Revista do Brasil nº 048

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ALCEU VALENÇA Louco pela cultura nordestina, ele inventa o cinema de cordel

PROJETOS EM JOGO

nº 48

junho/2010

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Assembleia no Pacaembu aprovou pauta para o futuro governo

I SSN 1981-4283

428008

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Centrais sindicais dizem o que querem do Brasil pós-Lula

R$ 5,00

OUTRA FARRA A crise na Europa e a onda de ajuda “humanitária” para salvar os bancos


Todo dia, a notícia sob um novo olhar. E estamos apenas começando.

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Informação que transforma


Editorial

Capa 8 Projeto de Brasil pós-Lula aponta para unidade rara entre as centrais Economia 14 O professor Meirelles manda o time para a retranca: freio da economia Crise 18 Socorro financeiro à Grécia tem como objetivo salvar bancos e credores Internet 20 Plano Nacional de Banda Larga chega para suprir omissão das teles Entrevista 24 Engenheiro alerta: saneamento básico tem de ser política de Estado Mundo 28 Na África do Sul, órfãos do apartheid sonham com país só para brancos Cidadania 30 A tentativa de regenerar Urso Branco, presídio de RO marcado pela barbárie Cultura 34 Especulação em Cabo de Santo Agostinho (PE) ameaça festa popular Perfil 36 Alceu Valença, de forrozeiro elétrico a cineasta, e o cordel feito para as telas

ANTONIO SEMERARO RITO CARDOSO/DIVULGAÇÃO

Palmeiras imperiais no Portal das Belas Artes

Viagem 44 O Jardim Botânico do Rio alia arte e ciência à sua vocação turística SEÇÕES Cartas

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Ponto de Vista

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Na Rede

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Atitude

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Crônica

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Curta Essa Dica

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RICARDO STUCKERT/PR

Índice

Lula e o presidente do Irã: a elite brasileira perdeu a medida do respeito e do entreguismo

Desarmar as bombas

O

acordo costurado por Lula entre Irã e Turquia, sobre o fornecimento de combustível nuclear, alinhou a mídia brasileira aos objetivos do Departamento de Estado norte-americano, chefiado por Hillary Clinton: na medida do possível, desqualificar e desacreditar o acordo; e, se contra os fatos faltarem argumentos, desinformar e confundir. Para sepultar o noticiário, leia-se o editorial de Mino Carta na revista Carta Capital nº 597, citando Raymundo Faoro: “A elite brasileira é entreguista”, resume. “Em país nenhum do mundo democrático um presidente disposto a buscar o caminho da paz não contaria, ao menos, com o respeito da mídia.” Mas tão importante como a discussão da energia nuclear e seu uso bélico é o desarmamento de uma outra bomba: a farra dos fluxos de capitais e a nuvem da especulação que paira sobre o planeta. A propósito, ao passar por Madri, Lula cobrou das nações ricas o fim dos paraísos fiscais – repetindo o alerta feito no ano passado, em plena Suíça. Uma voz o acompanha, a do francês Nicolas Sarkozy, que em reunião do G-20, em Londres, afirmou que depois da crise de 2008 a “era do sigilo bancário acabou”. O presidente do BC alemão, ao abordar os efeitos da ajuda à Grécia, apontou para o caminho da regulamentação do fluxo de capitais e para o fim das operações “a descoberto”, transações que só o sistema bancário conhece. No Brasil, somente quando a corda da crise de 2008 arrebentou descobriu-se um pouco do potencial destruidor da indústria dos “derivativos”, operações em dólar entre instituições financeiras alheias ao controle de autoridades. No Uruguai, tido como paraíso fiscal onde se abrigam U$ 3,8 bilhões estrangeiros, o governo enviou projeto de lei que facilita a quebra do sigilo. Nos Estados Unidos, o Congresso deve concluir em julho a votação dos projetos que aumentam a regulação do sistema. Ameaçadora como a radioatividade, a combinação de paraísos fiscais (onde se hospedam lado a lado fortunas de magnatas, corporações e do crime organizado) com a libertinagem dos capitais forma um pavio curto, detonador de crises e falências, de pessoas, empresas e países. As consequências: ano sim, outro também, Estados nacionais são “obrigados” a estender a bancos e empresas uma mão que poderia permitir a reconstrução de alguns Haitis, ou proteger 1,5 bilhão de habitantes do mundo vulneráveis às artilharias da fome, da sede e da miséria. JUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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Cartas Informação que transforma Núcleo de planejamento editorial Cláudia Motta, Daniel Reis, José Eduardo Souza, Lílian Parise, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Assistente editorial Xandra Stefanel Redação Anselmo Massad, Cida de Oliveira, Fábio M. Michel, Jéssica Santos, João Peres, Ricardo Negrão, Suzana Vier, Vitor Nuzzi e Júlia Lima (arte) Revisão Márcia Melo Capa Foto de Jailton Garcia Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3241-0008 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328-8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3241-0008 Claudia Aranda, Carla Gallani e Paulo Rogério Cavalcante Alves Impressão Bangraf (11) 2940-6400 Simetal (11) 4341-5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares

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Conselho diretivo Adi dos Santos Leite, Admirson Medeiros Ferro Jr., Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Antonio de Lisboa Vale, Arilson da Silva, Artur Henrique da Silva Santos, Benedito Augusto de Oliveira, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Edgar da Cunha Generoso, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Hélio Rodrigues de Andrade, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco Garcia, José Carlos Bortolato, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Maria Rita Serrano, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto Salvador, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Sérgio Goiana, Sérgio Luis Carlos da Cunha, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Sérgio Nobre Diretores financeiros Ivone Maria da Silva Teonílio Monteiro da Costa

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REVISTA DO BRASIL JUNHO 2010

Belo Monte 1 Mauro Santayana me deixa extasiada a cada artigo que escreve. E o que acabei de ler na edição 47, com o título “Belo Monte e a soberania”, é fantástico. Eu pensava que essa “coisa” de internacionalização da Amazônia fosse assunto recente, mas Arthur Bernardes, presidente no período de 1922-1926, ajudou a resistir a tal descalabro. A expressão “presença atrevida”, menção aos estrangeiros, merece aplausos. Não posso negar que há uma parcela de culpa dos nossos governantes e nossa, mas a petulância deles não tem limites. Outra expressão que não pode escapar ao orgulho nacional: “Ao tomar a decisão de construir a usina Lula reafirma a soberania de maneira firme”. Obrigada, Santayana. Cacilda Monteiro Gomes, Macaé (RJ) Belo Monte 2 Lamentável o artigo “Belo Monte e a soberania”. Talvez o mais grave seja tentar forçar a barra para parecer que só estrangeiros se levantam contra a usina, ignorando-se o Painel de Especialistas brasileiros que atestou sua inviabilidade. O Painel é composto por um grupo de 40 cientistas de renomadas instituições. Outro dado pouco abordado na questão: a energia gerada por Belo Monte não tem como objetivo abastecer os tais “25 milhões de brasileiros” sempre citados para justificar as agressões. O grande objetivo é ter energia para produção de alumínio, pois a bauxita é abundante na região. Santayana, ao afirmar que ali “não há cultura indígena”, mostra que provavelmente nunca passou perto de Altamira. Danilo Pretti Di Giorgi, São Paulo (SP) Liberdade Custa entender por que grande parte das “zelites”, mídia e setores poderosos teme uma possível vitória da sucessora do atual presidente. Há liberdade de expressão em nosso país. O que falta aos responsáveis pelos noticiários é evitar a espetacularização dos acontecimentos. Moacir Pereira da Costa, Rio de Janeiro (RJ)

Fator Sou sindicalizado (Químicos do ABC) e recebo a revista todo mês. Tem reportagens muito boas, porém em alguns momentos é totalmente tendenciosa. Gostaria que vocês usassem algumas páginas para explicar, por exemplo, como funciona o sistema da Previdência Social, sobre como e quando vamos conseguir nos aposentar, como funciona o tal fator previdenciário, que o atual governo condenou na época da criação e agora pretende manter. Joaquim Paulino, São Paulo (SP) Cachaça Parabéns ao Anselmo Massad pela crônica sobre a bancada da marvada. Apesar de eu não ser consumidor, gostei muito do texto sobre a industrialização artesanal. Só que se a moda pegar, ai, ai, ai, senhores políticos. José Aguiar, São Paulo (SP) Comércio desumano Quem visitou os shoppings à procura do presente para o Dia das Mães teve a agradável experiência de ver a maioria dos consumidores e vendedores às voltas com a Nota Fiscal Paulista. “CPF na nota?” é a senha que ajudou São Paulo a recolher um extra de R$ 800 milhões no ano passado. Dinheiro que, sem a nota, teria ido para o ralo da sonegação. Mas me preocupa o descaso com os trabalhadores e trabalhadoras que entregam até 52 horas de sua vida, por semana, nas mesmas lojas em que o governo atua tão ferozmente atrás de mais impostos. Por que não adotar também políticas de tolerância zero e humanizar as relações contratuais, exigindo que se cumpram as leis trabalhistas do Brasil? Muito mais do que o CPF na nota, teria de constar o número do registro da Carteira de Trabalho do profissional que nos atende. Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores revista@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que as mensagens venham acompanhadas de nome completo, telefone, endereço e e-mail para contato. Caso não autorize a publicação de sua carta, avise-nos.


PontodeVista

Por Mauro Santayana

Diplomacia sem medo Se as grandes potências são incapazes de promover a paz, os emergentes têm o dever de buscá-la. O Brasil assumiu papel importante no mundo. Tem autoridade suficiente, mas antes lhe faltava coragem

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m entrevista ao Jornal do Brasil, o chanceler Não se pode resolver o problema entre Israel e a PaCelso Amorim atribuiu os ataques que a di- lestina sem que se resolva o problema entre Israel e seus plomacia de Lula recebe de alguns ex-embai- vizinhos que, sendo muçulmanos, sentem-se no dever xadores – todos eles vinculados ao governo de da solidariedade para com o sacrificado povo palestiFernando Henrique – à dificuldade de as pes- no. Isso explica a necessidade de negociar com o Irã, o soas se adaptarem aos tempos novos. É realmente o que mais poderoso dos países com maioria islâmica, como está ocorrendo, não só com relação à diplomacia, mas a forma de esvaziar a tensão no Oriente Médio e retirar toda a sociedade atual, tanto no Brasil quanto em todos de Israel o pretexto para sua irracional política de anios países do globo. O mundo mudou, para melhor e para quilamento paulatino dos palestinos. pior. Trotsky pregava a necessidade de uma “revolução Se as grandes potências são incapazes de promover permanente”, sem perceber que a História é, em si mesma, a paz, os países que emergem como potências médias uma revolução sem fim, com seus momentos de avanço têm o dever de buscar o entendimento, de destravar e de recuo, como ocorre no interior de cada o processo político. É nesse contexto que período revolucionário visto isoladamente. Ruy Barbosa, o Brasil está assumindo papel importanComecemos pelo problema maior do sé- na Conferência te na sociedade mundial. O Brasil tem culo passado, que permanece: o artificial autoridade suficiente para isso. O que lhe de Haia, Estado de Israel. Foram as melhores as inestava faltando era coragem moral para tenções dos países aliados ao criar aque- diante da assumir essa responsabilidade. De certa le “lar nacional” para os judeus, depois do prepotência forma, não há nada de novo nessa postuHolocausto. O Brasil tomou parte ativa de Alemanha, ra, exposta por Ruy Barbosa há 103 anos, nisso, coube a Oswaldo Aranha presidir Rússia e na II Conferência de Haia. Ali, diante da a Segunda Assembleia Geral da ONU que EUA, propôs prepotência da Alemanha, da arrogância aprovou a resolução. Poucos se recordam, da Rússia tzarista e da presunção impea doutrina no entanto, que, ao longo destes 62 anos, rialista dos Estados Unidos, a delegação Israel­, com o apoio dos Estados Unidos e da da igualdade brasileira, chefiada pelo grande tribuno Inglaterra, jamais cumpriu o mandamento política entre baiano, propôs a doutrina da plena igualde respeitar a criação de um Estado pales- as nações. dade política entre as nações soberanas. É tino no mesmo território. na restauração dessa doutrina que o atual O atual O Estado de Israel possui bombas atô- Itamaraty Itamaraty trabalha, sob a direção pessoal micas – e dispôs-se mesmo a vendê-las ao do presidente Lula. trabalha na regime racista da África do Sul, conforme Quando redigíamos este trabalho, Obarevelou a imprensa britânica recentemente. restauração ma enviava ao Congresso sua mensagem Graças a isso, seus governantes mantêm os dessa com a nova estratégia norte-americana, países vizinhos sob constante ameaça. Há doutrina que começa a reconhecer a responsabiliquase 40 anos, quando houve a primeira dade de novos atores na cena internaciorevelação de que os cientistas de Israel estavam para ar- nal – entre eles, o Brasil. O famoso G-8 deixou de ser o mar o primeiro artefato nuclear, encontrei-me, na Euro- clube dos donos do mundo, e a responsabilidade passa pa, com dois amigos judeus nascidos no Brasil. Um deles, a ser do G-20 – grupo construído a partir da liderança Louis­Wiznitzer­, estava exultante, porque Israel disporia brasileira entre os emergentes. Infelizmente, os maiode “uma arma de dissuasão”. O outro, o sociólogo minei- res sabotadores da nova política externa independente ro Marcos Magalhães Rubinger, então em Genebra, esta- se encontram em nosso próprio país – principalmenva desolado: “Estamos, como judeus, perdendo a última te entre os que dominaram o Itamaraty no tempo de oportunidade de nos integrar à Humanidade, de renun- Fernando Henrique, o mais serviçal governante brasiciar a essa ideia particular de ‘povo diferente’ que nos leiro ao interesse norte-americano em toda a história atormenta”, me disse. Infelizmente, ambos já se foram. republicana.

Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros a partir de 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 1980

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Por Anselmo Massad, Cida de Oliveira, Fábio M. Michel, Jéssica Santos, João Peres, Ricardo Negrão, Suzana Vier e Vitor Nuzzi

Jardim Pantanal pós-águas

Marcela Borges divide casa com mais 15 famílias

Depois de passar o verão sob alagamentos, os bairros Jardim Romano e Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo, vivem ainda incertezas, mesmo com ruas secas. Um grupo de famílias chegou a ocupar um terreno já desapropriado para uso em habitação de interesse social, mas teve de deixar o local. Eles acusam a PM de

abuso no cumprimento da desocupação (http://migre.me/KCX0). E a Defensoria Pública atribui a situação à falta de políticas de habitação na cidade (http://migre.me/KCXm). A repórter Suzana Vier, da Rede Brasil Atual, foi ver de perto a situação de 15 famílias que tinham de dividir o mesmo teto (http://migre.me/KDtn).

Ciência e tecnologia

Contra a homofobia

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REVISTA DO BRASIL JUNHO 2010

Intimidade na internet Defesa dos direitos de homossexuais em Brasília

ELZA FIUZA/ABR

Um protesto em Brasília, em 19 de maio, defendeu os direitos de homossexuais no Brasil e a criminalização da homofobia. Percorreram a Esplanada dos Ministérios 1.500 pessoas de organizações de direitos humanos (http:// migre.me/KCVE). No Rio de Janeiro, uma bancária luta para ser reintegrada ao ItaúUnibanco, depois de ser demitida, segundo ela, por preconceito, já que tinha sua vida pessoal exposta pelos superiores (http://migre.me/KCV5).

A tecnologia social, pauta recente da Revista do Brasil (nº 43­, http://migre.me/KD4r), quer fazer definitivamen­te parte da agenda científica do país. Uma cooperativa de Marechal Rondon (PR) – que recolhe óleo de cozinha usado para transformar em biodiesel – foi um dos exemplos citados na 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, em Brasília, no final de maio (http://migre.me/KDbI). O evento reuniu pesquisadores e representantes de organizações de fomento à pesquisa para discutir a necessidade de políticas públicas de incentivo à inovação (http://migre.me/KDcm).

Pesquisa da ONG Safernet sobre os hábitos de crianças e adolescentes na internet mostra que um em cada dez entrevistados já publicou fotos íntimas na rede. O diálogo entre pais e filhos é, segundo o psicólogo Rodrigo Nejm, diretor de prevenção da entidade, um desafio a ser vencido para enfrentar a baixaria na rede (http://migre.me/KCTJ).

DANILO RAMOS

NaRede


Nova direção, novos desafios PAULO PEPE/SIND.BANCÁRIOS SP

Juvandia

DIVULGAÇÃO/CNM-CUT

Claudir

Para o sociólogo Emir Sader, o monopólio da comunicação é a única esperança de José Serra nas eleições. Como a mensagem do tucano é pouco compreensível para a população em geral, o que resta é “desarticular a imagem da Dilma por meio de denúncias baixas”. O problema, segundo ele, é que o governo não tem um meio de comunicação autônomo, ou seja, a imprensa funciona como um “intermediário viciado”, que escolhe o que o presidente Lula fala (http://migre.me/KCRI).

Resta à mídia “desarticular a imagem de Dilma”

RICARDO STUCKERT/PR

A arma de Serra

Bancários e metalúrgicos têm mudanças em entidades importantes de suas respectivas categorias. Juvandia Moreira é a primeira mulher a assumir a presidência do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região em 87 anos de existência da entidade (http://migre.me/KCSQ). Ela sucede a Luiz Cláudio Marcolino, que comandou o sindicato desde 2004. Na Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM-CUT), Claudir Nespolo assume o lugar de Carlos Alberto Grana, que presidiu a entidade por cinco anos. Luiz Cláudio e Grana são pré-candidatos a disputar cargos eletivos em outubro (http://migre.me/KCTm).

BLOG DO VELHO MUNDO Documentos divulgados no mesmo dia em que Brasil, Turquia e Irã fecharam acordo sobre o programa nuclear iraniano explicam muita coisa. Flávio Aguiar discute em seu blog os ofícios que revelam a oferta de armas nucleares por parte de Israel à África do Sul do apartheid (http://migre.me/KCQ5). Mas, se os Estados Unidos criticam tanto o projeto nuclear iraniano, por que não fazem o mesmo em relação aos israelenses? Para coroar o anticlímax do movimento pacificador, Israel ainda capitaneou uma covarde agressão ao comboio de navios que tentava, no último 31 de maio, furar o bloqueio imposto à Faixa de Gaza pelo governo de Tel Aviv com o objetivo de isolar e forçar o êxodo dos palestinos daquela região (http://migre.me/KCOA).

