Revista do Brasil nº 035

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FEBRE NA REDE Esperto, o Twitter já atraiu mais de 10 milhões de visitantes

nº 35

maio/2009

www.revistadobrasil.net

Francisco foi aliciado no Piauí e aprisionado em fazenda do Pará

CERCO À ESCRAVIDÃO Governo, empresas, movimentos sociais e o pacto para combater gente gananciosa que ilude, endivida e aprisiona trabalhadores

EXISTÊNCIA AMEAÇADA Os jornalões estão perdendo tiragem, função, leitores e poder


1º de maio. Dia Mundial do Trabalho. Esse dia faz a diferença.

Texto conforme novo acordo ortográfico.

Clara, filha da funcionária BB Stella Matos, DF. Gabriel, filho dos funcionários BB Claudemir Andreo e Derlange Cordeiro, DF.

Os milhões de trabalhadores brasileiros merecem um banco que esteja sempre presente no seu dia-a-dia.

E isso só é possível graças aos outros mais de 100 mil trabalhadores: funcionários e colaboradores do Banco do Brasil. Parabéns a todos.

Central de Atendimento BB - 4004 0001 ou 0800 729 0001 SAC - 0800 729 0722 Ouvidoria BB - 0800 729 5678 Deficiente Auditivo ou de Fala - 0800 729 0088 ou conecte bb.com.br


Índice

Editorial

OTAVIO DE SOUZA/DIVULGAÇÃO

Mídia 10 Grandes jornais impressos estão perdendo função, leitores e poder Especial 14 a 26 Democracia e sindicatos mais fortes num ambiente. Em outro, a dura tarefa de erradicar a escravidão. Contrastes do mundo do trabalho Entrevista 28 A arquiteta que enxerga construções onde poucos são capazes de viver Cidadania 32 Não retroceder depois de sair da prisão é uma prova de resistência Perfil 36 O luthier que faz instrumentos e ensina a tocar um futuro melhor Comportamento 38 Aprender a encarar a morte com naturalidade ajuda viver melhor Esporte 42 Os principais clubes do Rio estão em débito com o Campeonato Brasileiro

O ator Rui Ricardo como Lula: a história dos trabalhadores “virou” com a organização sindical

Histórias que viram

Igreja de São Francisco, em São João del Rei

JOÃO CORREIA

E

Viagem 46 A linguagem dos sinos resiste ao tempo e mobiliza São João del Rei SEÇÕES Cartas 4 Ponto de Vista

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Resumo 6 Em Transe

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Retrato 27 Curta Essa Dica

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Crônica 50

xpressões como “vira” e “não vira” ganharam novos sentidos na gíria popular. Quando algo “vira” é porque dá certo, funciona; se “não vira”, sem chance, pense em outra coisa. Talvez esses termos estejam associados a virar a página da própria história. Bem diferente daqueles usados por pescadores e marinheiros, para quem quando “vira” é porque o mar está perigoso. Mais uma vez, a Revista do Brasil traz reportagens sobre pessoas, instituições e histórias que “viram”. Sem uma pauta preparada para esse efeito, apenas executando as premissas de um novo jornalismo que se busca para o Brasil atual, o leitor vai encontrar nestas páginas o Twitter, que virou; o sindicalismo, que se virou desde os anos 40; a necessidade de virar a página das demissões e buscar uma discussão mundial sobre a responsabilidade social em todos os sentidos; a arquiteta do gelo que não deixa a casa virar; o sorriso que vira tudo ao avesso; as oportunidades para fazer a vida virar depois de prestar contas à Justiça; a música que vira ponte para o futuro; a superação frente à morte; os sinos que falam; a paixão pelo futebol que dribla a crise e, sem perder a esportiva, vira a mesa do bar da Preta. As rotativas que imprimem os grandes jornais do mundo é que estão virando menos. Em parte porque os jornalões não conseguem mais acompanhar a velocidade das informações; em parte porque as informações que produzem distanciaram-se das expectativas de seus leitores. Que talvez sonhem com democracia sólida, distribuição de renda, empresas responsáveis, trabalho decente e vida sustentável e, ao acordar, procuram informação e encontram bulhufas. Observe as fotos da reportagem sobre o combate ao trabalho escravo, na capa e nas páginas 22 a 26. E observe a cena da página 16, o caminhão pau-de-arara cheio de migrantes do sertão nordestino em direção ao Sudeste. Compare as realidades – a vulnerabilidade aos “gatos”, à escravidão, a necessidade de sair da terra para viver – com a história dos trabalhadores brasileiros costurada a partir do filme Lula, Filho do Brasil, do cineasta Fábio Barreto. Junte a esses cenários o carinho dos leitores que nos escrevem. Ao contar as histórias que viram, construímos uma nova forma de jornalismo. MAIO 2009 REVISTA DO BRASIL

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Cartas Informação que transforma Núcleo de planejamento editorial Bernardo Kucinski, Cláudia Motta, Daniel Reis, José Eduardo Souza, Lílian Parise, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Assistente editorial Xandra Stefanel Redação Evelyn Pedrozo, Ricardo Negrão, Thiago Domenici e Júlia Lima (arte) Revisão Márcia Melo Capa Foto de Benonias Cardoso/Piauí Imagens Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3241-0008 Comercial Nominal (11) 3063-5740 Poranduba (61) 3328-8046 Adesão ao projeto (11) 3241-0008 Atendimento: Claudia Aranda Impressão Bangraf (11) 6940-6400 Simetal (11) 4341-5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares

Conselho diretivo Admirson Medeiros Ferro Jr., Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Antonio de Lisboa Vale, Arilson da Silva, Artur Henrique da Silva Santos, Benedito Augusto de Oliveira, Carlos Alberto Grana, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Cleiton dos Santos Silva, Edgar da Cunha Generoso, Edílson de Paula Oliveira, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco Garcia, José Carlos Bortolato, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Maria Rita Serrano, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto Salvador, Raul Heller, Renato Zulato, Rodrigo Lopes Britto, Sebastião Geraldo Cardozo, Sérgio Goiana, Sérgio Luis Carlos da Cunha, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Vinicius de Assumpção Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Luiz Cláudio Marcolino Sérgio Nobre Diretores financeiros Ivone Maria da Silva Teonílio Monteiro da Costa

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Cultura Cada edição é uma aula de cultura. Logo nas páginas iniciais, Mauro Santayana. A entrevista com Lázaro Ramos é ótima. Também sou ator e sinto as dificuldades do ofício. Cada vez mais fico impressionado com as reportagens de viagem, como a sobre Botero e suas pinturas. Sem contar as leituras sobre diversidade no cinema, música, comportamento – e sem papas na língua quando precisa cutucar a política. Kimm Gomes, S.B. do Campo (SP) kimmgomes@ig.com.br Em transe Em nome da Prefeitura de Piraí (RJ), transmito os agradecimentos pelas referências elogiosas na reportagem “Vento de redemoinho” (“Em Transe”, ed. 34). No mês de maio, a cidade de Piraí distribuirá, com ajuda do governo do estado, notebooks a todos os alunos e professores da rede municipal de ensino. Será a primeira no mundo. Piraí hoje é referência no estado, principalmente nas áreas de saúde e educação. Vicente Senna, Divisão de Comunicação Social da Prefeitura Municipal de Piraí (RJ) Gostei muito da reportagem “O presente da música” (“Em Transe”, ed. 33). Ela nos trouxe, com imparcialidade, uma realidade que põe em discussão o que é legal ou não com a chegada do sistema digital. O autor traz o lado ruim, lados bons e dicas para baixar MP3 sem culpa. Acessei na internet o livro O Futuro da Música depois da Morte do CD, que tem conteúdo indispensável para músicos ou amantes da música. Acredito que o legal termina quando se utiliza do formato para se beneficiar em vez de beneficiar a música através do formato. Valdemir da Silva Lucio, Diadema (SP) valdemirsl@yahoo.com.br As dicas de “Em Transe” são oportunas. Espero vê-las sempre nesta revista. Publiquei os links em aabaca.blogspot.com, para que nossos leitores possam visitar os sites. José Guimarães, Pouso Alegre (MG) joseguimaraes@joseguimaraes.com

Santayana Achei muito bom o “Ponto de Vista” de Mauro Santayana (A reconstrução do mundo, ed. 34). Destaco as passagens que mencionam o cristianismo como “maior revolução da História” e que “a Igreja se perverteu na opulência e nos desmandos dos papas”. Peço vênia ao articulista para vincular a perversão da Igreja à cristianização de Constantino Magno e à adoção por ele do cristianismo como a religião oficial do Império Romano do Oriente, com sede em Constantinopla. A perversão se deu com a transformação da igreja doméstica na “Basílica” (Casa do Rei), quando deixou de ser a Igreja a serviço da salvação do rebanho e se transformou na Igreja do Poder Real. Geraldo F. Monção, Belo Horizonte (MG) geraldofmoncao@hotmail.com Os ensinamentos de Mauro Santayana nos enriquecem, compilando história, geografia, antropologia, como no artigo “A hora de ficar em casa” (ed. 33). Após uma abrangente lição, ele termina o artigo com frases de ouro como “o Brasil é grande e de suficientes recursos naturais que permitem vida digna a todos os seus”, e “mas nenhum projeto caminhará se os trabalhadores estiverem ausentes do processo”. Cacilda Monteiro Gomes, Macaé (RJ) dagagomes@terra.com.br Crônicas Tenho 16 anos e comecei a ler a Revista do Brasil há alguns meses. Gosto muito da seção “Crônica”, pois a cada edição aparece uma melhor. Aliás, todas as demais reportagens também são ótimas, parabéns a todos. Rodolfo Morais, S.B. do Campo (SP) rodolfoandrade0@hotmail.com

revista@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que as mensagens venham acompanhadas de nome completo, telefone, endereço e e-mail para contato. Caso não autorize a publicação de sua carta, avise-nos.


PontodeVista

Por Mauro Santayana

Protógenes e La Fontaine Daniel Dantas pode comprar jornalistas, pagar grandes advogados e obter habeas corpus altas horas da noite. Mas não pode gozar da liberdade de andar pelas ruas nem olhar um trabalhador nos olhos

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astúcia do dominador está em inverter a viços secretos têm o dever de combater o crime orlógica. Uma boa imagem disso está na fá- ganizado, contra o qual as repartições policiais pobula do lobo e do cordeiro, de La Fontai- dem pouco. ne. Estando bebendo à jusante do riacho, É natural que a Abin, por si só, ou em conjunto com o cordeiro jamais sujaria a água de que se a Polícia Federal, investigue a lavagem de dinheiro e a servia o lobo. Quando o cordeiro usa desse argumen- evasão de divisas rumo a paraísos fiscais. Se agentes da to irretorquível, o lobo responde que, se não foi aquele Abin estivessem trabalhando em conjunto com agentes mesmo cordeiro a sujar a água, foi outro cordeiro – e da Polícia Federal contra a organização de Fernandidevora o animal indefeso. nho Beira-Mar, ninguém estranharia. Protógenes seria Na abertura de Macbeth, de Shakespeare, as feiticei- visto como herói nacional pelo ministro Gilmar Menras, antes de induzir o nobre a seu destino trágico, dan- des e por toda a mídia brasileira. çam em torno de uma fogueira e gritam: Mas o alvo de suas investigações não é “Fair is foul and foul is fair”, ou seja, “o cer- Se o delegado um bandido que veio da favela. A famíto é errado e o errado é certo”. É a isso que cometeu lia de Daniel Dantas tem raízes no Impéestamos assistindo, nestes últimos meses, rio, é descendente do barão de Jeremoabo. excessos, no embate entre o banqueiro Daniel DanEle é filho de um amigo de mocidade de tas e dois insistentes mosqueteiros, o de- pague pelos Antonio Carlos Magalhães e de uma selegado Protógenes Queiroz e o juiz Faus- excessos. nhora das altas rodas sociais de Salvador. to de Sanctis. O banqueiro é mais do que Mas, por É considerado pelos admiradores “gênio ele mesmo; seu poder é maior do que o maiores financeiro”. Protógenes também é baiano, seu dinheiro, que amealhou da forma que que tenham mas seu pai era militar da Marinha e sua amealhou e com o qual pode contratar admãe uma jovem mestiça. Passou infância sido, nada vogados importantes e cooptar jornalise juventude em Niterói, enquanto Daniel tas conhecidos. Daniel Dantas representa representam Dantas fazia seus peagadês nos Estados parcela ponderável dos ricos brasileiros. diante dos Unidos. Não os representa em sua totalidade, por- crimes de que O confronto entre Protógenes e Daniel que há homens honrados entre os empre- o banqueiro é Dantas é o confronto entre a lei e o crisários nacionais. me; entre as oligarquias, que antes se nususpeito Com Dantas encontram-se os grandes triam do trabalho escravo e hoje se aproespeculadores, muitos de má fama comprovada, e o priam dos recursos nacionais. O delegado cometeu defendem inúmeros parlamentares de biografia bem excessos, muito bem, que pague pelos excessos. Mas, conhecida. Alguns se valem de seus favores, como o por maiores que estes tenham sido, nada representam empréstimo de aviões e a contribuição para as campa- diante dos crimes de que são suspeitos o banqueiro e nhas eleitorais; outros o apoiam por solidariedade de seus sócios. classe e cumplicidade nos negócios. O sistema republicano baseia-se em um princípio A inversão da lógica atinge o âmago do Estado universal, o de que todos são iguais diante da lei. Se a brasileiro. Todo Estado tem a necessidade e o dever polícia usa algemas para alguns, deve usá-las para tode manter serviços secretos de informação. Ainda dos. Se alguns vão para as celas comuns das penitenciá­ que contassem com a proteção de Jeová, os judeus rias, todos devem cumprir nelas as suas penas. se valeram de Judith para seduzir e degolar HoloO banqueiro Daniel Dantas pode comprar jornalisfernes, na resistência contra os assírios. Os serviços tas, pagar os melhores advogados e contar com a pressecretos são abomináveis quando se dedicam a de- teza de juízes que lhe concedem habeas corpus altas hofender tiranias. Mesmo assim, é preciso separar as ras da noite. Mas não pode gozar da liberdade de andar coisas. A Abwehr, serviço de espionagem externa da sozinho e sem medo pelas ruas de seu país. Não pode Alemanha, era uma coisa; a Gestapo, outra. Os ser- olhar um trabalhador nos olhos.

Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros a partir de 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 1980

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Resumo

Por Paulo Donizetti de Souza (resumo@revistadobrasil.net)

Mailson 1.782%

Em artigo para uma revista semanal, no final de abril, o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega expressou a mágoa do “mercado” oposicionista com a troca de comando do Banco do Brasil. O novo presidente, AdeMailson da mir Bendine, assumiu o cargo em 23 de abril, Nóbrega em substituição a Antonio Lima Neto, com o compromisso de tornar o banco mais competitivo nas políticas de crédito. Mailson nega um quase-consenso mundial – de que uma das vacinas do Brasil ante a crise foi contar com forte sistema bancário público –, acusa a troca de comando de “política” e volta a defender a condenada tese da privatização do banco. “Já não existe falha de mercado que exija um BB estatal”, disse. Mailson participou da elaboração dos planos Bresser (1987) e Verão (1989, ano em que a inflação atingiu 1.782%) e tomou as primeiras medidas que iriam escancarar a economia brasileira nos anos 1990.

Haja laranja A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou parecer que veta a parlamentares a posse de canais de rádio e TV. A reação ao parecer do senador Pedro Simon (PMDB-RS), que pode inviabilizar a renovação de concessões de emissoras para os parlamentares que Pedro Simon atuam como empresários de mídia eletrônica, foi imediata. “O que aconteceu na CCJ foi um absurdo”, protestou Antonio Carlos Magalhães Júnior (DEMBA), sócio da TV Bahia, afiliada da Rede Globo. A decisão terá de ser votada em plenário. Pelo menos 50 deputados e 20 senadores possuem outorga para operar emissoras.

Fundamental “Pois, senhor meu marido, eu não entendo a vida sem harmonia” Chiquinha Gonzaga (1847-1935), compositora, republicana e abolicionista, intimada a escolher entre o marido e a música

Temperos indigestos Boa parte dos alimentos no Brasil apresenta altos índices de resíduos de agrotóxicos. É o que constata o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A pesquisa de 2008 coletou 1.773 amostras de 17 produtos monitorados, em 15 estados. O pimentão é o vilão, com presença de agrotóxicos em mais de 64% das amostras. Depois vêm morango (36%), uva (32%), cenoura (30%), alface (19%), tomate (18%) e mamão (17%). Os menos afetados foram a manga, com apenas 0,99% de veneno, seguida de banana, batata, cebola e feijão, todos com menos de 3%. A pesquisa alerta: além de comprometer a qualidade dos alimentos, os agrotóxicos têm impacto na saúde das pessoas que trabalham em seu cultivo.

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Vermelhos, verdes ou amarelos: perigosamente bonitos


MAIS CONTEÚDO. ATUALIZAÇÕES DIÁRIAS. INTERATIVIDADE. SUA REVISTA. SUA RÁDIO. TODOS OS DIAS. O DIA TODO.

