AMOR DE IGUAIS Felicidade dos filhos independe da sexualidade dos pais
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PELO RETROVISOR
Lula fez da crise uma oportunidade e acelerou mudanças na economia. Agora, precisa radicalizar no combate aos juros e na ampliação do mercado interno. Senão, regride
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nº 36 junho/2009
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VICENTE AMATO Brasileiros reagem bem a incertezas do influenza, apesar dos palpiteiros
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Índice
Editorial
Capa 8 Tendo a crise como oportunidade, Lula enfim rompeu o terrorismo econômico Mídia 12 O três anos de Revista do Brasil e os próximos passos na internet Brasil 18 No Norte e Nordeste, desabrigados esperam água baixar para recomeçar Entrevista 22 Infectologista Vicente Amato Neto fala sobre como reagir à nova gripe Diversidade 30 A batalha dos casais homoafetivos pelo direito de criar seus filhos Perfil 36 Inezita Barroso e sua fidelidade à cultura popular e à música de raiz Comportamento 38 Em plena era digital, tem pessoas que juram: a vida é melhor sem ela Cidadania 42 Os ciganos sofrem com preconceito, desinformação e o risco de extinção
Na internet, mais um passo na construção de um sistema de comunicação dos trabalhadores
Agora é balançar a rede
Os bodes de Poznan
Viagem 46 A Polônia protege como poucos seu patrimônio e sua riqueza cultural SEÇÕES Cartas
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Ponto de Vista
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Resumo
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Retrato
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Curta Essa Dica
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Crônica
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GIOVANA ZILLI
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á três anos, um grupo de sindicatos de trabalhadores começou a pôr em prática um sonho antigo: parar de reclamar da mídia convencional e fazer uma comunicação mais moderna e democrática com as próprias mãos. Um jornalismo que dê um foco humanista aos assuntos políticos, econômicos e ao mundo do trabalho; à questão ambiental, ao consumo, à cultura e às artes. Que valorize a promoção da solidariedade, a participação social e as atitudes afirmativas. Com inteligência, com firmeza e com graça. Uma informação que transforma. A Revista do Brasil é uma cria dessa iniciativa. No início eram 23 as entidades parceiras, hoje são 58, que fazem com que a distribuição tenha alcance nacional e atinja um público estimado em 750 mil leitores. Outra cria é o projeto de radiodifusão que atua em duas frentes: o programa Jornal Brasil Atual, que vai ao ar na FM 98,1, de segunda a sexta-feira, das 7h às 8h, em dezenas de municípios da Região Metropolitana de São Paulo; e o serviço de rádio web, que permite o acesso ao conteúdo do programa a qualquer hora, traz boletins e reportagens especiais ao longo do dia e está aberto a ser um espaço de difusão de produções feitas pelas entidades parceiras. Agora, esse projeto de comunicação popular dá outro salto com uma nova página na internet. A Rede Brasil Atual – www.redebrasilatual.com.br – carrega todos esses princípios de uma mídia democrática, moderna, cidadã – e gostosa de ver, ler e ouvir – para um serviço noticioso dinâmico, interativo, com atualizações ao longo do dia, pronto para ser um espaço multiplicador de conteúdos de todos os que produzem informação livre da mídia comercial e monopolista. Para quem acredita que é possível construir um mundo mais justo, com distribuição de renda e desenvolvimento sustentável, alertamos: a qualidade da informação é indispensável na construção de um novo Brasil. Você, que nos recebe todos os meses e agora poderá nos acompanhar diariamente na web, é parte desse sonho e dessa conquista. JUNHO 2009 REVISTA DO BRASIL
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Cartas Informação que transforma Núcleo de planejamento editorial Bernardo Kucinski, Cláudia Motta, Daniel Reis, José Eduardo Souza, Lílian Parise, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Assistente editorial Xandra Stefanel Redação Anselmo Massad, Evelyn Pedrozo, Ricardo Negrão, Thiago Domenici, João Peres e Júlia Lima (arte) Revisão Márcia Melo Capa Fotomontagem Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3241-0008 Comercial Nominal (11) 3063-5740 Poranduba (61) 3328-8046 Adesão ao projeto (11) 3241-0008 Atendimento: Claudia Aranda Impressão Bangraf (11) 2940-6400 Simetal (11) 4341-5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares
Conselho diretivo Admirson Medeiros Ferro Jr., Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Antonio de Lisboa Vale, Arilson da Silva, Artur Henrique da Silva Santos, Benedito Augusto de Oliveira, Carlos Alberto Grana, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Cleiton dos Santos Silva, Edgar da Cunha Generoso, Edílson de Paula Oliveira, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Hélio Rodrigues de Andrade, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco Garcia, José Carlos Bortolato, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Maria Rita Serrano, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto Salvador, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Sebastião Geraldo Cardozo, Sérgio Goiana, Sérgio Luis Carlos da Cunha, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Vinicius de Assumpção Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Luiz Cláudio Marcolino Sérgio Nobre Diretores financeiros Ivone Maria da Silva Teonílio Monteiro da Costa
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REVISTA DO BRASIL JUNHO 2009
A luta continua Uma gota de chuva escorre pela face a molharlhe a barba. Seus olhos vão ao encontro da multidão que ali estava à espera de um sinal. Na mente, o pensamento de como começar a assembleia. O estádio está bonito, ocupado pelos trabalhadores. “Companheiros e companheiras...” E o silêncio tomou conta do estádio. Que os próximos 50 anos (“Fábrica de líderes”, ed. 35) sejam de muitas conquistas. Osvaldo Valério, S.B. do Campo (SP) wallerius82@hotmail.com Crusius, Grego Gostei muito das reportagens da edição 34, em especial “Professores à deriva” e “Presente de Grego”. Tanto a educação quanto o basquete gaúcho padecem dos mesmos problemas verificados em São Paulo e na CBB. Não será demais que o Brasil saiba o que acontece com o Rio Grande do Sul há anos. Ruy Guimarães, Porto Alegre (RS) bolcheruy@hotmail.com Fim do mundo Excelente o artigo sobre a abordagem da crise pela grande mídia do Brasil (Uma narrativa do fim do mundo, ed. 34). Temos comprovado em estudos sobre a história do país que a grande mídia foi estruturada durante a ditadura militar, que distribuiu concessões a empresários em troca do apoio à manutenção do status quo. A Revista do Brasil é exemplo de qualidade – assim como Caros Amigos e Carta Capital. O diferencial é a leveza com que aborda os assuntos, sem ser superficial. Grande sacada! Jacira Souza, São José do Rio Preto (SP) jacira-souza@ig.com.br Seria bom se o povo respondesse à grande mídia não comprando jornais nem revistas ou não assistindo aos telejornais. Assim esses alarmistas seriam vítimas das próprias notícias. José Guimarães, Pouso Alegre (MG) blogs1@uol.com.br
Postes ilustres Cumprimento Mouzar Benedito pela crônica “Postes ilustres” (ed. 34). Quando era garoto, na Vila Talarico (SP), gostava do nome de algumas ruas, como Rua da Saúde, da Felicidade, da Perseverança, da Ordem, do Bem, do Trabalho. Hoje essas ruas ganharam o nome de ilustres desconhecidos. É esse o trabalho de nossos vereadores? Paulo Germano, São Paulo (SP) paulinhogermano@hotmail.com Em débito Olhei a capa de todas as edições e me parece que está faltando uma com Dilma, não? Acho interessante divulgarem endereços de blogs que nadam contra a grande mídia, já que a edição 34 tratou desse tema. Daniel Valença, Natal (RN) danielvalenca1@yahoo.com.br Brokeback Mountain Na dica sobre o filme O Segredo de Brokeback Mountain (“Curta essa dica”, ed. 34) foi dito que Heath Ledger e Jake Gyllenhaal receberam Oscar. Não é correto. Ambos foram indicados, mas não premiados. Os três prêmios do filme foram para direção, roteiro adaptado e trilha sonora original. Odilon da Silva Rocha, São Paulo (SP) odilon.rocha@globo.com Bom proveito Parabéns pelo bom gosto e pelo alto nível das reportagens.Tenho aproveitado seus textos para discussão em sala de aula. Brasiliana de Castro Pereira, Brasília (DF) brasilianacastro@yahoo.com.br Todos os meses leio a revista, sempre com reportagens novas e agradáveis. Levo vários exemplares para a universidade e minha esposa, para a escola em que estuda. Fransueldo Silva, São Paulo (SP) artificialnatural@ig.com.br revista@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que as mensagens venham acompanhadas de nome completo, telefone, endereço e e-mail para contato. Caso não autorize a publicação de sua carta, avise-nos.
PontodeVista
Por Mauro Santayana
O direito de espernear O propósito da oposição não é investigar se há erros na Petrobras, mas tentar desestabilizar o governo e – pior – enfraquecer a grande empresa, no momento em que busca recursos para a exploração do pré-sal
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iante dos êxitos inegáveis do governo, a a Petrobras. Em primeiro lugar, não obstante homens oposição se perde entre a perplexidade e honrados que o compõem, o Senado não tem, neste a inveja. Conforme costuma dizer Delfim momento, autoridade moral e política alguma para inNetto, com autoridade, os economistas vestigar o que quer que seja. Os escândalos surgidos que dominaram o governo anterior não ali recentemente põem a instituição sob suspeita dianpodem aceitar que o bom senso de um metalúrgico te da opinião pública. E o propósito da oposição não revele-se muito mais eficiente do que as teorias acadê- é averiguar possíveis erros da grande empresa. Quemicas. A diferença está no trabalho desenvolvido pelo rem é tentar a desestabilização do governo e – ainda governo, sobretudo pelo seu titular. Lula atua em duas pior – enfraquecer a grande empresa, no momento frentes. Na frente interna, tenta reparar injustiças secu- em que busca os capitais necessários para a exploralares para com os trabalhadores. Na exterção imediata dos depósitos petrolíferos na, insere o Brasil entre os atores interna- Não obstante sob a camada de pré-sal. cionais, abre mercados, influi no processo alguns homens A oposição que está aí é herdeira e supolítico global. Não é um extremista, mas honrados que cessora da UDN, que, sob o comando de tampouco um conformista. Talvez funcioCarlos Lacerda, e a serviço das grandes o compõem, ne, em sua forma de ver o mundo, a consempresas petrolíferas norte-americatatação dos velhos comunistas de que os o Senado não nas, procurou impedir a criação da Petrabalhadores lutam para construir a pró- tem, neste trobras durante o governo de Vargas e, pria família com dignidade e fazer com momento, em seguida, no período de sua consolique seus filhos vivam um pouco melhor autoridade dação pelo presidente Juscelino Kubitsdo que eles mesmos. chek, continuou na tentativa de desesmoral para O país caminha sem grandes saltos, mas tabilização do governo. Não é relevante investigar com firmeza. O governo conseguiu zerar para esse grupo de senadores e deputaa dívida externa e reduziu consideravel- o que quer dos o interesse nacional – e o interesse mente a dívida pública interna. Graças a que seja nacional exige a preservação da Petroisso, consegue impedir que a crise interbras, que vem investindo pesadamente nacional assuma, entre nós, o caráter gravíssimo que na exploração do petróleo do profundo subsolo maocorre em outros países. Uma das causas desse desem- rinho, o que nos tornará um dos maiores produtopenho é, sem dúvida, a distribuição –precária ainda – res do mundo. O que lhes interessa é apenas tumulcompulsória de renda. O aumento de consumo de bens tuar o processo sucessório, com a esperança de que industriais duráveis, favorecido pela atenção oficial aos venham a ocupar o Planalto e, no Planalto, impedir pobres, permitiu que a indústria mantivesse o nível de a realização plena do povo brasileiro e a conquista emprego nos anos anteriores, e, assim, que a economia definitiva da soberania nacional. permanecesse mais ou menos estável. É certo que os níÉ o direito que têm de espernear. Durante quase toda veis de desemprego cresceram, mas não com os índices a História – com exceção de dois ou três períodos da Redramáticos que muitos calculavam. pública, em que houve resistência contra a injustiça, as Seria de esperar que todas as forças políticas brasi- oligarquias têm explorado impunemente o povo brasileiras atuassem em busca do entendimento, a fim de leiro e usado dos recursos do Tesouro para o enriquecique pudéssemos vencer todas as dificuldades econô- mento de famílias de nome sonoro e caráter discutível. micas sem crises políticas internas. Mas não é o que Como, desta vez, os trabalhadores conhecem melhor ocorre. A oposição, salvo a exceção de alguns mais lú- os seus direitos e a população rural já não obedece ao cidos, aposta no “quanto pior, melhor”. Não há prova cabresto dos senhores de engenho e dos latifundiários, maior disso do que a CPI do Senado para investigar os oposicionistas se desesperam.
Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros a partir de 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 1980
JUNHO 2009 REVISTA DO BRASIL
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Resumo
Por Paulo Donizetti de Souza (resumo@revistadobrasil.net)
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A distribuição do livro Dez na Área, um na Banheira e Ninguém no Gol, para servir de apoio pedagógico a alunos da 3ª série do ensino fundamental da rede pública paulista, foi mais um escândalo da área educacional do governo Serra. O livro contém 11 histórias ilustradas sobre futebol, com expressões pornográficas, palavrões e apologias a uma organização criminosa. Foram distribuídos, e depois recolhidos, 1.216 exemplares. Há pouco tempo tiveram de ser recolhidos 500 milhões de exemplares de uma publicação de Geografia, elaborada para o programa São Paulo Faz Escola, com países da América do Sul sobrando e outros faltando. A secretária de Educação Maria Helena Guimarães foi substituída em abril pelo ex-ministro de FHC, Paulo Renato de Souza. Mas o show de horrores continua. O próprio Serra classificou a publicação de “um horror” e prometeu apuração e punição aos responsáveis. Seria razoável haver alguém capaz de “apurar” a qualidade do material didático antes de encomendá-lo.
Imperdoáveis “A imprensa também é responsável por termos mandado à morte nossos soldados e por destruirmos aquele país, que definitivamente vivia melhor com Saddam Hussein” Gay Talese, jornalista e escritor norte-americano, sobre a invasão ao Iraque (Folha de S.Paulo, 2/5/2009)
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Kátia Abreu (DEM-TO)
REVISTA DO BRASIL JUNHO 2009
Para quem ficou preocupado com o destino da Medida Provisória 458, vem mais inquietação pela frente. A MP foi editada pelo governo com a finalidade de disciplinar a ocupação dos 13% das terras da União que estão na Amazônia Legal. Ao ser apreciada na Câmara, sofreu alterações que agradaram os grandes proprietários rurais e deixaram ambientalistas atônitos. Eles temem a institucionalização da grilagem e o avanço da devastação. No Senado, o presidente da Casa, José Sarney, designou relatora da MP a senadora Kátia Abreu (DEM-TO). Kátia preside a Confederação Nacional da Agricultura e é famosa por combater as fiscalizações contra o trabalho escravo e as regras que limitam o desmatamento. A senadora Marina Silva (PT-AC) queria ao menos um relator “neutro”.
Marina Silva (PT-AC) AUGUSTO COELHO
FÁBIO POZZEBOM/ABR
Perigo na floresta
O presidente Lula acaba de emitir decretos que dão ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC concessões para um canal gerador de TV em São Caetano do Sul e uma emissora de FM em Mogi das Cruzes (ambas na Grande SP). As outorgas, que devem ser votadas pelo Congresso, vão para a Fundação Sociedade Comunicação, Cultura e Trabalho. Criada em 1991, a fundação é presidida interinamente pelo vice-presidente do sindicato, Rafael Marques, e tem um conselho com representantes de outras categorias da região e da capital – como químicos, bancários, petroleiros, professores e jornalistas. Os trabalhadores já tinham aprovados um canal de TV em Mogi e uma FM em São Vicente. A ideia é produzir programas educativos e culturais, com jornalismo e prestação de serviços, e distribuílos em todo o país por meio de redes e estações comunitárias.
Raio X da crise
A crise internacional vista por todos os ângulos é a proposta da coletânea de artigos ABC da Crise, organizada pelo jornalista Sérgio Sister e publicada pela Editora Perseu Abramo. Com artigos e entrevistas de Maria da Conceição Tavares, Paul Singer, Márcio Pochmann, Paul Krugman, Guido Mantega, Luiz Gonzaga Belluzzo, Chico de Oliveira, Cézar Manoel de Medeiros, Carlos Eduardo Carvalho, Ricardo Berzoini e do próprio Sister, a obra chega às livrarias neste início de junho e pode ainda ser encontrada na loja virtual da editora (www.efpa.com.br).
ANTONIO SCAPINET/DIVULGAÇÃO
Ciência x transgênicos O diretor executivo do Instituto pela Tecnologia Responsável, dos Estados Unidos, Jeffrey Smith, proferiu palestra na Escola de Governo, do Paraná, no último dia 12 de maio, onde lançou seu livro Roleta Genética. A palestra traduzida pode ser lida em www.portalagricultura.com.br. Smith aplaudiu a briga do governo Requião em declarar seu estado área livre de transgênicos e listou pesquisas pelo mundo que descrevem seus efeitos em pessoas e animais. Segundo ele, quando os transgênicos foram introduzidos no mundo, em 1976, 7% dos norte-americanos tinham três ou mais doenças crônicas. Depois de nove anos, chegou a 13%. “Há médicos dizendo que alergias, autismo e uma série de mazelas podem estar relacionados com o consumo de alimentos geneticamente modificados”, revelou. “Minha esperança é que essas informações cheguem a cada mãe responsável pela compra dos Jeffrey Smith alimentos.”
Cantos do Trabalho
KIYOE IIZUK/DIVULGAÇÃO
Novos lances na mídia
Cia. Cabelo de Maria “Sou lavrador/ homem da roça/ vivo cansado, meu Deus, com a mão grossa/ Planto batata/ Planto batatinha/ Eu raspo mandioca e faço farinha.” Esse trecho da música Sou Lavrador faz parte do CD Cantos de Trabalho, resultado de uma ampla pesquisa de Renata Mattar, cantora e pesquisadora da Cia. Cabelo de Maria, que participou da Sexta Musical do Jornal Brasil Atual, no dia 8 de maio. No bate-papo com o apresentador Osvaldo Colibri Vitta, Renata e Gustavo Finkler, responsável pela direção musical e arranjos do disco, contaram que o foco são os “trabalhadores rurais”, mas que existe um imenso material a ser explorado pelo Brasil, como os cantos de pescadores e índios. O programa pode ser recuperado no site www.jornalbrasilatual.com.br. Renata pesquisa o tema há 10 anos e durante suas viagens registrou as canções. As vozes foram captadas principalmente nos estados da Bahia, Alagoas, Sergipe e Minas Gerais. Daí surgiu o disco, em parceria com Lucilene Silva, também cantora e pesquisadora. A simplicidade e a beleza das composições são produtos genuínos do povo trabalhador, cantigas entoadas enquanto desenvolvem suas atividades. “Esses cantos levam a outro estado de espírito na lida de um trabalho cansativo e que leva horas”, explicou Renata. “É
uma forma de comunicação entre as companheiras, para falar do diaa-dia, de amor, de coisas engraçadas ou tristes”, disse. É o caso da música Semente de Mandioca. As mulheres a entoam quando têm o mutirão da raspagem da mandioca, na comunidade de Barreiras, em Barrocas, Bahia. Além de Barreiras, as cantigas vêm das plantadeiras de arroz de Propriá (SE), da colheita de cacau de XiqueXique (BA), da bata do feijão de Serrinha (BA) e das fiandeiras de algodão do Vale do Jequitinhonha (MG). “As destaladeiras de fumo de Arapiraca que vieram ao palco durante o lançamento em São Paulo ouviram e gostaram muito”, contou Gustavo. As melodias ficam na memória e impressionam grandes compositores. Quando Tom Zé era criança subiu numa colina e do alto observou lavadeiras cantando. “Ele teve uma sensação tão forte que quando compõe suas músicas tenta chegar naquele estado e reviver aquela experiência da infância”, relatou o produtor. O disco conta também com a participação especial da cantora Ceumar e pode ser adquirido nas unidades do Sesc, apoiador do projeto, ou na sua loja virtual na internet, por R$ 15. De acordo com Renata, em breve o projeto Cantos do Trabalho terá um site com muito material inédito.