KEVIN LAMARQUE/REUTERS

Irã, Israel e os dois pesos

Obama: política para o Oriente Médio permanece a mesma

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JUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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POLÍTICA

PROJETOS PA Inspiradas em indicadores sociais positivos, centrais sindicais comparam projetos de antes e depois da era Lula e ensaiam uma inédita aliança em torno da sucessão do operário Por Vitor Nuzzi

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REVISTA DO BRASIL JUNHO 2010

JAILTON GARCIA

M

ais de uma vez, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva repetiu aos dirigentes das centrais sindicais: se vocês vierem divididos, fica difícil atender. Unidas, elas conseguiram conquistas como a correção da tabela de cálculo do Imposto de Renda na fonte e a política de valorização do salário mínimo – que o presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, chama de “maior acordo coletivo do mundo”, pela quantidade de pessoas envolvidas. Com base nos indicadores do atual governo – durante o qual foram legalmente reconhecidas –, as centrais sindicais ensaiam uma inédita aliança no processo eleitoral. A maioria delas preparou uma pauta a ser apresentada aos candidatos à Presidência da República, com as principais propostas do movimento sindical para os próximos quatro anos. Essa pauta foi divulgada no primeiro dia deste mês, em evento no estádio do Pacaem­ bu, em São Paulo, que reuniu representantes de cinco das seis centrais reconhecidas: Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Força Sindical e Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST). A UGT (União Geral dos Trabalhadores) preferiu não participar do ato,


ARA O PAÍS

JAILTON GARCIA

GERARDO LAZZARI

Cinco das seis centrais sindicais estiveram representadas no Pacaembu

As centrais sindicais do Brasil Central Ano de Entidades Trabalhadores Índice de fundação filiadas na base representatividade* CGTB 1986 520 2.000.000 5,04% CTB 2007 650 1.100.000 7,55% CUT 1983 3.438 22.034.145 38,23% Força Sindical 1991 2.270 12.000.000 13,71% ** 6,69% NSCT 2005 ** UGT 2007 1.100 5.300.000 7,19% * Índice previsto pela Lei nº 11.648/2008 e calculado pelo Ministério do Trabalho e Emprego ** Não informou. Fonte: centrais e MTE

chamado por alguns sindicalistas de nova Conclat, referência ao encontro realizado em 1981, em meio ao processo de abertura política em curso no Brasil. No final da assembleia, o presidente nacional da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, pôs em votação a chamada agenda da classe trabalhadora, com 249 itens. Entre eles, destaca-se a necessidade de manter políticas de desenvolvimento com distribuição de renda. “Nossa presença ativa no processo e no debate eleitoral deve buscar impedir retrocessos, garantir e ampliar direitos dos trabalhadores/as. Por isso, é fundamental eleger candidatos comprometidos com as bandeiras da classe trabalhadora”, diz o documento aprovado no Pacaembu e que deverá ser encaminhado a todos os candidatos. Mas os principais dirigentes das centrais não escondem a preferência pela pré-candidata do PT, Dilma Rousseff. A maioria identifica em José Serra, do PSDB, a volta de um período de dificuldades na relação do governo com as organizações de trabalhadores. “Ele não tem diálogo com o movimento social. Fernando Henrique era uma maravilha perto dele”, afirma o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, deputado federal e presidente do PDT em São Paulo. Segundo ele, na direção da Força de 80% a 90% apoiarão Dilma. Se JUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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o candidato tucano fosse o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, o sindicalista acredita que a central ficaria dividida. O presidente da UGT, Ricardo Patah, observa que a entidade decidiu não participar do evento do Pacaembu devido à sua pluralidade. Entre seus dirigentes, há filiados ao DEM, ao PPS (ambos tradicionais coligados ao PSDB) e ao PV (que tem como précandidata a senadora Marina Silva). Mas ele mesmo já tem candidato. “Eu sou lulista”, diz Patah, que considera Lula o melhor presidente que o país já teve, “por tirar milhões de pessoas da miséria, pela inclusão no mercado de trabalho, pela valorização do salário mínimo e pelo crescimento econômico acima das expectativas”. Segundo ele, a tendência é que os dirigentes da UGT sejam liberados para apoiar os candidatos que preferirem, decisão já tomada nos Estados.

Agora é o momento de discutir uma agenda positiva

Artur Henrique - CUT

Projeto

Para o presidente da CTB, Wagner Gomes, independentemente de nomes, a questão é apoiar a continuação de um projeto político. “Antes de Lula, o projeto privilegiava o desmonte do Estado. E o movimento sindical tinha quase nenhuma discussão com o governo”, lembra. “As alianças que o Serra vai ser obrigado a fazer puxam um eventual governo dele para uma volta acentuada ao projeto neoliberal. Na nossa opinião, Serra é a continuidade do governo FHC, quando ficamos patinando durante oito anos”, compara, lembrando que só foi

Massa salarial Acordos salariais iguais ou acima da inflação 2009: 93% 1999: 50% Fonte: Dieese

Produção industrial Média anual de crescimento 2003/2009: 2,3% Média anual de crescimento 1995/2002: 1,9% Fonte: IBGE

Reservas internacionais Maio/2010: US$ 250 bilhões Janeiro/2003: US$ 38 bilhões Fonte: Banco Central

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REVISTA DO BRASIL JUNHO 2010

Serra não tem diálogo com o movimento social Paulinho - Força Sindical


Precisamos de uma revolução na educação Ricardo Patah - UGT

O projeto político deve continuar Wagner Gomes - CTB

O Brasil não tinha política de planejamento

FOTOS REGINA DE GRAMMONT

Antônio Neto - CGTB

recebido uma vez pelo antecessor de Lula. “Democracia é o oxigênio do movimento social”, diz Gomes, que é da direção nacional do PC do B. A CTB tem majoritariamente filiados a essa sigla e ao PSB. O presidente da CUT acrescenta: “A pior coisa seria ficar em cima do muro. É um erro político grave achar que os projetos políticos em disputa na sociedade brasileira são iguais. É só olhar o que aconteceu na década de 90, quando passamos o tempo todo debatendo resistência, em vez de uma agenda positiva. Naquele momento, só nós restava o direito de espernear”. Para Artur Henrique, que é filiado ao PT, quem tem condições de manter ou ampliar um espaço de diálogo é a pré-candidata do PT. “Antes, éramos tratados como bandidos ou pessoas que não têm papel a cumprir.” Ele lembra, inclusive, que o DEM entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando o reconhecimento das centrais. “Isso no mínimo é um ataque à democracia.” A própria CUT apresentou, em 1º de maio, um documento com mais de 200 propostas em várias áreas, para ser discutido com os candidatos. A chamada plataforma da classe trabalhadora é resultado de meses de debate com todas as instâncias da entidade. Mas a central avaliou que era preciso ampliar ainda mais essa discussão. “A gente percebeu que era necessário que esse conjunto de debates tivesse uma articulação com as demais centrais e com o conjunto dos movimentos sociais. O evento (do Pacaembu) não é para fazer campanha ou decidir quem vai ser apoiado, é para aprovar uma pauta. A principal tarefa é dizer o que nós queremos. O maior desafio é não permitir o retrocesso”, afirma Artur.

Enfim, convergências O entendimento para o qual caminham as centrais sindicais no Brasil no tema eleição presidencial caminha para alcançar um patamar inédito na história. As divergências entre as várias correntes das lutas operárias foram uma marca do século 20. Primeiro esboço de central, em 1908, a Confederação Operária Brasileira (COB), de orientação anarquista, durou pouco mais de uma década. Nos anos 1920, começa a crescer a influência dos comunistas, culminando com a criação do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), nos anos 1940, e do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), em 1962, dissolvida pelo golpe de 1964 antes de obter reconhecimento oficial. Em 1981, o país caminhava para a redemocratização e o movimento sindical, para uma restruturação. A 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) foi realizada em agosto daquele ano, em Praia Grande (SP), sob o governo do último presidente-general, João Baptista Figueiredo. Dois anos antes havia sido aprovada a Lei de Anistia. O

movimento sindical se manifestava após longo período de repressão. A economia andava mal das pernas: o PIB de 1981 foi o primeiro negativo da história (-4,3%). Na Conclat de 1981 ainda não existiam centrais. Com mais de 5 mil representantes de entidades, discutia-se justamente a criação de uma. A proposta predominava, mas havia, para variar, muitas divergências quanto à concretização. Em 1983, um novo Conclat – novamente com 5 mil delegados, mas dessa vez como “congresso” em vez de “conferência” – funda a CUT, em São Bernardo do Campo. Em 1986, seria criada a CGT – que se dividiu três anos depois, originando a CGTB. Em 1991, veio a Força Sindical. Além de CGTB, CUT e Força, estão reconhecidas legalmente como centrais a NCST (surgida em 2005), a CTB, formada por um setor saído da CUT em 2007, e a UGT, a partir da fusão, também em 2007, da CGT (aquela de 1986), a Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT) e a Social Democracia Sindical (SDS). JUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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Planejamento

O presidente da CGTB, Antônio Neto, também vê necessidade de dar sequência a um modelo de “desenvolvimento e de democratização do Estado”, em que todos os temas sejam discutidos. “No Brasil, não se fazia um planejamento ou política industrial há 30 anos. Há anos o Brasil não construía um navio”, diz, citando o programa de modernização da frota, que prevê mais de 100 navios até 2014. “Para onde iria esse dinheiro? Para fora do país.” Neto vê um embate claro nessa eleição entre o Estado e o discurso privatista. “Por mais que ele (Serra) se coloque em pele de cordeiro, esse lobo nós conhecemos. Sabemos qual é a estratégia do governo a que ele pertenceu”, afirma Neto, que integra o diretório nacional do PMDB, partido predominante entre os dirigentes da central, que abriga ainda filiados ao PSB, PDT, PTB e PT, entre outros. Também para Wagner Gomes, da CTB, esse é o debate que deve ser feito. “Nessa recente crise, o Brasil só sentiu menos porque estava com o Estado investindo na economia. Não defendemos o Estado gastador, inchado, mas o indutor da economia. Ninguém defende marajá”, diz. Mas nem todo o balanço positivo feito pelas centrais nestes últimos sete anos e meio – criação recorde de empregos, políticas públicas, ampliação de espaços de diálogo – faz da era Lula um governo perfeito. Para os dirigentes sindicais, é quase unânime o tom crítico a boa parte da política macroeconômica. “(Henrique) Meirelles (presidente do Banco Central) é um representante do sistema financeiro, dos grandes banqueiros, no governo”, afirma Wagner Gomes. “É possível ter um modelo econômico diferente e crescer”, acrescenta. “Enquanto especular for mais compensador, você não vai ter empresário investindo na produção. Qualquer mau humor do chamado mercado faz o dinheiro ir embora.” Para Neto, da CGTB, se o Comitê de Política Monetária (Copom) não tivesse aumentado os juros no final de 2008 o Brasil teria menos problemas com a crise. “O Copom mostrou à sociedade que o Brasil estava com medo da crise.” Na área financeira, outra reivindicação ao próximo governo é a participação de representantes dos trabalhadores no Conselho Monetário Nacional (CMN).

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Desemprego* (em %)

2008: 52,1% da população economic. ativa

2009

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2008

13,4

2007 2006

2001: 45,7% da população economic. ativa

14,8

Fonte: PNAD/IBGE

15,8 16,9

2005

9.373.341*

19,9

2003 2002

19

2001

17,6

2000

17,6 19,3

1999

18,2

1998 1997

16

1996

15,1

Saldo = contratações menos dispensas. * até abril/2010

13,2

*Na região metropolitana de São Paulo, segundo o Seade/Dieese. A Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, foi alterada em 2002. E os períodos anteriores e posteriores não são estatisticamente comparáveis. Em janeiro de 2003, estava em 11,2%. Em janeiro deste ano estava em 7,2%, a menor taxa de desemprego para o mês.

Jornada

Carteira assinada

18,7

2004

1995

Na Previdência

Além da questão dos juros, Artur Henrique destaca a campanha pela redução da jornada, a luta para que o Brasil seja seguidor da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – por coibir a demissão imotivada, a rotatividade e a informalidade no mercado de trabalho. Há também, segundo ele, pendências na questão agrária. “Os recursos para a agricultura familiar aumentaram, mas ainda temos no Brasil um modelo que privilegia o agronegócio. E até hoje não conseguimos aprovar a PEC (proposta de emenda à Constituição) do trabalho escravo nem a atualização do índice de produtividade da terra”, cita. A PEC contra o trabalho escravo prevê a expropriação de terras onde a prática seja flagrada e o índice de produtividade rural é o utilizado para determinar se a propriedade é improdutiva e deve ser destinada para reforma agrária. Também é momento, acrescenta Artur, de avançar na distribuição da renda. “Os reajustes salariais não

796.967

Saldo 1995 a 2002

Saldo 2003 a 2010

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego/ Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged)

conseguem acompanhar os ganhos de produtividade”, diz o cutista. Para Antônio Neto, os meios de comunicação tratam certos temas com pesos diferentes. “O projeto Ficha Limpa, que é importante, teve 1,6 milhão de assinaturas. Mas o projeto da redução da jornada também teve, e esse a mídia não apoia. E é uma PEC de 15 anos”, compara. Patah defende ênfase na educação e na qualificação profissional. “Sem isso, os outros pontos dificilmente serão conquistados. “A UGT espera que o próximo presidente, ou presidenta, tenha um compromisso de fazer uma revolução pela educação”, afirma. Inclusive para melhorar a distribuição de renda: “1% da população tem metade da riqueza do país”. Paulinho, da Força, considera também aumentar a representação dos trabalhadores no Legislativo. “São 53 sindicalistas, 82 ruralistas e 219 empresários, ou seja, 301 contra nós. O Congresso é contra. Eles ganham de nós até na Comissão de Trabalho.


Inflação (IPCA, em %) 4,31

2009

5,90

2008

4,46

2007

3,14

2006

5,69

2005

7,60

2004

9,30

2003

12,53

2002 7,67

2001

5,97

2000

8,94

1999 1998

1,65

1997 1996

5,22 9,56

Não adianta o Lula estar no poder, ele não faz lei”, observa. “O Congresso só vai ser da sociedade quando houver equilíbrio nas representações. A bancada dos trabalhadores não chega a 10%”, acrescenta Patah. Essa quase unanimidade entre as centrais não aconteceu na última eleição, em 2006. O presidente da Força, por exemplo, apoiou Geraldo Alckmin (PSDB) no segundo turno – no primeiro, o candidato do PDT foi o senador Cristovam Buarque. “Fiquei até o último dia com ele (Alckmin)”, lembra Paulinho, que fala de um certo estremecimento com o governo principalmente no primeiro mandato de Lula, em especial durante a campanha pela legalização dos bingos. “Mas muita gente na Força apoiou (o governo)”, diz Paulinho. A central tem em sua direção gente ligada ao PDT, ao PSDB (dois vices), ao PMDB e ao DEM.

Preconceito 22,41

1995 Média anual 2003/2009: 3,9% Média anual 1995/2002: 9,2% Fonte: IBGE

Durante a gestão Lula, as centrais também foram “acusadas” de terem sido coop­ tadas pelo governo, que teria coalhado a administração pública de sindicalistas. “Cooptar é diferente de ter uma relação de respeito, é dizer amém ao governo em troca

Salário mínimo X cesta básica Ano

Cesta básica

Salário Mínimo

Quantas cestas o SM compra

Jan/1995

R$ 86,81

R$ 70

0,80

Dez/2002

R$ 158,73

R$ 200

1,26

Jan/2003

R$ 162,79

R$ 200

1,22

Abr/2010

R$ 261,39

R$ 510

1,95

A cesta básica é uma cota alimentar essencial, para uma família de 4 pessoas, composta de carne, leite, feijão, arroz, farinha, batata, tomate, pão, café, banana, açúcar, óleo e manteiga. Seu valor varia de acordo com cada região. O Dieese a pesquisa em 17 capitais. O valor aqui considerado é o de São Paulo, sempre um dos mais caros. Em janeiro de 1995, primeiro ano de FHC, o salário mínimo era de R$ 70 e a cesta básica, R$ 86. O mínimo representava menos de uma cesta. Em abril de 2010, correspondia a quase duas. Fonte: Dieese

Salário mínimo X dólar Durante o mandato de Lula (2003-2010) Maio/2003: 1 salário mínimo = US$ 82 Maio/2010: 1 salário mínimo = US$ 290 Durante o mandato de Fernando Henrique (1995-2002) Maio/1995: 1 salário mínimo = US$ 111 Maio/2002: 1 salário mínimo = US$ 80 Fonte: Dieese

de absolutamente nada”, reage Wagner Gomes. “E tivemos várias atitudes do governo Lula que beneficiaram os trabalhadores. A relação do governo Lula com os movimentos sociais é democrática”, acrescenta. O presidente da CUT enxerga nessa crítica desinformação e elevada dose de preconceito. “As pessoas, quando vão para o governo, deixam de ser dirigentes sindicais. Enquanto você está lá, está cumprindo uma função pública. O que está por trás da notícia é insinuar que sindicalista não tem competência. Isso é absolutamente desrespeitoso”, reage. Segundo Artur Henrique, a composição do governo Lula “refletiu a política de alianças”. Da mesma forma, os dirigentes lembram que o fato de as centrais serem reconhecidas e se alinharem em várias reivindicações não elimina as divergências. Porém, é preciso se unir para ser atendido, conforme recomendação do próprio Lula. “As coisas que temos em comum são maiores do que as que nos dividem”, diz Antônio Neto. Para Artur, essa percepção começou ainda no Fórum Nacional do Trabalho – criado em 2003 para discutir mudanças na estrutura sindical e na legislação trabalhista. Na ocasião, a bancada dos empresários, apesar de todas as diferenças, iam com posição unificada, diferente da bancada sindical. “Esse foi o estopim de uma maturidade sindical”, diz o cutista, citando ainda a campanha do salário mínimo, que resultou em várias marchas em direção a Brasília. No evento de 1º de junho, o Dieese lançou no Pacaembu uma edição especial de um livro sobre o salário mínimo. “O desafio é manter essa política. Nos 70 anos de salário mínimo, as centrais deram de presente uma política de valorização”, diz o diretortécnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio. No documento aprovado pelas centrais, o primeiro item destaca justamente a necessidade de aprovar no Congresso um projeto de lei que materializa o acordo firmado entre centrais e governo. “Essa unidade se estabelece quando o assunto é de interesse geral da classe trabalhadora”, observa o presidente da CUT. “Tudo o que conquistamos foi fruto dessa unidade. Mas continuam as disputas sindicais na base, as diferenças de concepção e prática sindical. Por isso você não vai ver uma marcha pela Convenção 87 (que trata da liberdade e autonomia sindical) ou pelo fim do imposto sindical”, afirma. JUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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ECONOMIA

O BC na retranca Com medo de uma alta no PIB acima do esperado em 2010, e a pretexto de conter pressões inflacionárias, o Copom faz a economia do país pisar no freio Por Vitor Nuzzi

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REVISTA DO BRASIL JUNHO 2010

DESCONEXO Henrique Meirelles joga para um lado, o goveno, para o outro

JOSE CRUZ/ABR

U

m pouco antes da convocação da seleção brasileira, no início de maio, e um pouco antes da escalação de estreia do time de Dunga neste 15 de junho na Copa da África do Sul, o Brasil conviveu com outros dois anúncios que rendem muito menos conversa de botequim, mas interferem muito mais no futuro do país. O movimento de alta nos juros básicos da economia, iniciado no final de abril e mantido agora em junho, provocou o descontentamento geral da nação – exceto dos banqueiros. E mostrou que o time de Henrique Meirelles no Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, coerente com seu conservadorismo, não quer um esquema tático de crescimento jogado para a frente. Nada de dribles mais rápidos e desconcertantes sobre os atrasos da economia e do desenvolvimento. Tudo para não tomar um contra-ataque da inflação, embora ela esteja muito bem marcada e bem fora de forma. Mas, afinal, qual é o nível “apropriado” de crescimento? É fato que a inflação, principal argumento do BC, deve ser acompanhada com zelo. O ano começou com previsões de uma taxa de 4,5% e em maio o índice anual chegou a 5,5%. Está, portanto, entre o centro e o teto da meta de inflação estipulada pelo Copom para 2010 (que é conter o IPCA entre 2,5% e 6,5%). E com indicações de que já começa a ceder, pois


GERARDO LAZZARI

CONSERVADOR A taxa de juros continua perto dos 10%, apesar da desaceleração do preço dos alimentos, que compõem o cálculo da inflação

os preços de alimentos desaceleram. Conservador, o Copom preferiu manter a taxa Selic perto dos 10% ao ano, já que as projeções para a variação do PIB deste ano passaram a oscilar entre 6,5% e 8,5%. Esse ritmo chinês seria o mais acelerado desde 1986, quando o PIB cresceu 7,5%. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo observa que a política do BC é de se antecipar a uma mudança de velocidade da inflação, mas vê sinais ambíguos. “O que está claro é que há uma expansão (da economia) muito rápida”, diz. Alia-se a isso a reação “pavloviana” do Copom a qualquer indício de inflação em alta, acima do centro da meta (4,5%). “A política de metas pode, se mal conduzida, ser danosa para a economia”, afirma o economista. (Ivan Pavlov foi um fisiólogo russo que estudou o papel do condicionamento no comportamento dos seres vivos. Segundo ele, as pessoas podem ser induzidas a uma ação não gerada por uma necessidade dela, mas por estímulos externos. A teoria ajudou a desenvolver a psicologia do comportamento, que ajuda tanto em terapias contra trauma como em anúncios de propaganda.) Belluzzo destaca a rápida recuperação do Brasil após a crise de 2008 e a importância de manter uma taxa equilibrada de crescimento, entre 6% e 6,5%. “A velocidade da economia, sobretudo o consumo, pode levar a desequilíbrios importantes”, diz ele, relatando sua experiência na época do Plano Cruzado, em meados dos anos 1980. “O

choque de demanda foi violento”, lembra. Mas uma alternativa mais viável para controlar o consumo estaria relacionada ao crédito, e não à taxa de juros. “A política monetária não está ajudando nada”, afirma Belluzzo, destacando que cada 0,75 ponto percentual a mais na taxa Selic corresponde a 2 a 3 pontos percentuais a menos na capacidade de investimento do Estado.

