Revista do Brasil nº 118

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A VIDA COMO ELA É Professora encontrou no funk um ritmo para ensinar História

DE ÍNDIO PARA TODOS Rádio Yandê propaga cultura indígena na internet

nº 118 junho/2016 www.redebrasilatual.com.br

O POVO CONTRA O PREDADOR Governo interino quer bajular o mercado, mexer em programas sociais e em direitos dos trabalhadores. População reage


RESPEITO À DEMOCRACIA

ASSISTA AO SEU JORNAL DAS 19H15 ÀS 20H, DE SEGUNDA A SÁBADO

Notícias, reportagens, entrevistas, colunistas no Brasil e no mundo, dicas, cultura e mundo do trabalho com o olhar da democracia e do desenvolvimento econômico com inclusão social

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Canal 46: Mogi das Cruzes

Canal 2 Net: São Paulo (das 19h às 20h30)

Canal 12 Net: Grande ABCD

No site: tvt.org.br Satélite C3, frequência 3851, symbol rate 6247, vertical: em todo o Brasil


ÍNDICE

EDITORIAL

10. Economia

Agenda do governo provisório transfere renda aos mais ricos

14. Cidadania

Desmonte de programas é uma ponte para o século passado

19. Política

JANAINA CÉSAR/OPERA MUNDI

Gestão temerária e reação popular põem em xeque o impeachment

24. Entrevista

Marcia Tiburi e a cultura de tolerância à violência do macho

26. Mundo

Trabalhadores se levantam contra ataques a direitos. Na França

28. Trabalho

Ao desalento, movimento

Mercado de construção civil à beira de um baque olímpico

32. Ambiente

O avanço sobre a legislação que protege a terra dos devastadores

36. Mobilidade

Bicicleta dinamiza o espaço público, e também o mercado

42. Atitude

No ritmo dos alunos, professora dá aula de como ensinar História

44. Cidadania

Via internet, a Rádio Yandê dá voz às culturas indígenas

Seções Cartas 4 Na Rede

Volta, democracia: brasileiros realizam protesto contra o governo interino em Roma

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A política, por Mauro Santayana 8 A mídia, por Lalo Leal

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O retrocesso, por Emir Sader

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Curta essa dica

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Crônica – Mouzar Benedito

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o momento em que esta edição era concluída, brasileiros eram escrachados pelos poderes da República. O governo interino mobilizava empresários (e financiadores de campanhas) para conter a reação social a suas primeiras semanas de maldades. O Conselho de Ética da Câmara se via às voltas com a impunidade de Eduardo Cunha. O Senado, com vários suspeitos de crimes sob investigação, entre eles o presidente da Casa, o líder de governo interino e o candidato derrotado na eleição presidencial passada, conduzia a fase do impeachment contra uma presidenta sem crime. Agora com a possibilidade real de muitos mudarem de voto no julgamento derradeiro, previsto para agosto. Alguns honestamente preocupados com sua reputação e sua história. Outros barganhando o preço de seu apoio ao afastamento definitivo de Dilma Rousseff. No Judiciário, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes lamentava o constrangimento da Corte por vazamentos de informações sigilosas contra c­aciques do golpe – como se não fosse todo esse estado de coisas fruto de dezenas de vazamentos seletivos nos últimos anos. E na imprensa comercial, o quarto poder prosseguia a onda de manchetes e “reportagens” com os fins de dar um ar republicano ao processo ilegítimo que humilhou o país, de disseminar o descrédito e o ódio à política e de semear o terreno para os próximos “salvadores” da pátria. Em 1964, vestiam fardas. Hoje, a toga. O festival de hipocrisias põe o país em transe. O descrédito na política divide a sociedade. Leva parte dela a sentimentos que vão do desalento ao ódio. Outra parte faz barulho para mostrar que por trás desse cenário surrealista estão ataques a direitos conquistados com lutas, de muitas gerações. Do direito a um prato de comida e a pôr filhos na escola ao direito de voto, passando por todos os avanços sociais em busca do trabalho decente e da cidadania. Essa parte da sociedade faz a batalha pela restauração da democracia. Ocupa ruas, locais de trabalho, poderes e espaços públicos para fazer o embate político. Nas redes e com os poucos meios com que pode contar, faz o contraponto à linha de montagem da indústria tradicional de informação. É deste lado que está, há dez anos completados neste 12 de junho, esta Revista do Brasil. Graças ao suor de muitos trabalhadores, ao profissionalismo de outros e à energia de todos por almejar um mundo mais democrático, civilizado e humano. A luta continua. REVISTA DO BRASIL

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CARTAS Mauro Santayana Brilhante artigo, sério e contundente. ­Parabéns pela coragem. Ao governo, cabe uma autocrítica. Será que vira? (“O que fazer com o fascismo”, ed. 117) Airton Mendes

www.redebrasilatual.com.br Coordenação de planejamento editorial Paulo Salvador e Valter Sanches Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Eduardo Maretti, Fábio M. Michel, Gabriel Valery, Helder Lima, Hylda Cavalcanti, Rodrigo Gomes e Sarah Fernandes Arte Leandro Siman Iconografia Sônia Oddi Capa Lula Marques/Agência PT (Temer) Paulo Pinto/Agencia PT (fundo) Priscilla Vilariño/RBA (professora) Toninho Tavares/Agência Brasília (Rádio Yandê) Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328 8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 (Carla Gallani) Impressão Bangraf (11) 2940 6400 Simetal (11) 4341 5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Tiragem 120 mil exemplares

Conselho diretivo Adriana Magalhães, Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Arcângelo Eustáquio Torres Queiroz, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Douglas Izzo, Edgar da Cunha Generoso, Edmar da Silva Feliciano, Eliana Brasil Campos, Eric Nilson, Fabiano Paulo da Silva Jr., Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Gervásio Foganholi, Glaucus José Bastos Lima, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, João Carlos de Rosis, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Raimundo Suzart, Raul Heller, Roberto von der Osten, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Rafael Marques Diretores financeiros Rita Berlofa Moisés Selerges Júnior

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Golpe anunciado Final do ano passado estranhei um fato. Encontrei um senhor em Guarulhos e o indaguei: “Senador em pleno recesso o senhor indo a Brasília”. Ele sem graça balbuciou que tinha trabalho a fazer. Hoje sei qual era. É o hoje ministro José Serra. (“­País enganado e humilhado”, ed. 117) Ciccero Klims Se o povo não reagir contra tudo isso que está ocorrendo é porque realmente merece este inferno. Não é possível engolir tanta maldição. Se não reagirmos contra esta imundície que está assumindo o país, não nos levantaremos jamais. É inacreditável. (“País enganado e humilhado”, ed. 117) Adansil da Selva

A busca de unidade Devemos ir para cima de senadores das regiões onde Dilma venceu largamente as eleições de 2014, pois terão de justificar seus votos, perante seus eleitores locais, com o risco de não se reelegerem nem elegerem seus afilhados já durante as próximas eleições municipais. Quem viver verá. (“São demais os perigos”, ed. 177) Astro Leal

Bens históricos O Rio de Janeiro possui os gestores mais desonestos e incompetentes da federação. Além de ser o estado mais aquinhoado nos últimos 15 anos com pesadas políticas públicas do governo Federal, Pan, Copa do Mundo e agora Jogos Olímpicos e suas obras. Possui uma cadeia de turismo das mais rentáveis, petróleo e derivados, indústrias etc. Quebram esse estado e ainda querem ditar regras para o resto do Brasil. Pobre Rio. (“Déficit cultural”, ed. 117) Sérgio Rodrigues Cadê a classe artística, a turma que foi para a rua, que invadiu órgãos públicos em defesa do Ministério da Cultura? Onde estão os que protestaram para que não acabasse o cabide de empregos? Alguém aí se manifesta: Marieta Severo, Chico Buarque, Fernanda Montenegro, José de Abreu, a turma do tapete vermelho de Cannes? Ou isso aqui não é cultura? Por favor, alguém se manifeste. (“Déficit cultural”, ed. 117) Karinali Alverina

Lalo Leal Há de se democratizar a mídia no Brasil. Caso contrário a nossa “democracia” estará sempre vulnerável aos interesses da família Marinho e de outros três ou quatro grupos que controlam a comunicação no país. (“O jornalismo vive”, ed. 116) Dirceu Cateck

Correções A reportagem “Déficit cultural” (ed. 117), sobre a situação de pelo menos 40 bens históricos em abandono no estado do Rio de Janeiro, comete um erro ao informar que o Convento do Carmo, na Praça XV, foi construído por dom João VI. O prédio teve construção iniciada em 1619, passou por várias reformas na era colonial e foi confiscado por dom João VI em 1808 para alojar sua mãe, Maria I. Em seguida, seria o embrião da Biblioteca Nacional ao receber os primeiros livros vindos da corte portuguesa. A foto dos estudantes na Assembléia Legislativa de São Paulo, publicada em miniatura na capa da edição nº 117 foi creditada incorretamente. A autoria é de Yuri Salvador/UNE

carta@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para o seguinte endereço: Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que a mensagem venha acompanhada de nome completo, telefone e e-mail.


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Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook

ROBERTO PARIZOTTI/ CUT

REVISTA FÓRUM

Fernando Morais rasga em público a sua ficha de filiação ao PMDB

Grito pela democracia “Acabou!”, exclamou o jornalista e escritor Fernando Morais, ao rasgar em público a sua ficha de filiação ao PMDB. Morais revelou que sua adesão foi abonada em 1974 pelo ex-deputado Aírton Soares. “Na ditadura, militávamos numa legenda democrática, generosa, que deu proteção a grupos políticos”, afirmou. A manifestação aconteceu durante o evento Grito pela Democracia, que lotou em 21 de maio o auditório da Casa de Portugal, no bairro da Liberdade, em São Paulo. O também jornalista Audálio Dantas, 86 anos, presidente do sindicato e da federação nacional da categoria nos anos 1970 e ex-deputado federal, também anunciou sua desfiliação do partido, que segundo ele já foi “uma frente democrática e de luta”. Entre 1964 e 1980, a ditadura impôs ao Brasil regime de bipartidarismo. A Arena reunia os apoiadores do regime, e o MDB funcionava como uma frente, abrigando de conservadores liberais a militantes de partidos clandestinos. Hoje, é sinônimo de fisiologia e protagonista do golpe. bit.ly/rba_adeus_pmdb

Bola fora da vez

YOUTUBE

YOUTUBE.COM

Trajano: Gentili foi descuido de uma produção alienada

Ao vivo na ESPN, o jornalista José Trajano declarou solidariedade às mulheres, especialmente às vítimas de estupro no Brasil e apoio à campanha pelo fim da “cultura do estupro”. Em seguida, protestou contra a própria emissora por ter levado, dias antes, o humorista Danilo Gentili para participar de gravação do programa de entrevistas Bola da Vez, como convidado. Trajano se disse indignado “porque o canal abrigou um personagem engraçadinho, que se porta como um sujeito que faz apologia do estupro em nome do humor, dizendo que no humor cabe tudo”. Segundo Trajano, diretor de jornalismo da emissora por 17 anos, até 2012, Gentili foi chamado “por descuido da produção, uma produção alienada e não comprometida com o que acontece no país”. bit.ly/rba-gentilli REVISTA DO BRASIL

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Em meio a dificuldades em encontrar terminais de carga de bilhete do transporte coletivo, passageiros da cidade de São Paulo já podem efetuar a recarga no interior dos ônibus municipais. As máquinas foram instaladas em 334 veículos articulados, e a previsão é de que até o final do ano os 14.700 que compõem a frota municipal contem com o novo terminal. O usuário deve fazer a compra de crédito pelos meios eletrônicos disponíveis, como aplicativos para celular e a loja virtual da São Paulo Transporte (SPTrans). Estudantes que possuem passe livre também poderão usar os novos equipamentos. Atualmente, 94% das passagens são pagas com o Bilhete Único. bit.ly/rba_na_catraca

A droga do antibiótico

A resistência aos antibióticos poderá matar em 2050 mais 10 milhões de pessoas por ano, ou seja, uma pessoa em cada três segundos, informa estudo patrocinado pelo governo britânico e divulgado em Londres em maio. O economista Jim O’Neill destacou a necessidade de ações urgentes para evitar que a medicina preventiva regresse à Idade Média. “É preciso que isso se torne uma prioridade para todos os chefes de Estado.” O relatório apela à mudança drástica na maneira de utilizar os antibióticos, cujo consumo excessivo e a má utilização favorecem a resistência das chamadas superbactérias. A resistência acontece quando uma bactéria evolui e se torna resistente às substâncias utilizadas para tratar infecções. bit.ly/rba_antibioticos 6

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Cumplicidade médica

Caco Barcellos: “A Rota, quando mata, esconde o cadáver no hospital”

Durante evento promovido em 2 de junho pela Comissão da Memória e Verdade da prefeitura de São Paulo, o jornalista Caco Barcellos afirmou que a descoberta em 1990 da vala clandestina no cemitério de Perus, região noroeste da capital paulista, foi desdobramento de investigações que fez durante sete anos sobre crimes da Polícia Militar. “São crimes contra negros e pobres e não damos a mesma importância”, disse o jornalista. “A Rota, quando mata, esconde o cadáver no hospital”, observou, ao comentar que se impressiona com o fato de os médicos aceitarem até hoje que hospitais sejam usados para esse fim. A prática tem a justificativa de prestar socorro à vítima, mas na verdade visa a esconder as provas da cena do crime. “Não é gesto humanitário, mas um ato perverso”, comentou o autor de Rota 66 – A História da Polícia que Mata (1992). Um dos objetivos da comissão é a identificação das ossadas de Perus – 1.049 ossadas de adultos e cerca de 500 restos mortais de crianças menores de 10 anos. bit.ly/rba_caco_barcellos

Cumplicidade judicial O tema do encontro era o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em outubro do ano passado, mas o alvo principal foi o Poder Judiciário e sua postura em relação aos crimes cometidos durante a ditadura. “Não se trata apenas de acusar o Executivo, o Legislativo, os políticos. Trata-se de acusar o Judiciário de cúmplice de crimes contra a humanidade”, afirmou o jurista Fábio Konder Comparato, também à Comissão da Memória e Verdade da prefeitura paulistana, em 3 de junho. A referência era ao julgamento da Lei da Anistia pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010, cuja contestação apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) até hoje não foi apreciada. Ustra é acusado da morte de aproximadamente 60 pessoas no DOI-Codi paulista. Procuradores da República tentaram abrir processo contra o coronel, mas nesse e em outros casos juízes federais rejeitaram as denúncias alegando a existência da Lei da Anistia. bit.ly/rba_ustra_impune

ANDRÉ BUENO/CMSP

CÉSAR OGATA/PREFEITURA DE S. PAULO

Carga no bilhete


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O número de alunos que pedem formalmente para usar o nome social nas escolas da rede pública paulista está aumentando. No ano passado, foram 44 solicitações, e em 2016 já são 290 pedidos, segundo a Secretaria da Educação. Uma lei estadual, aprovada em 2015, garante a pessoas transgêneras, transexuais e travestis serem tratadas pelo nome escolhido, que deve constar na lista de chamada, no boletim e na carteirinha escolar. Vitória Faria, que nasceu em um corpo de menino, mas se identifica como mulher, comemorou. “Me sinto motivada, mais protegida”, diz. Sua coordenadora pedagógica também considerou a experiência produtiva para toda a comunidade escolar nos gestos solidários e no enfrentamento do preconceito. bit.ly/rba_trans

TVT.ORG.BR

Meu nome é Vitória

BETO OLIVEIRA/CÂMARA DOS DEPUTADOS

ANTONIO AUGUSTO/CÂMARA DOS DEPUTADOS

Força e UGT: juntas?

