra o trabalho na fazenda. Você tem no entorno da fazenda uma comunidade rural ne-
gra. No caso do Vale do Verde Grande, que a gente chama de Território Negro da Jaíba, tem 82 comunidades que se reconhecem como quilombola. E ficam situadas entre fazendas, em pequenas áreas de terra, um hectare, dois, três. Sendo que toda a terra em volta foi pertencente às famílias deles. Quando fazemos os relatórios antropológicos entramos nessas fazendas e eles vão apontando “aqui tá enterrado fulano”, “aqui acontecia tal coisa”, então, fazemos o levantamento do que chamamos de marcos de territorialidade. A historicidade está marcada no espaço que eles ocupavam e que foi expropriada nos anos 60 e 70. Em decorrência de estar próximos aos seus territórios, ao se reconhecer no artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias, artigos 215/216 da Constituição, esse pessoal partiu pra luta. O que emerge? A construção política de uma identidade. Se afirmam como vazanteiro, veredeiro, quilombola, apanhador de flor, revisitando o passado pela memória do grupo pra afirmar o seu pertencimento a esse espaço. Isso tem acontecido muito. REVISTA DO BRASIL
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EMIR SADER
O ano em que vivemos no terror
Estado Islâmico pode enfraquecer e reposicionar-se em 2016, diante da coalizão a enfrentá-lo. Mas sem abandonar as ações que levem a um cenário de violência não muito distinto do visto ano passado
A
primeira notícia de impacto, no começo do ano passado, foram os atentados contra a redação do jornal Charlie Hebdo, em Paris, em 7 de janeiro. O ano fechou com outros atentados, em Paris, na sexta feira 13 de novembro, cometidos em nome da mesma organização – o autoproclamado Estado Islâmico. Entre um e outro, 2015 incluiu vários atentados assumidos pelo Estado Islâmico – como a derrubada do avião russo no Egito, as ações terroristas no Líbano, entre tantos outros –, enquanto outra organização similar, o Boko Haram, que atua no norte da Nigéria, foi responsabilizada por mais mortes. Sem contar com a extensão dos conflitos bélicos no Oriente Médio, em que ao Afeganistão e ao Iraque se somou a Síria como epicentro bélico que concentra todas as forças atuantes na região. Mas o caráter essencialmente bélico do ano também se expressou no plano político. No começo do ano, a Rússia e os Estados Unidos se confrontaram em praticamente todos os temas, a começar pela Ucrânia, mas incluindo a própria Síria. Conforme a ofensiva do Estado Islâmico se estendia do Iraque para a Síria e ações terroristas se disseminavam por países que participavam da ofensiva militar contra o Estado Islâmico – como Austrália, Japão e Canadá –, e a situação do governo de Bashar Al-Assad ia se tornando muito frágil, a situação começou a mudar. A Rússia, a partir de agosto, desembarcou tropas na Síria e passou a atacar o Estado Islâmico com artilharia pesada. No início, a reação dos Estados Unidos e de seus aliados foi a de protestar, alegando que a Rússia bombardeava também o que eles chamavam de oposição moderada. Mas a Rússia não se deteve, argumentando que seria fundamental a preservação da unidade territorial da Síria. O próprio governo do 28