De segunda a sexta, das 7h às 8h no seu rádio, ou a toda hora no www.jornalbrasilatual.com.br
JUNHO 2009 REVISTA DO BRASIL
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ECONOMIA
A crise como op Enquanto oposição e pretendentes à sucessão de Lula torcem pela recessão e queda de popularidade, o governo radicaliza, protege a economia com distribuição de renda e se fortalece Por Bernardo Kucinski
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Usando seu direito de espernear, a oposição impede votações importantes no Congresso para criar nova CPI, dessa vez contra a Petrobras, a empresa que mais investe no país 8
REVISTA DO BRASIL JUNHO 2009
Heráclito Fortes (DEM-PI)
Sérgio Guerra (PSDB-PE)
Rodrigo Maia (DEM-RJ)
MARCELLO CASAL JR/ABR
Agenda trancada
FABIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR
cavalo-de-pau dado pelos bancos americanos e europeus nas finanças mundiais pegou a economia brasileira no exato momento em que se preparava para um salto de qualidade que a levaria a um novo milagre econômico, desta vez com distribuição de renda e sem ditadura. O governo respondeu atacando pela primeira vez o cerne do poder financeiro: a extorsiva taxa básica de juros. Em setembro do ano passado, quando a crise dos bancos explodiu, a economia brasileira estava crescendo a uma taxa anual da ordem de 6,8%. Os investimentos em novas máquinas, galpões e infraestrutura haviam chegado a 20% do Produto Interno Bruto (PIB), uma taxa só comparável à dos primórdios do milagre econômico. Em todo o
portunidade
Tasso Jereissati (PSDB-CE)
JOSÉ CRUZ/ABR
Arthur Virgílio (PSDB-AM)
ANTÔNIO CRUZ/ABR
ACM Neto (DEM-BA)
ANTÔNIO CRUZ/ABR
RICARDO STUCKERT/PR
INVESTINDO Lula visita obras de saneamento e urbanização do Projeto Guarituba, no Paraná
país empresas planejavam a expansão, depois de quatro anos de crescimento médio acima de quase 5%. Os primeiros efeitos da crise entre nós foram a disparada do dólar e o corte súbito dos empréstimos bancários. O dólar foi de R$ 1,70 em setembro para R$ 1,90 em outubro e terminou o ano perto de R$ 2,40 porque os especuladores correram para a moeda como refúgio. Empresas que deviam aos bancos com aquela maldita cláusula que multiplicava os custos do empréstimo exponencialmente a partir do dólar a R$ 1,80 começaram a anunciar prejuízos milionários. Os financiamentos de fora, que representavam cerca de 10% do total, secaram de um dia para o outro com o colapso do Lehman Brothers. Os de dentro secaram porque os bancos ficaram sem saber que outras empresas também estavam quebradas, além das que admitiram as perdas publicamente. O governo diagnosticou corretamente que era preciso, antes de tudo, estancar a disparada do dólar e restabelecer a confiança no sistema bancário. Para segurar o dólar, o Banco Central sacou das reservas internacionais e entrou vendendo a moeda americana. Anunciou a ampliação da garantia de depósitos e aplicações para até R$ 20 milhões para instituições menores em dificuldades de liquidez, visando desarmar qualquer risco de uma corrida aos pequenos bancos, os mais vulneráveis ao fim dos financiamentos externos. Também reduziu para esses bancos o chamado compulsório – que é o volume de depósitos dos clientes que os bancos têm de recolher ao Banco Central e não podem ser usados para empréstimos. Tudo isso foi feito sem alarde, enquanto a maioria dos jornalistas “especializados” fazia exatamente o contrário, alimentando o pânico e uma visão pessimista do futuro. Marcos Nobre, que não é jornalista (é professor do Departamento de Filosofia da Unicamp), escreveu em sua coluna na página 2 da Folha de S.Paulo que Lula foi rápido, eficiente e focado: “Rompeu pela primeira JUNHO 2009 REVISTA DO BRASIL
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vez o terrorismo econômico que se instalou desde a globalização econômica da era FHC”. Nobre lembrou ainda a importância das políticas de valorização do salário mínimo e sua extensão aos benefícios da Previdência, robustecendo o mercado interno, que acabou sendo a plataforma de recuperação. Tudo aquilo que os tucanos, demos e seus seguidores na imprensa criticavam como errado é o que está nos ajudando nesta crise.
Reação radicalizada
Mesmo com a reação vigorosa e correta do governo, a maioria das empresas teve de cancelar, reduzir ou adiar investimentos. Além da asfixia da falta de crédito, contratos de exportação foram subitamente suspensos. Como eram os investimentos que naquele momento puxavam o crescimento da economia, deu-se uma queda dramática na produção industrial e na taxa de expansão do PIB. Um coice muito pior que o dado por Antonio Palocci, então ministro da Fazenda, no primeiro ano do governo Lula. Daquela vez o PIB ainda cresceu mísero 1,3%. Agora houve queda de 3,6% no úl-
tores mais esclarecidos da sociedade, mas até então levadas em marcha lenta. Era a hora de tentar quebrar o domínio do capital financeiro e do mito por ele alimentado há décadas, de que no Brasil não pode haver taxa básica de juros abaixo dos 10%. Os bancos privados continuavam a não emprestar? Que entrem em cena os grandes bancos estatais. Mais uma vez se mostrou a importância de terem sido estancadas as privatizações promovidas pelo tucanato no setor bancário. Graças ao Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Caixa Econômica Federal e BNDES, o governo contra-atacou oferecendo crédito que os bancos privados negavam. Não houve hesitação. O BNDES já tinha atingido o limite de empréstimos em relação ao seu capital? Pois aumente-se o capital do BNDES. O presidente do Banco do Brasil não entendeu o caráter excepcional da situação e continuou se comportando de modo burocrático? Pois troque-se o presidente do Banco do Brasil. Mas o gesto mais importante foi o ultimato dado a Meirelles para que forçasse um corte nos juros da taxa básica, a Selic, que o governo paga pelos títulos de sua dí-
EDSON LOPES JR./FOLHA IMAGEM
Enquanto bancos centrais cortavam os juros radicalmente para tentar tirar a economia do atoleiro, aqui, nossos neoliberais faziam o contrário. Apenas a partir de janeiro, em um reconhecimento explícito do erro, começaram as sucessivas quedas nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom); foram cortados 3,5 pontos e a Selic chegou a 10,25%.
OFENSIVA Para manter o consumo, o governo federal abriu mão de parte da arrecadação
timo trimestre de 2009 em relação ao trimestre anterior. E a produção da indústria despencou 25% – número impressionante, como se indústrias inteiras tivessem parado de produzir. Lula então radicalizou. Fez da crise uma oportunidade para deflagrar mudanças estruturais há muito desejadas pelos se10
REVISTA DO BRASIL JUNHO 2009
vida. Os neoliberais que ainda controlam o Banco Central haviam cometido o desatino de elevar mais esses juros em plena crise, de 13% para 13,75%, sob o falso pretexto de que a inflação ainda era um perigo, quando a mãe de todos os perigos já era a recessão que em todo o mundo ocidental se espalhava como uma pandemia.
Menos impostos
A derrubada da taxa básica não ajudou muito a abrir as torneiras do crédito privado, mas a economia com o pagamento de juros da dívida pública interna permitiu reduzir impostos e expandir a rede de proteção social sem aumentar o déficit federal. É uma transferência de renda dos mais ricos para os mais pobres. Dos que vivem de renda para o mercado interno de consumo. O primeiro a ser reduzido foi o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos carros. Medida importante dado o peso dessa indústria na economia, embora capenga do ponto de vista da necessidade de transformar nosso padrão de consumo. Teria sido melhor associá-la à introdução do
carro elétrico, que já é uma realidade em muitos países, a modelos menores e menos poluentes e ao transporte coletivo. As falências da GM e da Chrysler nos Estados Unidos mostram que se esgotou o modo de produção de carros baseado no lançamento de novos e caros modelos todo ano. Curiosamente, essa medida de Lula a imprensa não criticou, tal é a força da indústria automobilística entre anunciantes e, indiretamente, entre os jornais. Com as megafusões de cervejarias, bancos, telefônicas, entre outras, acabou a guerra de propaganda em alguns setores, o que, somado a novas limitações nos anúncios de bebidas e cigarros, tornou os comerciais de carros vitais à sobrevivência dos jornais. Depois o governo cortou impostos em mais uma dúzia de itens importantes, incluindo eletrodomésticos, materiais de construção e motos. Em alguns casos, o IPI foi zerado. Lula também ordenou à Petrobras que aumentasse seus investimentos. A Petrobras é tão relevante na economia brasileira que seus recursos em infraestrutura são da mesma ordem da soma de todos os demais investimentos do mesmo tipo do
governo federal. O que fazem os tucanos e os demos? Pedem uma CPI da Petrobras. Outra frente em que Lula radicalizou foi na busca da unidade dos governos sulamericanos. Principalmente para desarmar as tentativas de guerra comercial que sempre acontecem em momentos de desespero econômico. Primeiro, mandou que fosse elevado o limite dos convênios de créditos recíprocos. Esse é um mecanismo pelo qual os BCs acertam entre si, apenas de tempos em tempos, o saldo das transações das empresas de cada país, não sendo preciso acertar cada uma das transações. Desse modo, é possível continuar o intercâmbio comercial, mesmo na falta de financiamentos ou de reservas de moeda forte. Além disso, o BNDES abriu uma linha de crédito especial para empresas argentinas. E mais: o Brasil criou um fundo de R$ 10 bilhões para empréstimos a países do continente, que podem ser saldados em moeda própria.
Oportunismo
Enquanto isso, os governadores pouco fizeram para ajudar a tirar a economia da recessão. Poderiam reduzir o ICMS, prin-
LUIZ CARLOS MURAUSKAS/FOLHA IMAGEM
GASOLINA NA FOGUEIRA Em São Paulo, Serra fica só na promessa de reduzir impostos. Enquanto isso, implanta novos pedágios e aumenta o preço dos que já existem
cipal imposto estadual – e pesado, em alguns casos chega a 30%. Apenas Roberto Requião, no Paraná, reduziu o ICMS, e de modo amplo: em 95 mil itens de consumo popular. No Mato Grosso a medida foi adotada para o gado em pé, mas só em uma pequena região, para tirar os frigoríficos do sufoco. Em Goiás, sobre o álcool. Houve algumas outras reduções isoladas, como a do ICMS sobre a indústria naval no Rio de Janeiro e sobre o feijão em São Paulo, mas não para combater a recessão, e sim como parte de uma eterna guerra fiscal entre estados. O Rio quer atrair a indústria naval de São Paulo. São Paulo quer proteger o feijão paulista do de Minas. O governador José Serra, de São Paulo, onde está 35% da indústria do país, prometeu cortar impostos em materiais usados na produção para exportação, mas ficou só na retórica. Enquanto isso, partiu para a implantação agressiva de dezenas de pedágios novos em todas as rodovias estaduais, além do aumento de preço dos já existentes, para ampliar a arrecadação. A medida incide diretamente sobre o custo dos transportes e, portanto, dos alimentos. Já são 112 os pedágios estaduais. Na Rodovia Marechal Rondon, um trecho entre Bauru e Campinas – importante eixo de transporte de alimentos – que antes custava R$ 7,40 sai agora por R$ 18,80. A lógica desses governadores: mais impostos para construir mais pontes, viadutos e estradas, não porque criam emprego, mas porque têm visibilidade, trazem mais votos do interior e mais apoio das empreiteiras. De olho na sucessão de Lula, acreditam que podem tirar proveito eleitoral se a recessão derrubar a popularidade do presidente. Lula, generoso e manhoso, ainda deu uma colher de chá postergando pagamentos de dívida das prefeituras com o INSS e oferecendo aos estados um empréstimo de R$ 4 bilhões para pagar em oito anos, com um ano de carência. Com tudo isso, a economia brasileira ainda não voltou aos níveis pré-crise. A indústria se recupera lentamente e a situação do emprego continua delicada. Todo o horizonte se modificou. O plano de construção de 1 milhão de moradias populares fortemente subsidiadas é mais uma cartada dessa radicalização. Por isso mesmo, governadores e prefeitos demos e tucanos relutam em aderir. Lula cresceu com a crise. A oposição encolheu. O país enfrenta uma encruzilhada, ou radicaliza, ou regride. JUNHO 2009 REVISTA DO BRASIL
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MÍDIA
GERARDO LAZZARI
RABO PRESO COM O PATRÃO Espinosa, Dilma (abaixo) e a matéria inventada pela Folha de S.Paulo: sem direito de resposta
Quem poderá nos defender?
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ntre aplausos e hesitações, o Supremo Tribunal Federal (STF) revogou totalmente a Lei de Imprensa no último dia 30 de abril. Criada em 1967, durante a ditadura militar, a lei feria princípios constitucionais e tratados internacionais referentes a direitos fundamentais, como a liberdade de expressão. Domar a liberdade era a palavra de ordem no contexto político da época. Mas por que a lei continuou em vigor após o retorno da democracia? “É uma ótima questão para pensar. Um dos moti-
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vos é que a imprensa no Brasil nunca foi nem sequer liberal, quer dizer, sempre foi propriedade familiar, voltada a interesses imediatos e ao lado do poder instituído – e não do Estado. Nessa circunstância, liberdade apenas quer dizer não atrapalhar os negócios”, analisa o historiador Francisco Alambert. Enterrada a lei, restaram as controvérsias sobre o futuro da imprensa. Há dez anos lecionando Legislação e Ética em Jornalismo, Rogério Christofoletti pondera que a Lei nº 5.250/67 tinha seus dias contados, mas criou-se um vácuo jurídico: “Nós, a so-
FABIO POZZEBOM/ABR
A Lei de Imprensa, cria da ditadura, precisava ser revista. Mas sua mera extinção pelo STF deixa ainda mais expostas as vítimas de manipulações e ataques de meios de comunicação Por Juliana Sayuri Ogassawara
ciedade, precisamos de regras claras para o fez mil perguntas sobre a Dilma e fui abso- para inibir a continuidade das manipuladireito de resposta. Sempre dizia para meus lutamente claro: nunca soube de nenhuma ções que ferem o jornalismo. alunos que mesmo a mais odiosa lei deve ação praticada por ela.” Espinosa afirma ter O jornalista é pessimista com o vácuo ter algo de positivo, e essa não era diferente”. sido vítima de “uma armadilha de edição deixado pela lei revogada: “Se depender do Para Christofoletti, jornalista e doutor em em conluio com a direção do jornal”, cujo STF, será vergonhoso, porque a única maCiências da Comunicação, a lei trazia contri- objetivo seria criar um escândalo que mi- nifestação do ministro Gilmar Mendes foi buições importantes relativas a esse direito. nasse a candidatura de Dilma à sucessão de afirmar que juiz de primeira instância não A jornalista Michelle Prazeres, integrante Lula. “A Folha montou uma armadilha pre- pode decidir sobre direito de resposta. Ele do Observatório do Direito à Informação/ cária, amadora, quase risível, baseada em é um lobista da imprensa, não da vítima da Coletivo Intervozes, acredita que é essencial um único depoimento, o meu; depois ma- imprensa”. Mas Nassif acredita que a crediabolir os vestígios de autoritanipulou, tergiversou, distorceu, bilidade da imprensa também será uma vírismo e censura, mas pondera: A demora imaginando que não haveria re- tima. De fato, o ombudsman da Folha, Car“Isso não significa dispensar ou a eterna ação”, vocifera. los Eduardo Lins da Silva, escreveu em 12 uma regulamentação para me- negativa Além das distorções no tex- de maio que das 58 manifestações sobre o diar a relação desigual entre os para um to, a ficha criminal tampouco é tema Dilma, 53 consideraram que se tratadetentores dos meios de comu- direito de autêntica: nitidamente se nota va de uma tentativa de “prejudicar as aspinicação e os cidadãos”. Diante uma manipulação da fotogra- rações presidenciais da ministra”. resposta do poder de fogo da mídia, o fia. A Folha se esquivou com cidadão pode se encontrar in- constituem uma errata, lavando as mãos Livre? defeso em situações de injúria, o poder em relação à autenticidade De acordo com o historiador Eduardo calúnia ou difamação. Por isso autoritário da foto. Espinosa tentou con- Prado, “a imprensa tem um papel muito Michelle discorda da revogação da imprensa quistar espaço no jornal para importante na consolidação da democratotal da lei e defende uma nova em destruir desmentir a publicação, desa- cia no Brasil e continuará tendo por muito para regular a mídia. fiando o jornal a publicar sua tempo ainda, mas nem sempre esteve do reputações O senador Cristovam Buarentrevista na íntegra. Mais de lado certo”. Ele lembra que os meios de coque (PDT-DF) concorda com a necessida- mês depois, uma carta de Espinosa saiu municação do país estão concentrados em de de uma legislação nova para regular a no Painel do Leitor. Somente pela internet conglomerados sob tutela de certas famíquestão do direito de resposta. “Como está circularam as cartas escritas pelo jornalis- lias. “Os interesses econômicos e políticos hoje, esse direito já é quase inexistente. Sai ta – além de “A carta que não foi publica- dessas famílias determinam o destino de uma acusação em manchete e sai a resposta da”, assinada pela ministra. parte das informações”, critica. escondida. Quando sai.” A demora ou a eterna negativa para um Na visão de Michelle Prazeres, a atual direito de resposta constituem o poder au- legislação não dá conta de regular os deMau exemplo toritário da imprensa em destruir reputa- safios do setor, especialmente os que verUm recente episódio protagonizado pelo ções, como diz o jornalista Luis Nassif. “Fui sam sobre oligopólio e monopólio. “A aujornal Folha de S.Paulo é exemplo dos abu- atacado em julho do ano passado pelo Dio- tocrítica não é uma das práticas preferidas sos e ardis da imprensa. Na edição do do- go Mainardi, na Veja. Até agora não conse- da mídia. A cada vez em que são discutimingo 5 de abril, a Folha estampou na capa gui direito de resposta”, diz. Para Nassif, o das formas de controlar seu poder, ela se uma ficha criminal da ministra-chefe da Poder Judiciário tem de ser mais ágil para esconde atrás da bandeira da ‘liberdade Casa Civil, Dilma Rousseff, supostamente garantir o direito de resposta imediata, a de expressão’ e alardeia ‘contra censura’”, do arquivo do Dops, com a chamada: “Gru- melhor arma para conter esse grau de ma- aponta a jornalista do Intervozes. “Liberpo de Dilma planejou sequestro de Delfim nipulação. Ele defende punição monetária dade de expressão para quem? Para quem Netto”. O jornal se orgulhava de ter obtido para casos de injúria, calúnia e difamação detém os meios”, critica. “documentos inéditos” e o “primeiro testemunho” de um dos “idealizadores” do plano, nunca posto em prática: o jornalista AnPauta para conferência tonio Roberto Espinosa. Doutorando em Ciência Política pela O Conselho de Comunicação Social (CCS) – fórum de consultas, cobranças e debates sobre Universidade de São Paulo (USP), Espinomídia do Congresso Nacional – teve sua criação determinada pela Constituição de 1988 e sa é retratado na Folha como ex-integrante só foi instalado 14 anos depois. Seria uma ferramenta para discutir o desempenho do papel social da mídia, incluindo as concessões de rádio e TV, mas hiberna desde 2006. A letargia de “organizações terroristas” – Vanguarda do CCS e o fim da Lei de Imprensa aumentam as expectativas em torno da 1ª Conferência Popular Revolucionária (VPR) e VanNacional de Comunicação, prevista para dezembro. guarda Armada Revolucionária PalmaAté lá, organizações da sociedade civil farão debates regionais e propostas para levar res (VAR-Palmares). A repórter Fernanda a Brasília. A Conferência funciona com um órgão consultor e indutor de políticas públicas Odilla entrevistou Espinosa várias vezes, a serem postas em prática pelo governo. Sua convocação pela Presidência da República – atendendo a uma antiga reivindicação de movimentos que consideram a informação um dos nunca pessoalmente. “De uma entrevista mais importantes direitos humanos – foi marcada pelo silêncio da imprensa. de três horas pinçou só o sequestro. Distorceu completamente o que foi dito. Ela JUNHO 2009 REVISTA DO BRASIL
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MÍDIA
Após três anos de uma iniciativa ousada e vitoriosa, idealizadores da Revista do Brasil ampliam integração com rádio e dão novo salto na internet
rede Um novo Brasil na
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um espaço de difusão de produções feitas pelas entidades parceiras.