Patah e Paulinho: unificação é possível, mas ainda não tem data

Uma ensaiada unificação entre Força Sindical e UGT, segunda e terceira maiores centrais pelo critério oficial de representatividade, tem ingredientes políticos e inclui insatisfação com a atuação do Ministério do Trabalho no governo Dilma. Pela Lei 11.648, de 2008, as centrais passaram a ser formalmente reconhecidas na estrutura sindical, desde que cumpram uma série de requisitos – um deles é o mínimo de 7% de sindicalizados. Atualmente, são seis entidades reconhecidas: CUT, Força, UGT, CTB, Nova Central e CSB. O presidente da Força, deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, diz não ter nada contra discutir, “mas não é de um dia para o outro”. A UGT tem raízes na Força e foi formada a partir da unificação de outras três centrais (CAT, CGT e SDS). Seu presidente, Ricardo Patah, comanda o Sindicato dos Comerciários de São Paulo e é filiado ao PSD, de Gilberto Kassab, que aderiu ao governo interino poucos dias antes da votação da abertura de processo contra Dilma. Paulinho preside o Solidariedade, e trabalha pelo impeachment desde sempre. As centrais, porém, não têm posição oficial. bit.ly/rba_forca_ugt REVISTA DO BRASIL

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MAURO SANTAYANA

O grande golpe depois da curva

O processo contra Dilma é apenas um passo na direção de um golpe maior dos inimigos da democracia e da liberdade, que tentam promover a chegada do fascismo aos cargos mais altos da República

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direita trabalha agora no sentido de alcançar a aprovação e a conclusão definitiva do processo de impeachment da presidenta da República. A frente formada com esse intuito é ampla, reúne a mídia parcial e conservadora, a parte mais corrupta e fisiológica do Congresso, setores do Ministério Público,­ do STF, da Polícia Federal e do Judiciário contra o PT e a esquerda nacionalista. Apesar das dificuldades vividas pelo governo interino, o processo não será fácil de ser revertido. Não tendo sabido enfrentar, de forma organizada e decidida – a começar pela internet –, os ataques que vinha sofrendo desde 2013; não tendo estabelecido um discurso abrangente que defendesse minimamente suas conquistas, que ocorreram, sim, em importantes momentos dos últimos 13 anos; tendo cometido erros grosseiros do ponto de vista estratégico, político e eleitoral, o que resta ao PT e aos grupos que o apoiam é parar de se equivocar, de serem pautados pelas circunstâncias e pela imprensa adversária, e entender o que realmente ocorre com o país neste momento. Manter a realização de protestos isolados e constantes contra o governo Temer – acusando-o de golpista – pode ser um exercício retórico, e uma forma de fugir do imobilismo, mas essa abordagem não deve ser a única, nem a principal, nem ser levada às últimas consequências, porque pode conduzir a graves equívocos dos pontos de vista tático e histórico. Não se discute a questão da legitimidade do voto. Mas é rasteira simplificação – que colabora com os conspiradores ocultos, muitíssimo mais perigosos – de dizer que o golpe partiu do PMDB, como se ele tivesse nascido quando a legenda abandonou o governo Dilma. Dizer que quem compõe o governo interino é corrupto é outra simplificação que também não resolve, nem agora, nem a médio prazo, o problema. Por um lado, porque reproduz em parte o discurso adversário, minimizando o fato de que muitos dos que estão sendo investigados pela Operação Lava Jato à direita estão sendo processados com as mesmas justificativas e argumentos espúrios usados para justificar acusações e as investigações lançadas contra membros do próprio PT. Por outro lado, porque quem compõe o governo são, com exceção do PSDB e do DEM, basicamente as mesmas forças que estiveram durante tantos anos nos governos do PT, não por afinidade política, mas 8

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porque é assim que se estabelece o equilíbrio de governabilidade possível em um regime típico de presidencialismo de coalizão. Seguindo esse raciocínio, por mais que seja difícil para alguns admitir isso, a mesma miríade de pequenos partidos e legendas de aluguel que apoia hoje Michel Temer, faz parte de seu governo e está sendo atacada pelo PT pode vir a ter de ser, amanhã, cooptada­ de volta por Dilma para compor seu ministério, caso ela retorne ao poder. O próprio presidente do PT, Rui Falcão, já admitiu que não fará nada para evitar que o partido se alie ao PMDB nas eleições municipais deste ano. Portanto, devagar com o andor. É preciso cautela, para não parecer hipócrita, na mesma linha de leviandade usada pela direita contra a esquerda – e pela extrema-direita contra a política de modo geral, tendo a democracia e a liberdade como alvos finais dessa linha de atuação. Na tentativa de atingir seus adversários, a esquerda não pode cair no mesmo erro –aproveitado com deleite pelos fascistas –, na tentação e na esparrela da criminalização da política. Mesmo quando atacada hipócrita e injustamente. Pois corre o risco de legitimar a Operação Lava Jato, o discurso da mídia – muito mais importantes e deletérios do que o PMDB, no processo de golpe que estamos vivendo – e de se equiparar a quem o defende, diante da história e da população. Vamos ser francos – mesmo que as conversas tenham sido propositadamente gravadas e conduzidas para ser usadas como habeas corpus por um dos interlocutores –, os diálogos entre o ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado e autoridades como Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney não podem ser rotulados com o mesmo grau de subjetividade dirigida com que se julgaram e disseminaram outros diálogos gravados com a mesma intenção, e divulgados fora de contexto, como os de Delcídio do Amaral. Ao dizer que a Lava Jato representou uma sangria, por exemplo, o senador Romero Jucá diz não mais que o óbvio. A sangria em empregos, em interrupção de negócios, em sucateamento de obras e projetos, em desvalorização de ações e ativos, em contratos interrompidos, em prejuízos institucionais e contábeis para as empresas acusadas, com terríveis resultados para o país, em termos estratégicos, de defesa, energia e infraestrutura, e para milhares de empregados e acionistas, é evidente e redundante. Da mesma forma que dizer que era preciso costurar um diá­


MARYANNA OLIVEIRA/ CÂMARA DOS DEPUTADOS

ALIADOS Cunha e João Roberto Marinho, da Globo: o processo de impeachment é um golpe jurídicomidiático, mas ele representa apenas um passo, mais uma etapa, para a deflagração de um golpe maior contra a Nação, que levará à derrocada da democracia no Brasil

logo nacional para analisar o assunto, com a participação do próprio STF, a quem cabe corrigir eventuais desvios e ações polêmicas – principalmente no âmbito jurídico –, colidentes com o texto constitucional, seria uma afirmação consequente, lógica, e, no correr da conversa, óbvia e ululante. Ou será que a Lava Jato não poderia ter investigado e condenado os corruptos efetivamente identificados, com dinheiro em contas no exterior, como Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró e Renato Duque, sem precisar destruir algumas das maiores empresas de engenharia do país? Ou sem atrasar e prejudicar tantos projetos e programas de interesse nacional, colocando no mesmo balaio de gatos gente que se locupletou pessoalmente, gastando acintosamente o dinheiro roubado à nação, e funcionários de partidos que obtiveram doações eleitorais registradas, à época, como rigorosamente normais e legais? Soltando os primeiros e encarcerando os segundos? A Lava Jato pode ter tido, indiretamente, alguma influência positiva, sobretudo na identificação do fato de que não existem corrompidos no setor público se não houver os corruptores no âmbito privado. Ou seja, a corrupção, antes de doença política, é do mundo dos negócios que tenta se apropriar dela. Mas o que está ocorrendo é que direita, centro e esquerda estão cometendo o erro primário de não entender que o que se está enfrentando é um grupo de forças que se opõem à própria atividade política, por princípio. E que ao se digladiarem fora do cam-

po das ideias não estão fazendo mais do que favorecer os inimigos da liberdade, saudosos do autoritarismo, que se aproveitam das falhas normais de um regime – que, como diria Churchill, não é perfeito, mas é o melhor que se conhece –, para jogar a população contra a democracia e promover e preparar, diligente e coordenadamente, a chegada do fascismo aos cargos mais altos da República. O processo de impeachment é um golpe jurídico-midiático, mas ele representa apenas um passo, mais uma etapa, para a deflagração de um golpe maior contra a Nação, que levará à derrocada da democracia no Brasil, à aprovação de leis que lembram os nazistas, como a exigência de diploma superior para ministros e presidente, fim do voto obrigatório, volta do escrutínio manual, cassação de registros de partidos políticos, repressão ao trabalho de educadores na sala de aula, criminalização dos movimentos populares e até do comunismo – conforme propostas recentemente encaminhadas à apreciação do Congresso Nacional. Some-se a isso a eventual chegada de um candidato de extrema-direita ao poder (há pelo menos dois sendo promovidos pela imprensa), ou a consolidação de uma massa de votos que seja suficiente para transformá-la na terceira força política do país, capaz de decidir, com o seu peso, o resultado do segundo turno das eleições de 2018. E dá para ter uma ideia concreta do que espera a Nação – se não houver urgente correção de rumo – depois da curva. REVISTA DO BRASIL

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ECONOMIA MARCELO CAMARGO/ AGÊNCIA BRASIL

A LEI DO MERCADO Para o ministro Henrique Meirelles, educação e saúde são despesas a serem controladas

O Estado na contramão Soma de arrocho salarial, redução do Estado, sequestro do orçamento e cortes em programas sociais resultará em crescimento da desigualdade e em transferência de renda para o andar de cima Por Vitor Nuzzi 10

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e é verdade que o diabo mora nos detalhes, o governo interino já forneceu alguns sinais de mudança não só de rota, mas de concepção. Tirou, por exemplo, a palavra “desenvolvimento” de um de seus ministérios estratégicos, o da Indústria e Comércio Exterior, acrescido de “serviços”. E em meio a uma severa crise no mercado de trabalho, nomeou para o Banco Central um economista que, refletindo uma ideia corrente em certa linha de pensamento, defende que um pouco de desemprego não é ruim para a economia. Nas medidas econômicas anunciadas pouco depois da “posse”, não trouxe tanta novidade, adotando um programa de austeridade já implementado em outros países e com resultados

perversos em termos sociais. Depois da divulgação do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre, feita em 1º de junho pelo IBGE, o Ministério da Fazenda saiu a público para dizer que a “implementação intempestiva” das iniciativas anunciadas pelo governo deve iniciar o processo de recuperação da economia “nos próximos trimestres”. Basicamente, o programa econômico se fundamenta em controle de gastos, ou “controle rígido e rigoroso da despesa”, como afirmou o ministro Henrique Meirelles, que inclui nesse rigor setores diretamente ligados à área social, como ­educação e saúde. Medidas dessa natureza levarão não só a uma recessão econômica, mas social, avalia o professor João Sicsú, do Instituto


ECONOMIA

ESTRANGULAMENTO A nova equipe econômica propõe que o BNDES, agente financeiro de desenvolvimento do país, repasse ao Tesouro R$ 100 bilhões até 2018

ASCOM/BNDES

Mantra

de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E revelam intenções e pensamentos do governo de plantão. “O Estado tem de estar mais presente em momentos de dificuldade. Aqui, a

situação é invertida. O Estado se retira, e o setor privado também”, aponta. “Além de não ampliar os gastos sociais, como já vinha sendo feito no governo Dilma, agora estão tentando comprimir os gastos.”

O economista e consultor Antonio Corrêa de Lacerda, professor da ­Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, concorda. “Hoje, esse discurso da austeridade vai na contramão das experiên­cias históricas. É nas crises que o Estado tem de gastar”, afirma. Para ele, o governo Temer adotou o “mantra” do ajuste fiscal como solução para todos os problemas. E repete um erro já feito pelo ministro Joaquim Levy, no início do segundo mandato de Dilma Rousseff: fazer ajuste com a economia em baixa. Mas é um ajuste que pega uns e não outros, observa o professor Denis ­Maracci Gimenez, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit) da mesma instituição. Com o governo interino, reduz-se, sim, o papel do Estado – nas áreas de proteção social. “E mantém muito forte onde há uma maciça transferência de recursos públicos para o setor financeiro. Esse é o arranjo.” Para ele, nenhuma das medidas anunciadas pelo governo é capaz de recuperar a economia ou garantir um sistema de proteção. Pelo contrário: “Apontam crescente fragilização de políticas públicas, num quadro de estagnação”. Se a ideia fosse de fato recuperar a economia, não se começaria por reformas da Previdência Social ou da legislação trabalhista, mas por uma discussão de uma estratégia nacional de desenvolvimento, envolvendo bancos públicos e o setor privado, na busca da recuperação do investimento. O governo, porém, acena com reformas. O próprio ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou em entrevista à agência de notícias Reuters que depois da Previdência o objetivo é mirar na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “Eu não sei se aprova até o final do ano, mas a ideia é aprovar as duas até o final do ano para entrar no ano novo com uma nova perspectiva”, declarou. Entidades empresariais, que em bom número apoiaram a mudança de governo, fazem pressão para implementar a sempre pedida flexibilização da leis trabalhistas, como “solução” para o proREVISTA DO BRASIL

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ECONOMIA

blema do desemprego. O professor da Unicamp contesta: “Não há evidência empírica de que medidas de flexibilização do mercado de trabalho gerem emprego ou conduzam à recuperação da atividade econômica”, diz. “Neste momento, só aumentaria a falta de proteção social e debilitaria ainda mais a capacidade de arredacação fiscal.” Ele receia que as ações deste governo aprofundem as dificuldades, que não são recentes. “Nos últimos dois anos, o país entrou em uma situação de estagnação, e isso coloca em risco os avanços sociais da última década. Não estão sob ameaça, estão indo embora, concretamente.” É o que ocorre, por exemplo, no mercado de trabalho, que sofre “uma deterioração muito rápida, muito intensa, e vai prosseguir ao longo do ano”.

NA MIRA Novo presidente da Petrobras já disse que é a favor de mudanças na lei do pré-sal, como propôs Serra, em favor de interesses internacionais

Juros

Ao falar em controle de gasto público, o governo não menciona a verdadeira sangria de recursos: os juros. “O que vem degradando as finanças públicas mui-

O diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, vê na crise atual um pretexto para jogar a conta “nas costas do trabalhador”. Seja para afirmar que ele é responsável pelo desemprego, por falta de qualificação, ou para dizer que o movimento sindical não ajuda na busca de alternativas, recusando-se a aceitar a chamada flexibilização. “O emprego é resultado da dinâmica econômica”, afirmou, durante debate que reuniu as centrais sindicais justamente para debater a situação do mercado de trabalho. Em abril, a taxa nacional de desemprego atingiu recorde de 11,2%, com estimativa de 11,4 milhões de desempregados, segundo o IBGE. Ele lembrou que no final de 2015 centrais e entidades empresariais aprovaram um Compromisso pelo Desenvolvimento, com sete 12

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diretrizes para retomada da economia. O documento lista itens como recuperação do setor da construção civil, afetado pela Operação Lava Jato – “Estamos acabando com um dos setores estratégicos da economia brasileira” –, da capacidade de investimento do Estado e do crédito para empresas e famílias, além de políticas de promoção e proteção ao emprego. “Não é um problema de curta duração. Levaremos alguns anos para recuperar o nível de emprego de dois anos atrás”, observa Clemente. “O diálogo é o melhor caminho.” Em documento recente, o Dieese lembra que a agenda de austeridade adotada ainda no final de 2014, antes da posse do governo Dilma, esteve longe de responder satisfatoriamente ao desafio de fazer a economia crescer e o emprego se recuperar.

DÊNIO SIMÕES/AGÊNCIA BRASÍLIA

A culpa é do desempregado

ESTRATÉGICO O país precisa recuperar o setor da construção civil, afetado pela Operação Lava Jato


STEFERSON FARIA/AGÊNCIA PETROBRAS

ECONOMIA

to rapidamente é a política monetária”, diz o economista da Unicamp. “Não há nenhum motivo que impeça a redução da taxa de juros”, afirma, lembrando que com a tendência de inflação menor, o juro real aumenta. “Essa taxa está muito acima do nível de equilíbrio”, acrescenta o professor Lacerda.­Isso dificulta também uma eventual recuperação da indústria, que atualmente convive com um câmbio mais realista. “Mas é preciso ter uma sinalização clara de que essa taxa (cambial) se manterá. O câmbio não para de pé sem seu coirmão, que é a taxa de juros.” Segundo ele, o “ajuste” já começou a ser feito – via desemprego. “E todas as sinalizações são de redução dos benefícios, o que denota uma visão conservadora da economia, sem a visão do papel multiplicador do investimento público. Está no DNA. Buscam atacar os falsos problemas”, afirma, para quem o governo interino tem vícios de origem: “Acha normal ter juro alto, cortar investimento, ter desemprego. É uma tese superada,

mas está muito presente. É aquela fé cega no mercado”. O economista também lembra dos efeitos da Operação Lava Jato, em que pese a importância do combate à corrupção. “O problema da operação, a despeito de ser valiosa, é que no curto prazo ela travou a economia. É preciso que haja uma saída para punir os executivos e recuperar as empresas. Dizer que podem ser substituídas por empresas de fora é simplista. Não é mercado financeiro, que você troca papel por papel.”