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Iraque começou a clamar pelo apoio da Rússia em seu território. Diante dessa situação, os Estados Unidos mudaram sua posição e passaram a apoiar os ataques da Rússia, afirmando que também fariam bombardeios, em operações coordenadas ao lado dos russos. Em seguida, a França passou a participar dos bombardeios contra o Estado Islâmico. Mais recentemente, a Grã-Bretanha discute aderir às operações, enquanto Estados Unidos e Alemanha decidem enviar tropas. A partir dessas alianças militares, o governo de Al-Assad passou também a ser aceito pelas potências ocidentais, que antes consideravam a saída do poder uma condição indispensável para qualquer solução política para a Síria. Vladimir Putin recebeu Al-Assad em Moscou, em seguida se reuniu com outros governos, em cuja iniciativa teria proposto uma solução política, a partir da decisão de que seja o povo sírio quem decida sobre o seu destino, por meio de eleições. O que supõe uma derrota militar do Estado Islâmico e um mínimo de normalidade no país, com o retorno de pelo menos parte dos milhões de refugiados sírios, especialmente os que estão no L íbano e na Turquia. Um complicador para essas negociações é a Turquia. Um governo que tem no comando da Síria e nas comunidades curdas seus principais adversários, é sempre suspeito de conivência com o Estado Islâmico, com quem coincidem na definição dos adversários. Putin o acusa não apenas de haver sido conivente na derrubada do avião russo no Sinai, em novembro, como de comprar petróleo negociado pelo Estado Islâmico e de abrir facilidades em seu território para que essa comercialização se faça também com outros países, entre os quais a Arábia Saudita. Mas os Estados Unidos e a própria Otan – a organização multilateral para assuntos militares
ALISDARE HICKSON/FLICKR/CC
das potências do Ocidente –pediram moderação ao governo da Turquia nos conflitos com a Rússia, para não enfraquecer a frente comum de luta contra o Estado Islâmico. Se 2015 foi assim, pode-se prever o que nos reserva 2016, desse ponto de vista? Muitos fatores estarão presentes, a começar pelas eleições presidenciais nos Estados Unidos e a forma como isso vai interferir no comportamento de Barack Obama. Por outro lado, os conflitos na Ucrânia podem dificultar as relações entre norte-americanos e russos. O destino político da Síria ainda é um tema espinhoso, embora hoje já não se questione o governo de Al-Assad durante a guerra.
Caso o Estado Islâmico desloque muitas forças para o Iraque, os Estados Unidos terão dificuldades em aceitar que a Rússia desempenhe o mesmo papel que tem na Síria, porque cederiam espaço em excesso para Vladimir Putin. Pelo poderio militar que se concentra nos bombardeios ao Estado Islâmico na Síria, somados às infantarias que várias potências começam a mandar, se pode prever um enfraquecimento do Estado Islâmico, pelo menos na Síria. Podem reconcentrar tropas no Iraque e, ao mesmo tempo, intensificar as ações terroristas. Esse pode ser o quadro, o que não representaria um cenário tão distinto do atual, do ponto de vista da violência.
“NÃO BOMBARDEIEM A SÍRIA” Manifestação nas ruas de Londres: “Bombardeios não matam uma ideologia, eles a alimentam”
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VIAGEM
Vila de Torbole
País tem avô? O Brasil tem. E fomos conhecê-lo nos alpes italianos Por Flávio Aguiar
