Revista do Brasil nº 051

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FIRME, FORTE E BELA

Duda, a lutadora que nocauteou preconceitos

nº 51

setembro/2010

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No filme 5x Favela, Agora por Nós Mesmos, jovens formados em suas comunidades, em vez de personagens, são os autores de seu próprio enredo. Retratos de um novo Brasil

NOSSA OPINIÃO Dilma representa o país que muda para melhor

428008 771981 9

I SSN 1981-4283

DONOS DA HISTÓRIA

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Atores do 5x Favela em episódio no Complexo da Maré

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De 2ª a 6ª feira, das 7h50 às 9h*, na FM 98,9 Grande São Paulo ou a qualquer hora no www.redebrasilatual.com.br/radio *Após o dia 30 de setembro, de volta ao horário normal, das 7h às 8h.

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Índice

Editorial

Trabalho 8 Economia aquecida, mais empregos formais e a queda de velhos mitos Inclusão 10 Distribuição de renda é lenta, porém regular, consistente e sustentável Saúde 12 Avanços ainda não garantem um sistema público amplo e eficiente Educação 14 Mais diálogo, mais orçamento e pequenos passos para sair do atraso Economia 16 Do Brasil privatizado ao Estado que tomou a frente do desenvolvimento Segurança 20 Atenção a causas da violência e a prevenção ganham, enfim, destaque Política 22 Deputados e senadores a serviço de quem? O eleitor é que decide Entrevista 28 Duda Yankovich nocauteia as adversidades e nem se despenteia Comportamento 32 Crédito fácil, bancos espertinhos, mil tentações e jovens endividados Capa 40 Diretores que encantaram Cannes filmando a favela como ela é

Entre a versão anti-Serra e a versão pró-Dilma, a capa desta edição ficou com o fato

A soma das pessoas

É

VANDER FORNAZIERI

Tiradentes: beleza e descaso

Viagem 44 As tradicionais cidades mineiras e seu patrimônio histórico ameaçado SEÇÕES Cartas

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Ponto de Vista

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Na Rede

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Curta Essa Dica

48

Crônica

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legal ver a família, vizinhos e amigos dizendo que se sentem representados naquilo que eu fiz, no jeito de falar, vestir, nas pequenas coisas. Isso não acontece nas novelas nem em outros filmes. Eu estava cansado de sentar em frente à televisão e receber luz. Eu queria mudar de lado e reluzir.” O depoimento é de Cadu Barcellos, morador do Complexo da Maré, zona norte carioca, e diretor de um dos cinco episódios de 5x Favela, Agora por Nós Mesmos, produzido por Cacá Diegues e inspirado no clássico filmado em 1961. Na época jovens de classe média e integrantes do Centro Popular de Cultura, o CPC da União Nacional dos Estudantes (UNE), eles queriam levar ao público um choque de realidade, mesmo sem pertencer a ela. Agora, quem faz o filme são moradores dessas favelas, formados em suas comunidades. Entre a versão original e a atual, correu meio século. O Brasil passou por 25 anos de autoritarismo comandado por militares, e outros tantos de mediocridade comandada por economistas com a cabeça em Washington, berço da teoria abatida pelas recentes crises. É sabido que o país precisa melhorar a saúde, a reforma agrária, os sistemas político e tributário, o modelo de desenvolvimento sustentável, democratizar o acesso ao conhecimento e à informação. Mas o Brasil de hoje não é obra de ficção, nem é mera coincidência ter escapado ileso a essas crises mundiais. Une democracia, crescimento e distribuição de renda, desponta como liderança numa nova ordem social global e comprova que: o Estado não é estorvo, mas alicerce dessa nova ordem; um governo que dialoga com movimentos sociais dá voz a quem conhece o chão onde pisa; semear empregos e melhores salários é garantir que o bolo cresça; proporcionar renda aos mais pobres via políticas sociais não é caridade, mas oportunidade para que mais brasileiros saboreiem o bolo. A Rede Brasil Atual acredita nesses avanços e na capacidade do Brasil de continuar buscando conquistas ainda não alcançadas. E vê na candidatura de Dilma Rousseff coerência com esse projeto, conforme demonstram algumas páginas desta edição. Nossa capa poderia ser hostil, do contra, comum em certas publicações semanais. Ou afirmativa, legítima, explicitando uma posição. Porém, como de hábito, optou por destacar personagens que não são situação nem oposição, apenas retratam com suas histórias de vida uma face desse novo Brasil. Diz Cacá Diegues que seu companheiro Leon Hirszman (19371987), idealizador do primeiro 5x Favela, onde quer que esteja, estará feliz com a atual versão de sua obra: “Leon sempre foi um congraçador que trabalhou pela solidariedade e pela soma das pessoas”. É isso. A solidariedade e a soma das pessoas são também a nossa missão. SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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Cartas Informação que transforma Núcleo de planejamento editorial Cláudia Motta, Daniel Reis, José Eduardo Souza, Lílian Parise, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editores assistentes Vitor Nuzzi Xandra Stefanel Redação Anselmo Massad, Cida de Oliveira, Fábio M. Michel, Jéssica Santos, João Peres, Ricardo Negrão, Suzana Vier e Júlia Lima (arte) Revisão Márcia Melo Capa Foto Divulgação Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3241-0008 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328-8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3241-0008 Claudia Aranda, Carla Gallani e Paulo Rogério Cavalcante Alves Impressão Bangraf (11) 2940-6400 Simetal (11) 4341-5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares

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Conselho diretivo Adi dos Santos Lima, Admirson Medeiros Ferro Jr., Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Arilson da Silva, Artur Henrique da Silva Santos, Benedito Augusto de Oliveira, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Edgar da Cunha Generoso, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Hélio Rodrigues de Andrade, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco Garcia, José Carlos Bortolato, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Maria Rita Serrano, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto Salvador, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Sérgio Goiana, Rosilene Côrrea, Sérgio Luis Carlos da Cunha, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Sérgio Nobre Diretores financeiros Ivone Maria da Silva Teonílio Monteiro da Costa

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REVISTA DO BRASIL

SETEMBRO 2010

TVT A propósito da estreia da TV dos Trabalhadores e da capa da Revista do Brasil (“Uma nova televisão”, ed. 50), gostaria de ver a manchete: “Lula estreia programa de entrevistas na TV dos Trabalhadores em janeiro de 2011”. Como bom comunicador que é, e com os contatos que tem, é sucesso garantido. Nilton José Wanderley, Matureia (PB) Com nossas greves no ABC, redemocratizamos o Brasil. Agora, com nossa TV, vamos democratizar os meios de comunicação. Parabéns a todos que, por anos, lutaram para realizar este sonho. Ruy Rios Carneiro, Santo André (SP) América dos gringos É bom quando a gente vê algo que fez ser bem aproveitado. Fui a Taubaté dar uma palestra num evento de uma universidade (Unitau, Departamento de História). Ao terminar, pediram que eu fosse a uma sala da Geografia, para conversar com o professor e os estudantes. Eles estavam estudando algumas questões sobre os Estados Unidos, receberam a Revista do Brasil e o texto “A América é dos gringos” (ed. 50) virou base para os debates. Resolvi passar a informação a vocês porque este não foi o primeiro texto da RdB que usaram. Várias reportagens são debatidas lá. Mouzar Benedito, São Paulo (SP)

A aposta Nosso país é rico em cultura, tem uma vasta diversidade de conhecimento por todos os lados. No texto do jornalista e escritor B. Kucinski (“A aposta”, ed. 49) observa-se a riqueza da arte de escrever. Depois de ler, a pessoa finaliza com certa indagação: será que ele (o lixeiro do conto) morreu mesmo? Jadilson J. do Nascimento, Sorocaba (SP) Bibliotecas A reportagem “Mundo mágico da leitura” (ed. 49) é de fundamental importância ao universo dos bibliotecários. Cristina Thimm Mirara, Conselho Regional de Biblioteconomia do Estado de SP Ciências do Trabalho Sobre a reportagem do curso de Ciências do Trabalho pelo Dieese (“Escola da realidade”, ed. 49), que tal pensar em ensino à distância? Temos um Brasil continental, interessado em ampliar sua visão, com foco no trabalho. Geraldo Brasil Agradecimento Um amigo me apresentou essa revista incrível. Ele trabalha na Mercedes, me presenteou com uma edição e agora eu faço coleção. Adriana Calixta de Sousa, Mauá (SP) revista@revistadobrasil.net As mensagens podem ser enviadas para o e-mail acima ou para R. São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011100. Pede-se que as mensagens venham acompanhadas de nome completo, telefone, endereço e e-mail para contato.

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PontodeVista

Por Mauro Santayana

Voltar ao princípio Saneada, pelo menos em parte, a representação parlamentar na próxima legislatura, abre-se nova oportunidade para a realização da reforma política

C

om a aplicação do critério da ficha limpa fosse o voto misto, no qual a metade da representação para o registro definitivo das candidaturas, é escolhida pelo voto distrital e a outra metade, pelo como se espera, será quebrada a resistência voto proporcional. A estrutura dos partidos deveria dar maior à reconstrução jurídica do país e, em existência jurídica real aos filiados, que hoje não pasprazo médio, à reforma da própria Consti- sam de massa de manobra. tuição. O novo Parlamento poderá iniciar o processo de Essas alterações de nada servirão se o financiamenreconstrução, a partir de um nova legislação eleitoral. Ao to das campanhas continuar sendo feito pelas grandes contrário do que muitos pensam, a essência do Estado corporações econômicas. Podemos dizer que não é a não é a eficiência, mas, sim, a legitimidade. Essa legiti- vontade do povo que determina a formação do Parmidade repousa no processo de escolha dos ocupantes lamento, mas a dos mais ricos. Eles começam por fido governo a partir do princípio democrático moderno, nanciar eleições internas dos partidos, para a escolha no qual todos os cidadãos que usufruem de de seus dirigentes, continuam a influir na seus direitos políticos têm o direito de votar Seria ideal formação das chapas e mantêm seu poder em candidatos de sua preferência. Nenhum haver no financiamento das caras campanhas cidadão tem direito maior nem menor do Ainda que seja difícil evitar o partidos com eleitorais. que outro. Mas em nosso caso há, entre o financiamento via caixa 2, o processo será cidadão e o escolhido, uma zona de som- programas mais democrático se houver o financianítidos. bra a ser aclarada. mento público das campanhas, como em Comecemos pelos partidos. A rigor, só Conservador alguns dos principais países do mundo. há três partidos na prática histórica da po- que se Outra indispensável reforma – e essa só lítica: o dos conservadores, o dos inovado- assuma se obterá com uma nova assembleia nares e o dos moderados, que constituem o cional constituinte – será a da plena sepaà direita; centro do espectro. Nenhum dos três gruração dos poderes republicanos. Os prinpos é homogêneo. Seria ideal que houves- moderados, cípios lógicos são abandonados entre nós. se três grandes partidos, representando as ao centro; e O poder Executivo recruta não só parlaforças principais, com programas nítidos. inovadores, mentares, como pode cooptar até memOs conservadores teriam de assumir sua à esquerda. bros do Supremo Tribunal Federal, como posição clara à direita, os moderados, a O eleitor ocorreu de forma escandalosa no caso do do centro, e os inovadores, a da esquerda. ministro Francisco Rezek, que renunciou não seria Os eleitores não seriam enganados, como ao cargo a fim de ocupar o Ministério de são hoje, quando todos tentam se identifi- enganado Relações Exteriores e foi de novo nomeacar como inovadores, ou seja, na esquerda. como hoje do para o STF, durante o governo Collor. Isso não impediria o princípio democrátiNo sistema norte-americano, nenhum co da pluralidade partidária, mas afastaria da represen- parlamentar pode ocupar cargo no Executivo, a metação parlamentar organizações de pouca representa- nos que renuncie. E nenhum funcionário do Executivo tividade. Outra solução, ainda mais democrática, seria pode disputar eleição, a menos que se afaste do emprepermitir a formação de partidos regionais e municipais, go. A inamovibilidade dos membros da Suprema Corque só apresentassem candidatos para os pleitos muni- te, de mandato vitalício, é outro dogma constitucional cipais ou estaduais. daquela república. As propostas de reforma que se encontram em disAqui, a vontade do eleitor é sempre desrespeitada: ele cussão não são as melhores para a democracia. O voto vota em um deputado e elege um ministro; elege um distrital puro favorece oligarquias regionais e grandes senador e é obrigado a ver em seu lugar um suplente compradores de votos. O voto em listas fechadas for- sem expressão. A nova legislatura pode ser o início da talece a oligarquia partidária. Talvez a melhor solução reforma política, ou mais uma oportunidade perdida.

Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros a partir de 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 1980

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NaRede

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Visite antes de decidir O dia a dia dos candidatos, as polêmicas e trocas de farpas, ideias e projetos, bastidores das campanhas e da cobertura, os resultados das pesquisas e análises número por número, a repercussão na blogosfera. Notícias, análises e comentários que você só encontra na Rede. www.redebrasilatual.com. br/temas/eleicoes-2010

Famílias equipadas

ROOSEWELT PINHEIRO/ABR

Por Anselmo Massad, Cida de Oliveira, Fábio M. Michel, Jéssica Santos, João Peres, Ricardo Negrão, Suzana Vier e Vitor Nuzzi

Especial educação

Dados do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) demonstram que linhas de crédito para a agricultura familiar foram responsáveis pela aquisição de 80,7% dos equipamentos rurais de pequeno porte em 2009. A Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas, da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, sustenta que o setor de equipamentos de até 78 cavalos cresce 25% ao ano. http://bit.ly/rba_agrifamiliar

Professores da rede pública de ensino de São Paulo contam as dificuldades colocadas no cotidiano das escolas estaduais e o cenário de baixa qualidade de ensino. Há estudantes que chegam à reta final do ensino fundamental e até ao ensino médio com quadro de analfabetismo funcional. A progressão continuada, transformada em mecanismo de aprovação automática dos estudantes, sem avaliações efetivas de aprendizado, é apontada como grande vilã. http://bit.ly/rba_educa_sp

Por três dias, o Encontro Nacional de Blogueiros reuniu 320 autores para discutir e defender a liberdade de expressão na internet. O Sr. Cloaca, autor do Cloaca News, foi um dos destaques. Além de levar o troféu Barão de Itararé, foi ovacionado pelo trabalho que promove a partir de Porto Alegre (RS). Passaram pelo Sindicato dos Engenheiros de São Paulo famosos e anônimos e muita gente que se lia mutuamente pela internet, mas que não se conhecia. Os próximos passos incluem encontros regionais de blogueiros e uma edição nacional, prevista para o primeiro semestre de 2011. http://bit.ly/rba_blogprog

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REGINA DE GRAMMONT

A liberdade nos blogs

Sr. Cloaca


DOMINGOS TADEU/PR

Mais voz aos trabalhadores

Lançamento da TVT

JAILTON GARCIA

Duas vezes Nicolelis

Miguel Nicolelis

O neurocientista Miguel Nicolelis recebeu o Director’s Pioneer Award, uma das mais importantes premiações oferecidas pelo governo dos Estados Unidos para pesquisadores (http://bit.ly/rba_ nicolelis1). Ainda em agosto, um laboratório coordenado pelo brasileiro recebeu doação de um supercomputador do governo da Suíça, por meio de convênio com o Ministério da Educação. O equipamento deve ser usado para pesquisa de doenças como mal de Parkinson. http://bit.ly/RBA_nicolelis2

NA RÁDIO

Na estreia da TVT, dia 23 de agosto, o presidente Lula afirmou que a emissora é mais um passo na conquista da democracia. Valter Sanches, que comanda o projeto, promete participação dos espectadores e registro do mundo do trabalho. O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Franklin Martins, vê no fato o início de novos tempos para o jornalismo (http://bit.ly/tvtnoar). Três dias antes da TVT, a CUT também deu novos saltos em sua política de comunicação. Aos 27 anos de sua fundação, a central estreou novo portal na internet, com perfis no Twitter e Facebook, rádio e TV-web. http://bit.ly/CUT_TV

BLOG DO VELHO MUNDO

Fusão na aviação A brasileira TAM e a chilena LAN anunciaram um processo de fusão. Em entrevista ao programa Jornal Brasil Atual, o presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores na Aviação, Celso Klafke, explica as preocupações dos trabalhadores do setor. http://bit.ly/radio_tam

BOB STRONG/REUTERS

Soldado patrulha vilarejo afegão

TAM e LAN: preocupação

IVAN ALVARADO/REUTERS

Guerra e lógica Flávio Aguiar registra, em seu Blog do Velho Mundo: declarações de generais americanos encarregados de tropas no Afeganistão colocaram as operações no país em xeque. O vazamento de 70 mil documentos confidenciais no site Wikileak, em julho, mostram como a política está ligada à lógica da guerra. http://bit.ly/RBA_velhomundo A Rede Brasil Atual traz informações diárias sobre política, economia, saúde, cultura, cidadania, América Latina e mundo do trabalho no www.redebrasilatual.com.br e também no Twitter e no Facebook.

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TRABALHO

Crescimento derrub A economia aqueceu e os empregos com carteira voltaram, contrariando a tese de que seria preciso flexibilizar direitos para gerar vagas Por Vitor Nuzzi

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vou nos últimos anos foi o inverso da década de 1990, quan do sete de cada dez empregos eram informais. Agora, de cada dez, oito são com carteira. Diversos fatores contribuíram para isso, cita o economista: retomada das exportações, expansão do crédito, política do salário mínimo, transferência de renda. “Mas o principal motivo, sem dúvida, foi o crescimento econômico.”

Mais oportunidades

Um dos gargalos continua sendo o crescimento da renda, embora tenha havido avanços nesse sentido. A rotatividade do mercado de trabalho pode ser apontada como um dos motivos, mas o economista do Dieese lembra que isso acontece principalmente em

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1.473.320 995.110

1.452.204

1.617.392 06

645.533

762.414

05

99 2000 01 -196.001

-581.753

1.228.686

97 -35.731

-271.298

1995 96

591.079

657.596

■ Governo FHC ■ Governo Lula

1.253.981

1.523.276

Geração de vagas com carteira assinada

-129.339

O

mundo do trabalho começou a gestão Lula enfrentando o desafio da ultra-liberalização preconizada pelo governo anterior. A face mais visível dessa tentativa de mudança era o projeto de lei que flexibilizava a legislação trabalhista. A pretexto de permitir que o negociado entre patrões e empregados prevalecesse sobre a lei, o projeto tornava “flexíveis” determinações expressas no artigo 7º da Constituição – que fixa direitos sociais conquistados pelos trabalhadores ao longo do século 20, como férias, 13º salário, FGTS, adicionais de horas extras e noturnos, pisos salariais etc. A ofensiva do governo FHC era favorecida por sucessivos recordes nos índices de desemprego e a base intelectual dessa ofensiva costumava frequentar os noticiários com o argumento de que no mundo “moderno” era preciso reduzir os “encargos” do trabalho e estabelecer novas modalidades de contrato como único caminho para criar novos empregos e oportunidades. “Aquela tese está enterrada”, diz o economista Sérgio Mendonça, do Dieese. “Nos anos 1990, havia geração de empregos, mas numa intensidade menor. E a qualidade era pior”, lembra. Mesmo iniciativas legais do governo anterior, acrescenta, como o contrato por prazo determinado e o chamado lay off (suspensão do contrato de trabalho), não foram relevantes do ponto de vista quantitativo. Análise de Mendonça e de Ademir Figueiredo, também do Dieese, lembra que as políticas públicas da década anterior eram marcadas por programas de qualificação profissional que “atribuíam aos indivíduos (as vítimas) a responsabilidade pela superação de seu infortúnio (o desemprego)”. Segundo Mendonça, o que se obser-

alguns setores, como a construção civil, o comércio e a agricultura. “O Brasil tem um padrão salarial estrutural baixo”, observa. “Um ciclo longo de crescimento deve aumentar o poder de barganha.” Mas dados recentes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram também um aumento do número de pessoas que deixam o emprego por decisão própria. Nos cinco primeiros meses de 2010, de cada dez pessoas desligadas, três pediram demissão, um movimento que pode indicar um maior número de oportunidades no mercado. As oportunidades têm se voltado, principalmente, para trabalhadores com maior escolaridade. Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do MTE, em relação à escolaridade, o emprego formal em 2009 só cresceu acima da média em três casos: ensino médio completo (8,49%), superior incompleto (4,83%) e superior completo (7,54%). A média geral foi de 4,48%, o correspondente a 1,8 milhão de postos de trabalho a mais.