Breve, na sua tela

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EmTranse

Por Rodrigo Savazoni (emtranse@revistadobrasil.net) Jack Dorsey

Que diabo é esse negócio? O Twitter ultrapassou a casa dos 10 milhões de visitantes

O

serviço de rede social Twitter­ completou três anos em março, mas bombou mesmo a partir do ano passado. Embora ainda bastante concentrado nos Estados Unidos, já começa a se mundializar. Impressiona a velocidade de seu crescimento – apenas no ano passado o número de cadastrados saltou 1.000% – e do surgimento de novas funcionalidades e lógicas de uso geradas pelos twitters, como são chamados seus usuários. No Brasil, de acordo com a pesquisadora de redes sociais Raquel Recuero, o Twitter ainda pode ser considerado um serviço de nicho. Ou seja, atinge um públiBiz Stone co muito específico, que ela chama de heavy users (numa tradução livre, “usuá­ rios neuróticos”, entre os quais me incluo). Após uma pesquisa quantitativa com mais de 900 usuários da rede, Raquel concluiu que dois tipos de aplicação se destacam no Twitter: “O uso para con-

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versação e o uso para informação”. Ou seja, as pessoas procuram a ferramenta para aprofundar laços sociais, mas também para obter informações que possam contribuir para sua vida. Isso é resultado da simplicidade do Twitter­, que vem sendo chamado de ferramenta de microblogging. No princípio, parece algo estúpido, pois serve para que você escreva, em até 140 caracteres, o que está fazendo naquele momento. Justamente por ser tão simples, o Twitter­acaba assumindo várias formas, cada um pode inventar a sua. Por vezes, parece com um mensageiro instantâneo, mas é mais do que isso. A diferença consiste na organização de comunidades em torno do seu perfil, de duas maneiras: você pode seguir pessoas, ou seja, selecionar com quais quer estar conectado permanentemente e receber informações sobre elas em tempo real; e pode ser segui-

4º lugar

Em janeiro deste ano, o jornal britânico The Times publicou o ranking das “regiões twitteiras”. São Paulo já é a quarta localidade com o maior número de usuários da ferramenta, atrás apenas de Londres, Nova York e São Francisco. do por pessoas, ou seja, ser escolhido pelos amigos ou por gente que gosta do seu trabalho – e estar em permanente contato com eles toda vez que você atualizar sua página. Em vários países a ferramenta é bastante utilizada a partir de aparelhos celulares, para leitura ou envio das mensagens. Isso ocorre porque uma sentença do Twitter­é muito parecida com o dos torpedos. O blogueiro Cris Dias, autor de um ranking dos twitters mais populares, define o Twitter­ como “o fruto do amor proibido entre o MSN e o scrap do Orkut”. Para ele, é a famosa ferramenta certa na hora certa: “É fácil de usar, pode ser acessado de qualquer lugar, principalmente do celular, e não requer muito esforço ou dedicação. Você gasta tanto tempo nele quanto quiser”. Por todos esses fatores, o brinquedo criado por Evan Williams (também criador do Blogger, a popular ferramenta de gestão de blogs comprada pelo Google), Biz Stone e Jack Dorsey começa a enfrentar o preço da popularidade, como ter de fazer investimentos pesados em infraestrutura para comportar o número crescente de usuários. Se você ainda não está dentro, é hora de experimentar.


FOTOS DIVULGAÇÃO

Os mais mais

Rafinha Bastos

Marcelo Tas Danilo Gentili

Cris Dias faz a lista dos usuários de Twitter mais populares do Brasil. O levantamento compila o número de seguidores de determinadas personalidades. Para ele, esse ranking é apenas uma régua. “Pode significar que você é uma celebridade fora do Twitter (como no caso do pessoal do CQC), que escreve coisas interessantes ou apenas está ativamente atrás de novos leitores. Ou todas essas coisas ao mesmo tempo”: 1. Marcelo Tas 29.204 (twitter.com/marcelotas) 2. Edney Souza 21.694 (twitter.com/interney) 3. Rafinha Bastos 18.189 (twitter.com/rafinhabastos) 4. Tessalia 15.192 (twitter.com/Twittess) 5. Danilo Gentili 14.780 (twitter.com/danilogentili) 6. Kibe Loco 13.930 (twitter.com/kibeloco) 7. Júlio Yam 12.890 (twitter.com/julioyam) 8. Twitteiro Profissa 11.291 (twitter.com/Twitteiro) 9. Carlos Merigo 9.814 (twitter.com/cmerigo) 10. Rosana Hermann 9.112 (twitter.com/rosana) A lista completa está em www.crisdias.com/ranking-twitter-brasil

Para entender o Como toda comunidade, o Twitter desenvolveu sua “novilíngua”, conjunto de expressões que só fazem sentido para quem está no jogo. Um dicionário wiki, de produção colaborativa, foi criado no endereço http://twictionary.pbwiki.com (em inglês). O site Twitter Brasil fez a tradução de alguns dos termos e eu escolhi os que considero mais importantes para quem está começando. Se quiser ver tudo, acesse www.twitterbrasil.org. # – o símbolo # (também chamado de hashtag) antes de uma palavra serve para identificar o assunto do tweet. @ – usa-se antes do nome de algum usuário para direcionar a mensagem a ele ou para se referir a ele. baleiar – verbo criado a partir das sucessivas vezes em que o Twitter saía do ar e no lugar aparecia a imagem de uma baleia. Sinônimo aproximado de “sair do ar”. Fail Whale – baleia simpática que costuma aparecer quando o Twitter sai do ar. follow – “seguir” em inglês. follower – termo em inglês para “seguidor”, ou seja, todos os contatos que acompanham as atualizações de alguém. following – termo para “seguindo”, ou seja, todos os contatos que são acompanhados por alguém. RT (reweet) – twittar conteúdo postado por outros usuários. (Outras variações: ret., retwitt). tweet ou twittada – nome dado a cada mensagem postada no Twitter. twittar – verbo, ação ou efeito de postar alguma coisa no Twitter. twitteiro – usuário do Twitter. twitterholic – viciado em Twitter.

Evan Williams

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Parem as m MÍDIA

Os jornais impressos perderam sua função informativa e agora começam a perder leitores e poder político. Suas gigantescas rotativas estão se tornando antieconômicas Por Bernardo Kucinski

A

internet já supera todos os meios de comunicação como principal fonte regular de notícias dos americanos. O torpedo, que qualquer um pode enviar por celular, já é o mais poderoso meio de mobilização social. Foi um torpedo que salvou São Paulo da catástrofe, quando o estoque de sangue do Hospital das Clínicas caiu repentinamente para apenas 325 bolsas em outubro e operações chegaram a ser suspensas. Carlos Knapp, dirigente da Fundação Pró-Sangue, pediu à operadora Claro que lançasse um torpedo de apelo, e na manhã seguinte já havia filas de doadores. Filas que se mantêm até hoje, porque a Pró-Sangue identificou-se com o mundo afetivo dos jovens, sua forma de viver e se socializar. É um novo mundo, no qual a comunicação transcende o mero ato de informar e ganha dimensão antropológica, ou seja, molda o ser humano desde a infância. Uma nova “ambiência”, como diz o professor Muniz Sodré, na qual impulsos digitais se convertem em prática social e afetiva. O poder de mobilização da internet já havia sido demonstrado no atentado de Madri, quando 100 mil espanhóis acorreram à praça, convocados por torpedos, mudando por completo do dia para a noite o resultado das eleições. E na campanha de Obama, quando milhares de pessoas comuns doaram US$ 10 por intermédio de redes de relacionamento, para eleger o primeiro presidente não branco nem de olhos azuis da história dos Estados Unidos. Enquanto isso, jornais impressos do Ocidente e do Japão perdem pencas de leitores. No Japão, os cinco maiores perderam um quarto de seus compradores só nos últimos dois anos. Uma debandada de 13 milhões. Imaginem o prejuízo. Nos Estados Unidos,

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a debandada foi de 2 milhões em oito dos dez maiores. Jornais monumentais como Chicago Tribune e Los Angeles Times estão à beira da concordata. Quatro também centenários abandonaram de vez o papel impresso; só podem ser lidos hoje na internet. Entre eles o Christian Science Monitor, famoso pela cobertura crítica das ditaduras militares da América Latina, e o Post Intelligencer, da cadeia montada pelo homem-símbolo do poder político da grande mídia, William Hearst, imortalizado no filme de Orson Welles, Cidadão Kane. Outros jornais americanos estão extinguindo uma ou duas edições por semana, reduzindo páginas, eliminando suplementos literários, fundindo seções, demitindo até metade de suas redações e cortando até 5% dos salários altos. A crise dos jornais impressos americanos é braba. Algumas cidades não possuem mais imprensa local diária. Na Inglaterra, os diários de qualidade, referência mundial da excelência em jor-

nalismo, perderam entre 2,5% e 14% de leitores no último ano: The Independent, menos 14%; The Guardian, 6%; Daily Telegraph, 5%; Financial Times, 3%; The Times, 2,5%. Na França, o mesmo declínio, embora mais lento. Apavorados, os jornalistas franceses pediram socorro ao governo alegando a relevância dos jornais para a democracia. Esperto, Sarkozy anunciou um pacote de € 600 milhões de ajuda, na forma de isenções fiscais, aumento nas verbas publicitárias do Estado e outras medidas. Um senador americano pensa na mesma solução.

Tiragem diária em queda JAPONESES Jornal Yomiru Shimbun Asahi Shimbun Mainichi Shimbun Nihon Kenzai Shimbun Chinuichi Shimbun AMERICANOS Jornal Los Angeles Times The New York Times The Washington Post Chicago Tribune

2005 14 milhões 12,1 milhões 5,6 milhões 4,6 milhões 4,5 milhões

2008 10 milhões 8 milhões 3,9 milhões 3 milhões 2,7 milhões

2005 902 mil 1,1 milhão 708 mil 601 mil

2008 739 mil 1 milhão 622 mil 516 mil


máquinas! Perda de influência

É o fim da arrogância dos grandes jornais impressos do Ocidente; dos tempos em que um editorial do Times derrubava um ministro. Esse processo vinha se dando por etapas, quase imperceptíveis, mas agora assume ritmo dramático e irreversível. Primeiro definharam os grandes jornais ligados ao movimento operário ou aos ideais libertários, como L’Aurore, francês fundado em 1897, no qual Émile Zola publicou o seu famoso J’Accuse,, e fechado em 1944. O Davar,, publicado pela central operária de Israel, em 1925, tornando-se o maior jornal do país, fechou em 1966. Todos num momento ou outro foram dirigidos por grandes personalidades, líderes que se tornariam presidentes ou grandes escritores. O L’Humanité, fundado por Jean Jaurés em 1904, no ano passado vendeu sua sede e rodou o chapéu pedindo doações. Se já existisse internet nos anos 40, talvez ainda pudéssemos ler o L’Aurore e o Davar, como hoje podemos ler o Christian Science Monitor. Assim como os jornais anarquistas sucumbiram com a morte do anarquismo e os jornais de esquerda que os sucederam definharam quando o movimento operário se debilitou, hoje os que estão a perigo são os grandes jornais criados pela burguesia industrial e financeira que se tornou hegemônica no final do século 19. É como se essa burguesia e seus jornais não tivessem nada mais a dizer, em especial depois do desmoronamento dos grandes bancos do Ocidente. Só três deles continuam firmes: o Al Ahram, do Egito, maior diário em língua árabe; o italiano Corriere de La Sera; e o The Wall Street Journal. Todos os outros entraram em crise. O Asahi Shimbun, fundado no apogeu da revolução Meiji que arrancou o Japão do feudalismo, teve de negociar no ano passado uma injeção de US$ 226 milhões da TV Asahi Corporation.

O Financial Times, apesar de aumentar o preço de capa e cobrar pelo acesso ao online, apenas consegue se equilibrar. O famoso Times virou caricatura de si mesmo ao adotar o tamanho tablóide, na inútil tentativa de atrair os jovens. The New York Times e The Washington Post operam no vermelho. Também definha a última geração de jornais influentes surgidos no pós-Guerra, no bojo da derrota do nazifascismo, como Le Monde, criado em 1944 por De Gaulle, e Die Welte, fundado em 1948 pelas tropas britânicas de ocupação. O Le Monde vende hoje apenas 320 mil exemplares, depois de chegar a quase meio milhão. O Die Welte, de enorme prestígio no pós-Guerra, com tiragem de 1 milhão, hoje imprime 200 mil. Até El País, da última geração de jornais portadores de projetos políticos importantes, foi afetado

pela profunda crise na Espanha. O Libération, fundado por Sartre em 1973, tira apenas 146 mil exemplares. Primeiro esses jornais perderam sua principal função, a noticiosa, quando o público descobriu que não precisa mais comprar jornal para saber o que se passa. “Depois perderam sua função mediadora, porque se afastaram dos problemas reais da sociedade”, disse Paschoal Serrano, do site Rebellion, no Fórum Social Mundial de Belém. No mesmo fórum, Ignácio Ramonet, o especialista que até dois anos atrás ainda chamava essa MAIO 2009 REVISTA DO BRASIL

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FOTOS DIVULGAÇÃO

DECISIVA A internet foi a grande aliada de Obama e seus apoiadores tanto na difusão de propaganda quanto na arrecadação de fundos

mídia de “quarto poder”, disse que a quebra dos bancos enfraqueceu muito esse poder, cimentado que estava numa aliança com o capital financeiro. No ano passado, a dramática queda na receita de publicidade atingiu muitos deles como golpe de misericórdia.

Notícias populares

Tudo isso significa o fim dos jornais impressos? Não. Pode ser o fim de uma espécie, mas não de todo o universo dos jornais, que são mais de 11 mil no mundo todo. O hábito de ler jornais ainda é profundamente arraigado. Na China, que passa por uma revolução industrial e urbana comparável à que sacudiu o Ocidente 100 anos antes, os jornais florescem. Suas tiragens, crescentes, alcançam a casa do milhão. O Japão tem 15 diários com mais de 1 milhão de tiragem. A China tem 12, a Índia, 11, e até a pequena Coreia tem 2. Só o Asahi Shimbun, mesmo depois das últimas perdas, tem 2,5 vezes mais leitores do que os 80 maiores diários brasileiros somados, estimados em 4,5 milhões. Dos 100 jornais de maior circulação do mundo, 80 estão na Ásia. No Ocidente, são os jornais populares que ainda mantêm grandes tiragens. Entre eles o americano USA Today (2 milhões de exemplares), que adotou desde o início o texto curto do tipo internet; o escandaloso tablóide Bild (4 milhões), da Alemanha; e os tablóides ingleses Mirror (2 milhões) e Daily Mail (1,5 milhão). Também no Brasil, enquanto os jornalões estagnaram em tiragens ridículas para o tamanho da população brasileira (em torno de 350 mil exemplares) e se descolaram totalmente dos sentimentos populares, diários mais baratos e de massa estão em expansão. Mas esse negócio de vender milhões de

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folhas impressas, com notícias que já fo- e com isso consegue cobrar de pesquisadoram lidas um dia antes e de graça na inter- res. Mas na maioria dos jornais a cobrança net, deve estar com os dias contados. Até não funcionou e foi abandonada. por motivos ecológicos. No site do JerusaO Corriere de La Sera eletrônico recebe 88 lém Post, quando você pede a impressão de milhões de visitações por mês e mais de 300 um texto, aparece um pedido emblemático: milhões de page viewers. Mas não há como “Depois de imprimir, por favor, plante uma cobrar. Sustenta-se pelo impresso, lançanárvore para ajudar a natureza”. A lógica in- do um grande número de suplementos que dica que a longo prazo aos meios impressos garantem a vendagem e a publicidade, escaberá a leitura mais demopecialmente a de luxo. Este é rada das interpretações, es- No Brasil, o segundo paradoxo: os jorpeculações, ou textos muito enquanto nais não podem abandonar especializados de economia os jornalões o impresso porque é nele que e grandes reportagens e re- estagnaram entra a publicidade paga, só latos, com periodicidade seque ela está minguando. Se em tiragens manal ou mensal. ficar o bicho come, se correr O modelo de negócios do ridículas para o bicho pega. jornal impresso é hoje uma o tamanho Há outros paradoxos. Se montanha de problemas a da população antes o jornal organizava, serem resolvidos. O primei- brasileira e se hierarquizava e vendia as ro é que o número de leitores descolaram dos notícias recebidas de agênde suas versões on-line crescias e mais algumas de seus sentimentos ce, mas pouquíssimos quepróprios repórteres, hoje rem pagar pelo acesso. Nos populares, eles mesmos são as agênEstados Unidos foram 67,3 diários mais cias de notícias, os princimilhões de acessos por mês, baratos e pais produtores de conteúem média, em 2008, 12% a de massa dos e fontes de informação, mais que no ano anterior. E estão em sem ganhar um tostão com 3 bilhões de page viewers. toda essa trabalheira, já que expansão Uma escala astronômica, na web todos se apropriam em comparação com o número de leitores de tudo de graça. do impresso. Como sair dessas armadilhas? Esse é o Um dos raros jornais que estão conse- grande debate hoje nos Estados Unidos. Toguindo cobrar pelo acesso é o Financial Ti- das as propostas de um novo modelo de nemes, porque caprichou na profundidade e gócios para o diário impresso passam pela especialização de sua informação econômi- sua combinação com o on-line. Para torca. Além disso, quem paga são empresas ou ná-la rentável, há dois caminhos principais: investidores para os quais a informação tem acordos com sites que vendem mercadorias valor monetário, não apenas informativo. e acordos com sites de leitura para que paO Times digitalizou seu acervo, que con- guem pelos conteúdos que usam. Cobrar tém a história viva dos tempos modernos, pelos­acessos? Só em último caso.