Investimentos

Em um cálculo preliminar, Sicsú estima que se regras anunciadas pelo governo interino tivessem sido aplicadas nos dez últimos anos, o país teria gasto aproximadamente R$ 200 bilhões a menos em saúde e R$ 300 bilhões a menos em educação. Para ele, está em curso um processo de transferência de renda para o setor empresarial e financeiro. “Não se pensa em fazer nenhuma grande política de investimento público”, diz,

vendo ainda uma tentativa de “estrangular” o BNDES ao se propor a devolução de R$ 100 bilhões ao Tesouro até 2018, e lamentando a ideia de extinguir o Fundo Soberano. “Seria bastante abastecido com recursos do pré-sal.” O pré-sal também está na mira. A tomar posse na presidência da Petrobras, em 2 de junho, Pedro Parente disse ser favorável ao fim da obrigatoridade de investimento mínimo de 30% da empresa, dando apoio a projeto do senador tucano e agora chanceler José Serra, combatido pelos trabalhadores e por setores nacionalistas. Mesmo o anunciado controle é, para Sicsú, mais uma mudança de composição de gastos, ao se aumentar “de forma extravagante, anormal”, a meta de déficit fiscal de R$ 96,7 bilhões para R$ 170,5 bilhões. “Duvido muito que no governo Dilma se conseguisse alterar uma meta dessa forma”, comenta o professor da UFRJ, para quem o governo, com uma meta tão larga, além de dar mais dinheiro a bancos e empreiteiras, ainda poderá posar de bom administrador fiscal. Os três economistas concluem que o chamado rentismo continua prevalecendo no país – mesmo na gestão anterior. “Desde o governo Dilma, precisaríamos de um programa de pequenas obras, colocar mais dinheiro para os mais pobres. A economia ficaria mais dinamizada”, diz Sicsú. “Empresário não gasta nada quando a economia está desacelerando. Trabalhador de baixa renda sempre gasta.” A soma de arrocho salarial, redução do Estado, “sequestro” do orçamento e corte em programas sociais tem como consequência o crescimento da desigualdade, interrompendo e até revertendo uma trajetória positiva verificada em período recente. Mesmo que em algum momento a economia cresça, esse processo não resultará em distribuição de renda. Será “à la ditadura”, na definição de Sicsú, lembrando que em alguns anos o país cresceu em até dois dígitos, mas para poucos. Em uma imagem conhecida da época, esperava-se o bolo crescer para então dividi-lo. Naquele momento, observa, “nunca dividiram, só cresceu”. REVISTA DO BRASIL

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CIDADANIA

O país

PARA POUCOS Cortes do governo interino no orçamento e golpes na Constituição limitam alcance do SUS, do Bolsa Família, do Minha Casa, Minha Vida e da educação pública Por Cida de Oliveira

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egundo a visão de país expressa no documento Uma Ponte para o Futuro, do PMDB, apenas 10 milhões de brasileiros – os 5% mais pobres – devem ser alcançados pelo sistema de proteção social. Menos de duas semanas depois de “empossado”, o governo do presidente interino, Michel Temer, com seu pacote de ajuste fiscal aprovado a toque de caixa 14

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pelo Congresso, golpeou de uma só canetada a saúde e a educação pública historicamente subfinanciadas e políticas recentes de distribuição de renda. Nas palavras da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), uma catástrofe para a sociedade, “menos para a elite rentista, preguiçosa e escravagista que ainda há no Brasil”. Em seus primeiros dias à frente do ­Ministério da Saúde, o deputado federal

licenciado Ricardo Barros (PP-PR) defendia o redimensionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) ao tamanho de seu orçamento. Nas entrelinhas, aventava mudanças, ou o fim, de programas como o Mais Médicos, o principal para o setor criado ainda na primeira gestão da presidenta afastada Dilma Rousseff. ­Único sistema público de acesso universal à saúde existente em país com mais


CIDADANIA

como procedimentos, exames, cirurgias, transplantes e UTI, inclusive nas Santas Casas que recebem repasses do SUS. O colegiado chama atenção para outra ameaça: a aprovação, em primeiro turno no Senado, do substitutivo à proposta de emenda à Constituição (PEC) que prorroga a Desvinculação das Receitas da União (DRU). O mecanismo deixa o governo livre para usar como quiser parte dos impostos vinculados por lei a determinadas áreas, já instituídos ou que vierem a ser criados nos próximos quatro anos. Existe desde 1994 (com diversos nomes, mas com mesmo objetivo), sempre permitindo o manejo de 20% dos orçamentos. Pela proposta, porém, sobe para 30% o percentual de manobra pela União – estados, municípios e o Distrito Federal também terão essa prerrogativa. O Conselho Nacional de Saúde protestou, já que havia defendido a ampliação dos recursos ao SUS por meio da Lei de Iniciativa Popular nº 321/2013, que cobra 10% das receitas correntes brutas da União, ou seu equivalente, para ações e serviços públicos de saúde. Pelas contas do CNS, a combinação de emendas à Constituição e projetos de lei em andamento, União, estados, Distrito Federal e municípios poderão tirar da saúde até R$ 80 bilhões nos próximos sete anos.

“Estão ameaçando as políticas públicas da Saúde, as leis trabalhistas, os direitos dos aposentados. Com o silêncio da mídia, estão armando um ataque ao pouco da política pública que o Brasil construiu. Dizem que o povo brasileiro não cabe no orçamento do Estado, não cabe no aeroporto, não cabe na praia. Temos de resistir”, diz o presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gastão Wagner de Sousa Campos, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Na última semana de maio, profissionais, professores e estudantes ocuparam a sede do Ministério da Saúde em Salvador. E na primeira semana de junho, dedicada a atividades em defesa do SUS, Ricardo Barros foi escrachado em Fortaleza por integrantes da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares. O jeito foi sair de fininho, sem fazer o pronunciamento de praxe na abertura do congresso do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).

Educação

A exemplo dos postos de saúde e dos hospitais, as escolas públicas tendem a, na melhor das hipóteses, manter a tendência de sucateamento: fechamento de

de 100 milhões de habitantes e invejado por governantes de vários países, o SUS nunca esteve tão exposto ao perigo de extinção. O Conselho Nacional de Saúde (CNS) estima perdas entre R$ 44 bilhões e R$ 65 bilhões para o SUS já em 2017. Serão afetadas ações na atenção básica – como vacinas, medicamentos, controle de doenças, Samu – e de média e alta complexidade –

01-6-2016. FOTO: SAMIR CURY/FOTOS PÚBLICAS

ROBERTO PARIZOTTI/CUT

SEM RETROCESSO Manifestante prepara cartaz para protesto em frente à Faculdade de Saúde Pública da USP, em São Paulo

ENQUADRADO O ministro da Saúde, Ricardo Barros (de costas), ouve protesto dos funcionários do setor em congresso de Secretarias Municipais de Saúde, em Fortaleza REVISTA DO BRASIL

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01-6-2016. FOTO: ROVENA ROSA/AGÊNCIA BRASIL

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POVO SEM MEDO Movimentos de moradia ocupam a entrada do prédio onde funciona o escritório da Presidência da República em São Paulo, na Avenida Paulista, contra os cortes anunciados pelo governo interino no Minha Casa, Minha Vida

salas de aula, superlotação de turmas, piora na merenda e na conservação dos prédios e achatamento salarial dos trabalhadores – apesar de o ensino básico ser atribuição direta de estados e municípios, a União participa do financiamento por meio de repasses e convênios. O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ­Daniel Cara, adverte: “Para sanar essas dificuldades é preciso ampliar os investimentos no setor. Por isso, o Plano Nacional de Educação aponta para o aumento dos investimentos federais no setor até chegar a 10% do PIB. Em vez disso, o governo sinaliza reduzir. Está em risco a educação e seus 40 milhões de alunos, 2 milhões de professores e 5 milhões de outros profissionais em todo o país”. 16

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Segundo ele, “a maior política social do Brasil e uma das maiores do mundo está ameaçada pela insuficiência dos recursos para as necessidades educacionais atuais”. A situação pode piorar porque, embora a pressão social tenha poupado a educação dos efeitos da DRU no primeiro turno da votação, prefeitos e governadores pressionam fortemente pela inclusão nas próximas etapas da tramitação. Programas mantidos pelo governo federal, como ProUni, Pronatec e Ciência sem Fronteiras estão ameaçados, bem como a expansão do ensino superior. Abrem-se perspectivas de privatização em todos os níveis de ensino, com a volta do debate sobre a cobrança de mensalidades até nas universidades públicas.

Há sinais de retrocesso também no aspecto pedagógico diante da influência de setores conservadores com a equipe de governo interino. Exemplo emblemático foi a recente participação do ex-ator em atividade Alexandre Frota com o ministro da Educação, Mendonça Filho. Frota, que trocou o espaço perdido na TV pelo sempre promissor mercado de pornografia, deve ter muito a discutir com uma autoridade em educação. E com o crescente debate em torno de leis e propostas em várias cidades do país conduzidas por pessoas interessadas em coibir o exercício do pensamento crítico em escolas e universidades. Coordenador do Fórum Nacional de Educação e secretário de Assuntos Educacionais da Confederação Nacio-


OCUPAÇÃO DO MINISTÉRIO DAS CIDADES, BRASÍLIA, 06-6-2016. FOTO: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

CIDADANIA

SERRINHA, BAHIA, 2013. FOTO: UBIRAJARA MACHADO/MDS

EM CIMA DOS MAIS POBRES Temer chegou a anunciar o fim de subsídios do Tesouro para o Minha Casa, Minha Vida, atingindo famílias que ganham até R$ 1.800

VOLTA DA MISÉRIA 10 milhões de famílias que necessitam do Bolsa Família poderão deixar de ser atendidas a partir de 2017

nal dos Trabalhadores em Educação ­(CNTE), Heleno Araújo aponta ainda ameaças ao caráter público, laico, inclusivo e democrático do processo educativo. “Preocupa o espaço dado pelo MEC a movimentos que tentam cercear atuação do professor, como o Escola Sem Partido e o Escola Livre. Trata-se de iniciativas intimidatórias, que censuram o livre pensamento e promovem a criminalização e a insegurança aos professores”, afirma. Para completar o início avassalador de “gestão em exercício”, Mendonça Filho exonerou no início de junho 31 assessores técnicos, sendo 23 ligados à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) e oito, à Secretaria-Executiva da pasta. As de-

missões afetam as atividades do Fórum Nacional de Educação (FNE), instância criada com objetivo de mediar a interlocução e promover a participação social, seja no processo de concepção, aplicação e avaliação de políticas de ensino, além de acompanhar tramitação de projetos legislativos referentes ao setor e a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE). “Ficamos sem equipe de trabalho”, lamenta Heleno Araújo.

Bolsa Família

Pelos cálculos de pesquisadores da Fundação Perseu Abramo (FPA), pelo menos 10 milhões de famílias que necessitam do Bolsa Família deverão deixar de ser atendidas a partir de 2017. A premiada política de transferência de renda – que além de dar um mínimo de segurança a milhares de famílias, estimular economias locais em milhares de municípios e inspirar diversos governos também por incentivar famílias pobres a manter seus filhos na escola e em dia com a vacinação e outras ações de promoção da saúde – deverá estar voltada para os 5% mais pobres entre todos os pobres do país. Além da redução do número de bolsistas, os cortes apontam para congelamento dos benefícios concedidos. As projeções da FPA mostram o estrago inclusive em estados ricos, que concentram bolsões de pobreza em suas regiões metropolitanas. Pelo documento do PMDB que marcou o rompimento do partido com o governo no ano passado, as populações carentes estariam concentradas apenas em comunidades isoladas e esparsas. Para o presidente da FPA, Marcio ­Pochmann, o impacto social será significativo, com agravamento da exclusão social. “Haverá aumento da pobreza, subnutrição, violência, com maior impacto sobre o sistema de saúde. E evasão escolar, já que a frequência à escola é condição para recebimento da bolsa. Poucos estados mantiveram seus programas próprios de transferência de renda. A maioria os desarticulou, reunindo-se em torno do programa federal. Há cidades em que mais da metade da população está na pobreza”, diz o economista. REVISTA DO BRASIL

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EDUCAR NÃO É PRIORIDADE O Plano Nacional de Educação aponta para o aumento dos investimentos federais no setor até 10% do PIB. Em vez disso, o governo sinaliza reduzir

Minha Casa

Temer chegou a anunciar em meados de maio o fim de subsídios do Tesouro Nacional para o Minha Casa, Minha Vida. Com a medida, a renda de famílias que ganham até R$ 1.800 ficaria comprometida com a prestação da casa. Em ­bate-bapo com internautas, a presidenta Dilma Rousseff lembrou que 80% do déficit habitacional está justamente nesta faixa de renda. “Além de acabar com o subsídio, o governo provisório vai reduzir o

número de moradias que serão contratadas”, afirmou. Questionada sobre a possibilidade de o governo interino elevar as parcelas dos imóveis, mesmo daqueles comprados com sistema de parcelas fixas, a presidenta disse: “Não sabemos até que ponto eles irão no desmonte do Minha Casa, Minha Vida. Fique de olho. Nós estaremos”. Em 1º de junho, liderados pela Frente­ Povo Sem Medo, manifestantes ocuparam o prédio onde fica o escritório em

A Cultura preterida A fusão do Ministério da Cultura (MinC) com o da Educação pelo governo interino, a pretexto de economia, durou uma semana. Temer anunciou a recriação da pasta em 21 de maio, quando a pressão de artistas era grande em atos, na imprensa e nas redes sociais, e havia órgãos ligados ao MinC ocupados em 18 estados, incluindo a sede da Fundação Nacional de Artes (Funarte), no Rio de Janeiro. Em mais uma sucessão de tropeços, Temer chegou a mandar a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) convidar a jornalista Marília Gabriela – que afirmou publicamente não compor governo golpista. A atriz Bruna Lombardi, a antropóloga Claudia Leitão e a professora Elaine Costa, coordenadora de cursos de pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas, também recusaram. O posto acabou ocupado pelo secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro, Marcelo Calero, que tomou posse em 24 de maio. 18

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São Paulo da Presidência da República, na Avenida Paulista. Exigiam a manutenção do compromisso de construção de 11.250 unidades habitacionais. Portaria determinando a contratação das obras havia sido assinada por Dilma, e revogada pelo interino. A medida afetaria uma modalidade do programa administrada por entidades da sociedade civil de forma associativa, que torna, segundo experiências já executadas, as construções melhores e mais baratas. Sem admitir o temor de desgaste pela força da mobilização popular – a mesma que fez com que Temer recriasse o Ministério da Cultura dias após sua extinção –, o ministro das Cidades, Bruno Araújo, recuou e anunciou a publicação de nova portaria para a contratação de 13.900 moradias. Os manifestantes desocuparam o prédio. Criado em 2009, o programa abriu 5 milhões de empregos em toda cadeia produtiva da construção civil. Até o final de abril, foram contratadas mais de 4 milhões de moradias que beneficiam mais de 6 milhões de pessoas. O programa pode custear até 90% do valor do imóvel e o restante é dividido em até dez anos, com parcela mínima de R$ 80 e máxima de R$ 270. Como lembrou ­Dilma em conversa com internautas, o governo interino já demonstrou ser contra qualquer subsídio para os mais pobres. “Acreditamos que eles, do jeito que vão, são capazes de tudo.”

Programação cultural do Ocupa MInC-RJ

MÍDIA NINJA

PROTESTE EM PORTO ALEGRE, 06-6-20165. FOTO: ANSELMO CUNHA

CIDADANIA


BRASIL

MÍDIA NINJA

RESISTÊNCIA Lançamento de campanha em defesa das empresas estatais, no Rio, em 6 de junho

Que horas ela volta? Governo interino foi com tanta sede ao pote de maldades que incendiou a resistência. As ruas não dão sossego, o Brasil e o mundo desconfiam e impeachment pode ter reviravolta

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m 30 de março, a cineasta Anna Muylaert, diretora do premiado filme Que Horas Ela Volta?, participava de um ato promovido por artistas no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Dizia ela que, se houvesse o golpe, “o governo que assumir não conseguirá dar dois passos” porque não terá legitimidade. Para a diretora, Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva eram vítimas de “tortura moral”. No dia seguinte, Anna Muylaert iria além. Em

pleno território de O Globo – um dos alicerces do golpe –, dedicou a Dilma e a Lula o prêmio “Faz Diferença”, com que era agraciada pelo jornal. “Quero dedicar esse prêmio às Jéssicas que estão hoje na universidade e a algumas pessoas que eu acredito que têm muito a ver com isso. Eu entendo essas pessoas como pai e a mãe das Jéssicas. Não no filme, mas na vida real, que são o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff ”, afirmou. Exatos dois meses depois, em 30 de maio, era a atriz Camila

Márdila, a própria Jéssica do filme, quem abraçava Dilma em um ato de apoio. “A Jéssica ajudou as pessoas a verem que é possível buscar um futuro, lutar pela profissão que querem, pela universidade. Ajudou muita gente a conhecer outro universo, perceber que o mundo é maior, que as possibilidades são outras”, disse a atriz, em evento de lançamento do livro A Resistência ao Golpe de 2016 (Canal 6 Editora, 425 páginas). Jéssica, no filme, é filha de uma empregada doméstica que estuda, passa em vestibular da FaculdaREVISTA DO BRASIL

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Show de horrores

No mesmo 30 de maio em que foi lançado o livro caía o ministro da Transparência, Fabiano Silveira, flagrado em conversa na qual, como integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dá orientações ao senador Renan Calheiros (PMDB-AL) sobre como agir diante da Operação Lava Jato. Antes dele, caíra ­Romero Jucá do Ministério do Planejamento, também depois do vazamento de conversas com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, nas quais escancaram o objetivo de pôr Temer na cadeira de Dilma como forma de esfriar a ope20

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OPORTUNISMO Em um dos capítulos de A Resistência ao Golpe de 2016, o sociólogo Giovanni Alves, da Unicamp, traça o processo econômico desde 2003 para explicar que a presidenta Dilma iniciou seu primeiro governo, em 2010, em conjuntura de crise global, e precisou adotar medidas impopulares. Os oposicionistas aproveitaram para impor a crise política

ração, por haver muita gente graúda do PMDB e do PSDB em apuros. Na semana seguinte, o STF determinou, por meio liminar, o retorno do jornalista Ricardo Melo à presidência da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) – Temer o havia demitido contrariando a lei de criação da EBC, que assegura mandato ao presidente da empresa pública. Aguardavam ainda na fila das exonerações o advogado-geral da União, Fábio Medina Osório, o ministro do Turismo, Henrique Alves, o secretário de Governo, Geddel Vieira Lima, e a candidata a secretária da Mulher, Fátima Pelaes. Todos devido a currículos desabonadores. Além de moralmente combalido desde o dia da posse, o governo em exercício empunhou bandeiras – como se verá em reportagens des-

ta edição –, nas áreas econômica e social, que nada têm a ver com união nacional ou esforço para sair da crise. Remetem diretamente aos programas derrotados FACEBOOK GLENN GREENWALD

de de Arquitetura da Universidade de São Paulo (USP) e se relaciona em pé de igualdade com os patrões da mãe. Naquele lançamento, durante evento na Universidade de Brasília (UnB), parte das projeções de Anna Muylaert já estava consumada. O processo de impeachment estava posto. E integrantes do governo interino de Michel Temer, de fato, mal conseguem dar dois passos. Por onde passam são escrachados, no Brasil e no mundo. O titular em exercício no Palácio do Planalto, diferentemente de se firmar como “líder capaz de unir o Brasil”, foi com tanta sede ao pote de maldades que conseguiu despertar mais rejeição e desconfiança do que supunham os senadores que votaram pelo afastamento de Dilma. Alguns já dão sinais de que podem mudar de voto no julgamento final. Os eventos de lançamento do livro têm sido marcados por fortes manifestações. O trabalho reúne 105 artigos e entrevistas, descreve em detalhes como foi construído o ambiente que levou ao processo de impeachment e tenta influenciar a votação final. “O livro se insere na luta política. Ainda que não necessariamente alinhados política ou partidariamente, abordamos do papel do Supremo Tribunal Federal à atuação da mídia, das ‘pedaladas fiscais’ aos meandros do Legislativo, do papel dos atores políticos internacionais aos bastidores da Lava Jato, da crise de representatividade à ofensiva golpista”, diz a professora de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Gisele Cittadino, uma das ­idealizadoras da obra.