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■ Total 1995-2002 = 796.967 ■ Total 2003-2010 = 10.189.502* ■ Média anual = 99.621 ■ Média anual = 1.358.600* * Até o 1º semestre de 2010

Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged)/MTE

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ba mitos

MORAIS

cado interno”, observa o economista. Não por acaso, o projeto de flexibilização de direitos foi arquivado logo no começo do primeiro mandato de Lula e o assunto não prosperou mais.

IO MAURIC

Para o professor Claudio Dedecca, do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp, no interior de São Paulo), os últimos anos se encarregaram de derrubar alguns mitos: de que não se podia crescer e distribuir renda, preservar salário e manter a inflação baixa e criar empregos formais. “Sobre aquele debate (da flexibilização) restou o seguinte: não precisamos destruir direitos para gerar empregos e crescer”, afirma. “Por outro lado, esse crescimento não anula a necessidade de melhorar a regulação do mercado de trabalho. É possível simplificar a CLT, a legislação, sem reduzir direitos.” Dedecca observa ainda que a relação entre crescimento e criação de empregos nunca foi rompida, nem mesmo no surgimento do Plano Real. O que aconteceu naquele momento foi que a abertura da economia provocou maior presença de produtos importados no mercado interno, afetou a indústria e a geração de vagas não acompanhou a expansão da População Economicamente Ativa (PEA), elevando as taxas de desemprego e de informalidade. “A indústria tem reconquistado capacidade produtiva”, acrescenta Dedecca, para quem o bom desempenho na geração de empregos “está associado à capacidade do país de redinamizar a economia”. Assim como Sérgio Mendonça, ele considera o crescimento o fator fundamental para os melhores indicadores do mercado de trabalho. Mas cita ainda as “políticas adequadas” que foram adotadas nos últimos anos, como os estímulos ao investimento, o aumento do crédito e os mecanismos de proteção à renda. “A grande questão foi a reconquista do crescimento, tendo progressivamente uma ancoragem no mer-

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INCLUSÃO

Mais para mai O Brasil ainda tem contrastes e injustiças para corrigir, mas nos últimos anos as políticas de transferência de renda ajudaram a reduzir a desigualdade Por Vitor Nuzzi

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Brasil é um país injusto. Como dizia o economista Celso Furtado (1920-2004), a parcela da população que “não participa dos benefícios do desenvolvimento” é tão grande que esse problema só pode ser visto como prioritário para os governantes. Mas nem sempre foi. O professor Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), sustenta que de 2003 a 2008 mais de 18 milhões de pessoas deixaram a situação de pobreza, em uma média superior a 10% por ano. Em entrevista ao jornal O Globo, Neri afirmou que agora o “bolo cresceu para todos, mas teve mais fermento para os mais pobres”. O Brasil apostou no crescimento do consumo e no fortalecimento do mercado interno, com maior volume disponível de crédito. Se algumas teses do passado previam que esse raciocínio provocava inflação, elas acabaram superadas. Entre abril de 2009 e março deste ano, por exemplo, foi o consumo das famílias, ao crescer 6%, o grande puxador da alta do PIB (2,4%) – resultado do aumento da massa salarial e do acesso ao crédito. Só de janeiro a março de 2010 o consumo das famílias respondeu por 64% do PIB.

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Classes econômicas % sobre o total Classe A/B C D E

2003 2008 2016* 8% 11% 31% 37% 49% 56% 27% 24% 20% 28% 16% 8%

De 2003 a 2008, 18,5 milhões de pessoas saíram da pobreza e 32 milhões subiram de classe social Fontes: FGV, IBGE e LCA (elaboração: M. da Fazenda) *Projeção

“Veja como a coisa é perversa: ao concentrar a renda, você cria uma minoria de alto nível de vida, com acesso a um mercado privilegiado. Esse mercado privilegiado é de objetos de luxo, mas é pequeno, e não leva muito longe. Portanto, o mercado interno tem de se transformar em mercado de massa. E para haver um mercado de massa, é preciso que a renda seja redistribuída”, ensinava Celso Furtado. “Qualquer política econômica, para ser eficaz, tem de levar em conta o consumo de massa, es-

sencialmente, popular. Pode parecer demagogia, mas a verdade é essa: o Brasil tem todos os meios para sair rapidamente da situação em que está e avançar por muitos anos”, disse Furtado em 2003, em entrevista ao IBGE. Diversas ações da macroeconomia do país nos últimos anos têm sido associadas a essa receita, com crescimento do emprego formal, aumento real do salário mínimo (atingindo diretamente 26 milhões de pessoas e, indiretamente, os aposentados, 18


AMPLIAÇÃO DO MERCADO Entre abril de 2009 e março deste ano, o consumo das famílias cresceu 6% e foi o grande responsável pela alta do PIB (2,4%)

A condição das famílias (% sobre o total) Com rede de esgoto 2000 52,2 2008 55,2

Com iluminação elétrica 2002 96,7 2008 98,6

Com telefone 2002 61,6 2008 82,1

Com geladeira 2002 86,7 2008 92,1

Com computador 2002 14,2 2008 31,2

Com acesso à internet 2002 10,3 2008 23,8

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)/IBGE

SÉRGIO LIMA/FOLHA IMAGEM

is gente

milhões) e o programa Bolsa Família, que beneficia hoje 12,4 milhões de famílias, melhorando as condições de vida de mais de 40 milhões de pessoas. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2003 a 2008 a queda anual na taxa de pobreza extrema (pessoas vivendo com renda mensal de até um quarto de salário mínimo) foi de 2,1%, enquanto a pobreza absoluta (renda até meio salário mínimo) caiu 3,1% por ano, em média. Projetando esse ritmo para 2016, o Ipea acredita que o país alcançaria indicadores sociais próximos aos dos países desenvolvidos. O índice de Gini, por exemplo, atingiria 0,488, ante 0,544 em 2008 (quanto mais próximo de 1 fica o índice, maior é a desigualdade). Nos Estados Unidos, esse índice está atualmente em torno de 0,46. Para o presidente do Ipea, Marcio Pochmann, a taxa de pobreza absoluta pode chegar a 4% em 2016, ante 28,8% em 2008, enquanto a pobreza extrema pode ser erradicada. Ao analisar em 2009 os 15 anos do Plano Real e mais especificamente os programas de transferência de renda do atual governo, a cientista política Roseli Coelho, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, observou que vincular inclusão social apenas ao mercado de trabalho representaria uma “visão curta”. Segundo ela, a maneira de se combater a exclusão é justamente por meio de políticas sociais que levem em consideração “não só ganhos do trabalho, mas também a transferência de renda”. Para Roseli, quando se fala em classe trabalhadora, é preciso considerar não só os que estão empregados, mas aposentados, doentes, incapacitados por algum motivo e até crianças, que serão os trabalhadores daqui a alguns anos. “Isso é uma características das sociedades menos desiguais. É uma política de inclusão, independentemente de a pessoa ou a família ter vínculos com o mercado de trabalho naquele momento.” “O efeito multiplicador dos recursos é muito grande quando orientado para a base da sociedade”, acrescenta o professor da PUC-SP Ladislau Dowbor, consultor de diversos órgãos das Nações Unidas, referindo-se aos investimentos sociais. “O fato é que a desigualdade está se reduzindo no Brasil, de maneira lenta, pois o atraso herdado é imenso, mas muito regular nos últimos anos.” SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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SAÚDE

Tratamento intensivo Indicadores sociais mostram avanços, mas o país ainda não melhorou a saúde materna e nem se livrou de doenças como a hanseníase Por Cida de Oliveira e João Peres

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mbora médicos, cientistas e outros especialistas evitem comparar as gestões de Lula e de FHC na área da saúde, os números falam. Uma espécie de painel dos resultados das ações em políticas sociais implementadas no país, o 4º Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio analisa a situação do Brasil quanto ao cumprimento de sua agenda para erradicar a extrema pobreza e a fome; universalizar a educação primária; promover a 12

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igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade na infância; melhorar a saúde materna; combater a aids, a malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental e estabelecer parceria mundial para o desenvolvimento. Essas metas foram assumidas em 2000 pelos 191 estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento, divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra evolução nos tópicos diretamente relacionados à saúde. “As taxas

de incidência de aids, crescentes até 2002, se estabilizaram. A partir de 2004 diminuíram­ também os casos de tuberculose e, de 2006 para cá, a malária tem feito menos vítimas”, diz Jorge Abrahão de Castro, diretor de Estudos e Políticas Sociais do instituto. Do mesmo modo, houve queda na taxa de mortalidade infantil. O Nordeste ainda é a região mais pobre. No entanto, as políticas de combate à desnutrição mais intenso entre os mais carentes já aproxima seus índices aos das regiões mais desenvolvidas. “Porém, grupos populacionais específicos,


DANILO RAMOS

SAÚDE EM CASA A enfermeira Rose faz visita a dona Darci: prevenção

como quilombolas e indígenas, continuam apresentando taxas elevadas”, salienta Abrahão. Outro dado positivo é que, em 1996, cerca de 4,2% das crianças de zero a 4 anos tinham o peso abaixo do esperado para a idade. Em 2006 era de 1,8%. Embora tenha havido também redução da morte materna no período, o Brasil não conseguirá atingir o objetivo de reduzi-la em três quartos até 2015. “É preciso melhorar a investigação dos óbitos maternos, reduzir a proporção de cesarianas e elevar a qualidade da atenção ao parto e ao puerpé-

rio (pós-parto)”, destaca o diretor do Ipea. típicos das grandes cidades, desencadeiam Outro desafio, segundo ele, é reduzir o doenças como a diabete em muita gente”, coeficiente de detecção de casos novos de diz Rose. Ela conta que, no mesmo prédio, hanseníase em menores de 15 anos, que mora dona Teresa, que antes de ser atendiapesar de estável, é considerado alto. Em da praticamente não andava e sequer tinha 2008, havia 5,9 portadores da doença por força para hábitos simples, como pentear os 100 mil habitantes. Além disso, é necessá- cabelos. Evolução, segundo a enfermeira, rio ampliar a cobertura da testagem para o que sinaliza o quão importante é o trabaHIV no pré-natal e a utilização de preser- lho dos agentes para a melhoria da saúde e vativos para melhorar o controle da aids, da vida das pessoas. cuja incidência tem aumentado entre as Outra área destacada é a de pesquisa em mulheres. É preciso ainda melhorar as saúde. Em 2008 foi criada a Rede Nacional condições sanitárias precárias, fazer uso de Terapia Celular (RNTC), por meio da correto dos medicamentos, zerar o aban- Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insudono do tratamento contra a tuberculo- mos Estratégicos do Ministério da Saúde. se e reforçar a prevenção e o controle da São oito centros tecnológicos localizados malária. em cinco estados brasileiros, que reúnem Paulo Marchiori Buss, diretor do Cen- 52 laboratórios selecionados pelo Consetro de Relações Internacionais em Saúde lho Nacional de Desenvolvimento Cienda Fundação Oswaldo Cruz tífico e Tecnológico e pela (Fiocruz), aponta muitos própria pasta da Saúde. O Melhorou outros avanços na saúde objetivo principal da rede é nos últimos 20 anos, entre aumentar a integração e troCrianças entre 0 e 4 anos com peso eles o programa Farmácia ca de informações entre os abaixo do esperado Popular, criado em 2004. pesquisadores de todo o Bra4,2% “Medicamentos mais usasil que trabalham com céludos contra males crônicos las-tronco (CT). Entre eles muito comuns, como diaestá o neurocientista cariobete e pressão alta, que leca Stevens Rehen, que estuvam a sérias complicações e da os mecanismos de forma1,8% morte, tiveram seus preços ção de neurônios a partir de reduzidos”, diz. “Os transCT de pluripotência induzida e embrionárias e as conplantes também receberam sequências que o transplante mais investimentos”. Segun1996 2006 pode ter no cérebro de roedo o Ministério da Saúde, dores com mal de Par­kinson. entre 2002 e 2009, recursos Coordenador do Laboratório Nacional para o setor cresceram 343%. No ano passado, chegaram a R$ 990 milhões. Mas o des- de Células-Tronco Embrionárias, localitaque, segundo Buss, é o aperfeiçoamen- zado na Universidade Federal do Rio de to do programa de saúde da família. “Mais Janeiro (UFRJ), ele diz que, embora longe conhecido longe dos grandes centros, esse do ideal em termos de investimentos na trabalho é muito importante na promoção ciência, o Brasil tem avançado no setor, da saúde porque, entre outras coisas, ensina sobretudo de dez anos para cá. “Ao meshábitos alimentares saudáveis que ajudam mo tempo que criou a rede, que é virtual, o a evitar problemas sérios, como doenças­ ministério passou a investir na construção cardiovasculares, derrame e câncer”, diz. e ampliação de laboratórios, e na compra Exemplo dessa atuação vem dos agentes de insumos. Com isso, a pesquisa brasileida Unidade Básica de Saúde República, lo- ra com célula-tronco é a mais avançada da calizada na região central de São Paulo. Eles América Latina”, diz Rehen. “Lula acertou vão de porta em porta nos antigos edifí- ao colocar técnicos, e não políticos, no cocios e ainda percorrem as ruas, onde aten- mando das pastas da Saúde e da Ciência dem pessoas que têm ali a sua moradia. Em e Tecnologia.” Agora, o que ele e seus cosuas visitas periódicas a dona Darci, a en- legas esperam é vontade política dos prófermeira Rose de Lima conversa sobre os ximos governantes para investirem, cada cuidados com a dieta, mede a pressão e a vez mais, nessa área da pesquisa que é das taxa de glicemia no sangue da paciente. “O mais promissoras para tratamento, no fusedentarismo e a alimentação inadequada, turo, de diversas doenças. SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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EDUCAÇÃO

Mais orçamento e diálogo O governo anterior chegou a investir 4,1% do PIB no setor; Lula, 4,7%. Especialistas defendem 10%. E o desafio de superar o analfabetismo continua Por Cida de Oliveira

D

iferente de seu antecessor, que em oito anos limitou suas ações ao ensino fundamental (1ª a 8ª série), o atual governo deu à educação um tratamento mais sistêmico. Isso significa dizer que, da pré-escola à universidade, todas as etapas foram contempladas. Com isso são muitos os avanços de 2002 para cá, conforme educadores e representantes do setor. O principal deles é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Básica, o Fundeb. Aprovado no final de 2006, após grandes debates e pressões da sociedade, o fundo redistribui recursos para financiar o ensino infantil, fundamental e médio em regiões onde o investimento por aluno for inferior ao valor mínimo fixado. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), os repasses federais aos estados e municípios aumentaram dez vezes. “Embora não seja atribuição constitucional da União investir no ensino básico, o governo Lula elevou os investimentos, passando de R$ 490 milhões para R$ 7 bilhões em dez anos. O Programa Nacional do Livro Didático e da merenda escolar beneficiam hoje alunos de toda a educação básica”, aponta Roberto Franklin de Leão, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Para o dirigente, a visão sistêmica pode ser notada em outras ações concretas, como o Profuncionário, programa que há cinco anos leva formação de nível técnico para trabalhadores em escolas de educação básica. A iniciativa atende a uma demanda da categoria, que considera educadores todos 14

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os que trabalham dentro de uma escola – e não apenas os professores. “E a política nacional de formação docente conta com vagas abertas em novos campi de universidades federais, mostrando como as ações são articuladas”, exemplifica. Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, uma organização não-governamental, destaca o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), que reordena a gestão dos programas do MEC e traz embutida outra inovação: o Plano de Ações Articuladas (PAR). “Nele, União, estados e municípios se comprometem a diagnosticar e planejar ações de longo prazo para enfrentar os desafios e melhorar a qualidade do ensino, aumentando o diálogo entre si”, aponta. Para o coordenador da ONG, além de focalizar o ensino fundamental e nada investir nos segmentos infantil e médio, a política pragmática da era FHC errou também ao fragmentar o ensino profissionalizante. “Coube a Lula corrigir isso e, acertadamente, investir também na formação técnica com a ampliação de sua rede”, diz. Em 2004, o Decreto 5.154, do Executivo, revogou o de número 2.208, que fragmentou a educação técnica integrada, reduziu a oferta de vagas nesse nível de ensino, empobreceu os currículos e negou aos egressos do ensino fundamental o acesso a uma formação que assegurasse bons empregos. No ano seguinte, teve início a expansão da rede federal de educação técnica e tecnológica. Só em 2009, foram entregues 100 escolas – e até o final deste ano, com novas inaugurações, serão 214. Com a reorganização, houve a


José Firmo Furtado, professor de educação física na escola estadual Myrian Ervilha, em Samambaia (DF)