Análise

Por Sérgio Mendonça

Pacto mundial pelo emprego A OIT propõe que a defesa sistemática dos empregos deve assumir uma dimensão mundial, e não apenas local. A tão propalada responsabilidade social das empresas tem de sair do discurso para a prática

A

Organização Internacional do Traba- neoliberal tornou-se hegemônico. Buscou-se reduzir lho (OIT) estima que a crise financeira o orçamento das políticas sociais e enfraquecer os sine econômica mundial pode elevar em 38 dicatos, para que o mercado pudesse promover o ajusmilhões o número de desempregados em te de emprego, salários, lucros e preços. Nem todos os 2009. Em dois anos, a quantidade de de- paí­ses, especialmente alguns europeus, seguiram esse sempregados no mundo deve crescer acima de 50 mi- ideário na íntegra. Como resultado dessas políticas, os lhões. A OIT ainda aponta para o crescimento de 25 mi- salários pararam de crescer e de acompanhar a produlhões de empregos vulneráveis em 2009, tividade da economia. Voltou a haver contrabalhadores por conta própria ou fami- A lógica dos centração de renda. Um operário ameriliares, especialmente no sul da Ásia e da ganhos de cano ganha hoje o mesmo, ou menos, que África Subsaariana. há 25 anos. curto prazo A população economicamente ativa deve ser Como resultado do colapso, não faz senque ingressa no mercado de trabalho a tido que os trilionários pacotes de resgate substituída cada ano deve crescer em torno de 90 mide bancos e empresas limitem-se a supelhões de pessoas no biênio 2009-2010. Es- por uma rar a fase aguda da atual crise para retotima-se que entre 40% e 50% desses futu- agenda mar o status quo anterior. A experiência de ros trabalhadores não consigam receber mundial outras turbulências recentes mostra que a US$ 2 por dia, o mínimo necessário para sustentável retomada dos níveis de emprego e de desuperar a chamada linha da miséria. Os de longo semprego anteriores a uma crise leva de números são alarmantes e apontam a nequatro a cinco anos após a recuperação da prazo, tendo cessidade de recolocar o emprego no ceneconomia. E todas as recentes foram meo trabalho tro da agenda mundial. nores do que a atual. Ao final da Segunda Guerra Mundial, decente O desafio lançado pela OIT, de um pacos países capitalistas desenvolvidos ado- como seu to mundial pelo emprego, é mais do que taram políticas econômicas e sociais em objetivo urgente. A lógica da alta rentabilidade de direção ao pleno emprego da força de principal curto prazo das empresas financeiras e não trabalho e à proteção social de seus hafinanceiras, apoiada nas finanças desregubitantes. Havia o medo de que a alternativa socialista ladas, vem sacrificando empregos e salários decentes, se espalhasse pelo planeta, superando o modo de pro- pondo em risco a própria sobrevivência das empresas dução capitalista. As políticas adotadas, denominadas no longo prazo. socialdemocratas, ou de compromisso keynesiano, tiDada a procedência internacional da crise, a OIT nham como objetivo central eliminar o desemprego e propõe que um pacto pelo emprego deve assumir uma aumentar a renda, assegurando o repasse da elevação dimensão mundial, e não apenas local. A tão propalada produtividade da economia para os salários. A po- da responsabilidade social das empresas tem de sair do lítica macroeconômica, nos planos fiscal e monetário, discurso para a prática. A reação imediata das compatinha o pleno emprego de todos os trabalhadores como nhias em diversos países, incluindo o Brasil, foi demiprincipal objetivo. Os sindicatos foram fortalecidos e tir trabalhadores sem conhecer a exata dimensão das tiveram papel decisivo nas negociações que permitiram dificuldades que viriam, ou não, a enfrentar, como que a elevação dos salários e a melhoria do bem-estar e da tentando preservar para mais adiante os níveis insusdistribuição de renda. tentáveis de ganhos do período pré-crise. Nos últimos 30 anos, esses objetivos foram abandoEssa prática precisa ser modificada. A lógica dos ganados. Nesse período, sobretudo após os reinados de nhos de curto prazo deve ser substituída por uma agenMargaret Thatcher na Inglaterra (de 1979 a 1990) e de da mundial sustentável de longo prazo, tendo o trabaRonald Reagan nos EUA (1981-1989), o pensamento lho decente como seu objetivo principal.

Sérgio Mendonça é economista. Foi diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) de 1990 a 2003, do qual atualmente é supervisor técnico

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ESPECIAL

Uma história na mão e um Trabalhadores enfrentaram Estados autoritários e omissos, incorporaram direitos e influenciaram nos rumos do país. O desafio da atual geração de sindicalistas é consolidar o espaço conquistado e construir um novo padrão de desenvolvimento para o planeta Por Solange do Espírito Santo

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O

utubro de 1945, dia 29. Os militares depõem o presidente Getúlio Vargas e colocam fim à ditadura do Estado Novo. Dois dias antes, a pernambucana dona Lindu dava à luz seu sexto filho, em Garanhuns (PE): Luiz Inácio da Silva. O menino que nasceu num momento conturbado da história assumiria 30 anos depois a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, também num período ditatorial, dando início a uma nova fase do sindicalismo. Em breve, essa trajetória do imigrante nordestino que se tornou referência para os movimentos sindical e social chegará aos cinemas. Lula, Filho do Brasil, dirigido por Fábio Barreto, deve estrear em janeiro.


um futuro a construir O longa-metragem retrata a vida do metalúrgico de seu nascimento em Garanhuns até a morte de sua mãe, em 1980, quando estava preso pelo regime militar. “Três quartos da população não conhecem a vida de Lula. Todo o seu carisma foi construído em cima da superação de perdas e de desafios. É isso que o filme mostra. E que, ao mergulhar no movimento sindical, ele esteve à frente do principal momento da história recente. O sindicalismo foi o coração do que fez o Brasil mudar”, ressalta o cineasta Fábio Barreto. Essa fase foi um grande divisor de águas. O movimento, além de sofisticar os embates na relação capital-trabalho, ampliou sua atuação, passou a cobrar governos, opor-se a medidas antissociais e a formular

JESUS CARLOS/IMAGEMLATINA

Passeata dos Metalúrgicos do ABC em 1º de maio de 1981

projetos para a Nação. Não à toa, Lula se tornaria chefe de Estado – atualmente em seu sétimo ano de mandato e, mesmo ante uma feroz crise internacional, na posição de presidente com maior índice de aprovação de todos os tempos. “Quando a sociedade acredita nela mesma, o Estado muda”, sintetiza Fábio Barreto. Embora o diretor afirme que Lula, Filho do Brasil não tem cunho político nem pretende fazer reconstituição histórica, é impossível refazer o trajeto do imigrante sem observar a história do país sendo reconstruída.

Categoria social

Durante a primeira metade do século 20, o movimento sindical brasileiro buscava uma identidade. MAIO 2009 REVISTA DO BRASIL

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OTAVIO DE SOUZA/DIVULGAÇÃO

RETIRANTE No filme Lula, Filho do Brasil, o diretor Fábio Barreto recria a jornada da família de Lula rumo a São Paulo num pau-de-arara. A atriz Glória Pires faz o papel de Dona Lindu, a mãe

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A legalização das entidades de classe começou a ganhar corpo na década de 1930, já no governo Vargas. Os sindicatos, porém, nascem e funcionam sob a tutela do Estado. Para a professora de História Contemporânea da USP Maria Aparecida de Aquino, de forma atrelada ou não, a regulamentação das entidades foi decorrência de um movimento trabalhista genuinamente nacional: “Foi a primeira experiência que, em suma, trouxe o sentimento de criação de uma categoria social. Ou seja, o reconhecimento dos trabalhadores enquanto classe e a incorporação dos sindicatos à vida da Nação”. Antes, observa a historiadora, o Brasil viveu uma experiência sindical “importada”, o anarco-sindicalismo, com a chegada dos imigrantes europeus para substituir a mão-de-obra escrava. “As leis trabalhistas vieram com muita luta e foram reunidas anos depois na CLT. Se os sindicatos eram atrelados ou não, essas leis foram ao encontro das necessidades sociais do momento”, destaca a historiadora. Foi ali que a jornada de trabalho de 48 horas, o descanso semanal remunerado foram conquistados; surgiram a carteira profissional e a Previdência Social, o salário mínimo. O país atravessava a ditadura do Estado Novo. Mesmo assim, várias greves foram deflagradas. “O número de trabalhadores presos foi muito maior que no pós-1964, quando os alvos do regime foram outros seg-

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mentos sociais”, afirma Maria Aparecida. Depois de uma viagem de 13 dias num pau-de-arara, em 1952, o menino Luiz Inácio, seus irmãos e a mãe chegaram ao litoral de São Paulo. Getúlio Vargas, de volta ao comando do país, dessa vez por voto direto, mantinha a mesma conduta em relação aos sindicatos, com intervenções e repressão nas entidades. Setores do movimento resistiam. Em 1953, por exemplo, foi deflagrada uma greve de 300 mil trabalhadores de várias categorias no estado de São Paulo. A paralisação durou quase um mês e conquistou 32% de reajuste salarial. Por força desse movimento, no ano seguinte o salário mínimo foi reajustado em 100%. Outras greves vieram depois, já com Juscelino Kubitschek no poder. “A polícia reprimia, mas não nos intimidava. Tínhamos fibra”, lembra Consuelo de Toledo Silva, a primeira mulher a integrar a direção do Sindicato dos Bancários de São Paulo, na eleição ocorrida em 1956. “A greve era a nossa pequena revolução”, completa a ex-bancária do Banco do Comércio e Indústria, hoje com 83 anos.

Mordaça e assistencialismo

Em São Paulo, Lula foi engraxate e office-boy. Aos 14 anos, estreia sua carteira de trabalho e no início dos


anos 1960 consegue vaga no curso de torneiro mecânico no Senai. A organização dos trabalhadores crescia. Em 1961, uma grande greve exigia de melhores salários à formação de um ministério nacionalista. O movimento influenciaria na conquista do 13º salário dos trabalhadores urbanos. O Congresso só aprovou o decreto de João Goulart após forte pressão popular. Quando a elite brasileira impulsiona o golpe de 1964, promove a mais intensa repressão política da história do país. As ocupações militares e as intervenções atingiram cerca de 2 mil sindicatos. Luiz Inácio passou a trabalhar em várias metalúrgicas até ser contratado pela Villares. Em 1969 foi eleito suplente da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos. “Ele mergulhou na vida sindical como forma de superar a morte de sua primeira mulher”, conta Fábio Barreto. E assumiria a presidência do sindicato em 1975. No ano seguinte, surge o movimento contra a carestia. Protestos contra a ditadura ganham força após os assassinatos do operário Manuel Fiel Filho, em janeiro de 1976, e do jornalista Vladimir Herzog, três meses antes. As greves desencadeadas a partir de 1978, quando aquele líder passou a ser conhecido nacionalmente como Lula, promoveram o sindicalismo a uma posição definitiva de preponderância na história do Brasil. “Os trabalhadores passaram a combinar a luta por seus direitos com a luta pela democracia”, recorda o professor João Felício, 58 anos, hoje secretário de Relações Internacionais da CUT. Felício começou a trabalhar na rede pública de ensino em 1973 e quatro anos

Os setores mais barulhentos do movimento começam a falar na necessidade de uma nova estrutura sindical e de ir além das reivindicações de classe, retomando a tendência interrompida pelo golpe de 1964 e passando a intervir na conjuntura nacional. “A unidade foi muito grande entre os movimentos sindical e social na busca da democracia e na campanha DiretasJá”, lembra o então eletricitário da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) Artur Henrique da Silva Santos, 45 anos, que ingressou no movimento sindical em 1983 e hoje preside a CUT. Lula da Silva trilhou o caminho da política por meio do recém-criado Partido dos Trabalhadores. Foi deputado no Congresso que estabeleceu jornada de 44 horas semanais, estabilidade de 120 dias para a gestante, adicional de um terço nas férias, a multa de 40% sobre o FGTS em caso de demissão sem justa causa, entre outros direitos incluídos na Constituição de 1988. No ano seguinte, foi para o segundo turno das primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime militar. Lula teve 31 milhões de votos, mas perdeu a disputa para Fernando Collor de Mello por uma diferença de 5%. A década de 1990 seria um dos períodos mais delicados para os embates sindicais. O Brasil se rendeu ao neoliberalismo, à política de deixar o mercado ditar os rumos do Estado e da economia. O índice de desemprego disparou. A pretexto de reduzir o “custo Brasil”, empresariado e governos tentaram eliminar os direitos dos trabalhadores e criminalizar o movimento sindical. “Nossa categoria encolheu 30% na época”, recorda a presidente do Sindicato dos Bancários do ABC, Maria Rita Serrano, 40 anos. Ela ressalta que naquele período houve o grande processo de fusão dos bancos e os investimentos em tecnologia avançaram sobre os empregos. “Com o desemprego, era difícil para os sindicatos mobilizar os trabalhadores”, recorda João Felício. Martisalém Covas Pontes, 65 anos, dirigente do Sindicato dos Químicos e Plásticos de São Paulo e militante sindical desde os anos 1970, reconhece: “Não desenvolvemos tantas lutas quanto antes”.

DIVULGAÇÃO

João Felício

DIVULGAÇÃO

Novas conquistas

Os trabalhadores passaram a combinar a luta por seus direitos com a luta pela democracia

As greves e mobilizações que fazemos mostram que, embora apoiemos o presidente, somos independentes

Maria Rita Serrano

GERARDO LAZZARI

JESUS CARLOS/IMAGEMLATINA OTAVIO DE SOUZA/DIVULGAÇÃO

LÍDER CASSADO Lula e Marisa em 1980. Assediado pela imprensa e conduzido pelos policiais do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), naquele ano estava preso por causa da greve dos metalúrgicos. Havia sido liberado para o enterro da mãe. Ao lado, os atores Juliana Baroni, como Marisa, e Rui Ricardo, o metalúrgico

depois ingressou na Apeoesp, que presidiria por três vezes e se tornaria o Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo. As greves pipocaram em várias categorias. Surgiu o novo sindicalismo. “A partir daí, os trabalhadores passam a estar fortemente presentes na luta pela democracia no Brasil”, atesta a historiadora. “A atuação dos sindicatos foi decisiva para derrotar a política salarial vigente”, recorda o economista Walter Barelli, presidente do Dieese à época. “Ficou claro que não é possível estudar a sociedade sem estudar a luta dos trabalhadores”, confirma Maria Aparecida de Aquino. O filme de Fábio Barreto vai até aquele momento, enquanto a história do país começa a tomar outros rumos.

As convenções coletivas de trabalho melhoraram

Martisalém

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ARQUIVO/AE

QUEM LUTA CONQUISTA A greve de 1953 formou uma onda de 300 mil trabalhadores de várias categorias no estado de São Paulo. Durou quase um mês e conquistou 32% de reajuste salarial. No ano seguinte, o salário mínimo foi reajustado em 100%

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O baque para algumas categorias acabou sendo maior. “Ficamos oito anos sem reajuste salarial nos bancos públicos e travamos uma grande resistência às privatizações”, lembra Jacy Afonso, tesoureiro da CUT e funcionário do Banco do Brasil e ex-presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília (2004-2007). “Os estragos só não foram maiores porque os bancários se organizaram nacionalmente e, desde 1992, conquistaram convenção coletiva de trabalho com validade em todo o país.”

Novo século

Em 2002, Lula obtém, em sua quarta disputa, 53 milhões de votos e é eleito presidente da República. O Brasil passa a viver um novo momento político e econômico. “Abrimos espaços consistentes de negociação, as relações com o governo ficaram efetivamente democráticas”, atesta Artur Henrique, destacando as marchas dos sindicatos e o diálogo social como responsáveis pela política de valorização do salário mínimo e de redução do imposto de renda dos assalariados. Martisalém ressalta que as mobilizações das mais diversas categorias foram retomadas e as negociações com os empresários amadureceram. “As convenções coletivas de trabalho melhoraram”, afirma. “Lula é parte de um projeto dos trabalhadores. E as greves e mobilizações que fazemos mostram que, embora apoiemos o presidente, somos independentes. Estamos fazendo o nosso papel”, defende Maria Rita Serrano. “Todas as greves deflagradas em 2008 foram nas bases dos sindicatos cutistas”, completa Artur. Hélio Rodrigues Andrade, 40 anos, funcionário da Indústria Müller e diretor do Sindicato dos Químicos e Plásticos de São Paulo desde 2003, avalia que, num primeiro momento, as entidades de classe recuaram

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no que se refere ao debate de questões nacionais – por exemplo, o Fator Previdenciário, que desde 1998 reduz o valor do benefício dos que se aposentam. “Mas hoje temos uma postura mais autônoma, mais crítica”, afirma. Em setembro do ano passado, a crise financeira internacional desencadeada a partir dos EUA atingiu as grandes potências. No Brasil, afetado com menor intensidade, o fenômeno precipitou a queda do nível de atividade econômica e de emprego. “Temos de ficar atentos à leitura da crise. Não admitimos que seja pretexto para demissões nem que volte a acuar o movimento sindical”, diz Martisalém. Para a bancária Maria Rita, coube ao movimento sindical não deixar que o discurso da crise convencesse a sociedade de que seria preciso flexibilizar direitos. “O sistema financeiro brasileiro não sofre com a crise, mas com uma segunda grande onda de fusões que nos impõe o desafio de reagir em defesa do emprego.” O professor João Felício pondera, entretanto, que cabe também ao movimento sindical um embate ideológico mais consistente. “A crise evidencia que o neoliberalismo perdeu. É um momento rico para rediscutir o papel do Estado”, ressalta. “A crise existente é de modelo. É preciso rever o papel dos organismos internacionais e é uma grande oportunidade de os movimentos avançarem em sua articulação mundial.” Outros temas devem passar a ocupar cada vez mais a agenda do trabalhador, lembra o presidente da central: “Sustentabilidade social, econômica e ambiental, mudanças no modo de consumo estão na ordem do dia. Cabe às entidades sindicais e sociais estimular a discussão de um novo projeto de desenvolvimento”, alerta Artur Henrique. “Mas não podemos correr o risco de ter os canais de diálogo fechados. Há muito a ser feito.”


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ESPECIAL

Fábrica de líderes

O

Um estudo do Banco Mundial mostra que todos os países que alcançaram democracia sólida e melhor distribuição de renda têm em comum um movimento sindical forte 20

Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema foi fundado em 12 de maio de 1959, desmembrandose da entidade que servia a todo o ABC e atuava desde 1933 – a reunificação seria retomada em 1993. Desde os anos 1970, quando surgiu Lula, a entidade vem se destacando pela formação de novas gerações de dirigentes de projeção nacional. Cria dessa fábrica de lideranças, Sérgio Nobre ingressou na categoria em 1980, como aprendiz de ajustador mecânico do Senai. Na Mercedes-Benz, para onde foi em 1986, debutou como representante eleito ao integrar a Comissão de Fábrica. Três anos depois entrou para a diretoria do sindicato e, no ano passado, tornou-se seu 11º presidente desde Lino Ezelino Carziel, em 1959. Aos 43 anos, Sérgio reconhece a grande responsabilidade de dirigir o sindicato que apresentou ao Brasil um dos principais líderes sindicais do mundo e o primeiro presidente da República de origem operária de sua história. Mesmo mergulhado numa agenda de trabalho intensa, não abre mão dos estudos no último ano do curso de Relações Internacionais da Fundação ABC e da convivência com a família. Sérgio vê os desafios impostos ao movimento sindical como gigantescos; um deles é recuperar a própria essência da luta sindical, que, lembra, surgiu após a Revolução Industrial com objetivos de melhorar a vida do trabalhador e caminhar para um mundo mais justo e equilibrado. “Essa segunda questão se perdeu e precisamos recuperá-la; é o tal do desenvolvimento sustentável. Está aí o debate futuro”.