Sensibilidade

O professor da Unicamp Ricardo Carneiro observa que a política de juros tem

Juros no Brasil Jul 1996* 1,90% 38%

Jan 1998

25%

Jan/Mar 1999 Mar 1999 Set 1999/Mar 2000

45% 19% 26,5%

Maio/Jun 2003 Nov 2004/Jan 2005 Dez 2005/Jan 2006 Set 2007/Abril 2008 Out 2008/Jan 2009

17,75% 18% 11,25% 13,75%

Jun/Jul 2009

9,25%

Jul 2009/Abr 2010

8,75%

Abr/Jun 2010

9,5%

* Primeira reunião do Copom, jun/1996. Fonte: BC

um efeito real e outro de expectativa. “Você também administra expectativas, não só demanda”, afirma, chamando a atenção para a provável retração de investimentos provocada pela política monetária. Carneiro lembra que houve uma contração grande no ano passado, decorrente da crise. “O que está acontecendo é a recuperação de um nível pré-crise. Tanto a produção como os investimentos se contraíram muito, menos a demanda. É isso que de certa forma está explicando o crescimento da inflação”, analisa. Para o professor, o BC mostra despreocupação com o crescimento: “O investimento no Brasil tem uma sensibilidade grande a aumento da taxa de juros”. Segundo ele, a própria autoridade monetária causou expectativa inflacionária. “Quem começou a falar em inflação foi o BC, desde o último trimestre do ano passado. É uma profecia autorrealizável”, ironiza. Recentemente o diretor da Federação das Indústrias de São Paulo Paulo Francini lembrou que os empresários pensam duas vezes antes de tocar seus projetos caso sintam que a intenção do BC é frear a economia. E a indústria só agora vem atingindo os níveis anteriores à crise.

Legitimidade

Para Salvador Werneck Viana, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), não existe surto inflacionário, mas pressões localizadas, sobretudo em setores que tiveram incentivo do goverJUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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no. “O Copom, aparentemente, indica que está mirando o centro da meta. E o Comitê e o BC não têm legitimidade para perseguir o centro, mas uma meta”, critica, afirmando que essa atribuição é do Conselho Monetário Nacional (CMN). Werneck Viana também aponta a necessidade de garantir um ambiente favorável à ampliação do investimento. “O empresário só tem retorno se a economia estiver aquecida”, afirma. “A atual política macroeconômica incorre em custo excessivo do ponto de vista do emprego, do ponto de vista cambial, monetário. Vale a pena buscar alternativas para que a taxa de juros não seja o único instrumento de controle da inflação. Temos de combater os gargalos e aumentar nossa estrutura produtiva.” O economista do Ipea lembra que isso já aconteceu no início de 2008, quando os juros aumentaram diante de uma aparente ameaça de inflação. Na ocasião, o instituto divulgou uma dura nota técnica, com ataques ao BC. “A verdade é que estávamos certos. O BC não ia ter sangue-frio... Era uma questão de observar um pouco mais,

esperar. Havia interesses financeiros, que já estavam convivendo com margens menores. Mais uma vez, o BC optou por não ter sangue-frio e esperar com mais calma.” Além disso, Werneck Viana critica o que chama de falta de transparência do Copom, cujos votos não são divulgados, diferentemente do que acontece com o Federal Reserve, o BC dos Estados Unidos. “Por que eles têm direito a esse concílio?”, questiona o economista, para quem os objetivos da autoridade monetária não podem se limitar a controle da inflação, mas precisam incluir questões como desenvolvimento, emprego e renda. O economista Sérgio Mendonça, do Dieese,­não vê necessidade de elevar os juros por causa dos preços. “Não parece haver inflação de demanda neste momento. O que surpreendeu foram os preços dos alimentos, com um problema de oferta, e não de demanda, causado pelo clima”, afirma. Para ele, a tendência é de desaquecimento da inflação, a não ser que aconteçam novos choques de alimentos. “Se a ideia do BC é olhar para a frente, ele vai perder o argumento”, observa Mendon-

ça, lembrando que a rede de instituições e pessoas pesquisadas a respeito da inflação futura concentra-se, ao que tudo indica, nas grandes instituições financeiras: “Ou seja, você pergunta ao lobo como cuidar do cordeiro”. O economista do Dieese ainda adverte que o próximo “vilão” do debate poderá ser o salário. “Se a economia aquecer mais e a inflação subir mais um pouco...” O ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a afirmar que a economia brasileira pode crescer de 5,5% a 6% sem desequilíbrios nem gargalos. Segundo ele, não fossem os preços de alimentos os índices de inflação já estariam menores. O presidente do BC, por sua vez, disse que toda ajuda para conter a inflação é bem-vinda. E o ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, na onda do seguidos recordes do emprego formal, aproveitou para dizer que a inflação exige cuidados, mas não pode ser vista como “o capeta da nossa economia”. O crédito pode ser uma maneira de evitar um superaquecimento do motor econômico, sem que haja necessidade de um “cavalo de pau” no crescimento em curso.

Outra lição de casa é possível Livro analisa distanciamento dos bancos privados dos investimentos produtivos e busca propostas para um sistema bancário socialmente mais útil “Desde o século 19, travase uma luta intestina, dentro do capitalismo, entre o capital financeiro e o industrial.” Assim o jornalista Luis Nassif abre o prefácio do livro Sistema Financeiro e Desenvolvimento no Brasil – do Plano Real à Crise Financeira. A obra, fruto de uma parceria entre o Sindicato dos Bancários de São Paulo e o Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi lançada no último dia 10 de maio durante debate sobre o papel que o sistema financeiro tem desempenhado no país nas últimas décadas e que papel poderia ter. O objetivo do trabalho é subsidiar propostas para uma nova regulamentação que imponha ao sistema bancário compromissos com investimentos produtivos, geração de emprego, renda e desenvolvimento –

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REVISTA DO BRASIL JUNHO 2010

responsabilidade hoje concentrada nos bancos públicos e ao sabor do governo de ocasião. Para Luis Nassif, que mediou o debate, a recuperação do papel proativo do Estado e o aproveitamento virtuoso do mercado de capitais exigem a “exumação do cadáver do neoliberalismo estéril das últimas décadas”. Ricardo Carneiro, da Unicamp, é co-organizador do livro junto com Luiz Cláudio Marcolino, que acaba de deixar a presidência do sindicato, assumida por Juvandia Moreira. Os três assinam textos no trabalho. Completam a obra análises feitas por André Martins Biancarelli, Giuliano Contento de Oliveira, Daniela Magalhães Prates, Maria Cristina Penido de Freitas e Maryse Farhi, ligados ao Cecon, pela economista Ana Carolina Tossetti Davanço e pela cientista social Ana Tércia Sanches, do Sindicato dos Bancários.

Ricardo Carneiro defendeu o fim da cultura de curto prazo dos bancos privados nacionais e a modernização do sistema, citando a crise financeira internacional: “Vivemos nos últimos 30 anos sob a hegemonia de um sistema capitalista dominado pelas finanças. Estamos vendo agora o resultado dessa hegemonia”, afirmou. “Jamais na história do capitalismo o sistema financeiro custou tanto às nações.” Em seu prefácio Nassif aponta também: “O livro faz talvez o melhor apanhado até agora sobre todos os passos dados pelo Brasil

passando de uma economia fechada para uma economia financeira. Será uma obra de referência para futuros estudos desse processo”. Nas últimas semanas, o trabalho foi apresentado em faculdades de várias cidades paulistas com a finalidade de estimular os estudantes de Economia, e as próprias escolas, a incluir o tema na agenda. E quem sabe encerrar a era do bordão economês “fazer a lição de casa” com o sentido de sacrifício de investimentos públicos em saúde, educação e outras despesas essenciais em nome da satisfação e da confiança do ex-todo-poderoso mercado. (Paulo Donizetti de Souza)

Lançamento

Sistema Financeiro e Desenvolvimento no Brasil – do Plano Real à Crise Financeira Organizadores: Ricardo Carneiro e Luiz Cláudio Marcolino Editora Publisher Brasil e Editora Atitude 260 páginas. Em breve nas livrarias



CRISE

O bolo abatumado O objetivo por lá não é propriamente salvar a Grécia, mas os bancos e a zona do euro. Do prometido socorro de € 110 bilhões para “os gregos”, 80% vão direto para a contabilidade dos “credores” Por Flávio Aguiar, de Berlim

A

receita a gente conhece desde pequeno. O curioso é que dá para fazer bolos muito diferentes com ela. A primeira versão, no tempo da ditadura militar, chamava-se “Bolo do Milagre Brasileiro”. Seu mote era dado por ainda hoje prestigiado economista: “Para dividir o bolo, é necessário primeiro fazê-lo crescer”. Daí vinham a receita e o modo do preparo: arrocho salarial, cortes nos direitos trabalhistas, marginalização dos sindicatos, cabrestagem dos trabalhadores, com a inevitável concentração de renda. Tudo financiado por empréstimos descontrolados no exterior, o que, entre outras causas, levaria o país à bancarrota. Agora se trata da receita “Bolo Abatumado”, já conhecida no passado por brasileiros, assim como por argentinos, mexicanos e outros povos invadidos pelo vírus “FMI”. Com algumas variantes, é a mesma: congelamento ou diminuição de salários e aposentadorias, cortes em pensões e no auxílio-maternidade, arrocho e cabrestagem dos trabalhadores. É verdade que agora não se fala em fazer o bolo crescer, mas em abatumá-lo, impedi-lo de crescer. Antes, ao tempo da ditadura, praticavam-se investimentos faraônicos (Transamazônica, Ponte Rio-Niterói) que beneficiavam meia dúzia; agora fala-se em desinvestimento, em cortes que, com o arrocho imposto, vão estraçalhar o poder aquisitivo da população, aumentando a recessão já implantada como modo de vida. 18

REVISTA DO BRASIL JUNHO 2010

Quem não teve a oportunidade de experimentar a receita na ditadura teve uma segunda chance, concedida pela cartilha neo­ liberal, nas décadas seguintes. Tudo isso foi enfiado goela abaixo do povo grego pelo novo consenso (não mais o de Washington, cuja credibilidade está abalada) União Europeia-FMI. A Grécia, que ameaçava não pagar suas dívidas públicas para com os bancos europeus e outros, terá uma “ajuda” de € 110 bilhões durante três anos. Em troca terá de aplicar a receita, pela qual quem paga são os trabalhadores, os funcionários públicos, os aposentados e pensionistas. Esses todos terão de suportar ainda um aumento de impostos sobre o consumo que vai fazer a economia grega retrair-se de modo dramático. O objetivo desse plano não é propriamente salvar a Grécia. Trata-se de salvar os bancos credores e a zona do euro como um todo, pois vários países dessa região, embora com economias mais robustas, estão com a credibilidade em baixa no que toca à possibilidade de cumprirem os compromissos de sua dívida pública. Dos prometidos € 110 bilhões “para a Grécia” (que poderão ir a € 140 bilhões), esta ficará com apenas 20%, pois € 88 bilhões farão escala na Grécia, mas vão aterrissar diretamente na contabilidade dos bancos.

Socializam-se as perdas

Como a Grécia chegou a esse ponto? Os dedos dos financistas e economistas conservadores apontam unanimemente para

a generosidade do sistema de aposentadorias, pensões e salários dos funcionários públicos, e exigem (e vão conseguir) cirurgias profundas e dolorosas sem anestesia. Como sempre se pratica, embora nunca se admita, privatizam-se os lucros, socializam-se as perdas. Já faz tempo que rolar dívidas públicas e privadas pela sucessão de empréstimos encadeados atingiu cifras cujo número de zeros à direita ultrapassou a capacidade imaginativa humana. A Grécia não ficou atrás. Sua dívida pública chegou, no ano passado, a € 300 bilhões. A economia do país já anunciava sinais de turbulências à frente, e com isso e mais alguns escândalos de quebra o governo conservador perdeu as eleições para os socialistas de George Papandreou. Algum tempo depois, começaram a aparecer números estapafúrdios. O governo anterior maquiara cifras, para diminuir a participação da dívida pública no PIB (e assim poder continuar a poder fazer empréstimos e mais empréstimos). A relação dívida-PIB é


utilizada pelos consultores econômicos para avaliar a possibilidade do governo de cumprir seus compromissos. A União Europeia recomenda oficialmente que esse resultado, expresso em porcentagem, não ultrapasse 3%. Pelos números anteriores, a razão estaria na casa dos 5%, o que não é recomendável, mas aceitável. Quando o novo governo de centro-esquerda, ao final de 2009, divulgou os novos números, a cifra pulou para quase 13%. Acendeu-se a luz vermelha, a Grécia deixou de ter créditos para honrar seus compromissos de curto prazo, os bancos retiraram-se, ou melhor, expulsaram-na da praça, e o governo de Papandreou ficou pendurado no pincel. Mas mais coisas vieram à tona, que não são muito faladas. O governo conservador pulverizou sua capacidade de fiscalização. Em consequência disso, criou-se um vácuo de € 20 bilhões de sonegação, além de o “mercado paralelo” (antigamente a gente dizia “negro”) grego ter chegado a € 77 bilhões. Havia uma espécie de farra financei-

ra generalizada, e não propriamente feita pelos aposentados, pensionistas, funcionários públicos e demais trabalhadores, que agora estão convocados manu militari a pagar a conta. Se a Grécia não pudesse pagar seus compromissos de curto prazo, teria de decretar uma moratória ou uma reestruturação da dívida, o que poderia levá-la ou a abdicar da zona do euro, ou a dela ser expulsa. Isso poderia deflagrar uma reação em cadeia sem precedentes, porque vários países da zona do euro estão numa situação próxima, semelhante ou até pior que a da Grécia no que toca à relação entre dívida e PIB. Exemplos: Itália, 5,3%; França: 7,5%; Portugal: 9,4%; Espanha: 11,2%; Irlanda: 14,3%. Uma falta generalizada de credibilidade levaria o euro ao derretimento, e isso seria um desastre para credores e devedores no curto prazo. A Europa está algemada ao euro. Foi esse risco que levou a duas medidas centrífugas, mas de acordo com as receitas do momento. Depois de conversações ge-

JOHN KOLESIDIS/REUTERS

“FOGO NOS BANCOS” Gregos conclamam os europeus à insurgência

neralizadas, principalmente entre a chanceler Angela Merkel, da Alemanha, e os presidentes Nicolas Sarkozy, da França, e Barack Obama, dos EUA, a UE apresentou seu já famoso pacote de € 750 bilhões como reserva para calafetar eventuais fendas e rachaduras na moeda ou nos fundos dos devedores. Tudo isso foi feito com a participação substancial do FMI, cujo papel, além de colocar fundos à disposição, é funcionar como cão de guarda desse campo minado financeiro. Por sinal, via FMI, até o Brasil deu uma ajudazinha à estremecida Europa, mobilizando € 224 milhões de suas reservas internacionais à guisa de socorro. Quem nos viu e quem nos vê... Por outro lado, os países na berlinda começaram a se mobilizar e a refazer contas. O premiê também socialista da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, antes que qualquer vaticínio internacional atingisse seu governo, já anunciou um conjunto de medidas parecido com aquilo que foi imposto à Grécia: diminuição de 5% nos salários do setor público, congelamento dos outros salários, de aposentadorias e pensões, diminuição de € 600 milhões nos investimentos públicos e suspensão do “cheque-bebê”, um auxílio de € 2.500 que os pais recebem quando o bebê nasce, como estímulo à natalidade. Se medirmos esse quadro algo dantesco com a régua tarimbada latino-americana, diríamos que o que se vê, nessa primeira grande crise da zona do euro, é que ela está criando a sua “coroa periférica”. Já há outros países nessa situação de “periferia da União Europeia”, ou primos pobres como Romênia, Bulgária, Hungria, Polônia, Lituânia, Letônia e Estônia. Mas agora a maré dessa relativa pobreza (que nada tem de miséria, ainda) está molhando o convés da arca da “Eurolândia”, como às vezes se chama a região da nova moeda. Essa maré ainda não se assemelha às das regiões miseráveis do mundo, mas também destrói sonhos, expectativas e direitos. Como aconteceu e ainda vai acontecer, certamente, nas ruas em chamas de Atenas e outras capitais. Fica a pergunta: terá sido a criação do euro precipitada? Sem dúvida, ela favoreceu o sistema bancário. E na crise financeira que antecedeu à da moeda ficou demonstrada a irresponsabilidade e incúria, pela qual ainda nenhum de seus dirigentes, a bem da verdade, pagou. Como sempre. JUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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INTERNET

O choro é livre Apesar de reclamações das empresas, Plano Nacional de Banda Larga sai do papel até o fim do ano, com a meta de levar conexão de alta velocidade a 40 milhões de casas até 2014 Por João Peres

A

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REVISTA DO BRASIL JUNHO 2010

EXPECTATIVA Erenice Guerra, ministra da Casa Civil, e Paulo Bernardo, do Planejamento: plano lançado em maio provocou reação contrária do setor privado

a pouco vão encontrar seu espaço no processo”, ponderou Rogério Santanna, novo presidente da Telebrás. Para sanar qualquer dúvida, ele afirmou durante evento em São Paulo que a Telebrás fornecerá conexão ao consumidor final apenas em “último caso”. Antes de entrar na chamada última milha, a estatal buscará parcerias com pequenas operadoras locais. Ou seja, a Telebrás só atua onde o setor privado realmente não tem interesse.

ROOSEWELT PINHEIRO/ABR

discussão sobre o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) fornece uma generosa quantidade de exemplos sobre como o setor privado atua quando sente a possibilidade de concorrência. O mês que passou jogou novas luzes sobre o PNBL, como o decreto que cria o Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital, a definição da presidência da Telebrás e o esclarecimento sobre o papel da estatal no plano. As operadoras se queixavam de que a Telebrás, tendo a força do Estado, poderia gerar uma concorrência predatória. Hoje, Oi, Net e Telefônica controlam 85% do mercado de internet de alta velocidade, mas não consideram que essa concentração faça algum mal ao rendimento das pequenas empresas. O governo havia esclarecido que a estatal chegará ao consumidor final apenas nas localidades em que não exista “oferta adequada”, mas o setor privado manteve as críticas, afirmando que a expressão “adequada” dá margem a múltiplas apresentações. “O choro é livre. As operadoras sempre vão reclamar. Elas nunca andaram sem se queixar. Em todas as oportunidades que tivemos para negociar, acharam ruim (…) Vão reclamando, mas vão cedendo. Daqui

A constatação, simples, é de que as teles tiveram mais de uma década para desenvolver a banda larga brasileira, mas não o fizeram. Como as operadoras atuam somente nos locais em que há retorno econômico garantido, apenas 47% dos municípios dispõem de conexão de alta velocidade. Entre as cidades com menos de 100 mil habitantes, 44% não contam com o serviço, mesma situação vista em algumas capitais do norte brasileiro.