AUGUSTO COELHO

É revoltante tal descaso com a escola

federalização de outras unidades, que no lidade do estado ou do município. Se fostotal oferecerão mais de 500 mil vagas até se assim, um estado rico como São Pauo final deste semestre. lo não teria uma educação tão ruim, rasa, Menina dos olhos do governo Lula, o superficial, responsabilizando professores, Programa Universidade para Todos (Prou- diretores e funcionários pelo fracasso e esni) tem aprovação da população e até de timulando a competição, enquanto o que especialistas – desde, é claro, que se cons- buscamos é uma educação solidária.” titua em política transitória até que sejam Apesar dos avanços, a educação brasicriadas vagas no ensino superior público. leira patina em problemas como a falta de De 2005, quando foi criado, até o primeiro laboratórios de ciências e de informática, semestre de 2010, foram cedidas 704 mil biblioteca, sala para mostra de vídeos­e bolsas. Neste ano, cerca de 1.400 institui- quadra coberta. Em escolas como a esções aderiram ao programa. Estudantes tadual Myrian Ervilha, em Samambaia com renda familiar de até 1,5 salário mí- (DF), não tem nada disso, tampouco nimo por pessoa podem concorrer à bolsa muros e sistema elétrico, de esgoto e de integral. Para Daniel Cara, uma pedra no drenagem que funcionem direito. Além sapato é a baixa qualidade do ensino des- de expostos à insegurança – já que besas instituições que, na maioria dos casos, bidas, drogas e armas circulam normalmente – os mais de 2 mil não obedece ao tripé univeralunos, do ensino médio e sitário de ensino, pesquisa e Uma pedra fundamental, professores e extensão. “A regulamentação no sapato pelo setor público é o primei- do Prouni funcionários convivem ainro passo para a solução do é a baixa da com constantes ameaças problema”, afirma. de curto-circuito e enxurraqualidade do das. Qualquer chuva requer ensino das o desligamento do forneciAtraso mento de eletricidade e é suConsultor da União Nacio- instituições, ficiente para inundar toda a nal dos Dirigentes Municipais que na maioria unidade com águas sujas e da Educação, com pesquisas dos casos fétidas. “O trabalho pedasobre financiamento em edu- não obedece gógico é muito prejudicado cação, Luiz Araújo é categóriao tripé em condições assim”, diz co: Lula investiu mais em eduJosé Firmo Furtado, procação do que FHC, sobretudo universitário fessor de educação física. “É a partir de 2006, quando ele- de ensino, revoltante tal descaso com vou a participação da União pesquisa e a escola”. Segundo ele, que no Fundeb. Passou de 3,9% extensão já viu seus alunos, treinados em 2005 para 4,3% em 2006, para 4,5% em 2007 e 4,7% em 2008. “Mas com muito esforço, terem de abandonar não moveu uma palha para derrubar o veto competições por falta de transporte, a side FHC à proposta de aplicação de 7% do tuação só não é pior por causa do envolPIB em 2011”, diz. “Por isso, a previsão é de vimento dos professores e da polícia – há filhos de policiais que estudam ali –, que que chegue a 5,2%”. “É claro que poderíamos ter avançado colaboram sempre que podem. A delegamais nesses oito anos e chegar mais perto cia mais próxima está a 25 quilômetros e dos 10% do PIB que defendemos para o se- a região é atendida por uma só viatura. Para os próximos governos, fica a expector. Mas a disputa é muito grande”, diz Roberto Franklin de Leão. “Buscamos agora tativa de solução de problemas estruturais a construção de um sistema nacional arti- como esses e de outro, igualmente grave: o culado, com base no documento da Confe- analfabetismo. A Constituição de 1988 deu rência Nacional de Educação, que possa in- prazo de dez anos para que todos no Brasil tegrar e dar qualidade aos 5 mil sistemas de sejam capazes de ler e escrever. Passados 22 anos, o país ainda tem 30 milhões de analeducação existentes no Brasil”, acrescenta. Leão admite que isso parece difícil, mas fabetos funcionais e 3 milhões de jovens de considera perfeitamente possível, como foi 15 a 30 anos que não tiveram acesso à sala a implementação dessas políticas todas nos de aula ou que foram expulsos por um sisúltimos oito anos. “O que não podemos é tema que tem de aprender a ensinar e a não atrelar a qualidade da educação à possibi- ser excludente. SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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ECONOMIA

Estado para quem precisa

BB, Caixa, BNDES e Petrobras: de candidatas à perda de espaço para o “mercado” a personagens estratégicos no enfrentamento da crise e na indução do crescimento Por Paulo Donizetti de Souza

É

possível existirem empresas estrategicamente importantes para a economia do país, competitivas no mercado, que distribuam dividendos aos seus acionistas e tenham o Estado como controlador? Há três décadas dizia-se que não. As empresas estatais eram demonizadas como símbolos de ineficiência, cabides de emprego, e o Estado moderno deveria se desfazer delas, porque ter empresas lucrativas é prerrogativa do livre mercado. A política de privatizações começou a ser posta em prática no primeiro ano do governo Collor, com seu Programa Nacional de Desestatização (PND), de 1990. Liderado pela ministra da Economia, Zélia 16

REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2010

Cardoso de Mello, o PND tinha uma lista de 68 empresas a serem vendidas. Antes de ser destronado, Collor conseguiu privatizar 18, entre elas as siderúrgicas Usiminas e CSN. Depois do impeachment, tomou posse o vice Itamar Franco, contrário ao plano. A ofensiva seria retomada pelo governo Fernando Henrique Cardoso (19952002), que se caracterizou pela interrupção de investimentos nas estatais, com objetivo de fragilizá-las e repassá-las ao setor privado. Para satisfazer seus compromissos com o mercado, o governo colocou o Estado a serviço das privatizações: a transferência do controle das empresas para o setor privado foi viabilizada com a participação dos fun-

dos de pensão dos funcionários das empresas públicas, e o principal financiador foi o BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Um lembrete histórico: a diretora de Desestatização do BNDES era a economista Elena Landau, que atuou no governo Collor e nos anos 1990 formou – ao lado de nomes como Persio Arida, Gustavo Franco, André Lara Resende, Francisco Lopes, Edmar Bacha e Luiz Carlos Mendonça de Barros – o time que tomou conta da economia do país. Elena casou-se com Persio Arida, que foi presidente do próprio BNDES e do Banco Central e sócio de Daniel Dantas no Opportunity. O banco criado em 1997 tor-

AGÊNCIA PETROBRAS/DIVULGAÇÃO

ORGULHO Funcionários da Petrobras na plataforma Garoupa, litoral do Rio


nou-se rapidamente um dos campeões de compras de estatais. São coincidências interessantes de ser lembradas nos dias atuais, em que os simpatizantes desse time de economistas costumam encher a boca para acusar o atual governo de “aparelhar” o Estado. Entre os argumentos mais favoráveis, o próprio ex-presidente costuma dizer que graças à privatização o número de telefones fixos mais que dobrou em dez anos e que hoje o Brasil está próximo da média de um celular por habitante. Outro argumento corrente é de que o lucro da mineradora Vale era de R$ 1 bilhão em 1998 e chegou a R$ 10,2 bilhões no ano passado. A fatia da União na emroresa foi vendida em 1997 por US$ 3,3 bilhões; hoje a empresa está avaliada em mais de US$ 100 bilhões. Especialistas atribuem grande parte do desempenho da companhia à expressiva valorização do minério de ferro no mercado mundial em meados desta década. As privatizações deixaram um saldo de US$ 78 bilhões em oito anos de governo FHC. A dívida pública, porém, não deixou de crescer: era de US$ 60 bilhões em 1994 e passou a mais de US$ 240 bilhões em 1998. E justamente a dívida pública era um dos pilares da mentalidade macroeconômica, segundo a qual o Estado não podia “gastar”, devia “economizar” e honrar seus compromissos com os credores para que a “marca Brasil” não fosse desvalorizada e não afugentasse investidores. Ao final da era FHC, a mudança de mentalidade em relação ao papel do Estado re-

fletiu na relação da União com as estatais que restaram sob seu controle. As empresas públicas participaram diretamente da opção do governo Lula por estimular o crescimento econômico. A manutenção do controle de empresas como a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica e a revisão das atribuições do BNDES em nada atrapalhou o desempenho dessa empresas. Pelo contrário.

Resultado recorde

O Banco do Brasil fechou 1994 com lucro líquido de R$ 108 milhões e movimentando R$ 33 bilhões em operações de crédito. Em 2009, o lucro foi de R$ 10 bilhões e as operações de crédito chegaram a R$ 266 bilhões. A Caixa Econômica Federal, de um lucro de R$ 213 milhões em 1994 e R$ 39 bilhões em volume de crédito, lucrou R$ 3 bilhões em 2009 e movimentou em empréstimos R$ 115 bilhões. A Petrobras, por sua vez, que lucrava R$ 1,1 bilhão em 1998, registrou em 2009 resultado de R$ 29 bilhões, o segundo maior lucro entre empresas da América Latina e Estados Unidos. A empresa, que não entrou no antigo PND, mas teve o seu monopólio de exploração quebrado nos anos 1990, retém apenas 40% de seus lucros no país. Mas não é só nos resultados contábeis que a companhia evoluiu durante a atual gestão. A partir de 2003, o governo passou privilegiar o mercado nacional nas suas encomendas. Em 2003, a empresa consumia 57% das despesas com bens e serviços com forne-

cedores locais. Essa movimentação cresceu 400% e chegou ao final da década em mais de 77%. Os pagamentos junto ao mercado interno passaram de US$ 5,2 bilhões em 2003, para US$ 25,9 bilhões em 2009. Ou seja, mais que resultar em dividendos para a União, essas três gigantes estatais tiveram papel estratégico no fortalecimento da economia e da indução do crescimento. O BNDES, por exemplo, com lucro de R$ 810 milhões em 1998 e de R$ 6,7 bilhões em 2009, ampliou no mesmo período em mais de 600% o volume de recursos oferecidos, atingindo a marca de R$ 137 bilhões de desembolsos no ano passado. O contraste entre os papéis do BNDES – de indutor das privatizações da era Collor/ FHC e de propulsor da produção interna na era Lula – é, talvez, um dos maiores símbolos das diferenças de visão em relação às responsabilidades do Estado. Carlos Lessa, que presidiu o banco no começo do governo Lula, afirmou em entrevista recente ao portal Terra Magazine que, assim que chegou ao BNDES, verificou que “queriam convertê-lo em banco de investimento, para depois dizerem: ‘não precisamos de um banco de investimento’. Expliquei tudo isso a Lula, que me deu carta branca. Demiti todos os quadros, não sobrou um. Fiz logo uma hecatombe! Demiti cento e tantos”, relatou ao repórter Claudio Leal. Leia reportagens de João Peres sobre o BNDES em www.redebrasilatual.com.br Colaborou Maurício Thuswohl

A privatização de bancos estaduais começou dois dias antes da posse de FHC em seu primeiro mandato. A intervenção do Banco Central em vários deles, como Banespa e Banerj, em 30 de dezembro de 1994, foi o ponto de partida. Oito bancos passaram para o controle da União para ser vendidos. Outros foram liquidados, outros negociados pelos estados controladores. De 35 antes de 1995, restam quatro. O BC gastou R$ 62 bilhões com o Proer, programa de “saneamento” empregado em dez instituições, e arrecadou R$ 11,6 bilhões. O Banerj foi o primeiro a ser vendido, ao Itaú, em junho de 1997. Dois anos depois, o Bradesco assumiria o Bemge. Outro grande, o

Banestado (PR), seria abocanhado pelo Itaú em outubro de 2000. Mais da metade da “arrecadação” do BC correspondeu à oferta feita pelo espanhol Santander ao Banespa, em 20 de novembro de 2000, após seis anos de resistência. Dos R$ 7,1 milhões oferecidos, foi permitido ao Santander lançar 73% como créditos tributários. Ou seja, dos R$ 5,2 bilhões de ágio em relação ao lance mínimo, os espanhóis não precisaram desembolsar nenhum tostão. O lucro previsto pelo Santander só em 2010 é de R$ 8 bilhões. No ano passado, o governo paulista teria privatizado seu segundo grande banco, a Nossa Caixa, não fosse a aquisição pelo BB mantê-lo sob controle público.

ADRIANA ZEHBRAUSKAS/FOLHA IMAGEM

Presente para banqueiro

Funcionários do Banespa protestam em novembro de 2000 SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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ECONOMIA

Apagão de memória Catorze anos depois de privatização das energéticas em SP, prejuízos afetam trabalhadores e população Por Lílian Parise e Maria Finetto e Bandeirante, nas geradoras AES Tietê e Duke Energy e na transmissora CTEEP, que incorporou a EPTE e agora é controlada pela estatal colombiana ISA. A exceção do PED era a CTEEP, com a alegação de que a empresa de transmissão continuaria sob controle estatal para garantir a eficiência e o controle do sistema elétrico. Mas frustradas as três tentativas de leiloar a Cesp, o governo tucano acionou novamente o rolo compressor na Assembleia e aprovou a Lei 11.930/2005, que autorizou a privatização da CTEEP, em junho de 2006. Em apenas quatro anos, a transmissora só rivaliza com a CPFL Energia em volume de denúncias na Justiça do Traba-

Facada Aumento das tarifas de energia entre 1997 e 2007 na região Sudeste 395,74%

Consumidores

industriais

261,63% 262,94% Residenciais

serva Luiz Pinguelli Rosa, diretor de Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A privatização trouxe prejuízo econômico ao país e, do ponto de vista técnico, os investimentos foram menores se comparados ao aumento da demanda, o que levou à crise em 2001”, afirma. Na época, Pinguelli participava de grupo de estudos que alertou o presidente Fernando Henrique Cardoso antes de o Brasil sofrer seu maior apagão. O especialista ressalta ainda que a privatização provocou tarifas altas. “O Brasil tem uma energia muito cara, apesar de seu potencial hidrelétrico, que é mais barato. Outros países que usam a hidreletricidade em larga escala, como Canadá, Noruega e alguns estados norte-americanos, têm tarifas mais baixas.” Para ele, o governo Lula deveria ter corrigido os contratos do governo FHC. Geraldo Alckmin comandou a operação de negociar as estatais, primeiro como presidente do Programa Estadual de Desestatização (PED) do governo Covas e depois como governador. O estado perdeu Banespa, Fepasa, Ceagesp, estradas e quase todas as empresas de energia, incluindo a Comgás. Uma a uma, as três empresas de energia elétrica foram fatiadas, leiloadas e transformadas nas atuais distribuidoras CPFL Energia, AES Eletropaulo, Elektro

Comerciais

U

m assunto continua meio apagado em discursos e debates eleitorais: energia. Tema que só costuma render pauta quando ocorrem apagões e ameaças de racionamento. Só é notícia quando falta. Mas a realidade no estado de São Paulo é que os moradores de muitas cidades sofrem com constantes “apaguinhos”, apesar de pagar em dia contas cada vez mais altas. Já os empregados no setor convivem com demissões, piora das condições de trabalho e terceirização de atividades-fim. É esse o cenário após 14 anos da privatização no único estado que repassou para controladores privados, inclusive estrangeiros, quase todo o patrimônio público de um setor estratégico para o crescimento. As empresas privatizadas, em detrimento de seu papel de concessionárias de um serviço público, adotaram lógica de mercado. São campeãs de rentabilidade entre as empresas de capital aberto no Brasil, aponta levantamento da empresa de informação financeira Economática, divulgado em maio. O estudo constatou que nos últimos cinco anos as energéticas lideraram um grupo de nove companhias que conseguiram lucro anual do tamanho de 30% do patrimônio. “É preciso pensar o sistema elétrico nacional como serviço público e não como uma questão econômica e de mercado”, ob-

96,8% Inflação (ICV)

Fonte: Dieese

Consumidor paga o custo da privatização A família Sanchez seguiu à risca o que toda concessionária de energia elétrica recomenda: trocar a geladeira por um modelo econômico, adotar lâmpadas eletrônicas, controlar o banho e o ferro de passar. Foi em vão. O valor da conta, em torno de R$ 65 em janeiro de 2009, estava próximo de R$ 120 um ano depois. Assistente administrativa-financeira, Rita de Cássia – que mora com o filho adolescente e os pais na Vila Boa Vista, em Campinas – reclamou: “O consumidor é refém da empresa (CPFL), que não sabe explicar um preço tão fora da realidade”. A CPFL Paulista atende 234 municípios e

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REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2010

teve reajuste médio de 21% da tarifa em 2009. O Procon moveu ação civil pública contra a concessionária. A iniciativa é inédita e envolve também a Aneel, responsável por autorizar o reajuste. O índice proposto pela CPFL – quatro vezes maior que a inflação e o triplo da média dos reajustes salariais do mesmo período – não atendia aos princípios da energia a preços suportáveis a todos os consumidores. “O consumidor, sozinho, pouco consegue das concessionárias”, diz Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Pro Teste (Associação Brasileira de Consumidores).

Ela diz que é preciso avançar para ter maior participação e mobilização da sociedade sobre um setor no qual, ela própria diz, erros acontecem. É o caso dos R$ 7 bilhões pagos a mais pelos consumidores de todo o país nos últimos sete anos por conta de um erro na fórmula de reajuste das tarifas. Há uma ação civil pública da Pro Teste em tramitação na Justiça para que os consumidores sejam ressarcidos. A associação encaminhou ao Ministério de Minas e Energia, à Aneel e aos candidatos à Presidência uma lista de reivindicações. Entre elas, um espaço para que


sas, como condições precárias de trabalho, aumento de acidentes graves e fatais, assédio moral, falta de manutenção, descumprimento de contratos de concessão e acordos coletivos, sucateamento do sistema que interliga geração, transmissão e distribuição de energia, além de pressões para restringir a atividade sindical. As denúncias foram o motivo da realização da audiência pública. O deputado petista Rui Falcão criticou o descaso com o atendimento do serviço público: “São inúmeros os problemas que afetam os trabalhadores diretos, os terceirizados e a população. O papel do Estado desapareceu e as fiscalizações do Legislativo e até da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) têm força reduzida diante da pressão das empresas privatizadas”. Procurada, a Aneel não quis se manifestar. A Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) garante, por sua vez, que a fiscalização é transparente, feita por avaliação de resultados e não pela gerência dos negócios. “As regras são rígidas e boa parte delas foi e vem sendo assimilada pelas empresas”, diz Aderbal de Arruda Penteado Junior, diretor de Regulação Técnica e Fiscalização dos Serviços de Energia. Para Penteado Junior, “o grande buraco negro da energia elétrica é a informação, e informar o consumidor é mais obrigação do Estado do que das concessionárias”. A principal decisão da audiência pública foi cobrar do governo paulista que continue no controle acionário das empresas ainda não vendidas – a Companhia Energética de São Paulo (Cesp), maior geradora do estado e terceira do Brasil, e a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae). É o que propõe o PL 563/2010, que entrou na pauta da Assembleia e tramita pelas comissões de Constituição e Justiça e de Serviços e Obras Públicas desde 11 de agosto.

em dez anos. Pior é que não há nenhuma comprovação de que o dinheiro foi para investimentos em saúde, educação e segurança. Basta dizer que esses ainda são os maiores problemas da população paulista até hoje.” Passados 14 anos, desde a madrugada de 26 de junho de 1996, quando a bancada de maioria tucana aprovou a Lei 9.361/96, que autorizou na Assembleia Legislativa o PED, uma audiência pública realizada em maio reuniu naquela Casa lideranças sindicais, trabalhadores da ativa e aposentados, parlamentares e representantes do movimento social. As empresas não compareceram. Documentos reunidos pelo Sinergia-CUT apontam irregularidades em várias empre-

O consumidor é refém da empresa, que não sabe explicar um preço tão abusivo e fora da realidade Rita de Cássia

RODRIGO ZANOTTO

lho e Ministério Público por ilegalidades trabalhistas e práticas anti-sindicais, além da demissão de profissionais qualificados. O quadro, reduzido em 45%, hoje tem 2.500 trabalhadores – metade é de terceirizados. A RdB entrou em contato com a CPFL e a CTEEP, que afirmaram pelas assessorias de imprensa que não iriam se manifestar. No total, segundo a liderança do PT na Assembleia, as privatizações renderam R$ 32,9 bilhões ao governo. “Mas a dívida consolidada cresceu e passou de R$ 34 bilhões em 1994 para R$ 138 bilhões em 2004”, afirma Jesus Francisco Garcia, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Energéticos do Estado (Sinergia-CUT). “Alckmin vendeu dois terços das estatais, mas a dívida cresceu 33,5%

o consumidor possa participar na elaboração de políticas públicas para o setor. A lista inclui a atualização periódica dos mecanismos de revisão tarifária, que leve também em conta os ganhos das distribuidoras, além da redução da carga tributária sobre o consumo. Os impostos são uma pedra no calcanhar do empresariado. A indústria, que responde por 50% do consumo, reivindica redução da carga tributária. Carlos Cavalcanti, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), diz que o custo da energia elétrica é fundamental para a competitividade do setor. SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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SEGURANÇA