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É possível comparar os momentos do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC hoje e há 50 anos, quando a entidade surgiu?

Eu divido a trajetória do sindicato nesses 50 anos em três fases. Da fundação, em 1959, ao início dos anos 1980 foi a luta pela redemocratização do país. O empresariado era mais truculento, arcaico, e negociação naquele período era praticamente nenhuma. O segundo período, de meados dos anos 1980 até o final dos anos 1990, tem a luta dos sindicatos contra o neoliberalismo que, para funcionar, privilegia os interesses do mercado, desregulamenta as funções do Estado e, inclusive, o mercado de trabalho. A proteção do emprego e dos direitos ocupou a agenda e, mesmo entre os sindicatos mais fortes, a atuação era na defensiva. Esse modelo chegou até o início desta década. A gestão atual já começou (em 2008) num momento totalmente diferente. Se você tem a economia crescendo e tem democracia, abre-se espaço para o sindicato discutir não só as condições de trabalho, mas também a qualidade de vida do trabalhador. Portanto, são 50 anos de história marcados por momentos bem distintos.

Como você lida com o desafio de ser presidente de um sindicato que tem como maior expressão um líder como Lula?

O sindicato, sob liderança do Lula, foi decisivo no momento em que esteve à frente daquele processo muito rico na história do país, que desencadearia, inclusive­, um período muito próspero para a forma-

ROBERTO PARIZOTTI

Sérgio Nobre fala da responsabilidade de dirigir o sindicato que apresentou Lula ao Brasil e que completa 50 anos em maio


ção de novas lideranças, de novas lutas sociais. Às vezes as pessoas tendem a cometer o erro de pensar que o sindicato enfraqueceu porque antes tinha muitas greves e hoje não tem mais. Ao contrário. Naquela época você não tinha espaço, qualquer demanda tinha de resolver na força. Hoje, 70% da categoria conta com organizações no local de trabalho, onde o dia todo se discute e se negocia, de problemas da higiene a assuntos complexos como a estrutura salarial, a gestão, a crise financeira. Quando se tem espaço para soluções negociáveis, o número de greves diminui. É uma evolução. Por que uma empresa negocia? Porque você se consolidou como um poder dentro da fábrica. Se você não representasse nada, o patrão apenas impunha a vontade dele. Tem parcela do movimento sindical que não compreende isso. Os sindicatos têm força para influenciar nos rumos do país, mas a reforma da estrutura sindical parou.

Os sindicatos passaram a ter um papel mais importante no governo Lula, porque há uma estratégia de desenvolvimento pela qual passam o combate à pobreza e uma melhor distribuição de renda. E Lula tem os sindicatos como interlocutores. Um estudo do Banco Mundial mostra que todos os países que alcançaram democracia forte e melhor distribuição de renda têm uma característica comum: um movimento sindical forte. A reforma sindical não deu certo porque a proposta era muito boa, uma reforma dos sonhos. As relações de trabalho no Brasil não vão mudar em uma canetada. Uma parte do movimento sindical e do empresariado avançou e se modernizou. Os sindicatos, de trabalhadores e patronais, que não se conformaram com a estrutura sindical defendida por nós são sindicatos alijados no processo de desenvolvimento do país, e que não precisam do trabalhador para existir, pois vivem do imposto sindical.

O sindicato patronal também arrecada muito impos­to­ sindical?

Também. Se não fosse o imposto sindical, dificilmente a Fiesp teria aquele prédio na Avenida Paulista. Por isso que a reforma sindical, quando tentou acabar com esse imposto, enfrentou oposição dos dois lados.

O movimento sindical tem aproveitado o bom momento, com democracia, crescimento econômico, e se preparado para intervir no futuro? Por exemplo, como o setor lida com um futuro em que o carro é um grande vilão na questão ambiental.

O automóvel não deveria ser a primeira opção de transporte no dia-a-dia. O seu carro, como se diz, é de passeio. No Brasil, a ausência do transporte coletivo de massa eficaz provoca o caos, a poluição. A busca de novos combustíveis e de novos conceitos de veículos é importante, inclusive, para a sobrevivência da indústria automobilística.

Em 2002, o Conselho Nacional de Meio Ambiente havia fixado para 2009 o prazo para que os motores passassem a utilizar um diesel menos poluente. O prazo foi prorrogado para 2013.

Esse é mais um dos grandes desafios. Hoje o movimento sindical tem de se preocupar com a questão internacional, o meio ambiente, a tecnologia. No caso desses motores, nós cobramos a montadora e a montadora apresentou o motor. O problema é que não havia como testá-lo, porque não havia o combustível. A questão ambiental nos força a discutir o modelo de desenvolvimento. O movimento sindical surgiu após a Revolução Industrial com dois grandes objetivos: melhorar a vida do trabalhador e caminhar para um mundo mais justo, mais equilibrado. Essa segunda questão se perdeu e precisamos recuperá-la; é o tal do desenvolvimento sustentável. Está aí o debate futuro.

Há quem considere o sindicalista um privilegiado. Como é a sua vida, a sua rotina?

O dia em que trabalho menos são umas 14 horas, o dirigente sindical não tem jornada. É dirigente de domingo a domingo. E o tamanho das coisas com que você tem de lidar? Falar do direito, lei, saúde dos trabalhadores, Mercosul, reestruturação nas empresas... Você é obrigado a conhecer muita coisa, ler, estudar muito. E a agenda é maluca, é chamado na universidade para falar, tem a negociação de uma empresa, a assembleia de madrugada. Se você não tomar cuidado, acaba doente. Por exemplo, tem semana que não consigo almoçar. Aliás, ainda não almocei (olha para o relógio, que marca 17h).

E a relação com a família?

Tenho dois filhos, que só vejo aos domingos, não tem jeito. Eles estudam. Um tem 17 e o outro, 20 anos. Eu estudo à noite também, Relações Internacionais, me formo este ano, se Deus quiser. Tenho muita sorte, porque minha companheira, a Juraci, sempre me apoiou para eu fazer tudo em que acredito. A relação de confiança e de apoio tem de ser forte. O número de divórcios no movimento sindical é muito alto. O cara que entra para o movimento sindical nunca vai voltar para a fábrica e ser o mesmo, o mesmo professor, o mesmo operário, o mesmo bancário. Nem há democracia nas empresas para isso. Então ele tem de se preparar. Há pouco espaço para a vida social. Aliás, uma das coisas preocupantes no mundo do trabalho moderno é que o trabalho vai ocupando cada vez mais a vida das pessoas.

É como se costuma dizer entre os executivos: a pessoa precisa decidir se quer um relacionamento bem-sucedido ou uma carreira bem-sucedida.

Exatamente. É preciso tomar cuidado com isso, impor limites. A família é importante, os filhos são importantes.

Leia íntegra em www.revistadobrasil.net

Se você tem a economia crescendo e tem democracia, abre-se espaço para o sindicato discutir não só as condições de trabalho, mas também a qualidade de vida do trabalhador

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ESPECIAL

Livre para trabalhar Enquanto acumula avanços no mundo do trabalho urbano e organizado, o Brasil ainda enfrenta proprietários com mentalidade (e brutalidade) colonial. Felizmente, crescem no país a vergonha e as ações contra a escravidão Por Maurício Hashizume

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REVISTA DO BRASIL MAIO 2009

O

trabalhador rural Francisco Rodrigues dos Santos torceu o nariz quando recebeu a primeira oferta para trocar a lavoura pelo “roço de juquira” (limpeza de terreno para criação de gado bovino) em fazendas no Pará. Preferiu continuar ajudando o pai no cultivo de mandioca, arroz, feijão, fava e amendoim em Monsenhor Gil (PI), a 56 quilômetros de Teresina. Dois irmãos mais jovens de Francisco, porém, acreditaram na promessa de salários de R$ 600 de um “gato” – como são chamados os aliciadores de mão-de-obra Brasil adentro – que perambulava pela região em busca de pessoas como eles. Ao chegar à Fazenda Rio Tigre, em Santana do


PROMESSAS, NUNCA MAIS Francisco de volta a Monsenhor Gil, a 56 km de Teresina: vivendo com a família e trabalhando como barbeiro

de caminhonete; e daí ao local onde trabalhariam caminharam por horas pela mata. A realidade não se assemelhava em nada às juras do “gato” ou ao relato do irmão. Os empregados foram informados que teriam de pagar em dobro o valor deixado às suas famílias. O reembolso dos custos do transporte e demais itens (alimentação, ferramentas, equipamentos etc.) também sairia caro. Estava feita mais uma vítima do perverso esquema de servidão por dívida, expediente comum da escravidão contemporânea. O grupo foi alojado em barracas de lonas indecentes, sob ameaças e a vigilância de capangas armados. De domingo a domingo trabalhavam das 6h às 17h. Bebiam da mesma água servida ao gado e sofriam com alimentação inadequada. “Tenho para mim que meu irmão disse que estava tudo bem para não preocupar a família e para que eu fosse para perto dele, o que poderia ser uma ajuda”, lembra Francisco. Depois de passar seis meses trabalhando, os peões receberam a visita do “gato”. Foram orientados a se embrenhar na mata em caso de movimentação, pois agentes da “Federal” (a Polícia Federal normalmente acompanha as operações de fiscalização do Ministério do Trabalho) certamente “chegariam atirando”. Poucos dias depois, capangas recolheram todos da propriedade e sorrateiramente os levaram até a rodoviária de Santana do Araguaia. Ao subir no ônibus de volta para o Piauí, cada um recebeu um envelope branco com R$ 240, quitando meio ano de sofrimento. O meticuloso esquema do “gato” visava evitar outro flagrante. O grupo móvel de fiscalização do MTE tinha acabado de vasculhar outra propriedade nas redondezas: justamente a Fazenda Rio Tigre, que recrutou os irmãos de Francisco em condições semelhantes, de onde o grupo libertou 78 pessoas. O proprietário, Rosenval Alves dos Santos, teve de arcar com verbas rescisórias e foi processado pelo crime de trabalho escravo. Há três anos está no cadastro elaborado pelo governo federal com pessoas físicas e jurídicas envolvidas em processos como o dele, cujo nome é o 175º da lista. Quem entra nessa “lista suja” enfrenta restrições de crédito nos bancos públicos e corre o risco de perder negócios com empresas que assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que reúne mais de 180 companhias, responsáveis por um quinto do PIB nacional.

Empresas e investidores

Iniciativa inédita no mundo, o Pacto ganhou novo impulso a partir de março, quando autoridades e apoiadores realizaram, na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), o 2º Seminário Nacional do Compromisso Empresarial. Na ocasião, o ministro da Secretaria

FOTOS BENONIAS CARDOSO/PIAUÍ IMAGENS

Araguaia, sudeste do Pará, um deles telefonou para a família. Disse que estavam bem no “novo emprego” e previu que em breve passariam a enviar dinheiro. Francisco animou-se. Duas semanas depois, subiu num ônibus com destino a outra fazenda no sudeste do Pará “atendida” pelo mesmo “gato”. O agente garantiu alojamento, alimentação, roupas e equipamentos por conta do empregador e adiantou R$ 40, que Francisco deixou com a mulher e seus dois filhos. Chiquinho, como é chamado, e outros 13 conterrâneos chegaram a Santana do Araguaia e pegaram outro coletivo até Vila Mandir, à beira da Rodovia BR-158, próximo à divisa com Mato Grosso. De lá até a trilha que dava para a fazenda foram MAIO 2009 REVISTA DO BRASIL

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Ano decisivo contra a escravidão O ministro Paulo Vannuchi classifica 2009 como decisivo para a causa. Ele propõe a realização de um encontro nacional de combate ao trabalho escravo, com a presença do presidente Lula, dos presidentes da Câmara e Senado, do Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Superior do Trabalho (TST). Vannuchi almeja criar um ambiente favorável à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que prevê o confisco de terras de exploradores de trabalho escravo. Desde agosto de 2004 a

matéria, já aprovada no Senado, espera votação em segundo turno na Câmara. Presidente da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), Vannuchi não quer que a PEC 438 seja levada a votação “a frio”. Para ele, seria melhor haver mobilizações durante este ano antes de a proposta ir a plenário. O ministro defende a criação de uma frente “transpartidária”, que aproxime forças políticas. A Frente Nacional contra o Trabalho Escravo e pela Aprovação da PEC 438 já colheu adesões de mais de 140 mil pessoas em abaixo-assinado.

FOTOS SÉRGIO CARVALHO/MTE/DIVULGAÇÃO

Especial dos Direitos Humanos (SEDH), Paulo Vannuchi, enfatizou o papel do empresariado no esforço para erradicar a escravidão no país. Para Vannuchi, as empresas serão mais rentáveis e sustentáveis se a pobreza e a desigualdade retrocederem no ambiente em que operam. “Não podemos seguir o padrão do que ainda vemos, em que mais de 5 mil pessoas são libertadas a cada ano”, adicionou. Desde 1995, houve mais de 30 mil libertações no país. “A erradicação do trabalho escravo é compromisso de Estado, mas não se realizará sem o apoio da sociedade”, completou o auditor Marcelo Campos, coordenador nacional do grupo móvel de fiscalização do MTE. O procurador Gláucio de Oliveira, do Ministério Público do Trabalho (MPT), também integrante dos grupos móveis, convocou empresários para parcerias “antes das fiscalizações”, com o intuito de evitar que trabalhadores sejam alojados em currais e empregadores encarem como lícito o aliciamento por meio de “gatos”. Investidores demonstraram interesse em fazer a sua parte. Em

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MUITO ABAIXO DA MISÉRIA Trabalhadores resgatados de fazenda no interior do Ceará pelo grupo móvel do Ministério do Trabalho

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manifesto, o Fórum Latino-Americano de Finanças Sustentáveis (Lasff) exige de empresas com ações negociadas em Bolsas práticas responsáveis no que diz respeito à sua produção e, também, aos seus fornecedores e clientes. “As consequências do envolvimento das empresas na cadeia do trabalho escravo podem levá-las a sofrer barreiras comerciais e financeiras, o que afetaria de forma material a geração de caixa e o valor do negócio para os acionistas”, diz o manifesto do Lasff. “A adesão ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo é uma iniciativa que demonstra o efetivo grau de preocupação das empresas no gerenciamento dos riscos sociais a que estão expostas”, assinalou em carta o Comitê de Mercado de Capitais do Lasff, que tem apoio de um dos maiores investidores do país, a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. Ana Lizete Farias, da área de análise de risco socioambiental do banco Santander/Real, fez uma das apresentações sobre práticas empresariais para isolar ciclos produtivos que tenham alguma


Libertados Ações do Grupo Móvel (1995-2009)

2009* 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 Total

Propriedades fiscalizadas 21 290 206 209 189 276 188 85 149 88 56 47 95 219 77 2.195

Trabalhadores resgatados 173 5.016 5.999 3.417 4.348 2.887 5.223 2.285 1.305 516 725 159 394 425 84 32.956

SÉRGIO CARVALHO/MTE/DIVULGAÇÃO

Ano

*Até março/2009. Fonte: Ministério do Trabalho

conexão com trabalho escravo. Ressaltou que o banco verifica licenças ambientais e certificações, consulta órgãos ambientais, faz pesquisas na internet, confere a “lista suja” do MTE e checa o possível envolvimento em ações civis públicas e em termos de ajustamento de conduta. De 2005 a 2008, o banco negou suporte financeiro a 21 requisitantes; outros 500 tiveram o pedido aceito, mas com condicionantes.

Cadeias

A despeito do engajamento de algumas empresas, determinados setores econômicos – como o da carne bovina e parcela dos segmentos da siderurgia – diretamente ligados a esse tipo de prática têm atuado sem a convicção que se poderia esperar. Levantamento feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostra que 61% das denúncias de trabalho escravo envolviam fazendas de pecuária bovina; as denúncias relativas à produção de carvão vegetal vieram em segundo lugar, com 10% (157). Já no total de libertações nos últimos seis anos, a participação da

pecuária cai para 33% (8.966 pessoas) em função do grande contingente de trabalhadores libertados nas lavouras de cana-de-açúcar, que aparece com 26% das libertações (7.218 pessoas) em apenas 35 casos fiscalizados. Agrava a posição dos setores de pecuária e carvão o fato de estarem associados, ainda, à devastação de floresta. Rosenval Alves dos Santos, por exemplo, está também na lista dos 100 maiores desmatadores da Amazônia, divulgada em janeiro de 2008, com a marca de 2.470 hectares derrubados em 2006. Para Andréa Bolzon, coordenadora nacional do projeto de combate ao trabalho escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, a participação das empresas no Pacto não pode ser banalizada, sob pena de perda de credibilidade. A representante da OIT lembrou que o primeiro monitoramento feito pelo Instituto Observatório Social (IOS) captou que parte das empresas signatárias não havia implantado as ações esperadas: “Algumas empresas não sabiam sequer o que tinham assinado”. Com o propósito de estabelecer regras mais claras, um Código MAIO 2009 REVISTA DO BRASIL

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SÉRGIO CARVALHO/MTE/DIVULGAÇÃO

ARMADILHA A história dos trabalhadores rurais escravizados passa sempre pelos “gatos” e acaba em sofrimento e, às vezes, em morte

de Conduta foi lançado. O IOS disponibilizou uma plataforma digital de acompanhamento para incentivar o intercâmbio de informações entre os signatários do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e o Comitê de Monitoramento, composto pela OIT, pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e pela organização não-governamental Repórter Brasil. Desde o lançamento do pacto empresarial, em 2005, o Comitê excluiu três companhias – o Grupo José Pessoa (do setor sucroalcooleiro) e as siderúrgicas Usimar e Cosipar, ambas do Pará – e suspendeu o frigorífico Quatro Marcos (MT) por problemas de conduta. O pacto renovou a necessidade de incorporação de mais empresas e constatou que o esforço ainda requer uma estrutura mais robusta de monitoramento. “Precisamos de musculatura se

Saiba mais n ONG Repórter Brasil: www.reporterbrasil.org.br n Instituto Observatório Social: Iniciativa da CUT, em cooperação com o Cedec, o Dieese e a Unitrabalho, que analisa a conduta de empresas multinacionais, nacionais e estatais em relação aos direitos dos trabalhadores: www.observatoriosocial.org.br n Notícias sobre o pacto contra a escravidão e o código de conduta para empresas: www.pactonacional.com.br n Lista suja de pessoas físicas e empresas processadas por uso de trabalho escravo: www.mte.gov.br/trab_escravo/cadastro_trab_ escravo.asp n Abaixo-assinado e noticiário em defesa da aprovação da PEC 438, que prevê a expropriação de terras onde for flagrado trabalho escravo: www.trabalhoescravo.org.br

quisermos erradicar o trabalho escravo em curto prazo”, diz Caio Magri, do Instituto Ethos.