Indução ao desenvolvimento

Um levantamento recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra outra versão dos fatos. Um terço dos domicílios conta com internet de 256 Kbps e outros 20% gozam de velocidades entre 256 Kbps e 1 Mbps. Apenas 1% dos brasileiros pode desfrutar de internet com velocidade maior que 8 Mbps, o que possibilita navegar com facilidade e fazer downloads com rapidez. A constatação do Ipea é que 79% dos domicílios brasileiros não tinham acesso à web em 2008 – nem mesmo conexão discada. Em apenas 15 municípios o mercado tem concentração inferior a 50% e, na imensa maioria, uma empresa controla 80% do serviço. Comparativamente, o Brasil tem uma das bandas largas mais “estreitas” do mundo e, em média, até nove vezes mais cara que as das nações europeias. A Argentina e o Chile têm mais usuários e preços mais baixos. A banda larga chega a consumir 4,5% da renda per capita dos brasileiros, contra 1,5% na Rússia e 0,5% entre os moradores das nações ricas. Sady Jacques, embaixador da Associação Software Livre e sócio-fundador da Associação Cidadania Digital, considera que esse é um dos problemas que a Telebrás tem como solucionar. “Dar oportunidades a uma instituição que tenha como valor maior a democratização de acesso, e não o lucro, é permitir algum regramento em relação a esse cenário”, afirma. Santanna concorda. Em tom irônico, lembra que bastou a “fênix bater as asas”, ou seja, a Telebrás ser reativada, para que as operadoras baixassem o preço cobrado no mercado. O presidente da estatal faz graça também com as críticas dirigidas ao PNBL pelos jornais de grande circulação, que em geral têm defendido a posição das teles –

ANTONIO CRUZ/ABR

Aparentemente, a rapidez do setor privado é maior na reclamação do que na conexão que oferece aos clientes. No dia seguinte aos esclarecimentos dados por Santanna, a Associação Brasileira de Telecomunicações (TeleBrasil), que reúne as grandes empresas do setor, informou que sete novas conexões de banda larga são feitas a cada minuto no Brasil. Afirmou ainda que 4.800 municípios brasileiros têm acesso a banda larga, mais que o dobro do apontado pelo governo, e que a maioria das conexões fica acima de 512 Kbps.

MOTIVAÇÃO Rogério Santanna: “As operadoras sempre vão reclamar. Elas nunca andaram sem se queixar”

pois é com elas que firmarão parcerias no mercado digital de notícias que está por vir. O alvo preferido das citações nada indiretas é Ethevaldo Siqueira, colunista de O Estado de S. Paulo, que chegou a abandonar, com sorriso amarelo, evento na capital paulista no qual foi mencionado várias vezes. “Pena que o Ethevaldo já saiu. Porque ele é o primeiro a dizer que a Telebrás vai ser um cabide de empregos, um dinossauro. Vai ser uma empresa enxuta (…) Não será uma operadora, mas uma gestora do processo”, afirmou o presidente da companhia estatal depois da saída do colunista. Um dos gestores do PNBL a partir do Ministério do Planejamento, Rogério San-

O PNBL em números 512

Kbps será a velocidade de conexão mais baixa, considerada suficiente pelo governo para a maioria dos serviços utilizados atualmente

30

reais é o preço estimado por essa conexão, um terço do valor atual

30 mil

km de fibras ópticas cortarão o território brasileiro, contra os 12 mil atuais

40 milhões de domicílios

terão banda larga, 3,5 vezes mais que hoje, e todas as capitais contarão com oferta do serviço

3,22 bilhões

de reais será a injeção de capital na Telebrás, praticamente desativada depois da privatização das telecomunicações

6,5 bilhões de reais é quanto

o BNDES espera liberar até 2014 em financiamentos para o fortalecimento da indústria nacional de informática

tanna entende que internet é um tema fundamental para o desenvolvimento nacional e, por isso, deve haver presença pública no setor. Ele pensa que a redução de impostos pode ajudar, mas está longe de ser suficiente para garantir universalização do acesso. O presidente da Telebrás cita o programa Banda Larga Popular, do governo de São Paulo. Em acordo com a Telefônica, a gestão do PSDB cortou impostos e agora o fornecimento de internet fica em R$ 29,90 por mês, mas a uma velocidade de 256 Kbps, conexão que não pode ser considerada banda larga. A intenção inicial do PNBL é fornecer, pelo mesmo preço, a velocidade de 512 Kbps. “Acho que é pouco. Mas é bastante razoável para um país que hoje não tem esse serviço”, argumenta Santanna. O Comitê Gestor poderá, a qualquer momento, revisar para cima a velocidade. À medida que a infraestrutura se consolida, seu aumento torna-se mais fácil e mais barato. A criação das infovias é um tema complexo do PNBL. Será possível aproveitar malhas de fibras ópticas hoje subutilizadas, como as de Petrobras e Eletronet, e somar outras pequenas redes que podem ser compradas. Até o começo do segundo semestre, a Telebrás estará plenamente reativada. A partir disso serão formulados os editais de licitação para a contratação de infraestrutura. Durante a fase de expansão da rede, empresas brasileiras serão priorizadas. O governo estima oferecer R$ 6,5 bilhões em financiamentos até 2014. Ao fim dessa fase, a expectativa é que 40 milhões de domicílios brasileiros tenham conexão de alta velocidade – atualmente, são 12 milhões. Além da conexão residencial, a ideia é garantir conexão a escolas públicas e órgãos de saúde, fornecendo novos instrumentos para a elaboração de políticas que melhorem a qualidade dos serviços. Sady Jacques entende que essa é a dimensão estratégica do projeto. “Temos muitas outras carências de natureza econômica e social, mas é impossível pensar em evolução sem que se tenha cada vez mais acesso à internet, que permite agregar valor aos serviços públicos e levar conhecimento à população”, destaca. E, como ficou exaustivamente demonstrado nos últimos tempos, não é sempre que se pode contar com dinheiro do setor privado para projetos estratégicos de interesse público. JUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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HOMENAGEM

”Hoje eu não tô bom” Jornalista Bernardo Kucinski e Dieese levam prêmio João Ferrador de Cidadania 2010

ORIGENS Kucinski e o Ferrador: “Estar na sede do sindicato para receber esse prêmio representa um encontro com minhas origens, me remete às gigantescas assembleias que cobri no final dos anos 1970”

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REVISTA DO BRASIL JUNHO 2010

RAQUEL CAMARGO/SM ABC

O

jornalista Bernardo Kucinski, na categoria Personalidade, e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), na categoria Entidade, foram os ganhadores do Prêmio João Ferrador de Cidadania 2010. A premiação foi criada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC no ano passado com o objetivo de divulgar e proporcionar reconhecimento ao trabalho de pessoas e organizações “que contribuem para tornar o Brasil um país justo e mais igual”. O Dieese é um organismo de pesquisa criado em 1955 e sustentado por entidades sindicais ligadas a todas as centrais. “O prêmio representa um desafio para que todos no Dieese continuem desenvolvendo o trabalho que trouxe esse reconhecimento”, disse Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese. Bernardo Kucinski, de 73 anos, é um dos mais importantes jornalistas, acadêmicos e escritores do Brasil. Participou da criação da Revista do Brasil, em 2006, integrou seu Núcleo de Planejamento Editorial e é colaborador habitual da publicação. Atuou nos principais veículos do país, foi um batalhador da chamada imprensa alternativa nos tempos da ditadura, escreveu uma série de livros e é uma das referências da Escola de Comunicação e Artes, a ECA/USP. “O João Ferrador é o prêmio mais importante que recebo em mais de 40 anos de jornalismo. Estar na sede do sindicato para recebê-lo representa um encontro com minhas origens, me remete às gigantescas assembleias que cobri no final dos anos 1970. Lembro particularmente a do 1º de maio de 1979, quando me avisaram da morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury. Aquela morte representou a morte da tortura política no Brasil. E aquele dia representou a morte da

João Ferrador Idealizado pelo jornalista Antonio Carlos Félix Nunes, o personagem João Ferrador apareceu em 1972 ilustrando e ”assinando“ uma coluna no jornal Tribuna Metalúrgica. Ganhou forma e personalidade nos traços dos cartunistas Otávio, Laerte, Vargas e Cleiton e tornouse figura popular entre os militantes de esquerda do ABC, que fizeram moda com a camiseta do jovem operário dizendo ”hoje eu não tô bom“. A expressão simbolizava reação ao clima de arrocho salarial, carestia e repressão. João foi ícone de uma estratégia de comunicação de popularização do sindicato e de resistência à ditadura. ”É o símbolo da nossa consciência e da nossa dignidade“, escreveu o então presidente do sindicato, Luiz Inácio da Silva, no prefácio da coletânea Bilhetes do João Ferrador, lançada em 1980.

ditadura militar. As armas foram as greves, e João Ferrador foi uma de suas munições”, disse o jornalista.

Menções honrosas

A escolha dos premiados se deu por voto direto da categoria a partir de uma lista de indicados, entre eles Ivan Seixas, do Conselho de Defesa da Pessoa Humana, e Lula Ramires, da ONG Corsa, que atua na promoção da igualdade de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. Na categoria Entidade, foram indicadas também a Sempreviva Organização Feminista (SOF) – atuante desde 1963 na luta por uma democracia baseada na igualdade de relações entre homens e mulheres – e o Movimento da Luta Antimanicomial – que luta contra a forma arcaica de “tratar” a loucura à base de confinamento e violência.


DEBATE

Um novo barão da mídia Centro de estudos faz homenagem a Apparício Torelli, o Barão de Itararé, para discutir meios de comunicação e formas de democratizar o direito à informação Por Anselmo Massad

Debate reuniu jornalistas e blogueiros...

...para ajudar no fortalecimento das mídias alternativas

A partir do Sul Maio teve outro lançamento de peso para o universo dos meios de comunicação alternativos. O Sul21, iniciativa de um grupo de advogados gaúchos, tem a proposta de ser um jornal eletrônico. Com edições diárias, o veículo é voltado a ampliar a pluralidade da mídia e combater a mesmice que assola a produção das redações. A iniciativa começa com 15 blogueiros associados, cuja produção é aproveitada como a de colunistas em um jornal impresso. Assumidamente “subjetivos”, os jornalistas editados por Vera Spolidoro promovem uma cobertura com pé no Rio Grande do Sul. www.sul21.com.br

FOTOS GERARDO LAZZARI

S

e as comunicações no Brasil são dominadas por dez famílias ou grupos empresariais, um novo barão surge para confrontar a mídia convencional. O Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé foi lançado em maio. Na sede do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, um debate reuniu jornalistas e blogueiros para uma série de discussões. Na primeira, Paulo Henrique Amorim, Maria Inês Nassif e Leandro Fortes discutiram a mídia e as eleições deste ano. O nome da organização homenageia o jornalista Apparício Torelli, que criou o pseudônimo Barão de Itararé, em referência à cidade paranaense palco de uma batalha – que não se concretizou – na Revolução de 1930. O gaúcho radicou-se no Rio de Janeiro, onde fundou o jornal A Manha, com características progressistas, condizentes com suas opções ideológicas. Ele chegou a ser eleito vereador carioca pelo então Partido Comunista Brasileiro, o PCB de Luiz Carlos Prestes. Para Altamiro Borges, presidente do Centro, entre os objetivos do barão está a busca pela democratização da comunicação, fortalecer mídias alternativas, comunitárias e públicas, investir em formação crítica de produtores de mídia e estudar o setor. “Há mais pessoas hoje preocupadas com o direito à comunicação, antenadas com essa questão estratégica, mas sem uma mi-

litância mais permanente”, avalia Borges. “Um dos nossos objetivos é ajudar a formar essa militância que luta pelo fortalecimento das mídias alternativas”, explica. A entidade nasce com um conselho consultivo de 48 pessoas – e crescendo –, com representantes de entidades sintonizadas na luta pelo direito à informação e por outra mídia. Paulo Salvador, do Núcleo de Planejamento da Revista do Brasil, está entre os integrantes. O barão, por sua vez, é autor de frases de efeito que se tornaram pérolas da sabedoria popular. Uma delas, destacada pelos organizadores, vem bem a calhar: “Nunca desista de seu sonho. Se ele acabou numa padaria, procure em outra”. JUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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JAILTON GARCIA

ENTREVISTA

Dívida não saneada O engenheiro Raul Pinho alerta que só um terço do esgoto produzido no Brasil recebe tratamento. E a demanda não será resolvida por um governo: tem de ser política de Estado Por Oswaldo Luiz Colibri Vitta

O

Instituto Trata Brasil é composto por profissionais, empresas e entidades da sociedade civil especializados em saneamento básico. A organização divulgou recentemente estudo segundo o qual 6 bilhões de litros de esgotos sem tratamento são despejados diariamente em rios e praias brasileiros. O levantamento abrange apenas cidades com mais de 300 mil habitantes (81 municípios em todo o país). O esgoto não tratado poderia encher 2.360 piscinas olímpicas por dia. Para o engenheiro Raul Pinho, consultor do Instituto, o problema do saneamento é uma agenda atrasada em grande parte por ser uma ação de governos – municipais, estaduais e federal – que ora recebe atenção, ora não recebe, já que avenidas e viadutos rendem mais votos. Outro problema é a população não cobrar as autoridades e ainda conviver com gente que não tem o hábito de se preocupar com o lixo e o esgoto que vão para os rios. A questão é também de educação. A criança, segundo o engenheiro, leva para casa ensinamentos, e quem toma bronca de criança por jogar lixo pela janela do carro tende a pensar duas vezes. No último dia 12 de maio, Pinho conversou com a rádio Jornal Brasil Atual. Acompanhe os principais trechos. 24

REVISTA DO BRASIL JUNHO 2010

Qual é o trabalho do Instituto Trata Brasil?

O Instituto é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), sem fins lucrativos, que tem como proposta de trabalho e como meta perseguir a universalização dos serviços de saneamento e principalmente da coleta e tratamento de esgoto, que é a agenda mais atrasada que temos no Brasil. É um trabalho de informação à população sobre a importância do saneamento e os impactos da falta desses serviços, por exemplo, na área da saúde, na enfermidade e mortalidade, na questão da educação, dos impactos nas finanças dos municípios, na questão do turismo. É uma agenda que está muito atrasada, só a metade da população brasileira tem esgotos coletados através de redes e tubulações, e só um terço de esgoto no Brasil é tratado. Ou seja, 70% são jogados nos nossos rios sem nenhum tipo de tratamento, e isso é uma coisa que a gente tem de brigar como cidadão para reverter o cenário.

No levantamento que vocês fizeram, a Região Metropolitana de São Paulo despeja em vários rios e afluentes 18 milhões de litros por hora de sujeira. O que isso significa?


Ficamos muito tempo, no Brasil, sem fazer investimento em saneamento. Esses investimentos foram retomados desde 2003, com a criação do Ministério das Cidades e com o PAC, lançado em 2007. A gente pode dizer que esses investimentos começam a ser feitos. Nesse ranking que divulgamos, a cidade de São Paulo aparece em torno da 20ª posição e nela tem se mantido desde o início, com cerca de 90% da população atendida com rede, mas com pouco menos de 60% do esgoto tratado. Quer dizer, o que não é tratado na cidade de São Paulo é jogado nos rios que correm pela cidade. É uma situa­ ção que era muito ruim, sem nenhuma perspectiva, e hoje a gente vê os investimentos começando a acontecer. Agora, tem uma questão que é fundamental: o sanea­ mento, no Brasil, não vai ser um governo que vai resolver. O PAC destina R$ 10 bilhões por ano para obras de água e esgoto, e o Brasil precisa de R$ 200 bilhões por ano. Só aí são 20 anos, cinco governos. É necessário que todos os governos, o federal, os estaduais e municipais, mantenham uma política de investimento. Se você interrompe, certamente estará aumentando esse déficit, porque todo dia nasce gente, e uma cidade como São Paulo recebe uma forte imigração, então é preciso investir sempre. É política de Estado, não de governo. Eu lembro de campanhas de 1992, em que o governo estadual gastou US$ 3 bilhões na despoluição do Rio Tietê. O que aconteceu?

Não adianta você simplesmente limpar o rio e continuar jogando esgoto.

Na época a gente se perguntava se seria possível nadar no Rio Tietê como meu pai fazia. Será que pelo menos meus netos poderão?

O investimento deveria ter continuado. Não adianta fazer uma campanha para despoluir se vão continuar jogando esgoto. Tem de fazer a infraestrutura, as redes de esgoto, e tem de tratar o esgoto, senão não vai despoluir. A Sabesp está trabalhando com a meta de universalizar o serviço na Região Metropolitana até 2018. Então, cabe a nós, cidadãos, cobrar. Eles divulgaram esse plano, e a nós cabe fiscalizar e cobrar os investimentos para que em 2018 você possa até nadar no rio. É fundamental a mobilização da sociedade. Na hora que o cidadão chega em casa e não tem água, ele liga imediatamente para a concessionária para reclamar. Mas, quando ele aperta o botão da descarga, o problema foi embora. Então, a gente esquece e não se preocupa com o destino daquele esgoto. Só que hoje, com o inchaço das cidades, esse problema está muito mais próximo de nós. É por isso que precisamos realmente fiscalizar e cobrar. Temos eleições em outubro, vamos votar em quem está comprometido, porque isso é uma agenda ganhaganha: é bom para a população, para o governo, gera emprego e renda, diminui gasto com saúde, aumenta qualidade de vida. Só tem benefícios, só que não estamos acostumados a nos preocupar com essa agenda.

De acordo com o Instituto, atualmente são gerados na Região Metropolitana de São Paulo 61,2 milhões de litros de esgoto por hora.

Esses dados são todos fornecidos pela própria Sabesp, a base de dados que a gente utiliza é oficial e pública, qualquer um pode entrar no site do Ministério das Cidades e procurar essas informações no Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento. Não trabalhamos com dados que não sejam de domínio público e oficiais.

Mas também é uma questão de cultura, de as pessoas lembrarem de não jogar nada no rio.

É comportamental. Tudo começa na escola. Fizemos uma pesquisa no ano passado com o Ibope e uma das demandas que apareceram na população das maiores cidades que participaram do mapeamento – são 81 cidades brasileiras – foi de ter na escola, no ensino básico já, noções do uso racional da água, da importância do saneamento, como se comportar... A criança, aprendendo, leva para dentro de casa esses ensinamentos.

Se o pai fizer algo errado, o filho corrige, né?

É como jogar a latinha de cerveja pela janela do carro. O adulto aprende com a criança. Falar de adulto para adulto, ele não assimila, mas, na hora que o filho ou uma criança chama atenção, ele pensa duas vezes.

Existem exemplos de rios que foram despoluídos e os problemas de saneamento foram resolvidos?

Existem. Os próprios canais de televisão apresentaram, na Coreia do Sul, cidade que teve seu rio tratado (Seul). Era um rio totalmente poluído, como é o Tietê. E o próprio Tâmisa, em Londres, foi despoluído e virou um rio até piscoso. Então, é possível fazer, sim, só tem de parar de jogar esgoto, tratar os esgotos e ir limpando o rio. A própria natureza vai se encarregando de limpar, desde que você pare o processo de contribuição. E isso só é possível fazer com investimento, não tem outra forma.

Investimento contínuo, educação e cobrar os políticos. É obrigação nossa ficar atentos aos candidatos que estão atentos a essas questões.

E valorizar o político que faz. Está cheio de prefeito que fez obra de saneamento e não foi reeleito porque a obra fica lá enterrada, e o adversário que faz a pracinha, o campo de futebol, acaba se elegendo. Tem de ter consciência e cobrar a sequência das políticas, porque normalmente o candidato que entra acaba parando o que o antecessor estava fazendo.