Passo à frente
O jornalista, sociólogo e professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) Venício Artur de Lima, considera que a Revista do Brasil tem oferecido a oportunidade de expressão dos grupos sociais que são historicamente criminalizados ou recebem cobertura jornalística preconceituosa da grande mídia. “É de esperar que o poder público e outros setores comprometidos com a democratização das comunicações continuem apoiando essa iniciativa para que ela cresça e se consolide definitivamente em todo o país.” O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Plásticas de São Paulo e Região é uma das entidades que fazem parte do projeto desde a primeira edição e entrega a revista na casa de 12 mil associados. O coordenador da Secretaria de Comunicação da entidade, Hélio Rodrigues de Andrade, valoriza o desafio de enfocar temas de interesse dos trabalhadores, disputando o espaço das grandes revistas convencionais. “Temos uma boa revista, mas temos de ser mais agressivos em alguns temas. Entrar mais em choque contra o capital”, defende. Jesus Francisco Garcia, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo, também no pro-
AUGUSTO COELHO
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sta edição da Revista do Brasil marca três anos de circulação. Em vez das 23 entidades sindicais que decidiram lançá-la em 12 de junho de 2006, já são quase 60 as organizações que fazem a publicação circular por todo o país e alcançar 750 mil leitores. E quem procurá-la na internet será conduzido a um novo endereço: www. redebrasilatual.com.br. Mais que isso, notará que se deu mais um importante salto nesse projeto de comunicação popular. A Rede Brasil Atual carrega todos os princípios de uma mídia democrática, moderna, cidadã – e gostosa de ver, ler e ouvir – para um serviço noticioso dinâmico, interativo, com atualizações ao longo do dia. Um espaço multiplicador de conteúdos de todos os que produzem informação livre da mídia comercial e monopolista. Será também mais um personagem a fazer das redes sociais – como Orkut, Facebook, Twitter – um ambiente de democratização do acesso à informação de qualidade. Outra novidade do portal será o conteúdo em aúdio, fruto da sintonia com o projeto de radiodifusão Jornal Brasil Atual. O programa, também iniciativa do movimento sindical, vai ao ar na Grande São Paulo de segunda a sexta-feira, das 7h às 8h, nos 98,1 FM, e conta ainda com um serviço de rádio web que traz boletins e reportagens especiais ao longo do dia e está aberto a ser
NA MOSCA Turiba destacou numa carta para a redação: “A Revista precisa urgentemente interagir com as novíssimas mídias, com um site ativo e uma rede de blogs”
Existe um oligopólio no mercado de revistas controlado por grupos empresariais com atuação e/ ou interesses também na mídia eletrônica. Furar o bloqueio desse oligopólio é fundamental para a necessária pluralidade e diversidade na circulação da informação. Venício A. de Lima, jornalista e sociólogo A Revista do Brasil tem uma importância sem limites perante a grande palhaçada que muitos chamam de jornalismo. Ela me respeita como leitor, escritor e como cidadão em um país onde nenhuma dessas três palavras tem muito valor. Ferréz, escritor Hoje, quando a liberdade de imprensa pela qual ansiávamos na década de 1970 tornou-se praticamente sinônimo de liberdade de opinião dos donos das empresas de jornalismo e telecomunicações, a Revista do Brasil é condição de cidadania para milhares de leitores brasileiros. Augusto Boal dizia que cidadania não é viver em sociedade: é ser capaz de transformá-la; para isso, a informação honesta e consistente é ferramenta indispensável. Maria Rita Kehl, psicanalista e escritora A Revista do Brasil é um importante veículo da esquerda e um marco na contraposição ao conservadorismo dos meios de comunicação do país. É fundamental para a democratização da informação, pois privilegia os segmentos da sociedade comumente marginalizados na mídia tradicional. Nilmário Miranda, presidente da Fundação Perseu Abramo O Brasil precisa de novas fontes de informação. Torço para que novos veículos ocupem os espaços, não para que os antigos desapareçam, mas para que outras vozes entrem no debate político e disputem o espaço do poder da informação. A Revista do Brasil tem uma grande responsabilidade. Paulo Betti, ator A Revista do Brasil vem tendo papel crescente no embate com a manipulação e a exclusão implementadas pelos grandes meios de comunicação. Suas reportagens valorizam a defesa dos interesses nacionais, os movimentos sociais, a integração latino-americana, nossas riquezas naturais, nosso patrimônio cultural. A revista vem prestando um excelente serviço ao presente e às novas gerações. Rosane Bertotti, secretária nacional de Comunicação da CUT
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ROBERTO PARIZOTTI
NA PRÁTICA Ana Rita, professora voluntária, aproveitava a Revista para elaborar atividades: “A linguagem é de fácil entendimento”
jeto desde 2006, concorda. “A Revista do Brasil não ocupa o espaço dos nossos boletins, pois comporta a agenda comum de toda a sociedade. Nosso desafio é refletir um projeto de desenvolvimento que priorize geração de emprego e distribuição de renda. Como crescer com o setor energético que temos?”, aponta o presidente do Sinergia-CUT. Para Ari Aloraldo do Nascimento, coordenador-geral da Agência de Desenvolvimento Solidário da CUT, a revista foi a “realização de um sonho” do movimento sindical. “Ela tem um papel muito importante, não pode ser ‘sindicaleira’. Precisa ser reconhecida pela sua diversidade, pela qualidade de abordagem dos temas que interessam a toda a sociedade.” Ari alerta que ainda falta ao projeto conquistar seu espaço no meio publicitário para garantir sua sobrevivência e ampliação. A RdB funcionou também como ferramenta de apoio à sindicalização e de aproximação do sindicato com sua base. De acordo com Vinícius Assumpção Sil16
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va, presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, a publicação ajudou no processo de recadastramento, que já teve retorno de 10 mil dos 18 mil associados da entidade. “Todos que leem a revista reagem positivamente. Temos de incentivar cada vez mais a participação dos sindicatos para ampliar sua inserção na sociedade.” A secretária nacional de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, considera a Revista do Brasil, o projeto de rádio e sua integração no portal da Rede Brasil Atual estratégicos na luta pela democratização da informação. Temas como os riscos da Emenda 3, a epidemia dos acidentes de trabalho, o protagonismo das centrais nas marchas por aumento real de salário e redução da jornada são exemplos de um olhar diferenciado sobre os acontecimentos, em sua opinião. “Apontam um bom caminho para seguir e aprofundar”, diz.
Novos tempos
A maioria das mensagens de leitores manifesta o quanto a informação recebida faz
diferença em sua vida. A professora Ana Rita Bueno, por exemplo, diz que aproveitava as reportagens para elaborar atividades educativas de jovens e adultos de que participava como voluntária, em São Bernardo do Campo. Para ela, “a RdB, além da variedade de informações, é muito prazerosa, com linguagem de fácil entendimento e sem amedrontar o leitor”. O poeta e jornalista Luís Turiba, de Brasília, espantou-se com a capa da edição 33, com a rapper Flora Mattos. “Chamou a atenção a luz que vocês jogaram em cima de uma artista jovem e de grande potencial. Eis a diferença: ela está fora do mercado, mas tem o potencial de um Brasil que vai florescendo pelas margens. Ela é a cara do Brasil que está vindo, e a revista, nesse ponto, jogou luz neste novo Brasil. É uma revista dos novos tempos.” Turiba destacou a importância de a revista interagir “urgentemente com as novíssimas mídias, com um site ativo e uma rede de blogs”, como começa a acontecer agora com a Rede Brasil Atual.
caixa.gov.br
MELHORAR A VIDA DAS PESSOAS SEM COMPROMETER O MEIO AMBIENTE É SUSTENTABILIDADE. E SUSTENTABILIDADE É COM A CAIXA.
Sustentabilidade é usar conscientemente os recursos naturais hoje, para melhorar a vida das pessoas agora, sem comprometer o futuro da Terra. A CAIXA financia projetos de responsabilidade socioambiental, como os de geração de energia limpa. Com incentivos do Governo Federal, a CAIXA aplicará até o fim de 2009 mais de R$ 1,175 bilhão em projetos de geração de energia eólica. Um exemplo é a Central Eólica Praias de Parajuru, que vai gerar não só 28,8 megawatts de energia, como também mais de 1.500 empregos diretos e indiretos no Ceará.
Central Eólica Praias de Parajuru, no Ceará. Um investimento de R$ 128 milhões. Mais um presente da CAIXA para o meio ambiente.
SAC CAIXA: 0800 726 0101 (informações, reclamações, sugestões e elogios) 0800 726 2492 (para pessoas com deficiência auditiva) Ouvidoria: 0800 725 7474
BRASIL
Até o próximo inverno
“Inverno”, para quem vive no Norte e Nordeste, é a estação das chuvas entre o verão e o outono. O deste ano deixou sem casa 380 mil pessoas, que esperam a água baixar para retornar às áreas de risco Por Mayara Bastos. Fotos de Benonias Cardoso
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ra madrugada de 4 de maio quando a dona de casa Gessé Alves de Araújo, de 55 anos, teve de deixar todos os seus pertences para trás. Experiente em enfrentar tempos de chuva, dona Gessé não esconde a tristeza ao lembrar dos danos causados pelas águas, que não lhe deram tempo de salvar o que levou mais de um ano para reconstruir junto com mais 14 pessoas, entre filhos, genros e netos, que fazem parte de sua família. “Só deu para pegar meus netos. Foi o filme se repetindo. Em menos de três horas a água subiu e cobriu tudo”, relata a dona de casa, que já enfrentou três enchentes. Nesta, perdeu tudo. Histórias como essa se multiplicam pelo abrigo improvisado no Ginásio Poliesportivo Pato Preto, zona norte de Teresina. E espalhamse pela cidade, pelo estado e pelo país. Todas marcadas pela incerteza se um dia haverá um lugar seguro para viver.
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O Piauí é o terceiro estado na Região Nordeste com o maior número de cidades atingidas pelas enchentes: 41. O Maranhão aparece no topo, com 95 municípios afetados, seguido pelo Ceará, com 81. Conforme dados da Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec), foram 254.340 as pessoas desalojadas e 123.510 desabrigadas em 407 municípios de 13 estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Acre, Amazonas, Pará e Santa Catarina. Desabrigados são os que perderam sua moradia e estão em algum abrigo público; desalojados são os que tiveram de deixar sua casa temporariamente para ir à de algum parente ou amigo. Em maio, choveu nas Regiões Norte e Nordeste três vezes mais que a média para o mês. No Piauí, foram 317,4 milímetros, 190% a mais que o esperado. No trimestre março-abril-maio foram 1.052 milímetros,
“FAZER O QUÊ?” Francisca e seus dois filhos acordaram submersos
quase o dobro da média histórica do perío do. Em Teresina, o Rio Poti subiu a 14,5 metros, maior vazão dos últimos 36 anos. Em menos de uma hora a casa da costureira Francisca Portela de Sousa, de 42 anos, estava submersa. “Acordamos com a água molhando a cama e, quando conseguimos tirar as crianças e a geladeira, já estava na cintura”, contou. Ela e sua família estão abrigadas no Ginásio Cabeça Branca com mais 18 famílias. Seu maior temor é a saúde dos filhos, principalmente Francilene, de 21 anos e grávida de dois meses. “Um dia depois que a gente soube do netinho que vem, perdemos a nossa casinha. É duro. Mas fazer o quê? Agora é esperar as coisas melhorarem”, disse Francisca.
Kit-barracão
Em todo o país, a Sedec já enviou ajuda humanitária na forma de material de limpeza, kits de abrigamento e cestas de ali-
mentos. No Maranhão, que tem uma das situações mais críticas do Nordeste, mais de 120 mil pessoas tiveram de sair de casa. Rios inundaram comunidades e deixaram famílias com suas roças, principalmente de arroz e mandioca, debaixo d’água. A perda chegou a 90% da produção, informou a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Maranhão. As águas começaram a dar trégua em maio. Para reconstruir a vida, os atingidos esperam por uma ação ágil do poder público. Como diz a piauiense Giselda Nunes da Silva, 33 anos, agora é “só arribar a cabeça e olhar para a vida”. A porta de madeira aberta e o que restou dos móveis no terreiro em frente ao casebre, no loteamento Mocambinho, zona norte de Teresina, são sinal de casa reocupada. A aposentada Cecília Caetana Melo Silva, de 65 anos, enfrentou a terceira enchente de sua vida, desde que saiu de Codó (MA). Depois de três semanas em um abrigo público, ela e sua irmã Lucinda, 63 anos, retornaram para o que restou da casa onde vivem há dez anos e aparenta não ter mais condições: “Temos que lavar, remendar as paredes, não temos para onde ir. Ficar em abrigo é ruim. Mesmo a gente tendo uma casa simples toda se desmanchando, é nossa”, justifica Cecília. A prefeitura distribui kits para os moradores reconstruírem as moradias na mesRECOMEÇO As irmãs Cecília e Lucinda voltaram para reconstruir o que restou de sua casa
ma área de risco e com o mesmo material: gundo ela, todas as secretarias do munibarro, taipa e madeira. A casa das irmãs cípio estão trabalhando na elaboração de Cecília e Lucinda é escorada por um tron- projetos para que a União libere recursos co. Dentro, há restos de móveis e roupas o mais rapidamente possível. amontoados. Para elas, o A espera por um lugar seatendimento emergencial “Temos que guro para passar os “inveroferecido não resolverá o lavar, remendar nos” talvez demore mais do problema. As aposentadas as paredes, não que se imagina. A burocradecidiram não aceitar o kit temos para tização excessiva no repase superam a pouca resistênse de verbas federais já fez o onde ir. Ficar cia física refazendo a casa Piauí aguardar, pelo menos, com o barro que sobrou das em abrigo é três anos pela ajuda financeiáguas que baixaram. “Não ruim. Mesmo ra. Dos R$ 300 milhões nequis aceitar. Sei que não vou a gente tendo cessários para recuperar os ter a segurança que preciso. uma casa estragos das enchentes de Então, se for para ser as- simples toda se 2008, R$ 28 milhões foram sim, prefiro eu mesma catar agora em maio. desmanchando, liberados o barro e terminar de ajeiO governo federal editou nossa” tar minha casa”, diz Cecília. é no dia 21 de maio medida Cecília Caetana “Levanta, cai, cai, levanta. Melo Silva provisória que garante rePrometem casa, mas estacursos de R$ 880 milhões mos há três anos nessa agonia e até ago- aos estados atingidos pelas chuvas. O BNra nada. Não queremos barro e taipa, não”, DES emprestará R$ 300 milhões para recompleta Lucinda. cuperação de estradas. Até chegarem os Graça Amorim, secretária municipal recursos para reerguer cada casa, as fado Trabalho, da Cidadania e de Assis- mílias afetadas pelas enchentes contam tência Social, admite que a distribuição com a ajuda de pessoas que, simplesmendos kits é apenas emergencial, enquanto te, oferecem o que podem. Foi o que aconaguarda recursos federais para constru- teceu com as irmãs Cecília e Lucinda, que ção de residências em áreas mais seguras. receberam de “uma pessoa que chegou e “É necessário fazer isso nesse momento deu” as telhas que lhes garantirão o teto, de atendimento emergencial, e é isso que desde que, é claro, haja paredes que as a prefeitura pode fazer”, argumentou. Se- sustentem.
Como ajudar Donativos – Agências dos Correios farão coleta de doações para os desabrigados do Norte e Nordeste. Poderão ser doados alimentos não perecíveis, vestuário, roupas de cama, mesa e banho, calçados, tendas e barracas. Tudo deve ser embalado pelo doador em pacotes de até 30 kg. Devemse evitar embalagens que possam se romper durante o manuseio. A encomenda deve ser endereçada à Defesa Civil do estado escolhido pelo doador. Não será permitido o envio a pessoas físicas, órgãos ou entidades. Dinheiro – Cruz Vermelha: Unibanco, agência 0472, conta 235.000-8; Caixa Econômica Federal: agência 0027, conta nº 1000-2, operação 006. Cáritas Brasileira - SOS Norte e Nordeste (tel. 61 3214-5400): Banco do Brasil, agência 3475-4, conta 23091-X; Bradesco, agência 606, conta 68000-1; e CEF, agência 1041, operação 003, conta 935-1.