Terra

Um combate mais forte ao trabalho escravo não se resume ao estrangulamento econômico dos maus empregadores. O desfecho da história de Francisco Rodrigues e dos outros trabalhadores do Piauí dá mostras de que um meio eficiente de quebrar o ciclo da escravidão está em democratizar a terra e proporcionar condições para que ela gere trabalho e renda. Após a experiência traumática no Pará, Francisco Rodrigues e outros trabalhadores procuraram a Comissão Pastoral da Terra, formaram um grupo para pleitear indenizações na Justiça e chegaram a um acordo com o empregador. Junto com os libertados e outros migrantes em situação de vulnerabilidade ao aliciamento, formaram também a Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Prevenção do Trabalho Escravo. A Associação reivindicou ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e conseguiu um pedaço de terra. Um terreno de 2.200 hectares em Monsenhor Gil (PI), desapropriado em março, beneficiará 52 famílias – das quais 30 têm pessoas que foram vítimas de trabalho escravo. O Incra deve elaborar um plano de desenvolvimento para a construção de casas e das redes de energia e de abastecimento de água, com a participação dos assentados. Enquanto isso, os próprios trabalhadores já estiveram no futuro Assentamento Nova Conquista para arrumar estradas e construir um barracão. Eles estão ansiosos para se instalar em seus – espera-se – definitivos lares.

Maurício Hashizume é jornalista da ONG Repórter Brasil

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Retrato

Por Isilda Magalhães Costa. Foto de Rodrigo Queiroz

O mercador de sorrisos

C

larice Lispector escreveu que “o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesmo”. E, por acreditar em si mesmo, David Portes, ex-morador de rua e ex-camelô, deu uma grande virada em sua vida e hoje encanta clientes e plateias do mundo todo. “O sorriso é uma linguagem universal, abre portas e ajuda a abrir carteiras”, brinca. “Mas sorrir não basta. É preciso correr atrás.” Crise? “Corte o ‘s’ e crie”, ensina. “É preciso ter atitude, ser criativo e arrojado.” David jamais frequentou uma faculdade. A saga desse carioca-capixaba – nasceu no Rio de Janeiro, mas foi registrado no Espírito Santo – inspira. Em 1988, com a mulher grávida e doente, foi despejado do barraco alugado na Favela da Rocinha. Juntou módicos R$ 12 reais e investiu em doces para vender. “Em duas horas dobrei o capital e em um ano, consegui a casa própria”, lembra o vendedor,

que virou fenômeno de marketing e palestrante profissional. Em 2000, fez sua primeira palestra no Instituto de Marketing Industrial, em São Paulo. Hoje, já soma mais de 750 apresentações ao redor do mundo. Sua conferência está entre as mais solicitadas do Brasil. É autor do livro David, uma Lição de Vida e de Marketing e coleciona prêmios: Latin American Quality Institute, The Bizz Awards, Top of Business Nacional e Top Empreendedor. Além disso, é citado por Phillip Kotler, papa do marketing mundial. Apesar da escalada de sucesso e do êxito financeiro, David guarda as lições que aprendeu com a vida e mantém hábitos simples. “Gosto de andar de bicicleta, de passear pela orla com a família e de frequentar a banca que me rendeu fama e vida próspera. Sempre que possível passo lá para vender.” O segredo? “Atendimento personalizado, honestidade e sorriso verdadeiro no rosto”. Simples assim. MAIO 2009 REVISTA DO BRASIL

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ENTREVISTA

FOTOS ARQUIVO PESSOAL

Arquiteta

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Viagens à Antártida são rotina na vida de Cristina. É dela o projeto do Refúgio Emilio Goeldi, na Ilha Elefante

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de extremos Para Cristina Engel Alvarez, desenvolver projetos que permitam a pesquisa em locais inóspitos do planeta pode ser a chave para melhorar o ambiente que nos cerca Por João Correia Filho

Base projetada por Cristina no Arquipélago de São Pedro e São Paulo, centro do Oceano Atlântico

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C Eu levantei brava, bati na mesa e disse: “Fique sabendo que a diferença entre o senhor e eu é que tenho de levar absorvente. E não vejo problema em levar uma mochila maior”

ristina Engel de Alvarez dedica-se a planejar e erguer construções onde pouca gente poderia viver. Em 1988, chegou à Antártida com a difícil missão de construir o refúgio Emilio Goeldi, primeira base brasileira de pesquisa na Ilha Elefante, no Oceano Antártico. Depois, perdeu as contas de quantas vezes foi para lá. “Umas 15”, diz, como se isso fosse algo normal. Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Espírito Santo, Cristina também se dedica atualmente a construir abrigos para pesquisadores em ilhas a milhares de quilômetros da costa, sem a presença de água doce, extremamente selvagens, onde a natureza é quem manda. Paralelamente, desenvolve projetos voltados para locais onde o descaso e a ineficiência do poder público imperam, como áreas de risco ambiental em meio a cidades e grandes favelas brasileiras.

Acabei sendo selecionada, num primeiro instante dentro da universidade, pois não perceberam que eu estava fora das regras. Quando chegou na última instância, meu projeto foi escolhido. Foi aí que fiquei nervosa. Eu estava há algum tempo falando sobre arquitetura na Antártida e finalmente ia para lá. Hoje perdi as contas de quantas vezes estive na região, talvez umas 15. Foi o incentivo para passar a criar, junto com a equipe da Universidade Federal do Espírito Santo, projetos para outras regiões de difícil acesso, como o Atol das Rocas, o Arquipélago de São Pedro e São Paulo e a Ilha de Trindade. Todos estão a cerca de mil quilômetros da costa brasileira, são o Brasil mais distante do continente. O que é preciso levar em consideração nesse tipo de construção?

Sempre acreditei na arquitetura como um instrumento para melhorar o mundo. E, quando eu era uma jovem estudante, não podia ver um banquinho que já fazia discurso inflamado sobre os problemas do mundo e sempre colocava a arquitetura como tema central. Até que um dia uma pessoa disse: “Essa maluca acha que não há nada mais importante que a arquitetura. Um dia vai tentar colocar arquitetura até na Antártida”. E aí pensei: “E por que não?” Foi quando resolvi fazer um projeto justamente para construir na Antártida. Isso foi em 1983 ou 1984 e, coincidentemente, na mesma época surgiu um concurso de projetos do governo federal para explorar a região, para a área de biologia. Não dizia nada sobre engenharia ou arquitetura. Eu resolvi participar mesmo sabendo que não tinha a ver com o que eles pediam, pois meu trabalho já estava pronto – Arquitetura na Antártida: Origem de uma Nova Arquitetura.

Tudo o que faço em termos de projeto é voltado para três aspectos: logística, segurança e meio ambiente. É um tripé fundamental, pois em primeiro lugar temos de considerar que, como esses lugares são de difícil acesso, ninguém foi lá para destruí-los, tendo se tornado de alto interesse ambiental. Precisamos deixar a menor pegada possível, intervir o mínimo. Aí entra a questão da logística, principalmente de transporte. A melhor arquitetura é aquela que se leva nas costas e não causa impacto ao meio ambiente. Você não dispõe de maquinário, de guindaste, muitas vezes nem de energia elétrica. A segurança também está associada ao meio ambiente: se eles nunca foram ocupados é porque algo muito forte impediu essa ocupação – pode ser gelo, calor, dificuldade de acesso, falta de água doce, entre outras coisas. Na Antártida, onde pesquisadores chegam a ficar um ano, tenho de garantir armazenamento de alimento e planejar os espaços considerando os imprevistos. No caso do arquipélago, precisa ter água potável suficiente para que, mesmo que o dessalinizador pare, eles não fiquem sem água.

No lugar certo, na hora certa?

E como fica o conforto em meio a tudo isso?

Como começou esse seu interesse por lugares inóspitos?

Acabei indo para uma entrevista em Brasília, uma das últimas etapas do processo. Um dia antes um irmão meu tinha sofrido um acidente grave (Cristina já havia perdido outro irmão), e eu estava muito mais preocupada com ele do que com o concurso. No final das contas, estava cuidando dos outros candidatos, tentando acalmá-los, já pensando que eu não era concorrente. Os examinadores, propositalmente, faziam provocações para ver como as pessoas se portavam sob pressão, testar nossos limites, já que iríamos para locais nessa condição. Na minha vez, havia duas pessoas, uma perguntava e outra ficava em pé. Com cara de mau, o interlocutor em certo momento disse: “Eu não vou ficar levando mulherzinha, ainda mais arquiteta, vai querer deixar tudo cor-de-rosa”. Eu levantei brava, bati na mesa e disse: “Pois fique sabendo que a diferença entre o senhor e eu é que tenho de levar absor­vente para lá. E não vejo problema em levar uma mochila maior”. 30

E não foi eliminada?

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Além de tudo isso, eles têm de ter o menor nível de estresse possível, pois estão lá para trabalhar, longe da família, isolados. É por isso que todas as minhas casas têm de ter cara de casa. Casinha de calendário, sabe? Para que a pessoa tenha a sensação de que vai pra casa. Ao mesmo tempo, ela precisa estar integrada à paisagem, pois não posso pensar em curto prazo, tenho de pensar em no mínimo 50 anos, na paisagem das futuras gerações, nos bichos. Tem animais que não voltam a seu lugar de origem se a paisagem for modificada. E para isso você precisa interpretar o ambiente. Entender o vento, o sol, se vai se proteger dele ou usá-lo como fonte de energia. Quando quero saber como é o comportamento do vento, caso não tenha informações, observo detalhes como o ninho das aves, como elas ficam com o bico, a posição do ninho, pois a maioria delas faz o ninho de forma que tenha o vento contra, para perceber os inimigos chegando.


Como você avalia a eficiência desse trabalho?

Sempre digo para as pessoas que integram minha equipe que é preciso ter consciência de que, quando tudo isso está bem-feito, ninguém percebe. Se algo der errado, logo chega até nós. No primeiro refúgio que fizemos no Atol das Rocas criamos uma mesa, só que em vez de arredondar os cantos deixamos as pontas. Como era tudo muito pequeno, sempre se batia na quina. Ficou todo mundo com perna roxa – nos matamos de fazer cálculos e esquecemos de uma simples mesa... Bastou arrumá-la para tudo ficar uma maravilha. É assim: se der tudo certo ninguém fala nada, mas se der errado todo mundo reclama. Costumo dizer para o pessoal da nossa equipe que o silêncio é nosso melhor elogio.

Quais outros problemas você já enfrentou por estar à frente disso tudo?

Não quero ficar fazendo apologia às aventuras, pois tudo é sempre muito planejado. Claro, esses locais oferecem perigos naturais e não é fácil ficar semanas isolado no gelo da Antártida, por exemplo. Mas os problemas que enfrentamos são os básicos. Antes de ter ido para o Atol das Rocas, eu nunca tinha estado num veleiro. Disseram-me que não mareava, mas, como foram vários dias em alto-mar, fiquei tão mal que emagreci vários quilos. Para você ter uma ideia, não me deixaram ver um espelho quando chegamos lá. Eu devia estar realmente horrorosa (risos). Além disso, peguei piolho de ave e sofri com baratas. Confesso que o que mais tenho medo é de barata. Um dia, estava em minha barraca no Atol das Rocas e de repente senti uma cosquinha. Quando acendi a lanterna e vi a barata, fui obrigada a pegá-la com a mão e jogá-la pra fora. Acho que foi o meu ato mais heroico­ (risos).

Como é o trabalho em equipe nesses locais? O fato de serem dezenas de pessoas isoladas por longos períodos interfere?

Quando você junta pessoas que gostam do que fazem, que são voluntárias e estão ali por amor à profissão, tudo fica mais fácil. Muitas vezes nesses encontros é possível ver se formar uma sociedade melhor, principalmente quando você tira a questão do dinheiro, que não existe nesses lugares, e as pessoas não têm de com-

petir. Você se desveste do mundo. Quando se tem um monte de gente de países diferentes, com hábitos diferentes, línguas diferentes, e se tira aquela linhazinha que os divide, é impressionante como surge o princípio da solidariedade, da amizade, da união. E o que se aproveita dessas experiências que de ser usado em locais mais próximos, nas cidades?

Tem um monte de tecnologias que desenvolvemos que pode ser aplicada aqui. Infelizmente temos muitas coisas idealizadas, projetadas, mas poucas construídas, obviamente por falta de interesse do poder público. Desenvolvemos, por exemplo, seis modelos de habitação que não agridem o ambiente. Um deles pensado para ser construído sobre mangues. Tem lugares que hoje são ocupados, áreas de risco ambiental, cujo problema maior, na verdade, não é onde foi feito, mas como, sempre de forma desenfreada. Se houvesse critério, estudos, isso poderia acontecer normalmente. Mas é preciso muita pesquisa, investimento. Se em lugares como a Antártida pode dar certo, por que aqui não poderia? Construir em encostas de morro é a mesma coisa, tem de ter planejamento, mas é possível. Nesse sentido, também desenvolvemos um sistema de tratamento de esgoto que utiliza bombardeamento por ultravioleta. Grosso modo, usamos aquelas lâmpadas fluorescentes, só que sem a capinha que nos protege dos raios UV. São prejudiciais a nós, mas auxiliam na eliminação de bactérias presentes no esgoto. Esse modelo nós aplicamos na Estação Emilio Goeldi, mas não conseguimos implantar aqui na cidade. Outro exemplo está no atol. O sistema construtivo de madeira que criamos não usa parafusos, ou tantos elementos metálicos, que vão criar problemas de manutenção. Menor número de peças exige menor manutenção. Isso poderia facilmente ser aplicado em outros locais, como parques nacionais e reservas da biosfera, mas, infelizmente, não é aplicado por desinteresse do poder público.

FOTOS HELSON MOURA

Na questão térmica, costumo pensar de forma simples: quando você vai à praia, tira a roupa para o vento refrescá-lo e coloca um boné para tapar o sol. Torno esses abrigos leves e ventilados, e coloco um boné, um telhado grandão, que forme duas varandas. Todos os ambientes têm várias janelas e portas, para que o vento possa circular por dentro, livremente. Se houver lâmpadas e computadores, além das janelas é preciso um sistema de pequenos orifícios que fazem sair o ar quente. A própria pessoa já gera calor, e quando tem um monte de gente isso é perceptível.

Faço questão de beber em caneca. Viver na Antártida me fez entender o quanto custa usar um copo descartável. Lá, se você precisa de um copinho, não vai encontrar no boteco da esquina

O que essas experiências mudaram na sua vida?

Em primeiro lugar, tudo isso me fez pensar que há coisas maiores para fazer, para sonhar. E isso se aplica também a pequenos atos cotidianos. Hoje faço questão de beber em uma caneca, e não em copos descartáveis, pois viver na Antártida me fez entender o quanto custa usar descartáveis. Se você está lá e precisa de um copinho, não vai encontrá-lo no boteco da esquina. Isso faz com que valorizemos o que se tem, nos faz entender o valor de reciclar, e entender o quanto de esforço isso envolve, o quanto é preciso para fazer um copo chegar até seu destino. Depois de passar por vários lugares isolados, selvagens, percebi que o duro é viver aqui. E é isso que me move e me faz continuar a mesma rebelde de sempre, porque essa revolta não pode acabar. Eu ainda acredito que dá para mudar o mundo. E a arquitetura faz parte disso. MAIO 2009 REVISTA DO BRASIL

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CIDADANIA

Difícil recomeço A vida na prisão, e depois dela, impõe práticas de resistência e muita gente luta para não retroceder. Proporcionar oportunidades para o exercício digno da liberdade ainda é uma de nossas grandes dívidas sociais Por Giedre Moura

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REVISTA DO BRASIL MAIO 2009

S

ão Paulo está diferente aos olhos de Pedro (nome fictício). O número de carros aumentou, os sentidos das ruas mudaram e pontos de referência como out­ doors e letreiros gigantescos deixaram de existir. Pedro sempre morou na capital paulista, mas deixou de se relacionar com a cidade por 11 anos, 3 meses e 10 dias, isolado


GERARDO LAZZARI

A CIDADE MUDOU Pedro, em seu primeiro dia de liberdade após 11 anos: por onde começar numa cidade que agora lhe é estranha?

pelas celas de um presídio. Preso por assalto aos 21 anos de idade, Pedro, agora com 32, descreveu para a reportagem da Revista do Brasil a sensação de encarar a nova cidade velha 24 horas depois de deixar a carceragem. “Enfim, a liberdade, estou na rua tem um dia. É isso o que a gente mais quer quando está lá dentro, mas quando sai não sabe por onde começar.” Ansiedade e felicidade. Medo e esperança. Esse turbilhão de emoções é típico de quem cumpriu sua pena, busca a reinserção na sociedade, não deve mais nada à Justiça e não deseja voltar a dever. O retorno não é nada fácil. Os ex-detentos, a maioria com baixa escolaridade e sem formação profissional, vivem ainda sob o forte estigma de crimes cometidos no passado e costumam amargar os últimos lugares na hora da disputa por um emprego. Para tentar reverter essa situação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) lançaram recentemente o programa Começar de Novo, com o objetivo de sensibilizar a população para a necessidade de reinserir, no mercado de trabalho e na sociedade, presos que já cumpriram suas penas. “Todo mundo tem falado muito de responsabilidade social, empresas divulgam projetos, mas são raros os programas para ajudar o ex-detento. Com a ressocialização dessas pessoas poderíamos reduzir a reincidência e a criminalidade”, afirma Antônio Humberto, conselheiro do CNJ. A campanha engloba parcerias com entidades como Sesi, Senai e Fiesp para proporcionar treinamento e capacitação dos presos para o trabalho. Pretende também criar um sistema de bolsa de vagas para centra-

lizar a oferta de empregos. O próprio STF destinará vagas para 40 pessoas sentenciadas, egressas de prisões em 2009, que receberão salários na casa dos R$ 600, e o CNJ espera que outros órgãos públicos façam o mesmo. Também foi fechado um acordo com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e com a Fifa para contratação de exdetentos em obras da Copa do Mundo de 2014, que será realizada no Brasil. “A assistência à pessoa que está deixando o sistema penal é fundamental. Temos iniciativas e programas em todo o país, mas ainda são projetos isolados, é muito pouco”, afirma Ana Cristina de Alencar, do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça.