No rádio e na web

O Jornal Brasil Atual traz diariamente entrevistas que você não ouve nas outras rádios. De segunda a sexta, das 7h às 8h, na FM 97,3 para a Grande São Paulo. Ou na www.redebrasilatual.com.br

Quando o cidadão chega em casa e não tem água, liga para a concessionária e reclama. Mas, quando aperta o botão da descarga, o problema foi embora. E não se preocupa com o destino daquele esgoto, para onde está indo

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Transportar crianças de 1 a 4 anos na cadeirinha é lei. Elas precisam da sua proteção no trânsito. A vida de uma criança é o que existe de mais importante. Por isso, use os equipamentos de segurança adequados. Eles diminuem em 71% os riscos de morte nos acidentes. O uso desses equipamentos é lei e haverá fiscalização a partir de junho. Evite multas, perda de pontos na carteira e o principal: proteja a vida da criança da forma certa.

www.eusoulegalnotransito.com.br


DA MATERNIDADE ATÉ 1 ANO

Bebê-conforto no banco de trás, no sentido contrário do motorista

DE 1 A 4 ANOS Cadeirinha no banco de trás

DE 4 A 7 ANOS E MEIO Assento de elevação no banco de trás

DE 7 ANOS E MEIO A 10 ANOS Cinto de segurança e no banco de trás


MUNDO

O neorracismo na África do Sul

SHAWN BALDWIN/REUTERS

Os novos líderes do Movimento de Resistência Afrikaner afirmam que não são racistas. Apenas acreditam na pureza da raça branca e querem um país só para eles Por Flávio Aguiar, de Berlim

FANATISMO Terre’Blanche e seguidores: suástica adaptada

C

hris Mahlangu, de 28 anos, mais um menor, de 15 anos, são acusados de matar, a golpes de barra de ferro e de machete, o fazendeiro Eugène Terre’Blanche, de 69 anos, em 3 de abril deste ano. Eugène Terre’Blanche era o líder do Afrikaner Weerstands Beweging (AWB) – Movimento de Resistência Afrikaner –, que reivindica um país independente exclusivo para os brancos da África do Sul. Sua morte, às vésperas do evento mais importante do esporte mundial, ameaçou provocar uma tempestade racial na África do Sul. Tal conjuntura levou o presidente do país, Jacob Zuma, e o ministro da Polícia, Nathi Mthethwa, a fazer apelos por paz e contenção. Isso não impediu que, dias depois do assassinato, quando os dois acusados se apresentaram à polícia, duas multidões se reunissem e

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quase se confrontassem. Uma de brancos, pedindo literalmente “vingança”, e a outra de negros, defendendo os dois acusados, tiveram de ser separadas à força pela polícia. A ficha de Eugène Terre’Blanche não era nada limpa. Seu nome vinha de um longínquo ascendente, Etienne Terre’Blanche, protestante francês que em 1704, fugindo das perseguições religiosas em seu país, chegou à futura África do Sul. Eugène Terre’Blanche era descendente de militares que lutaram sempre com os bôeres – colonos brancos, em geral de origem holandesa – contra o domínio britânico da região e contra os negros nativos. Nascido em 1941, Terre’Blanche fez carreira policial, chegando a ser da equipe de segurança dos governos sul-africanos durante a vigência do apartheid, o regime de separação entre brancos e negros. Foi um

dos fundadores do AWB, cuja página na internet – www.awb.co.za – exibe uma bizarra mistura de hinos religiosos, citações bíblicas, conclamações militares e a reivindicação de um país só para brancos. A partir dos anos 1990, quando ficou claro que o apartheid caminhava para o fim, o AWB entregou-se a uma série de ações violentas e atentados. O pior deles foi um ataque a bomba às vésperas das eleições de 1994 que levaram Nelson Mandela ao poder, e marcaram o fim do regime discriminatório. Na explosão morreram nove pessoas. Em 2001 Terre’Blanche foi condenado por agredir um negro a golpes de barra de ferro, causando-lhe danos cerebrais definitivos. Solto em 2005, assumiu uma atitude menos agressiva, permanecendo em sua fazenda, mas ainda ativo na pregação separatista do movimento branco.


Há diferentes versões sobre os motivos de seu assassinato, perpetrado enquanto ele dormia. A primeira diz que se tratava de uma questão salarial, pois os acusados reivindicariam o pagamento de uma dívida equivalente a quase R$ 100; já a segunda, sustentada pela defesa, diz que o crime sucedeu a tentativas de estupro do menor. Ambas as versões estão sendo investigadas. Mahlangu pleiteou liberdade sob fiança; o menor, não; a defesa levantou o argumento de que, na prisão, ele estará mais seguro do que em liberdade. Em 10 de junho, exatamente na véspera da abertura da 19a Copa do Mundo de Futebol, na África do Sul, um tribunal sul-africano deverá se pronunciar sobre o pedido de liberdade sob fiança para Chris Mahlangu. A decisão só se tornará conhecida após

“Bantustan” (Lugar dos Bantus), regiões esparsas no território que, a longo prazo, ganhariam “autonomia”. Não poucas fontes situam o “Waterloo” do apartheid na batalha de Cuito Cuanavale, em território angolano, em 1988. Nessa batalha, descrita como a maior na África desde a Segunda Guerra Mundial, confrontaramse, de um lado, militantes do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), de esquerda, e tropas cubanas; do outro, militantes da União Nacional pela Independência Total de Angola (Unita), de direita, e tropas sul-africanas. A batalha durou meses, envolvendo infantaria, artilharia e aviação. Embora ambos os lados clamassem vitória, ficou claro que dali para a frente o poderio da África do Sul declinaria, o que deu margem às progressivas negociações, a partir de 1990, que puseram fim à discriminação. Partidários do AWB declararam que a morte de Terre’Blanche era o começo de uma “guerra”, e conclamaram, inutilmente, os países envolvidos a boicotar a primeira Copa do Mundo em território africano. Apesar de tudo, os novos líderes do movimento insistem na tecla de que nada têm contra os negros, querem apenas um país só deles. Andriés, irmão do morto, declarou à imprensa: “Nós não somos racistas. Só acreditamos na pureza da raça branca”. Em si, a declaração já é bastante bizarra. Ainda mais diante de uma palavra de ordem que seguidamente está presente, embora jamais oficialmente, nas manifestações do AWB: “Negros, voltem para suas tribos”.

“XENOFOBIA É CRIME” Manifestação antirracismo na Cidade do Cabo: “África para africanos”

MARK WESSELS/REUTERS

SIPHIWE SIBEKO/REUTERS

Dívida ou defesa

o fechamento desta edição, em 1º de junho. Mas, independentemente da decisão judicial, sobressai do episódio que ele é parte de um quadro angustiante. Dezesseis anos depois do fim do apartheid, as feridas deixadas pelo regime continuam abertas, como continua vivo o ressentimento de muitos brancos contra a “predominância” dos negros. Junte-se a isso uma inquietação na zona rural, onde grande parte das terras continua em mãos de fazendeiros brancos e um processo lento de reforma agrária não é suficiente para pacificar os ânimos. Desde o fim do apartheid o governo registrou 9.400 casos de violência na zona rural, com 2.500 mortos, segundo cifras oficiais; 3.000, segundo outras fontes. Das vítimas, 60% eram de pessoas autodeclaradas de raça branca. O regime do apartheid existiu na África do Sul a partir de 1948, preservando os privilégios da minoria branca. Em 1949 foram proibidos os casamentos inter-raciais; em 1950 foi declarado crime de “imoralidade” uma relação sexual entre pessoas de raças diferentes, e ao mesmo tempo foi instituída a obrigação de todos se registrarem como membros de alguma raça, branca, negra, mestiça ou “nativa” de outra que não as anteriores. Entre 1950 e 1953 o regime terminou de se estruturar, estabelecendo a separação em todos os espaços: hospitais, escolas, parques, praças, praias, transporte, áreas de residência etc. A partir de 1970 os negros perderam a cidadania sul-africana, passando a ser cidadãos de um dos dez

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CIDADANIA

U

m enorme barulho surge de repente. Não é um estrondo. É constante, quase uniforme, uma soma de vozes que assim, a uma certa distância, fica difícil de entender. É estranho saber também de onde vem. É caótico para identificar. Sob o sol de Porto Velho, quase ao meiodia na capital de Rondônia, a uns poucos passos dali está a origem do ruído. A quadra central do presídio de Urso Branco recebe os detentos de uma de suas alas. São muitas dezenas, mais de uma centena de homens que se espalham por essa espécie de tanque de concreto. Lá embaixo, em um canto, evangélicos entoam apaixonadamente suas preces. Do lado oposto, a ignorar diversas outras ações, um rapaz corta o cabelo de um colega e já tem outros à espera. Ao centro se desenrola uma confusa partida de futebol, com um número incerto de jogadores em cada time, chinelos espalhados pela quadra e um bocado de times “de próximo”. A cena é caótica. Colados a uma grade, alguns internos pedem uma série de favores ao agente de turno. Esses pedidos, às vezes como súplicas, os “morcegos” (cuecas) pendurados nas grades dos pavilhões e as condições sanitárias claramente abaixo do desejável não deixam esconder os problemas do presídio. Por outro lado, quem tem receio de encontrar a mesma penitenciária na qual cabeças humanas serviram como bola para uma macabra partida de futebol acaba vendo um cenário menos estranho que o esperado. “Está longe de ser uma unidade-modelo, claro, mas em relação ao que era em 2002 melhorou demais. No controle administrativo da população carcerária, na infraestrutura. Hoje, posso te dizer que há muitas bem piores”, avalia André Cunha, diretor de Políticas Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e presidente da Comissão Especial que traça objetivos para melhorar Urso Branco. A unidade de Porto Velho ainda sofre com superlotação: 672 detentos em um espaço para 470, mas nada que se compare ao número incerto de 2002. Agora, cada cela tem em média 10 internos, contra 25 a 30 nos piores momentos – nos quais, aliás,­a divisão chegava a ser fictícia. Desde o fim de 2007 não há registro de morte, uma conquista para um lugar antes habituado a acertos de conta capitais.

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ERA UMA VEZ A

CASA DO Condenação por chacina de 27 presos em 2002 e primeiros trabalhos de ressocialização movem Estado brasileiro para reverter situação de Urso Branco, presídio que virou sinônimo de barbárie Por João Peres, de Porto Velho Foi em 1º de janeiro de 2002 que começou o mais triste episódio da história de Urso Branco, inaugurado em 1996. À ocasião, uma tentativa de fuga foi reprimida a balas. O diretor da unidade naquela época, Weber Jordano Silva, tinha em sua gaveta uma ordem judicial recente que determinava a remoção dos detentos do chamado “seguro”, área existente em praticamente todos os presídios com a função de segregar

os ameaçados de morte e os condenados por estupro. Ao seguir a determinação, o resultado foi o que se esperava: 27 mortes.

Pressão externa

Naquele mesmo ano, organizações da sociedade civil ingressaram com ação no Sistema Interamericano de Justiça contra o Brasil. A Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu, de lá para cá, oito


ESPANTO FOTOS DIVULGAÇÃO/TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE RONDÔNIA

CALMARIA Cela e corredor registrados em maio passado: “Em relação ao que era em 2002, melhorou demais”, diz o diretor de Políticas Penitenciárias

resoluções pedindo mudanças – a responsabilização em caso de não cumprimento é da União, e não apenas do governo estadual. Algumas dessas resoluções incentivaram ou forçaram a adoção de medidas-chave pelo Brasil. O centro do trabalho foi a formação, em 2004, da Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), que passou a se reunir periodicamente nas dependências de Urso Branco para reverter os problemas. A comissão é formada por peticionários da ação internacional, representantes de Ministério da Justiça, Itamaraty, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, governo estadual, Judiciário e Ministério Público locais. A cada encontro, novas demandas são apresentadas e a administração de Urso Branco e o governo de Rondônia são cobrados. Se hoje o presídio está longe do ideal, pelo menos é um lugar controlado. No auge do descontrole, era difícil entender a lógica interna de funcionamento. Durante a noite, agentes do Estado não se permitiam entrar em boa parte da unidade e, mesmo ao longo do dia, muitos presos circulavam livremente, com direito a todo tipo de regalia, enquanto outros, com muita sorte, tinham direito a um banho de sol por semana. A pressão externa e a articulação entre poderes possibilitaram, em 2006, a identificação e a transferência dos principais líderes, primeiro passo para que o Estado pudesse retomar controle sobre a unidade. “Foram feitas outras ações no sentido da desarticulação, de separar os grupos, e os servidores se sentiram mais encorajados para ficar próximos dos presos, trabalhar dentro dos pavilhões. Foi o grande momento da retomada”, destaca Gabriel Tomasete, ex-secretário-adjunto da Secretaria de Justiça de Rondônia. A bem da verdade, muitas coisas caminham a passos lentos. Só neste ano tiveram início os primeiros trabalhos de ressocialização. Por enquanto, há apenas uma biblioteca, um grupo de detentos que costura bolas esportivas e outro que pinta quadros. Todos os trabalhos são muito incipientes e envolvem uma pequena parte dos internos. A direção do presídio promete para breve oficinas de informática e de marcenaria. Sérgio William Domingues Teixeira, juiz titular da Vara de Execuções e ContravenJUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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JOÃO RAMID RONI CARVALHO/DIÁRIO DA AMAZÔNIA

RESSOCIALIZAÇÃO Atividades lúdicas e cuidados com a saúde: tratamento humano

ções Penais de Porto Velho, que acompanha o caso de Urso Branco com atenção, não vê outra saída para nenhuma unidade prisional. “A aposta na ressocialização é certa. É verdade que você pode apostar na ressocialização e o apenado voltar a cometer um crime. Mas, por outro lado, é certo que, se você tratar a pessoa como um animal, ela vai reagir como um animal”, afirma. 32

REVISTA DO BRASIL JUNHO 2010

Acerto de contas

O braço do Judiciário é fundamental para recuperar Urso Branco. Se foi a ordem de um juiz o pretexto para juntar presos do seguro com os demais em 2002, foi uma ordem de Teixeira que, em 2008, proibiu que fossem realizadas novas entradas na unidade. À época, Urso Branco ainda tinha mais de mil internos.

O Judiciário é também o instrumento para resolver uma das pendências com a Corte Interamericana. O último mês marcou o início dos julgamentos dos envolvidos na chacina de 2002. Ao todo, foram condenados 11 dos 14 réus levados a júri popular. A decisão, ao longo de seis extensas sessões com duração de dois dias, foi por condenações que variam entre 405 e 486 anos. Todos os julgados nessa primeira “bateria” são presos. Agora, faltam mais três detentos à época, que estão foragidos e tiveram de ser convocados por edital. A maior dificuldade será a responsabilização de três diretores do presídio, que recorreram ao Tribunal de Justiça de Rondônia para tentar evitar o júri. Em outra frente, a presença do governo federal garante as melhorias necessárias ao sistema prisional de Rondônia. Não é à toa que o diretor do Depen preside a Comissão Especial que se reúne em Porto Velho. André Cunha conhece as deficiências do estado, influencia no direcionamento de verbas e, com isso, espera que ao longo deste e do próximo ano o sistema local ganhe 1.500 novas vagas, ajudando a acabar de vez com a superlotação de Urso Branco. Evidentemente, a construção de mais presídios não soluciona todos os problemas. O controle sobre a unidade não pode mais ser perdido. Medidas adotadas pela atual diretoria tentam inviabilizar a entrada de drogas e de armas no complexo. Os funcionários, sem exceção, precisam passar por revista todos os dias ao entrar. Wanderlei Pereira Braga, diretor da unidade desde o ano passado, afirma que quer estimular o diálogo entre agentes e detentos. “Uma ideia que a gente coloca para o agente penitenciário é que ele está ali para tentar ressocializar aquela pessoa, manter um diálogo com o preso”, afirma. Espera-se agora o momento em que a Corte Interamericana poderá, com todo o prazer, dar “alta” ao Estado brasileiro nesse caso. Ainda restam muitas dúvidas, mas pelo menos algumas respostas foram dadas e há, no horizonte, caminho aberto para outras. O repórter João Peres e o fotógrafo João Ramid viajaram a Porto Velho para a realização de um livro que conta a história do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. A obra será lançada no segundo semestre de 2010 pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.


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CULTURA

Tradição

AMEAÇADA

A voracidade imobiliária pressiona a Festa da Lavadeira a deixar a Praia do Paiva, em Cabo do Santo Agostinho (PE) Por Vania Alves. Fotos de Verena Glass

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assado o Carnaval, é no dia do trabalhador que reis e rainhas do maracatu pernambucano voltam a tirar a poeira de suas fantasias, os bonecões de Olinda saem do armário e as passistas de frevo abrem seus guarda-chuvas. Na Praia do Paiva, Região Metropolitana de Recife, eles se juntam a grupos de coco, afoxé e cavalo-marinho, cirandeiros, bandas de pífano e escolas de samba, em um dos maiores festivais de cultura popular do país, a Festa da Lavadeira. No 1º de Maio deste ano, em sua 24ª edição, o

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evento atraiu mais de 30 mil pessoas, ou melhor, “brincantes”, no bom “pernambuquês”. Na praia, pertencente ao município de Cabo de Santo Agostinho, são montados quatro palcos com programações simultâneas. Pela rua de areia que liga um palco a outro, blocos de maracatu e frevo puxam longos cordões de brincantes. “O melhor daqui é que o povo faz a festa em cima e embaixo dos palcos. É muito divertido”, disse Laurinda Maria Nogueira, de 59 anos, para quem a folia começou no dia anterior, com os preparativos. Junto com as filhas, irmãs,


cunhadas e vizinhas, ela preparou um verdadeiro banquete. De dentro de um isopor gigante levado pelo grupo saíam arroz, feijão, frango assado, bife à milanesa, pastel de carne e outros pratos, o bastante para servir as dez pessoas da família e os amigos. “Eu nem acredito que estou aqui, sempre tive vontade de vir, mas não tinha como”, comemorou Severia Olímpia, 78 anos, vizinha de dona Laurinda no bairro de Beberibe, em Recife. Para chegar à festa, muita gente faz como elas: junta os parentes e amigos e freta um ônibus. Quem vai de Recife para lá, ao deparar com esses comboios, e com romarias de caboclos de lança e outros personagens, já sabe que está no caminho certo. E em meio ao improviso os artistas se preparam para as apresentações. “É uma festa linda, deveria ser estendida para todo o Brasil. Manifestações como essa são a memória viva da nossa história e deveriam ser tratadas como patrimônio”, disse o compositor, violeiro e cantador mi-

com a assessoria de imprensa, o complexo terá empreendimentos-âncora e áreas para esporte e lazer, incluindo até “um campo de golfe com 18 buracos projetado por Greg Norman, uma lenda viva do golfe”. Os empreendedores afirmam que não têm nada contra o evento, desde que ele não invada os limites de sua propriedade. No entanto, todo o espaço onde será construído o condomínio – embora ainda não haja nem vestígio de obras – e parte da área pública foram cercados com arame farpado. De acordo com documento enviado pelo departamento de marketing do empreendimento para o organizador da festa, Eduardo Melo, na tentativa de um acordo, a festa não deve ser realizada em áreas que “venham a intervir no bom desenvolvimento da Reserva do Paiva, independente de se tratar de área pública ou privada”. As respostas enviadas pela assessoria de imprensa da Reserva do Paiva à reportagem demonstram preocupação com a se-

estrutura necessária para o evento. Por trás da teimosia dos festeiros há uma questão religiosa. A festa começou com a instalação de uma estátua de uma lavadeira em tamanho natural na casa do artista plástico Eduardo Melo. “O povo daqui nunca tinha visto uma estátua como aquela e começou a fazer oferendas a ela”, conta. Hoje, a estátua simboliza uma filha de Iemanjá. Antes da festa, é realizado um ritual de candomblé e no dia seguinte as oferendas depositadas a seus pés são jogadas no mar. “Há uma incompreensão do significado dessa festa. O que eles (os idealizadores do condomínio) não entendem, ou não querem entender, é a religiosidade afro-brasileira. E isso é a alma do Brasil”, disse o ator Sergio Mamberti, presidente da Funarte, que representou o Ministério da Cultura. Fernando Muniz, secretário de Turismo, Cultura, Esporte e Juventude da Prefeitura de Cabo de Santo Agostinho, discordou: “É uma festa que trata a cultura popular com

No 1º de Maio deste ano, em sua 24ª edição, a festa atraiu mais de 30 mil “brincantes” neiro Dércio Marques. Hoje morando em Salvador, Dércio foi a Recife só para participar da festa – e não era uma das atrações. “Todo artista sério deveria estar aqui para prestigiar e ajudar a proteger uma manifestação autenticamente popular”, completa.