Violência: pacificar para

combater Reconhecer as causas e incorporar a sociedade no combate ao problema serão herança da gestão Lula e desafio do próximo governo Por João Peres

O

envolvimento da sociedade no debate é o diferencial do governo Lula na área de segurança pública. O resultado é o destaque dado à adoção de medidas de combate às origens da violência, ou seja, as causas sociais da criminalidade. O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), criado em 2007, agrupa iniciativas já existentes, cria outras e prevê dotação orçamentária condizente com a importância do setor. São R$ 6,1 bilhões até o fim de 2011, com a expectativa de beneficiar 3,5 milhões de pessoas, na maioria jovens e suas famílias. Os brasileiros de 15 a 24 anos são os principais atores e as maiores vítimas da criminalidade. O Mapa da Violência 2010 mostra que a taxa de homicídios nessa faixa etária passou de 30 em cada 100 mil habitantes, em 1980, para 50,1 em 2007, patamar mais de duas vezes superior à média. Alguns dos principais projetos do Pronasci são voltados aos jovens em situação de vulnerabilidade. Há programas de formação profissional, como o Mulheres da Paz, que identifica, orienta e remunera líderes comunitárias para mediar situações de conflito e outro que contrata rapazes que vivem em ambientes violentos como reservistas das Forças Armadas. “O que pretendemos é reconquistar territórios que foram atingidos pela violência e criminalidade, e a melhor maneira de fazer isso é com prevenção, com toda a comunidade envolvida na busca de soluções”, declarou recentemente o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto. O ex-secretário de Segurança Pública de Minas Gerais Luiz Flávio Sapori conside-

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ra que o Pronasci é o primeiro programa da área que consegue ser, ao mesmo tempo, abrangente e consistente na aplicação de recursos. “O Brasil não tinha uma tradição de pensar na segurança pública sob a ótica da prevenção social, sempre tivemos um viés excessivamente repressivo e muitas vezes às expensas da lei”, afirma. “O governo Lula incorporou ao debate e aos gestores públicos a importância de se pensar a prevenção social.” A articulação entre as gestões federal, estaduais e municipais e a participação da sociedade civil ganharam novo – e fundamental – incentivo com a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg). Uma das últimas realizações setoriais do governo Lula, a conferência estabeleceu 40 diretrizes que consagraram a intersetorialidade no campo da segurança, reforçando a necessidade de trabalhar uma política que conecte a população e os agentes, com respeito aos direitos humanos e o fim das discriminações. A intenção é voltar a realizar encontros

Jovens em guerra Homicídios por 100 mil habitantes

50,1

■ População em geral ■ 15 a 24 anos 21,2

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1980 Fonte: Instituto Sangari

16,6

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deste porte a cada dois anos e traçar as linhas da Política Nacional de Segurança Pública a ser apresentada ao Congresso. Para José Vicente Tavares dos Santos, especialista em segurança do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Conseg coloca o debate sobre segurança pública em um novo patamar. “O importante é ter pela primeira vez uma discussão nacional em que os diferentes lados estão expostos. A aplicabilidade é um processo de longo prazo, mas poderemos, com tempo, ir refinando a percepção social e pública da questão da segurança, sempre valorizando a racionalidade.” Esteban Benavides Yates, do Centro Internacional para a Prevenção da Criminalidade, defendeu em artigo que a conferência foi um passo importante para que a política brasileira de segurança pública passe a ser de Estado, deixando de depender das oscilações governamentais. “Trata-se de um processo participativo único, no Brasil e


RAFAEL ANDRADE/FOLHA IMAGEM

PRESENÇA Moradores acompanham implantação de Unidade de Polícia Pacificadora no Morro do Borel, Rio de Janeiro

em outros lugares. Realmente, não conhecemos outros países que tenham conduzido um processo desta natureza e desta envergadura”, afirma. O Pronasci, em si, já é visto como uma ruptura do tradicional imediatismo da área de segurança, com planos a longo prazo. O Território de Paz une diferentes iniciativas, indo da sociedade civil ao Judiciário, passando por policiamento comunitário. Além disso, os esforços de formação e capacitação de agentes de segurança são uma herança a longo prazo que pode trazer a redução de velhos problemas do setor, como a corrupção e o abuso de força.

Polícia pacificadora

“É um novo quadro federativo virtuoso”, elogia Tavares. “Em alguns locais, como o Rio Grande do Sul, o estado não aceitou fazer (o convênio), mas os municípios, sim. Eles passam a ser protagonistas na prevenção da violência.”

Em outros casos, à medida que aumentam as articulações entre as diferentes esferas da federação, o intercâmbio torna possível espalhar experiências positivas. O caso mais notório é o do Rio de Janeiro. Em 2007, foram mortos 1.330 civis por policiais no estado, recorde negativo. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Pronasci deram os sinais de que era possível e necessário mudar. O resultado, até aqui altamente elogiado, é a criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que conseguiu zerar o número de homicídios em algumas partes da capital fluminense e reduziu drasticamente a criminalidade em geral. A aposta é de que as forças de segurança devem ser um braço do Estado nas comunidades, mas não o único: depois da pacificação passam a ser feitas melhorias em água, luz e esgoto, e os jovens ganham nova perspectiva social, tornando-se menos suscetíveis a ingressar no mundo do crime. “A mudança é muito importante porque sinaliza que uma

outra política é possível, muito mais benéfica em termos de relacionamento de segurança, mas não sabemos até que ponto essa política vai continuar e vai substituir o atual modelo”, aponta Ignácio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). A dúvida sobre a durabilidade do êxito das UPPs baseia-se, entre outras coisas, na necessidade de reformar profundamente as polícias. Renato Sérgio de Lima, secretário-geral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entende que o grande desafio para o Brasil como um todo é, nos próximos anos, aprofundar o debate sobre a necessidade de uma força policial democrática, transparente e próxima da população. “O governo federal assumiu a coordenação da política de segurança pública, mas o Congresso não discutiu a reforma das polícias”, pondera. É apenas uma das importantes tarefas que caberão às próximas legislaturas do Senado e da Câmara. SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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POLÍTICA

Com que cabeç

GETTY IMAGES

Eleições para o Legislativo são tão importantes quanto para presidente e governador. Sem aumentar a bancada de representantes, trabalhadores correm o risco de ser atropelados Por Vitor Nuzzi

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ça você vota? E

nquanto nove candidatos disputam o lugar de Luiz Inácio Lula da Silva a partir de 1º de janeiro de 2011, quase 6 mil buscam uma vaga para deputado federal e senador. Outros 13 mil candidatos pleiteiam uma cadeira nas Assembleias Legislativas. O fortalecimento das bancadas de representação dos trabalhadores no Poder Legislativo será fundamental para aprovar temas de seu interesse. O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) vê no governo Lula uma mudança de paradigma na relação com os sindicatos, de uma prática antes autoritária para um sistema de diálogo e participação em instâncias de decisão – uma marca pessoal do presidente. Qualquer que seja o novo governo, eleger parlamentares comprometidos com uma política de desenvol-

vimento que respeite direitos sociais, ambientais e a distribuição de renda é crucial para o aprofundamento da democracia. Para o Diap, uma bancada de parlamentares com origem no movimento sindical não pode se contentar em entrar na próxima legislatura com o tamanho da atual, sob o risco de não conseguir dar conta dos desafios do próximo período. Ainda mais quando se sabe que as principais confederações empresariais pretendem investir com força em suas representações parlamentares. “A Confederação Nacional da Indústria (CNI) disse que é uma prioridade, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) também, a CNT (transporte), idem”, observa o diretor do Diap Antônio Augusto de Queiroz. A bancada dos empresários no Congresso chega hoje a aproximadamente 220 parlamentares, entre os quais o próprio

presidente da CNI, deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE). Já o número de parlamentares com origem no movimento sindical diminuiu de 74 para 61, sendo sete senadores. “A que mais cresceu na atual legislatura foi a do segmento empresarial”, lembra Queiroz. Além de ter crescido, a representação dos empresários também mostrou serviço: derrubou a CPMF, aprovou a Emenda 3 (que facilitava a contratação de “pessoas jurídicas prestadoras de serviços” no lugar de funcionários celetistas, posteriormente vetada pelo presidente da República) e, pelo menos até agora, segurou a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. A CNI, que diz reconhecer no Congresso “o grande palco dos debates sobre a vida

Principais bancadas do Congresso Nacional Kátia Abreu

Ruralistas

270 parlamentares Principais nomes Kátia Abreu (DEM-TO) Ronaldo Caiado (DEM-GO) Homero Pereira (PR-MT) Valdir Colatto (PMDB-SC) Moacir Micheletto (PMDB-PR) Nelson Marquezelli (PTB-SP) O que querem ■ Mudanças no Código Florestal, diminuição da área que deve ser obrigatoriamente conservada e protegida do desmatamento ■ Rejeitar a PEC que determina confisco de propriedade que emprega trabalho escravo

Armando Monteiro Neto

Empresários

220 parlamentares Principais nomes Armando Monteiro Neto (PTB-PE) Flecha Ribeiro (PSDB-PA) Adelmir Santana (DEM-DF) Pedro Henry (PP-MT) Sandro Mabel (PR-GO) O que querem ■ Redução da carga tributária ■ Redução dos direitos trabalhistas ■ Total liberalidade para contratar terceirizados ■ Manutenção da jornada em 44 horas ■ Novas modalidades de admissão (a CNI fala em “formas alternativas de contratação”)

Paulo Paim

Sindicalistas

60 parlamentares Principais nomes Daniel Almeida (PC do B-BA) Paulo Pereira da Silva/Paulinho (PDT-SP) Paulo Paim (PT-RS) Ricardo Berzoini (PT-SP) Vicente Paulo da Silva/Vicentinho (PT-SP) O que querem ■ Redução da jornada semanal de trabalho para 40 horas ■ Ratificação da Convenção 158 da OIT, contra demissões imotivadas ■ Revisão dos índices de produtividade da terra ■ Aprovação da PEC contra o trabalho escravo

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Conquistas e desafios

Existe o lobby público e também o silencioso, observa o deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP), formado no sindicalismo bancário. O segundo não é visto nem sentido, mas é tão eficaz quanto o primeiro – ou mais. “É um lobby mais ardiloso, que passa inclusive por financiamento de campanha. Não vamos esquecer que no Brasil o financiamento é privado”, lembra. O Instituto Ethos de Responsabilidade Social vê ligação direta entre financiamento político e corrupção e aponta um gasto excessivo nas campanhas brasileiras. Enquanto os recursos do Fundo Partidário somam R$ 200 milhões por ano, nas duas últimas eleições (2006 e 2008) as contribuições privadas chegaram a R$ 4,6 bi-

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JAMIL BITTAR/REUTERS

econômica e política” brasileira, no qual busca “uma ação de influência construtiva, clara e aberta”, divulga anualmente uma agenda mínima de projetos de interesse da indústria. Muitos desses projetos também dizem respeito diretamente aos trabalhadores, com assuntos como redução da jornada (PEC 231/1995), restrições à dispensa do empregado (PL 8/2003) e terceirização (PL 4.302/1998). A CNA, cuja presidente, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), chegou a ser cotada para vice de José Serra, também se articula para aumentar a sua representação. Hoje, a bancada ruralista soma 270 parlamentares, 90 deles considerados a efetiva “tropa de choque”, segundo matéria publicada em março no jornal Valor Econômico: “Um exército de 2 milhões de produtores ligados a sindicatos rurais, federações de agricultura e cooperativas iniciou um amplo movimento político de mobilização para dobrar o tamanho da influente bancada ruralista no Congresso Nacional”. E a senadora confirma a ofensiva. “É lobby, sim. Mas é lobby positivo. Vamos nos organizar financeiramente para que nossos candidatos sejam apoiados”, afirmou. “As empresas do agronegócio serão procuradas para contribuir com os candidatos do setor.” Um dos principais feitos dessa bancada tem sido impedir a votação da PEC 438, que prevê o confisco de propriedades onde seja flagrado o emprego de mão de obra escrava. De autoria do senador Ademir Andrade (PSB-PA), em 1999, a PEC já passou pelas duas votações no Senado e desde 2001 está parada na Câmara.

DESPROPORÇÃO Berzoini lembra que trabalhadores são minoria no Congresso

pela Câmara dos Deputados, do projeto que facilitava às empresas contratar empregados com direitos reduzidos. Assim que tomou posse, em 2003, Lula determinou a retirada do projeto da pauta do Senado. O vice-presidente da Comissão de Trabalho da Câmara, deputado Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, que foi dirigente metalúrgico do ABC e presidiu a CUT, conta que às vezes há obstáculos internos, já que a base de sustentação nem sempre é segura. “Tivemos dificuldade inclusive na bancada do governo (na tramitação)”, afirma Vicentinho, referindo-se ao projeto que prevê a redução da jornada máxima de trabalho de 44 horas semanais para 40. “Houve uma grande pressão para que não se colocasse em votação.” Os problemas se repetiram na discussão sobre a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O documento, que orienta os países a adotar medidas que coíbam as demissões injustificadas e a alta rotatividade de mão de obra, precisa ser validado pelo Congresso. O que só reforça, diz Vicentinho, a necessidade de escolher parlamentares identificados com os trabalhadores.

lhões. O presidente do instituto, Oded Grajew, diz que as empresas devem fazer uma “escolha ética”, sem transformar a eleição em negócio. “A empresa tem compromis- Movimentações Ricardo Berzoini lembra que quando so com a democracia e deve promover o voto consciente”, diz Oded. “Quem paga as Lula foi eleito, em 2002, seu partido elegeu campanhas tem um poder enorme sobre 95 deputados federais e 12 senadores. Ou os políticos. Esse é o nó do quadro político seja, nem 20% da Câmara e menos de 15% do Senado. “Por mais que você tenha partibrasileiro”, acrescenta. Em agosto, o Tribunal Superior Eleito- dos identificados com os mesmos interesses ral (TSE) e a Associação dos Magistrados e por mais que ache normal haver um goverBrasileiros (AMB) lançaram uma campa- no de coalizão, há uma desproporção entre o voto para o Executivo e o voto nha por eleições limpas com parlamentar”, diz o deputado, o tema “Não Vendo o Meu Em maio, para quem o atual presidente Voto”. O presidente do TSE, a CUT ajudou a reduzir preconceitos Ricardo Lewandowski, enfa- inaugurou um contra a presença institucional tizou que o eleitor não deve escritório em dos trabalhadores. Mesmo asvender o voto, nem “trocá-lo Brasília para sim, a bancada dos trabalhapor benesses para si ou para fortalecer sua dores continua sub-represenoutrem”. tada, situação vivida também A bancada dos trabalhado- articulação pela bancada feminina (de aperes, embora menor, também se junto aos três nas 37 parlamentares), observa mobilizou. Entre as conquistas poderes Berzoini. Para ele, o distanciaque podem ser citadas, estão a política de aumentos reais sucessivos para o mento do eleitor reforça a figura do político salário mínimo, a atualização da tabela de que trabalha para si e não para a coletividade cálculo do Imposto de Renda, que reduziu o que deveria representar. Para o jornalista Sylvio Costa, diretor do IR retido na fonte da classe média assalariada, a legalização das centrais, o arquivamen- site de notícias Congresso em Foco, é neto do projeto de flexibilização da CLT. O go- cessária uma mudança geral de comportaverno FHC chegou a conseguir a aprovação, mento. “O próprio esforço de propaganda


JANINE MORAES/AGÊNCIA CÂMARA

FOGO AMIGO Vicentinho: “Tivemos dificuldade inclusive na bancada do governo”

dos partidos e das coligações é mais voltado para os candidatos majoritários. E a maioria dos eleitores vai escolher o candidato na última hora, e depois nem lembra em quem votou.” Associado a isso, está o desconhecimento de como funciona o Parlamento. “É complicado para os grandes veículos de comunicação fazerem um acompanhamento micro do que faz cada deputado ou senador, há uma limitação técnica para a cobertura. Agora, a questão fundamental é que a pessoa que busca informação vai encontrar. A nossa preocupação é estimular essa busca. Nos Estados Unidos, há vários veículos, jornais independentes, que fazem a cobertura do Congresso norte-americano”, diz Sylvio. Segundo ele, um dos problemas é que em geral as pessoas falam muito sobre política, dão palpites, mas não se informam – o que contribui para aquela imagem de que

“todo político é igual”. A concentração de votos em algum candidato também mostra alguma distorção no sistema. O diretor do site lembra que, na eleição de 2006, os 70 deputados federais eleitos por São Paulo tiveram, juntos, 38% dos votos do eleitorado. Ou seja, 62% dos eleitores não viram seus candidatos chegar à Câmara.

À base de pressão

Para o presidente nacional da CUT, Artur Henrique, o sistema político brasileiro tem características tanto do presidencialismo como do parlamentarismo. Ninguém tem poderes absolutos e os avanços só acontecem se houver muita insistência. De preferência, com parlamentares comprometidos com os interesses dos trabalhadores. “Hoje, a chamada base aliada do governo nem sempre se coloca como aliada”, observa. “Toda a pauta do campo, o que inclui re-

forma agrária, índice de produtividade da terra e combate ao trabalho escravo, nunca teve apoio de vários segmentos do Congresso, mesmo pertencendo a partidos que em tese são parte da base aliada. Na redução da jornada, temos grandes dificuldades com líderes partidários”, afirma Artur, lembrando que essa não é uma experiência isolada. “Vários projetos que tiveram apoio do Executivo estão parados no Legislativo.” Em maio, a central inaugurou um escritório em Brasília para fortalecer sua articulação junto aos três poderes. “A gente passa dois anos negociando com o governo, depois passa mais dois anos negociando no Congresso. Aí vem o DEM e entra com uma ação de inconstitucionalidade”, explica. Como parte dessa política, aumentar a representação de parlamentares comprometidos com os trabalhadores deve ser “elemento estratégico” da CUT. Até porque as entidades patronais também estão se preparando nesse sentido, acrescenta, citando o exemplo da CNA. Uma bancada mais identificada com as posições dos trabalhadores poderia resultar em aprovações mais tranquilas de projetos – e menos dependentes de influências. Circula nos corredores do Congresso um incontável número de lobistas, representantes dos mais variados interesses privados. A atuação pode ser legítima, mas muitas vezes não é. E virou tema, inclusive, de projeto de lei, o PL 1.202, de 2007, que está parado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. “Lobby é ter um mecanismo claro de apresentação de argumentos. Se tiver uma regulamentação nítida e uma entidade que faça uma autorregulação, será positivo”, avalia Berzoini. As pessoas precisam saber quem está a serviço de quem no Congresso. Plenário do Senado

Perspectivas no Senado No início de julho, o Diap fez um prognóstico sobre as bancadas no Senado, que renovarão dois terços dos 81 lugares da Casa. A expectativa é de pequenas oscilações, mas com prejuízos para a oposição. O Diap acredita que a maior bancada, a do PMDB, hoje com 18 senadores, deve chegar à próxima legislatura com um total de 15 a 17.