Abandono

Pedro viu sua família se desintegrar ao longo da década em que cumpriu pena. Estima-se que metade dos presos do país viva a mesma situação, sem visitas, amparo nem ajuda de conhecidos na hora de deixar o mundo das grades de ferro. Os pais de Pedro morreram, a mulher não aguentou a pressão e os irmãos seguiram outros caminhos. Sem nenhum centavo no bolso, ele perdeu as contas de quantos quilômetros andou em busca de auxílio. Foram muitas horas para localizar a casa de um amigo, onde passou a primeira noite de liberdade. Depois caminhou muito mais para chegar à sede da Central de Atendimento ao Egresso e Família (Caef), na capital paulista, uma das 17 espalhadas por diversas cidades do estado. De imediato, imerso na solidão, Pedro precisa de um lugar para morar e cabe à equipe técnica achar-lhe vaga em um

Depois de 10 anos atrás das grades, Marcos Fernandes de Omena teve em abril algo mais que um feriado em família. Beneficiado pelo regime semiaberto, Fernandes, conhecido como rapper Dexter, aproveitou o indulto de Páscoa para fazer um show para 4 mil pessoas na quadra da escola de samba Unidos do Peruche, em São Paulo. Condenado a 35 anos de reclusão por assalto a mão armada, Dexter encontrou no rap uma forma diferente de vivenciar sua pena. No início da detenção, ainda no Carandiru, conseguiu autorização para apresentações ao lado do rapper Afro-X, com quem formou o grupo 509E. Há oito anos não pisava em um palco, mas seguiu compondo o suficiente para abastecer o show. E para um disco, que gravou com participação de famosos, como Mano Brown. No palco, em 11 de abril, teve companhias como Brown e Racionais MC´s, Thaíde, Gog e Paula Lima. Dexter começou a cantar às 19h e parou às 21h30, para cumprir a determinação de não estar na rua depois das 22h.

MARQUES REBELO

Aleluia, Dexter

O rapper Dexter

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albergue­. A equipe da Central afirma que vai orientá-lo a respeito de como resolver pendências, tirar documentos, fazer cursos de capacitação e, o mais difícil, tentar inseri-lo no mercado. “Essa é a parte mais complexa do nosso trabalho. O número de empresas dispostas a ajudar o ex-detento ainda é muito pequeno. Fazemos reuniões, explicamos a necessidade, mas contratar um expreso é ainda algo complexo para as pessoas”, conta Ana Cláudia Oliveira Rolim, diretora da Caef. Os egressos não são obrigados a procurar as centrais quando deixam o presídio. Eles geralmente ficam sabendo da existência do serviço por meio da divulgação de cartilhas, como um livro de dicas organizado pelo ex-detento Luiz Alberto Mendes, de 56 anos, que passou quase 32 anos detido e está há cinco em liberdade. “Quando saí da cadeia fiquei totalmente perdido, tive que recomeçar tudo e pensei naqueles que

estavam lá dentro. A vida dentro dos presídios é um caos, a maioria sai de lá doente, sem dente, porque a regra não é cuidar, é arrancar. Para quem está nas cidades do interior, o Estado dá uma passagem e um pé na bunda”, relata Mendes. “O que fizemos foi sair em busca de albergues, restaurantes baratos, hospitais e até brechós para ajudar o cara a achar uma roupa barata. Ele precisa ter pelo menos uma referência para recomeçar. A maioria não tem assistência. Não é à toa que quase todo mundo volta para o crime. E também para a cadeia.”

Fé e paciência

Em paralelo aos poucos programas públicos, existem alguns raros programas da sociedade civil voltados aos egressos. A Fundação de Apoio ao Egresso do Sistema Prisional (Faesp) atende ex-detentos em Porto Alegre, mantida com a ajuda de voluntários e doações. A Faesp já recebeu

Oficina da Daspre, no Centro de São Paulo

A grife Daspre Depois de a grife Daslu inspirar o surgimento da Daspu, foi a vez de esta marca, criada por garotas de programa do Rio, inspirar outra, associada a outra ação afirmativa: a Daspre, desenvolvida por detentas da cidade de São Paulo. As presas encontram na costura e na criação de peças de acabamento fino um meio de aumentar a autoestima, reduzir a pena, conseguir algum dinheiro e desenvolver um ofício para quando a liberdade chegar. Atualmente, 65 mulheres trabalham no projeto, que já contou com a participação de mais de 200. Viviane Cristina Silva, de 29 anos, ganhará liberdade este ano. Presa depois de participar de um assalto ao lado de um namorado, aos 18 anos, ela sempre trabalhou dentro do presídio, mas acha ali diferente. “A gente aprende uma coisa nova todos os dias, renova a esperança. O mundo mudou muito desde que fui presa, tenho medo de sair, mas me sinto mais preparada.” Fabíola Andrade, de 26 anos, presa por furto e condenada a dois anos, também aguarda a liberdade para breve. “Venho para cá todos os dias e o salário mínimo que ganho mando para o meu filho.” Os produtos Daspre estão à venda na Fundação de Amparo ao Preso (Rua Dr. Vila Nova, 268, Vila Buarque).

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GERARDO LAZZARI

ANJOS Oscar criou a ONG Amigos Nova Jerusalém Organização Social, que atende 62 pessoas. Numa propriedade rural na Grande Curitiba, os egressos plantam, criam animais e fazem artesanato

mais de 900 egressos. Criou uma pequena cooperativa que atua na montagem de peças para indústrias, celebrou contratos isolados de trabalho e hoje cinco ex-presidiá­ rios prestam serviços para uma empresa metalúrgica da cidade de Gravataí, no interior do estado. “Além dos trabalhadores da cooperativa, temos outros ex-detentos que conseguiram estudar e retomar a vida. Mas sentimos dificuldade com a questão do trabalho. Fazemos reuniões, procuramos empresas, mas o retorno é baixo”, conta Tânia de Souza, presidente da entidade. “Fizemos uma pesquisa e descobrimos que 86,7% das pessoas atendidas não voltaram para o crime”, orgulha-se. O número é positivo, embora deva ser analisado com cuidado, uma vez que os que procuram a entidade têm perfil semelhante ao de Pedro: saem da cadeia desejando uma vida normal. Pedro figura ainda em outra lista de minorias: trabalhou a maior parte do tempo em que esteve detido. Apenas 18% dos cerca de 440 mil detentos do país conseguem alguma ocupação, remunerada ou não, quan-


FOTOS ANTONIO COSTA

do estão detidos. Além da remissão de pena (cada três dias trabalhados representa um a menos de detenção), o trabalho ajuda a manter a sanidade, a atualização profissional e contribui para a recuperação. Pedro diz que evitou ao máximo ficar parado, fez todos os tipos de curso que apareceram e estava sempre em busca de trabalho. Foi a chave para não enlouquecer, seguir adiante e não aderir ao apelo das facções criminosas. “Você tem que estar muito seguro. A tentação, as promessas, as facilidades são grandes. Mas eu tinha certeza que não queria mais”, lembra. Luiz Mendes também se viu transformado. Estudou, virou professor, escreveu livros – como Memórias de um Detento, Tesão e Prazer – Memórias Eróticas de um Prisioneiro e Às Cegas, concorrente ao prêmio Jabuti. Atualmente, tem uma intensa agenda de trabalho voltada aos egressos e detentos, mas o apoio que consegue de órgãos externos para as suas atividades é pequeno. “Só tive apoio de uma ONG até hoje; o financiamento para oficinas de literatura que dou chega da Alemanha, no Brasil

ninguém quer saber. A sociedade brasileira joga essa bomba para cima, não está nem aí, e espera que a bomba vire uma pomba branca da paz”, critica. Entre os bons resultados que já conseguiu, Mendes relata a criação de uma cooperativa de egressos, de mais de 150 ex-detentos, na cidade de Sorocaba (SP), que presta serviços para a prefeitura. Na falta de perspectivas concretas, Oscar Moreira, de Curitiba, amparou-se na religião. Ele passou três anos atrás das grades, está há dois em liberdade, e conta que se apoiou na fé para enfrentar as dificuldades que viveu, principalmente nas ruas, quando foi solto. “A tentação para voltar ao crime é grande.” Oscar criou um grupo de ajuda para outros egressos, Amigos Nova Jerusalém Organização Social (Anjos). “Eu nem sabia o que era ONG, e agora temos esse grupo. Conseguimos um barracão e lá vivem 62 pessoas que não têm onde morar e a família não quer mais saber porque o cara era bandido. Vamos vivendo, tentando arrumar trabalho, plantando, mas não é fácil. Tem gente que não se aguenta e volta mesmo.”

Na frente das grades A campanha Começar de Novo pretende atacar outro grande problema do sistema penal brasileiro: tirar de dentro dos presídios pessoas que já poderiam estar nas ruas. O Conselho Nacional de Justiça faz mutirões com a presença de juízes, do Ministério Público, da Defensoria Pública e servidores de tribunais. Realizados em presídios do Rio de Janeiro, Piauí, Pará e Maranhão, os mutirões já liberaram quase mil presos. Outro projeto que ajuda a reduzir a superlotação das prisões é o Programa de Penas e Medidas Alternativas, pelo qual serviços prestados à comunidade contam para o cumprimento da pena. A medida é destinada a infratores de baixo potencial ofensivo, o que os afasta do caótico ambiente prisional e os aproxima do convívio social. Atualmente, 11 mil pessoas cumprem penas alternativas no estado de São Paulo e o índice de reincidência é de 4,7%, contra 60% no sistema fechado.

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PERFIL

D

ifícil acreditar na história do carioca Jonas Caldas. Aos 46 anos, ele mesmo diz custar a se convencer da própria trajetória e da de sua família. A mãe, Marly, era doméstica na casa do ator Ivon Curi. Ao saber que a empregada tinha quatro filhos e não dava conta de cuidar deles, Curi ajudou-a a conseguir vagas na antiga Funabem (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor) para todos eles. Jonas foi encaminhado, sozinho, para a unidade de Quintino, no subúrbio carioca. Nos dias de hoje, provavelmente não teria tido essa sorte. Na Fundação, aprendeu a construir seu futuro: teve aulas de música e fez curso técnico de marcenaria. Na hora do recreio, aproveitava para pôr o aprendizado em prática e construía violões. “Apesar de ter dificuldade para tocar, aprendi a fazer violão sozinho, mais ou menos aos 13 anos. Só dois anos depois, numa parceria entre a Funabem e a Funarte, é que começou a ter um curso de luthierie (a arte de fabricar e consertar instrumentos leves de corda) e os professores me indicaram. Na época eu nem sabia o que era isso”, ri. Passou quase 13 anos dentro da instituição e, quando saiu, foi convidado a trabalhar na oficina do luthier Joaquim Pinheiro, recebendo 25% do valor dos instrumentos que fazia. Percebeu ter jeito para a coisa e mudou-se para a Grota do Surucucu, em Niterói, onde abriu sua oficina. Um dia, um rapaz comprou uma viola sua e a levou para uma apresentação na Alemanha, fato que rendeu a Jonas o convite para aprimorar a técnica na oficina de um luthier alemão, em Stuttgart. “Foi uma euforia só. Fiquei um ano lá e aprendi muito.” Quando voltou, reabriu seu comércio na Grota e percebeu que a atividade era uma referência também para os moradores, ainda um tanto distantes do mundo da música erudita. Mas Jonas logo viu o ambiente mudar. A comunidade antes carente e tranquila “evoluiu” para uma favela com tráfico e violência. “O público que lida com violinos em geral é de outro nível social. Logo eles começaram a ficar com medo de vir na minha oficina e tive de mudar para um bairro próximo.” Mas foi na Grota que ele se casou e criou os cinco filhos. Nas horas de descanso, quando ele pegava o violino para estudar, as crianças ficavam de olho. Era só largar os

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SAN instrumentos e lá estavam elas se familiarizando com o que era o ganha-pão do pai. Não demorou para Jonas e a mulher perceberem que aquilo não era só brincadeira e incentivarem os gêmeos Walter e Wagner a ter aulas de música. Mas como pagar aulas tão caras? O luthier resolveu o problema com uma proposta à dona de uma escola de música da cidade: ele consertaria os instrumentos em troca das aulas para os dois filhos. Mais ou menos ao mesmo tempo, surgia

um movimento que mudaria também a cara da comunidade.

Ruas eruditas

A professora Otavia Selles, que já desenvolvia atividades de reforço escolar, horta, costura e artesanato com as crianças da Grota, incentivou seu filho, o músico Márcio Selles, a incrementar o trabalho com aulas de flauta. Os gêmeos de Jonas começaram também a frequentar as aulas na comunidade, onde ainda reinava


RODRIGO QUEIROZ

NGUE MÚSICA NO

Dos instrumentos que aprendeu a fabricar, Jonas tirou as notas de um futuro melhor para seus filhos e sua comunidade Por Xandra Stefanel

um clima de estranhamento com a novidade. “O bairro era dividido em três, o começo, o meio e o fim, e as crianças do meio não se davam com as do começo, e assim por diante. Logo a música unificou tudo e não tinha mais brigas”, lembra Jonas, que passou a conviver com as notas para além das paredes de sua casa e oficina. As ruas da Grota do Surucucu ainda não tinham asfalto, mas já estavam invadidas pela música clássica – e não demorou mui-

to para surgir a alegre movimentação de crianças e adolescentes com instrumentos nas costas. Assim se formou a Orquestra de Cordas da Grota. Márcio garante que os benefícios ultrapassaram os limites do bairro: “Como todos que frequentam as aulas de música precisam ter bom aproveitamento escolar, isso motivou crianças e adolescentes a estudar. Hoje são mais de 200 alunos, e eles não vão mais ao teatro acanhados, exercitam a cidadania plena”. A orquestra já se apresentou em Portugal, Estados Unidos, Nicarágua, El Salvador, Panamá, Costa Rica e Belize. Nove de seus integrantes estão cursando faculdade. Entre eles, os gêmeos Wagner e Walter, de 24 anos, que no concerto em Nova York receberam um convite para estudar no estado de Iowa. “Depois da nossa performance, mostramos interesse em estudar aqui e o presidente da Universidade de Iowa do Norte nos convidou. A gente não recebe dinheiro nenhum. Eles pagam nossa alimentação, estadia, lavanderia e os estudos, cerca de US$ 60 mil por ano para meu irmão e eu”, contou Wagner, por email. Ele e o irmão relataram sua história no documentário Contratempo, filme de estreia de Malu Mader na direção, na companhia de Mini Kert. Jonas também não imaginava que o futuro – e o exemplo de casa – seria tão generoso com a família. Além dos gêmeos, o filho Felipe, de 22 anos, está se profissionalizando, faz faculdade de Música, toca em eventos e dá aula no projeto de Márcio Selles. “Meus pais eram analfabetos e alcoólatras. Não imaginava que minha família ia dar essa guinada. Meus outros filhos, Carol, de 7 anos, e Bruno, de 20, também estudam música, mas vou sugerir que aprendam outra profissão além dessa, porque no Brasil existe dificuldade nessa área. Mas está no sangue: o filho do Wagner, de 3 anos, já quer aprender violino”, diverte-se o luthier. Assim como o músico Márcio Selles, que diz nunca ter perdido um aluno para a criminalidade, Jonas Caldas acredita na música como potencializadora de inclusão: “Ela é musculação para o cérebro, mexe com a cultura das pessoas e dá estrutura para conseguirem fazer qualquer outra coisa, mesmo que não seja música. Por isso você nunca vai vê-los cair na criminalidade”. MAIO 2009 REVISTA DO BRASIL

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COMPORTAMENTO

Aprender a

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a perder Como dizia o poeta, ela chega para todo mundo, só que ninguém gosta de ir na frente. E encarar com naturalidade a morte, nossa única certeza, pode ser uma forma de aproveitar melhor a vida Por Evelyn Pedrozo

DO PÓ AO PÓ Eliane leva flores duas vezes por semana ao canteiro onde a família depositou as cinzas do pai