18 buracos

O músico se refere às pressões que os organizadores da festa estão sofrendo por parte da Odebrecht Empreendimentos Imobiliários e dos grupos Ricardo Brennand e Cornélio Brennand, que se uniram para construir um condomínio de luxo nas imediações, o Reserva do Paiva, e não querem uma vizinha tão popular. O bife à milanesa da dona Laurinda não combina com as unidades de 330 a 800 metros quadrados projetadas para o condomínio. De acordo

gurança. “Imagina-se que em um espaço com uma dimensão mais apropriada a festa possa oferecer a segurança necessária aos frequentadores”, diz o texto. A “preocupação” com o público não tem muito fundamento. A Polícia Militar, que ao longo do dia 1º de maio disponibilizou 100 homens para manter a segurança do local, não registrou ocorrências graves. A festa deste ano só foi realizada graças à intervenção do Ministério Público Estadual­, da Secretaria Especial de Direitos Humanos e do Ministério da Cultura. “Invadiram o espaço e queriam desrespeitar o direito de ir e vir dos cidadãos”, diz Ivanir Augusto Alves dos Santos, assessor especial da secretaria, enviado ao local uma semana antes do evento para intermediar com a prefeitura a retirada das cercas e a montagem da infra-

muita dignidade, a forma com que os grupos se apresentam, com bons equipamentos de som e luz, e a prefeitura dá todo o apoio, mas a realidade de hoje não é a mesma de 20 anos atrás e temos de nos adequar”, disse. “Não podemos pensar única e exclusivamente nas pessoas de baixa renda, temos de dar oportunidade de melhor qualidade de vida para todos, independentemente de renda.” Este ano a “adaptação” significou perder parte do espaço das apresentações. À medida que a Reserva do Paiva ganhar corpo, esperam-se mais pressões. Apesar de constar no calendário turístico municipal e estadual e ter sido premiada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a Festa da Lavadeira corre riscos – de acabar ou se transformar tanto que não será mais possível reconhecê-la. JUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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PERFIL

MARCELO CORREA/DIVULGAÇÃO

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As cidades estão mais limpas, as casas bem pintadas, as praças ajardinadas, o povo mais feliz


Papagaio do futuro e da

perança Alceu enche a bola dos Pontos de Cultura, diz que o novo tempo “demorou, mas chegou”, e ainda cobra espaço para a produção cultural brasileira Por Maria Ester Costa

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BARK STUDIO (WWW.BARKSTUDIO.NET)

om 38 anos de carreira, o cantor e compositor pernambucano Alceu Valença continua criativo, rebelde, crítico da indústria cultural, da importação de modelos e da falta de divulgação dos artistas brasileiros. Perto de completar 64 anos, em julho, continua com a vitalidade dos anos 1980, auge de sua carreira, e ainda cativa o público jovem, que revisita suas canções, olha com curiosidade para seus novos trabalhos, suas misturas de sons e ritmos. Herdeiro musical de Luiz Gonzaga, de Jackson do Pandeiro e de Dorival Caymmi, Alceu deu novo brilho aos ritmos regionais, como baião, coco, toada, maracatu, frevo, caboclinhos, embolada, repentes. Em seu primeiro disco, lançado em 1972 em dobradinha com Geraldo Azevedo, já punha um tempero rock’n’roll nas batidas tradicionais nordestinas que continuaram marcando docemente o compasso de sua história musical, inclusive nos clássicos como Coração Bobo, Espelho Cristalino, Morena Tropicana, La Belle d’Jour, entre outros. Nas letras das canções Papagaio do Futuro e Espelho Cristalino, ainda nos 70, Alceu já expunha a questão ambiental. O artista, aliás, sempre foi um inquieto “militante” da diversidade cultural brasileira. E da esperança, sentimento presente em muitas de suas letras, falando de amor ou da natureza. Em suas turnês pelo exterior, o pernambucano influenciou artistas americanos, europeus e brasileiros das gerações mais recentes como Chico Cesar e Zeca Baleiro. Foi um divulgador do movimento manguebeat, de Chico Science e o Nação Zumbi. E considera que as imposições estéticas do imperialismo cultural americano e a falta de divulgação por parte dos veículos de comunicação de massa ainda dificultam o surgimento de novos artistas no país. Com 28 álbuns lançados, Alceu Valença surgiu para o grande público na apresentação ao vivo no 7º Festival Internacional da Canção – tido como o último dos grandes –, com Papagaio do Futuro. Era 1972, o clima de ebulição dos episódios anteriores não era mais tolerado pela ditadura, a Globo cedia a todas as pressões e as caras começaram a mudar. Despontavam nomes como Belchior, Ednardo, Fagner, Walter Franco, Raul Seixas, Sérgio Sampaio. A fase nacional foi vencida por Fio Maravilha (de Jorge Ben, com Maria JUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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Alcina), e Diálogo, samba de Baden Powel e Paulo César Pinheiro. Alceu não figurou entre os primeiros, mas levantou a plateia ao se apresentar na companhia de Geraldo Azevedo e Jackson do Pandeiro. “Estou montado no futuro indicativo/ Já não corro mais perigo/ Nada tenho a declarar/ Terno de vidro costurado a parafuso/ Papagaio do futuro/ Num para-raio ao luar.../ Eu fumo e tusso/ Fumaça de gasolina/ Olha que eu fumo e tusso/ É fumaça de gasolina.” Nos anos 1980 emplacou um clássico que fez história, o disco Cavalo de Pau, e nos anos 1990 outro, O Grande Encontro, na companhia de Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Elba Ramalho. Alceu é um entusiasta dos Pontos de Cultura, programa criado pelo Ministério da Cultura em 2005 que, por meio de convênios, fortalece iniciativas artísticas desenvolvidas pela sociedade civil nas comunidades. Atualmente, existem mais de 650 deles espalhados pelo país: “Esse projeto favorece realmente os mais carentes, mas a barreira ainda está na mídia, na imprensa. Precisamos aprofundar a discussão e a divulgação da cultura brasileira, que têm de ser em escala bem maior”, disse numa entrevista. Em seu blog, o músico expressou assim a percepção de mudanças que vêm acontecendo no país: “Desde o início da minha carrei-

ra, botei o pé na estrada, me doía ver a miséria berrante da maior parte de nossa gente, quase sempre negros, caboclos, quase sempre nordestinos. Mês passado, ao viajar, em busca de locações para a Luneta do Tempo, pelo interior do agreste de Pernambuco (São Bento, Pesqueira, Alagoinha, Cimbres), me comovi vendo que os lugares por onde passei estão caminhando para um nível de vida mais digno. As cidades estão mais limpas, as casas bem pintadas, as praças ajardinadas, o povo mais feliz. Tenho consciência que precisamos avançar muito mais, sobretudo, na educação e na saúde. Cada vez mais acredito no Brasil e em nossa gente”. E a esperança e a alegria que marcam sua poesia e sua música parecem continuar firmes na sua forma de pensar e ver o Brasil: “Demorou, mas chegou. Um novo tempo. Conseguimos resistir, por décadas, a toda sorte de colonialismo, intempéries sociais, econômicas e políticas. Saímos fortalecidos, mais maduros, sabendo, inclusive, que o processo está no início e que, portanto, precisamos continuar trilhando esse novo caminho. Não precisamos mais seguir a cartilha de ninguém. Agora negociamos com países africanos, árabes, europeus e asiáticos sem tutor e sem chancela de ninguém. Alegria, minha gente, alegria...”

Cinema de cordel Por Guilherme Bryan Alceu Valença estreia como diretor de cinema em A Luneta do Tempo, numa viagem musical embalada pela poesia repentista, os mitos do cangaço e a diversidade da arte popular nordestina Primeiro filme do cantor e compositor Alceu Valença, A Luneta do Tempo foi rea­ lizado durante quase uma década, principalmente em São Bento do Una, terra natal do artista no sertão de Pernambuco. E tem previsão para estrear este ano. “Não é a minha história. Mas sempre criamos obras em cima de bases que possuímos”, explica Alceu. No blog Papagaio do Futuro ele revela: “É um mergulho que faço em minha infância, no meu passado, e esse passado tem a trilha sonora das ruas do Nordeste, dos cantadores anônimos, coquistas, violeiros, emboladores, cegos arautos de feira, da música de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, do samba-canção dos anos 50, da música contemporânea brasileira. Um documento para pensar a cultura do Brasil e do Nordeste”. O filme começa com Lampião (Irandhir Santos, de Besouro) e seu comparsa Severo Brilhante (Bahia, caseiro de Alceu Valença) perseguidos pelos policiais de Antero Tenente (Aramis Trindade). Severo Brilhante chega a capturar o tenente e a torturá-lo. Tempos depois leva o troco e é morto por Antero. Lampião, junto com Maria Bonita 38

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(Hermila Guedes, de O Céu de Suely), tem o mesmo destino. No Purgatório, Maria Bonita tenta convencê-lo de que morreram, mas ele não aceita. Encontra uma luneta com a qual consegue ver o passado e o futuro. E toma conta do pedaço. À São Bento do Una de antigamente, reproduzida na Vila de Cimbres, em Pesqueira (PE), chega o circo do ítalo-libanês Nagib Mazola (Ceceu Valença, filho de Alceu). “O circo é o motivo para uma tragédia, uma vez que, quando ele chegava às cidades do interior, as meninas ficavam loucas pelos circenses e as traições aconteciam”, conta o diretor. Mazola tem um caso com a mulher de Antero Tenente, dona Dodô, e Antero Filho do pai só leva o nome. A viúva de Severo Brilhante, Nair, parte com o circo e também tem um filho de Mazola, Severo Filho (Ari de Arimatéa), que sonha ser Luiz Gonzaga. Sem saber de seus laços de sangue, Antero Filho e Severo Filho vão se confrontar. Está pronto o picadeiro da tragédia grega, que será toda narrada em versos e acompanhada por um cordelista, Zé do Monte. A história começou a ser escrita em 1999,

ano da morte do pai de Alceu Valença, Décio de Souza Valença, advogado, deputado constituinte de 1946 e proprietário da fazenda Riachão, onde foram rodadas algumas cenas do filme. O texto girava em torno da história de Lampião, tema recorrente nas reuniões familiares, uma vez que o pai estivera em Angico, onde o bando do Rei do Cangaço foi encontrado morto. “Ao chegar lá, papai viu os corpos degolados e, por acaso, levou um chapéu de cangaceiro para casa. Foi quando começou uma discussão que até hoje permanece, dividindo as pessoas entre aquelas que diziam que Lampião era um herói do povo, que roubava dos pobres para dar aos ricos, e as que o consideravam um bandido safado. Essa história rodeou a minha infância”, recorda. Em 1997, Alceu Valença interpretaria o cangaceiro na telenovela Mandacaru, da Rede Manchete, com Daniela Mercury de Maria Bonita.

Mãos à obra

A paixão de Alceu Valença pelo cinema vem desde a infância, quando assistia aos filmes do norte-americano Roy Rogers e à


No Purgatório, Maria Bonita tenta convencer Lampião de que morreram, mas ele não aceita. Encontra uma luneta com a qual consegue ver o passado e o futuro

antiga série Super-Homem. Com 16 anos, quando morava em Recife, via muita chanchada e começou a jogar basquete. “Passaram a me chamar de Jean-Paul Belmondo (ator famoso pelos filmes do movimento francês nouvelle vague), porque eu era superparecido com ele, só que muito mais bonito”, brinca. Alceu conta que ficou emocionado quando caminhou, em Paris, na rua onde Belmondo gravou a cena final de Acossado, de Jean-Luc Godard (1960). Em 1974, Alceu foi protagonista do filme A Noite do Espantalho, do compositor Sérgio Ricardo, e atuou em dois curtas do cineasta pernambucano Jornard Muniz de Brito. “Eu era o único dos atores que ficava o tempo todo olhando no visor. Eu gostava de ver os quadros”, lembra. A partir de 1983, passou a comprar câmeras e filmar tudo o que encontrava pela frente. Quando começou a rabiscar A Luneta do Tempo, o autor de Tropicana escrevia textos aleatoriamente. Um dia os mostrou ao paraibano Walter Carvalho, consagrado di-

retor de fotografia (Abril Despedaçado, Carandiru, Entreatos) e diretor de obras como Cazuza, Budapeste e o recém-acabado Raul – O Início, o Fim e o Meio, documentário sobre o mito do rock nacional. Ao ler o trabalho de Alceu, Carvalho decretou: “Isto é cinema!” Mas acabou não levando adiante o convite para trabalhar com a descoberta. O músico pernambucano decidiu então estudar roteiro e cinema e tocar o projeto. Enquanto o produtor Tuinho Schwartz o inscrevia na Agência Nacional de Cinema (Ancine), Alceu Valença cuidava da seleção dos atores. Antes de filmar, passou a realizar um “storyboard sonoro” (uma espécie de rascunho do que será efetivamente gravado), que teve quatro versões, com todos os diálogos, músicas e efeitos como tiros e cavalo correndo e relinchando. “Apesar de achar que existem grandes atores no Brasil, eu queria um trabalho muito forte do ator, partindo do método que criei”, conta Alceu, que contou com o auxílio do preparador de elenco Bruno Costa.

DIVULGAÇÃO

Lampião (Irandhir Santos) e Maria Bonita (Hermila Guedes)

Também responsável pela trilha musical, Alceu Valença interpretaria quatro personagens, mas ficou sem nenhum. E, por mais que planejasse cenas, confessa que muitas soluções saíram mesmo de improviso: “Eu trabalhava 12 horas por dia, viajava 2 na ida e na volta, tinha 1 para o almoço e, quando voltava para a cidade onde estávamos hospedados, trabalhava no plano de filmagem e não dormia. Os personagens não deixavam. Eu querendo dormir, e esses danados conversando comigo. Traçava planos, mas na hora H eu chegava e ia inventando”. Muitas das canções de Alceu Valença também são cinematográficas. “O que eu faço é cinema, mas só depois de A Luneta do Tempo é que comecei a observar essa característica em várias músicas”, diz. Como em Casaca de Couro: “Corte brusco para a avenida/ Os sinais estão fechados/ Uma égua campolina/ Galopava entre os carros/... Vinha em câmera lenta/ Projetada quadro a quadro”. JUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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ESPORTE

Concentração e

DIVERSÃO

Na ponta do barbante, ora esticado, ora enrolado, o ioiô mantém a mente concentrada, desenvolve a coordenação motora e reúne uma fiel legião de praticantes Por Evelyn Pedrozo

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les não formam uma tribo. Nada de roupa igual, nenhum jeitão específico. Podem ser vistos como qualquer jovem entre 15 e 25 anos. Mas ganham identidade como grupo quando sacam o ioiô do bolso e estraçalham em manobras indescritíveis. Um jogador norte-americano começou a contar todas as que sabia fazer, mas desistiu quando passou de mil jogadas diferentes. O campeão brasileiro Rafael Matsunaga, programador de 33 anos, nunca se deu a esse trabalho. “A criatividade e a liberdade são enormes. Não faço ideia de quanto é possível inventar”, disse. Eles formam um pequeno grupo. Em todo o país, devem chegar a 2.000 praticantes. Tanto que, no último mês de maio, 30 jogadores, assistidos por cerca de 120 pessoas, realizaram o campeonato brasileiro da categoria, na cidade de São Paulo. Tinha participante do Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e do interior paulista.

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FERA DO BARBANTE Rafael: “O Brasil é uma revelação também nesse esporte”

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O carioca Ricardo Marechal e o mineiro Fernando William Ferreira da Silva venceram nas modalidades 1A e Open, respectivamente. Os dois receberam troféu, medalha e uma vaga na prova mundial, que será realizada no segundo fim de semana de agosto em Orlando, nos Estados Unidos, com representantes de 20 países. Porém, Fernando não deve ir por falta de patrocínio. Segundo Rafael, historicamente os japoneses saem vitoriosos da disputa: de seis modalidades existentes, abocanham no mínimo três. Os americanos são a segunda força. O Brasil é o terceiro colocado no ranking. O brasileiro foi o primeiro jogador não americano e não japonês a vencer a prova, em 2003. Ele se destacou pela invenção de manobras. Em 2004, ficou em 2º lugar, e pegou 4º lugar nos dois anos seguintes. De lá para cá tem atuado como juiz tanto nacional quanto internacional. Ele sentencia: “O Brasil é uma revelação também nesse esporte”. As apresentações dos ioiozeiros revelam a interação do jogador com as manobras e a música escolhida. “Funciona como ginástica rítmica.

A escolha do som é fundamental”, afirma Rafael. Não é regra, mas pode-se esperar que as performances tenham como fundo rock, punk rock, hip-hop e dance. Uma manobra pode ser muito rápida. Coisa de poucos segundos. “Mas a duração não importa, só o grau de dificuldade, originalidade e a performance”, explica o campeão. Os competidores treinam em média quatro horas diárias. Mas o bom de ser ioiozeiro é que não é necessário ter preparo físico. No entanto, há todo tipo de definição sobre a prática do ioiô. Alguns garantem ser um esporte completo por manter a mente em atividade constante e criativa, auxiliar na concentração e melhorar a coordenação motora.


Atitude

Por Xandra Stefanel. Foto Ary Souza

Xeque-mate no preconceito

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estudante Fábio Pinheiro (de óculos), de 18 anos, há dois começou a praticar xadrez na escola técnica José Álvares de Azevedo, em Belém. Tornou-se monitor no ensino do jogo. Fábio perdeu completamente a visão, há dez anos, por um descolamento de retina. Mas isso não o impede de identificar as casas do tabuleiro, nem de distinguir as “brancas“ e as ”pretas“, nem de pensar como um bom enxadrista. Tanto que acaba de ser campeão de um torneio estadual. Ele já conhecia o drama da deficiência visual de perto, pois seu irmão, Paulo, aos 2 anos, também havia perdido a visão por causa de catarata. A última imagem que Fábio tem guardada, viva e colorida, é a de um arco-íris. Depois dela, teve de reaprender a “ver” o mundo. Aos 11 anos, saía sozinho pela cidade. Como nadador, representou seu estado por três vezes nos Jogos Estudantis Brasileiros – em setembro vai pela quarta vez – e sempre se destacou pela luta que trava contra o preconceito.