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rata-se do Lago de Garda, na região italiana do Tirol, próxima dos Alpes. O lago faz a transição entre as terras ao sul, mais baixas, e as montanhas escarpadas ao norte, que anunciam as mais altas montanhas da Europa, repartidas entre Itália, França, Suíça, Áustria, Alemanha, Eslovênia, Mônaco e o diminuto Liechtenstein. Ao sul, o lago se espraia, mais largo, numa região de clima mais ameno. Ao norte, o lago se afunila, cercado pelas encostas de pedras alcantiladas. A leste do lago, está o Vêneto. A oeste, a Lombardia. Também a oeste está Saló, cidade que deu nome aos estertores do regime fascista, no fim da Segunda Guerra. Ali se refugiou Mussolini, antes de seu trágico fim, executado com sua companheira pelos guerrilheiros, que depois penduraram seus cadáveres na praça principal de Milão. Mas como podem estas paisagens, tão belas quanto por vezes trágicas, serem as antepassadas do Brasil? A resposta do enigma está na literatura. Quando dom Pedro I proclamou a independência brasileira, no 7 de setembro de 1822, nosso país mais parecia uma colcha de retalhos, como atestam os sucessivos movimentos de rebeldia mais ou menos separatistas que o sacudiram até 1848 – ano da última grande rebeldia brasileira, a chamada Revolução Praieira, em Pernambuco, e que também 30
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Visita ao avô do Brasil marca o retorno à Itália de Giuseppe Garibaldi, que lutara na Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul, em uma guerra civil que durara uma década. O esforço para manter a antiga colônia portuguesa unida teve tanto de repressão quanto de exaltação. A primeira foi expressa por Duque de Caxias e outros próceres que foram abatendo e “pacificando” os movimentos rebeldes. A segunda ficou por conta de uma plêiade de literatos, dramaturgos, pintores e músicos que foram, por assim dizer, “compondo a sinfonia Brasil” com sua imaginação. Ou seja, o Brasil existiu literariamente antes de existir de fato como pátria integrada. Dentre os literatos, destacou-se (com outros) o maranhense Gonçalves Dias, que compôs aquela que seria a certidão de batismo de nossa terra, a que “tem palmeiras, onde canta o sabiá” Tão certidão e tão certeira foi sua Canção do Exílio, que foi glosada por inúmeros outros poetas, inclusive sob a forma de paródias. Ocorre que o poema de Gonçalves Dias tem uma epígrafe, a citação de um poema, conhecido como Canção de Mignon, do poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe. Esse poema consta de seu romance Wilhelm Meister – Anos de aprendizado, uma das obras-chave do romantismo europeu e mundial. Quem diz o poema é uma menina cigana, protegida por e apaixonada pelo protagonista, que fala de uma terra entre altas montanhas, decorada por flores e frutas maravilhosas. Que frutas? Limões e laranjas. Diz ela que aprendeu a canção na Itália. E onde, na Itália, Goethe, e por seus olhos, Mignon, viram estes limões dourados e maravilhosos? Ora, no Lago de
VIAGEM
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Vila de Saló
Ecos da Canção do Exílio
NISPI2002/FLICKR/CC
Punta San Vigilio
Garda, por onde andou viajando depois de sua primeira grande decepção amorosa. Goethe chegou a ser detido por algumas horas num castelo à beira do lago, suspeito de ser um espião prussiano. Mas safou-se, e admirou os notáveis limoeiros crescidos à beira das águas, apoiados em estacas de cimento e armações de arame e madeira, até hoje. E assim os limões de Garda se tornaram os legítimos avós poéticos do nosso país. Esperemos que mais para o bem do que para o mal. Quem quiser conferir, que tome um avião até a cidade de Bergamo, alugue um carro, e vá banhar-se de beleza e limonadas às margens do lago, que também exibe ruínas romanas, castelos medievais, além de encantadoras cidades.