CINISMO Glenn Greenwald: fortalecimento de operadores corruptos cinicamente conduzido em nome da luta contra a corrupção


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RFI

“Fora Temer” em Buenos Aires

nas eleições presidenciais desde 2002. Para o ministro da Justiça do governo Dilma Eugênio Aragão, o país está diante de um momento crucial para combater o desmonte das políticas sociais. “Resistir a esse grupo que não tem compromisso com a democracia é muito importante, porque significa resgatar a dignidade do nosso voto”, afirma. Em um dos capítulos de A Resistência ao Golpe de 2016, o sociólogo Giovanni Alves, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), traça em longa narrativa o processo econômico desde 2003 para explicar que a presidenta Dilma iniciou seu primeiro governo, em 2010, em conjuntura de crise global, e precisou adotar medidas impopulares. Os oposicionistas aproveitaram para impor a crise política. “O economista Marcio Pochmann sintetizou numa frase a tragédia do lulismo: ‘Os ricos não nos querem mais’”, observa Alves. “Golpear o PT no governo e na sociedade civil foi uma decisão suprema das oligarquias que historicamente controlam, há séculos, o sistema de produção, de reprodução social, de representação política e de poder.”

Sinais de fumaça

As forças que trabalharam pelo “golpe” sentiram uma mudança de clima a favor de Dilma. E passaram a conviver com um tripé de adversidades. Primeiro, o governo Temer não convence a sociedade. Segundo, a base de apoio da presidenta trabalha com perspectiva real de alcançar entre 28 e 33 votos e barrar o desfecho do golpe no Senado. E, terceiro, há um quadro nacional e internacional de mobilizações pela restituição da ordem democrática. Não se passa um dia, desde 12 de maio, sem um “Fora Temer”. Se imprensa e forças políticas cogitaram uma possível calmaria, o vento logo virou. As revistas semanais começaram com edições fingindo distanciamento crítico e até ensaiaram mudar de assunto. IstoÉ, que conclamou “coxinhas” e “mortadelas” a dar uma trégua, e Veja, que chegou a dar como capa a pílula do câncer, logo voltaram aos panfletos condenatórios de Dilma. Jornais passaram a trazer manchetes como “Recessão se aprofunda, mas surgem sinais de recuperação” (Folha de S.Paulo), ou “Crise econômica perde força” e “Temer fala em retomar

FRÉDÉRIC PAGÈS/RFI

PAULO PINTO/AGENCIA PT

Protesto contra Serra em Paris

crescimento” (Valor Econômico). Dilma, aliás, sumiu do noticiário. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou a atenção: “Tentam esconder a farsa do golpe censurando nossos protestos e até as atividades da presidenta Dilma. Depois do golpe, a Rede Globo simplesmente retirou a Dilma do ar, como se ela não existisse. Como se ela não estivesse lutando diariamente junto com os democratas para restabelecer o mandato e o Estado de direito”, afirma, em vídeo exibido na UnB durante o lançamento de A Resistência ao Golpe de 2016. Além da imprensa, o próprio Temer e sua base deram sinais de pânico, ao restringir viagens e até comida à presidenta – que tem o direito legal a uma estrutura para que possa se defender – e ao tentar impedir seu direito de defesa durante o rito de andamento do processo na comissão especial do impeachment no Senado. O relator da comissão, o tucano Antonio Anastasia (MG), chegou a recusar em bloco 70 requerimentos apresentados pelo advogado da presidenta, José ­Eduardo Cardozo. O jornalista norte-americano Glenn Greenwald, com sua coluna no site independente The Intercept, virou tormento para o colunismo político tradicional e se tornou referência para a imprensa internacional. “Desde o começo, ficou evidente que o processo tinha como objetivo principal o fortalecimento dos verdadeiros ladrões de Brasília, permitindo assim que impeçam, obstruam e ponham fim às investigações da Operação Lava Jato (além de impor uma agenda neoliberal de privatizações e austeridade extrema)”, escreveu Greenwald. “Não se trata apenas da destruição da democracia no quinto país mais populoso do mundo, tampouco da imposição de uma agenda de privatizações e ataque aos pobres para benefício da plutocracia internacional. Trata-se do fortalecimento de operadores corruptos – desrespeitando as regras democráticas – cinicamente conduzido em nome da luta contra a corrupção.” Com reportagens de Hylda Cavalcanti e Paulo Donizetti de Souza REVISTA DO BRASIL

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O valor da comunicação pública Entendimento da Justiça, de que o comando da EBC pertence à sociedade e não ao governo da vez, dá esperança à democracia

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o intervalo entre um programa e outro no rádio ou na televisão, ou mesmo no meio dos programas, tem sempre alguém querendo vender alguma coisa para a gente ou pedindo para dar algum dinheiro para uma igreja. Parece natural, porque no Brasil ouvintes e telespectadores acostumaram-se a isso achando que a publicidade, seja de um carro ou de uma religião, faz parte da programação das emissoras. Não é bem assim. Existem outras formas de fazer rádio ou TV sem a contaminação do comércio ou das igrejas, uma comunicação dirigida ao cidadão e não ao consumidor. Falo da comunicação pública, consagrada há décadas em vários países, mas desconhecida por aqui. No Brasil, os espaços por onde transitam as ondas do rádio e da TV foram ocupadas, desde a década de 1930, por empresas comerciais impedindo o surgimento de uma comunicação pública forte, capaz concorrer com o modelo privado. Lembro o susto que uma pioneira do serviço brasileiro de rádio da BBC, Lya Cavalcanti, levou ao voltar para o Brasil. “Quando o navio entrou em águas brasileiras e o rádio começou a transmitir anúncios, eu fiquei em pânico. Estava acostumada com a BBC, que tinha aqueles programas fantásticos e não tinha anúncios. Você podia escolher o programa e de repente, aqui, você tem que enfrentar meia hora de anúncios. Você tem que ouvir uma coisa que não quer ouvir. Como é que pode?” Bem que isso poderia ter sido evitado. Roquette Pinto, o fundador da primeira emissora de rádio no Brasil, tentou. Montou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923, nos moldes da BBC, fundada um ano antes e mantida até hoje com uma taxa paga por ouvintes e telespectadores. Aqui não deu certo. A sociedade de ouvintes organizada por Roquette Pinto para manter a rádio sucumbiu diante da concorrência das emissoras comerciais. Outra iniciativa fracassada de comunicação pública ocorreu no segundo governo Vargas, quando o presidente da República outorgou à Rádio Nacional do Rio de Janeiro o canal 4 de televisão da então capital do país. O presidente morreu, a TV não foi ao ar e seu sucessor, Juscelino Kubitschek, não pôde levar a iniciativa adiante. Ameaçado por Assis Chateaubriand, poderoso dono dos Diários e Emissoras Associados, de destruí-lo caso criasse a TV Nacional, o presidente desistiu da ideia. Quem acabou ficando com o canal 4, pondo fim ao sonho de termos uma TV pública nacional, foi a Globo – que, com a ajuda decisiva do 22

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LALO LEAL

grupo estadunidense Time-Life, começou a partir daí a consolidar o seu império. Nos anos 1960, surgiram algumas TVs educativas por iniciativa de governos estaduais. De públicas sempre tiveram pouco na medida em que o controle ficava na mão dos governadores. A TV e a rádio Cultura de São Paulo, por exemplo. Embora juridicamente independentes do governo, elas se viram, em quase toda a sua existência, submissas aos interesses políticos dos governantes, na medida em que são eles que controlam as verbas necessárias para o funcionamento das emissoras. Só em 2007, depois de amplo debate no país sobre a importância da comunicação pública para a democracia, é que o governo federal resolveu impulsionar a criação de uma rede nacional de rádio,

TV BRASIL

VISÃO SOCIAL Coube à TV Brasil, recentemente, colocar no ar o primeiro programa LGBT da televisão brasileira, o Estação Plural (na foto, Mel Gonçalves, Fernando Oliveira (Fefito), e Ellen Oléria, que comandam o programa)

TV e internet. Fundou a EBC, Empresa Brasil de Comunicação, reunindo as emissoras federais que já funcionavam sob o controle da Radiobrás e as TVs educativas do Rio e do Maranhão. Com uma diferença fundamental: deixavam de ser emissoras estatais e passavam a ser públicas, controladas pela sociedade por meio de um Conselho Curador formado por 22 integrantes, sendo 15 indicados pela sociedade, quatro representantes do governo federal, um da Câmara, um do Senado e um dos funcionários da empresa. Atendia-se, assim, o artigo da Constituição que determina a existência de três modelos de radiodifusão no Brasil: o privado, o estatal e o público. O privado é o dominante há décadas, o estatal sobrevive com a Voz do Brasil no rádio e a TV NBR e o público, de caráter nacional, começa a ser construído com a EBC que administra hoje duas emissoras de televisão, oito de rádio, duas agências de notícias e uma prestadora de serviços externos. São esses veículos os responsáveis por mostrar ao público brasileiro que outra comunicação é possível, livre das amarras do mercado ou dos governos. Na TV Brasil, por exemplo, os programas infantis hoje banidos das emissoras comerciais alcançam as maiores audiências. É nela também que se abre espaço para o único programa de samba da TV aberta brasileira ou para a crítica da própria televisão. Discute-se a questão das concessões das emissoras, da presença do negro na TV, da exploração do corpo da mulher na propaganda, da incitação ao ódio e à violência constante nos chamados programas policialescos das TVs privadas, entre outros assuntos. Coube à TV Brasil, recentemente, colocar no ar o primeiro programa LGBT da televisão brasileira, mostrando com seriedade e respeito um mundo excluído e ridicularizado em outras emissoras. Personagens da vida pública, com algum compromisso com as lutas sociais mais amplas, só encontram espaço nos programas de entrevistas e nos telejornais da TV Brasil. O mesmo se pode dizer das emissoras de rádio que prestam serviços em áreas para as quais as emissoras comerciais não têm interesse de ir. É o caso da Rádio Nacional da Amazônia, integrando ao país extensas regiões ainda isoladas, e a Rádio Nacional do Alto Solimões, falando em português na tríplice fronteira Brasil, Peru e Colômbia, onde predominam as vozes emitidas desde os países vizinhos. O governo interino não levou tudo isso em consideração e muito menos o caráter público da EBC, ao demitir o presidente da empresa, Ricardo Melo, detentor de um mandato de quatro anos. A lei de criação da empresa é clara: apenas o ­Conselho Curador tem poder para demitir o seu principal dirigente. O presidente destituído recorreu ao Supremo Tribunal Federal, e este, por meio de uma liminar, reconheceu a ilegalidade praticada e o reconduziu ao comando. O respeito à lei foi restabelecido tendo como consequência o entendimento pela Justiça da existência real de uma comunicação pública independente dos governos, capaz de elevar a qualidade da programação do rádio e da TV e de contribuir decisivamente para a consolidação da democracia, ao fazer circular pelo país informações e ideias sonegadas sistematicamente pelos meios comerciais. REVISTA DO BRASIL

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ENTREVISTA

Julgar a vítima é agir como o estuprador Para a filósofa Marcia Tiburi, a lógica do estupro está na cultura tolerante com a violência masculina. “Quando dizemos ‘ela foi estuprada por estar de minissaia’, fomentamos essa lógica” Por Marilu Cabañas

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SIMONE MARINHO

A

filósofa Marcia Tiburi, autora de livros como As Mulheres e a Filosofia e Mulheres, Filosofia ou Coisas do Gênero, considera que as pessoas precisam se manifestar e exigir posicionamento das instituições quanto a casos de violência e barbárie, como o da jovem vítima de estupro coletivo no Rio de Janeiro. “Mas o que está em jogo para nós, hoje, que é muito mais sério, é pensar essa sociedade, a cultura que cria esse tipo de contexto. Temos de enxergar o estupro como uma questão cultural, e não simplesmente como um caso de polícia”, pondera, em entrevista à Rádio Brasil Atual. “Até porque, se a gente for estudar as estatísticas e verificar o que vem acontecendo entre as leis e a prática do estupro, vai ver que apenas 10% dos casos são noticiados. E as leis são bem severas em relação aos estupradores”, diz. Segundo a estudiosa, casos como esses promovem uma comoção nacional que precisa ser levada a sério, e com profundidade. “Porque está aparecendo na sociedade esse estupro que é situado no nível da cultura das pessoas, praticamente uma metáfora social do Brasil contemporâneo”, analisa. “Mas, do meu ponto de vista, a questão não é a gente se voltar para a esperança punitivista acreditando que cadeia para o estuprador vai resolver esse problema no Brasil.”


ENTREVISTA

Você escreveu um artigo em que diz que a lógica do estupro é a lógica do poder.

Isso que a gente chama de cultura do estupro tem a ver com a lógica do estupro. A cultura na qual a outra pessoa é tratada como uma coisa que pode ser usada, pode ser descartada e que pode ser violentada. Na base dessa cultura, existe justamente um modo de pensar, de ver o outro e tratar o outro como se fosse justamente uma coisa. Como um homem estuprador trata uma mulher estuprada? Uma característica importante desse tipo de lógica, de pensamento, é que você não consegue se colocar no lugar do outro. Agora, tem um problema supersério que aparece aí: cada vez que as pessoas que não são estupradoras, as pessoas comuns, como eu, você, as que estão ao nosso redor, seja homem ou mulher, não interessa, quando essas pessoas começam a julgar a vítima do estupro elas agem como se fosse estupradoras também, começam a agir segundo a lógica do estupro, essa de quem não consegue se colocar no lugar da vítima, e trata essa vítima ou qualquer pessoa como se fosse uma coisa – e como se ela fosse mesmo a culpada daquilo que ela viveu. E aí – com as pessoas falando mal, julgando, especulando sobre o comportamento, a sexualidade, o que a pessoa estava vestindo, o que aquela mulher estuprada estava fazendo, ou como ela é –, quando as pessoas fazem isso, elas contribuem com o estupro. É como se a mulher que viveu um estupro fisicamente passasse também a viver uma espécie de estupro por meio das palavras, por meio da verbalidade agressiva e estupradora das pessoas. Isso tudo faz parte do que a gente chama de cultura do estupro. Ao recair a culpa sobre a vítima, e com o estuprador não sendo responsabilizado pelo seu ato, ele não conseguiu isso sozinho, não é isso?

Aquela pessoa que pratica a violência e se sente autorizada a isso só faz isso porque tem o aval de uma estrutura, um contexto em que isso é permitido. Uma pergunta que devemos nos fazer é como nós estamos criando os homens. Como os homens, as mulheres e a sociedade como um todo produzem a subjetividade masculina, que é infelizmente há muito tempo ligada à violência. A gente acredita que um homem pode ser violento. E as pessoas, as instituições, as escolas, as famílias – enfim, a cultura, de um modo geral – tratam o garoto, o homem que cresce, como se ele estivesse autorizado à violência. E quando a gente fala “ah, ela foi estuprada porque estava com uma minissaia”, ou “porque ela é sensual, erotizada, porque queria sexo”, a gente está fomentando esse gesto que pertence a essa lógica do estupro.

Você também diz que essa lógica é a mesma do regime nazista...

A gente vive, dentro de nossa cultura, um fascismo em potencial – a gente poderia dizer até num extremo que vivemos num sistema de governo que poderia se transformar em um fascismo de verdade, e acho até que no Brasil a gente já está vivendo esse fascismo. Mas o fascismo em potencial está colocado na cultura, no dia a dia, e o estuprador em potencial é análogo a esse fascista em potencial. Você lembra do caso do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) agredindo a deputada Maria do Rosário (PT-RS)? Esse é um ótimo exemplo para a gente pensar no estuprador em potencial. Muitas pessoas acharam engraçadinho o que o Bolsonaro disse, inocente, ou bobo. Mas o que ele estava dizendo: que ele poderia estuprá-la, se “ele” quisesse. Ele a ameaça. Há um subtexto no que ele falou, que é “eu só não vou estuprar você porque eu não quero; se eu quisesse, estuprava”. Nessa hora, ele avaliza o comportamento de muitos homens. Ele está praticamente dizendo que todos os homens podem fazer isso. E isso é muito grave. Isso sim é o estuprador em potencial. Isso é o fundamento profundo disso que a gente chama de cultura do estupro. Essa autorização conferida, que um homem dá a si mesmo. O que a gente encontra na ameaça é “eu farei isso a qualquer momento, assim que eu deseje”. E aí você tem um casamento desse tipo de pensamento com as atitudes fascistas de um modo geral. Essa é mesma atitude que diz que o outro não vale nada, por exemplo, se for diferente do padrão homem-branco-europeu, se for trabalhador, mulheres, negro, indígena, pertencer a classe social não abastada, enfim, se for diferente do que o outro diz que pode ser aceito. Não é de espantar que numa cultura autoritária como a brasileira exista ao mesmo tempo, funcionando junto, analogamente, uma cultura do estupro. É lógico que o autoritarismo e o estupro andem juntos. O machismo é um tipo de autoritarismo – específico, contra as mulheres – que fomenta, dá base para o estupro. Como se pode mudar essa cultura?