O Diap estima que o PSDB vai ficar com uma bancada de 12 ou 13, perdendo um ou dois senadores, enquanto seu aliado mais tradicional, o DEM, que hoje também tem 14 senadores, pode ter sua representação reduzida a 10 parlamentares. Para o PT, atualmente com nove senadores, a expectativa do Diap é ampliar para 14 a 16

senadores. Se a previsão for confirmada, o partido ficaria com a segunda maior bancada no Senado, passando PSDB e DEM e permanecendo atrás apenas do PMDB. Pela mesma projeção, o PSB passaria de dois para quatro ou cinco senadores, o PP iria de um para dois a quatro e o PC do B, de um para dois ou três.

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PERFIL

P

restes a completar 56 anos, em outubro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa foi recentemente um dos principais personagens da crônica brasileira. Não pelo que tenha dito ou feito no plenário da mais alta corte do país, mas pelo que deixou de fazer, movido pela licença médica que tirou para tratar de uma lombalgia. A discussão sobre o comportamento do ministro, entretanto, mais do que envolver questões sobre produtividade do Judiciário, revelou o tamanho e a força dos desafetos que ele colecionou em sete anos de tribunal. E o quanto os seus votos e debates incomodaram ao longo desse período. Dono de biografia respeitável, tanto pelas posições que adotou no julgamento de temas polêmicos como também pelas brigas que já travou, em meio ao colegiado do STF, Barbosa provavelmente não esperava passar pelo olho do furacão que varre sua vida. “Isso é armação de pessoas que não gostam de mim”, teria desabafado para pessoas próximas, depois de o jornal O Estado de S. Paulo publicar matéria com fotos suas em um bar de Brasília, em pleno período de afastamento das atividades. Por causa das sucessivas licenças para tratar da saúde, o flagra do ministro foi criticado por colegas, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e representantes do Executivo, e chegou a ser campeão de comentários das redes sociais na internet com depreciações E também mensagens de apoio. De 2008 até hoje, Barbosa passou por sucessivas licenças, num total de 112 dias sem trabalhar. Segundo informações do STF, existem 13.193 processos em seu gabinete. Em março, o ministro foi citado pela entidade Transparência Brasil como um dos menos produtivos do tribunal – embora o levantamento da entidade tenha deixado claro que era por motivo de saúde. Como se não bastasse, em novembro passado ele renunciou ao cargo de vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – órgão que viria a presidir logo depois, caso tivesse permanecido. Alegou não ter condições físicas. O seu recente anúncio de nova licença, para continuar o tratamento, bastou para acirrar os ânimos dos colegas. Ainda mais porque, com a aposentadoria do ministro Eros Grau, o STF ficou sem quórum para a realização de julgamentos importantes, como o seguimento do caso do mensalão­ 26

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A doença e os desafetos de Joaquim Polêmica sobre licença médica revela motivos pelos quais o primeiro negro a assumir posto de ministro do STF incomoda tanta gente Por Isabel Cesse e o processo que trata da incidência da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) nas vendas feitas pelas empresas no exterior. O problema de saúde de Joaquim Barbosa é sério e o obrigou a participar de julgamentos históricos no plenário do Supremo em pé durante todo o tempo, em razão de fortes dores. Também o obriga a frequentar consultórios médicos diversos. Mas o que se discutiu no país sobre o episódio tomou duas direções. Em primeiro lugar, os motivos pelos quais um ministro que pode frequentar bares não consegue comparecer ao gabinete de trabalho ou às sessões do tribunal. Em segundo lugar, chamou mais

uma vez a atenção para a personalidade de Barbosa, conhecido pelo temperamento de não levar desaforos para casa. Mineiro de Paracatu, o ministro fez uma carreira digna de pessoas de condições humildes que se saíram vitoriosas pelo próprio esforço. Chegou à capital aos 16 anos e conseguiu seu primeiro emprego, como gráfico, no jornal Correio Braziliense. Logo após concluir o curso de Direito pela Universidade de Brasília (UnB), fez pós-graduação­, mestrado, doutorado e especializou-se em Direito Público Comparado, com passagens pelas universidades de Columbia (Estados Unidos) e Paris. Foi oficial de chancelaria do Ministério


ALAN MARQUES/FOLHA IMAGEM

das Relações Exteriores e promotor público, até ser indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, para o STF.

Credibilidade

Entre as várias brigas em que se envolveu com colegas, Barbosa disse para o então presidente do STF, Gilmar Mendes, que ele precisava ir às ruas ouvir o que a população pensava, porque estaria “tirando a credibilidade do Judiciário”. Também se indispôs com os ministros Marco Aurélio Mello e Eros Grau. A este chamou publicamente de “burro” e “velho caquético”, por ter concedido habeas corpus para Humberto Braz, envolvido no caso de suborno a po-

liciais federais na operação que prendeu o banqueiro Daniel Dantas. E completou, dizendo: “Todos aqui estão achando o mesmo do senhor, mas só eu tenho coragem de lhe dizer”. No âmbito do PT, decepcionou os que achavam que poderia afrouxar a guarda durante a apreciação do processo do chamado mensalão, do qual foi relator. Na época, produziu uma peça jurídica que transformou 40 denunciados em réus. Junto ao empresariado, órgãos públicos e a alguns setores mais conservadores da sociedade, é visto com cautela por vários motivos. Da parte dos conservadores, principalmente, por ser favorável à legalização do

aborto. Da parte dos empresários, por defender que, quando uma empresa privada assume um serviço público mediante concessão, deveriam ser aplicadas a esta regras da responsabilidade objetiva, como se tal empresa fosse o próprio Estado. É ainda da opinião de que a competência para julgamentos de processos referentes a trabalho escravo deve ser da Justiça Federal. Perante advogados, é conhecido por não gostar dos pedidos para apressar julgamentos e por criticar, constantemente, o que define como “elite do Direito”, formada pelos que vivem nos tribunais para pedir preferência nos processos em que atuam. Também é contra o poder do Ministério Público (MP) de arquivar e de presidir inquéritos policiais. Junto aos políticos, aceitou as denúncias do MP contra o ex-governador de Minas Gerais e atual senador Eduardo Azeredo (PSDB), por peculato. E foi responsável pela reabertura do processo contra o então deputado federal e ex-governador da Paraíba Ronaldo Cunha Lima (PMDB), por tentativa de homicídio. O ex-governador preferiu renunciar ao mandato para ser julgado como réu comum, como forma de evitar um julgamento por parte do Supremo. No plenário do STF, propriamente, votou a favor da pesquisa com células-tronco, ao aborto de fetos com anencefalia e pelo direito dos servidores públicos fazerem greve. Em razão desses votos, tem sido chamado de “contraditório” e “arrogante”. Mas não teme embates, e ainda cultiva amigos leais e afetuosos. “Quando o ministro gosta de alguém, gosta de verdade”, conta um servidor do tribunal, que evitou se identificar. “Ele é sincero e impositivo em suas palavras e, por isso mesmo, corretíssimo em tudo o que faz”, complementa um advogado que constantemente acompanha as sessões. Barbosa já avisou: diante do imbróglio que sua ausência provocou, vai retornar ao trabalho. Mas em caráter provisório, para realização de julgamentos mais urgentes. Depois se submeterá a perícia e pedirá nova licença. Afirma que precisa ficar bom para poder usar toda a energia de que dispõe e ajudar o país. Ratifica, assim, a declaração bombástica que deu, anos atrás. Questionado pelo fato de ter sido o primeiro negro nomeado para o STF em muitas décadas, disse que quem, no tribunal, por acaso achava que encontraria nele “a figura de um negro submisso”, se enganou. Será que alguém mais tem dúvidas? SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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ENTREVISTA

A bela é fera A lutadora sérvia radicada no Brasil Duda Yankovich superou guerras, adversários de mãos pesadas e empresários de mãos leves. Enfrentou preconceitos e nocauteou todos Por Andrea Dip

F Meu pai e meu tio foram convocados várias vezes. Nunca sabíamos se eles voltariam. E a cultura do país é a de um lugar sempre em guerra. Olho por olho, dente por dente. Se você me faz algo, vai ter troco, mesmo que demore 28

aixa preta de caratê aos 14 anos, quatro vezes campeã absoluta de kick boxing em seu país, com um título mundial de boxe no currículo, a sérvia Duda Yankovich tem muita história para contar: sobre comunismo, as quatro guerras que conheceu de perto, a necessidade de competir – e ganhar – em todos os esportes que já praticou ao longo dos 33 anos de idade e, principalmente, sobre começar do zero. Quando chegou ao Brasil, dez anos atrás, a bela já tinha se formado na escola de segurança internacional 007, trabalhado como segurança de boate e como dublê em filmes e comerciais de televisão. Apesar de ainda não ter conseguido a cidadania brasileira, foi a bandeira verde e amarela que ela levantou ao conquistar o título mundial de boxe em 2006. Nesta entrevista, Duda falou sobre todas as formas de preconceito que já sofreu na vida: por ser muito nova, por ser do interior, por ser mulher, por ser bonita – e como nocauteou um por um, de saia, maquiagem e cabelo impecável nos ringues da vida. No auge da forma e da fama, a sérvia levou uma rasteira de um empresário sacana que a fez perder patrocínios, dinheiro, visibilidade e a pior parte: se machucar gravemente em uma luta mal arranjada. Após um ano, Duda volta com tudo para o próximo desafio: o MMA, apresentação que une lutas como boxe, kick boxing e jiu jitsu. Para variar, vai ser uma das poucas mulheres a lutar nessa categoria. Mas para ela vai ser fácil. Afinal, para quem aprendeu a falar português sozinha, em apenas quatro meses, aprender a lutar jiu jitsu é sopa.

Onde você nasceu?

Em uma cidadezinha da Sérvia de 40 mil habitantes, Jagodina, a pouco mais de 100 quilômetros de Belgrado.

Você fazia esportes desde pequena?

Quando era bem pequena fiz natação, depois basquete, mas nunca gostei de fazer esportes por fazer: sempre competi. No começo da adolescência entrei para um grupo de dança folclórica, danças tradicionais da Sérvia.

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Você nunca fez um esporte apenas por diversão?

Não consigo fazer por fazer. Mesmo com outras coisas na vida, do que eu gosto, levo a sério. Sempre fui boa aluna. Quando eu tinha de 11 para 12 anos, uma vizinha me pediu para ir com ela assistir a uma aula de caratê. Ela ficou algumas semanas, e eu fiquei seis anos. Com 14 anos, já era a mais nova faixa preta de caratê da história do país. Com 15 anos, deixei a minha cidade e me mudei para Belgrado, para fazer parte da seleção. A minha família não queria, mas persisti. Economizei dinheiro e paguei um internato. Nesse tempo, conquistei patrocínios e apoio do governo. Na época, meu país era comunista e eles incentivavam muito o esporte. Eu recebia um salário do governo porque era medalhista internacional. Todo mundo reclama do comunismo, mas eu acho que a pior época foi quando acabou o comunismo, em 1980, e começou uma briga pelo poder. Eu era muito pequena, mas me lembro que nunca faltava nada. Como esportista, fui muito apoiada.

Como foi a passagem para o kick boxing?

Eu estava desanimada. Não me deixavam competir fora porque eu era muito jovem. Então fui procurar alguma outra coisa para fazer. Eu treinava em um clube chamado Estrela Vermelha, que tinha vários outros esportes. Assisti a uma aula de kick boxing e gostei. No começo, sofria preconceito por parte dos treinadores, “você é menina, bonitinha, tem tanta coisa para você fazer...” Antes disso, já tinha sofrido preconceito por ser muito nova e por ser do interior, porque tinha sotaque. E adolescentes são muito cruéis. Nos primeiros meses eu chorava todos os dias, mas depois virei uma personalidade, e as pessoas não me olharam mais como a menina do interior, e sim como a atleta de seleção. O esporte sempre abre portas, né? No meu país é muito complicado você conseguir ver o mundo. Primeiro porque é cultural: as mulheres nascem para casar, ter filhos, às vezes ter um emprego, ou serem sustentadas pelo marido. Quando eu já morava no Brasil, ligava para a minha avó e ela dizia: “Tudo bem filha, você é campeã mundial, mas quando vai casar?”. Eu só me encaixava no esporte.


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JAILTON GARCIA

Boxe era um esporte extremamente masculino. Eu lembro que ia visitar a academia de um treinador chamado Miguel de Oliveira, em Londrina, e ele falava: Não! Mulher não entra na minha academia! Vai lá hoje ver quantas mulheres treinam

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E no kick boxing você logo começou a competir...

Sim. No começo eu apanhei bastante. Vinha de um esporte sem contato para um de total contato. Como os treinadores não me ajudavam muito, foi difícil. Mas depois de um ano eles perceberam que não tinham como me tirar de lá, começaram a investir mais tempo em me treinar e rapidamente comecei a dar resultados. Fui campeã absoluta do meu país por quatro anos, participei de dois campeonatos mundiais entre 17 anos e 23 anos.

Nessa época você estudava?

Comecei a faculdade de educação física lá e terminei aqui no Brasil.

Tive fratura no nariz e não me disseram. Estava com muita dor e achava que era sinusite. Tive uma crise forte, queria cortar a cabeça. Era uma fratura aberta. Eu estava sem dinheiro, sem patrocínio, sem poder lutar... Entrei em depressão

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REVISTA DO BRASIL

Vivendo sozinha?

Sozinha desde os 16 anos. Eu não sou típica... Lá as mulheres casam cedo, para fugir de casa ou para constituir família. Eu tinha 13 ou 14 anos e já sabia que essa não seria a minha vida. Oportunamente, quando acabar a minha carreira, posso casar, ter filhos. Mas sempre achei que a gente tem mais a dar do que o que a natureza ou a cultura propõem. Porque isso todo mundo pode. Mas fazer escolhas é mais difícil. É mais fácil você seguir fazendo o que esperam de você.

Você já viveu quatro guerras. Tem alguma imagem que ficou registrada na sua mente?

Nas três primeiras eu era bem nova. Então lembro apenas das filas enormes para comprar coisas, porque a gente tinha que estocar comida e água. Ficava a família inteira na fila, porque cada um tinha direito a uma quantidade limitada de comida. Meu pai e meu tio foram convocados várias vezes e nós não sabíamos se eles voltariam para casa. A cultura do meu país é a de um lugar que sempre viveu em guerra. O olho por olho, dente por dente. Se você me faz uma coisa agora, ela vai ter troco, mesmo que demore alguns anos.

Anotam no caderninho?

As pessoas são mais duras, mais defensivas. Me lembro que treinava kick boxing no porão de uma academia e um dia um cara chegou e gritou “Estamos em guerra!” e nós nem demos bola, até parece que um lugar entra em guerra assim. Quando saímos na rua, à noite, não tinha uma luz acesa, um carro, uma pessoa, nada. Às vezes, passava um carro com umas pessoas gritando “guerra!”, e só. E tinha aquela coisa de se enfiar em abrigos quando uma bomba era anunciada. No final, as pessoas nem iam mais para os abrigos, se acostumaram com aquilo. Em guerra nada funciona. Você não vive. Academia não funciona, empresas, escolas, nada. Imagina? Por isso eu decidi vir para o Brasil. Eu já tinha vindo em 1998 competir e fiz amigos. A guerra aconteceu em 1999. Não tinha perspectiva no meu país. Queria começar algo novo. Fui primeiro para Londrina (no Paraná) dar aulas de kick boxing. Percebi que ainda levava jeito para a coisa e voltei a competir. E estou aqui ainda.

SETEMBRO 2010

É verdade que as meninas desistiam de lutar quando viam quem era a adversária?

Primeiro não me conheciam, porque eu era apenas treinadora. Mas quando eu voltei a competir, ganhava todas as lutas. E por nocaute. Aí ninguém mais se inscrevia. Não é que eu ganhava todas, não tinha contra quem lutar. Passei a me inscrever com outro nome, o sobrenome do meu marido brasileiro. Aí elas se inscreviam, mas quando subiam no ringue falavam “A Duda, não!” e desciam.

Você casou assim que chegou ao Brasil?

Eu cheguei e fui trabalhar na academia dessa pessoa, que eu já conhecia desde 1998 quando vim pela primeira vez. A gente começou a namorar. Casamos porque meu visto era de turista. Depois de três anos nos separamos. Só agora eu posso entrar com um pedido de naturalização.

Mas você sempre lutou pelo Brasil.

Sempre. Mas só posso entrar com o pedido de naturalização agora, após dez anos de permanência sem interrupção. Eu gostaria muito, porque, sem ofensas, sou muito mais brasileira do que alguns brasileiros, porque eu optei por isso. Foi uma escolha minha.

Voltando para o ringue, como você foi do kick boxing­para o boxe?

O boxe era um esporte extremamente masculino. Eu me lembro que ia visitar a academia de um treinador chamado Miguel de Oliveira, lá em Londrina, e ele falava: “Não! Mulher não entra na minha academia!” Vai lá hoje ver quantas mulheres treinam. Eu era treinadora da equipe de kick boxing, a gente foi para o campeonato brasileiro e levou 12 medalhas. Ninguém acreditava! Mas eu era muito rígida. Me chamavam de Frida, nazista, porque qualquer coisa eu apontava para o chão e dizia: “Dez! (flexões)” e “Quem não quiser obedecer, a porta da academia está aberta”. Eu não podia dar muita folga para eles, ainda mais por ser mulher. Entre os alunos, tinha alguns que me agradeciam, dizendo que a vida mudou, que o casamento melhorou, que tinha parado de usar drogas... Isso me arrepia só de lembrar! E isso fazia com que eu me dedicasse mais, me esforçasse mais. Até hoje existe a academia, os atletas que eu formei dão aula, o sistema de treino ainda é o mesmo que eu deixei. Fico muito emocionada com isso.

E o boxe?

Naquela época, mais ou menos em 2003, tinha um programa na televisão sobre boxe, do Luciano do Valle­, que tinha patrocínio de uma companhia aérea, o que é muito importante – aliás, eu faço um apelo para que haja mais patrocínio para o boxe. No programa sempre passavam lutas femininas e masculinas. Aí surgiu o convite e eu pensei: “Ah, não deve ser muito diferente”. Mas é completamente diferente. Não sabia como chegar na


Aí que começa a história na verdade, né? Mas você começou várias coisas do zero...

Pois é, olha quantas vezes eu comecei do zero. Sempre quero desafios. Tive muita sorte também. Mas hoje acho que em qualquer lugar que eu me jogar, eu me adapto.

Você aprendeu a falar português sozinha?

Sozinha. Eu falava inglês muito bem, então colocava filmes em inglês com a legenda em português, em português com legenda em inglês, depois colocava português com a legenda em português. Demorei quatro meses para falar fluentemente. E terminei a faculdade de educação física aqui.

Como veio o título mundial de boxe?

Para você disputar o título mundial, precisa ter um certo cartel de lutas. Eu vim para São Paulo atrás do Miguel. A equipe não veio logo de cara. Você precisa mostrar resultados para que as pessoas te ajudem e precisa de ajuda das pessoas para mostrar resultados. Isso sempre foi muito ruim. Por exemplo, eu vou estrear no MMA, começar outra coisa, e os patrocinadores dizem: “estreia primeiro, e se você se sair bem nós te apoiamos”. Isso já me desanimou muito, já pensei em desistir.