“Minha terra tem palmeiras/ Onde canta o sabiá/ As aves que aqui gorjeiam/ Não gorjeiam como lá/ Nosso céu tem mais estrelas/ Nossas várzeas têm mais flores/ Nossas flores têm mais vida/ Nossa vida, mais amores/ (…) Não permita Deus que eu morra/ Sem que volte para lá.” Hino Nacional Brasileiro: “Nossos bosques têm mais vida/Nossa vida, em teu seio, mais amores”. Hino do Expedicionário (FEB na Campanha da Itália): “Por mais terras que eu percorra/Não permita Deus que eu morra/ Sem que volte para lá/ (…) Lá no alto da colina/ Onde canta o sabiá”. Campanha pela anistia: alguns cartazes que reivindicavam o retorno dos exilados e banidos pelo poder discricionário da ditadura reproduziam a foto de um jovem mochileiro pedindo carona, com o dístico: “Não permita Deus que eu morra/sem que volte para lá”. A epígrafe do poema, que cita fragmentos da canção de Goethe: “Kennst du das Land, wo die Zitronen blühn/ Im dunkeln Laub die Goldorangen glühn/ (…) Kennst du es wohl?/ (…) Dahin, dahin/ Möcht ich (…) ziehn”. “Conheces a terra onde florescem os limoeiros/ e as laranjas áureas brilham entre as folhas e os nevoeiros?/ (…) Conheces bem?/ Para lá, firme/ (…) Eu quero ir-me”. O poema de Goethe é uma súmula romântica, falando de uma velha casa, de altas montanhas enevoadas, de dragões e trilhas, além do incontido amor da jovem Mignon pelo protagonista Wilhelm Meister. Gonçalves Dias aproveitou umas poucas linhas na sua epígrafe. REVISTA DO BRASIL
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curtaessadica
Por Xandra Stefanel
Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar
Cena de As Sufragistas
… e na música
Feminismo no cinema… Repressão, salários mais baixos, desemprego, assédio sexual, discriminação... Mesmo nos países ditos desenvolvidos, muita lágrima e sangue foram derramados até que as mulheres conquistassem direitos básicos. O filme As Sufragistas, de Sarah Gavron, que estreou no final de dezembro, apresenta a luta de militantes feministas no início do século 20, na Inglaterra, pelo direito ao voto. Baseada em acontecimentos reais, a história é contada a partir da personagem fictícia Maud Watts (Carey Mulligan), que trabalha em péssimas condições em uma lavanderia de Londres. Até então, as mulheres protestavam e resistiam pacificamente às opressões da polícia e do Estado, mas como não viam nenhum avanço em direção aos seus direitos, a líder do movimento Emmeline Pankhurst (na participação-relâmpago de Meryl Streep) propõe que as ações de desobediência civil sejam mais efetivas.
Menos de um mês depois de a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara aprovar o Projeto de Lei (PL) 5.069, de autoria de Eduardo Cunha, que dificulta e limita o atendimento a vítimas de aborto, a cantora Clarice Falcão lançou o clipe Survivors (“sobreviventes”, em inglês). A letra da música conta como a vida de uma mulher ficou melhor depois do fim de um relacionamento abusivo. O clipe é inspirado no vídeo Não Tira o Batom Vermelho, da vlogueira Jout Jout. A versão brasileira do grupo Destiny’s Child mostra várias mulheres passando batom vermelho do jeito que bem querem. Survivors, disponível no canal de Clarice Falcão no YouTube (https://www.youtube. com/user/falcaoclarice) deve fazer parte do álbum Problema Meu, que tem previsão de lançamento no início deste ano.
A exposição AquiAfrica, em cartaz até 28 de fevereiro no Sesc Belenzinho, em São Paulo, reúne pinturas, fotos, desenhos, esculturas, vídeos e instalações sobre a África contemporânea. Treze artistas de diferentes gerações e vindos de 11 países da África Subsaariana abordam questões como imigração, xenofobia, consumo desenfreado, tradições culturais e os sistemas de poder vigentes naquele continente. Um dos destaques é a instalação Estrada para o Exílio, do camaronense Barthélémy Toguo. A obra é um barco de aproximadamente 8 metros que flutua sobre um mar de garrafas PET e que remete às embarcações de imigrantes que se arriscam no mar em busca de refúgio em outros países. De terça a sexta, das 13h às 21h, aos sábados, domingos e feriados, das 11h às 19h, na Rua Padre Adelino, 1.000, (11) 2076-9700. Grátis. 32
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CHERI SAMBA - “O COMUM DOS POLÍTICOS”, 2002
Arte africana
Passado e futuro
KUDZANAI CHIURAI - “MINISTRO DA EDUCAÇÃO”, 2009
J.D. ‘OKHAI OJEIKERE - “LE GOGORO OR AKABA”, 2008
A exposição Por Debaixo do Pano, da fotógrafa Nair Benedicto, apresenta 117 imagens que propõem uma reflexão sobre tribos indígenas, manifestações populares e desigualdade social. Em cartaz até 7 de fevereiro na Casa da Imagem e Solar da Marquesa de Santos, a mostra também apresenta dois registros audiovisuais feitos na década de 1980 pela agência F/4, que Nair assina como correalizadora, ao lado do Grupo Maria Bonita. Os vídeos Não Quero Ser a Próxima e O Prazer é Nosso abordam a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira. A curadoria é de Diógenes Moura. De terça a domingo, das 9h às 17h, na Rua Roberto Simonsen, 136-B, ao lado do Pátio do Colégio, em São Paulo, (11) 3241-4238. Grátis.