MAURICIO MORAIS

O

filósofo Martin Hei­dg­ger dizia que, para a pessoa se apropriar plenamente de sua existência, é necessário antes se apropriar de sua morte, porque essa é uma possibilidade presente em nossa vida o tempo todo. É a tal história: para morrer basta estar vivo. É tamanho o medo de enfrentar a morte, e a forma como ela chegará, que as pessoas passam pela vida sem se preparar para seu dia final. Raramente expressam desejos sobre funeral, cremação, doação de órgãos, ou mesmo medidas práticas, como testamentos, indicação de contas bancárias e seguros, providências que abrandam as dificuldades para quem fica e já tem de lidar com os piores dos problemas: o luto, a perda, a saudade. Para o escritor e teólogo Rubem Alves, de 75 anos, aquele que não escuta o que a morte tem a dizer diariamente está condenado a ser um tolo a vida inteira. “Penso muito na morte, mas isso não me paralisa porque quando se consegue chamar o fantasma pelo nome ele perde o poder.” A tanatologia, ciência que estuda a morte, prepara profissionais da saúde para ajudar o doente a ter um final tranquilo e também apoia os parentes nos processos de luto. A proposta é que as pessoas consigam enfrentar todo tipo de perda, seja um membro, um órgão, a saúde, o emprego, uma separação. “É preciso desapegar, aprender a perder”, diz a psicóloga Júnia de Paula Drumond, diretora da Associação Brasileira de Tanatologia. Essa prática é adotada no Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM), no Instituto

de Psicologia da USP-SP, que dá formação e subsídio para profissionais de saúde e de educação, que têm igualmente de se defrontar com o tema. No LEM também é realizado atendimento ao público envolvido com as questões da morte. Com esse amparo humanizado o professor Janes Jorge e sua família superaram um obstáculo. “Meu tio faleceu no Instituto do Coração de São Paulo. Comunicar para minha tia, com sérios problemas de coração, era uma situação difícil, mas foi amenizada pelo apoio dos psicólogos do Instituto. Espero que, em breve, todos os hospitais públicos de São Paulo e do Brasil possam contar com esse serviço essencial”, diz Janes. Em algumas unidades de terapia intensiva profissionais já trabalham com esse foco. Médicos como Vasco Moscovici, do Hospital do Câncer de São Paulo, são referência para os pacientes e seus familiares por estar presentes na UTI toda a semana, em horários fixos. Também foi positiva a ampliação do horário de visita. “Humanizar a UTI facilita o processo de luto antecipado da família”, defende Moscovici. Apesar de aceitar a morte como um processo natural, o médico se angustia quando não consegue ajudar um paciente terminal. E não é raro deparar com famílias que não aceitam acabar com o prolongamento artificial da vida (distanásia) por conta de processos particulares de culpa e apego. “Nesse sentido, há poucos conflitos e, quando surgem, a família é respeitada e são mantidas as medidas de prolongamento”, afirma Moscovici. MAIO 2009 REVISTA DO BRASIL

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TRÊS FORMAS DE VIVER A MORTE Luciene escreveu um livro sobre a superação do câncer. O médico Vasco dá apoio a pacientes e familiares na UTI do Hospital do Câncer. Adenilson, do Cemitério da Vila Formosa, aprendeu a manter distanciamento

No Cemitério da Vila Formosa, o maior da América Latina, na zona leste paulistana, o sepultador Adenilson Souza Costa, de 36 anos, garante que tem preparo psicológico. “Nos primeiros dias era triste demais. Hoje, quando jogo a última pá de terra sobre o caixão, sinto que a família fica aliviada.” Em 14 anos de trabalho, ele chorou quatro vezes por ter se rendido ao sofrimento dos familiares e à brutalidade das mortes. Optar pela cremação do corpo de um parente é uma decisão dura quando a pessoa não expressa essa vontade. Daí a importância de enfrentar o assunto ao longo da vida. “Cremar um corpo não encerra o vínculo com o ente querido e é um procedimento cada vez mais comum”, diz a psicóloga Ana Lúcia. A dona de casa Eliane Coronado Piccoli­conta que sua família decidiu repentinamente cremar o corpo do pai, Manoel Coronado. “Já se vão três anos e eu venho duas vezes por semana colocar flores nesse canteiro onde depositei as cinzas dele.”

Renascimento

Quando a pessoa se recupera de uma doença grave, ela reelabora a relação com a vida. Ao descobrir um câncer de mama, a jornalista Luciene Scomparim Dressano,

MAURICIO MORAIS

E como se pode educar um indivíduo com uma visão mais realista sobre a morte? “Se a criança tem dúvida sobre a doença ou morte de alguém é preciso introduzi-la no problema, chorar junto, conversar, discutir a questão do apego a coisas, pessoas, cargos, títulos.” Para Maria Julia Kovács, coordenadora do LEM, a grande arte é escolher as palavras para explicar o fato e sua irreversibilidade. A dona de casa Zulmira da Silva Fernandes, de 58 anos, fala da morte com naturalidade. Perdeu, no mesmo ano, uma filha de 24 anos, assassinada, e um de 21, em acidente de moto. “Eu pedia a Deus para tirar minha filha do mar de lama em que vivia, e ele resolveu do jeito dele”, conta, conformada. Quanto ao filho, diz ter consciência de que Deus apenas empresta os filhos. “Eu sempre digo: valeu, meu Deus, pelos 21 anos que vivi com ele.” Mesmo sendo evangélica, Zulmira acredita na vida após a morte e que ainda vai reencontrar o filho. Mas, depois de passar por essas situações, teme pela morte do caçula. “Agora não sei como eu reagiria.” A proposta de humanização no atendimento aos enlutados também já chegou ao Serviço Funerário de São Paulo. O superintendente da autarquia, Celso Jorge Caldeira, observa que é muito triste ver uma família que não pode dar um funeral digno ao morto. “Além da gratuidade para os que não podem pagar, criamos a possibilidade de os custos serem financiados e pagos com cartão de crédito”, explica. “Nos cemitérios, é preciso haver boa estrutura física, acomodações dignas, banheiro limpo, água, tudo para as pessoas só terem de lidar com a dor”, afirma a psicóloga Ana Lúcia Naletto, do Centro Maiêutica de Psicologia Aplicada. Segundo ela, há poucos cemitérios no Brasil com essa postura porque muitos ainda são encarados como fonte de renda. No Centro Maiêutica, os trabalhadores recebem amparo psicológico tanto para se preparar para o atendimento quanto para superar as dificuldades de um trabalho tão árduo. A psicanalista Miriam Chnaiderman retratou o cotidiano das pessoas que trabalham em contato com os mortos em seu documentário Artesãos da Morte. De acordo com Miriam, o filme, de 18 minutos, faz parte do movimento que humanizou o atendimento nos cemitérios e traz depoimentos chocantes e preconceituosos contra os trabalhadores.

RODRIGO ZANOTTO

Desapego e humanização

de 39 anos, não teve vontade de lutar: “Eu só queria morrer. Mas minha natureza falou mais alto e deu minha sentença de vida. Recolher os cacos, organizar as ideias e simplesmente aceitar foi a tarefa mais intensa de minha existência.” Luciene escreveu o livro Histórias de cada um... No Meio do Rio e hoje desenvolve o projeto Livro nos Hospitais, com a proposta de alertar para o diagnóstico precoce na luta contra o câncer. “Quando a pessoa esbarra com a morte, passa a querer fazer mais e melhor, vivendo o presente. É a ideia do carpe diem (aproveite o dia)”, explica a psicóloga Júnia Drumond. Foi o que aconteceu com a funcionária pública Zoraide de Araújo Matos, de 65 anos. Há três anos ela sofreu um aneuris-


No pensamento judaico, vida e morte formam um todo, sendo aspectos diferentes da mesma realidade, complementares uma da outra. Segundo o islamismo, há uma vida após a morte, uma vida ideal no paraíso para muçulmanos fiéis ou no inferno para os que não o são.

MAURICIO MORAIS

Arte e morte

ma cerebral e ficou em coma durante 19 dias. Nesse tempo, teve vários sonhos que pareciam reais e sentiu a presença da mãe, já falecida, lhe confortando. Zoraide acredita que sua fé espírita tenha criado forças para atravessar esse período difícil. “Agora aproveito mais a vida. Dou mais valor a tudo. Eu me amo muito e preciso fazer jus à nova oportunidade que Deus me deu.” As crenças religiosas também carregam doses diferentes de conforto ou de interpretações relacionadas à morte e até mesmo ao que ocorre depois dela. No cristianismo, a morte é, antes, uma forma de sugerir um padrão de condutas durante a vida, já que envolve o temor em relação ao inferno ou a busca do céu, lugares para os quais as almas vão de acordo com seu comportamento em

vida. Para os católicos existe ainda o purgatório, estágio intermediário onde se daria uma espécie de julgamento. O budismo diz que todos os seres estão em um ciclo contínuo de vida, morte e renascimento, por um número ilimitado de vidas, até que finalmente alcancem a iluminação. Os hinduístas acreditam na reencarnação dependendo do karma nas vidas passadas. Para o hinduísmo, o universo é feito de água, ar, terra, fogo e éter, assim como o corpo humano. Ao se queimar o corpo após a morte, tudo volta para seu lugar. Para o espiritismo, além do mundo corporal, habitação dos espíritos encarnados, existe o mundo espiritual­, morada dos desencarnados. Os espíritos reencarnam tantas vezes quantas forem necessárias ao próprio aprimoramento.

A diretora Cibele Forjaz, da Companhia Livre de Teatro, trabalha com o tema morte desde 2006. Agora em maio estreia o espetáculo Raptada pelo Raio – Um Mito de um Povo. “Escolhemos esse tema pela falta de compreensão sobre o fato. Se não aceita a morte, a pessoa perde a qualidade de vida. Hoje as pessoas substituem tudo pelo consumo, seja a morte, a tristeza, o que for”, explica. Cibele lembra as tragédias gregas, em que a morte era o limite fundamental: “O herói trágico é forte e contraditório porque é mortal. A vida é pensada a partir do limite da morte”. E menciona o pensamento do cineasta russo Andrei Tarkovsky. “Ele dizia que a função específica da arte não é expor ideias ou servir de exemplo. Seu objetivo é preparar a pessoa para a morte, arar e cultivar sua alma, tornando-a capaz de voltarse para o bem”, observa a diretora, também professora da Escola de Comunicação e Artes da USP. O tema sempre foi igualmente explorado pela música e pela poesia brasileira. Em Vinicius de Moraes: O Poeta da Paixão – Uma Biografia, José Castello registra que o que o torna um grande poeta é a percepção do lado obscuro do homem, a coragem de enfrentá-lo. Vinicius deixou A Morte em sua discografia: “A morte vem de longe/ do fundo dos céus/ vem para os meus olhos/ virá para os teus.../ chega impressentida/ nunca inesperada/ ela que é na vida/ a grande esperada/ a desesperada/ do amor fratricida/ dos homens/ ai! dos homens/ que inalam a morte/ por medo da vida”.

Direito de partir Tal qual a discussão da distanásia é a polêmica sobre a eutanásia, quando se lança mão de recursos para provocar a morte. Em países como Holanda e Bélgica, ela é permitida. No Brasil, é considerada homicídio. O caso mais recente com repercussão internacional foi o de Eluana Englaro, morta aos 38 anos em fevereiro passado, na Itália, após 17 anos em estado vegetativo persistente. O pai, Beppino Englaro, enfrentou uma batalha judicial de uma década para que as sondas que a alimentavam e hidratavam fossem retiradas – segundo prognóstico médico, esse estado de saúde era irreversível. Por fim, uma decisão judicial garantiu que ela deixasse de ser mantida viva artificialmente. Foi realizada a ortotanásia,

um tipo de eutanásia passiva, com a suspensão de medicamentos e alimentação. Isso fomentou na sociedade italiana a discussão sobre a eutanásia. O caso ganhou destaque porque, em estado vegetativo, ela não podia dizer se gostaria ou não de permanecer viva por meio de sondas. “Se a pessoa está em fase terminal, não vale mantê-la ligada a esse mundo só para fazer crer que ela está viva. Em algum momento é preciso dizer que é chegada a hora de partir”, finaliza a psicóloga e tanatóloga Júnia de Paula Drumond. Colaborou Everaldo Fioravante MAIO 2009 REVISTA DO BRASIL

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ESPORTE

Do tamanho do Rio ou do Brasil?

Clubes cariocas tentam driblar as dificuldades financeiras para provar que podem fazer bonito não só no Estadual, mas também no Brasileirão Por Fernando Gavini

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sileiro – por onde já andaram o Fluminense, no final da década passada, o Botafogo, em 2003, e com a qual o Flamengo andou flertando várias vezes, safando-se nas rodadas finais. É justamente o fracasso dos clubes de maior torcida do Rio no cenário nacional que deixa torcedores e críticos ressabiados. O último a triunfar na primeira divisão do

TRETA Marcelinho Paraíba, flamenguista roxo, cansou de esperar pelos salários do time do coração e foi para o Coritiba

HEULER ANDREY/DIAESPORTIVO/AGIF/FOLHA IMAGEM

M

ais de 60 mil torcedores no Maracanã nos jogos decisivos e com Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco disputando palmo a palmo o título de campeão. O Estadual do Rio de Janeiro empolgou como há muito não se via. Os quatro grandes dominaram o campeonato e não deram chances aos pequenos. O Resende só se intrometeu na semifinal da Taça Guanabara porque o “tapetão” tirou seis pontos do time de São Januário por causa da escalação irregular do meia Jéferson. O domínio dos quatro principais clubes não acontecia no Rio de Janeiro dessa maneira desde 2001, quando o Flamengo foi campeão, vencendo o Vasco na final, o Botafogo foi o terceiro e o Fluminense o quarto. Em 2008, os quatro também chegaram às semifinais tanto da Taça Guanabara quanto da Taça Rio, mas o campeonato não foi disputado em igualdade de condições, já que os pequenos não puderam enfrentar os grandes no próprio estádio. Há oito anos os cariocas não terminavam tão bem o Estadual. O Flamengo superando muitas dificuldades, o Botafogo ressurgindo das cinzas, o Fluminense apostando em estrelas como Fred, Thiago Neves e Carlos Alberto Parreira e o Vasco, apesar da goleada sofrida na semifinal da Taça Rio, fazendo uma campanha muito melhor do que o mais otimista de seus torcedores acreditava ser possível depois do rebaixamento do clube para a Série B do Campeonato Bra-


CELSO PUPO/FOTOARENA/FOLHA IMAGEM

MAIOR DO MUNDO Torcida do Flamengo durante Fla-Flu pela Taça Rio, segundo turno do campeonato estadual: foi em 1992 que o time carioca se tornou campeão brasileiro pela última vez

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Pé atrás

“É difícil dizer isso agora, mas o Estadual engana demais”, afirma o jornalista Fernando Calazans, colunista do jornal O Globo. “Diferentemente do que aconteceu nos últimos dois anos, não acredito que nenhum time do Rio tenha condições de brigar para ser campeão brasileiro”, sentencia Paulo Vinícius Coelho, o PVC, colunista da Folha de S.Paulo. A opinião do jornalista justifica-se nos problemas financeiros comuns aos quatro: “Flamengo e Fluminense esbarram na fuga da realidade. Os dois têm elencos caros e, por causa disso, dificuldades para manter em dia os pagamentos. Muitos problemas começam com o atraso de salários. Por outro lado, o Botafogo adotou uma política pé-no-chão para não ficar em dívida com o elenco, mas isso significa time modesto. No máximo, vão conseguir namorar vaga para a Libertadores”. A fragilidade financeira dos clubes do Rio de Janeiro ficou comprovada no fim de 2008. O êxodo de jogadores foi grande, mas o destino não foi o exterior. O único atleta que foi jogar fora do país foi Thiago Silva, contratado pelo Milan. O São Paulo levou Washington, Arouca e Júnior César do Fluminense, Wagner Diniz do Vasco e Renato Silva do Botafogo, que ainda perdeu para o Corinthians Túlio e Jorge Henrique – além de seu artilheiro Wellington Paulista, para o Cruzeiro –, enquanto o Santos ficou com Lúcio Flávio e tirou Madson de São Januário. O único que não perdeu jogadores para os paulistas foi o Flamengo, mas os problemas rubro-negros começaram na virada do ano. Com uma dívida que beira 44

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os R$ 300 milhões, o clube não conseguiu renovar o contrato de patrocínio com a Petrobras por não ter as certidões negativas de débito necessárias para assinar com a estatal, que já havia acertado o valor de R$ 14 milhões para 2009. A parceria de 25 anos acabou e o Flamengo corre atrás de um novo patrocinador. Sem o dinheiro da Petrobras e com cotas da televisão de 2009 adiantadas, a situação ficou caótica. Marcelinho Paraíba não aguentou os salários atrasados e transferiuse para o Coritiba. “Acreditei na diretoria, que prometeu cumprir tudo o que foi combinado no meu retorno. Mas as coisas não aconteceram como eu esperava. Estava na Europa com a minha vida estabilizada e só aceitei jogar no clube porque sou flamenguista”, lamentou o meia. O clube da Gávea encontra ainda dificuldade para segurar seu principal jogador, o meia Ibson, cujos direitos federativos pertencem ao Porto. O clube português não quer prorrogar o empréstimo, que expira no meio do ano, e os R$ 12 milhões exigidos para negociá-lo em definitivo são muita coisa para os padrões da Gávea. Se a falta de patrocinador atormenta os flamenguistas, a presença de um parceiro forte salva o Fluminense. A Unimed garantiu a contratação de Fred e a volta de Thiago Neves. A empresa paga o salário de 20 dos 32 jogadores do elenco tricolor, e é aí que reside o problema. O salário de quem recebe pela Unimed está sempre em dia. Já quem depende do clube para receber corre o risco de ficar a ver navios por alguns meses. Foi o que aconteceu com o lateral-esquerdo Leandro. Contratado em janeiro, só foi receber pela primeira vez em março. “Isso cria um desequilíbrio muito grande dentro do grupo de jogadores”, analisa PVC. Fred trocou o Lyon, da França, pelo Fluminense para receber nas Laranjeiras R$ 450 mil mensais, pagos religiosamente, enquanto outros jogadores penam para ver a cor de valores bem menores.

ECONOMIA Mesmo cortando custos, o time economicamente “viável” do Botafogo conta com o brilho de Maicosuel

Pé no chão

Para problemas desse tipo, o Botafogo optou por um caminho completamente diferente. O Alvinegro terminou 2008 com quatro meses de salários atrasados. Na reta final do Brasileirão, quando ainda sonhava com uma vaga na Libertadores, perdeu Carlos Alberto, que rescindiu o contrato quando chegou a 90 dias sem receber. Para 2009, o presidente Maurício Assumpção assumiu o posto no lugar de Bebeto de Freitas, que deixou o cargo em dezembro, e apostou numa política de contenção de despesas. “Era a única maneira de tornar o Botafogo viável. Não tínhamos alternativa.” A primeira medida foi reduzir

TRATAMENTO DIFERENCIADO No Fluminense, jogadores patrocinados diretamente pela Unimed, como Fred, recebem em dia. Já os outros...