Você passou aperto com um empresário sacana...

As pessoas, em qualquer área, querem ganhar dinheiro rapidamente, em vez de ganhar aos poucos de forma pensada. Faltou paciência e bom senso. No último ano do nosso contrato, ele marcava lutas para mim, eu me preparava pra caramba – isso exige investimento de tempo e dinheiro – e pouco antes ele dizia que a luta havia sido cancelada. Mas eu não sabia o que estava acontecendo realmente. Foi muito triste, cansativo. E perdi a atenção da mídia. Sem mídia e sem lutar, perdi patrocínios. Mas tive culpa também, porque a pessoa tinha um histórico e eu não fui pesquisar antes.

Como você se machucou?

Eu estava há um ano sem lutar. O contrato tinha acabado, eu não tinha mais compromissos e precisava de dinheiro. Aí fechei uma luta que não era para fechar. Era uma menina muito boa, de duas categorias acima do peso, fora de casa. Mas eu não tinha escolha. Não valeu o cinturão mundial que eu tinha de defender, porque era outra categoria. Mas eu não pensei que poderia me machucar. E eu tinha de pensar nisso. Foi algo muito mais sério do que uma simples lesão. Tive uma fratura no nariz­, mas não me disseram que estava fraturado. Eu voltei para o Brasil com muita dor e achava que era sinusite. Tomava remédio e a dor não passava. Aí tive uma crise muito forte, queria cortar minha cabeça fora de dor. Tinha uma fratura aberta. Eu estava sem dinheiro, sem patrocínio, sem poder lutar... Entrei em depressão profunda.

Foi uma parada forçada.

Não sabia mais onde eu estava, quem eu era. Operei em outubro, pelo SUS, graças a pessoas a quem eu posso, devo e vou agradecer. Mas tive de pagar um monte de coisas, gastei o pouco dinheiro que tinha guardado, tive de entregar meu apartamento, meu carro. Não tinha ninguém ao meu lado. Tentava correr e não conseguia, qualquer toque no nariz sangrava e eu não queria mais sair de casa. Aí resolvi dar um tempo. Fui para a minha casa na Sérvia. Tinha até pensado em ficar por lá. Fui passar um tempo na Tailândia e pensei: ainda não é hora de parar. Peguei minhas malas e voltei para cá. Mas quis mudar de paisagem e fui para o Rio. Tinha uma academia boa de treinamento, eu conhecia a equipe. Tive de começar praticamente­do zero porque estava totalmente fora de forma. Aí fui convivendo com os atletas, fui melhorando e hoje acho que estou na minha melhor forma. Lutei há poucos meses com uma africana valendo o cinturão e perdi por pontos. Mas fiquei muito satisfeita com a minha performance. Treinei poucos meses para esta luta. Foram dez rounds.

FOTOS JAILTON GARCIA

menina sem chutar. Mas quando eu cheguei, nocauteei. E toda semana eu ia lutar. Ninguém tinha dinheiro, a confederação não tinha dinheiro. No boxe tinha mulher pra caramba. Voltei nessa academia e o treinador falava “Se você quiser, fica aí no cantinho”. Aí fui crescendo, melhorando, fazendo luva com os caras. Até que em 2003 fizeram o primeiro campeonato feminino nacional de boxe e eu participei. Em 2004 e 2005 ganhei. Vim para São Paulo treinar com a seleção masculina porque não existia a feminina. Tinha dias em que eu chegava em casa tão cansada que desmaiava no sofá e acordava só no dia seguinte. Apanhava, chorava... Fui lutar o campeonato panamericano e peguei medalha de bronze. Fui pesquisar sobre a mulher que ganhou de mim, porque ela era um caminhão. Vi que ela viajava para lutar, tinha mais de 50 lutas fora. Então resolvi me profissionalizar. Quando você é profissional, o treino é diferente, você se prepara para lutar contra aquela pessoa. Você estuda, cria técnicas para aquela luta.

No meu país as mulheres nascem para casar, ter filhos, serem sustentadas pelo marido. Quando eu já morava no Brasil, ligava para a minha avó e ela dizia: ‘Tudo bem, você é campeã mundial, mas quando vai casar?’

E agora chega de boxe?

Não abandonei o boxe, mas recebi uma proposta para ir para o MMA e topei. Agradeço essa minha fase aos patrocinadores – Cerpa, Amazon Power –, à academia X-GYM, que me acolhe, e à dedicação do Josuel Distak, meu treinador, e do preparador físico Rogério Camões.

Eu nem sabia que tinha mulheres no MMA...

Tem poucas. E é um jogo de xadrez, como toda luta. Você tem de prever os movimentos, tem muitas regras, tem de pensar. Não são só dois caras se batendo. Hoje eu tenho preparador físico, técnico, parceiros de treino e psicólogo. As pessoas acham que atleta é saudável. É saudável nada! Vive no limite, machucado, cheio de dores... Mas o MMA talvez venha agora para coroar todos estes anos em diversas lutas. E lá vou eu começar tudo de novo. SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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COMPORTAMENTO

Caldo negativo Misture uma chuva de crédito, o impulso do consumo e publicidade a gosto. Adicione a inexperiência adolescente e uma pitada de falta de educação financeira em casa. Está pronto um legítimo jovem endividado Por Miriam Sanger

B

asta acompanhar os comerciais da TV. Perfume, relógio, notebook, TV de plasma ou LED, carro, tudo em infinitas parcelas, pedindo “consuma, consuma, consuma porque a vida é curta”. Crianças e adolescentes são a mira da vez das empresas quando planejam lançar um produto. Quanto antes fidelizarem, mais duradouro será o relacionamento. “Se trocar a marca do pão de todo dia já é tarefa difícil, imagine o tempo que uma pessoa leva para mudar de banco?”, pergunta Marcos Calliari, sócio da agência Namosca, especializada 32

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em apoiar as empresas a encontrar seu caminho até o público jovem. Ok, todos só estão fazendo a sua parte: empresas fortalecem a imagem de seus produtos, os bancos oferecem crédito a quem dá os primeiros passos, a mídia estimula o consumo. Mas esses ingredientes, para um jovem com fraca educação financeira em casa, podem levar a uma equação perigosa: segundo pesquisa da Associação Comercial de São Paulo, a porcentagem de inadimplentes com menos de 20 anos duplicou de 4% em 2009 para 8% este ano. E não bastasse empenhar seus próprios recursos, os jovens podem levar a família junto.

Segundo pesquisa da Kantar Worldpanel, empresa global de pesquisas de consumo familiar, nos lares onde há adolescentes entre 12 e 19 anos gasta-se 5% a mais do que se ganha. Naquelas sem esses jovens, sobra 5%. A culpa é deles? Sim e não. “Somos em grande parte resultado da nossa educação”, opina a cientista política e especialista em Educação Financeira Cássia D’Aquino. A tarefa de criar consumidores conscientes, segundo Cássia, deve começar aos 3 anos da criança, e mais baseada em exemplos do que em cartilhas. Em 2006, as empresas brasileiras gastaram R$ 39 bilhões em publicidade para esse pú-


“E estes, para compensar seu mal-estar infundado, tentam resolver a ausência oferecendo autonomia ou atendendo a todas as solicitações dos filhos, sem negociar nada em troca. Essa questão ainda nos diferencia de países ricos, onde a maioria das crianças tem seu papel dentro de casa, seja cortando grama no fim de semana, seja ajudando a tirar a mesa do jantar”, comenta a psicanalista e socióloga Nilda Jock. Outros fatores comportamentais entram na mistura. “É uma geração de pais que colocam seus filhos acima de si mesmos, especialmente nas classes média e alta. Já entre as classes populares os jovens enfrentam desde cedo mais barreiras. Precisam contribuir em casa, por exemplo.”

Comecei a sofrer da polihexa-tributação da dívida. São várias taxas em cima da mesma coisa. Você puxa de um lado, mas é um sistema do qual é quase impossível sair Tomaz de Almeida Sá

blico. A principal mídia foi a TV, observada pelas crianças durante cinco horas por dia. O Instituto Alana, que combate o consumismo infantil, desenvolveu um programa para esse fim. Investe esforços na tentativa de criar leis de proteção aos pequenos. “O jovem de hoje foi a criança que nasceu dentro de uma lógica louca de mercado. Até os 12 anos, está provado que elas não têm capacidade para lidar com mensagens persuasivas e crescem acreditando que terão, no consumo, um ingresso social”, descreve Laís Fontenelle Pereira, coordenadora de Educação e Pesquisa do Programa Criança e Consumo do Instituto Alana.

Ela comenta que o último Dossiê Universo Jovem da MTV, pesquisa feita com o público da emissora, comprova a formacão de uma geração complicada. Despolitizados, alienados, perderam espaço público e se relacionam por meio das novas tecnologias – e redes sociais também convidam ao consumo. Além disso, são filhos de gerações que padeceram da falta de uma liberdade que hoje imprimem na educação de suas crianças. Essa liberdade, oferecida por convicção ou por culpa, muitas vezes atrapalha ao invés de ajudar. Os jovens de agora são filhos de casais que sempre trabalharam o dia inteiro.

REGINA DE GRAMMONT

Uma tortura

A coordenadora de Marketing Bianca Anzelote de Souza vai ter de aprender rápido a lidar com seu dinheiro para que seu filho de 4 anos cresça com a educação financeira em dia. “Passei por dificuldades na infância e hoje tenho problemas em dizer ‘não’ para mim e também para ele”, conta. Até os 23 anos, pagando faculdade e ajudando em casa, Bianca não teve problemas. Aí arrumou um emprego com salário melhor. “Passei a comprar o que me dava na telha. Começaram a chegar as faturas, a dívida aumentava, me desesperei. Engravidei e passei a consumir para o bebê também.” Até conseguiu controlar a situação, mas há três anos, nova encrenca: empregada em uma empresa do segmento da moda, achou novo motivo para consumir. “Você precisa entrar num certo perfil para se enquadrar. Meu lado consumista voltou à tona... Basta sobrar um dinheirinho para vir à cabeça: ‘estou precisando tanto daquela coisinha ali...’ Foi uma tortura controlar o consumo, mas foi como consegui me manter longe das dívidas.” Pertencer a essa ou aquela classe social também não dá atestado de imunidade ao gastador. É comum o deslumbramento com os primeiros salários levar o jovem a se embananar. Leandro Fernandes de Souza, aos 21 anos, possui quatro cartões e uma disponibilidade de crédito de quatro vezes seu salário. O auxiliar administrativo ganhou seu primeiro cartão aos 18 anos e, logo na primeira fatura, não fez o pagamento integral. “Não entendo muito bem sobre juros. Nunca economizei na hora de me divertir: cinema, restaurante, barzinho, passo tudo no cartão”, conta. A situação seguiu descontrolada e chegou no cheque especial. SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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“Quando recebi uma carta do Serasa vi que estava mesmo me atolando.” A situação aconteceu há dois anos. Desde então, com a dívida negociada, ele jura que ainda neste ano estará com tudo resolvido.

Ficha limpa

O analista de projetos Lucas Flauzino, de 19 anos, trabalha desde os 14. Aos 16 entrou num novo emprego e ganhou limite automático no cheque especial equivalente a 120% do seu salário. Batata: gastou não sabe como nem onde. “A saída que achei foi usar o crédito pré-aprovado no banco para pagar a dívida do cheque especial. E então começar a pagar essa nova dívida com o banco”, conta. “É fácil quando você tem o nome limpo. Do contrário, você só se mantém na base do dinheiro vivo.” A imensa oferta de crédito também encrencou Z.C.M. devido ao seu histórico de consumo desmedido, sempre contando com a facilidade das lojas. Filha de uma bancária no Rio de Janeiro, ela tentou, por anos, conseguir emprego em banco. “Eu mandava o currículo, mas não era chamada”, lembra a moça, hoje com 26 anos, que recentemente conseguiu “limpar” seu CPF, com ajuda da mãe. Ela não quer divulgar o nome pois acaba de ser contratada – e sabe que esse tipo de história não pega bem. “Pior do que não ter crédito no mercado é perdê-lo com as pessoas­.” Ela se refere à mãe, com quem a relação ficou estremecida. “Ela não consegue mais confiar em mim”, conta Z. Os cartões de crédito atendem a faixas etárias cada vez mais baixas. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Cartão de Crédito e Serviços, o público jovem já representa 12% da clientela. No meio

Não entendo muito bem sobre juros. Nunca economizei na hora de me divertir: cinema, restaurante, barzinho, passo tudo no cartão Leandro Fernandes de Souza

Juros nas alturas: legal, mas imoral A oferta de crédito ao consumidor foi um dos instrumentos financeiros que permitiu ao país superar a recente crise econômica mundial. Ou seja, não é a existência do crédito em si um bicho-papão. O problema é a voracidade das instituições financeiras, que devoram sem dó quem usa mais do que pode pagar. E faz isso não sem conhecimento do perfil do jovem brasileiro. Pesquisa realizada pela Febraban para a produção de seu portal de educação financeira mostrou que “o jovem da classe média tem grande ímpeto de consumo, é mais

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descontrolado financeiramente e tem renda menor, fatores que levam ao endividamento”, diz Fábio Moraes, diretor de Educação Financeira da instituição. “Cada banco tem sua política comercial. De fato, pode ter ocorrido exagero na oferta, mas uma das maiores preocupações dos bancos, no momento, é rever a política de crédito”, afirma. Esse esforço bem intencionado parece precário, já que ainda não se veem iniciativas concretas nesse sentido. Pelo menos não tão facilmente quanto um crédito automático pré-aprovado.

O cartão de crédito e o cheque especial têm funções e facilidades que podem ser o começo de um caminho sinistro para quem não percebe que o dinheiro existe, mas custa caro. Usar o limite do especial significa se expor a juros em torno de 160% ao ano. E se a opção for protelar a fatura do cartão, pode chegar a 500% ao ano. Dados do Banco Central mostram que o uso do cheque especial está caindo: é fonte de 34% dos empréstimos das famílias, ante 60% dez anos atrás. O cartão de crédito responde por um quarto das operações de emprésti-

mo de pessoa física. O Brasil já tem mais de 136 milhões de unidades. Mas não há sinais de uma regulamentação dos limites oferecidos ou da forma de abordagem sobre as pessoas – hoje é possível aumentar o limite de crédito pela internet ou por telefone. Em muitos casos, o limite pode ser automaticamente ultrapassado pelo cliente. E isso só aparecerá na fatura. Como afirmou recentemente à imprensa o advogado Odon Bezerra, presidente da OAB da Paraíba: “Isso pode ser até legal, mas é também imoral”.


FOTOS REGINA DE GRAMMONT

Foi uma tortura controlar o consumo, mas foi como consegui me manter longe das dívidas

Bianca Anzelote de Souza

universitário­a concorrência é feroz. “Na faculdade tem sempre ofertas de cartão, cheque especial”, conta Bruna Aparecida Dalla Valle Bonamini, estudante de Publicidade, Propaganda e Criação. A moça tem sorte: desde que se lembra como gente é carinhosamente bem orientada. “Quando recebia mesada, meu pai me recompensava se guardasse uma parte. Se poupava R$ 20, ele colocava outros R$ 20 na poupança”, explica. Hoje estagiária numa agência, Bruna recebe o salário e já separa 15% para a caderneta. Dinheiro é um assunto sempre em pauta na casa. “Quando decidimos comprar um carro, por exemplo, vamos juntos escolher. Trocamos ideias, falamos sobre custo-benefício, as vantagens de parcelar ou comprar à vista. Nossos filhos aprenderam observando como meu

marido e eu nos comportamos”, conta a mãe de Bruna, a professora Sandra. “Eu mesma gosto de roupa de grife, só não me endividaria para ter uma”, garante Bruna, ciente de que tem um controle que muitos adolescentes não têm. “Eles se vestem de forma parecida e consomem tentando se equiparar. Eles precisam de ícones e status que asseguram o pertencimento ao grupo”, explica a psicanalista Nilda Jock. Quem consegue escapar dessa situação emocional complicada? “Os que vêm de boas estruturas familiares e não sofrem com essa insegurança.” Tomaz de Almeida Sá, de 27 anos, conhece bem a influência familiar e conta que está prestes a se livrar de um longo histórico de dívidas de todos os tipos. O exemplo veio do pai que, segundo Tomaz, sabia se virar bem emprestando daqui e dali. “Essa coisa é meio

hereditária. Para meu pai, fazer dívida nunca foi problema. Hoje a vida financeira dele é regrada, a minha nem tanto”, conta. A roda viva começou quando Tomaz recebeu o adiantamento de uma herança. Comprou um apartamento em Belo Horizonte e o que sobrou foi para o banco. “Aí a instituição vê que você está com cacife e dá um crédito que você nem sonharia ter.” Na época, Tomaz estava investindo na ideia de fazer sua banda de música acontecer. Não aconteceu. “Comecei a sofrer da poli-hexa-tributação da dívida. São várias taxas em cima da mesma coisa. Você puxa de um lado, mas é um sistema do qual é quase impossível sair.” Tomaz foi salvo pelo boom imobiliário. Seu apartamento foi supervalorizado e, com a venda, ele está quitando dívidas e tentando começar a vida de novo. Até agora, não conseguiu limpar o seu nome no Serasa. Engana-se quem imagina que essa perturbação seja privilégio de patricinhas e mauricinhos. “O impacto do consumo pode ser muito mais prejudicial em classes menos favorecidas, na qual os jovens sofrem por não ter acesso aos bens desejados. Acompanhamos um crescimento da violência relacionado à busca por produtos mais selecionados. Para citar um exemplo dramático, em pesquisas sobre exploração sexual constatamos que as meninas trocam sexo por bens de consumo”, explica Laís, do Instituto Alana. A educação vem de casa, mas o que se faz contra todas as tentações do mundo? São várias as possibilidades: estender a educação financeira nas escolas, regulamentar a oferta de crédito, proteger minimamente as crianças da publicidade. Mas disciplina financeira começa em casa. Num momento em que as sociedades padecem de uma crise de valores, alguns precisam ser resgatados: amizade, ética, alegria, bem-estar­, coisas que o dinheiro não compra, como diz a propaganda de um cartão de crédito. Mas que uma sociedade demasiadamente consumista tampouco estimula. “Precisa haver um resgate dos limites, e quem os promove são os pais, dentro de casa”, encerra Nilda Jock.