Foram 38 anos de carreira, 11 álbuns gravados e cinco prêmios Sharp. Este é o saldo da trajetória da dupla Pena Branca e Xavantinho, que acaba de ganhar livro escrito pelas jornalistas Eliana Pace e Sonnia Mateu. Pena Branca e Xavantinho – Cult para Sempre (Barbosa Lima Editores) documenta a importância da obra da dupla caipira para a música brasileira e evidencia como o talento, a percepção, as emoções e ideias deles contribuíram para a disseminação da verdadeira cultura de raiz. Além da história da dupla, o texto também traz depoimentos de Milton Nascimento, Chico Buarque, Ivan Lins, Caetano Veloso, Rolando Boldrin, Daniel, Almir Sater, Renato Teixeira, Sérgio Reis, Zuza Homem de Mello e Ivan Vilela, entre outros. À venda no site www.barbosalimaeditores.com.br. R$ 50.
OMAR BA - “AFRICA NOW”, 2015
Indios Arara
NAIR BENEDICTO
Genuinamente brasileira
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Chega de bola fora Ex-jogadores vão à sede da CBF protestar e pedir a renúncia definitiva do atual presidente, que está licenciado. O antecessor continua preso. Bom Senso pede democracia na gestão do futebol
FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO
NOVO COMANDO Manifestação na porta da CBF: “vergonha nacional e mundial”
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om um ex-presidente preso, outro "escondido" nos Estados Unidos e o atual licenciado, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tem sido objeto de questionamentos crescentes, a exemplo do que acontece em outros países, com cartolas no alvo de investigações por corrupção. No final de 2015, o Bom Senso, coletivo organizado por atletas e ex-atletas profissionais, fez uma manifestação diante da sede da entidade, no Rio de Janeiro, para pedir mudanças – basicamente, democracia na gestão do esporte. "Exigimos a renúncia definitiva de Marco Polo Del Nero e sua diretoria, seguida da convocação de eleições livres e democráticas para o comando da CBF, sem a atual cláusula de barreira, mecanismo que impede a aparição de posições independentes ao sistema vigente, pois exige oito assinaturas de federações e mais cinco de clubes para candidaturas", afirmaram os manifestantes em documento. "O mais importante é quebrar esse sis34
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tema e partir do zero", afirmou o ex-jogador Raí. "O manifesto é público, não necessita de entrega. Esperamos que a resposta também seja pública." Para o Bom Senso, a sucessão na CBF (depois de Ricardo Teixeira, vieram José Maria Marin e Marco Polo Del Nero) se baseou em um estatuto "viciado", feito para o mesmo grupo se perpetuar no poder. Os atletas acreditam que só com profundas mudanças na estrutura da entidade poderão ser criadas as condições “para a reconstrução da credibilidade, confiança e retomada do protagonismo esportivo do futebol brasileiro, de seus jogadores, da alegria do jogo e, principalmente, dos torcedores”. Em uma CPI no Congresso, em dezembro, Del Nero disse ser inocente e que só se licenciou para poder se defender das acusações. Signatário do manifesto, o ex-jogador e colunista Tostão chamou a CBF de “vergonha nacional e mundial” e pediu união dos clubes em torno de uma liga nacional, para abandonar “as promíscuas amarras” e mudar a “estrutura da entidade e do futebol”.
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