Em 2008, depois de uma desilusão amorosa, queria ocupar a cabeça. Foi atrás do xadrez na instituição que frequentava, onde os tabuleiros adaptados estavam se perdendo por falta de procura. Com apoio da sua escola e da Associação de Cegos do Pará (Ascepa), da qual participa há nove anos, conseguiu levar a promoção do jogo adaptado para outras escolas. “Encomendamos dez tabuleiros desses por R$ 300. Eles têm casas vazadas e peças geralmente com texturas diferentes para identificarmos as cores. Como isso é mais caro, usamos barbantes em peças de plástico.” Daí surgiu o 1º Open de Xadrez para Deficientes Visuais, promovido pela Secretaria de Educação do estado e pela Ascepa. O primeiro lugar trouxe orgulho e esperança. “As pessoas cegas deveriam ter mais oportunidades. Se a gente pode jogar xadrez, que é complicadíssimo, pode muito mais coisas.” Fábio reivindica agora a inclusão oficial do jogo adaptado nos jogos estudantis. JUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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Análise

Por Renato Pompeu

Paulo Ganso e a cidadania O articulado atleta do Santos, além de bom de bola, é parte de uma safra formada no ambiente pós-ditadura. A Constituição de 1988 está para a sua geração como a de 1946 estava para a de Nilton Santos, Didi e Pelé

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Renato Pompeu é jornalista e escritor, autor do romanceensaio O Mundo como Obra de Arte Criada pelo Brasil (Casa Amarela)

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uando o jogador Paulo Henrique, o Gan- grou a democracia mais plena como também ajudou a so, se recusou a ser substituído durante a fazer avançar um tanto mais a justiça social. Cidadãos final do Campeonato Paulista de Futebol, como Didi, Nilton Santos e Pelé, além de Tostão e Garficou claro para todos que ele não estava rincha, se tornaram portadores de valores de uma cidadefendendo os próprios interesses, mas dania altiva, orgulhosa e consciente de seus deveres e os do time. Era visível que Ganso era o principal arti- direitos. Capazes de chamar a atenção de um superior, culador da tática de evitar um gol do Santo André que quando o julgassem equivocado. tiraria o título do Santos, e que o técnico do seu time Em seguida, vieram gerações de jogadores formaestava fora da realidade. E, se a atitude de Ganso ficou dos segundo a escola pública eminentemente “prática” nítida no plano futebolístico, uma outra dimensão sua, e autoritária característica do regime militar. Aprenderelacionada ao conceito e à prática da cidadania, passou ram a ser submissos às chefias, e a só as combater por despercebida: a postura lembra as atitudes vias tortas e clandestinas, com astúcia e nem adotadas por grandes jogadores do passado. Ganso sempre com dignidade. Em 1958, na Copa da Suécia, o técnico Vi- tem Paulo Henrique Ganso já é parte de uma cente Feola tinha escalado Dida pela meia- aparecido safra inteiramente formada na escola públiesquerda e Joel pela ponta-direita. Com todo como um ca democrática e no ambiente de vida surgio respeito, Didi, Nilton Santos e outros jogado a partir do fim do regime militar e da encidadão dores ponderaram a Feola que era melhor estrada em vigência da Constituição de 1988 calar Pelé e Garrincha. Feola acabou conven- honrado e (notando-se que essas características foram cido, e o Brasil se tornou campeão mundial exemplar. se desenvolvendo com o tempo e só desapela primeira vez. Pelé e Garrincha se consa- É possível brocharam plenamente anos depois do fim graram como os melhores da Copa. do regime autoritário). que sua Em 1970, no México, o técnico Zagallo jul- franqueza Ganso sabe que tem deveres, mas sabe gava inviável escalar Pelé e Tostão no ataque, também que tem direitos. Mostrou isso não não tenha só na partida final como também ao critipor considerar seus estilos de jogo incompatíveis. De acordo com Zagallo, embora am- sido bem car em público as argumentações do técnico bos fossem grandes jogadores, juntos, um digerida Dunga para não convocá-lo entre os 23 preatrapalharia o outro. Mas Pelé, com o apoio vistos para ir à Copa da África do Sul. À alede um grupo de jogadores, exigiu jogar com Tostão. gação de Dunga de que o meia santista não tivera uma Zagallo acabou se convencendo. E o Brasil conquistou boa participação na seleção brasileira sub-20 no Muno tricampeonato. dial disputado no Egito, no ano passado, o jovem talenHá outro ponto em comum entre eles e Ganso, além to disse, com todo o respeito, que o treinador da seleção do fato de todos se destacarem pela alta técnica e pela principal não deve ter acompanhado bem o torneio. capacidade tática de articular jogadas criativas em moGanso tem aparecido como um cidadão articulado mentos decisivos, liderando os companheiros e fazen- e honrado. Um cidadão exemplar. É possível que sua do-os dar o melhor de si. É que, contrariamente aos franqueza não tenha sido bem digerida. jogadores das mais recentes gerações antes da de GanAfinal, Dunga faz parte de uma geração que se habiso, todos eles – Didi, Nilton Santos, Pelé, sem contar tuou com a submissão aos de cima e ao autoritarismo Garrincha e Tostão – foram formados por uma esco- com os de baixo. De uma geração que não sabe “dizer la pública que se dedicava mais a formar cidadãos no se a ditadura era boa ou ruim porque não a viveu; e só pleno sentido da palavra do que a ensinar as chamadas quem viveu pode dar essa resposta” – como afirmou “coisas práticas”. o técnico da CBF no dia em que anunciou a convocaEssa escola pública aberta e democrática seguia os ção da seleção, mais carregado de ignorância do que princípios da Constituição de 1946, que não só consa- de maldade.

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Crônica

Por Mouzar Benedito

Minha primeira Copa Gilmar, Djalma Santos e Bellini; Nilton Santos, Zito e Orlando; Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagallo

E

u, menino peladeiro, era uma das centenas de pessoas que se aglomeravam na Praça Santa Rita, em Nova Resende, ouvindo pelo alto falante do cinema a escalação do time que entraria em campo para jogar contra a Suécia, disputa do título de campeão do mundo, em 1958. Para “falar” de minhas lembranças dessa época, começo pelo fato de Nova Resende, com 2.000 habitantes na área urbana, ter um cinema. E tinha. Como muitas e muitas cidades do mesmo tamanho. Nele, ao lado da minha casa, assistíamos a filmes de Roy Rogers, Tarzan, Tom Mix... Nos bangue-bangues, eu torcia sempre pelos índios. Os filmes românticos terminavam com um beijo, sob os assobios da molecada. E a aglomeração na praça, em frente ao cinema? Certo, existia o espírito de “assistir” – que na verdade era ouvir – aos jogos juntos, torcendo, festejando cada gol brasileiro, mas não era só: pouca gente tinha rádio. Na minha casa mesmo não tinha. Aliás, nem mesmo ferro elétrico tínhamos, minha mãe passava roupas com um ferro em que se colocava brasa, pesado, e de vez em quando era preciso assoprar por um buraco traseiro do ferro, para reativar as brasas. O Brasil nunca tinha sido campeão do mundo. Apesar do futebol bonito, nossos times fraquejavam nas copas. Na época, rolava o seguinte ditado: “A Inglaterra inventou o futebol, o Brasil joga e o Uruguai ganha”. Mas em 1958 a esperança – ou mais que isso, a certeza – estava no ar. Afinal, naquela seleção havia vários jogadores até hoje considerados gênios. Em qualquer seleção mundial de todos os tempos que alguém for escalar, Pelé, Nilton Santos, Garrincha e Didi teriam lugar. E provavelmente Djalma Santos também. Fazendo de cada jogo um espetáculo, o Brasil ganhou, enfim. Era uma vibração danada, apesar de não estarmos vendo os jogos, apenas ouvindo. A televisão só existia em algumas cidades, fazendo apenas trans-

missões locais, e se não tínhamos sequer rádio, se houvesse transmissão pela TV poucos teriam acesso a ela. Só na Copa de 1970, no México, os jogos passaram a ser transmitidos ao vivo. As comemorações foram inesquecíveis. A primeira taça da Copa do Mundo, quem é que esquece? As imagens que não vimos na época, vemos agora: quando se trata de mostrar o futebol genial do Brasil, sempre aparecem jogos daquela Copa, com suecos rindo dos dribles malucos de Garrincha e aplaudindo os gols brasileiros contra seu próprio time, porque era um futebol bonito e alegre. Aparecem também imagens da Copa de 62, em que Garrincha foi a grande estrela, da vencedora de 1970, no México, e da perdedora de 1982, na Espanha. Gozado que da Copa de 1994, em que o Brasil foi campeão, nos Estados Unidos, o futebol era tão burocrático que a imagem mais famosa é do Roberto Baggio chutando um pênalti por cima do gol. Tostão, que foi um dos maiores craques do futebol e hoje é um craque das crônicas em jornais, falando sobre a coerência de Dunga como técnico – que ele considera uma coerência um tanto negativa –, escreveu que o atual técnico, com suas ideias, nunca vai entender por que a seleção perdedora de 1982 é muito mais lembrada e admirada do que a de 1994, da qual era o capitão. Futebol é competição, mas também diversão. Hoje, consideram que qualquer brincadeira de um craque gozador é uma ofensa digna de ser tratada a pontapés. Garrincha, hoje, seria inadmissível. Já ouvi inclusive jornalistas esportivos falando que “o fulano humilhou o beltrano” e por isso mereceu as pancadas que recebeu. Caretice. Vencer é bom, sim. Mas futebol tem de ter beleza e diversão. O resto é para burocratas do esporte, e para torcidas que vão aos jogos para brigar, e não para ver espetáculo.

Mouzar Benedito, mineiro de Nova Resende, é jornalista e geógrafo. Publicou vários livros, entre eles o Anuário do Saci, ilustrado por Ohi

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VIAGEM

J. QUENTAL/DIVULGAÇÃO

Muito além do jardim

Um dos ícones da cidade, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro recupera vocação científica e artística Por Maurício Thuswohl

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LOURDES DE FÁTIMA PENNE GUIMARÃES/DIVULGAÇÃO

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riado por dom João VI quando a família real portuguesa se mudou para o Brasil, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro atrai há 200 anos a atenção de estudiosos e amantes da natureza de diversas partes do mundo. Apesar de ser uma autarquia federal subordinada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e de sua extensa área verde apresentar diversas possibilidades de diversão e de conhecimento científico, o parque foi vítima histórica do descaso do poder público e raramente teve suas potencialidades exploradas de forma positiva. Felizmente, nos últimos anos o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (seu nome oficial) tem recuperado sua importância científica e seu vigor turístico. Os aumentos da dotação orçamentária e da arrecadação da bilheteria foram acompanhados pela bem-sucedida criação ou revitalização de locais dedicados à cultura, como o Espaço Tom Jobim, e à ciência, como o Museu do Meio Ambiente. Em sete anos, a arrecadação subiu para R$ 2,5 milhões, segundo o presidente do instituto, Liszt Vieira. “Quando chegamos aqui, era menos de R$ 1 milhão por ano”, conta. O prestígio no MMA também aumentou: a dotação orçamentária era de R$ 4,5 milhões por ano e hoje está em R$ 9,5 milhões. “O instituto era uma torre de marfim, não tinha real conexão com o MMA. Era tudo muito pre-

cário. Fizemos essa ligação, e passamos a fazer pesquisas e fornecer dados para a Política Nacional de Conservação da Biodiversidade. Essa conexão foi um ponto importante”, avalia Liszt. Outro caminho trilhado para a revitalização do Botânico foi o incremento das parcerias com empresas públicas e privadas. Em pouco mais de uma década, desde 1997, foram firmados mais de 140 convênios, o que permitiu investimentos em atrações muito procuradas pelos visitantes, como o Orquidário, o Bromeliário,


Responsabilidade social

A expansão do Museu do Meio Ambiente, que prevê a ocupação de uma área de 1.400 metros quadrados e a construção de dois no-

IZAR ARAÚJO AXIMOFF/DIVULGAÇÃO

MARCOS SÁ CORRÊA/DIVULGAÇÃO

o Cactário, o Chafariz das Musas, o Jardim Japonês e o Portal de Belas Artes, além de propiciar a identificação de todas as coleções botânicas do arboreto. “Conseguimos recursos para reformas em todo o parque e nos espaços construídos que existem nele, como o chafariz central, o aqueduto elevado que estava tapado pelo mato, o caminho da Mata Atlântica, o Centro de Visitantes, que é a mais antiga casa da zona sul do Rio de Janeiro”, enumera Liszt. Os investimentos trazidos pelos parceiros fortaleceram a área cultural e científica do Jardim Botânico e proporcionaram também a restauração do prédio do museu e a construção do Teatro Tom Jobim. Foi aberta ainda uma “linha cultural” que acentuou a vocação artística do espaço, com shows de música, teatro, cinema.

vos prédios, começou em maio. Um edital elaborado em parceria com o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) teve como principal critério para escolher o projeto vencedor a apresentação de conceitos de arquitetura sustentável. Ao todo foram 133 projetos, e a dupla vencedora é de Minas Gerais. O museu terá um complexo de atividades, exposições temporárias, programas pedagógicos e de educação científica e a exposição de longa duração no novo prédio, além do auditório. A administração tem expectativa de que o projeto seja um marco na cidade e no país, pois se trata do primeiro Museu do Meio Ambiente na América Latina. Há dois anos, foi criado o Centro Nacional de Conservação da Flora, responsável por coordenar em todo o Brasil a elaboração de duas listas: das espécies da flora brasileira em geral e das espécies em extinção. Ambas serão apresentadas pelo governo brasileiro na COP-10 (conferência sobre biodiversidade da ONU) em Nagoia, Japão, no mês de outubro. O Jardim Botânico ampliou ainda a gama de serviços prestados à sociedade na área educacional, como a escola que funciona no Solar da Imperatriz e oferece mestrado e doutorado em Botânica Tropical e pós-graduação em Gestão do Meio Ambiente. O instituto concede bolsas de estudo, e seus cursos contam atualmente com 200 alunos, oriundos de todo o país. Os convênios se estendem à área de responsabilidade social: cursos de jardinagem são dirigidos a jovens moradores em áreas de baixa renda do entorno do parque. Segundo Liszt, um convênio com o Juizado de Pequenas Causas possibilita que sejam cumpridas ali penas convertidas em trabalho comunitário. Outra iniciativa em andamento é um projeto, iniciado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), de repatriação das imagens e dados de plantas brasileiras que se encontram em Paris e Londres. O objetivo é que o servidor – estação central com o acervo de informações – fique no Botânico.

ESCOLA Contemplação, diversão, conhecimento: o Jardim Botânico também oferece mestrado e doutorado em Botânica

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FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA C.N.P.J.(MF) nº 01.044.756/0001-03 Balanço patrimonial dos exercícios findos em 31 de dezembro (em reais) A

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CIRCULANTE CIRCULANTE Caixa e Bancos 15.713,93 194.458,63 13.539,56 885,00 Fornecedores Obrigações Fiscais, Tributárias 3.768,57 4.384,78 Aplicação Financeira 361.044,67 603.113,27 Obrigações Sociais 8.454,38 8.401,18 Outros Créditos 27.663,28 20.609,09 TOTAL DO CIRCULANTE 404.421,88 818.180,99 Obrigações Terceiros 1.220,00 0,00 Provisão Para Férias e Encargos 70.192,45 125.567,56 NÃO CIRCULANTE Realizável a Longo Prazo TOTAL DO CIRCULANTE 97.174,96 139.238,52 Crédito de Instituidores 1.180.000,00 1.180.000,00 1.180.000,00 1.180.000,00 NÃO CIRCULANTE PERMANENTE 3.355.350,21 3.192.581,02 Outras Obrigações Edificios 278.538,81 278.538,81 TOTAL DO NÃO CIRCULANTE 3.355.350,21 3.192.581,02 Máquinas e Equipamentos 79.937,30 74.337,7 Móveis, Utensílios e Instalações 167.168,60 166.908,80 PATRIMÔNIO LÍQUIDO Veículos 25.023,00 0,00 Fundo Patrimônio Social 296.685,78 296.685,78 Computadores e Periférico 171.976,67 170.181,67 Doações 292.352,00 292.352,00 Marcas e Direitos 11.780,73 11.780,73 Deficit Acumulado (1.551.738,40) (1.265.779,23) (-) Depreciação Acumulada (379.930,67) (330.809,79) Deficit do Exercício (550.908,23) (285.959,17) TOTAL DO PERMANENTE 354.494,44 370.937,93 TOTAL DO NÃO CIRCULANTE 1.534.494,44 1.550.937,93 TOTAL DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO (1.513.608,85) (962.700,62) TOTAL DO PASSIVO 1.938.916,32 2.369.118,92 TOTAL DO ATIVO 1.938.916,32 2.369.118,92

Demonstração de resultados dos exercícios findos em 31 de dezembro (em reais) D E S C R I Ç Ã O 2009 ARRECADAÇÃO ATIVIDADE FIM Contribuições, Doações, Convênios e Eventos De Mantenedores 906.000,00 Parceria Órgãos Privados 267.744,40 Convênio Órgãos Públicos 181.446,31 (-) Devolução Convênios não Aplicado (1.558,56) Contribuições e Doações Eventual 0,00 Promoções e Eventos Institucionais 6.572,63 (-) Custo Eventos Promocionais (6.618,65) TOTAL ARRECADAÇÃO ATIVIDADE FIM CUSTO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL Custo Com Pessoal Encargos e Contribuições Sociais Benefícios Com Pessoal Depreciação Impostos, Taxas e Contribuições Serviços Profissionais Externo Atendimento e Atividade Social Manutenção, Conservação e Reparos

1.353.586,13 (705.943,77) (312.312,98) (260.010,23) (49.120,88) (7.764,85) (344.981,29) (308.852,50) (11.136,92)

TOTAL DO CUSTO PROJETO SOCIAL (2.000.123,42) RESULTADO FINANCEIRO Receitas Financeiras 51.011,54 (-) Despesas Financeiras (3.998,58) TOTAL DO RESULTADO FINANCEIRO 47.012,96 OUTRAS ARRECADAÇÕES SOCIAIS LÍQUIDA 48.616,10 DÉFICIT DO EXERCÍCIO (550.908,23)

Demonstração do Fluxo de Caixa para os exercícios findo em 31 de dezembro (em reais) 2008 658.819,00 668.257,60 1.321.728,66 (142.538,33) 131.743,21 14.143,60 0,00 2.652.153,74 (1.216.412,36) (454.636,19) (398.321,03) (41.244,81) (6.822,23) (306.705,02) (538.625,52) (42.751,45)

(3.005.518,61) 49.756,81 (6.134,94) 43.621,87 23.783,83 (285.959,17)

Demonstração das mutações patrimoniais dos exercícios findos em 31 de dezembro (em reais) DESCRIÇÃO

PATRIMÔNIO DOAÇÕES E SUPERÁVIT/ TOTAL SOCIAL SUBVENÇÕES DÉFICIT ACUMULADO

DE 2007 296.685,78 292.352,00 (1.265.779,23) AUMENTO DO PATRIMÔNIO Transferência Superávit 0,00 0,00 0,00 DÉFICIT ACUMULADO Déficit do Exercício 0,00 0,00 (285.959,17)

(676.741,45)

0,00

2009 ATIVIDADES OPERACIONAIS Superávit (Déficit) do período (550.908,23) Aumento (diminuição) dos itens que não afetam o caixa: Depreciação e amortização 49.120,88 Perdas (ganhos) na alienação sobre o ativo investimentos 0,00 Perdas (ganhos) na alienação sobre o ativo imobilizado 0,00 Redução (aumento) do ativo Contas a receber 0,00 Outros Créditos (7.054,19) Aumento (redução) do passivo Fornecedores 12.654,56 Obrigações sociais e fiscais (563,01) Provisão de férias (55.375,11) Outras obrigações 1.220,00 Geração (utilização) de caixa das atividades operacionais (550.905,10) ATIVIDADES DE INVESTIMENTOS Aquisições de ativo imobilizado (32.677,39) Aquisições de ativo intangível 0,00 Geração (utilização) de caixa das atividades de investimentos (32.677,39) ATIVIDADES DE FINANCIAMENTOS Recebimento de empréstimos e financiamentos 162.769,19 Pagamentos de empréstimos e financiamentos 0,00 Recebimentos e doações integradas ao PL 0,00 Geração (utilização) de caixa das atividades de financiamentos 162.769,19 Aumento (diminuição) no caixa e equivalentes (420.813,30) Caixa e equivalentes no início do período 797.571,90 Caixa e equivalentes no fim do período 376.758,60 Aumento (diminuição) no caixa e equivalentes (420.813,30)

2008 (285.959,17) 41.244,81 0,00 0,00 0,00 212.787,67 (47.651,46) (27.035,89) (4.043,60) (414,09) (111.071,73) (23.761,49) 0,00 (23.761,49) 308.283,03 0,00 0,00 308.283,03 173.449,81 624.122,09 797.571,90 173.449,81

Notas explicativas da administração às demonstrações contábeis dos exercícios findos em 31 de dezembro de 2009 e 2008. Nota 01 – CONTEXTO OPERACIONAL DA INSTITUIÇÃO.