Vá além

Manual do Jovem Consumidor: www.procon.sp.gov.br Caderno Temático do Consumo Consciente do Dinheiro e do Crédito: www.akatu.org.br Meu Bolso em Dia (Febraban): www.meubolsoemdia.com.br SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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CIDADANIA

Ação cultural leva fotografia, grafite e rap a uma favela em plena região central de São Paulo Por Gisele Coutinho Fotos Rogério Fernandes

A vida no moinho

U

ma favela com 900 famílias, cerca de 4.500 pessoas. Barracos de madeira em meio a prédios abandonados, espremidos entre duas linhas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). O esgoto é a céu aberto, falta água, energia elétrica, faltam condições básicas de saneamento. A favela do Moinho tem todos os problemas típicos da perife-

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ria da capital paulistana – a diferença é que está em plena região central, no Bom Retiro, embaixo do viaduto Orlando Murgel, a três quilômetros da Praça da Sé e da sede da prefeitura. Esse foi o palco de uma ação de cidadania que a jornalista e produtora Yara Morais, de 22 anos, produziu na última semana de julho para chamar atenção sobre o problema da falta de água. Com ingressos na forma

de alimentos e roupas, Yara reuniu artistas, jornalistas, fotógrafos, integrantes do movimento hip hop, grafiteiros e rappers como Kamau, Du Bronx, Emicida, Crônica Mendes, Sandrão do RZO, o grupo Consciência Humana e o poeta Sergio Vaz. Nem o frio, muito frio, atrapalhou as crianças do Moinho. Com ajuda dos grafiteiros, elas desenharam seus sonhos nos muros de um terraço de prédio abando-


nado, local da festa-protesto. Na escadaria que dava acesso à festa, muita fumaça vinha do prédio inacabado e abandonado, das fogueiras que serviam tanto para cozinhar como para tornar o frio mais suportável. De longe já se ouvia o barulho dos toca-discos e das caixas de som improvisadas. Anoiteceu e, mesmo sem luz, a ação continuou com clima de festa, ao som dos rappers Kamau e Emicida revezando o

microfone e cantando “a rua é noiz, noiz, noiz!”. Yara lembra que o hip hop, naquele momento, chamou a atenção dos moradores para aprender a reivindicar seus direitos, já que a administração atual ainda tem de aprender muito do que se passa debaixo de seu nariz. “Falta água, falta moradia decente para muita gente nesta cidade”, disse Yara, que conheceu a favela do Moinho enquanto produzia um videoclipe da cantora

Luisa Maita, gravado no local. “Na verdade, o diretor do vídeo, o fotógrafo João Wainer, foi quem me deu a primeira oportunidade de adentrar na comunidade, pois ele já havia feito algumas fotos lá há alguns anos.” Os moradores não sabem precisar exatamente quando começou a ocupação localizada entre as linhas de trem que partem do centro da capital às regiões norte e oeste da Grande São Paulo, mas garantem que SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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faz mais de 20 anos. Primeiro, as pessoas se limitaram a ficar embaixo do viaduto, depois se espalharam pelo terreno, ao redor das ruínas do moinho central, uma das inúmeras propriedades do conde Francisco Matarazzo. De acordo com Sabrina Marques, do Escritório Modelo da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, que presta atendimento jurídico e social à comunidade, há seis processos discutindo a propriedade do terreno. Em 2008, a prefeitura entrou com uma ação de desapropriação, mas a Justiça concedeu a tutela antecipada, autorizando a permanência das famílias até haver um julgamento definitivo. “Eles se mobilizaram muito, se organizam para ser recebidos pela prefeitura, pela Secretaria de Habitação”, completa a advogada. Ceará, um dos moradores, luta para continuar em casa: “Aqui temos tudo: emprego, escola, atendimento médico, transporte... Por que isso deve ser limitado apenas às pessoas com maior poder aquisitivo?” 38

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Primeiro, as pessoas se limitaram a ficar embaixo do viaduto, depois se espalharam pelo terreno, ao redor das ruínas do moinho central, uma das inúmeras propriedades do conde Francisco Matarazzo


DVD

Da margem para a estante Coleção de filmes que desafiaram o convencional, os bons costumes, a ditadura e até o cinema novo traz mais dois volumes Por Guilherme Bryan

C

hegaram mais dois volumes da Coleção Cinema Marginal Brasileiro. Um traz de Carlos Reichenbach o longa-metragem Lilian M: Relatório Conjugal (1975) e os curtas Esta Rua Tão Augusta (1969), Sangue Corsário (1979) e O M da Minha Mão (1979). Outro traz de José Agrippino de Paula Hitler 3º Mundo (1968), Maria Esther: Danças na Água (1972) e Céu sobre Água (1978). Quatro pacotes já haviam sido lançados pela Heco Produções e a Lume Filmes. O projeto pretende concluir um total de 12 edições com 40 obras até o final de 2011, entre curtas, médias e longas inéditos de Julio Bressane, Andrea Tonacci, Rogério Sganzerla, Ozualdo Candeias, André Luiz Oliveira e José Agrippino de Paula. Tonacci já teve contemplados na caixa 1 os filmes Bang Bang (1971), o média Blá Blá Blá (1968) e o curta Olho por Olho (1966). Sganzerla está no volume 2, com o longa Sem Essa, Aranha (1970) e os curtas A Miss e o Dinossauro (2005) e História em Quadrinhos (1969). O volume 3 saiu com cinco títulos de Eliseu Visconti, entre os quais o longa Os Monstros de Babaloo (1970). Cada edição, que custa em torno de R$ 50, tem cópias remasterizadas, extras, entrevistas e muita informação adicional.

Cena de Lilian M

O cinema marginal – chamado cinema poesia por Júlio Bressane, ou cinema inventivo, por Jairo Ferreira – surgiu no final da década de 1960, quando vários cineastas brasileiros propunham produções alheias ao sistema oficial de distribuição e exibição, feitas com restos de película. De acordo com Carlos Reichenbach, o trabalho registra a visão de uma parte da Geração 68 que trocou a subversão pela transgressão e deixou como lição o cinema como exercício de liberdade. De acordo com Eugênio Puppo, da Heco, o movimento abriu portas para um cinema sem amarras, difícil de ser feito pois o governo não deixava e não se conseguia dinheiro. “Seria importante tê-los acessíveis nas prateleiras”, diz, referindo-se aos volumes lançados. Dois filmes são considerados marco inaugural desse cinema: À Margem (1967), de Ozualdo Candeias, e O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, ambientado na Boca do Lixo, em plena região central paulistana – hoje conhecida como cracolândia, e na época um polo produtor e distribuidor dessa cinematografia. O cinema marginal aconteceu também em cidades como Salvador, com André Luiz Oliveira, de Meteorango Kid, o Herói Intergaláctico (1969) – no volume 4 –, Rio e Belo Horizonte, com Júlio Bressane e Neville de Almeida­.

FOTOS DIVULGAÇÃO

Agrippino

Agrippino Reichenbach

O movimento estabelecia contato com outros movimentos culturais, caso do Tropicalismo, do Teatro Oficina, de José Celso Martinez Corrêa, da poesia de Roberto Piva e Claudio Willer e da arte plástica de José Roberto Aguilar. Vários desses filmes misturavam histórias em quadrinhos e propagandas com o jornalismo sensacionalista e a linguagem do rádio e da televisão. “Nós vivenciamos muita coisa em muito pouco tempo e tínhamos um sentido, sobretudo, canibal da cultura, de buscar uma síntese, utilizando o que havia de melhor ou pior”, define Reichenbach. Influências vinham também do cinema underground norte-americano, representado por nomes como Andy Warhol e Derek Jarman. Glauber Rocha apelidou esse movimento como “udigrúdi”, ironizando-o como uma velha novidade, “cinema barato de câmara na mão e ideia na cabeça”. A censura e a perseguição do regime militar levaram alguns cineastas a deixar o país. Para Reichenbach, porém, mais determinante para o término do movimento foi a interdição não oficial de duas de suas melhores produções: República da Traição (1970), de Carlos Alberto Ebert, e Orgia ou O Homem Que Deu Cria (1971), de João Silvério Trevisan – liberados somente no início da década de 80. SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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CAPA

A FAVELA POR ELA N MESMA Jovens cineastas formados em comunidades carentes chegam ao Festival de Cannes com filme de primeiríssima qualidade que mostra suas vidas como elas realmente são Por Xandra Stefanel

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o verão de 1961, cinco jovens cineastas de classe média subiram morros cariocas e fizeram o filme 5x Favela. Lá estavam Cacá Diegues, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Marcos Farias e Miguel Borges, integrantes do Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE). A obra, hoje difícil de ser vista em locadoras ou cineclubes, tornou-se um marco do cinema nacional como uma das precursoras do Cinema Novo, movimento cinematográfico brasileiro influenciado pelo neorrealismo­italiano e pela Nouvelle Vague (nova onda) francesa. Quase 50 anos e muitos filmes depois, Cacá voltou a subir os morros cariocas. Agora como produtor e na companhia de sete jovens cineastas moradores de comunidades carentes do Rio. O longa-metra-


MEDO DO DESCONHECIDO Vitor Carvalho é o ator principal de Deixa Voar, dirigido por Cadu Barcellos. O episódio conta a história de Flávio, um garoto que mora no Complexo da Maré e deixa a pipa cair no território da facção inimiga

perceberam que poderiam ajudar a lapidar diamantes e resolveram montar um projeto para proporcionar a esses jovens as mesmas condições de produção de qualquer filme de médio porte e permitir que tivessem acesso à economia formal do cinema. “A principal diferença entre os dois filmes é que o primeiro foi feito por cinco jovens universitários generosos e bacanas, mas de classe média, com um olhar de fora. E esse, não. Foi concebido, escrito, criado e realizado por jovens moradores de favelas”, compara Cacá. “Essa é a primeira geração de audiovisual das favelas cariocas e uma contribuição importante para a evolução do cinema brasileiro. Eu sabia que estavam prontos para fazer o filme.” Os episódios de 5x Favela, Agora por Nós Mesmos trazem histórias do dia a dia no morro. Para chegar ao formato final, foram necessários mais de três anos. Mas valeu a pena: o filme foi selecionado para um dos mais importantes festivais de cinema do mundo, o de Cannes, na França, e exibido em caráter hors concours (fora da mostra

Cadu Barcellos

Luciano Vidigal

Luciana Bezerra

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gem 5x Favela, Agora por Nós Mesmos, lançado em agosto, tem cinco episódios, assim como o da década de 1960. A diferenRodrigo ça é que o olhar dos atuais Felha Cacau Amaral diretores não é “estrangeiro”: todos moram nos ambientes onde filmaram. A ideia nasceu na década Wagner Novais de 1990, quando Cacá teve o primeiro contato com orManaíra ganizações culturais de váCarneiro rias comunidades e passou a acompanhar os curtas-metragens dos participantes de TUDO JUNTO cursos e oficinas, feitos em câmeras domésOs diretores ticas, editados em programas acessíveis e moram em comunidades que circulavam quase que exclusivamene a maioria já te de um núcleo comunitário a outro. Ele trabalhava e a produtora Renata Almeida Magalhães com cinema

competitiva). Levou também sete prêmios no Festival de Cinema de Paulínia, em São Paulo: melhor filme de ficção (oficial e júri popular), ator coadjuvante (Márcio Vito, do episódio Acende a Luz), atriz coadjuvante (Dila Guerra, idem), roteiro (Rafael­ Dragaud), montagem (Quito Ribeiro) e trilha sonora (Guto Graça Mello). Em 2007, a dupla de produtores organizou oficinas de roteiro para escolher as histórias que seriam filmadas. Elas foram ministradas em cinco comunidades que já desenvolviam programas de audiovisual em favelas: Nós do Morro, no Vidigal; AfroReggae, na Parada de Lucas; Cinemaneiro, que atende moradores da Linha Amarela; Central Única das Favelas (Cufa), na Cidade de Deus; e o Observatório de Favelas, no Complexo da Maré.

Cenas da vida

Foram mais de 600 inscritos. Na primeira triagem, o número caiu para pouco mais de 240, que participaram de oficinas técnicas de capacitação, como figurino e arte, entre outras. Só esse processo consumiu cerca de 10% do orçamento total da obra que foi de R$ 4 milhões. Todos tiveram aulas e palestras com grandes nomes do cinema nacional, como Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Walter Lima Jr., Walter Salles, Fernando Meirelles, João Moreira Salles e Lauro Escorel. Dos 240, 90 trabalharam efetivamente no filme e os demais, segundo Cacá, ficaram aptos a alçar voo no difícil mercado cinematográfico brasileiro. Ele explica que os sete diretores foram selecionados por meio de três critérios: “O primeiro deles, obviamente, era o currículo: quem já tinha feito um filme e demonstrado talento. O segundo foi o aproveitamento na oficina e o terceiro, nossa intuição”. O produtor conheceu Luciano Vidigal em 1993, quando filmava Veja Essa Canção, no qual o jovem atuou. Luciano já trabalhou, entre outras coisas, como boleiro de tênis, trocador de van e carregador de feira. “Comecei a fazer teatro e cinema aos 11 anos porque minha mãe era empregada doméstica na casa do (ator) Otávio Müller. Soube do Nós do Morro e achei que era o passaporte para o mundo”, lembra, aos 32 anos, o agora diretor do episódio Concerto para Violino. O episódio que dirigiu é o SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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Fatima Rodrigues, Luis Otavio Fernandes e Adriano de Jesus em Acende a Luz

zinhos que estão sem luz às vésperas do Natal. “O Vidigal vive essa história a cada dia. Ela é alegre, tem muito a ver com a minha família, em como a gente encara a vida, mesmo com as dificuldades.” Foi esse o episódio que rendeu a Dila Guerra, da Cia. de Emergência Teatral, que trabalha para o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro­, o prêmio de melhor atriz coadjuvante. Em Arroz com Feijão, Rodrigo Felha, 30 anos, e Cacau Amaral, 38, dirigiram juntos a história do menino Wesley, que ouve o pai confessando que estava cansado de comer o mesmo prato e tenta, com a ajuda do hilário amigo Orelha, arrumar um frango para deixar o aniversário do pai mais saboroso. Felha, que mora na Cidade de Deus, conhece de perto essa realidade, e por isso se sente orgulhoso do trabalho em grupo. “Sempre 42

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mais dramático dos cinco, sobre três crianças que juram amizade eterna, mas que tomam caminhos diferentes na vida: um vira policial, outro, traficante e uma, violinista. “Quando eu recebi o argumento, senti o desafio. Ninguém queria filmar a violência porque isso é clichê, mas eu, como gosto de drama, adorei. O fato de eu ter um irmão que foi traficante me permitiu colocar elementos da minha vida pessoal na ficção”, comemora Luciano. Ele é morador do Vidigal e já teve seu curta Neguinho e Kika premiado em vários festivais nacionais e no de Marselha (França), além de ter trabalhado na preparação de atores de Cidade de Deus (Fernando Meirelles) e Tropa de Elite 2 (José Padilha) e atuado em 13 longas, entre os quais Orfeu (Cacá Diegues), O Primeiro Dia (Walter Salles) e Proibido Proibir (Jorge Duran). Luciana Bezerra, de 36 anos, também é atriz, trabalha com cinema há 17 anos e mora no Vidigal. O episódio que dirigiu, Acende a Luz, retrata as dificuldades de vi-

DIFICULDADE Para conseguir se formar, Maicon (Silvio Guindane) se vê obrigado a vender drogas em Fonte de Renda

Bando do Feijão em Concerto para Violino

fomos colocados nas telas sendo exibidos, nunca como exibidores. Esse é o nosso ponto de vista, que contém, naturalmente, uma crítica social”, diz o diretor, ex-estoquista de loja de calçados que virou estagiário na Globo e, depois, coordenador do Núcleo de Audiovisual na Cufa, quando fez a direção de fotografia de Falcão – Meninos do Tráfico (MV Bill). “Já fazemos isso há muito tempo. O que o Cacá fez foi nos dar visibilidade. Cannes foi bacana. Tem muito glamour, mas aquilo não me encantou. Entrava no melhor hotel de lá e pensava: ‘Cara, eu sou da Cidade de Deus!’. Eu tinha de ficar com os pés no chão.” Manaíra Carneiro, de 23 anos, também estranhou as pompas do festival de cinema francês. “Foi um choque. Saí de uma realidade muito pobre para uma muito rica, com

Hugo Carvana e Sílvio Guindane em Fonte de Renda

gente ostentando, quase que queimando dinheiro. Foi emocionante exibir nosso filme lá, mas era tudo muito estranho. Eu, por exemplo, quase não vi criança lá (risos)! Quando vi, fotografei e fiquei mostrando prá todo mundo. Tô acostumada com a favela, cheia de criança e onde as famílias têm sete filhos...”, brincou a jovem, que sonha em continuar a trabalhar com audiovisual aliado a novas tecnologias para poder ajudar sua família. Ela dirigiu com Wagner Novais, de 25 anos, o episódio Fonte de Renda, em que Maicon, um jovem padeiro, passa a levar drogas aos colegas para ter dinheiro para estudar Direito. “Esse é um filme muito humano. Tem quem critique porque tem muita gente feliz, rindo. O que precisam entender é que as pessoas da favela riem e são felizes como todo mundo”, critica Wavá,


como é conhecido. “Há oito anos, quando de Flávio, que, para buscar a pipa do amicomecei as oficinas de cinema, chorei quan- go, é obrigado a ir para o “território” dodo vi meu primeiro curta no campinho de minado por uma facção rival. É um retraterra batida da Cidade de Deus. Soube que to singelo de uma cidade chamada Maré. “Aquilo é um grande conqueria aquilo para a minha tinente com vários países: vida. Hoje posso dizer que “Sempre fomos 16 comunidades, 170 mil fui para Cannes. Eu nun- colocados nas habitantes, todas as facca esperava,” emociona-se. telas sendo ções, polícia, milícias... É Wavá passou por al- exibidos, nunca um episódio sobre o desgumas experiências secomo exibidores. conhecido, o refugiado”, melhantes às de Maicon explica o diretor. quando entrou no curso de Esse é o nosso Para Cadu, 5x Favela, Cinema na Estácio de Sá. ponto de vista, Agora por Nós Mesmos “Passei por dificuldades que contém, é mais que um filme: “É para me locomover e não naturalmente, um marco na história da podia ficar além do perío- uma crítica social” cinematografia brasileido da aula porque não ti- Rodrigo Felha ra. Nunca vi nada parecinha dinheiro para me alimentar. No episódio Fonte de Renda, falo do. Um cara da favela falando sobre a sua na galhofa sobre o conflito de classes que realidade­no cinema é revolucionário. Além disso, tem a questão do ponto de encontro, vi na minha faculdade.” Deixa Voar mostra as barreiras imagi- porque jovens de várias comunidades fizenárias do Complexo da Maré, onde mora ram o ‘tudo junto e misturado’ realmente­ o diretor Cadu Barcellos. Conta a história acontecer e dar certo”, comemora. Dila Guerra em Acende a Luz

AVENTURA Wesley (Juan Paiva) e Orelha (Pablo Vinicius) tentam ganhar uma graninha para melhorar o rango em Feijão com Arroz

FOTOS DIVULGAÇÃO

Ruy Guerra em Feijão com Arroz

Márcio Vito em Acende a Luz

O mais emocionante, para ele, é saber da importância disso para as pessoas que moram na favela. “Viver de arte no Brasil é muito difícil, mas é muito legal ver sua família, os vizinhos e amigos dizendo que se sentem representados naquilo que eu fiz, no jeito de falar, vestir, nas pequenas coisas. Isso não acontece nas novelas, nem em outros filmes. Eu estava cansado de sentar em frente à televisão e receber luz. Eu queria mudar de lado e reluzir.” Cacá Diegues garante que todos conseguiram esse feito e que Leon Hirszman (1937-1987), idealizador do primeiro 5x Favela, está comemorando. “Onde quer que ele esteja, está felicíssimo. Leon sempre foi um congraçador que trabalhou pela solidariedade e pela soma das pessoas.” SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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VIAGEM

Cidades antigas, problemas atuais Mariana, Ouro Preto, São João del-Rei e Tiradentes enfrentam problemas trazidos pelo crescimento desordenado e tentam ganhar adesão da população para preservar o seu patrimônio histórico Por Andréa Moreira

A

s conhecidas cidades históricas de Minas Gerais trazem em suas ruas, casas e monumentos uma importante parte da história do Brasil. Construções que eternizam a época de ouro. Imóveis que retratam o trabalho escravo de um povo. Hoje, essa representatividade histórica convive cada vez mais cercada dos problemas cotidianos das cidades modernas. A circulação de turistas aumenta, a economia cresce, pessoas migram para lá. Construídos entre o final do século 17 e início do 18, esses municípios têm dificuldades para contornar os transtornos que acompanham esses fenômenos. 44

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Apenas 14 quilômetros separam Mariana e Ouro Preto, na região central de Minas Gerais, que devem suas origens à busca do ouro. Atualmente, a atividade mineradora ainda impera na região – juntamente com as riquezas, trouxe também problemas contemporâneos. Como o grande fluxo de carros, apontado pela coordenadora do Programa Monumenta em Mariana, Fátima Guido. “A Praça da Sé era um estacionamento, temos fotos lá com 76 carros. Mas conseguimos transformar o lugar em uma área de lazer para os moradores e turistas. Durante anos, o chafariz que pertencia à praça ficou escondido atrás da Câmara Municipal. Hoje é o elemento mais original do local”, conta.