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INCLUSÃO
Uma causa para abraçar Projetos de educação e cultura para crianças e adolescentes em situação de rua conseguem apontar caminhos de volta para a casa, a escola e a cidadania. Mas, diante da falta de políticas públicas, ainda são exceção Por Isilda Magalhães Costa
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Constituição Federal diz que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (art. 227). Para promover políticas públicas que garantam esses direitos de forma mais eficaz, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) deve começar em setembro um levantamento que apontará o número de crianças e jovens que vivem nas ruas de todo o país. Em São Paulo, a última pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas da USP (Fipe) e pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social da prefeitura, em 2007, revelou que só na região da Sé e nos distritos Pari e Brás existia uma população de 638 crianças e adolescentes em situação de rua. E pelo resto do país, especialmente nas metrópoles, a situação não é menos grave. Faltam políticas públicas consistentes para enfrentar a condição de exclusão social e o uso descontrolado de drogas por meninos e meninas que fazem das ruas seu espaço de sobrevivência. Na ausência delas, esse cenário triste ainda é enfrentado por ações isoladas. Em São Paulo, o Programa de Educação na Rua (PER), da Fundação Travessia, atua no centro histórico da cidade desde 1995 e busca a reintegração de crianças e dos adolescentes às famílias e comunidades de origem. Nesses 14 anos, já contribuiu para que mais de 500 deles deixassem as ruas. A ação educativa se dá por meio de atividades lúdico-pedagógicas realizadas a partir da realidade desses jovens. E mostra que com medidas práticas dirigidas a esse público é possível mudar a sua condição. 20
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TRABALHO DE RUA Educadores do Travessia levam atividades lúdicas e culturais às crianças do centro de São Paulo
Entre maio de 2008 e fevereiro de 2009, com a ampliação da equipe e recursos da Petrobras, o PER atendeu 142 crianças e adolescentes, 91 no Centro Velho e 51 no M’Boi Mirim, extremo sul da cidade, onde há um trabalho para que as associações, escolas e comunidade reconheçam e previnam possibilidades de saída das crianças para as ruas. “Metade das 91 crianças atendidas no Centro Histórico está em processo de reintegração familiar, das quais 22 em fase bem adiantada, com menor probabilidade de retornar às ruas”, conta a coordenadora do Projeto de Educação de Rua, Fabiane Hack.
Inspiração
Entre maio de 2008 e fevereiro de 2009, com ampliação da equipe e recursos da Petrobras, o Travessia atendeu 142 crianças e adolescentes, 91 no Centro Velho e 51 no M’Boi Mirim, extremo sul da cidade
Oficina com a comunidade no M’Boi Mirim
FOTOS DIVULGAÇÃO
Oficina no Projeto Axé
Outro projeto atrelado à educação das crianças em situação de rua da Fundação Travessia, mantida por organizações da sociedade civil e empresas privadas, é o Protagonismo na Comunidade. “Valorizamos os recursos locais, os aspectos familiares e escolares e promovemos oficinas culturais como dança, maracatu e vídeo, duas vezes por semana, com duração de duas horas cada uma”, explica Clóvis Tadeu Dias, coordenador. “Muitos profissionais das escolas locais, inicialmente resistentes, agora são parceiros e nos ajudam a elaborar instrumentais para avaliação de impacto do projeto”, celebra Clóvis. Diversas ações do Travessia têm inspiração no pioneirismo do Projeto Axé, de Salvador, que desenvolve trabalhos de reintegração há 18 anos com meninos em situação de rua no centro da capital baiana. Um dos principais eixos de atuação do Axé também é a Educação de Rua, cuja perspectiva metodológica inclui o acompanhamento intensivo dos educadores, com alternativas pedagógicas para manter crianças e adolescentes afastados das drogas. No ano passado, o Axé atendeu com esse programa 1.644 jovens. E até abril deste ano foram mais 749. A família, assim como no Travessia, é parte fundamental do processo. “Criamos vínculos com esses jovens, desenvolvemos atividades de música, artes visuais, capoeira e dança, visitamos as famílias e buscamos reintegrá-los ao lar, à sociedade e à escola”, explica o coordenador, Helmut Schned. “Procuramos fazer com que essas famílias ampliem seus conhecimentos, fortaleçam os vínculos e assegurem que o processo formativo que se desenvolve na vida familiar e educacional lhes possibilite atuar como cidadãos conscientes e responsáveis”, diz. Esse resgate social inclui, entre outras atividades, a Oficina de Experimentação em Artes Visuais. Lá eles têm aulas de desenho, pintura, escultura e gravura. Também visitam museus, galerias, ateliês e fazem desenhos nas ruas do Pelourinho e do Centro Histórico. “Expomos os trabalhos dos educandos em museus e galerias importantes de Salvador, como o Museu Carlos Costa Pinto. Este ano, criaremos esculturas inspiradas em Arte Sacra, com material reciclado, para uma instalação”, comemora o artista plástico Eliomar Tesbita, um dos educadores do Axé. Por esse caminho surgem novos talentos em artes diversas e o reconhecimento ao esforço da sociedade. Yves Alexandre Alves da Silva, de 14 anos, é tatuador e já sonha com seu estúdio. “O Axé é tudo pra mim e só vem pra cá quem quer ser alguém na vida. É preciso abraçar bem forte a oportunidade. Sonho em ter meu ateliê e ser bem conhecido pela sociedade”, almeja.
Fundação Projeto Travessia: www.travessia.org.br Projeto Axé: www.projetoaxe.org.br JUNHO 2009 REVISTA DO BRASIL
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ENTREVISTA
O influenza e as
JAILTON GARCIA
Vicente Amato Neto considera que o Brasil reage bem às incertezas da gripe suína. Para ele, há muitos “especialistas” dando palpites, mas em geral as pessoas sabem quando duvidar Por Cida de Oliveira
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influências A
os 81 anos, Vicente Amato Neto ainda encontra tempo e disposição para as aulas no Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e ppara ara as consultas em sua clínica particular. Um dos mais respeitados médicos infectologistas do país, tem vasto currículo, enriquecido com mais de 270 textos publicados em jornais e revistas, 91 artigos completos e oito livros sobre a disciplina que ministrou de 1945 a 1998, quando foi aposentado compulsoriamente. De lá para cá, dedica-se voluntariamente ao ensino e pesquisa na FMUSP. No último dia 15 de maio ele recebeu a reportagem da Revista do Brasil para falar sobre aspectos sanitários, econômicos e políticos da epidemia do momento. Que vírus é esse que contagiou os noticiários?
Trata-se de um vírus novo, o A H1N1, um subtipo do influenza. É preciso enfatizar que a doença causada por ele não é a gripe, embora o termo já tenha se popularizado. A influenza é uma doença bem definida, começa subitamente, causando dor de cabeça, tosse, febre alta, dores pelo corpo e articulares e dura entre quatro e cinco dias na fase aguda. Passado esse período, restam um pouco de tosse, expectoração e um leve mal-estar, que logo desaparecem se não houver nenhuma complicação. Essa nova doença é diferente, assim como são distintos os tipos de influenza. Até porque, se não fosse assim, uma pessoa vacinada contra um tipo do vírus ficaria imunizada contra todos os tipos. Mas não adianta. Tudo virou gripe. É gripe aviária, gripe asiática, gripe de Hong Kong, e assim por diante.
Estudos divulgados recentemente sugerem que o vírus da gripe suína se espalha com maior facilidade que o da comum. Por que isso acontece?
Toda epidemia traz características distintas quanto à idade das pessoas afetadas, quanto a mortalidade e demais características. Porém, ainda acho muito cedo para tirar qualquer conclusão. Estamos falando de um vírus novo, pouco conhecido. O número de casos confirmados ainda é estatisticamente pequeno para que possamos saber se o agente causador se pro-
paga mais ou menos rapidamente, se é benigno, se atinge mais os jovens ou os mais velhos e se causa mais ou menos mortes. A única resposta que podemos dar com segurança é que tudo, por enquanto, não passa de especulação.
O termo A H1N1 foi tomando o lugar de gripe suína.
O nome dado pelos cientistas ao vírus vai se fixando mais por motivos econômicos e políticos do que científicos. Há quem não admita chamar a doença de gripe suína para não ferir diretamente interesses de grandes suinocultores e da indústria de carne processada. Há pressões para não ser chamada de gripe mexicana nem norte-americana por motivos políticos, ideológicos e econômicos, embora os primeiros casos tenham aparecido nessas regiões. Todos sabem que, em 1918, a Espanha acabou seriamente prejudicada por ter seu nome associado a uma doença que surgiu nos Estados Unidos e matou 40 milhões de pessoas em todo o mundo. A gripe espanhola ficou assim conhecida porque o primeiro caso registrado foi naquele país.
Faz sentido a preocupação das pessoas com a ingestão de carne suína e derivados?
Não há nenhum risco de transmissão porque o vírus está sendo transmitido de humanos para humanos. Além disso, ele não resiste à alta temperatura do cozimento.
Qual a gravidade da doença?
Por um momento, a Organização Mundial da Saúde considerou que, de cada cem casos, sete levariam à morte. Agora já se admite que é 1,4%. Se isso se confirmar, ela será como a influenza sazonal, cujas complicações, como a pneumonia bacteriana, matam mais os idosos em todo o mundo.
Tem se falado que entre os sintomas estão diarreia e vômito, que não aparecem na gripe comum.
Insisto que temos de aguardar um bom número de casos para ver se isso se confirma e se é realmente digno de atenção. Tomara que não tenhamos tantos casos, é claro. Na nossa gripe sazonal, diarreia e vômito não são manifestações importantes. Mas tem gente achando cabível dizer que esses sintomas estão entre os comuns nesta nova doença. Eu prefiro esperar para formar minha opinião. Pelo que tenho lido, ela se parece muito mais com a nossa gripe sazonal.
Como o senhor vê as ações do Ministério da Saúde?
O nome dado ao vírus se fixa mais por motivos econômicos e políticos do que científicos. Em 1918, a Espanha acabou prejudicada. A gripe espanhola, que matou 40 milhões de pessoas em todo o mundo, surgiu nos EUA
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Li que o A H1N1 já tinha sido detectado em alguns lugares, não no Brasil. Ouvi críticas à vigilância sanitária de países que poderiam prever o problema e não deram a devida importância
Em geral, o governo está tomando as medidas necessárias. Eu, como especialista em doenças infecciosas e parasitárias, vivi muitos momentos como esse. Acompanhei as chamadas gripes de Hong Kong, asiática e aviária, entre outras. Da espanhola só tomei conhecimento por documentos científicos e históricos. E, de tudo que me lembro, até então nunca tinha havido no país uma preocupação tão grande como a que está acontecendo agora, com medidas tão intensas, oportunas e adequadas, bem como a busca pela assistência mais apropriada aos doentes. Só que, infelizmente, essas medidas não impedirão totalmente a entrada do vírus no país – o que não está associado ao fracasso das medidas, e sim à natureza da transmissão da doença. Penso que essas ações reduzirão a expressão do problema em termos de complicações e mortalidade. O uso de máscaras pode conter o contágio?
A falta de esclarecimentos sobre o uso dessas máscaras é uma ressalva que faço quanto ao trabalho do Ministério da Saúde. Tenho procurado salientar que o governo deve informar melhor a população, o quanto antes, sobre a utilidade e indicação. Essas máscaras cirúrgicas que estamos vendo por aí não são boas. Além disso, muitas pessoas não estão usando de maneira adequada. Algumas usam só na boca, quando o correto e proteger também o nariz; outras tiram para falar. É claro que existem máscaras de boa qualidade, que evidentemente são mais caras. Em minha opinião, apenas os profissionais de saúde que estão em contato direto com os doentes é que devem usá-las. Já estou pensando até em comprar as minhas. É preciso definir isso com clareza. Até porque, com tanta gente mascarada por aí, aumenta a sensação de pânico e todos passam a viver pensando nessa doença constantemente. Eu aguardo instruções do governo para deixar isso muito claro.
E quanto ao tratamento?
Muito se tem falado sobre dois medicamentos que seriam eficazes contra a doença, o oseltamivir (Tamiflu) e o zanamivir (Relenza). O primeiro foi recolhido das farmácias pelo fabricante para distribuição exclusiva ao Ministério da Saúde e o segundo ainda não é vendido no país. No entanto, não se fala sobre quem deve usar e quando. Pelo que conheço da literatura científica, tais medicamentos fazem efeito somente quando o tratamento começa bem precocemente, assim que a doença se instala. Preocupa ver que tanta gente está usando remédio muito tempo depois disso. O governo deve ser firme nesse aspecto, instruindo sobre a eficácia do medicamento e quem é que deve ser tratado com esses dois remédios.
Teremos no país o genérico do Tamiflu?
Existe no Brasil muito remédio estocado, que só falta preparar para uso. Agora, como a produção é de
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empresas multinacionais, não sei se haverá tempo de introduzir genérico. Seria bom. Mas aí volta a questão das patentes. A mesma coisa que os remédios para Aids. Será que é possível desrespeitar patentes? Será que haverá altruísmo em torno de todas essas coisas? Como age esse medicamento? É um antigripal?
Não. O que a gente chama de antigripal é um remédio que atua nos sintomas: dor no corpo, febre, malestar, tosse. O Tamiflu e o Relenza agem no próprio vírus. Mas, insisto, devem ser usados bem no começo. Além disso, não têm efeito preventivo. O problema da valorização desses medicamentos pelas autoridades é que já tem gente comprando nos Estados Unidos e trazendo para cá. Daqui a pouco vai ter gente contrabandeando, falsificando e até vendendo em bancas de camelôs.
O sistema de saúde está preparado para diagnosticar os casos?
A obtenção de um teste baseado em biologia molecular para detectar a doença com segurança foi um grande progresso. Afinal, se não fosse ele, como identificar o problema entre tantos com sintomas tão parecidos? Com a chegada dessa prova, que vem da Organização Mundial da Saúde e do Centro de Controle de Doenças do governo americano, em dois ou três dias é possível diagnosticar com certeza. O que eu lamento, e não sei se estou errado, é que vieram os elementos necessários para a execução de 250 testes – o que é muito pouco.
O teste já existia ou foi desenvolvido em tempo recorde?
Não para o A H1N1, mas sim para outros vírus. Existem espalhados pelo mundo os chamados centros de referência para influenza. Aqui em São Paulo, por exemplo, é o Instituto Adolfo Lutz. São esses institutos que acompanham a mutação dos vírus, de modo que as vacinas também possam ser modificadas. Li recentemente que esse A H1N1 já tinha sido detectado em alguns lugares, fora do Brasil, há pouco tempo. Só que a informação não teve o devido valor. Cheguei a ouvir especialistas criticando a falha da vigilância sanitária de vários países que poderiam prever o problema e não deram a devida importância ao que estava acontecendo.
E o atendimento em hospitais?
O que me preocupa em relação à assistência aos doentes é a falta de um sistema de isolamento adequado no país. Há hospitais que nunca pensam em construí-lo. Outros improvisam e, quando chega um doente, colocam num quarto fechado, proibindo as visitas. Existem pouquíssimos hospitais com quartos de pressão negativa, ideais, que impedem a saída de micro-organismos.
Quando a doença é influenciada por muitos fatores e é difícil de controlar, nada melhor que uma vacina. Veja com a dengue, como é complicado. Você precisa pedir a colaboração da população. Se tiver uma vacina contra a dengue, todos vão respirar aliviados. No caso desse novo tipo de influenza é a mesma coisa. Não é fácil manter a casa isolada, evitar aglomerações.
Quem está mais propenso à doença?
Pessoas com doenças pulmonares crônicas, idosos e diabéticos são mais suscetíveis ao vírus e às complicações da influenza. É por isso que são as mais focalizadas para ser vacinadas nas campanhas. A boa condição física e uma boa alimentação são chave para evitá-la e vencê-la.
Desequilíbrios ambientais contribuem para a gripe suína?
Sim, porque as variações climáticas favorecem as doenças respiratórias agudas.
Estamos perto da vacina? O Brasil em especial?
As autoridades consideram que o Brasil é um país que tem todas as condições para isso. Eu fico preocupado porque o Instituto Butantan tem um projeto de produzir a vacina contra a influenza sazonal há cinco anos e ainda não a produz. Quando veio a gripe aviária, também houve promessas de produção e nada aconteceu. E tem ainda muitas outras coisas que alimentam minhas desconfianças: quem vai produzir? De quem será a vacina? Quem vai fornecer o vírus para a sua produção? A vacina será vendida ou distribuída gratuitamente? E as patentes? Eu fico muito triste. Com um mal como esse, e ainda há pessoas defendendo interesses individuais. Para mim, uma das coisas que mais dizem respeito à ética é quando o comportamento de certas pessoas não é sensível para o bem-estar da comunidade e, no caso de uma pandemia, de toda a humanidade.
Em meio a tantas dúvidas, em que se deve acreditar? Quem são boas fontes?
Temos de ser espectadores. Ouvir as informações, respeitar as recomendações sensatas. Porque não há nada, nada que impeça, nem mesmo a máscara, que fiquemos doentes. Temos de aguardar as informações de órgãos gestores da saúde, sobretudo o Ministério da Saúde. Porque numa situação como essa existem pessoas que querem aparecer, elas existem em todas as áreas, inclusive as médicas. Precisamos tomar cuidado com oportunistas, tomar cuidado com os que mantêm vínculo com órgãos informativos por causa da intermediação do marketing. Eu diria que aguardemos as informações oficiais. É o que temos a fazer. Não nos resta outra coisa senão obedecer.
Como o senhor analisa a cobertura da mídia?
Acho que muitos jornais, como O Estado de S. Paulo e a Folha de S.Paulo, têm feito um trabalho bom. A internet como um todo também. Estão explicando o que é a doença, o que está acontecendo. Não vejo estímulo ao pânico e nenhum dando palpites extravagantes, estrondosos. Quanto à TV tenho ressalvas. Muitos programas têm convidado pessoas muito diferentes para opinar e algumas vão dar palpites, impressões, dizer o que sentem. Só que falta respaldo científico e epidemiológico. O que aparece de infectologistas nos órgãos de divulgação achando que têm condições de opinar! Mas as pessoas acabam percebendo quando a informação não é boa. Como avalia o sistema público de saúde no Brasil?
Temos no Brasil um sistema público de saúde muito bem planejado, baseado em princípios corretos, e eu digo até maravilhosos: o SUS. O problema é que não se consegue implantá-lo por completo. Primeiro porque isso não depende só de dinheiro, embora dinheiro seja muito bem-vindo. É preciso insistir numa gestão competente, comprometida e preocupada, que queira realmente levá-lo adiante. Temos ainda, por outro lado, interesses de várias naturezas. São sistemas de assistência dos mais variados, agregando mais de 60 milhões de pessoas, que na maioria dos casos não funcionam, oferecem bons serviços para quem pode pagar mais e serviços ruins para quem não pode e, em geral, remuneram muito mal os médicos. A situação é tão ruim que muitos profissionais, para poder continuar atendendo, usam artifícios, como a cobrança de procedimentos complementares nem sempre realizados. Eu, por exemplo, como médico especializado no tratamento de doenças às quais não cabem procedimentos, continuo prejudicado. Não tenho procedimentos para cobrar. O correto, eu insisto, é que o país tenha apenas um sistema de saúde, tal como nos países desenvolvidos. Ora, se existe um sistema de saúde, deve ser totalmente respeitado pelos governos e pela população. Ah, é muito difícil. Toda essa situação é mantida à custa de muitos interesses. Tem deputados que são envolvidos com os planos de saúde. Falta força. Acho que nós ainda não conseguimos avançar como gostaríamos em muitos setores. Na saúde é a mesma coisa.