Tem que mudar a educação. E você não vai mudar a educação, nesse sentido específico, se não falar em questões de gênero, por exemplo. E os meios de comunicação são então peça-chave para essa lógica cultural. Eles atravessam a cultura. Eles fazem a cultura. As pessoas acreditam no que os meios de comunicação dizem. E as pessoas não têm uma ferramenta de mediação. Não aprenderam a entender como funcionam os meios, uma televisão, uma rádio, um jornal, como funciona o discurso dos jornalistas. As pessoas não sabem disso.

A gente poderia dizer até num extremo que vivemos num sistema de governo que poderia se transformar em um fascismo de verdade, e acho até que no Brasil a gente já está vivendo esse fascismo. Mas o fascismo em potencial está colocado na cultura, no dia a dia, e o estuprador em potencial é análogo a esse fascista em potencial

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MUNDO Adesão ao conservadorismo econômico – aquele que manda a conta das crises para os trabalhadores – abalou a social-democracia europeia. Na resistência, a juventude busca novas referências Por Flávio Aguiar

A França em pé de

guerra O

s protestos contra a reforma trabalhista que o governo do presidente François Hollande quer promover puseram a França em ebulição. Os protestos vinham se intensificando desde a campanha chamada de Nuit Debout, “Noite em pé”, que consistia na ocupação da Praça da República dia e noite pelos manifestantes. O enfrentamento com a polícia começou quando as autoridades deram ordem para que a praça, ponto histórico e nevrálgico de Paris, fosse desocupada durante a noite. No final de maio houve enfrentamentos generalizados no país inteiro, com a mobilização promovida por centrais e sindicatos, Confederação Geral do Trabalho (CGT) à frente. A situação atingiu um ponto crítico com a paralisação do setor 26

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de energia. Segundo a CGT, 16 das 19 centrais nucleares do país foram paralisadas, total ou parcialmente. O setor é responsável pelo fornecimento de 75% da energia elétrica consumida na França. A entidade anunciou também que cinco das oito refinarias de petróleo estavam paralisadas. O governo está mobilizando suas reservas de combustível para atender à demanda, enquanto as filas se alongavam nos postos de abastecimento. A paralisação chegou a atingir a imprensa escrita, com quase todos os jornais franceses de grande circulação impedidos de imprimir seus exemplares em 26 de maio. A causa foi a recusa, por quase todos eles, de divulgar um comunicado da CGT sobre o movimento. A exceção ficou com o L’Humanité. Este jornal, hoje independente, foi tradicional porta-voz do Parti-

do Comunista Francês, mantendo-se fiel a suas raízes. As reformas propostas são muito extensas, mas de modo geral pode-se dizer que seu objetivo é o de flexibilizar a contratação e a dispensa de trabalhadores por parte das empresas, além de mexer na fixação de horários de trabalho e descanso ou férias remuneradas. O principal ponto de discórdia está no chamado “artigo 2” da reforma. Esse artigo prevê a possibilidade de que acordos feitos nas empresas, quanto à distribuição das horas de trabalho e à remuneração, se sobreponham a acordos coletivos feitos com as centrais e sindicatos. As entidades argumentam que isso fragilizará os trabalhadores das médias e pequenas empresas, onde a representação sindical é menor, devido também à flexibilização das contratações e dispensas.


MUNDO

rios dele, no entanto, apontam-no como um passaporte para o futuro, aumentando sua diferenciação em relação aos conservadores de James Cameron e do chanceler financeiro, George Osborne.

Impasse

F. BLANC/FOTOS PÚBLICAS

ENFRENTAMENTO Jovens marcham em Paris contra a reforma trabalhista liberal que o governo quer impor no país

Divisão

O Partido Socialista está dividido frente a essa e outras questões da reforma. A popularidade de Hollande, que subira depois dos atentados promovidos pelo Estado Islâmico, em novembro, voltou a cair. O secretário-geral da CGT, Philippe Martinez, chegou a pedir uma audiência diretamente com o presidente para negociar o impasse e a crise, passando por cima do primeiro-ministro, Manuel Valls – que até o final de maio se punha no papel de interlocutor governamental. Dizem muitos analistas que quem vem lucrando com estes confrontos e impasses é a Frente Nacional, de Marine Le Pen, de extrema-direita. O ex-presidente ­Nicolas Sarkozy, que pretende se recandidatar em 2017, também está com sua

popularidade abalada. Mas é possível que nas próximas eleições haja um segundo turno entre ele e Le Pen. As reformas propostas pelo governo socialista vão na esteira da conversão da social-democracia política europeia aos princípios do neoliberalismo. Esta conversão atingiu de frente o Partido Trabalhista britânico e o Partido Social Democrata alemão no final do século passado, além do socialista da Espanha (Psoe). O Partido Trabalhista britânico – que iniciou sua guinada neoliberal na gestão de Tony Blair (1997-2007) – ensaia agora, sob a liderança de Jeremy Corbyn, uma reconversão a seus princípios históricos. Os críticos dessa volta às origens, inclusive dentro do próprio partido, veem essa tentativa como uma marcha à ré que poderá levá-lo a um desastre eleitoral. Os partidá-

A resignação ao conservadorismo econômico levou também o Psoe espanhol a perder terreno no campo popular-progressista para o novo partido Podemos, que emergiu no ano passado como terceira força eleitoral. Mas o país encontra-se diante de um impasse, pois nem o conservador Partido Popular, nem a dupla socialista (Psoe mais Podemos) conseguiram formar um novo governo. O impasse será submetido a novas eleições legislativas em 26 de junho. O Partido Social Democrata alemão também enfrenta dificuldades, com queda nas pesquisas de intenção de voto, enquanto sobe a estrela do Alternative für Deutschland, novo partido apontado como de extrema-direita (ainda que não tão radical como a Frente Nacional francesa), e que hoje já aparece como terceira força no país, segundo as pesquisas. Na França, a perda de terreno do ­Partido Socialista não favoreceu os movimentos mais à esquerda, pelo menos até o momento. Ao contrário, analistas apontam que em muitos redutos tradicionais onde o voto era socialista a Frente Nacional vem fazendo progressos. Pode ser que o atual movimento das centrais e dos sindicatos contribua para reverter esse cenário. Para tornar a situação mais complexa, em todos esses ­países e em outros da União Europeia ela tem sobre si a questão – para muitos um fantasma – da recepção aos refugiados que chegam ao continente, com a extrema-direita estimulando e capitalizando o sentimento xenófobo. De todo modo, essa atitude mais combativa de sindicatos e da CGT pode trazer-lhes de volta uma liderança que estavam perdendo. Embora fortes entre os trabalhadores de mais idade, essas organizações mais tradicionais encontraram resistência na maioria dos jovens – que acorreram ao Nuit Debout – de reconhecê-las como referência. REVISTA DO BRASIL

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Fecham-se as cortinas Término de obras da Olimpíada deverá deixar até 30 mil trabalhadores sem emprego Por Maurício Thuswohl

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nício de junho, manhã de uma quarta-feira no centro do Rio de Janeiro. O saguão do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada começa a se encher de gente. Será assim ao longo do dia, durante o qual cerca de 100 trabalhadores recentemente demitidos farão suas homologações de rescisão de contrato. Com idades e procedências diversas, todas essas pessoas têm uma coisa 28

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em comum: estão sendo demitidas de projetos ligados direta ou indiretamente à realização da Olimpíada. Os Jogos Olímpicos começarão oficialmente em 5 de agosto. Antes disso, a expectativa no setor é que o fim das obras signifique a falta de emprego para um universo de cerca de 30 mil trabalhadores da construção civil, aprofundando um processo de crise iniciado há dois anos. Quando começarem a chegar à cidade,

no final de julho, os quase 18 mil atletas e integrantes de comissões técnicas dos países que participarão da Olimpíada e da Paralimpíada estarão ocupando nos ginásios esportivos e alojamentos os lugares de um time que tornou os jogos possíveis, mas que sairá de cena justamente na hora da festa. “Uma base de aproximadamente 30 mil trabalhadores se envolveu nesse processo da Copa e da Olimpíada desde o início


Obras do VLT: da rodoviária ao aeroporto

EM OBRAS Primeiro teste de luz do Parque Olímpico

BRUNO POPPE/PAC MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO/FLICKR/CC

TRABALHO

MARCELO HORN/ GERJ

Instalação de trilhos do metrô

DHANI BORGES/PCRJ

MARCELO HORN/ GERJ

Apenas a Linha 4 do Metrô empregou 10 mil pessoas

das obras, em 2012. O número de demissões começou a crescer em 2014, foram quase 3 mil. E nós tivemos somente no ano passado 8,5 mil trabalhadores demitidos. Este ano, com dados consolidados até maio, estamos com cerca de 5 mil demitidos. Temos, portanto, um remanescente de cerca de 14 mil trabalhadores envolvidos nessas obras, mas a perspectiva é que a grande maioria também perca seu emprego ao fim dos projetos”, diz o presi-

dente do sindicato, Nilson Duarte Costa. A tendência, lamenta, é que o saguão do sindicato se encha ainda mais nas semanas que antecederão o começo da Olimpíada. “Ainda tem muito trabalhador engajado, mas que deverá ser dispensado”, afirma. “As obras para a Olimpíada estão na faixa de 70% prontas. Não estão, como a imprensa vem divulgando, 90% prontas. Algumas estão terminadas, mas outras, como as arenas olímpicas em Deodoro ou na

Obras e projetos fizeram o Rio viver “lua de mel” com a construção civil, mas a situação mudou

Barra da Tijuca, na zona oeste, ainda estão distantes do fim, e provavelmente ficarão prontas em cima da bucha. Algumas não vão nem terminar, serão maquiadas, pois é grande a pressa para terminar as obras por causa da inspeção do Comitê Olímpico Internacional.” Além das obras para as instalações do Parque Olímpico, do Complexo Esportivo de Deodoro e da Vila dos Atletas, diversos outros projetos fizeram com que o REVISTA DO BRASIL

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Os Jogos Olímpicos começarão oficialmente em 5 de agosto. No final de julho, os atletas começam a chegar VLT. FOTO: JP.ENGELBRECHT/PAC MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO/FLICKR/CC

Rio vivesse nos últimos anos uma “lua de mel” com o setor de construção civil. Somente a Linha 4 do Metrô empregou 10 mil trabalhadores, além de outras grandes empreitadas como a revitalização do porto, a construção dos corredores de BRT Transbrasil (que ligará a Rodoviária Novo Rio a Marechal Deodoro, onde estão sendo finalizadas 11 arenas para os Jogos) e Transolímpico (entre a Barra e Deodoro), a reforma do Aeroporto do Galeão e a construção do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) para ligar a rodoviária ao Aeroporto Santos Dumont. Havia trabalho de sobra, mas os ventos mudaram de direção. Em abril, de acordo com o mais recente boletim do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), publicado pelo Ministério do Trabalho, as obras de edificação e infraestrutura empregavam 263.179 trabalhadores no Rio de Janeiro. Se for feita a comparação com o número de trabalhadores registrados em abril de 2014 (323.908), observa-se que em dois anos houve queda de 18,7% nas vagas oferecidas pelo setor. No mesmo período, o número total de empregados no estado, somando todos os setores da economia, registrou queda de 4,5%, bem menor do que o registrado especificamente no setor de construção civil. A queda no número de empregos observada no Rio de Janeiro, no entanto, permanece menor do que a média nacional do setor, que foi de menos 20,6% vagas, passando de 3,1 milhões de trabalhadores empregados na construção pesada em abril de 2014 para 2,5 milhões em abril deste ano. Já a participação do setor de construção civil em relação ao número total de empregos com carteira assinada caiu em dois anos 14,9% no Rio e 17,6% na média nacional. Essa vantagem comparativa no Rio, que agora começa a perder força, já reflete, na visão das empresas do setor, a desaceleração dos projetos ligados à Olimpíada. “Até agora, a Olimpíada de alguma forma ainda estava sustentando o setor de construção pesada do Rio que, por causa das obras olímpicas, não teve a crise que outros estados já tiveram. Por exemplo, Pernambuco e Bahia tiveram uma queda

CIDADE OLÍMPICA CENTRO DOLÍMPICO DE TÊNIS. FOTO: PCRJ

TRABALHO

muito grande”, diz Petrônio Lerche Vieira, diretor do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada.

Sem perspectivas

Para muitos trabalhadores, a situação já virou. Recentemente desligado das obras no Galeão após um ano e três meses de trabalho, o sinaleiro Roberto Silva, 50 anos, lamenta a falta de perspectiva. “Antes do trabalho no aeroporto eu fiquei dois anos como sinaleiro na construção do Transolímpico. Foram quase quatro anos de trabalho, com salário bom, mas agora não sei como será o futuro”, conta. Silva ganhou uma cartei-

rinha da empresa dando conta de que ele é “prioridade para futura contratação”, mas lamenta esperar a rescisão há quase um mês: “Quero pegar meu dinheiro para poder visitar meu filho pequeno que mora fora do Rio”. Pelos corredores do sindicato passam também os últimos trabalhadores remanescentes de alguns projetos. “Tá feia a coisa. Tínhamos uma equipe de vários eletricistas, mas agora só ficou um lá na obra”, conta o eletricista Marcelo ­Couto, recentemente demitido do projeto da Vila dos Atletas. Aos 25 anos, morador de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Couto, que antes havia trabalhado na


TRABALHO

THIAGO RIPPER/RBA

nós estamos muito preocupados porque não vemos luz no fim do túnel”. O novo governo, diz, não acenou até agora com a retomada das discussões sobre eventuais novos projetos. “Tudo foi suspenso com o afastamento da Dilma, governo que vinha discutindo isso aí. Agora as pessoas não estão mais lá e nós não temos a mínima noção do que vai acontecer no futuro. Antes podíamos dialogar com o governo, agora não temos nada.”

Tá feia a coisa. Tínhamos uma equipe de vários eletricistas, mas agora só ficou um lá na obra” Marcelo Couto, recentemente demitido do projeto da Vila dos Atletas, faz homologação no sindicato

construção do Museu do Amanhã (parte da revitalização da zona portuária carioca), também não tem novo trabalho em vista. “Já estou passando em algumas empresas para deixar meu currículo.”