Para a coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Clarisse Martins Vilella, conscientizar a população é a arma principal. “À medida que um aluno da faculdade tem acesso à população, ele ajuda na informação. A comunidade ouve as pessoas falando da importância da cidade, por ser um grande conjunto barroco. Mas muitas vezes, não tem consciência do que o período­ representa na história da arquitetura e das artes”, explica. “Se a população tivesse consciência das dificuldades dos desbravadores em fazer essas obras, zelaria mais pelos monumentos. É fundamental que os cidadãos entendam a sua história e não vejam isso apenas como uma fonte de renda.”


Pode cair

Em São João del-Rei e Tiradentes, na região do Campo das Vertentes, a 12 quilômetros uma da outra, as construções também são basicamente do período barroco. Alguns monumentos sofrem perigo de desabamento e desfiguração. Os membros da Associação de Amigos de São João del-Rei travam uma luta para preservar o entorno do Fortim dos Emboabas, casarão tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938. “Por lei, a área próxima ao monumento deveria ser preservada, mas infelizmente isso geralmente não é respeitado”, lamenta a presidente da associação, Alzira Haddad. A associação teme a possibilidade de que seja construído no terreno um conjunto habitacional, como explica a coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Ana Cristina Reis Faria. “Já trabalhamos a frente da restauração no que se refere ao Fortim. Agora, recebemos à notícia do que poderá acontecer no entorno. Por isso, vamos tentar conscientizar as pessoas­ dos problemas irreversíveis, se naquele local for construído qualquer tipo de obra. Temos um projeto de fazer um espaço público para visitação e permanência das pessoas, valorizando a ruína do terreno ao lado do fortim. Mas para isso precisaremos de parcerias”, afirma. Em Tiradentes, o problema mais grave atualmente se refere à Igreja da Santíssima Trindade. A construção foi parcialmente interditada em maio deste ano por solicitação do Iphan, após uma vistoria realizada pelo engenheiro Luiz Mauro de Resende. Na oca-

sião, foram constatadas trincas nas paredes, instalações elétricas inadequadas e expostas. No relatório, o engenheiro recomenda que “a circulação de pessoas no templo seja restrita e planejada, mais notadamente na capela-mor, onde os danos estruturais potencializam riscos de acidentes”. A construção é simples, e recebe todos os anos milhares de fiéis ao tradicional Jubileu da Santíssima Trindade, nos meses de maio ou junho, dependendo do calendário litúrgico. Além da festa, a igreja continua celebrando as missas aos domingos. Frequentadora assídua, dona Maria Rosa de Almeida, de 74 anos, reflete o sentimento de preocupação da comunidade: “Fiquei muito triste quando cheguei aqui e vi as escadarias que levavam até a imagem do Pai Eterno interditadas. Me falaram que a igreja pode cair. Não podemos deixar isso acontecer. Essa obra é uma antiguidade que devemos preservar”.

Estrutural

A imagem a que se refere dona Maria Rosa ficava no altar-mor da igreja. Com cerca de 300 quilos, a estátua do Pai Eterno teve de ser retirada de seu local de origem e colocada na sacristia da igreja, devido ao risco de desabamento. “A Igreja, juntamente com o Iphan, resolveu retirar a imagem, pois além do seu peso existia um grande fluxo de pessoas que ali circulavam para tocá-la. A média diária era de 50 pessoas, e com a festa da Santíssima Trindade este número passava para cerca de 5 mil. Na festa deste ano, as pessoas protestaram, acharam ruim, afinal é uma tradição de séculos”, observa o padre Ademir Longatti, pároco da Igreja.

VANDER FORNAZIERI

RISCO O Fortim dos Emboabas, casarão tombado pelo Iphan em São João delRei, padece com o entorno degradado

ADRIANO ÁVILA

ANDRÉA MOREIRA

Rua de São João del-Rei

TREPIDAÇÃO CONSTANTE Em meio às construções barrocas da Praça Tiradentes, no centro de Ouro Preto, circulam carros e ônibus SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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ANDRÉA MOREIRA

Padre Ademir acredita que uma escada construída por volta de 1940 esteja esmagando as paredes de taipa. “O Iphan ia dar início às obras de restauração, mas não houve um entendimento se deveria demolir a escada ou fazer outro tipo de obra. Só sei que a obra está sendo prorrogada, e quanto mais passa o tempo, mais aumentam as rachaduras.” A chefe do escritório do Iphan de Tiradentes, Maria Cristina Seabra de Miranda, diz que o problema da igreja da Santíssima Trindade é mais técnico, estrutural. “O instituto irá elaborar um projeto neste sentido. Estamos esperando recursos que dependem de outras instâncias governamentais ou privadas para a execução da obra.” Tiradentes enfrenta ainda o transtorno da circulação de ônibus e caminhões no centro histórico. Para o professor e membro da Cooperativa de Condutores de Turismo Luiz Cruz, o trânsito compromete não só as estruturas dos imóveis, como a segurança dos moradores e turistas. “Em Tiradentes, é proibido circular caminhões e ônibus. Existe uma lei que não é cumprida por falta de fiscalização. Isso compromete casas, igrejas, monumentos históricos, pois o material utilizado nesses imóveis é muito frágil, como taipa, pau-a-pique, e com a trepidação fica totalmente comprometido. 46

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Igreja da Santíssima Trindade

ANDRÉA MOREIRA

ABANDONO Em Tiradentes, a estátua do Pai Eterno, visitada por milhares de fiéis todos os anos, teve de ser retirada do altar da igreja da Santíssima Trindade, que corre risco de desabar

O trânsito interfere também na questão da segurança, pois em grandes eventos a cidade fica muito cheia e se houver um acidente não tem como um caminhão do corpo de bombeiros circular”, descreve o professor.

Crescimento desordenado

Para Clarisse Vilella, em Ouro Preto o problema do trânsito já foi pior. “A fiscalização funciona. No centro histórico não tem fluxo de caminhão. Já o tráfego de ônibus é um problema sério também, pois não exis-


tem alternativas para deslocar as pessoas­”. Opinião compartilhada por Fátima Guido, do Programa Monumenta em Mariana, quando ela diz que a falta de alternativas para se deslocar os automóveis dificultam o processo. “Temos um projeto para o trânsito, mas ainda há uma resistência em implantá-lo. Tudo tem de ser bem avaliado, afinal não podemos proibir totalmente o tráfego de veículos no centro”, pondera. Construções em morros, mesmo que distantes dos centros históricos, ocasionam uma interferência nos conjuntos arquitetônicos dos municípios. “O que acontece em Ouro Preto não é diferente do que acontece em outras cidades, que é o crescimento populacional em áreas não planejadas”, avalia Clarisse Vilella, da UFOP. Fátima Guido acredita que a população ficou durante muito tempo sem regras, mas que essa realidade já está mudando. “Antigamente, as pessoas construíam o que queriam. Existiam muitas invasões e construções de final de semana. Isso está sendo mudado, mas ainda falta muito. Nosso grande trunfo são os jovens que começam a

aprender, dentro das salas de aula, o tesouro que sua cidade possui”, ressalta Fátima. Os municípios estão elaborando planos diretores que cuidam não de um monumento isolado, mas de todo o conjunto. Para o presidente da Federação das Associações dos Moradores de Ouro Preto (Famop), Flávio Andrade, o descontrole populacional que aconteceu em décadas passadas deve-se a uma omissão do poder público – algo que, segundo ele, vem se modificando nos últimos anos. “Antes, o patrimônio público era visto como coisa de artista pelo poder público e como um incômodo pelos moradores. Mas da década de 1990 para cá, teve início uma reversão, quando o turismo começou a gerar renda. Sabemos que Ouro Preto tem uma imensa periferia em volta da cidade, ocupada por pessoas que vieram de diversas cidades da região de forma muito desordenada. Não tem como retirar essas pessoas de lá, o que resta é buscar soluções para que minimizem esse impacto”, destaca. Um estudo elaborado no município de Mariana revelou que nos últimos 20 anos a população triplicou. “O aumento populacional foi de pessoas que vieram de outros municípios, e não havia uma preocupação em preservar nosso patrimônio. Hoje, tentamos conscientizar essa comunidade da importância da preservação, mas ainda está muito longe do que seria o ideal”, explica Fátima. Para ela, essas cidades são relíquias que, como todo patrimônio histórico, ajudam a entender a construção da identidade brasileira. Proteger o que resta é uma forma de não deixar que a modernidade apague essa história.

PROGRAMA MONUMENTA/DIVULGAÇÃO

VANDER FORNAZIERI

TIRADENTES Descumprimento da lei compromete monumentos

VALORIZAÇÃO Mariana acabou com o estacionamento na Praça da Sé (ao lado, acima) e melhorou o aspecto do conjunto arquitetônico

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CurtaEssaDica

Por Xandra Stefanel (xandra@revistadobrasil.net)

O que importa

Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar.

Era uma vez um gatinho que foi abandonado na porta de uma biblioteca e adotado por um casal de ratos. Um dia, ele descobre que não é um rato e, revoltado, foge de casa. Vive aventuras, faz amigos e percebe que o que importa de verdade é o amor. A peça infantil O Gato que Pensava Ser Um Rato, da Cia. Ser de Teatro, tem duração de uma hora e aborda de forma lúdica assuntos sobre a diferença, adoção e relações entre as pessoas (ou bichos!). Em cartaz de 21 de agosto a 17 de outubro na sala Gil Vicente do Teatro Ruth Escobar. Rua dos Ingleses, 209, Bela Vista, São Paulo, tel. 3289-2358. Sábados e domingos, às 17h30. R$ 10 a R$ 20.

Casa e infância de Jorge

Jorge Amado completaria 98 anos em agosto, e para celebrar a data, chegam dois livros. Em A Casa do Rio Vermelho (Cia. das Letras, R$ 47), Zélia Gattai relembra e apresenta a história da casa que eles compraram nos anos 1960 no alto de uma ladeira. O imóvel entrou para a história da literatura – lá recebiam os amigos, davam festas, era um território regido pela alegria e pelo jogo das ideias. A delicadeza da anfitriã é o convite para sentir-se à vontade. Para os pequenos, Myriam Fraga conta a história da infância do escritor em Jorge Amado – Coleção Crianças Famosas (Callis Editora, R$ 20). O cenário onde brincava, em Ilhéus, as experiências que inspiraram alguns dos seus 49 livros e as ilustrações de Angelo Bonito transportam o leitor para a Bahia miscigenada de Jorge Amado.

Viagem ao Nordeste

Glória Pires e Paulo Miklos

Ritmo e fumaça Baby (Glória Pires) vive sozinha no apartamento que herdou da mãe, onde dá aulas de violão para alunos bem desinteressados. A sua melhor companhia é o cigarro, até o músico de churrascaria Max (Paulo Miklos) virar seu vizinho, uma chance de voltar a ter uma vida interessante. É Proibido Fumar, filme de Anna Muylaert, é uma história simples de romance e solidão, cheia de humor. Tem trilha sonora bem garimpada, que vai de Villa-Lobos a Bola Sete, Juca Chaves e Jorge Ben Jor. Do You Like Samba, de Cyro Aguiar, fecha o filme com chave de ouro. Em DVD.

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O álbum Cortejo, do guitarrista Cristiano Pinho, é um instrumental profundamente nordestino, cheio das notas regionais, com sotaque de blues, harmonia jazzística e um quê de rock’n’roll. Sua guitarra, que já tocou para Raimundo Fagner e Kátia Freitas (entre outros cearenses), é acompanhada por rabecas, violas portuguesas e percussão. A Volta da Asa Branca/Sertão Linda Flor e Juazeiro são homenagens a Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira e Capineiro, que nasceu de um improviso, é uma canção tradicional cantada por Fagner. À venda em www.ellemento.com por R$ 25.


Morro acima

FOTOS RODRIGO QUEIROZ/DIVULGAÇÃO

De longe pode até parecer chover no molhado, mas a exposição Rocinha – Cotidiano e Arquitetura surpreende: o colaborador da Revista do Brasil Rodrigo Queiroz conseguiu um novo olhar sobre uma das comunidades mais fotografadas do país. Das mais de 600 fotos que produziu, 34 estão expostas até 26 de setembro no Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio de Janeiro. Depois, devem seguir para São Paulo e Belo Horizonte. O objetivo da exposição é que os moradores da Rocinha se vejam retratados numa galeria sem que o foco das obras seja a miséria, mas sim o cotidiano, as edificações e as infinitas e criativas soluções para seus problemas arquitetônicos. As fotos foram feitas de novembro de 2008 a setembro de 2009, e o insight surgiu com a pauta Nada de Abismos, sobre o turismo sustentável na Rocinha, publicada na edição 38 da Revista do Brasil, em agosto do ano passado. “Foi ali que eu decidi fazer a exposição. Se a RdB não me pautasse, ela não existiria. A Rocinha liga os bairros de São Conrado e Gávea. Já tinha passado por perto, mas nunca chegado onde cheguei. Aliás, em geral, só médicos, policiais e assistentes sociais chegaram até onde fui”, afirma Rodrigo. Nada de glamourização da pobreza. O que o visitante verá são imagens com cores opacas e tratamento bem característico de Rodrigo Queiroz mas, acima de tudo, belos retratos da vida comum, que ninguém vê. Tem ambientação sonora de rádios piratas, palestras, oficinas e visita guiada. De terça a domingo, das 12h às 19h. Informações: (21) 3261-2550. Grátis. SETEMBRO 2010 REVISTA DO BRASIL

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Crônica

Por Celso Unzelte

100 anos de exposição Ser corintiano nunca foi fácil. Mas em 2010 não sê-lo deve estar sendo tão ou mais difícil

ADRIANA VICHI

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Celso Unzelte é jornalista, escritor, autor de Almanaque do Timão e Almanaque do Palmeiras e apresentador do programa Loucos por Futebol, da ESPN Brasil

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artidos, religiões, clubes de futebol. Com eles, não tem meio-termo: quem é, é, e os defende até a morte. Quem não é (a turma dos “anti”), contesta-os. Entre todas essas filosofias – do fascismo ao socialismo, do cristianismo ao islamismo –, peço licença para destacar a minha, que no dia 1º de setembro de 2010 completa seu primeiro centenário: o corintianismo. Pronto: garanto que a essa altura grande parte dos leitores acaba de encher o peito de orgulho. Em contrapartida, outra parte deve estar fazendo muxoxo. Os mais xiitas devem ter fechado a revista. Tudo bem, eu banco o risco. Segundo todas as pesquisas feitas até hoje sobre o número de torcedores (ou “adeptos”, como mais propriamente definem os portugueses, principalmente quando essa expressão se refere ao Corinthians), a possibilidade de eu continuar escrevendo para ninguém é absolutamente nula. Vamos em frente. São 100 anos de exposição, desde que o Sport Club Corinthians Paulista, então um pequeno time de bairro, foi fundado à luz de um lampião por operários do Bom Retiro. Tem sido sempre assim, do boca a boca das esquinas quando a equipe começou a se destacar, ainda na várzea paulistana, em 1910, à audiência de milhões de pageviews por conta da volta do Fenômeno Ronaldo, já na era da internet. Como acontece com todas as coisas que realmente fizeram diferença na história da humanidade (para o bem ou para o mal), o Corinthians provoca reações, mas não indiferença. Para o corintiano, isso tem sido uma grande carga. Telefone, e-mail e endereço de corintiano todo mundo tem. São públicos, não há como se esconder, até porque nos momentos de maré alta é ele, o corintiano, o primeiro a entrar em contato com seus detratores. Facilmente identificável por não conseguir conter essa paixão, ele está sujeito aos extremos da exposição. Subiu aos céus quando foi campeão do centenário da Independência, em 1922, e de São Paulo (o quarto), em 1954. Com o gol de Basílio que valeu a reconquis-

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ta do título de campeão paulista em 1977. Quando o obscuro (para quem não é corintiano) Tupãzinho fez o gol que valeu a conquista do primeiro Campeonato Brasileiro, em 1990, contra o São Paulo. Com o título de campeão do primeiro mundial de clubes organizado pela Fifa, em 2000. Mas desceu ao inferno principalmente no período de 22 anos, oito meses e uma semana sem erguer uma taça, de 6 de fevereiro de 1955 a 13 de outubro de 1977. Ou quando foi rebaixado para a segunda divisão do Brasileiro, em 2007. Raros, nesses 100 anos, foram os momentos de quase unanimidade em torno do Corinthians. O mais recente deles, a união nacional em torno do ídolo Ronaldo (teve até palmeirense simpatizando com o gol que marcou seu retorno ao futebol, em cima do próprio Palmeiras). O mais sintomático, a experiência da Democracia Corinthiana, que entre 1981 e 1984, liderada pelo jogador Sócrates, pretendia mudar a arcaica estrutura organizacional do futebol brasileiro enquanto o Brasil também buscava seu rumo na redemocratização. Ainda assim, tinha democrata de carteirinha do outro lado. “Se hay Corinthians, soy contra”, diziam. Nesses dias que antecedem o centenário, tenho feito um exercício: colocar-me no lugar daqueles que não são corintianos. Constato o quão deve estar sendo difícil para eles. Deve ser duro para o anticorintiano ver seu espaço ainda mais invadido no rádio, nos jornais, na TV, e até nesta página, com esse assunto. O que resta, então? Desdenhar, como sempre. Lembrar que a Libertadores, o sonho maior de 2010, foi perdida, e que este ano corre o risco de ser o do “sem ter nada”, no mesmo infame trocadilho utilizado pelos rivais quando o Flamengo, em 1995, o Sport Recife, em 2005, o Atlético Mineiro, em 2008, e o Coritiba, em 2009, também passaram em branco ao completar um século. Entendo a apreensão de quem não é. Mas não consigo deixar de externar uma última observação: pobres mortais. Não sabem que fenômenos como o Corinthians não são por 100 anos, são para sempre.


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