FOTOS JAILTON GARCIA
É difícil controlar?
Há oportunistas em todas as áreas, inclusive as médicas. Precisamos tomar cuidado com os que mantêm vínculo com órgãos informativos por meio do marketing
Com tantas ameaças à saúde, estamos mesmo vivendo mais?
Existem tecnologias espetaculares, as condições de vida são melhores, existe uma assistência razoável para muitas pessoas, existem as vacinas, então é verdade. Os cuidados assistenciais melhoraram e as pessoas real mente vivem mais. Estou com 81. Só preciso tomar cuidado com os médicos. Quando você vai ao médico é uma consulta. Se precisar reunir dois ou três pra conversar sobre sua doença, então, já é uma conferência médica. A terceira etapa é a autópsia (risos). JUNHO 2009 REVISTA DO BRASIL
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FOTOS AGÊNCIA PETROBRAS
CONHECIMENTO NÃO TEM FRONTEIRAS
INFORME PUBLICITÁRIO
Trabalhadores da obra da plataforma P-51, a primeira a ser totalmente construída no país
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a selva amazônica à Universidade Petrobras,
das plataformas offshore às refinarias espa lhadas por diversas regiões brasileiras. A Pe trobras não vê fronteiras para levar qualifica ção profissional aos seus quadros. E acredita que a função de uma empresa não se resume a dar lucro e
emprego, pagar impostos e cumprir as leis. Por isso, cada vez mais agrega conhecimento ao seu capital humano – porque sabe que é impossível alcançar resultados financeiros, de produtividade, de
tecnologia sem valorizar as pessoas que nela trabalham. São 114 plataformas de produção em terra e no mar, 17 refinarias no Brasil e no exterior e mais duas fábricas de fertilizantes. São 46 terminais administrados pela Transpetro, uma das subsidiárias da Petrobras. São quase 7 mil postos de serviço, 50 terminais e bases de distri buição, além de nove fábricas de asfalto, sob o comando de outra subsidiária, a Petrobras Distribuidora. São 74 mil empregados que, periodicamente, estão se qualificando, especializando, crescendo profissionalmente.
A OUSADIA DO PROMINP Indústria de petróleo e gás terá 112 mil profissionais capacitados até 2010
FOTOS AGÊNCIA PETROBRAS
A revitalização da indústria nacional da cadeia de pe tróleo tem nome e data de nascimento: Prominp (Progra ma de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural), lançado em 2003. O principal indicador de resultados do Prominp é a evolução da participação da indústria brasileira nos projetos do setor de Petróleo e Gás Natural, o chamado conteúdo local. Desde o início da atuação do Prominp, o conteúdo local aumentou de 57% para 75%, elevação que resultou, nos últimos cinco anos, em US$ 9,4 bilhões em encomendas adicionais de bens e serviços no mercado nacional, gerando mais de 430 mil novos postos de trabalho pela indústria petro lífera no Brasil. Para acompanhar o crescimento do setor foi lançado, em 2006, o Plano Nacional de Qualificação Profissional do Prominp. O plano foi criado a partir de um diagnóstico que identificou uma grande necessidade de mão-de-obra especializada em 175 categorias profissionais considera das críticas para o setor (30 de nível básico, 56 de nível médio, 13 de nível técnico, 45 de nível superior, 27 de inspetor). Tem como missão preparar pessoal da área e trabalhadores não especializados na cadeia do petróleo, fomentando o setor com profissionais bem qualificados e capazes de gerar mais renda para suas famílias. O Plano tem como meta capacitar mais de 112.625 pessoas até 2010 (72.493 de nível básico, 25.101 de nível médio, 3.638 de nível técnico, 7.080 de nível supe rior e 4.313 inspetores). Desde seu lançamento 31,5 mil alunos já foram qualificados e 3,6 mil encontram-se em curso. Outros 25 mil aguardam o início das aulas. Todos os cursos são gratuitos. Para os candidatos que estão fora do mercado de trabalho, além do curso é oferecida uma bolsa-auxílio (R$ 300 para alunos do nível básico, R$ 600 para alunos dos níveis médio, técnico e inspetores, e R$ 900 para alunos do nível superior).
A EDUCAÇÃO TRANSFORMANDO A VIDA DAS PESSOAS O premiado MOVA-Brasil, em vigor desde 2003, é um dos projetos mais importantes da Petrobras na área de responsabilidade social. Inspirado no histórico Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova), criado pelo educador Paulo Freire, o projeto superou todas as metas e já alfabetizou 75 mil jovens e adultos em nove estados. Em 2008, foram criadas 1.325 novas turmas, em 10 estados brasileiros. Os beneficiados, além de aprender a ler e a escrever e a dizer as palavras e textos, pas sam a compreender criticamente a realidade, por meio de uma pedagogia que usa elemen tos do cotidiano. O local de estudo é parte
da vida diária: as salas de aula são montadas em espaços da comunidade (igrejas, associa ções e clubes, além de escolas) para grupos de, em média, 25 pessoas com mais de 15 anos que não tiveram oportunidade de se alfabetizar. Os professores são educadores locais, capacitados pelas equipes técnicas do Instituto Paulo Freire (IPF), parceiro da Petrobras, ao lado da Federação Única dos Petroleiros (FUP) – responsável pela articu lação dos vários grupos sociais envolvidos no projeto. Cerca de 2.600 monitores e 160 coordenadores já foram formados pelo Ins tituto Paulo Freire em 2007. Na etapa de 2008/2009 o projeto estará formando 1.325
educadores e 96 coordenadores. O projeto preocupa-se em criar oportuni dades de trabalho para seus participantes – grupos e comunidades em áreas de baixo desenvolvimento social e econômico, mui tos em áreas rurais isoladas. “O MOVA-Brasil tem como objetivo principal gerar condi ções que permitam ampliar o exercício do direito à cidadania plena e participativa”, resume Janice Dias, gerente de Programas Sociais da Petrobras. A Petrobras expandirá o MOVA-Brasil, no período 2008/2009. A previsão é que sejam alfabetizadas, nesta nova fase, mais 33 mil pessoas, em 190 municípios de 10 estados brasileiros.
INFORME PUBLICITÁRIO
Formandos em MBA. A Companhia investe permanentemente na capacitação dos funcionários
UNIVERSIDADE PREMIADA Todos os empregados da Petrobras possuem um Plano de Desen volvimento de Recursos Humanos e estão aptos a participar de cursos da Universidade Petrobras (UP). São oferecidos cursos de aperfeiçoa mento, especialização, mestrado e doutorado, além da oportunidade de participar de encontros e seminários técnicos. O investimento em educação de qualidade é uma preocupação da Petrobras desde sua fundação e o esforço tem sido reconhecido su cessivamente no Dow Jones Sustainability Indexes, em que a nota máxima de 100 pontos foi obtida no critério “Desenvolvimento do Capital Humano” nos três últimos anos. A UP também foi escolhida, em 2007, a Melhor Universidade Corporativa do Mundo pelo Corpo rate University Best in Class Awards, prêmio concedido pelo IQPC (International Quality and Productivity Center) nos Estados Unidos. “A Universidade Petrobras é, sem dúvida, a maior instituição de edu cação corporativa do Brasil e uma das maiores no mundo. Ela funcio na como um espelho das áreas de negócio da Petrobras e tem como objetivo desenvolver soluções educacionais capazes de responder em tempo real às necessidades de desenvolvimento dos empregados, ten
do o plano estratégico da empresa como referência”, explica o gerente executivo de Recursos Humanos da Petrobras, Diego Hernandes. No ano passado, a Universidade obteve o reconhecimento de três de seus cursos de formação pelo Ministério da Educação. O credenciamen to permite à UP emitir diplomas para os cursos de pós-graduação lato sensu em Engenharia de Petróleo e Gás Natural, Geofísica do Petróleo e Gás Natural e Processamento de Petróleo e Gás Natural. O certificado equivale ao de qualquer instituição de ensino superior reconhecida pelo governo federal. A UP faz parte da estrutura de Recursos Humanos da Companhia e está organizada em quatro escolas de ciências e tecnolo gias, uma de gestão e negócios e uma técnica, voltada aos empregados de nível médio. Os eventos educacionais são realizados nos campus de Salvador e Rio de Janeiro ou nas próprias unidades. Com 135 docentes fixos, entre pós-doutores, doutores, mestres e especialistas, a UP conta com cerca de 1.600 empregados de diversas áreas da Petrobras que integram seu “banco de professores”. “Graças ao seu corpo docente, a Universidade conseguiu atender a mais de 200 mil participações nos últimos quatro anos”, ressalta Diego Hernandes.
ENERGIA COM TECNOLOGIA NACIONAL Desde sua criação, a Petrobras trabalha em parceria com a comunida de nacional de ciência e tecnologia, potencializando sua vocação para o desenvolvimento tecnológico. Nos últimos anos, os investimentos em parcerias com universidades e institutos de pesquisa brasileiros cres ceram significativamente. No período 2006-2008, a Petrobras investiu cerca de R$ 790 milhões em universidades e institutos de pesquisa nacionais, sendo R$ 439 milhões só em 2008. Para potencializar os resultados dos investimentos previstos pela Lei do Petróleo, tanto para a Petrobras como para o País, a empresa implantou em 2006 um mode lo que organiza estas parcerias tecnológicas em Redes Temáticas que envolvem mais de 70 instituições. Esse mecanismo permite que insti tuições de todo o Brasil compartilhem conhecimento e infraestrutura. Um dos grandes resultados dessas parcerias são as instalações experi mentais em universidades e institutos de pesquisa nacionais. Juntas, elas
estão formando no Brasil um parque tecnológico avançado para pesquisa e desenvolvimento na área de energia, compatível com polos de excelên cia em nível mundial. A universidade ou instituto de pesquisa beneficiado pelos recursos da Petrobras é 100% proprietário da infraestrutura expe rimental construída, mas a companhia tem forte presença, utilizando-a como um complemento à sua infraestrutura interna. “Um ótimo exemplo deste tipo de parceria é o tanque oceânico, na UFRJ, que foi construído antes mesmo de ter sido implantado o conceito de redes temáticas, mas o princípio é o mesmo. Para fazer ensaios em tanques deste porte, era necessário ir até ao Japão ou à Noruega. Hoje os testes podem ser feitos aqui mesmo no Brasil. Com as redes temáticas, estamos replicando exemplos como este em todo o país”, diz o gerente executivo do Centro de Pesquisas da Petrobras, Carlos Tadeu Fraga.
RODRIGO QUEIROZ
DIVERSIDADE
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ormar uma família com filhos é um desejo presente também entre parceiros do mesmo sexo, conhecidos por homoafetivos. Só que essa escolha é acompanhada de sacrifícios pessoais que incluem enfrentar obstáculos legais e morais – seja para adoção, inseminação artificial ou contratação de uma barriga de aluguel. Tudo isso temperado com o preconceito da sociedade e dos próprios familiares. Especialistas garantem que, seja qual for a orientação sexual dos pais, a personalidade da criança é afetada de forma positiva desde que ela receba muito amor e atenção. E, enquanto essa discussão se arrasta, aumenta dia a dia o contingente de crianças abandonadas à espera de um lar. Apesar das barreiras, as famílias homoafetivas começam a aparecer publicamente em variados formatos. Em meados de maio passado, Adriana Tito Maciel, de 26 anos, registrou em seu nome
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o casal de gêmeos ao qual deu à luz em 29 de abril. Ela esperava poder dividir a maternidade com sua companheira, Munira Kalil El Ourra, de 28 anos, em um processo chamado gestão comungada entre parceiras sexuais, ainda inédito no Brasil. No entanto, o pedido judicial foi negado e a questão foi parar no Ministério Público. Adriana submeteu-se à inseminação artificial, mas por ser infértil o óvulo utilizado foi o de sua parceira. As crianças carregam no DNA a herança genética de Munira e de um doador anônimo. As duas aguardam o desdobramento do caso e prometem não desistir da dupla maternidade. A namorada de Alexandra Santos também não podia engravidar. Foi ela, então, quem gerou para o casal a filha, Bruna. A criança foi concebida na única relação hetero de Alexandra, com um amigo também homossexual. Somente três anos atrás, aos 33, Alexandra compreendeu o incômodo que lhe causam as manifestações do
DESAFIO Ângelo adotou Pedro há 13 anos: “Ele diz que o pai é gay e que isso é problema dele”
seu corpo feminino. Descobriu-se finalmente como transexual e adotou a identidade de Alexandre. Agora espera uma cirurgia para retirada dos órgãos reprodutores. Na casa de Alexandre, que hoje preside a Associação da Parada do Orgulho LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros) de São Paulo, a discussão sobre diversidade sexual começou cedo. A filha, Bruna, sofreu preconceito na escola e, aos 4 anos, chegou a perder amigos por conta da aparência da “mãe”. Hoje, a estudante de 17 anos, que é heterossexual, encara o processo de Alexandre com aparente naturalidade. “Eu ainda não consigo chamá-lo de pai, como ele quer, às vezes escapa um ‘mãe’, mas por enquanto prefiro pãe”, brinca.
Preconceito
Enquanto casais homoafetivos enfrentam obstáculos na Justiça e na sociedade para formar sua família com filhos, a cada dia cresce o abandono de crianças. Sabe-se que amor e atenção é que afetam de forma positiva qualquer indivíduo. E isso não depende do sexo Por Evelyn Pedrozo
REVIRAVOLTA Alexandre e Bruna: “Eu ainda não consigo chamá-lo de pai”
GERARDO LAZZARI
Amor eterno
O amor é o pilar na relação entre pais e filhos, mas não basta para proteger as crianças do preconceito. Na Associação da Parada do Orgulho, pais e mães LGBT reúnem-se quinzenalmente para discutir meios de conduzir o assunto com os filhos. “Quando pequenos, são bem resolvidos. Porém, na pré-adolescência surgem os problemas e eles podem até começar a se esconder, a renegar a família”, destaca Jéssica Gutierrez. Sua companheira, Carina Ramires, já cansou de ouvir de familiares que sua homossexualidade é mau exemplo para a filha. As duas buscam uma educação livre de estereótipos para as filhas. Jéssica, turismóloga de 35 anos, é mãe de Pietra, de 10. Seu casamento hetero acabou, entre outros motivos, porque ela se descobriu lésbica. Hoje vive com Carina, musicista de 29 anos, mãe de Alana, 8. As quatro formam uma família unida. Pietra encontra o pai a cada 15 dias; Alana nunca vê o seu. O mesmo ocorre com Mateus, filho de 12 anos da professora de Português Márcia Carvalho, de 38. Adotivo, Mateus enfrentou a separação dos pais aos 2 anos e passou a conviver com a nova orientação da mãe quando ela se apaixonou por outra mulher. Elas se casaram e ficaram juntas por sete anos. Recentemente, Márcia rompeu uma outra relação, de três anos. “O Mateus parece levar isso numa boa, mas já avisou que não vai ser gay”, observa. O psicólogo e terapeuta sexual João Batista Pedrosa, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia e autor do livro Segundo Desejo, lamenta o mito de que crianças criadas por homossexuais também
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o serão. Esse é um dos argumentos da Justiça para barrar a adoção por casais homoafetivos. Ele afirma que a orientação do adotado não tem a ver com a dos pais adotivos, o que prova que as características individualizadas não são enraizadas ambientalmente: “A noção de que a homossexualidade é algo negativo e de que as crianças criadas por pais gays se tornarão gays é muito frequente. O que não é aceito, pois a homossexualidade não é algo negativo. É mais uma possibilidade de expressão da sexualidade”. Segundo Pedrosa, entidades como as associações americanas de psicologia e de psiquiatria e o Colégio Oficial de Psicólogos de Madri aprovaram declarações que destacam não existir impedimentos psicológicos em relação à homoparentalidade, ou seja, casais homossexuais educarem e criarem filhos. “No entanto, é preciso buscar apoio psicológico e construir um repertório para enfrentar situações discriminatórias e homofóbicas”, alerta. As crianças devem saber logo cedo que existem famílias de homem com mulher, mulher com mulher, homem com homem. “Se a discussão for omitida pelos pais, o filho será contaminado pelo ambiente e pode vir a ter vergonha deles”, diz Pedrosa. Ele afirma que a superação da ausência da figura do sexo oposto na formação da personalidade vem do convívio com pessoas do cotidiano, como professores, vizinhos, padrinhos, madrinhas, avós, tios, personagens de televisão ou qualquer outra referência.
Adoção
Enquanto casais homoafetivos perseguem o sonho de ser pais ou mães, 80 mil crianças e adolescentes vivem apartadas da própria família em abrigos de todo o país, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Dessas, 8 mil estão habilitadas para a adoção. Mas a Justiça a impede por duas pessoas do mesmo sexo, salvo exceções, como aconteceu em Catanduva (SP), em 2006, quando o casal de cabeleireiros Vasco Pedro da Gama Filho, de 38 anos, e Júnior de Carvalho, de 45, obteve o direito à dupla paternidade de Theodora Rafaela Carvalho da Gama, no ano em que ela completava 5 anos. A menina estava para adoção em uma das instituições em que o casal cortava cabelos. Era vítima de maus-tratos e abandono. O processo correu inicialmente no nome de Vasco, que obteve a guarda definitiva de Theodora em 18 meses. Seis meses depois, o pedido de reconhecimento de paternidade de Júnior foi acatado. “Hoje dou mais valor à vida. Tudo ganhou novo significado depois da Theodora”, destaca Vasco. A decisão judicial surpreendeu até mesmo o advogado do casal, Heveraldo Galvão. Ele havia aceitado mover o processo gratuitamente porque não tinha como garantir o sucesso no pedido de adoção. O caso abriu jurisprudência porque foi a primeira vez que a Justiça concedeu a paternidade a dois homens. “O casal estava junto há 14 anos e uma das exigências da lei da adoção é que a criança seja inserida no convívio com pessoas adultas, que lhe forneçam estabilidade financeira e social e possuam uma relação estável”, justifica Galvão. No Paraná, por uma decisão do Tribunal de Justiça em março deste ano, David Harrad e Toni Reis foram habilitados a adotar duas crianças, uma delas soropositiva ou portadora de qualquer problema de saúde, conforme solicitaram. A advogada Gianna Carla Andreatta recorreu da decisão da Vara da Infância e Juventude de Curitiba, que permitia a adoção pelos dois desde que a criança
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Vida verdadeira Jaqueline Dumas, de 22 anos, assumiu sua homossexualidade há sete. Ela é filha da advogada da Associação da Parada do Orgulho LGBT, Cléo Dumas. “O fato de minha mãe ser homossexual não influenciou minha orientação”, conta. Jaqueline pretende ter filhos por inseminação artificial. Espera protegê-los do preconceito e da maldade das pessoas à base de uma educação verdadeira e realista. “Porque o preconceito é gerado pela falta de conhecimento.” Cléo começou a namorar garotas com 14 anos. Por pressão familiar, aos 22 casou-se com um homem com quem teve quatro filhos. Ficaram juntos oito anos. Depois disso, passou a viver a sexualidade em plenitude. Teve companheiras que sempre conviveram em sua casa com seus quatro filhos. Jaqueline, que passou a infância na casa do pai, é a única homossexual. E há respeito entre todos.