Cronograma 2020

Antes do agravamento das crises política e econômica ao longo do ano passado, o poder público e as empresas sustentavam a existência de um cronograma de obras a serem iniciadas até 2020. Seu ­objetivo, entre outras coisas, era evitar que grandes contingentes de trabalhadores ficassem sem emprego após o término dos projetos que deveriam se encerrar antes da Olimpíada. O cronograma – que incluía a expansão do metrô para Niterói e São Gonçalo e a construção de uma nova estrada ligando o Rio a Angra dos Reis – foi, no entanto, sendo progressivamente esquecido e definitivamente abandonado com o início do governo do presidente interino, Michel Temer (PMDB). “No curto prazo não tem obra para comportar esse pessoal. O cronograma dos Jogos Olímpicos está sendo cumprido. Só que, a certa altura, a partir do final de 2014, começou a não ter mais obra nova. Estão acabando as obras que

já estavam acertadas, e a existência de obras novas vai depender de todos esses projetos que o governo prometeu fazer no Cronograma 2020. Eu não sei dizer quantos projetos vão ser admitidos”, diz Vieira. Para Nilson Duarte Costa, “não há perspectivas em relação ao futuro desses trabalhadores” se novos projetos não forem confirmados. “O cronograma até 2020 previa novas obras que iriam acontecer não só no estado do Rio, mas no Brasil todo, mas foi à bancarrota. Essa foi uma discussão feita em 2013 com o ­Ministério do Planejamento, que estava com todas essas previsões idealizadas e pronto para recolocar nessas obras, não digo todos, mas ao menos 80% dos trabalhadores que estão agora sendo demitidos no Rio de Janeiro. Novas vagas viriam com novas obras que estavam previstas pelo governo federal, mas isso tudo ficou suspenso pelo processo de crise que o país está atravessando.” Na análise do sindicalista, a situação das principais empreiteiras, envolvidas com a Operação Lava Jato, deixa em suspenso os projetos futuros de novas obras para a readmissão dos trabalhadores: “Essa é uma situação caótica,

Volta para casa

O bom momento do mercado de construção pesada no Rio atraiu ao estado diversos trabalhadores, muitos deles qualificados, vindos de outros estados. Sem novas opções, vários já começam a retomar o caminho de casa. O frentista de túnel Júnior Mendes, de 19 anos, passou os últimos dois anos trabalhando no projeto do Porto do Rio, mas agora decidiu retornar à Paraíba. “Agora está mais fácil encontrar trabalho lá do que aqui, por isso decidi voltar”, diz. Para o jovem, o período de trabalho vivido no Rio foi positivo: “Foi importante para o meu currículo. As obras da Olimpíada deram oportunidade a muita gente de fora”. Também paraibano, o ex-porteiro J­ osé Ednaldo, de 50 anos, foi outro que decidiu voltar para casa após o fim de seu contrato para as obras do porto, onde permaneceu por um ano e quatro meses trabalhando na escavação de túneis. O curioso é que Ednaldo já vive no Rio há 29 anos. “Deixei o trabalho nas portarias dos prédios, onde fiquei muitos anos, para ganhar mais nas obras. Agora tudo está acabando e, como a crise no Rio está braba, decidi voltar para casa e tentar abrir alguma coisa por lá. Estou só aguardando sair o dinheiro da rescisão.” “Temos uma série de companheiros demitidos que não são do Rio de Janeiro”, diz o presidente do sindicato. “Muitos que estão sendo demitidos estão voltando para os seus estados. E outros permanecem aqui na incerteza se vai ter mais trabalho ou não. Tem que ver até quando eles irão aguentar ficar por aqui, porque têm uma série de custos para sobreviver. Se não tiverem trabalho, passarão por uma situação muito difícil.” REVISTA DO BRASIL

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LICENÇA PARA

TRATORAR Com apoio de governo provisório, bancada do boi no Senado pode desmontar licenciamento ambiental Por Maurício Thuswohl 32

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ois projetos da bancada ruralista que contam com o apoio do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e a simpatia do presidente interino, Michel Temer, poderão significar, se aprovados, um grande retrocesso na legislação ambiental brasileira. Executada às sombras do processo de impeachment, a ofensiva de parte dos senadores tem como principal alvo o processo de licenciamento ambiental hoje vigente no Brasil, que é

considerado por analistas internacionais um dos mais avançados do mundo. Já aprovados em comissões internas do Senado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2012 e o Projeto de Lei 654/2015 podem entrar a qualquer momento na pauta de votação do plenário. Ambos determinam a “simplificação” do licenciamento para projetos de infraestrutura e outras “obras estratégicas”, a partir da adoção de mecanismos para aumentar o poder decisório das empresas,


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encurtar prazos para a realização dos estudos de impacto ambiental, diminuir as exigências de contrapartidas e compensações e afastar da discussão as populações atingidas no processo. A PEC 65/2012, já aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), determina que a própria empresa autora de determinado projeto seja responsável pela apresentação da documentação com os estudos sobre o impacto ambiental a ser causado. Uma vez apresen-

PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO

MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

EM JUÍNA (MT) Toras de madeira extraídas ilegalmente da terra indígena Manoki apreendidas pelo Ibama em março

tado, esse documento funcionaria como licença prévia para a execução do projeto, em caráter irrevogável, não permitindo que as obras sejam paralisadas, por exemplo, por qualquer questionamento oriundo de órgãos ambientais como Ibama, Funai e Instituto Chico Mendes, entre outros. De autoria de Acir Gurgacz (PDT-RO) e relatada na CCJ pelo então senador mato-grossense Maggi, a PEC agora precisa ser aprovada por três quintos dos senadores (49 votos) em dois turnos de votação no plenário, antes de seguir para a Câmara dos Deputados. No momento, o texto encontra-se com pedido de vista feito pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Elaborado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), que teve passagem relâmpago pelo Ministério do Planejamento do governo Temer antes da divulgação de gravações em que ele admite a adoção de um plano para impedir o avanço da Operação Lava Jato, o PLS 654/2015 é ainda mais abrangente. O texto cria o modelo de fast track para acelerar a emissão de licenças ambientais em obras consideradas estratégicas pelo governo. Para isso, a nova lei reuniria as três etapas de licenciamento observadas atualmente – prévio, de instalação e de operação – em uma única etapa. Também relatada no Senado pelo agora ministro Maggi, desta vez na Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional, onde foi aprovada, a proposta elaborada por Jucá elimina a exigência de realização de audiências públicas com a sociedade civil e de consultas prévias com as populações atingidas pelos projetos. Também encurta para apenas 60 dias o tempo de

análise do projeto por parte dos órgãos públicos responsáveis pelo envio de informações como a descrição das áreas de importância ambiental, bens culturais e históricos e a presença de comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas. De acordo com as atuais normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), todo o processo de análise pode durar até um ano. “Ambos os projetos inovam o ordenamento jurídico e visam a garantir maior segurança para a execução de obras públicas”, diz Maggi, que, após acordo com Temer, deixou o PR e ingressou no PP para poder assumir o ministério. A comissão especial foi criada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com a missão específica de discutir propostas e projetos que se enquadram no escopo da Agenda Brasil, documento lançado por Renan com diretrizes políticas e econômicas para o país. Item também presente no documento Uma Ponte para o Futuro, divulgado por Temer, a flexibilização do licenciamento ambiental é bandeira do governo peemedebista.

Reação ambientalista

As organizações do movimento socioambientalista e o Ministério Público procuram reagir. A Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), por exemplo, enviou a Renan carta aberta na qual pede o aprofundamento dos debates democráticos sobre o PLS 654/2015 antes que o tema seja pautado para votação em plenário. “Consideramos ser de fundamental relevância a

FACILITADORES Acir Gurgacz e Blairo Maggi: a PEC 65/2012 determina que a própria empresa autora de determinado projeto seja responsável pela apresentação da documentação com os estudos sobre o impacto ambiental a ser causado REVISTA DO BRASIL

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realização de debates amplos, mediante a realização de audiências públicas, com a participação dos mais diversos especialistas de diferentes setores da sociedade em relação aos complexos temas objeto do PLS 654/2015”, diz o documento. A Abong pede também que o Senado, antes de tomar qualquer decisão, “esteja adequadamente apropriado das diversas e complexas facetas” existentes nessa discussão. “Além de ser objeto de diversas normas regulamentares em todos os entes da federação (decretos, resoluções, instruções normativas, portarias etc.), o licenciamento ambiental, com mais de 30 anos de vigência no país, é objeto de aprofundados estudos acadêmicos, aprimoramentos nos órgãos especializados e outros tantos debates nas mais diversas esferas da sociedade e do poder público”, afirmam as ONGs. O Instituto Socioambiental (ISA), por sua vez, reuniu 135 organizações ambientalistas e movimentos sociais em um manifesto de repúdio ao PLS 654/2015: “O texto de autoria do senador Romero Jucá ampliará os conflitos, inclusive os judiciais. O meio ambiente será objeto de maiores riscos, as populações potencialmente impactadas ficarão menos protegidas e com seus direitos ameaçados e os empreendedores terão menos segurança jurídica para operar e mais conflitos a resolver sem a intermediação do poder público”. O projeto de Jucá, segundo os signatários do manifesto, “representa um retrocesso da democracia brasileira na medida em que elimina as instâncias de participação cidadã no licenciamento e minimiza o papel dos órgãos fiscalizadores de impactos sociais, como o M ­ inistério da Saúde, a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação Cultural Palmares, entre outros”. Eliminar os espaços de participação direta de atingidos e interessados, prosseguem, “é a maneira menos eficiente de encarar os conflitos inerentes às grandes obras de infraestrutura”.

Mobilizações

O ISA também manifestou seu repúdio em relação à PEC 65/2012, criticando os senadores por “aproveitarem-se do mo34

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COMPENSAÇÃO Maquinário usado para extração ilegal de madeira da terra indígena Manoki será doado para a prefeitura do município

mento em que as atenções da sociedade estão voltadas para as sessões da comissão especial do impeachment”. Sua eventual aprovação, afirma o instituto, teria “inúmeras consequências negativas, como o significativo aumento do risco de ocorrência de desastres socioambientais como o verificado em decorrência do rompimento da barragem de rejeitos de mineração em Mariana (MG)”. Segundo o ISA, a pretensão de extinguir o processo de licenciamento ambiental configura “gravíssimo e inaceitável” retrocesso nos direitos da sociedade brasileira, “notadamente o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida, bem como aos direitos fundamentais das populações impactadas por empreendimentos, todos resguardados pela Carta Constitucional”. Em outra frente de reação à proposta de Acir Gurgacz, o Ministério Público Federal (MPF) organizou de 16 a 20 de

maio uma semana de mobilizações contra a PEC 65/2012 e o enfraquecimento do processo de licenciamento ambiental no Brasil. “É patente a violação aos princípios fundamentais do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao princípio da dignidade da pessoa humana. Sem a devida presença das instituições de controle, aumenta-se o risco de pescadores, agricultores, populações tradicionais, flora e fauna sofrerem impactos irreversíveis com a instalação das obras”, diz uma nota pública assinada pelas seções do MPF nos estados de Amapá, Acre, Amazonas, Pará, Mato Grosso do Sul e Rondônia. Ministra do Meio Ambiente no governo de Dilma Rousseff, Izabella Teixeira afirma que as propostas em discussão no Senado contrariam a Constituição e que a posição do governo afastado era contrária à flexibilização do licenciamento ambiental, mesmo para os projetos ditos es-


PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO

MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

AMBIENTE

TERRA ARRASADA O atual licenciamento ambiental, com mais de 30 anos de vigência, é objeto de estudos acadêmicos, aprimoramentos nos órgãos especializados e outros tantos debates nas mais diversas esferas da sociedade e do poder público. Já o PLS 654/2015, do senador Romero Jucá, elimina a exigência de realização de audiências públicas com a sociedade civil e de consultas prévias com as populações atingidas pelos projetos

tratégicos. “O meio ambiente é um bem público, e o licenciamento ambiental autoriza, em nome da sociedade, que o empreendedor privado se aproprie daquele meio ambiente, com determinada finalidade. Para isso existem o licenciamento e a avaliação de impacto ambiental”, alerta. “Qualquer legislação que queira provocar retrocessos naquilo que já está consolidado é inaceitável.” Ainda como ministra, Izabella afirmou, durante participação no Congresso Mundial de Direito Ambiental, realizado no Rio de Janeiro, que os últimos 13 anos de governos progressistas trouxeram avanços à legislação ambiental, que formam um “legado a ser mantido”. Ela conclamou movimentos populares a ir para as ruas defender a manutenção das leis de defesa do meio ambiente caso o governo Temer aja para implementar uma agenda de retrocesso. Ministro do governo interino, Sarney Filho (PV-MA), apesar das posições que costumava defender como parlamentar nos últimos anos, parece agora se alinhar aos setores simpáticos à “agilização” dos procedimentos de proteção ambiental, grupo que inclui o próprio Temer. Após o primeiro encontro oficial com Blairo Maggi, realizado com o objetivo de “construir uma agenda positiva entre os dois ministérios”, segundo sua assessoria, Sarney Filho anunciou que passará a coordenar pessoalmente as discussões sobre mudanças no licenciamento ambiental travadas no Congresso. “Será uma mudança que não visa a queimar etapas, mas que dará segurança jurídica aos empreendedores. Os prazos serão respeitados com respostas efetivas e ágeis, sem atraso para os empreendimentos em razão do licenciamento. Falta gestão no licenciamento ambiental brasileiro”, afirma. Dias antes de assumir o ministério, no entanto, ele usou o plenário da Câmara dos Deputados para criticar a aprovação da PEC 65/2012 pela CCJ do Senado. “Essa proposta, na prática, acaba com o licenciamento ambiental para obras públicas. Se essa PEC prosperar, transformará a legislação ambiental brasileira, que já foi uma das mais avançadas do mundo, em legislação medieval.” REVISTA DO BRASIL

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MARCIA MINILLO/RBA

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VANTAGENS Mesmo morando perto de uma estação de metrô, Mateo prefere a bicicleta para ir ao trabalho: “Economizo dinheiro e tempo”

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MOBILIDADE

A força das duas rodas Por Helder Lima

CIDADE PARA TODOS Haddad: “A bicicleta dialoga com o imaginário de apropriação do espaço público”

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uso da bicicleta como instrumento de qualidade de vida – para o indivíduo, a sociedade e o meio ambiente – tornou-se tema inseparável das discussões sobre mobilidade urbana. Para o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, virou símbolo de urbanidade por se relacionar com muitas outras pautas. “Não sei por que razões ainda, mas é um fenômeno mundial. Ela dialoga com o imaginário de apropriação do espaço público”, disse Haddad na abertura do Bicicultura, encontro nacional de mobilidade por bicicleta e cicloativismo, que durante quatro dias, no final de maio, debateu essas questões. Segundo pesquisa de mobilidade feita pelo Ibope e pela Rede Nossa São Paulo em setembro de 2015, com 700 entrevistados, apenas 3% dos paulistanos usam a bicicleta todos os dias, enquanto 25% dependem do transporte coletivo e 18%, do automóvel. Mas os adeptos da bicicleta vêm crescendo. Esse universo aumentou 66% entre 2014 e 2015, reflexo da evolução do sistema cicloviário na cidade, próximo de alcançar 500 quilômetros – dos quais 380 quilômetros entregues entre janeiro de 2013 e maio deste ano. “Se você tem estrutura e dá segurança, os ciclistas aparecem. E cada ciclista na cidade é um carro a menos. Isso ajuda do ponto de vista da poluição e do espaço viário, e nós vamos atingir essa meta”, afirma o secretário de Transportes da cidade, Jilmar Tatto. Para se fortalecer como alternativa a encher de carros as ruas, o uso da bicicleta deve ser articulado com outras ferramentas, como o compartilhamento de automóveis. “Hoje, São Paulo tem 1,2 passageiro por viagem de automóvel, e se chegássemos a 1,7 ou 1,8 a frota circulante se reduziria em 30%”, diz Haddad. FÁBIO ARANTES/FREF. SP

Bicicleta ganha destaque nas discussões sobre reforma urbana, que consideram as políticas para humanizar os espaços públicos das cidades. E dinamiza um novo mercado

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MOBILIDADE

MARCIA MINILLO/RBA

de seu sistema cicloviário, em São Paulo não há até agora ciclovias que desabam. Mas há a barreira do Ministério Público do Estado, que move contra o prefeito Haddad, o secretário Jilmar Tatto e o secretário de Finanças, Rogério Ceron de Oliveira, ação de improbidade administrativa em razão das ciclovias. “É curioso que estamos lutando na Justiça para cumprir a lei federal”, diz Haddad, referindo-se ao Plano Nacional de Mobilidade Urbana, sancionado pela Presidência da República em 2012, que prevê a consolidação dos sistemas cicloviários e de faixas de ônibus. “Estamos sendo processados por usar o dinheiro de multa para fazer ciclovia. Não pode. Para fazer terminal de ônibus, também não. Ser preso por fazer terminal de ônibus vai ser uma honra no meu caso neste país”, acrescenta.

Mercado e estrutura

ALTERNATIVA Marco: hoje o consumidor está mais interessado por detalhes técnicos, e por bicicletas que atendam sua necessidade de transporte e não só de lazer

Pelo plano de mobilidade de São Paulo, a cidade deverá chegar a 1.700 quilômetros de ciclovias nos próximos 15 anos. O Rio de Janeiro também persegue a meta de consolidar 450 quilômetros de ciclovias ainda este ano. Mas esse objetivo foi arranhado pelo desabamento, em 21 de abril, de um trecho suspenso da ciclovia Tim Maia, na avenida Niemeyer, em São Conrado, zona sul, quando duas pessoas morreram no que seria o novo cartão-postal da cidade. O prefeito Eduardo Paes fala em restaurar e reinaugurar a ciclovia antes da 38

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Olimpíada. Mas isso não apaga a tragédia decorrente da pressa e falta de zelo com que a obra foi feita. Segundo avaliação feita pelo Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-RJ), faltaram estudos oceanográficos para a execução da estrutura da ciclovia, que foi atingida por uma ressaca do mar. Houve falhas na licitação, descumprimento de normas técnicas e falta de ética, omissão na indicação dos responsáveis técnicos nos desenhos do projeto, entre outras. Enquanto o Rio tenta vencer obstáculos técnicos e políticos na consolidação

A estrutura cicloviária avança entre desafios técnicos e jurídicos, com riscos de paralisações de obras e retrocessos, ao passo que a atividade econômica no ­segmento de duas rodas sem motor enfrenta a recessão. Ao mesmo tempo, e contraditoriamente, há uma queda de volumes de produção, mas aumenta o valor agregado dos produtos. Segundo o diretor-executivo da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), José Eduardo Gonçalves, há dez anos o Brasil produzia mais de 5 milhões de bicicletas por ano. Atualmente, a produção está em torno de 3,5 milhões. A tendência é de os equipamentos se tornarem mais sofisticados. “Consumidores hoje preferem modelos mais leves, de alumínio, com marchas, garfo dianteiro com suspensão e design arrojado”, afir-