A “FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA” é uma associação civil de direito privado, sem fins lucrativos e de natureza filantrópica, fundada em 1995, com os seus atos constitutivos registrados no “3º Registro Civil das Pessoas Jurídicas de São Paulo” em janeiro de 1996, conforme microfilme nº. 258.727. DE 2008 296.685,78 292.352,00 (1.551.738,40) (962.700,62) Conforme preceitua o artigo 5º, do Capítulo III, do Estatuto Social, a “FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA” tem por objetivo: “I) eleger as crianças e os adolescentes, especialmente aqueles que estiverem em condições sociais e ecoAUMENTO DO PATRIMÔNIO nômicas desfavoráveis, como segmento prioritário de sua ação; II) fazer respeitar os direitos assegurados à criança e ao adolescente referentes a: i) ensino obrigatório; ii) atendimento educacional especializado aos portadores de Transferência Superávit 0,00 0,00 0,00 0,00 deficiência; iii) atendimento em creches e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade; iv) ensino noturno regular adequado às condições do educando; v) programas suplementares de oferta de material didático-escolar, transporte e DÉFICIT ACUMULADO assistência à saúde do educando de ensino fundamental; vi) serviço de assistência social visando a proteção à família, Déficit do Exercício 0,00 0,00 (550.908,23) (550.908,23) à maternidade e à adolescência, bem como o amparo às crianças e adolescentes que deles necessitem; vii) acesso às ações e serviços de saúde, tudo conforme prevê a Lei 8.069 de 13.07.1990”. DE 2009 296.685,78 292.352,00 (2.102.646,63) (1.513.608,85) De acordo com o Estatuto Social da Entidade, todo benefício e promoção de seus assistidos, “crianças, adolescentes (285.959,17)


INFORME PUBLICITÁRIO

e seus familiares”, é inteiramente gratuito. A origem da arrecadação financeira da Entidade está fundada em doações de pessoas físicas e jurídicas, e de parcerias com o setor público e privado que comungam com os objetivos sociais, assistenciais, da promoção da pessoa humana e filantrópicos da Entidade. A Fundação, através de sua administração, vem conduzindo uma série de medidas e iniciativas no sentido de equacionar a sua situação financeira, a manutenção e o desenvolvimento de suas atividades em níveis compatíveis com seu plano operacional. As principais iniciativas são: – Busca de participação de novos mantenedores, alguns deles já confirmados; – Renovação de convênios e ampliação com novas parcerias junto ao setor público nas esferas municipal, estadual e federal; – Aumento no valor de doações junto aos mantenedores atuais.

Nota 02 - PRINCIPAIS PRÁTICAS CONTÁBEIS.

As práticas contábeis mais significativas adotadas na elaboração das demonstrações financeiras são: a). As Demonstrações Contábeis foram elaboradas de acordo com as práticas contábeis adotadas no Brasil, determinações legais e fiscais, adequando-se às necessidades específicas das instituições sociais privadas sem fins lucrativos e de natureza filantrópica; b). As doações e contribuições eventuais de terceiros são reconhecidas como receitas quando efetivamente recebidas. As demais receitas e despesas são reconhecidas pelo regime de competência. As receitas são apuradas através dos comprovantes de recebimento, entre eles, avisos bancários, recibos e outros. As despesas são apuradas através de notas fiscais e recibos, em conformidade com as exigências fiscais e legais; c). As doações e contribuições destinadas ao custeio da Entidade, foram contabilizadas em contas de receitas; d). Ativos e passivos circulantes – os ativos são demonstrados pelos valores de realização, incluindo, quando aplicável, os rendimentos e as variações monetárias auferidos; os passivos registrados, são demonstrados por valores conhecidos ou calculáveis, incluindo, quando aplicável, os correspondentes encargos e a variação monetária incorrida; e). O Ativo Permanente se apresenta pelo custo de aquisição ou valor original, visto que a entidade não procedeu à Correção Monetária de Balanços em exercícios anteriores. A Depreciação do Imobilizado é calculada pelo método linear; f). A Provisão de Férias e Encargos foi calculada com base nos direitos adquiridos pelos empregados até a data do balanço, incluindo os encargos sociais correspondentes. g). Em razão de sua finalidade social, assistencial, filantrópica e sem fins lucrativos, a Instituição não está sujeita ao recolhimento de impostos calculados sobre o superávit do exercício, e nem distribui qualquer parcela de seus resultados a associados, parceiros, dirigentes, conselheiros ou mantenedores.

Nota 03 – TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS. Histórico / Conta – Em reais Certificados de Depósito Bancário – Banco Bradesco S.A - CDB Fácil – Banco Bradesco S.A - FICFI – Banco Bradesco S.A - POUPANÇA – Banco do Brasil - CDI – Banco do Brasil - CP DI – Banco do Brasil - RF LP – Banco do Brasil - RENDA FIXA – Sul América - Título Capitalização Totais

Nota 04 – OUTROS CRÉDITOS. Histórico / Conta – Em reais – Cheques em Cobrança – Adiantamento de Férias – INSS a Recuperar Total

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37.038,69 197.569,19 13.069,67 35.647,94 39.078,60 83.832,95 176.651,99 173.981,40 27.336,26 21.430,58 33.536,13 31.433,57 34.333,33 32.217,64 0,00 27.000,00 361.044,67 603.113,27 2009 2008 255,00 255,00 7.054,19 0,00 20.354,09 20.354,09 27.663,28 20.609,09

Nota 05 – IMOBILIZADO.

Histórico / Conta Custo Depreciação Líquido Taxa acumulada anual de depr. Em reais 2009 2008 2009 2008 2009 2008 - % Edifícios 278.538,81 278.538,81 (69.345,67) (58.538,81) 209.193,14 220.334,78 4 Móveis e utensílios 146.925,73 146.665,93 (90.894,82) (77.452,35) 56.030,91 69.213,58 10 Direitos de uso 11.780,73 11.780,73 (1.813,00) (1.813,00) 9.967,73 9.967,73 20 Máquinas e 79.937,30 74.337,71 (41.729,41) (35.933,57) 38.207,89 38.404,14 10 equipamentos Veículos 25.023,00 0,00 (3.753,45) 0,00 21.269,55 0,00 20 Computadores 171.976,67 170.181,67 (159.377,46) (145.892,62) 12.599,21 24.289,05 20 Instalações 20.242,87 20.242,87 (13.016,86) (11.514,22) 7.226,01 8.728,65 10 Totais 734.425,11 701.747,72 (379.930,67) (330.809,79) 354.494,44 370.937,93

Nota 06 – DOAÇÕES, CONTRIBUIÇÕES E PARCERIAS COM ÓRGÃOS PRIVADOS E PÚBLICOS.

a) CONTRIBUIÇÕES DE ÓRGÃOS PRIVADOS A Entidade recebe doações e contribuições de pessoas físicas e jurídicas. Nos exercícios de 2009 e 2008, as doações e parcerias com órgãos privados estão assim representadas:

b). CONVÊNIO COM ÓRGÃOS PÚBLICOS Histórico / Conta – Em reais – PMSP - FUMCAD – Prefeitura Municipal de Santo André – ABC - SEC. ESPECIAL DIREITOS HUMANOS Total convênio órgãos públicos

2009 120.065,80 61.380,51 0,00 181.446,31

2008 430.578,70 721.149,96 170.000,00 1.321.728,66

No exercício de 2009 a Entidade manteve convênio com órgãos públicos no desenvolvimento dos seguintes Programas Sociais: PROJETO ABC INTEGRADO – Convênio firmado com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, visando a contagem e o mapeamento de crianças e adolescentes em situação de rua e de trabalho infantil na região do grande ABC, compreendendo 7 municípios. PROJETO PROTAGONISMO NA COMUNIDADE – Convênio firmado com a Secretaria Municipal de Participação e Parcerias, através do Fundo Municipal da Crianças e do Adolescente – FUMCAD e Conselho Municipal do Direito da Criança e do Adolescente – CMDCA – visando favorecer a inclusão social de adolescentes através do incentivo ao protagonismo juvenil na sua comunidade. c). CONVÊNIO COM ÓRGÃOS PRIVADOS PROGRAMA DE EDUCAÇÃO NA RUA – Parceria firmada com a Petrobrás, visando a reintegração familiar, escolar e comunitária de crianças e adolescentes que habitam e sobrevivem nas ruas do Centro da Capital de São Paulo. PROJETO ABC INTEGRADO – Convênio firmado com a Fundação Telefônica, visando a contagem e o mapeamento de crianças e adolescentes em situação de rua e de trabalho infantil na região do grande ABC, compreendendo 7 municípios.

Nota 07 – EXIGÍVEL E REALIZÁVEL A LONGO PRAZO

A administração da entidade avalia a natureza dos casos, as ações existentes e as possibilidades de êxito ajustando a provisão para passivos contingentes conforme requerido. Em 31 de dezembro de 2009 as contingências estavam relacionadas à ação judicial de ordem previdenciária, relativa à questão com o INSS sobre a imunidade da cota patronal, sendo que o valor máximo da causa estimado pela administração monta em cerca de R$ 3.800 mil. A opinião dos assessores jurídicos é que o risco de perda é remoto, sendo que a administração da entidade, em uma postura conservadora, mantém registrada em 31 de dezembro de 2009 provisão no montante de R$ 3.355 mil (31 de dezembro de 2008 – R$ 3.192 mil) considerado suficiente para fazer face às contingências.

Nota 08 – APLICAÇÃO DOS RECURSOS

Os recursos da entidade foram aplicados em suas finalidades institucionais, de conformidade com seu Estatuto Social, demonstrados pelas suas Despesas e Investimentos Patrimoniais.

Nota 09 – DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

Neste exercício de 2009, a Entidade desenvolveu seu trabalho de assistência social nas seguintes áreas: DEFESA E PROMOÇÃO DE DIREITOS 1. PROGRAMA DE EDUCAÇÃO NA RUA – Objetiva a reintegração familiar, escolar e comunitária de crianças e adolescentes que fazem das ruas do Centro da Capital de São Paulo seu espaço de moradia e sobrevivência. São realizadas atividades pedagógicas no próprio espaço das ruas visando a reflexão sobre a situação em que se encontram e a construção de novas e concretas possibilidades e, posteriormente, firmadas parcerias nas comunidades de origem e com serviços da rede pública a fim de garantir a permanência daquela criança ou adolescente no local e o seu desenvolvimento satisfatório. No ano anterior foi iniciado um trabalho na região do M’Boi Mirim, visando evitar a saída das crianças e adolescentes para as ruas, com continuidade durante esse ano. O número de atendimentos varia de acordo com fatores como composição da equipe e público. 2. PROGRAMA DE EDUCAÇÃO E ACESSO AO DIREITO – objetiva garantir e promover os direitos das crianças e adolescentes atendidos pelos demais programas e projetos da Fundação Projeto Travessia que têm seus direitos cotidianamente violados por aqueles que deveriam assegurá-los (família, sociedade e Estado) através do atendimento direto ao público-alvo e da instrumentalização dos demais profissionais da Fundação vinculados ao programa de educação na rua, aos serviços conveniados e às parcerias privadas para que possam defender os direitos das crianças e adolescentes que atendem de forma ampla, a partir de uma prática educativa que atribua significado ao texto da lei, contribuindo para o exercício pleno da cidadania e a inclusão social, a partir dos preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente e da atuação multidisciplinar. 3. PROJETO ABC INTEGRADO – Convênio firmado com a Secretaria Especial de Direitos Humanos e Fundação Telefônica – com o objetivo de traçar diagnóstico de crianças e adolescentes em situação de rua, nos sete municípios que compõe a macroregião do ABCDMRR. Na primeira etapa, são previstas 3 fases distintas, ou seja: 1ª. Fase - levantamento, identificação e confirmação a campo dos pontos de concentração de crianças e adolescentes em cada município individualmente. 2ª. Fase – contagem amostral de crianças e adolescentes encontradas nos pontos de concentração identificados na fase anterior. 3ª. Fase – caracterização de crianças e adolescentes identificadas em contagem amostral nos pontos de concentração. Findado esse processo, o objetivo é que ele sirva de base para elaboração de política pública regional. 4. PROJETO PROTAGONISMO NA COMUNIDADE – Convênio firmado com a Secretaria Municipal de Participação e Parcerias, através do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente – FUMCAD e Conselho Municipal do Direito da Criança e do Adolescente – CMDCA – Tem como objetivo o fortalecimento dos vínculos afetivos familiares e comunitários dos adolescentes moradores de aglomerados de habitações improvisadas em terreno de ocupação irregular, denominadas “Bueirú” e “Pé-Sujo” na região do Cangaíba, na Penha, através do resgate de sua história e cultura, da valorização de suas origens, de seus talentos e habilidades para melhor integração com suas famílias e entre as famílias daquelas comunidades e a rede social local, visando preservar o direito à convivência familiar e a comunitária e minimizar/ interromper o processo de saída desses adolescentes para as ruas da Capital.

Nota 10 – ASSISTÊNCIA SOCIAL E GRATUIDADE

No atendimento ao disposto no Inciso VI, do Artigo 3º. do Decreto nº. 2.536/98, no exercício de 2009, a entidade concedeu as seguintes gratuidades:

Histórico / Conta – Em reais 2009 2008 Histórico / Conta – Em reais 2009 2008 MANTENEDORES – Arrecadação Total (excluído convênios) 1.273.326,02 1.546.504,05 – Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de SP 840.000,00 530.683,00 – Custo Assistência Social Aplicada (excluído convênios) 1.818.677,11 1.683.790,95 – GP Serviços Gerais Ltda. 0,00 2.136,00 – Limite da Assistência Social a Aplicar 254.665,20 309.300,81 – Banco Fibra S/A 60.000,00 60.000,00 – Assistência Social Aplicada a Maior 1.564.011,91 1.374.489,19 – APEOESP - Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado e SP 6.000,00 6.000,00 Total mantenedores 906.000,00 658.819,00 As GRATUIDADES CONCEDIDAS pela Entidade, através de seus Projetos Assistenciais, totalizaram um montante de R$ 1.818.677,11 no exercício de 2009, e R$ 1.683.790,95 no exercício de 2008, excluído convênio com órgãos público. PARCERIAS ÓRGÃOS PRIVADOS – AFUBESP 18.000,00 18.000,00 Nota 11 – SERVIÇOS DE TERCEIROS – Petrobrás 249.744,40 374.616,60 Refere-se, principalmente, a serviços prestados por consultores e educadores contratados para desenvolver os progra– Fundação Telefônica 0,00 293.641,00 mas e atividades da fundação. Total parceria órgãos privados 267.744,40 686.257,60

Luiz Cláudio Marcolino Diretor Presidente

Cleuza Rosa da Silva Diretora Financeira

Francisco Fernandes C. Silva CRC/SP 1CE003489/T-5


CurtaEssaDica

Por Xandra Stefanel (xandra@revistadobrasil.net)

Diva

Los hermanos Mais um ingrediente para apimentar a delicada relação entre Brasil e Argentina chegou às livrarias. Além da disputa de quem tem o melhor jogador de futebol do mundo, a partir de agora a competição vai se dar no campo de quem tem as melhores histórias em quadrinho. Bienvenido – Um Passeio pelos Quadrinhos Argentinos (Zarabatana Books, 176 páginas, R$ 36) é um raio X da produção editorial argentina do gênero e apresenta tanto os HQs conhecidos e consagrados, como Mafalda, de Quino (com impacto até no turismo do país), como as produções independentes. A disputa com os hermanos é sempre boa.

Bastidores De 1977 a 1984, o repórter Ricardo Carvalho, com a ajuda do cardeal dom Paulo Evaristo Arns, fez diversas reportagens que se transformaram em marcos de resistência à ditadura militar. Carvalho foi quem encontrou os primeiros filhos de militantes políticos sequestrados, em Montevidéu. Essa e outras histórias são pautas passadas por dom Paulo e estão no livro O Cardeal e o Repórter (Global Editora), no qual Ricardo relata seus bastidores, os medos, as ameaças e censuras. Para ler de uma só vez. R$ 27.

As melhores

A Caixa Cultural do Rio de Janeiro apresenta até 27 de junho a já tradicional exposição internacional de fotojornalismo World Press Photo 2010. São 63 fotógrafos que participam com 162 imagens de 23 países, publicadas na imprensa mundial e premiadas no ano anterior. O vencedor desta edição é o italiano Pietro Masturzo, que flagrou o momento do grito de protesto de uma mulher em um telhado em Teerã, na noite seguinte à conturbada eleição presidencial iraniana. De terça a sábado, das 10h às 21h, na Rua Almirante Barroso, 25, (21) 2544-4080 / 2544-7666. Grátis. 48

REVISTA DO BRASIL JUNHO 2010

Iraniana protesta no telhado: foto vencedora do World Press Photo 2010

PIETRO MASTURZO/DIVULGAÇÃO

Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar.

ELIZETH CARDOSO

Em maio de 1990 morria Elizeth Cardoso, também conhecida como “A Divina”. Ela completaria 90 anos em julho próximo e será homenageada com a exposição Divina, Enluarada e Magnífica Elizeth Cardoso, em cartaz até o final de junho na Discoteca Pública Natho Henn, que fica no prédio da Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre. A exposição conta a história da carioca por meio de displays de fotos e capas de discos. De terça a sexta-feira, das 9h às 21h, e aos fins de semana, das 12h às 21h, (51) 3221-7147. Grátis. E, para relembrar os sucessos de Elizeth, nada melhor que Canção do Amor Demais, álbum histórico da MPB, relançado pela Biscoito Fino. R$ 33.


Stanley Tucci e Meryl Streep: novas receitas

Bon apetit! A americana Julia Child (Meryl Streep) se muda para Paris por causa do trabalho do marido (Stanley Tucci) e fica enfeitiçada pela comida francesa. Em busca de algo com que se ocupar, decide aprender culinária e vira especialista. Torna-se apresentadora de um programa de televisão e escreve um livro de receitas (Mastering the Art of French Cooking). Cinquenta anos depois, Julie Powel (Amy Adams), prestes a completar 30 anos e entediada com sua vida, resolve fazer as 524 receitas de Julia em um ano e contar a experiência em um blog. Baseado em fatos reais, Julie & Julia é um filme leve, engraçado e delicioso. Assim que acaba, dá vontade de ir pra cozinha e botar a mão na massa e na manteiga. Em DVD.

Vinicius de Moraes

Poetinha acessível A Biblioteca Brasiliana USP publicou em abril o acervo completo de poemas de Vinicius de Moraes para leitura e acesso livre. Os 15 livros foram doados à entidade pelo bibliófilo José Mindlin e estão disponíveis em www.brasiliana.usp.br.

Letra e música

Bráulio Tavares, Ademir Assunção e Antonio Nóbrega

O projeto Parcerias: a Voz da Poesia, idealizado pelo poeta e jornalista Ademir Assunção, reúne poetas e compositores para um encontro de suas artes na música. Shows, com poemas musicados, são realizados quinzenalmente aos sábados, até julho. Um dos assuntos recorrentes são as diferenças e proximidades entre letra de música e poesia. “Seria uma ‘letra’ de Cartola menos expressiva do que um poema de Carlos Drummond de Andrade? Ou apenas ambientes diferentes para a mesma linguagem: a arte da palavra?”, provoca o curador. A segunda edição de 2010 começou em maio, com a presença de Geraldo Carneiro e Francis Hime, seguidos de Bráulio Tavares e Antonio Nóbrega e ainda Maurício Arruda Mendonça e Bernardo Pellegrini. Para a abertura, Hime escolheu canções feitas em parceria com Geraldo Carneiro, especialmente as do álbum O Tempo das Palavras... Imagens. No próximo encontro, dia 19 de junho, Marcelino Freire dividirá o palco com Lirinha. Em seguida vêm Arruda e Alzira Espíndola (3/7), Celso Alencar e Tom Canhoto (17/7) e Edson Cruz e Reynaldo Bessa (31/7). Os encontros ocorrem às 18h30, na Biblioteca Alceu Amoroso Lima, Av. Henrique Schaumann, 777, Pinheiros, São Paulo, (11) 3082-5023. Mais informações em http://zonabranca.blog.uol.com.br JUNHO 2010 REVISTA DO BRASIL

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