FOTOS GERARDO LAZZARI
diz. Para ela, impedir o sonho da filiação é atitude punitiva, quase vingativa, como se gays e lésbicas não tivessem condições de desempenhar as funções inerentes ao poder familiar. O Estatuto da Família, que tramita no Congresso desde 2007, prevê no artigo 113 que ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher ou se viverem em união estável. “Mas houve pedido de apensamento do projeto para impedir que pessoas não casadas possam adotar. Isso é um retrocesso completo. Os religiosos fazem lobby para acabar com o estatuto”, desabafa Maria Berenice. A advogada Cléo Dumas conta que há muita dificuldade para a adoção por casais homoafetivos porque a maioria dos psicólogos e assistentes sociais entende a situação como não desejável. “Mas a lei não proíbe a adoção, e o que não está explícito não é proibido. Para adotar basta estar de posse dos direitos civis”, defende Cléo. Pela ausência de uma lei específica, os direitos do casal ficam ameaçados no caso de separação. “Quando o processo é amigável, pode-se até fazer acordos de visita; no entanto, os direitos sucessórios da maternidade ou paternidade socioafetiva ficam prejudicados, só sendo possível a contemplação por meio de testamento”, observa Cléo. “Mas, se a separação não for amigável, o direito de visita fica dependente de longas batalhas jurídicas, o que é estressante para o casal e prejudicial para a criança.” SEGUINDO EM FRENTE Márcia e seu filho, Mateus: superando encontros e separações, como num relacionamento heterossexual
fosse uma menina de mais de 10 anos. “O TJ concordou com nosso argumento de que o ideal é que a convivência com uma família homoafetiva comece nos primeiros anos de vida, para que a criança cresça com a compreensão total da diversidade”, explica Gianna. A vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, ressalta que a chamada Lei Nacional da Adoção é conservadora por tentar impedir a adoção por famílias homoafetivas. “A postura, além de equivocada, é preconceituosa, discriminatória e inconstitucional, pois cerceia aos parceiros do mesmo sexo o direito constitucional à família e não garante a crianças e adolescentes o direito à convivência familiar”,
Em branco e preto
Parada do Orgulho LGBT 2008, em São Paulo
Um tipo de produção independente foi a escolha do psicanalista Ângelo Barbosa Pereira, que se apaixonou à primeira vista por Pedro Paulo quando visitava um orfanato. Em dois meses e meio, adotou a criança, que tinha 1 ano e hoje tem 13. “Acredito que ele já tenha se envergonhado de ser filho de homossexual. É difícil livrá-lo do preconceito. Os meninos tiram sarro. Ele diz que o pai é gay e que isso é problema dele, mas eu sei que não é fácil”, conta. Ângelo é solteiro e tem um namorado, Milton, que ajuda na educação de Pedro Paulo. Mas o garoto fala para os amigos que tem mãe, uma ex-empregada da casa. “Alguns amigos não podem vir à nossa casa porque os pais não deixam, por preconceito. É uma escolha, não podemos interferir”, lamenta Ângelo. Triste mesmo têm sido as demonstrações públicas de preconceito racial. Pedro Paulo é negro e Ângelo, não. “Uma vez ofereceram esmola para ele!”, revolta-se o pai. Ângelo relatou sua história no livro Retrato em Branco e Preto – Manual Prático para Pais Solteiros, publicado pela editora GLS.
A busca de visibilidade sempre foi o eixo central das manifestações de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais que, desde 1997, organizam a popular “Parada Gay”, que naquele ano reuniu 2 mil pessoas no centro de São Paulo sob o lema: “Somos muitos, estamos em todas as profissões”. Dois anos depois a sigla GLBT – Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (Travestis e Transexuais) – substituiu a palavra “gay”. E no ano passado houve nova alteração para contemplar a questão de gênero, LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. De lá para cá a parada de São Paulo cresceu e a força do movimento espalhou-se. A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) reúne mais de 200 organizações, a maior rede do setor no país. Em 2008, houve recorde mundial, com 140 paradas e 23 eventos culturais. O Brasil tem a maior parada do mundo desde 2004, quando reuniu 1,8 milhão de pessoas em São Paulo. Na do ano passado foram 3,4 milhões. Em 2003, ano em que o tema da parada reivindicou políticas públicas para combater a discriminação e a violência dirigida aos homossexuais, o Conselho Nacional de Combate
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à Discriminação (CNDC), do governo federal, criou uma Comissão Permanente para receber denúncias de violações de direitos humanos relacionadas à orientação sexual e identidade de gênero. Um grupo de trabalho foi incumbido de elaborar um programa nacional que deu origem ao Brasil Sem Homofobia, de combate à violência e à discriminação contra LGBT e de promoção da cidadania homossexual, lançado em 2004 pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH). Em linhas gerais, a iniciativa expressa o compromisso do Estado brasileiro com a implementação desses direitos, incluindo o combate à violência, uma demanda histórica do movimento LGBT, que tenta a aprovação do projeto de lei que torna crime a homofobia (PLC 122/06) – aprovado na Câmara, mas ainda aguardando tramitação no Senado, devido às pressões de religiosos evangélicos e católicos. Uma vez aprovada, a proposta corrigiria uma falha da Constituição de 1988 que não menciona a orientação sexual e identidade de gênero entre as formas de discriminação. Outra batalha travada há oito anos no Congresso é pelo fim da criminalização da homossexualidade. Pelo Código Militar, por exemplo, “pederastia
LUCAS LACAZ RUIZ/FOLHA IMAGEM
Busca da igualdade
ou outro ato de libertinagem” podem ser punidos com seis meses a um ano de prisão. Convocada por decreto presidencial, a 1ª Conferência Nacional GLBT, realizada em Brasília, ano passado, teve como pauta “Direitos Humanos e políticas públicas: o caminho para garantir a cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais”. Foi a primeira iniciativa do gênero no mundo, com 600 delegados – dois terços de representantes da sociedade civil e um terço de representantes dos poderes públicos –, que chegaram a 559 propostas para políticas públicas nas diversas áreas, da saúde à segurança pública.
A conferência foi ponto de partida para o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT, lançado no último 14 de maio com 50 diretrizes e ações a serem implementadas pelo poder público até 2011 – entre elas o reconhecimento dos direitos civis de casais homossexuais, equiparando-os aos direitos já garantidos aos heterossexuais, o fim da perseguição e criminalização de militares homossexuais, articulação de uma rede nacional de combate à homofobia, lesbofobia e transfobia e o estímulo ao turismo LGBT. Colaborou Thiago Domenici
Por Thiago Domenici
BOAL, O CARO AMIGO
A
ugusto Boal dizia que “só os oprimidos iriam libertar os oprimidos”. E criava com seu trabalho condições práticas para que o público se apropriasse dos meios de produzir teatro, ampliando suas possibilidades de expressão e de transformação social. “O mais difícil é mostrar o que todo mundo já olhou, mas não viu”, disse sobre a sua criação, o Teatro do Oprimido, estética que se tornou referência em mais de 70 países. No Teatro de Arena, em São Paulo, dirigiu Opinião, com Zé Ketti, João do Vale e Nara Leão, uma das primeiras manifestações de resistência ao golpe de 1964. No final daquela década foi preso e torturado. No exílio, em Lisboa, Chico Buarque dedicou-lhe uma carta em forma de música, o choro Meu Caro Amigo, gravado em 1976.
LENISE PINHEIRO/FOLHA IMAGEM
Retrato
A convite de Darcy Ribeiro, em 1986, Boal dirigiu a Fábrica de Teatro Popular, no Rio de Janeiro, e criou o Centro de Teatro do Oprimido (CTO-Rio). “As sociedades se movem pelo confronto de forças, não pelo bom senso e justiça. Temos de avançar e, a cada avanço, avançar mais, na tentativa de humanizar a Humanidade. Não existe porto seguro neste mundo, porque todos os portos estão em alto-mar e o nosso navio tem leme, não tem âncoras. Navegar é preciso, e viver ainda mais preciso é, porque navegar é viver, viver é navegar!”, disse o dramaturgo, no Fórum Social Mundial de Belém, semanas antes de ser eleito embaixador da Unesco para o Teatro. Em 2008 foi indicado ao Nobel da Paz. Vítima de leucemia, Augusto Boal morreu no último dia 2 de maio, aos 78 anos, de insuficiência respiratória. JUNHO 2009 REVISTA DO BRASIL
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PERFIL
Inezita, minha viola FOTOS JAILTON GARICA
Aos 84 anos, a cantora e instrumentista continua com agenda lotada e convicta do rumo musical que tomou quando criança Por Solange do Espírito Santo
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O
sangue de índio nas veias e o gene do caipira no DNA explicam sua vitalidade, a paixão e a dedicação pela música de raiz. Aos 84 anos, a cantora e instrumentista Inezita Barroso é ícone da cultura popular e da música de raiz do Brasil. “Uma coisa sem raiz voa, o vento leva e desaparece”, sintetiza. Além de colecionar mais de 200 prêmios em quase 60 anos de carreira e mais de 80 discos gravados, ela é uma recordista na TV brasileira: o Viola, Minha Viola, da Rede Cultura, está perto de completar três décadas de transmissão ininterrupta. O primeiro programa foi ao ar em 28 de março de 1980. “Quem optou pelo caminho da música legítima da terra não vai sumir nunca. Na TV, você vê programas modernos que começam, fazem barulhão por alguns meses e acabam. E nós estamos há mais de 29 anos no ar! É uma vida”, comemora, emocionada. Ignez Magdalena Aranha de Lima é paulistana. Além de antepassados indígenas herdados de pai e mãe, teve, pelo lado materno, avós “caipiras” e 17 tios, a maioria da roça. Foi aí que a sua paixão pela viola começou. Em São Paulo, estudava piano e violão. As férias passava nas fazendas dos tios. Ao contrário das outras primas, “quietinhas”, Inezita se esbaldava brincando com os primos, subindo em árvores, comendo “frutas no pé” e nadando em riachos. No final do dia, fugia da casa-grande para acompanhar as rodas de viola dos colonos. “Aí me apaixonei pela moda de viola. Era o meu céu.”
Vencendo preconceitos
Nessas rodas de viola, ela pedia, mas nunca conseguia tocar. “Demorou para me deixarem pegar uma viola, porque achavam que era feio para menina. Mas forcei tanto que eu catequizei um velho, até que venci: ‘Toca aí um pouco na minha viola’. Aí, peguei a viola e saí tocando e cantando. Eles ficaram loucos, mas não era do agrado deles. Mulher artista, mulher violeira... O preconceito era muito forte”, afirma. Ainda criança, a violeira começou a se apresentar em clubes. Em 1950 estreou como cantora na Rádio Bandeirantes. “Eu briguei muito no começo da minha carreira para estabelecer esse gênero e mostrar que não era besteira, que era uma coisa séria, histórica. E hoje estou muito contente, porque estou vendo os frutos. Vejo crianças em orquestras de viola, orquestrinhas de flauta doce. São coisas brasileiras que nós precisamos cultivar, senão somem, acabam. Aí, não haverá referência do passado”, ressalta. Ignez virou Inezita quando criança. O sobrenome Barroso veio do marido cearense, com quem viajou por todo o Norte e o Nordeste. “A letra caipira é o registro da história cotidiana de um povo, em minúcias. Gente semianalfabeta escreve uma poesia que você não acredita”, define. Inezita participou da transmissão inaugural da TV
Tupi e trabalhou também como cantora exclusiva da Rádio Nacional. Já no primeiro disco gravado, em 1953, estourou com Moda da Pinga. Logo depois, veio a magnífica interpretação de Lampião de Gás. E o sucesso como cantora empurrou-a para o cinema. Fez sete filmes e ganhou o Prêmio Saci, espécie de Oscar brasileiro, por sua atuação em Mulher de Verdade (de Alberto Cavalcanti, em 1954). “Mas o cinema me aborreceu. Você tem de acordar de madrugada, ficar esperando sair o sol. Se ele não vem, tira a maquiagem e continua no dia seguinte. Para aproveitar um cenário, um rio lindo, uma roça bonita, tem de gravar cenas e emoções diferentes, que estão no começo e no final do filme. É difícil.” Até o final da década de 1970, a cantora e instrumentista conciliou gravações de discos e shows por todo o país com uma profunda pesquisa sobre o folclore e a música de raiz. Foi unindo à moda de viola ritmos como maracatus, cocos, lundus, valsinhas, toadas, pagodes caipiras e xotes. Sempre apresenta um deles Em seu Viola, Minha Viola. “Sou alucinada pelo meu país. Nas minhas andanças, vi que sempre tem um monte de coisas para descobrir, que hoje estão veladas, apagadas por muitas outras coisas sem valor”, destaca. O conhecimento acumulado rendeu-lhe o título de doutora honoris causa em Folclore Brasileiro, pela USP. Além da intensa atividade cultural, durante 25 anos, até o final do ano passado, deu aulas em cursos de Turismo em faculdades em São Paulo. Inezita lamenta o atual estágio da produção musical e cultural no Brasil. “Hoje vejo muito comércio e pouca arte. É o pagou-levou. ‘Ah! Fulana é bonitinha, mas não canta nada.’ ‘Não tem importância, enfia ela no palco’”, reclama. “Isso é ridículo numa terra com milhares de ritmos maravilhosos, milhões de criações lindas feitas por gente sem nenhum estudo. A gente não vê uma letra besta de caipira, que repete, repete.” Do alto de seus 84 anos, Inezita continua religiosamente comendo sua feijoada de todo sábado, acompanhada de uma boa caipirinha, gravando discos, fazendo shows pelo Brasil afora e tocando seu Viola, Minha Viola. A plateia do programa é atração à parte. À vontade, o público dança na frente do palco, canta e interage com a equipe de produção. Alguns levam guloseimas e lanchinhos para dividir com os vizinhos de auditório, com os cinegrafistas e com a dona da festa. Por isso tudo, ela continua regando as raízes dos ritmos musicais que escolheu para a sua carreira. “É um compromisso com o meu país e com o meu público”, declama, lembrando da fidelidade daquelas pessoas que toda semana lotam as gravações. O Viola é gravado às quartas-feiras, exibido às 9h no domingo e reprisado às 12h do sábado seguinte. “Nunca a casa está vazia. Chega gente às 9h para só entrar à tarde. É uma coisa linda”, orgulha-se.
Demorou para me deixarem pegar uma viola, porque achavam que era feio para menina
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COMPORTAMENTO
Excluído,
graças a Deus H
á quem pense que quem não responde a e-mails imediatamente, não passa seus dias conectados no MSN ou não estampa seu perfil em sites de relacionamento como Facebook, Orkut e que tais está morto, foi abduzido ou perdeu o juízo. Não deixar o celular ligado o dia todo também pode ser sintoma de loucura num tempo em que até ter blog próprio começa a virar obrigação. No entanto, em plena febre tecnológica, uma outra tribo pede passagem: os excluídos digitais. Não, não se trata de pessoas cuja condição social não lhes permite acesso a computador ou internet. Mas de gente que não utiliza essas ferramentas de comunicação por acreditar que a vida é melhor sem elas. Eles são “normais”, trabalham, têm família, amigos. Mas nos últimos anos veem-se numa cruzada monumental para defender a mais primordial forma de relacionamento: a face a face. Virou moda debater na mídia assuntos relativos a esse universo particular, o mundo vertiginosamente virtual das relações que necessariamente se processam através de máquinas. O quanto os jovens se renderam a essas novidades. As patologias surgidas da dependência das pessoas em sentirem-se “conectadas”. As horas de sono e a qualidade de vida que se perdem em frente a um computador ou pendurado num celular. A validade das amizades virtuais, cada vez mais na moda. Uma pesquisa realizada pela instituição Netpop Research constatou que, nos Estados Unidos, mais de 7 milhões de pessoas são consideradas “heavy users” da internet 38
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Não se trata de pessoas sem acesso a internet ou celular. Em plena febre tecnológica, ainda tem gente que não utiliza essas ferramentas por opção e acredita que a vida é melhor sem elas Por Miriam Sanger
– termo bonitinho para designar quem passa a maior parte de seus dias e suas noites conectado a blogs, sites de relacionamento e de compartilhamento de fotos e vídeos. No Brasil, outros números impressionam: segundo pesquisa do Ibope, jovens brasileiros entre 15 e 19 anos ficam em média quatro horas por dia na frente do computador. Somos o país com o maior número de internautas que acessam sites de relacionamento – um em cada quatro minutos conectados é despendido em um deles –, de acordo com outra pesquisa, divulgada pelo instituto Nielsen Online. Pessoas mais jovens são maioria, mas não são exclusivas na rede. Segundo Cândido Fontana Barros, psiquiatra formado pela Universidade Federal da Bahia, as pessoas mais velhas – que natu-
ralmente têm mais dificuldade de se adaptar às novas tecnologias – também participam dessa onda, mas ganham de bônus a angústia de se acharem sempre defasadas. “Esse novo universo exige que as pessoas se adaptem a novidades com uma velocidade quase impossível. Quem tenta e não consegue sente-se diminuído e excluído.” Isso quer dizer que, se a sensação de exclusão digital para alguns é sinônimo de autoafirmação e estilo próprio de vida, para outros é fonte de ansiedade e mal-estar.
Mundo virtual
Somente quem já está fora do mercado de trabalho pode se dar ao luxo de não entrar na onda ditada pela tecnologia. De resto, muitas pessoas acabam sendo obrigadas a dispor dessas ferramentas a contragosto por causa do trabalho, da família ou dos amigos. Mas fogem dela sempre que podem e preconizam outras formas de relacionamento. “Meus amigos me criticam um bocado e, há seis meses, fui obrigado a aceitar o celular da empresa em que trabalho. Mas na minha vida pessoal ele não entra: nem minha mãe tem o número”, conta Jader Simões, gerente de infraestrutura em uma consultoria de Tecnologia. Jader é visto como um “esquisito”, mas não arre-
O instituto Nielsen Online apurou: o Brasil é o país com o maior número de internautas que acessam sites de relacionamento
trazer benefícios, como fazer supermercado sem sair de casa. Mas, na minha visão, precisa ser utilizada como uma facilidade, não como uma forma de relacionamento”, defende Jader. Orkut, Twitter, Facebook e MSN fazem parte de seu vocabulário, mas não de sua vida. “Se um amigo quer falar comigo, me liga em casa. Se não estou lá, não há por que me procurar: estou fazendo outra coisa no momento.” No mundo corporativo, comunicar-se por e-mail, em vez de ter reuniões ou conversas pessoais, já não é moda: é epidemia.