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ma Gonçalves. “Antigamente o conceito era o da bicicleta para a vida toda, e agora o usuário prefere ter um produto que ele possa trocar mais para a frente por um modelo mais moderno. Isso tem mexido nos volumes do mercado. A quantidade é menor, a qualidade maior”, diz. Dirigindo uma loja com bicicletas nacionais e importadas, de acessórios e serviços na zona norte da capital paulista desde novembro de 2015, o advogado Marco Antonio Galvão de França Júnior diz que percebe atualmente o interesse do consumidor por produtos com maior valor agregado. “É um público mais interessado por detalhes técnicos, como o tamanho do quadro da bicicleta”, afirma. Ele considera como um aspecto positivo o fato de cada vez mais o consumidor buscar a bicicleta como alternativa de transporte, e não apenas de lazer. “Atendi uma cliente que queria uma alternativa para cumprir uma distância de dez quilômetros entre o trabalho e a moradia”, diz. “Outro cliente trabalha no estacionamento do Hospital das Clínicas e queria a bicicleta para ganhar tempo no deslocamento.” Gonçalves, da Abraciclo, e França ­Júnior concordam que as mudanças de mercado ocorrem em boa parte a reboque da evolução da infraestrutura cicloviária. Segundo Gonçalves, o processo de expansão do uso da bicicleta em centros urbanos ocorre graças à tomada de consciência dos benefícios dessa opção de mobilidade. “No fim de semana, é impactante a presença de ciclistas, muitos em família, nas faixas de lazer. Isso realmente contribuiu para maior demanda. E um detalhe que às vezes as pessoas não percebem é que aumentou o número de cursos para ciclista adultos. São especialistas que dão aula sobre como andar de bicicleta para senhoras de idade, por exemplo, e você pode ver isso no espaço do parque do Ibirapuera, em São Paulo”, afirma. Já para o comerciante é preciso aprimorar a infraestrutura nas cidades. Atualmente, os bicicletários em diferentes pontos de São Paulo dão sinais de superlotação. Ciclistas que não encontram vagas na estação Sé do Metrô são obrigados a procurar alternativas. Nas estações Liberdade e Butantã a superlotação se repete, e

Na hora da compra

Há bicicletas adequadas a cada tipo de usuário. Para decidir pela compra, é recomendável observar características de medidas, como tamanho do quadro Altura do ciclista (m) 1,50 a 1,60 1,60 a 1,70 1,70 a 1,80 1,80 a 1,90 1,90 ou mais

Tamanho do quadro (em polegadas) 15 16 ou 17 18 a 20 21 ou 22 22

Tipo As bicicletas são classificadas em: retrô, chopper, mountain bike, dobrável, speed, urbana, híbrida, passeio, fixa, BMX, reclinada e elétrica Aros Aros nos tamanhos 26 (polegadas) e 700 (milímetros) dominam o mercado. De uns tempos para cá, modelos mountain bike começaram a ser oferecidos com aros 27,5 e 29 polegadas, pelo melhor desempenho em pisos irregulares de terra. Nos modelos dobráveis, os aros de 20 polegadas dominam. Pneus e rodas Os mais lisos e finos (slik) proporcionam melhor desempenho no meio urbano. Os de “cravo”, com cavidades mais profundas, são recomendáveis em terra e lama. Existem os intermediários e também os mais resistentes e até antifuros. Há rodas de ligas metálicas e também com duplas camadas, mais resistentes contra deformidades em caso de pisos irregulares.

Transmissão É formada pela pedivela (com uma, duas ou três coroas, mais os pedais), corrente e pinhão. Em bicicletas com marcha, o pinhão é substituído pelo cassete, com várias engrenagens. O número de marchas resulta da multiplicação do número de coroas pelo número de engrenagens no cassete: se forem três coroas e sete engrenagens, a bicicleta terá 21 marchas e assim por diante Capacete Embora não seja obrigatório, pode evitar mais de 70% dos casos de lesão grave provocadas por quedas e acidentes. Sinalizadores O uso de buzinas, faróis e luminosos (piscantes ou não, inclusive à luz do dia) também previnem acidentes. Freios Atualmente, podem ser V-brake, a disco (hidráulico ou a seco) e cantilever. A tecnologia a disco é mais recente, e também mais cara. Há modelos mais simples, em que a função de freio é feita com o giro do pedal em sentido invertido. Montada ou pronta? Bicicletas também podem ser compradas prontas ou para serem montadas. Neste caso, leve em conta a confiança no vendedor, já que existem componentes de segunda linha e, portanto, com menor vida útil. Benefícios para a saúde Pedalar produz benefícios fisiológicos e psicológicos. Um gasto energético em torno de 2.000 kcal/semana está associado a uma taxa de mortalidade 30% menor do que a taxa para indivíduos sedentários. Benefícios já podem ser observados a partir de um gasto semanal de 1.000 kcal. O ciclista pode pedalar com auxílio de aplicativos que atuam com o GPS de smartphones e fornecem informações como quilometragens, velocidades e queima de calorias e a relação entre elas.

Fontes: Abraciclo, Escola de Bicicleta, FreeCycle, Megabike Store e estudo Custo por Km de Bicicleta

os postes ao redor chegam a ficar tomados de bicicletas presas por correntes. “A malha cicloviária ainda é pequena tendo em vista a cidade como um todo”, acredita França Júnior. “Falta bicicletário, aumen-

tar a malha de vias, chuveiro nas empresas para o ciclista tomar banho, tudo isso vai estimular o uso efetivo da bicicleta como alternativa de transporte”, defende. O diretor da Abraciclo destaca que o REVISTA DO BRASIL

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crescimento do polo industrial de Manaus, onde está a maior parte dos fabricantes, também contribui para o crescimento do mercado e da bicicleta. “As ciclovias são positivas nesse processo e talvez precisem evoluir com um planejamento mais adequado, e condições de infraestrutura também melhores em termos de condição de piso e sinalização. Temos um estudo em que se demonstra que preço, redução de imposto, nada disso vai contribuir para o maior uso da bicicleta. O que vai é a melhoria da infraestrutura de forma a criar uma cultura da bicicleta. A partir do momento que a pessoa sente que vai encontrar segurança e conforto, aí sim deixa o carro mesmo.” Trocar o carro pela bicicleta para ir à escola, vencendo uma distância de 2.500 metros a partir de casa, foi a escolha do representante comercial de cosméticos Thiago Baccarin da Costa, 30, que faz à noite faculdade de Gestão Comercial. Há quase um ano Thiago percorre 25 quilômetros por semana, fora o lazer nos fins de semana, segundo ele, por quatro fatores: ecologia, saúde, político e financeiro. Diz também que os 25 quilômetros pedalados não são suficientes para manter a saúde em dia, mas não tem tempo para pedalar mais. “Se pudesse, trocaria o carro pela bicicleta em todos os momentos.” Para Thiago, as ciclovias estão melhorando, mas ele diz que é inocência achar que a malha cicloviária é solução para a cidade. “É uma alternativa para quem está próximo da malha cicloviária”. Sobre os equipamentos, ele prefere uma bicicleta mais básica, sem perder de vista sua utilidade e conforto. Acredita que a tecnologia tem muito a crescer. “Cada vez mais gente se interessa pela bicicleta como alternativa de transporte”. Ele também critica que os componentes importados predominam no mercado. Mesmo morando perto da estação Sumaré do metrô, na zona oeste de São Paulo, o estudante de Relações Públicas ­Mateo Conselheiro preferiu a bicicleta, há um ano, para se deslocar para o trabalho, em uma multinacional com sede na Vila Mariana, zona sul, e de lá para a faculdade, na Avenida Paulista. Entre o percurso de ida e volta, Mateo pedala 12 quilômetros por 40

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TECNOLOGIA Na definição do Contran, a bicicleta elétrica é uma espécie de prima da bicicleta convencional: o motor só funciona pedalando

dia. “Os benefícios principais para mim são a economia de dinheiro e tempo”, afirma, ao enfatizar que com a bicicleta se desloca mais rápido do que pelo metrô, já que não tem de andar da estação até os pontos que frequenta diariamente. “Além disso, há a qualidade de vida, e o próprio fato de pedalar é também um entretenimento”, afirma. Sobre as ciclovias na cidade, ele as considera um fator bastante positivo, “pois posso me sentir seguro”.

Elétricas

A tecnologia de bicicletas tende a se expandir também, com a adoção de sistemas de pedal assistidos por propulsão elétrica. A tecnologia das bicicletas elétricas deve atender à Resolução 465 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que estabelece o que é uma bicicleta elétrica, diferente do ciclomotor e outros tipos de veículos motorizados. “É muito importante a resolução do Contran porque ao definir o que é uma bicicleta elétrica, tudo o que não está ali, não pode circular na ciclovia ou na ciclofaixa”, afirma Gonçalves, da Abraciclo. Os principais atributos da bicicleta elétrica, segundo o Contran, são o motor de até 350 watts de potência, e não pode ter acelerador de qualquer espécie. O motor é movido pelo pedal – esse é o conceito

de pedal assistido, ou “pedelec”, como é chamado na Europa. Ao atingir 25 km/h, o motor é cortado. O motor só funciona pedalando. “Isso foi definido dessa forma porque no entendimento muito bem sucedido dos pesquisadores o que eles quiseram definir como bicicleta elétrica é uma espécie de prima da bicicleta convencional. E algo totalmente diferente de um ciclomotor. Para usar uma bicicleta elétrica dentro dessa especificação, você não precisa de habilitação”, explica Gonçalves, destacando que será preciso ter maior fiscalização para monitorar o uso dessas bicicletas nas ciclovias, até por questão de segurança. “A bicicleta elétrica está começando no Brasil”, acrescenta o executivo. Para ele, o próprio uso da bicicleta convencional no Brasil, da maneira como nós entendemos a mobilidade urbana, a partir do momento em que deixou de ser vista como veículo da classe mais baixa, e passou a ser vista como um veículo muito interessante para a mobilidade em médias e grandes cidades. “Isso significa um novo uso da bicicleta, e nesse contexto a elétrica está dando os primeiros passos. A evolução vai ser natural, e você tem também a questão da demanda. Nós acreditamos que a bicicleta elétrica vai ser adotada como alternativa de mobilidade.”

GRACE/DIVULGAÇÃO

MOBILIDADE


EMIR SADER

Retorno de um passado derrotado

Não por acaso quadros do governo FHC, o grande laboratório de experiências neoliberais no Brasil, retornam ao governo

LULA MARQUES/AGÊNCIA PT

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ogo da sua pouco eufórica instalação, o governo golpista passou a mostrar ao que veio: desconstrução de tudo o que foi construído desde 2003, tanto do ponto de vista de direitos sociais como de distribuição de renda, de fortalecimento do Estado e do patrimônio das empresas públicas. Ao mesmo tempo que vai revelando os executores dessa agenda. Além da malta peemedebista, louca para se reapropriar do botim e fazer as nomeações correspondentes, nos cargos essenciais Temer apela para neoliberais de carteirinha e trajetória. Não apenas Meirelles e toda sua equipe, mas tucanos na educação, no Itamaraty, na Petrobras, no BNDES e em outros postos-chave no governo golpista. Porque o tema de fundo nos tempos atuais é resgate do modelo neoliberal versus modelo de superação dessa alternativa. Ao que o governo Temer se dedica centralmente, valendo-se de que não tem apoio popular, nem nunca terá, é colocar em prática, de forma acelerada o projeto neoliberal, desconstruído pelo Lula. Retomada das privatizações, corte nos recursos para a educação e a saúde, precarização das relações de trabalho, escancaramento do mercado interno, diminuição do peso do Estado, retomada da centralidade do mercado, entre outros tópicos centrais do projeto neoliberal. Para isso, não por acaso quadros do governo FHC, o grande laboratório de experiências neoliberais no Brasil, retornam ao governo, pela via de um golpe, dado que perderam as quatro eleições posteriores a este governo. E tratam de fazer esquecer o fracasso daquele governo, para tentar impor de novo seus remédios, que deram errado. O discurso é o da herança pesada do governo Dilma, especialmente desarranjos nas contas públicas, déficit etc, o que obrigaria a impor soluções duras, procurando alienar ao governo anterior a responsabilidade das medidas duras que tratam de impor. Acompanhado de um suposto fracasso dos governos do PT.

Para isso, precisam apagar da memória dos brasileiros o fracasso dos governos neoliberais, tanto de Collor como especialmente o de Fernando Henrique Cardoso, que eles protagonizaram. Precisam disso para retomar os velhos medicamentos, como se os problemas do país viessem do modelo implementado desde 2003, que teria fracassado e deixado a herança que eles tratam de consertar com as mesmas soluções neoliberais do passado. Quando o fracasso espetacular foi o do governo FHC. Conteve, num primeiro momento, a inflação, que retornou e entregou para o Lula no nível de 12,5%. Promoveu um enorme processo de concentração de renda, de exclusão dos direitos sociais para a grande maioria da população, de precarização das relações de trabalho, de subordinação dos interesses do país ao FMI e aos Estados Unidos. O Brasil saiu menor do que entrou, com perfil internacional baixo, com direitos sociais diminuídos, com taxas de juros estratosféricas, com Estado enfraquecido, com a mais profunda e prolongada crise recessiva que o país tinha vivido, que foi superada pelo governo Lula. O modelo neoliberal do governo FHC fracassou de tal maneira que o seu partido foi derrotado sucessivamente em quatro eleições, como efeito desse fracasso. Em cada uma das campanhas eleitorais, se comparavam os governos tucanos com os do PT, e os candidatos que representavam esta alternativa ganhavam. Essa é a verdadeira comparação – o maior fracasso foi o dos anos 1990. Os desarranjos atuais das finanças públicas se dão no marco de um imenso sucesso dos governos que se basearam no modelo de desenvolvimento econômico com distribuição de renda.

4 VEZES DERROTADO Posse do governo sem voto: todos querem aparecer na foto

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ATITUDE

AUTOESTIMA Ane: “O que adianta eu valorizar a história do Egito ou da Mesopotâmia se não valorizo a história deles?”

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elo menos 40 alunos na sala de aula em uma escola sem infraestrutura, com material didático engessado e professores mal remunerados, como é comum na rede estadual de São Paulo. Um dos muitos desafios da professora de História Ane Sarinara, de 27 anos, é tornar o ensino interessante para os jovens, em geral moradores da periferia de Osasco, na região metropolitana de São Paulo. A solução não estava na trilha do ensino tradicional: o funk, malvisto por parte dos colegas docentes, foi parar na sua aula. Professora há oito anos, Ane tem o hábito de sentar com os alunos no pátio durante o recreio para ouvir o que acham da escola. “Sempre me diziam: ‘A escola é chata, professora! Gosto 42

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A história no

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de vir mais por causa dos meus amigos do que das aulas’. Queriam coisas mais dinâmicas. Dizem que gostariam de cantar e dançar. Foi ai que eu comecei trabalhar junto com os MCs.” A equação parecia simples: se os alunos cantam e dançam funk no tempo livre, por que não utilizar a música para passar conteúdos? “Chamei um menino e disse que, já que ele gosta tanto do ritmo, iria ler alguns textos e a partir deles fazer uma música para todos cantarem na sala. Deu muito certo. Um faz a batida, outro marca o ritmo no cesto de lixo e eu vou perguntando para eles o que a música diz. De repente, o que é considerado o pior aluno da escola é o que mais participa.” Ane leciona hoje na unidade da Fundação Casa de Osasco.


ATITUDE PRISCILLA VILARIÑO/RBA

Em São Paulo, professora convida alunos MCs para compor funks sobre conteúdo das matérias. “De repente o menino que é considerado o pior da escola é o que mais participa”

ITMO

Por Sarah Fernandes

“Uma das atividades era sobre os 50 anos da cidade, justamente em uma época em que a prefeitura estava com problemas. Ele compôs: ‘Prefeito de Osasco, ninguém nunca nem viu/ ele se elegeu/ e depois sumiu’. Os alunos todos cantavam, inclusive quando um grupo de vereadores visitou a escola.” O trabalho não é simples e a resistência muitas vezes está no próprio colégio. “Se digo que vou trabalhar com funk muitos professores não aceitam. Tratam a periferia como algo inferior, onde não se produz cultura. Aí o aluno não se identifica e não se interessa. O que adianta eu valorizar a história do Egito ou da Mesopotâmia se não valorizo a história deles?”, diz. “Eu pego um aluno que foi expulso de casa porque teve uma reintegra-

ção de posse do local onde vivia. Está sem moradia, dormiu na rua com a família. O que ele vai querer saber de Michelangelo?” A professora critica a visão de escola silenciosa e ordenada. “Como os alunos vão produzir quietos? O que questiona não é considerado bom aluno, mas encrenqueiro. Mas o cidadão questionador é encrenqueiro. O que a escola diz que é se você questionar, será excluído.”