ANDRÉ MOURÃO/AGIF/FOLHA IMAGEM

Brasileiro foi o Vasco, em 1997 e 2000. Este século, portanto, é de jejum na principal competição. A situação chama a atenção do mundo do futebol porque, afinal, trata-se de times populares em todo o país. O mais popular cantor brasileiro, por exemplo, já torceu por três deles. Roberto Carlos começou nutrindo simpatia pelo Flamengo, virou botafoguense e acabou adotando o Vasco – isso tudo quando vivia em Cachoeiro do Itapemirim, cidade do interior do Espírito Santo, que tinha lá seus próprios times de tradição. Será que agora o bom futebol jogado pelos grandes cariocas no Estadual os credencia a disputar o mais importante título nacional?


FERNANDO SOUTELLO/AGIF/ FOLHAIMAGEM SATIRO SODRÉ/AGIF/FOLHA IMAGEM

ASCENSÃO O técnico Dorival Júnior é a aposta do Vasco para retornar à primeira divisão do Campeonato Brasileiro

os gastos com o futebol. Dos R$ 2,6 milhões mensais de 2008, o valor caiu para R$ 1,6 milhão. A economia vai chegar a R$ 12 milhões ao final de 2009. Para isso acontecer, o clube perdeu jogadores importantes. Mas contou com o olhar clínico do técnico Ney Franco para trazer atletas bons e baratos. O time achou Victor Simões na Coreia do Sul e o atacante revelado pelo Figueirense não só deu conta do recado como fez muitos gols. Assim como Maicosuel, que, depois de uma temporada apagada no Palmeiras, começou a brilhar em General Severiano. Além disso, recuperou Juninho, que teve um ano ruim no São Paulo, trouxe Reinaldo para ser a estrela da companhia, e apostou em caras desconhecidas como Fahel, Wellington, Batista e Léo Silva, que deram boa resposta dentro de campo. O diferencial do Botafogo? Os jogadores têm hoje a certeza de que no final do mês vão receber o combinado, mas só isso não basta para entrar no Brasileirão em condições de brigar pelo título. O clube que deve ter a vida mais tranquila em 2009 é o Vasco. O objetivo da temporada é retornar à primeira divisão do Campeonato Brasileiro, e a campanha feita no Estadual credencia a equipe. “O Vasco vai subir. Talvez não seja tão tranquilo quanto foi para o Corinthians, mas o Vasco sobe. O clube fez uma aposta certa no Dorival Júnior”, acredita Paulo Vinícius Coelho. Depois de uma estreia muito ruim, quando perdeu para o Americano por 2 a 0, o Vasco embalou seis jogos de invencibilidade na Taça Guanabara e só não se classificou por causa do erro cometido pela direção na inscrição de Jéferson, que ocasionou a perda de seis pontos. Na Taça Rio, o time foi arrasador. Venceu todos os oito jogos da fase de classificação, inclusive contra Flamengo (2 a 0) e Botafogo (4 a 1), e só caiu na semifinal com uma dura derrota por 4 a 0 para o Botafogo. O que pode atrapalhar são os problemas extracampo. As dificuldades financeiras também são muitas. No fim de 2008, um contrato salvador de patrocínio foi anunciado. A Eletrobrás aceitou estampar sua logomarca na camisa cruz-maltina. Mas o clube demorou mais de quatro meses para conseguir as certidões negativas para que o contrato, no valor de R$ 14 milhões anuais, pudesse entrar em vigor. MAIO 2009 REVISTA DO BRASIL

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VIAGEM

Onde os sinos falam

São João del Rei preserva uma forma de comunicação secular, executada na maior parte das vezes por jovens sineiros, que mantêm viva uma profissão cada vez mais rara Por João Correia Filho, texto e fotos

R

odrigo Leandro da Silva, de 37 anos, diz que as pessoas estranham sua profissão descrita na carteira de trabalho: sineiro. Mas orgulha-se da atividade, patrimônio cultural do país. Na cidade histórica de São João del Rei (MG), o toque dos sinos é tradição secular e, ainda, um importante meio de comunicação. “Mesmo em época de internet, TV a cabo e toda a tecnologia, o sino é muito eficiente para informar sobre os ritos religiosos e fatos sociais da cidade”, diz Rodrigo, responsável pelas badaladas da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. A “linguagem dos sinos” é capaz de transmitir aos moradores informações precisas como as horas, o horário das missas, que tipo de celebração será realizada e por quem: se por um padre (três badaladas), pelo bispo diocesano (sete) ou arcebispo (nove). É possível saber se alguém nasceu ou alguém morreu, se homem ou mulher. Se houver um incêndio, o sino avisa. “Se ocorre algum problema com o sineiro e o sino não toca, ou toca fora do horário, os fiéis começam a telefonar. Um erro nas badaladas pode causar uma confusão na cidade”, conta Rodrigo, senhor desse “idio-

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ma”. Subiu nas torres da Igreja do Rosário ainda criança, inspirado por dois de seus irmãos que já exerciam a profissão. “Sempre fui muito ligado à igreja, mas, confesso, a curiosidade de saber o que se passava lá em cima também me atraiu”, conta. Seis irmãos de Rodrigo são sineiros; apenas um não quis seguir os passos da família. “Aqui os sinos dobram desde a fundação da cidade, no início do século 18. E, de geração a geração, a tradição chega com força até os dias de hoje”, diz o historiador Aluízio José Viegas, estudioso do tema. A história dos sinos no Ocidente, segundo ele, remonta ao século 6 e chega ao Brasil com a colonização. “Como a religião era oficializada pelo Estado nessa época, os sinos eram usados, além dos ritos católicos, para anunciar datas da Coroa Portuguesa, como nascimentos de príncipes, aclamação de reis e de gente da nobreza. Com a Independência, os toques limitaram-se praticamente aos ritos religiosos”, completa Viegas. Documentos apontam que em algumas épocas as cidades de Minas Gerais chegaram a ser consideradas barulhentas, devido ao grande número de toques disparados a todo momento. “Seriam as primeiras notícias de poluição sonora da História do Brasil”, brinca Viegas.

Nilson: emoção na morte de João Paulo II


Ruas de São João del Rei e as torres da Igreja do Carmo

TRADIÇÃO Jefferson é símbolo do compromisso de preservar a profissão de sineiro. Começou aos 8 anos como aprendiz e hoje, aos 23, é responsável pelas badaladas da Catedral de Nossa Senhora do Pilar

Os jovens da torre

A participação dos jovens é decisiva para a preservação da tradição. Jefferson Alexandre da Silva Paula, de 23 anos, desde os 8 sobe e desce as escadarias da torre da Catedral de Nossa Senhora do Pilar, antes como aprendiz, hoje como sineiro responsável pelas badaladas de um dos mais importantes templos históricos da cidade. Jefferson domina o ofício: “Tocar o badalo com o sino parado se chama repique. Dobre é quando o sino gira sobre o próprio eixo e bate o badalo uma ou duas vezes. Se for uma vez é dobre simples; duas, dobre duplo”. É assim também que descreve períodos de festa religiosa, como a Semana Santa, quando os sinos dobram e repicam muitas vezes ao dia, anunciando cada detalhe da celebração. “A hora da consagração do pão e do vinho, por exemplo, é avisada com uma pancada no sino pequeno e imediatamente uma pancada no sino grande”, detalha. Segundo ele, os toques dependem do número de sinos que a igreja possui e de quantos serão tocados ao mesmo tempo. Em alguns casos, tocam-se quatro ao mesmo tempo, embora o número de sinos varie de uma igreja para outra. Apesar da pou-

Rodrigo: orgulho

ca idade, Jefferson já é uma referência para outros garotos da cidade que pensam em seguir a vida de sineiro. O orgulho se repete nas palavras de Nilson José dos Santos, 34 anos, da Igreja de São Francisco desde 1992. Ele conta que um dos dias mais emocionantes de sua vida profissional foi quando dobrou os sinos para anunciar a morte do Papa João Paulo II. “Estava em casa e vi pela TV. Saí correndo para vir soar o sino avisando a todos os fiéis. Quando cheguei, ouvi os sinos da Matriz de Pilar anunciar a morte do Santíssimo, seguida por mim, na São Francisco, e por outras igrejas que davam a notícia. Foi muito emocionante, o ar de São João del Rei ficou pesado, triste”, lembra. Os sineiros são-joanenses ainda têm ou-

tro ponto em comum. Todos concordam que um dos toques mais belos ecoados na cidade é o de Nossa Senhora Morta. “É o dobre mais bonito de todos, e um dos mais difíceis. É como uma música, e precisa ser tocado por quatro pessoas, com quatro sinos ou mais”, diz Jefferson. O dobre de Nossa Senhora Morta só acontece uma vez por ano, no dia 14 de agosto, na missa de Assunção de Nossa Senhora. De tão belo, já serviu de inspiração para compositores importantes da cidade, como o padre Mestre José Maria Xavier e Luiz Batista Lopez, ambos músicos do final do século 19, que utilizaram o ritmo dos sinos como base para suas obras. Mais de um século depois, os sons que ecoam por São João del Rei ainda inspiram jovens e crianças. O sineiro Jefferson tem uma leva de seguidores mirins que o auxiliam e tentam aprender o ritmo das badaladas falantes. Nilson ensina o ofício a uma dúzia de jovens da comunidade. Rodrigo ensina sobrinhos e vê no filho, de pouco mais de 1 ano, sinais de que seus conhecimentos serão perpetuados. Desde que começou a balbuciar as primeiras palavras, ouve as badaladas ecoar e repete: “Dão-dão, papai, dão-dão”. MAIO 2009 REVISTA DO BRASIL

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Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar.

CurtaEssaDica

Por Xandra Stefanel (xandra@revistadobrasil.net)

Bom humor com consciência O humor pode ajudar a salvar o mundo? O cartunista Léo Valença aposta que sim. Ele, com apoio do site Brazil Cartoons, está organizando o livro Aquecimento Global em Cartuns, com tirinhas e quadrinhos de 25 artistas brasileiros, a ser lançado em breve pela editora HQM ou pela Paradiso. E não torça o nariz. O fato de o assunto ser muito sério não impede que se reflita sobre ele com irreverência. “Os cartuns abordam a mudança climática com bom humor e não visam apenas alarmar sob uma ótica do politicamente correto. Tratase de um humor inventivo que informa, mas com um sorriso sacana nos dentes”, diz Léo. O livro terá aproximadamente 48

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60 páginas e 25 cartuns, acompanhados de um breve perfil dos artistas. O públicoalvo é amplo: crianças, jovens estudantes e adultos em geral. Pinguins que vão à praia para se refrescar e ursos polares que discutem quem será o próximo eliminado no paredão de gelo dão a tônica do livro ainda em produção. “É um alerta para a vida, no qual os cartunistas terão o desafio de mostrar o risco que o planeta e a humanidade correm”, afirma o organizador. A seleção dos vencedores foi feita pelos sites Brazil Cartoons, Universo HQ e Bigorna. Artistas brasileiros e estrangeiros participaram nas categorias cartum, charge e tira. Boa parte dos trabalhos de Biratan Porto, um

dos selecionados, é sobre ecologia. “Meu interesse pelos problemas ecológicos já vem de muitos anos. Moro em Belém, na região amazônica, onde acontecem os maiores atentados contra a natureza. O aquecimento global é um dos problemas mais sérios que estamos enfrentando. Na minha produção de cartuns ecológicos esse é um dos temas mais frequentes. O livro vem fortalecer a nossa luta no que diz respeito à consciência ecológica”, afirma o cartunista, que organizou, em 2008, o I Salão de Humor da Amazônia – Ecologia no Traço. Léo, cartunista profissional desde 2002, vê a publicação como ferramenta que pode ser utilizada até em salas de aula.


Paisagem com mimosas, de Renoir Marisa Monte

Paisagens franco-mexicanas

O Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, promove até 12 de junho a exposição Paisagem Entorno e Retorno – Coleção Museu Soumaya, que trava um diálogo entre o cenário europeu, visto nas obras de Van Gassel e Pieter Brueghel, e o mexicano, do paisagista José Maria Velasco. São diferentes estilos e obras do século 16 ao 20. Em pleno Ano da França no Brasil, ícones franceses como Renoir, Monet, Degas e Van Gogh (que viveu e pintou no país) também estarão lá. De terça a domingo, das 10h às 18h. R$ 4 e R$ 2. (41) 3350-4400.

Dobradinha Durante dois anos, Marisa Monte foi seguida por uma câmera atenta que registrou 500 horas de seu trabalho, principalmente o dia-a-dia dos bastidores de seu último show Universo Particular. O documentário Infinito ao Meu Redor (EMI), de Vicente Kubrusly, é narrado em primeira pessoa pela cantora e tem o registro de nove canções, entre elas Infinito Particular, Universo ao Meu Redor, Alta Noite, Carnavália, Aconteceu e a adocicada Não é Proibido. Todas as músicas também estão no CD-bônus. R$ 55, aproximadamente.

Spray X pincel

O Núcleo de Graffiti do Espaço de Cultura da Ação Educativa, de São Paulo, realiza até 24 de maio a exposição comemorativa do Dia do Graffi­ ti, com obras de mais de 30 artistas. O evento, em sua sexta edição anual, tem curadoria coletiva e homenageia o artista plástico e grafiteiro Rui Amaral, um dos pioneiros dessa manifestação cultural no Brasil. Obras de três adolescentes internos na Fundação Casa (ex-Febem) também fazem parte da exposição. Rua General Jardim, 660, Vila Buarque, tel (11) 3151-2333. Grátis.

Baiana centenária

Dona Canô e família

As lembranças de dona Claudionor Vianna, mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia, chegam às prateleiras das livrarias do Brasil. Canô Velloso – Lembranças do Saber Viver (Edufba), de Antonio Guerreiro de Freitas e Arthur Assis Gonçalves da Silva, não é biográfico, mas um livro de memórias – da sua relação com a cidade onde nasceu, do casamento de mais de 50 anos com o telegrafista José Telles Veloso, da convivência com os filhos, netos e bisnetos. A embaixatriz da antiga Santo Amaro da Purificação (BA) topou conceder a entrevista depois de completar seus 100 anos – feito alcançado em setembro de 2007. O resultado da espera são 40 horas de gravação, 214 páginas, muitas fotos e ótimas histórias. R$ 40

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Crônica

Por José Roberto Torero

Quebrando a mesa redonda

Quando cheguei ao Bar da Preta, os quatro já estavam lá. Eles são quase patrimônio da casa, como os ovos cor-de-rosa e o vidro de sardinhas

A

José Roberto Torero é escritor, roteirista de cinema e TV e blogueiro (blogdotorero. blog.uol. com.br)

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quele fumando Hollywood é Lino, o sãopaulino; a mulher é Maria Batista, a santista; o de gorro é Marciano, o corintiano; e o último é Papagaio, o palmeirense, e não se sabe se o apelido vem do mascote de seu time ou do nariz avantajado. Os quatro falavam em voz alta em torno da mesa redonda. O assunto devia ser importante. “Isso é uma bobagem!”, disse Marciano. “Para que desenterrar os defuntos?” “Isso é tortura, não vamos mexer no passado”, disse Lino. Fiquei preocupado. Teriam eles participado da ditadura? Seriam ex-torturadores? Tudo ficou mais claro quando Maria Batista disse: “Afinal, por que tanto medo da unificação? Não querem que tenhamos mais títulos do que vocês?” Só aí entendi. Os quatro debatiam sobre a unificação dos campeonatos brasileiros. É que Santos, Palmeiras, Cruzeiro, Botafogo, Bahia e Fluminense ganharam várias Taças Brasil e Torneios Roberto Gomes Pedrosa na década de 60, e os vencedores desses títulos seriam considerados campeões brasileiros. São-paulinos e corintianos, como flamenguistas e vascaínos, não gostam muito da ideia. “O Brasileiro só existe depois de 1971”, disse Marciano. “Brasileiro é Brasileiro. Taça Brasil é Taça Brasil”, argumento Lino. Papagaio, com o dedo em riste, rebateu: “Pois fiquem sabendo que o Campeonato Brasileiro só tem esse nome a partir de 1989. De 71 a 88 foi chamado de um monte de jeitos, Campeonato Nacional, Copa Brasil, Taça de Ouro, Copa União, Torneio João Havelange... É uma salada só”. Marciano retomou o ataque: “Ora, a Taça Brasil era um torneio mata-mata”. Maria Batista, ficando de pé, perguntou: “E daí? O campeonato por pontos corridos só existe desde 2003. Antes era uma misturada. Algumas partes eram de pontos corridos e outras, de mata-mata”.

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Lino, o são-paulino, também se levantou: “Na Taça Brasil, os times do Rio de Janeiro e de São Paulo entravam só nas fases finais! Um campeonato desses não pode valer”. Papagaio, agora também de pé, contra-argumentou: “Pois isso também acontecia no que você chama de Campeonato Brasileiro. Em 1979, por exemplo, 13 times entraram só na segunda fase. E Guarani e Palmeiras entraram só na terceira”. “Aposto que na Europa não tem esse carnaval”, desabafou Marciano, o último a deixar a cadeira. “Não mesmo”, disse Maria Batista, subindo na mesa para ficar mais alta do que todos. “Lá eles aceitaram que os primeiros títulos, que eram copas do tipo mata-mata, valem tanto quanto os atuais campeonatos nacionais.” “Até a Europa anda meio avacalhada”, comentou Lino, também já sobre a mesa. “A verdade”, disse Papagaio enquanto achava um espaço entre as garrafas de cerveja para colocar seus pés, “é que a Taça Brasil e o Robertão foram os primeiros campeonatos nacionais. Só porque não se chamavam ‘Campeonato Brasileiro’ não quer dizer que não fossem.” “Vocês querem é ter mais títulos que Corinthians e São Paulo, porque, se essa unificação for aceita, vocês passam a ter oito campeonatos”, disse Marciano, agora também em cima da mesa. “Mas nós ganhamos esses campeonatos. É justo!”, defendeu Maria Batista. “Justo uma ova!”, bradou Lino. “Isso é roubo!”, gritou Marciano. Começou então um empurra-empurra sobre a mesa, até que ela se partiu e os quatro debatedores vieram abaixo, em meio a cacos de vidro e pedaços de madeira. Por sorte, ninguém se machucou. Preta andou lentamente até os destroços: “Aquele que tiver mais títulos paga o estrago”, decretou a dona do bar. Os quatro se entenderam rapidamente. E fizeram uma vaquinha.


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