Criam-se ruídos de comunicação, além da natural frieza impressa às relações. “Um colega que tem uns 50 anos, recém-integrado à empresa em que trabalho, veio um dia se queixar da frieza com que todos se tratam por lá. Mas as pessoas não são frias, a comunicação é que é”, diz Jader. Esse gerente faz parte de uma minoria que, embora possa ter acesso a todas essas ferramentas de informação e relacionamento, recusa-se a incorporá-las à vida pessoal. É um dos poucos “corajosos” que mantêm sua decisão, apesar das for-
REGINA DE GRAMMONT
da pé de sua decisão. Em sua casa, não há banda larga. “A tecnologia potencializa a capacidade humana de produção. Tem muitas vantagens: sem ela, é necessário um esforço muito maior para atingir suas metas profissionais. Na vida pessoal também pode
BRIGAS NUNCA MAIS Brenda vivia às turras com a mãe por causa do celular sempre desligado. Agora ela deixa bilhetinhos quando sai de casa, informando local e telefone em que estará JUNHO 2009 REVISTA DO BRASIL
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ças contrárias, segundo o psiquiatra Fontana: “Tendemos a achar que todos os jovens buscam viver dentro de um universo virtual, mas há muitos que não se identificam com essa via de expressão. Mas, hoje em dia, pertencer a esse grupo é arriscar-se perder até uma paquera. Se você não tem e-mail ou celular, provavelmente não será procurado”. Quem mais sofre por estar dentro ou fora desse grupo tem entre 15 e 40 anos. Fazer par-
MAURICIO MORAIS
CACETADA NELE Sérgio é operador de uma corretora. De tanto usar telefone, pegou raiva do bicho
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te da geração seguinte, que já entrou na casa do “enta”, traz algumas vantagens: não se expõe a essa enxurrada. Quem se tornou adulto antes dessa era virtual cresceu num planeta em que a lógica ditava um início, um meio e um fim. Em tempos digitais, tudo acontece em paralelo. O próprio Bill Gates, dono da Microsoft, atesta: “Parece que o mundo opera em intervalos de cinco minutos”.
Longe do vício
“A tecnologia é uma realidade, mas não podemos mergulhar nela. Um dos motivos é a comprovação de que ela vicia principalmente os jovens – os mais velhos têm uma série de âncoras emocionais e valores que a nova geração não tem. Os adolescentes estão preenchendo seu vazio com o computador e com ferramentas que não agregam valor à sua vida”, afirma o médico gastroenterologista Alexandre Lourenço, diretor da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV). Para a enfermeira Brenda Marjorie Gregoratto Lee, uma das repercussões do mundo virtual é que a qualidade do relacionamento é trocada pela quantidade. “Tenho uma vida social rica e a certeza de que meus amigos são realmente meus amigos. Acho que o relacionamento virtual é muito superficial e dificilmente abre espaço para vínculos de amizade. Nunca deixei de fazer nada porque estou sem celular ou fora do MSN, Orkut ou outras dessas coisas”, conta. Lourenço concorda. “Quando falamos em qualidade de vida lembramos sempre de alimentação saudável, tempo para lazer, atividade física. Mas a construção de um círculo real de amizades, formado por pessoas com as quais sabemos que realmente podemos contar, também é determinante para o bem-estar de uma pessoa”, explica. “Só no contato pessoal é possível ouvir a entonação de voz, observar o brilho nos olhos do outro, sentir uma conexão emocional real. O mundo virtual priva o ser humano de tudo isso.” “Não tenho página em lugar nenhum nem me comunico por MSN. Sinceramente, não sinto a menor falta disso na minha vida”, conta a advogada Veridiana de Almeida Schwartzman. “Nunca parei para pensar por que não uso. A tecnologia inibe as pessoas de buscar o contato real. Acredito que para ter qualidade de vida é preciso equilíbrio, é preciso dar atenção para aqueles com quem se relaciona.” O professor de inglês Hélio Marques Matias prefere telefone fixo e só usa internet para realizar pesquisas. “Não acho negativo usar um pouco. O problema é a pessoa passar a noite inteira na frente de uma máquina. Como se tivesse esquecido como é importante o contato real.” Realmente, algumas pessoas esqueceram como era a vida antes do celular e da internet, ou nunca souberam. Mas outras
adotam posturas que soam até românticas. Uma das maiores fontes de “perturbação tecnológica” na vida da enfermeira Brenda eram as constantes brigas com a mãe. “Ela ficava apavorada quando tentava me achar e o celular estava sem bateria ou desligado. Quando eu chegava em casa, era briga na certa. A ponto de me fazer desistir de ter um”, conta. Como Brenda faz hoje? “Deixo bilhetinhos para ela dizendo com quem vou estar. Ela fica sossegada e, se precisa, me localiza pelo celular de outras pessoas ou na casa delas”, explica. Ela segue à risca o conselho de Alexandre Lourenço: “Precisamos ser críticos em relação ao que é significativo para nós”. O relacionamento íntimo com a máquina fez nascer novos distúrbios de saúde e também um novo dicionário de expressões. “Essas pessoas estão vivendo a era da hiperatividade, da depressão, do déficit de atenção, e cultivando patologias típicas da era digital”, avalia Cândido Fontana. Existem pessoas que não suportam desligar o celular e têm de checar o tempo inteiro se algum e-mail chegou. A indústria está espertíssima quanto a essas novas demandas: prova disso é que há cerca de dois anos foi lançado um mix de telefone com banda larga, que permite que a pessoa receba e-mails pelo celular e responda em segundos. “Deletar alguém de sua vida” ou “ver se o outro se encaixa em seu perfil” são expressões incorporadas ao vocabulário de quem usa ferramentas de relacionamento. “Parece que tudo na vida virou um eterno fluxo. Inclusive pretensas amizades”, critica o psiquiatra. Sérgio Gomes dos Santos é operador de uma corretora de valores e por isso mesmo tem horror à falta de contato humano: “Acho que, por ficar muitas horas com o telefone na orelha, acabei pegando ojeriza. Não só ao aparelho, mas ao uso”. Seu celular será devolvido assim que finalizar o prazo de um ano de fidelidade com a
Segundo pesquisa do Ibope, jovens brasileiros entre 15 e 19 anos passam em média quatro horas por dia na frente do computador
“O ESQUISITO” Jader foi obrigado pela firma a aceitar um celular. Em casa, nem banda larga tem
operadora. Para ele, o Orkut é o fim do mundo. “Não parece insano dar um monte de informações pessoais para quem você nem conhece?”, pergunta. Essa foi, certa vez, a razão de uma longa briga com uma ex-namorada. “Ela morava em outra cidade e vivia se expondo lá. Um dia avisei: ou o Orkut, ou eu!”, conta, rindo. “A tecnologia ajudou a piorar o mundo com esse volume de informações que não somos capazes de processar. E também tem esse poder de potencializar o mau – basta ver esses grupos de pedofilia e outros horrores.” Os amigos muitas vezes o chamam de arcaico e antissocial. “Admito: já perdi um monte de festas e eventos por não abrir diariamente o hotmail.”
REGINA DE GRAMMONT
Deletar o perfil
Negar-se a estar na onda exige, de fato, coragem, boa autoestima e a afirmação constante de seus valores. Os excluídos por opção são unânimes ao dizer que relacionamentos são construídos no face a face. Que qualidade no relacionamento é o inverso de quantidade. Que têm certeza de que seu círculo de amigos é real e sólido. E que a tecnologia pode ajudar em muitos aspectos, mas passa longe de ser um amplificador de contatos humanos – ao contrário, tem o terrível poder de banalizá-los quando mal empregada. Seja como for, em todos os movimentos importantes da humanidade sempre existiu um grupo de resistência. Tudo indica que são esses excluídos digitais os representantes dessa geração. JUNHO 2009 REVISTA DO BRASIL
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CIDADANIA
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e longe já se avistam as tendas de lona laranja, enfeitadas com panos coloridos, em meio a tufos de mato. No acampamento cigano próximo à estação de trem de Itaquaquecetuba, São Paulo, vivem cerca de cem pessoas. Não há água encanada nem banheiros. As necessidades são feitas atrás de uma construção abandonada. Crianças correm entre as tendas e mulheres sentadas no chão de terra conversam. Acabam de voltar do centro da cidade, onde foram tentar ler a sorte de quem aceitasse o serviço. Sorriem com dentes encapados de ouro, mas segundo Elizete de Moraes, mulher do chefe do acampamento, o dinheiro é pouco. “Dá para levantar uns R$ 25 por dia. É difícil. As pessoas têm medo da gente.” A pouco mais de uma hora dali, Yáskara Guelpa, com feições e roupas indianas, vive numa ampla casa no bairro do Brooklin, de classe média-alta. Na espaçosa sala, panos indianos forram o teto e as paredes, ao lado de quadros de deuses hindus e santos – como a Santa Sara Kali, protetora para muitos ciganos. Filha de indianos, Yáskara é jornalista, feminista e muçulmana. Como muitos ciganos no país, nunca foi nômade e é realizada profissionalmente – foi diretora de uma grande revista feminina. Embora transmita aos filhos, netos e bisnetos a tradição herdada dos pais, não sai por aí dizendo que é cigana. O preconceito sempre fez parte da vida dessas duas mulheres. Elas compõem uma das minorias mais marginalizadas do Brasil. Apesar de viverem no país há quase 500 anos, muitos ciganos mantiveram-se à parte da sociedade, com língua própria, vida nômade e costumes nunca compreendidos pelos “gadjôs”, os não ciganos. Falar mal ou desconfiar deles é absolutamente comum. A reportagem saiu à rua para perguntar o que as pessoas achavam deles. “Ladrões”, “vagabundos” e “aproveitadores” foram as respostas mais usadas. Mio Vacite, famoso músico do Rio de Janeiro (sua história foi contada na novela Explode Coração, de 1995), passou grande parte da vida brigando para mudar a definição de “cigano” nos dicionários: “boêmios; astutos, velhacos, trapaceiros”, eram sinônimos que constavam do Aurélio. A generalização evidencia a ignorância sobre essa comunidade tão heterogênea. Existem três clãs no Brasil, cada qual com 42
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À MARGEM DA MARGEM Por resistência das próprias comunidades e por falta de políticas públicas, a identidade cultural das populações ciganas sofre com o preconceito, a desinformação e até o risco de extinção Por Natalia Viana
sua história e língua particulares. Os ciganos Calon, de origem ibérica, aportaram aqui expulsos como bandidos de Portugal, na época colonial, e ainda vivem em barracas e mantêm o estilo de vida nômade. Os Rom e os Sinti, vindos da Europa Central e do Leste, chegaram no início do século passado, integraram-se à sociedade e hoje são ricos comerciantes, advogados, acadêmicos. Mas não importa a classe social, o estigma atinge a todos. “Dizem que nós roubamos galinha, roupa de varal, bujão de gás e crianças”, resume Cláudio Iovanovitch, de uma rica família de comerciantes em Curitiba. “Só não lesamos o erário, isso fica por conta de outras etnias”, brinca o ativista, presidente da Associação de Preservação da Cultura Cigana do Paraná.
FOTOS PAULO PEPE
Nomadismo e rolos
A discriminação prejudica ainda mais os ciganos nômades, os Calon. É difícil arrumar terreno para montar acampamento, e muitas famílias seguem sendo expulsas de cidade em cidade como na época colonial. “Você arma a barraca todinha e de um dia pro outro tem de tirar e ir embora. Chega o pessoal da prefeitura e diz que não pode ficar”, conta Claudinei Pereira, do acampamento de Itaquaquecetuba. O estigma é ainda mais reforçado porque, na falta de alternativas, alguns acabam sendo empurrados para a ilegalidade para conseguir dinheiro. O chefe do acampamento, Euclides Ferreira, conta como os homens levantam algum trocado: “Vivemos de rolo: vender carro, trocar, a gente compra mercadoria para revender do Paraguai...”. Existem no Brasil milhares de acampamentos como esse. A maioria não tem infraestrutura nem recebe visita de agentes de
A LONA COMO TETO Luana recolhe do varal os panos coloridos que enfeitam sua tenda no acampamento de Itaquaquecetuba
DICIONÁRIO Nicholas Ramanush, do clã Sinti, traduziu para o português a língua sintó
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saúde ou assistente social. A Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) estima que 90% sejam analfabetos. Em Itaquaquecetuba, a maioria das crianças nunca foi à escola, nem seus pais. Claudinei teve de brigar por uma vaga para o filho de 8 anos. Diferentemente da maioria dos ciganos nômades, ele quer que os filhos estudem, tenham carteira de motorista, possam chegar num lugar e se virar sem ter de perguntar que ônibus é esse ou que placa é aquela. Por falta de certidão de nascimento, não podem ter carteira de identidade ou de motorista, votar, entrar na fila da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) nem se alistar no programa Bolsa Família. “Muitas vezes o cigano só ganha certidão de nascimento quando morre. Há séculos os ciganos nascem, vivem e morrem às próprias custas e risco”, explica Cláudio Iovanovitch. Muitas vezes, o Estado só chega em forma de polícia. O padre Jorge Pieron, da Pastoral dos Nômades, diz que as visitas são frequentes e muitas vezes agressivas. “A polícia não reconhece que a barraca é o lar do cigano e, portanto, inviolável segundo a lei brasileira”, conta ele, que já morou em acampamentos em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. “Muitas vezes eu preciso agir para evitar prisões arbitrárias.”
Políticas públicas
Acabar com esse círculo vicioso é ainda mais complicado pela total falta de informação por parte do poder público. Nunca foi feito um levantamento oficial sobre quantos são os ciganos ou como vivem. O IBGE jamais incluiu a categoria nos seus levantamentos. Nem mesmo as organizações ciganas têm números confiáveis: as estimativas variam de 250 mil a 1 milhão de indivíduos no país. “É uma falha nossa”, admite o subsecretário de Promoção dos Direitos Humanos da SEDH, Perly Cipriano. Para Yáskara Guelpa, que representa a etnia na Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, a desinformação leva à discriminação nos serviços essenciais. “Os profissionais de saúde não sabem quem somos, alguns têm preconceito e outros um romantismo estereotipado”, diz. Em 2002, demandas dessa população começaram a ser incorporadas ao Plano Nacional de Direitos Humanos. Recentemente, alguns avanços têm ocorrido. Em 2006,
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o 24 de maio, dia de Santa Sara Kali, tornou-se Dia Nacional dos Ciganos. No ano passado, o Prêmio Culturas Ciganas, do Ministério da Cultura, ofereceu R$ 10 mil a 20 projetos de resgate e valorização dessa cultura. E foi lançada a Cartilha Nacional dos Direitos Ciganos. Elaborada pela advogada cigana Mirian Stanescon, representante dos ciganos no Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, a publicação conta um pouco da história do povo no Brasil e lista direitos e reivindicações do movimento. Desde o lançamento, a cartilha vem sendo divulgada em comunidades em todo o país, em um projeto liderado pelo Centro de Referência dos Direitos dos Povos Ciganos, parceria da SEDH com a Pastoral dos Nômades, que oferece assessoria jurídica à comunidade. Outros ministérios acompanham a caravana para divulgar políticas voltadas ao povo cigano. “Queremos resgatar sua autoestima. É a primeira vez que o governo escuta os ciganos”, conta Mirian Stanescon. “A proposta é combater o preconceito que existe entre as autoridades”, explica o padre Wallace Zanon, coordenador do Centro de Referência. Mas muitas políticas anunciadas pelo governo – como um projeto educacional voltado para a etnia e inclusão do grupo no cadastro nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) – ainda não andaram. Segundo o Ministério da Saúde, o processo está parado porque o cartão do SUS está sendo reestruturado. Mesmo assim, alerta o Ministério, é inconstitucional negar atendimento hospitalar a ciganos, mesmo sem documentos. Por isso, um dos focos desses encontros tem sido levar informação aos municípios, para que atendam os ciganos e disponibilizem terrenos com infraestrutura para eles. Mas as conversas são apenas informais. “Não temos autonomia para exigir nada deles”, diz Perly Cipriano, da SEDH. Cláudio Iovanovitch se diz cético: “O governo brasileiro está inadimplente com a nação cigana. Aquele ciganinho debaixo da tenda, por mais paupérrimo que seja, gera impostos sobre tudo o que consome, mas por enquanto não existe ainda nenhuma política pública em prol desse segmento”. Padre Wallace reconhece as boas intenções,
CARTILHA Mirian Stanescon colocou no papel os direitos ciganos
FOTOS LUCIANA WHITAKER
SANTA CIGANA Nadjarah Sallen, do clã Calon, reza para Santa Sara Kali na gruta do parque Garota de Ipanema
mas reclama da falta de ações concretas. “Enquanto isso não acontecer, os ciganos continuarão comemorando o seu dia nacional na condição de povo invisível, à margem da margem da sociedade.”
Cultura em extinção?
Os primeiros ciganos chegaram ao Brasil degredados de Portugal entre os séculos 16 e 18, para livrar a metrópole desse povo de “escandaloso procedimento”, nas palavras de dom João V. Aqui recebiam um tratamento cruel, que só mudou em 1808. Com a chegada da corte, passaram a ser vistos com romantismo e sua cultura foi valorizada. Muitos enriqueceram, em especial com o comércio de escravos; mas com a Abolição perderam tudo. No começo do século 20 ocorreu a segunda grande imigração. Os Rom, vindos do Leste Europeu, acabaram sendo incluídos na sociedade, embora até hoje vivam com discrição. No livro A História dos Ciganos no Brasil, o historiador Rodrigo Corrêa Teixeira observa que eles historicamente aparecem como “incivilizáveis”
e “inúteis”. Livrar-se deles fazia parte do projeto de construção da identidade nacional. Um dos problemas que hoje preocupam a comunidade cigana é a perda da identidade cultural. Até por conta da discriminação, muitos grupos têm perdido o conhecimento da língua, danças e costumes. “Meu povo está em extinção”, sentencia Cláudio Iovanovitch, da Associação de
Preservação da Cultura Cigana do Paraná. Iniciativas de se organizar e reivindicar políticas públicas que preservem sua identidade esbarram muitas vezes nos próprios ciganos, que permanecem como comunidade fechada e dividida. Muitos se negam a ensinar a sua língua (que é ágrafa, ou seja, não tem escrita) para não ciganos. O linguista Fábio Dantas de Mello teve de convencer ciganos Calon da cidade de Mambaí (MG) para poder fazer sua pesquisa. As gerações mais jovens estavam perdendo palavras do seu idioma, usando-as mescladas ao português. Fábio elaborou uma lista temática de palavras-chave com sua devida tradução para publicar em livro, mas não o fez a pedido dos ciganos. O antropólogo Nicholas Ramanush, cigano do clã Sinti, está prestes a lançar o primeiro dicionário da sua língua, o sintó. “A língua está se perdendo porque nunca foi escrita”, acredita. Para ele, os ciganos deveriam abrir sua cultura para poder preservá-la. Ao mesmo tempo, deveriam estar mais abertos à cultura e educação não ciganas. Sua ONG, Embaixada Cigana do Brasil, promove alfabetização voluntária no acampamento de Itaquaquecetuba. Outras tradições ciganas destoam cada vez mais em tempos modernos, como o machismo, presente ainda em algumas famílias, e os casamentos arranjados entre adolescentes. O músico Mio Vacite admite ser conservador: “É uma questão de preservação da etnia. Se você deixa a menina chegar aos 20, 21 anos, ela pode se apaixonar por outro rapaz cigano ou não cigano, o que é pior ainda. Qual é a função da mulher? É seguir os costumes do marido. Então vai ser mais uma ovelhinha fora do rebanho”.