De quebrada para quebrada

Ane faz parte de uma geração que cresceu nos bairros mais pobres, decidiu continuar lá e comprar a briga para ampliar o acesso a direitos. “Por idealismo”, como diz, a luta diária é garantir aos alunos uma educação libertadora e de qualidade, direito de toda criança e adolescente. “É muito difícil os professores dizerem que eles podem melhorar o lugar onde moram. Geralmente os alunos ouvem que precisam melhorar de vida para sair da periferia. Não é assim. Por isso, costumo começar a matéria perguntando para eles qual a história que não está contada no livro. É a deles.” Natural de Jandira, vizinha a Osasco, Ane viveu cinco anos em um abrigo. Tinha 4 anos quando a mãe, a irmã e ela foram expulsas de casa pelo tráfico. Ficaram na rua. Aos 10, foi viver em Osasco com a mãe, que conseguiu se reerguer. Estudou em escolas estaduais da região, onde anos depois voltou para lecionar, após cursar História em uma das primeiras turmas do ProUni. “Ultrapassei o limite de ‘você vai ser doméstica, ter filho aos 16 anos e seu máximo vai ser um marido traficante’, como me diziam quando eu tinha 14 anos.” Para que seus alunos ultrapassem barreiras socialmente impostas, a estratégia é levantar com eles os problemas da região. “Tento mostrar que eles são cidadãos, que podem exigir e por quais caminhos. Isso, infelizmente, não dá para fazer de forma delicada, porque a periferia tem urgências. Eu tenho de escancarar a realidade para eles. Aí trabalhamos questões da nossa estrutura repressora como o machismo, o racismo e a desigualdade social. Sempre digo que eles precisam ter uma visão crítica para se defender do sistema”, conta. Da sua casa, em uma rua sem iluminação pública, ela ouve o mesmo funk que embala seus alunos nas festas. Na ida ao mercado não passa despercebida, encontra antigos e atuais estudantes. “Quando me virem nessas fotos tenho certeza que vão dizer ‘afe, professora, nem parece você’. Eles sempre me veem sentada em cima da mesa”, brinca. “Até minha linguagem é a mesma que a deles, porque eu cresci como eles e moro no mesmo lugar.” Os desafios persistem. “Não adianta eu perguntar se conhecem as guerras da África sem perguntar qual a guerra que eles vivem aqui. Por isso também uso nas minhas aulas os raps mais críticos. Eles ouvem e falam: ‘Isso acontece comigo, professora’.” O resultado não é simples de ser mensurado. Chega na forma de sorrisos, cumplicidade, participação e autoestima. “Tenho alunos no movimento estudantil, meninas que formaram grupos feministas, alunos que entraram na faculdade ou que conseguiram empregos. Já vi meninos saírem do crime e outros que falavam que queriam ser bandidos trabalhando.” REVISTA DO BRASIL

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CIDADANIA CHRISTIAN BRAGA/MINC

PRESENÇA Daiara Tukano, correspondente em Brasília

YANDÊ,

de todas as tribos Rádio on-line tem programação voltada para valorização e reconhecimento da cultura indígena Por Xandra Stefanel 44

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ducação, cultura, direitos humanos, política, meio ambiente, trabalho… Tudo o que vai ao ar na Rádio Yandê é feito por e para indígenas. Fundada em 2013 por Anápuáka Muniz Tupinambá Hã-hã-hãe, Renata Tupinambá e Denilson Baniwa, a Yandê é a primeira rádioweb indígena feita no Brasil. Além de música, a grade traz programas infor-

mativos, educativos, entrevistas, poesia e debates que apresentam ao público um pouco sobre a realidade das primeiras nações do Brasil e do mundo. Segundo o comunicador Anápuáka Tupinambá, a inspiração para a criação do canal foi o Programa de Índio, feito por Ailton Krenak e veiculado pela ­Rádio USP e outras emissoras educativas a partir da década de 1980. “A Yandê vem pe-


LIADEPAULA/MINC

TODAS AS LÍNGUAS Denilson comanda a mesa de som para a apresentação do músico Mokuká Mebengokré, que cantou forró em língua kayapó, no Parque Lage, Rio de Janeiro

INOVADOR O Programa de Índio, feito por Ailton Krenak, veiculado pela Rádio USP, foi a inspiração para a Yandê

RENATA TUPINAMBÁ / RÁDIO YANDÊ / ASTROLÁBIO / INSTITUTO TEAR

la necessidade, pela falta de espaço na mídia, que coloca os indígenas em uma condição estereotipada. Nos últimos três anos, a gente avaliou que não tinha uma mídia que fosse de indígena para os indígenas, com a visão do indígena sobre nós mesmos. Havia essa necessidade de uma mídia que fosse, além da nossa cara, o nosso pensamento”, diz. Atualmente, a Yandê tem cerca de 100 colaboradores indígenas espalhados por todos os estados do Brasil e um no Chile. “Eles mandam o conteúdo do que acontece nas suas regiões, passam pauta, auxiliam, trazem as notícias. A gente apura tudo e constrói os nossos conteúdos”, afirma Anápuáka. Além disso, a rádio conta com três correspondentes: Daiara Tukano, em Brasília, Vavá Terena, em Mato Grosso do Sul, e Djuena Tikuna, no Amazonas. Tudo isso feito desde o início por meio de investimento dos próprios fundadores. Mesmo com poucos recursos, a rádio já foi ouvida por mais de meio milhão de internautas em cerca de 60 países. “A gente fala dos povos indígenas do mundo inteiro, seja do Canadá, dos Estados Unidos, América Latina, Austrália, das terras altas (aldeias andinas), dos Celtas, os indígenas japoneses… A questão da origem é indiferente”, aponta Anápuáka. “Nossa missão é levar comunicação para os povos indígenas, levar as melhores notícias, o melhor da nossa cultura, o melhor do que a gente pode mostrar. Porque falar mal dos indígenas as outras mídias já fazem. Então, a gente quer mostrar o outro lado da nossa cultura, um lado que a maior parte das pessoas não conhece. Um dos grandes objetivos é levar a essas populações indígenas o direito de comunicar, essa possibilidade de criar suas próprias plataformas, difundir cultura indígena pelo olhar de quem realmente é indígena. Porque tudo o que a gente vê ou lê é uma versão do outro sobre nós”, analisa o comunicador. “Mas a gente não dá voz ao indígena. Ele tem essa voz, essa força e luta. A gente só amplifica. É uma forma de estímulo para que eles criem as suas ferramentas de comunicação para falar sobre suas questões e mostrar a realidade dos

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VOZ DO ÍNDIO Anápuáka: “Havia essa necessidade de uma mídia que fosse, além da nossa cara, o nosso pensamento” REVISTA DO BRASIL

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FACEBOOK BRÔ MCS RAP INDÍGENA

CIDADANIA

SEM ESTEREÓTIPOS Entre os músicos que volta e meia aparecem na programação, estão o grupo de rap Brô MCs, da aldeia Jaguapirú Bororó

povos indígenas no Brasil, sem preconceito e sem estereótipos.”

Diversidade

Engana-se quem pensa que a programação musical da Rádio Yandê leva ao ar apenas canções tradicionais. A grade feita semanalmente apresenta ao ouvinte rap, sofrência, pagode, heavy metal, metal, reggae, entre outros estilos. “Eles se apropriam dos gêneros para se apresentar. Não é simplesmente uma música ou um ritmo de branco, é uma música que está sendo apropriada por todos e não seria diferente com o indígena, que faz parte dessa sociedade”, afirma. Mas para ir ao ar não basta apenas que as músicas sejam feitas por índios. Segundo Anápuáka, as canções têm de trazer mensagens que de alguma forma tratem sobre a realidade deles. “Não é porque é uma rádio indígena que ela está voltada para receber qualquer conteúdo que ve46

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nha do indígena. Se não for de luta, que tenha a ver com a cultura, que venha alimentar, fomentar e fortalecer nossa própria cultura, não tem sentido tocar com a gente”, observa. Entre os músicos que volta e meia aparecem na programação, estão o grupo de rap Brô MCs, da aldeia Jaguapirú Bororó; a cantora, atriz, modelo e liderança indígena Zahy Guajajara, da aldeia Colônia; Wakay, da tribo Kariri-Xocó; Edivan Fulni-ô, do grupo Coisa de Índio; e o rapper Frank Waln, da reserva Rosebud, em Dakota do Sul, nos Estados Unidos, entre outros artistas. “A população indígena está se apropriando desses espaços de produção. Houve bastante estímulo no extinto Ministério da Cultura por meio de editais, chamados, e existem organizações que produzem esses estímulos. Há também indígenas que, de forma autônoma, simplesmente vendem uma vaca, um cabrito ou plantam,

pegam o dinheiro, produzem um CD e passam pra gente”, conta o comunicador. A grade fixa da Rádio Yandê traz os programas Roda de Prosa, que faz debates semanais sobre questões indígenas; o Comunica Parente, que reproduz áudios enviados para a redação com denúncias, poesias, histórias, depoimentos e apresentações musicais; o Programa de Índio, apresentado por Ailton Krenak e mais lideranças, entre outros. “Quando a gente mostra para os povos indígenas que eles podem comunicar, se apresentar e mostrar o melhor da sua cultura e diversidade, coloca-se aí uma força a mais de luta, um empoderamento”, conclui Anápuáka Muniz Tupinambá Hã-hã-hãe. Ele espera que o canal possa, em breve, ter acesso a mais recursos financeiros para manter e ampliar a programação. Como ouvir: http://radioyande.com/


curtaessadica

Por Xandra Stefanel

Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar

NANDAN SAXENA E KAVITA BAHL. ÍNDIA. 2015

Cena de Não Posso Te Dar Minha Floresta

Cinema e meio ambiente

De 15 a 29 de junho, várias salas de cinema da cidade de São Paulo recebem filmes com temática socioambiental. Além de produções nacionais, a 5ª Mostra Ecofalante vai exibir mais de 100 obras vindas dos Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Grécia, Noruega, Bélgica, África do Sul, Uruguai e Chile, entre outros países. Segundo a organização, estarão em cartaz tanto produções contemporâneas como clássicos do cinema de diferentes épocas. A programação organiza as obras por abordagens temáticas, como cidades, economia, pessoas e lugares, mudança climática, recursos naturais. Confira a programação completa no site da mostra: www.ecofalante.org.br.

JEAN-LOUIS SCHULLER E SEAN CLARK. LUXEMBURGO. 2015

Cena de Colheita Negra

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Xis!

Está em cartaz até 31 de julho no Sesc Belenzinho, em São Paulo, a mostra Retrato Popular, que traz obras do acervo do Memorial da Cultura Cearense. A exposição tem curadoria de Rosely Nakagawa, Valeria Laena e Titus Riedl e celebra vários tipos de retrato: de coleções de monóculos, ex-votos fotográficos, câmeras de lambelambe, moldes e retratos pintados, fotografias, gravuras, lonas pintadas e esculturas em madeira e argila. Estarão expostas obras do Mestre Julio, um dos maiores nomes da fotopintura brasileira, de Tiago Santana, de Tonho Ceará e de Luiz Santos. A proposta é mostrar a importância do retrato como tradição comum em todo o Brasil, como patrimônio da história da fotografia regional e parte relevante do registro de cidadãos de todas as classes sociais. De terça a sábado, das 10h às 21h, e aos domingos e feriados, das 10h às 19h30, na Rua Padre Adelino, 1.000, em São Paulo. Mais informações: (11) 2076-9700. Grátis.

Cena de O Outro Lado do Paraíso

Sonhos na capital Em 1963, o Brasil vivia um período turbulento, com o governo e o Congresso em crise. Cheio de esperança nas propostas de reforma de João Goulart, Antonio Trindade sai de Minas Gerais com a mulher e os filhos rumo a Brasília. Seu objetivo era achar o paraíso na terra e, de quebra, melhorar a vida de sua gente. Mas logo vem o golpe e transforma todo o seu sonho em pesadelo. Baseado no livro autobiográfico O Outro Lado do Paraíso (Geração Editorial, 48 págs.), de Luiz Fernando Emediato, o filme homônimo de André Ristum tem estreia nacional no início de junho. A trilha sonora, de Patrick De Jongh, tem participação especial de Milton Nascimento – que, além de interpretar uma das canções, toca sanfona, violão e cavaquinho. 48

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LUIZ SANTOS

AVERVO PESSOAL/TERCÍLIA DA SILVA

FOTOPINTURA MESTRE JÚLIO/TERCÍLIA DA SILVA

CURTAESSADICA

Notícias em quadrinhos Histórias de refugiados africanos em Malta, a miséria e os absurdos da guerra no Iraque, a ação de contrabandistas palestinos… Estes e outros assuntos ligados à temática da guerra estão ilustrados no livro Reportagens (Cia. das Letras, R$ 50), do correspondente de guerra Joe Sacco, cujo lançamento no Brasil está previsto para 27 de junho. Do mesmo autor de Palestina – Uma Nação Ocupada e Notas Sobre Gaza, o novo livro apresenta as reportagens em quadrinhos, recurso para o qual o jornalista tem se voltado cada vez mais. Com a subjetividade do “jornalismo em HQ”, a coleção traz o registros de encontros de Joe Sacco com diversas pessoas em áreas de conflito, histórias de horrores e de esperança que o autor revela com sensibilidade, mas também com crueza.


LUIZ SANTOS

TIAGO SANTNA

CURTAESSADICA

ARTHUR MOURA

Brasil, África e Caribe

História e influência negra

Em 1996, enquanto realizavam reformas em sua casa, na Gamboa, no centro da capital carioca, Merced e Petruccio descobriram que embaixo da construção do século 18 havia um cemitério com muitas ossadas. Naquela área foram enterrados os chamados “pretos novos”, os negros cativos que não resistiam à viagem da África e morriam antes de serem comercializados no Brasil. O local foi transformado em sítio arqueológico e, mais tarde, em centro cultural. O Memorial dos Pretos Novos tem o objetivo de manter viva essa história e as influências deixadas pelas populações negras africanas que vieram do outro lado do Atlântico e enriqueceram nosso leque cultural. O espaço pode ser visitado de terça a sexta-feira, das 13h às 19h, na Rua Pedro Ernesto, 34 e 32, na Gamboa, Rio. Mais informações: (21) 2516-7089. Grátis.

Duas cidades em uma, quatro cabeças a serviço de uma música dançante e pensante: a banda soteropolitana Baiana System lança seu segundo álbum Duas Cidades, que traz a guitarra e o gingado baianos na linha de frente. O álbum que tem produção de Daniel Ganjaman traz 12 faixas que exalam a influência do ijexá, afoxé, do samba reggae, da cumbia, chula, do dub, kuduro, da cantiga de roda, da música eletrônica e outros sons que misturam influências do Brasil, da África e do Caribe. Desigualdade social, especulação imobiliária, sobrevivência na selva de pedras e as forças da natureza são alguns dos temas das canções do disco que pode ser ouvido na íntegra no site www.baianasystem.com. Preço sob consulta. REVISTA DO BRASIL

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MOUZAR BENEDITO

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Onde está a honestidade

a Dinamarca não existe verão, segundo muita gente acredita. É frio o tempo todo. Mas uma atriz dinamarquesa (não me lembro qual) disse: “Existe sim. No ano passado até caiu num domingo”. Sobre políticos, não só no Brasil, a pergunta é: existem honestos? Existem sim, e acho que não tão raros como os verões na Dinamarca. No Congresso existem 513 deputados e 81 senadores. Quando o Lula era oposição, e não usava os “bons serviços” desses parlamentares, disse que na Câmara havia uns 300 picaretas. Acho muito otimismo. Mas também não sou tão pessimista a ponto de achar seja um honesto em cada 365. Nunca vi tanta gente cobrando honestidade. Para falar dessa gente, terei que usar expressões de “antigamente”, já que quando se fala em caráter, retidão, honradez, honestidade e essas coisas todas, “antigamente” era sempre melhor. Talvez possam responder à pergunta contida no samba de Noel Rosa: “E o povo já pergunta com maldade / onde está a honestidade?” E certamente são indivíduos que não se encaixam naquele samba de Bezerra da Silva: “Você me chamou pra esse pagode/ E me avisou: aqui não tem pobre/ Até me pediu para pisar de mansinho/ Porque sou de cor, eu sou escurinho/ Aqui realmente está toda a nata/ Doutores, senhores, até magnata/ Com a bebedeira e a discussão/ Tirei a minha conclusão/ Se gritar pega ladrão/ Não fica um, meu irmão!” E com o tema honestidade na ordem do dia, selecionei alguns pensamentos. Rui Barbosa: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra; de tanto ver crescer a injustiça; de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”. Barão de Itararé: “Deve haver honestidade entre os ladrões”. Anton Tchekov: “Eles são honestos: não mentem sem necessidade”. Bocage: “A quem torpe nasceu, nenhum defeito adorna”. Capistrano de Abreu: “O termômetro da dignidade poucos graus vai acima do zero; mas abaixo a graduação não tem fim”. Virgílio Ferreira: “A honestidade é própria das classes médias. As de baixo não a ignoram, mas não sabem para que serve. As de cima não as ignoram, mas não sabem para que ainda serve”. Eu: “Em nome da boa/ Governança/ A ética dança” Francisco Quevedo: “A honestidade é uma cor delicada, que teme o ar”. Warren Buffett: “A honestidade é presente caro. Não espere isso de pessoas baratas”. 50

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Nelson Rodrigues: “Não acredito na honestidade sem acidez, sem dieta e sem úlcera”. Jim Stovall: “Honestidade é fazer o certo mesmo quando ninguém está olhando”. Carlo Dossi: “O que é a honestidade senão o medo da prisão?”. Jean Paulhan: “Não é por ter sido honesto alguma vez que se pode passar o resto da vida a descansar”. Frank Sinatra: “Tudo o que disseram sobre mim não é importante. Quando eu canto, acredito. Sou honesto”. George Carlin: “A honestidade pode ser a melhor política, mas é importante lembrar que aparentemente, por eliminação, a desonestidade é a segunda melhor política”. Jean de La Bruyère: “Até mesmo os homens honestos precisam de patifes à sua volta. Existem coisas que não se pode pedir a pessoas honestas para fazer”. Émile Zola: “Que patifes, as pessoas honestas”. Groucho Marx: “Há uma forma de descobrir se um homem é honesto: pergunte a ele. Se responder que sim, é porque é um patife”. Leia crônica completa no Blog da Boitempo: bit.ly/mouzar_honestidade


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