Saindo da lona “Tem lugares em que não dá pra falar. Não posso arriscar o emprego”, diz Adriana Sbano. Cigana do clã Kalderash, professora de circo e integrante de uma tradicional família circense, ela prefere esconder sua origem nos colégios de classe alta em que leciona. Benedito Sbano, o palhaço Picoli, pai de Adriana, conta que muitas famílias circenses no Brasil são ciganas, mas não falam por medo de discriminação. A história está repleta de personalidades cuja origem cigana permanece desconhecida – como a poeta Cecília Meirelles, o palhaço Carequinha e o violinista Guerra Peixe. O caso mais ilustre foi o presidente Juscelino Kubitschek. De origem austro-húngara, seu bisavô foi um dos primeiros ciganos Rom a chegar ao país. Mais recentemente, alguns têm assumido sua etnia. Entre eles, o músico Wagner Tiso, o comediante Dedé Santana e a atriz Maria Rosa. “Tem alunos que acham maravilhoso, outros ficam surpresos. Seria um crime negar minha origem e não defender o povo cigano com unhas e dentes”, diz Dantas da Cruz, professor do Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA).
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VIAGEM Porto antigo de Gdansk
Sob o céu de Copérnico
S
e a Polônia é uma terra de sobreviventes, a cidade portuária de Gdansk é uma boa porta de entrada. A poucos minutos de caminhada da estação de trens há uma praça dedicada ao movimento Solidariedade e aos trabalhadores que morreram em confrontos com a polícia, nos anos 1970. Ali perto, a exposição Estradas para a Liberdade mostra em detalhes o que livros de História não contam. No centro histórico, a gigantesca Kościół Mariacki (Igreja de Nossa Senhora) resistiu graças às reconstruções do pós-guerra. O relógio astronômico, restaurado, indica hora, mês, ano, fase da lua, signos do zodíaco e o santo do dia, como em 1470. No museu, pinturas e esculturas dividem espaço com fotos devastadoras da Segunda Guerra, retratos fiéisdas cinzas das quais o país se reergueu.
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Suécia
Rússia Lituânia
Gdansk
França
Polônia Alemanha Rep. Tcheca Eslováquia Áustria
Belarus Ucrânia
A Polônia, de traços medievais e capitalismo tardio, tem uma história repleta de episódios de opressão e um povo que protege como poucos seu patrimônio histórico, sua cultura e sua aura de dignidade Texto e fotos de Giovana Zilli Começar uma visita por Gdansk não é comum. É em cidades maiores e mais conhecidas – como a capital Varsóvia e a importante Cracóvia – que as coisas acontecem. Mas há voos lotados e filas de espera que vêm para o bem. Foi assim que cheguei a Gdansk e, de lá, embarquei num trem para Torun, cidade de Nicolau Copérnico. Ali a presença do Rio Vístula – que corta todo o país – é discreta. O museu Kopernika, a poucos metros da margem, foi a casa onde, em 1473, nasceu o astrônomo, autor da teoria heliocêntrica, segundo a qual a Terra girava em torno do Sol, só publicada após sua morte, em 1543. Desde tempos medievais, a pequena Torun é também famosa pelos biscoitos de gengibre. No centro antigo, a enorme edificação da prefeitura domina a praça com seus tijolos vermelhos, estátua de Copérnico à frente. De Torun segui para Poznan, uma das cida-
des mais antigas e coloridas da Polônia, onde todos os dias visitantes reúnem-se em frente ao museu para ver os bodes de lata colidindo a cabeça 12 vezes para anunciar o meio-dia. Diz a lenda que no dia da inauguração do relógio da torre o cozinheiro deixou queimar a carne do banquete. Então roubou bodes nas vizinhanças para assar, mas eles escaparam e começaram a bater a cabeça na praça. Acabaram por se tornar o centro da festa daquele dia de 1551, virando monumento junto com o relógio. Poznan é exemplo incrível de reconstrução da cultura polonesa. Seu centro histórico recebeu extrema atenção dos restauradores. Prédios medievais bem-preservados abrigam cafés, bares e restaurantes. Apesar de crescer a popularidade da cerveja, a vodca – pura, como manda o costume, ou com suco de frutas – ainda é preferência nacional.
Centro histórico de Poznan
Prédio da prefeitura de Torun e a estátua de Copérnico
seus emigrados sobre os novos empregos que estariam sendo gerados. Mas em bares, hotéis ou na construção civil da Inglaterra, Irlanda ou Escócia os poloneses ganhavam cinco vezes mais do que em sua terra. A volta para casa começou a se intensificar neste ano, devido ao desemprego nos países ricos. Estima-se que mais da metade dos que haviam mudado para o Reino Unido tenha retornado. Mas não sem antes deixar como herança um pouco da sua cultura. Há vestígios dela no revigoramento do catolicismo, em itens incorporados às prateleiras dos supermercados e na súbita admiração pela energia perseverante, típica dos sobreviventes.
Em 1795, a Polônia foi tomada pelos vizinhos Prússia, Áustria e Rússia. Apesar da resistência de seu povo, armado de foices contra os exércitos, foi dividida entre os invasores. A independência viria em 1918, depois da Primeira Guerra, por pouco tempo. Em 1939, o país foi invadido pelas tropas de Hitler. Quase um quinto de sua população foi dizimado durante a Segunda Guerra. Até então, a Polônia tinha a maior comunidade judaica da Europa. Após a Guerra, o país passou a compor o bloco liderado pela ex-União Soviética. E seria o primeiro a colocálo na berlinda, em 1970, quando a repressão do governo a um protesto de trabalhadores contra a carestia deixou 44 mortos e mais de mil feridos em Gdansk. O ano novo seguinte começou com uma greve que se espalhou por toda a região norte do país. A pressão foi tanta que os preços baixaram, o Partido Comunista trocou de comando e abriu diálogo com os trabalhadores. A rejeição dos poloneses ao modelo totalitário stalinista acabaria sendo um dos pontos de partida para a derrocada do regime. Os polacos sempre foram fiéis às suas tradições e aos ideais de liberdade. Hoje o catolicismo é a religião de 90% da população. A Igreja preservou sua forte influência por ter se alinhado à identidade cultural do país. Não foi à toa que, em 1978, o Vaticano nomeou Karol Wojtyla seu primeiro papa não-italiano em 450 anos. A visita de João Paulo II a sua terra natal no ano seguinte mexeu com a autoestima nacional e serviu de estopim à mobilização que colocaria Gdansk, o eletricista Lech Walesa e o sindicato Solidariedade na mídia mundial. O inédito movimento não comunista rompeu as fronteiras e as estruturas do regime. Com a queda do Muro de Berlim e o enfraquecimento do comunismo, em 1990 os poloneses foram às urnas pela primeira vez para eleger Walesa. Mas seus cinco anos de governo foram decepcionantes e o Solidariedade perdeu expressão.
MUSEU DE GDANSK
A base da maioria dos pratos tradicionais é carne vermelha frita ou assada, com muito molho. Entre os favoritos: flackzi (tipo de buchada com vegetais e pimenta), golabki (folhas de repolho enroladas com carne moída) e golonka (pernil de porco com raiz-forte). Com o ingresso da Polônia na União Europeia, em 2004, o turismo aumentou e ajudou a economia. Mas não o bastante. Atrás de melhores salários, mais de 600 mil polacos haviam deixado o país em direção ao Reino Unido. A ponto de faltar mão-de-obra para as indústrias que começaram a se instalar ali em busca de custos mais baixos de produção. O governo polonês chegou a fazer campanha nos países britânicos para convencer
País sobrevivente
Gdansk pós-Segunda Guerra
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CurtaEssaDica
Por Xandra Stefanel (xandra@revistadobrasil.net)
Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar.
John Lennon by brazucas O selo Discobertas acaba de lançar o sexto volume da série Letra e Música, com canções de John Lennon interpretadas por nomes conhecidos da MPB e outros nem tanto. Os destaques vão para as regravações de My Life por Leila Pinheiro e Jealous Guy por Zé Ramalho. Mas tem também Rita Lee com In My Life e a incrível Norwegian Wood com Milton Nascimento, e participação especial de Beto Guedes e Som Imaginário, além de Titãs, Verônica Sabino, Ira!, Ivan Lins, Wilson das Neves e Demônios da Garoa, que levam o clássico Help. Em março, foi lançada a edição de Bob Dylan com Caetano Veloso em Jokerman, Gal Costa com Negro Amor (It’s All Over Now, Baby Blue), além de Ruy Maurity, que abre o disco com Batismo dos Bichos, versão para Man Gave Names to All The Animals. E, claro, como não poderia faltar, Knocking on Heaven’s Door, interpretada por Evandro Mesquita. A revelação do momento Mallu Magalhães também entrou na onda com uma interessante versão ao vivo para It Ain’t Me Baby.
Nos mesmos moldes, já saíram regravações de Paul McCartney, George Harrison, George Gershwin e Renato Russo, sempre com interpretações de grandes nomes da música brasileira e de novos talentos. Já estão no forno as edições de Gonzaguinha e Zé Ramalho. Vale a pena conferir também o Álbum Branco que Discobertas lançou em 2008 em comemoração aos 40 anos do disco homônimo que marcou a história dos Beatles. As 30 canções do álbum original foram regravadas, todas em inglês, para o alívio daqueles que não gostam de versões. Zé Ramalho gravou Dear Prudence, o grupo de rock Cachorro Grande ficou com Glass Onion, Sylvinha Araújo, que morreu no ano passado, cedeu sua voz para Blackbird, Twiggy & Andreas Kisser’s Lostapes para Piggies, Patu Fu para Birthday e Flávio Venturini & Aggeu Marques cantaram Honey Pie. As coleções foram organizadas pelo pesquisador musical Marcelo Fróes, criador do selo.
Por onde começar Nomes familiares aos leitores da Revista do Brasil aparecem em diferentes lançamentos da Boitempo e da Limiar. Ao lado de Og Doria, o colaborador Flávio Aguiar organizou a coletânea A Escola e a Letra (Boitempo). São contos, crônicas, trechos de romances e memórias em que os mais importantes escritores brasileiros, como Machado, Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Jorge Amado, Graciliano, Verissimo, Rubem Braga, Clarice Lispector, Rubem Fonseca, Vinicius de Moraes, Moacyr Scliar, João Ubaldo, entre outros, mostram como seus processos de aprendizagem marcaram suas obras. A psicanalista Maria Rita Kehl,
entrevistada pela RdB de maio do ano passado, quando abordou temas como a depressão e a relação das pessoas com o tempo, aprofunda esses assuntos no livro O Tempo e o Cão, a Atualidade das Depressões (Boitempo). Maria Rita escreve com sabor não apenas para o público da psicanálise, mas para todos que procuram leitura diferenciada do comportamento humano. E em João do
Rio, 45 (Limiar), Mouzar Benedito conta as aventuras de um grupo de amigos que dividem casa no endereço que dá título ao livro, na Vila Madalena, em São Paulo. Os “causos” são regados a bagunça de república, porralouquice dos anos 1980, e divergentes opiniões políticas de seus frequentadores, que só encontravam consenso na preferência pelas garotas da Libelu.
Você curte mais dicas em www.redebrasilatual.com.br/multimidia/blogs/curta-essa-dica 48
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Libertários Depois de três filmes rodados em Londres (Match Point, Scoop e O Sonho de Cassandra), Woody Allen partiu para Barcelona. Há bem mais que um belo cenário em Vicky Cristina Barcelona, o divertido rebuliço amoroso entre Scarlett Johansson, Rebecca Hall, Javier Bardem e Penélope Cruz, lançado em DVD. Vicky, que está prestes a se casar, e Cristina desembarcam de férias na capital da Catalunha e se apaixonam pelo excêntrico pintor Juan Antonio. Vicky tenta resistir, mas a amiga acaba vivendo um romance a três, com o pintor e sua desequilibrada ex-mulher, papel que rendeu um Oscar a Penélope Cruz.
Penélope Cruz, Javier Bardem e Scarlett Johansson, em Vicky Cristina Barcelona
Sexo, drogas e cana O alemão Rodger Klingler nem havia experimentado drogas na sua terra natal, mas encantou-se com o universo do tráfico e da prostituição que ronda Copacabana, no Rio de Janeiro. Com a possibilidade de lucrar alto com a venda da cocaína em seu país, Klingler costurou contatos no Rio para comprar a droga em reais e vender em marcos. Em sua terceira visita à Cidade Maravilhosa – e na primeira tentativa de tráfico – foi preso no aeroporto com um quilo de coca costurada no casaco e amargou quatro anos em presídios cariocas. O bom português e o estilo malandro que adota o safam várias vezes da morte. A história virou livro, Memórias do Submundo (Ed. Best Seller), fotografia bem atual da realidade carcerária e também de companheirismo pela sobrevivência.
Fernanda Torres, em Jogo de Cena
Mulheres reais. Ou não O que é real e o que é mentira? No filme Jogo de Cena, o cineasta Eduardo Coutinho explora os limites entre a entrevista e a interpretação com mulheres ilustres (como Fernanda Torres, Marília Pêra e Andréa Beltrão) e desconhecidas, que falam sobre a própria vida. Atendendo a um anúncio de jornal feito pelo cineasta, 83 mulheres deram depoimentos em um estúdio montado num teatro e 23 delas foram selecionadas e filmadas em junho de 2006. Depois, atrizes interpretaram algumas das histórias. O filme reúne emocionantes depoimentos e, exceto quando se trata das atrizes famosas, o espectador não consegue distinguir quando o relato é real e quando é interpretado. Disponível em DVD.
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Crônica
Por José Roberto Torero
Ecoludopédicos, unamo-nos! Nossa obrigação é bater palmas a cada lançamento em profundidade e potentes vaias aos ineficazes toquinhos de lado
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José Roberto Torero é escritor, roteirista de cinema e TV e blogueiro (blogdotorero. blog.uol. com.br)
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onservacionista leitor, conservada leitora, recentemente saiu uma lista com vários animais em perigo de extinção no Brasil. Lá estão a onça pintada, o peixe-boi, o cardeal-da-amazônia (algumas freiras também andam desaparecendo por lá), a arara-azul e o tucano-do-bico-preto. Mas os ecologistas esqueceram de acrescentar um animal muito importante, que é conhecido pelo nome científico de Armadorius lançantivus, e vulgarmente chamado de lançador-de-queixo-erguido. Os Armadorius lançantivus eram abundantes no passado. Podiam ser encontrados de norte a sul do Brasil e, mesmo em outros países, não era rara a sua presença. Porém, com o aumento populacional de seu principal predador, o Volantis assassinus, o Armadorius começou a desaparecer e muitos sofreram mutações genéticas, transformando-se em reles Armandinhus enceradeirus. O habitat natural do lançador-de-queixo-erguido é o meio-campo. Ele vivia solto ali pelo círculo central, apenas esperando uma bola para fazer o que mais gosta: o passe em profundidade. A bola voava por 30, 40, ou mesmo 50 metros, até pousar na frente de um atacante, muitas vezes o Pontinhus dribladorius, animal já totalmente extinto. Só quem já viu pode descrever como o Armadorius lançantivus dava uma breve olhada ao seu redor e chutava a bola de modo que ela descrevesse um majestoso arco até a meia-cancha adversária. Diz-se que era algo tão admirável quanto presenciar um urso panda brincando entre os galhos de uma árvore frondosa. Mas, hoje em dia, isso já não acontece. O círculo central foi invadido por animais peçonhentos, aumentando em muito a densidade demográfica daquela região, fato extremamente nocivo ao lançador-de-queixo-erguido, que precisa de espaço para exercer seu modus vivendi. Alguns desses espécimes ganharam reconhecimento individual e foram idolatrados pelos admiradores da
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raça. É o caso do espigado Didi, tão altivo que parecia incapaz de se curvar, de Gérson, que tinha poucos pelos no topo da cabeça, de Rivellino, que possuía uma vistosa penugem sob o nariz, de Aílton Lira, que vivia à beira-mar, de Dicá, que habitava as campinas do interior de São Paulo, e de Pedro Rocha, que migrou do sul do continente para terras brasileiras. Mas a caça impiedosa, muitas vezes ilegal e raramente punida com cartão vermelho, diminuiu perigosamente o número de exemplares dessa alimária. E, para piorar, os lançadores-de-queixo-erguido não se reproduzem com facilidade. Há, claro, alguns animais por aí, mas sem a exuberância de seus antepassados, numa clara demonstração de degradação genética. Agora, eu vos pergunto: há uma solução para esse problema? E eu vos respondo: sim, há quatro soluções. A primeira coisa a fazer é coibir violentamente a caça ao Armadorius lançantivus. A segunda é combater seu predador natural, o Volantis assassinus. A terceira é transformar os clubes em reservas ambientais onde os lançadoresde-queixo-erguido possam se desenvolver completamente. E a quarta é que o próprio animal sofra mutações que o adaptem às novas condições de seu habitat. Ele deve se tornar mais rápido e buscar outros espaços no campo, não apenas o círculo central e suas imediações. Até mesmo nós, como amantes da natureza ludopédica, podemos ajudar na preservação. Nossa obrigação é bater palmas a cada lançamento correto (os Armadorius sofrem de profunda carência afetiva) e emitir potentes vaias aos ineficazes toquinhos de lado. Enfim, caros irmãos ecoludopédicos, do mesmo modo que o mico-leão-dourado saiu da lista de animais em perigo de extinção, o lançador-de-queixo-erguido também pode sobreviver. Depende de nós, depende de todos. Ecoludopédicos, unamo-nos!
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Existe uma data para promover a diversidade cultural. E um banco: o Banco do Brasil. 8 de junho. Dia Mundial da Diversidade Cultural.
Texto conforme novo acordo ortográfico.
Esse dia faz a diferença.
Os Centros Culturais Banco do Brasil, além de estimularem e facilitarem o acesso à cultura, contribuem para programas como o Arca das Letras, que promove o acesso à leitura em comunidades rurais por meio da instalação de minibibliotecas em forma de arcas. Faz diferença ter um banco que apoia a diversidade cultural.
Ailton Junior, filho dos funcionários BB Ailton Saraiva e Kátia Vilhena, AP.
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